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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS - GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM SAÚDE E GESTÃO
DO TRABALHO - MESTRADO PROFISSIONAL
KARLA SIMONE DA SILVA ESPINDOLA
A PERCEPÇÃO DA MULHER MASTECTOMIZADA SOBRE A ARTETERAPIA NO
CUIDADO À SAÚDE INTEGRAL
Itajaí (SC)
2013
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS - GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM SAÚDE E GESTÃO
DO TRABALHO - MESTRADO PROFISSIONAL
KARLA SIMONE DA SILVA ESPINDOLA
A PERCEPÇÃO DA MULHER MASTECTOMIZADA SOBRE A ARTETERAPIA NO
CUIDADO À SAÚDE INTEGRAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Saúde e Gestão do Trabalho – Mestrado
Profissional, da Universidade do Vale do
Itajaí, como requisito para o título de
Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho.
Área de Concentração em Saúde da
Família.
Linha de Pesquisa: A
perspectiva interdisciplinar.
família
na
Orientadora: Profa. Dra. Maria Glória
Dittrich
Itajaí (SC)
2013
2
E65p
Espíndola, Karla Simone da Silva, 1970A percepção da mulher mastectomizada sobre a arteterapia no
cuidado à saúde integral [manuscrito] / Karla Simone da Silva
Espíndola. – Itajaí: K. Espíndola, 2013.
267f. : il. ; 30 cm
Cópia de computador (Printout(s)).
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí,
Programa de Pós-Graduação em Saúde e Gestão do Trabalho Mestrado Profissional (MPSGT), 2013.
“Orientadora: Profa. Dra. Maria Gloria Dittrich”.
Bibliografia: f. 172-177
1. Arterapia. 2. Mulher mastectomizada. 3. Cuidado – Saúde
Integral. 4. Câncer de mama. I. Universidade do Vale do Itajaí. II.
Dittrich, Maria Glória IV. Título.
CDU: 618.19-089.87
Ficha Catalográfica elaborada por Marli Machado – Bibliotecária CRB14/785
3
KARLA SIMONE DA SILVA ESPINDOLA
A PERCEPÇÃO DA MULHER MASTECTOMIZADA SOBRE A ARTETERAPIA NO
CUIDADO À SAÚDE INTEGRAL
Essa dissertação foi julgada adequada
para a obtenção do título de Mestre em
Saúde e Gestão do Trabalho e aprovada
pelo curso de Mestrado Profissional em
Saúde e Gestão do Trabalho da
Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências da Saúde.
Área de Concentração em Saúde da
Família. Linha de Pesquisa: A família na
perspectiva interdisciplinar
Itajaí (SC), 04 de dezembro de 2013.
Presidenta:
___________________________
Profa. Dra. Maria Glória Dittrich
Membro Interno
Membro Externo:
______________________________
________________________________________________
4
Mais uma etapa vencida e outras que com certeza virão...
Pesquisar é ir encontrar aquilo que pra nossa consciência
ainda não está claro.
É desbravar a si próprio e conseguir fazer o encontro do que
está dentro, com o que está fora, para nesse encontro gerar...
Gerar algo novo para nós mesmos e depois de parir, fazer
crescer, desenvolver, partilhar e brotar numa nova dúvida, num
novo
desconhecido,
num
novo
encontro,
numa
nova
consciência, num novo “ser”.
Dedico esta pesquisa a todas as pessoas que contribuíram
com esse processo de conhecer e de encontrar o novo.
Dedico especialmente ao meu pai que com certeza está
vibrando comigo, e, à minha mãe por ser o meu primeiro
exemplo de leitora....
5
AGRADECIMENTOS
Ao Criador por compreender minha pequenez apesar de eu não conseguir
mensurar a sua Grandeza.
Aos meus pais que me geraram, educaram e ensinaram muito do que sou,
dando-me a possiblidade de existir aqui na Terra.
Ao meu irmão por me ensinar a partilhar e a dividir.
Às minhas filhas Luiza, Gabriela e Morgana que me ensinaram o fenômeno
da doação e do amor incondicional.
Ao meu companheiro Márcio que me ensinou ser possível recomeçar e ser
feliz.
À minha tia Margareth que me ensinou a desvendar os mistérios da leitura,
inserindo-me no mundo dos leitores.
Aos meus avós, tios e tias que me ensinaram que a vida também foi feita para
receber atenção, carinho e mimos.
Ao Elpídio amigo que me ensina todos os dias a generosidade e a
serenidade.
À minha cunhada por me proporcionar encantamento com a chegada de meu
primeiro sobrinho.
Aos meus futuros genros pelo carinho.
A todos os meus professores e professoras que me ensinaram a trilhar meu
caminho em busca de mais conhecimento.
À minha professora, orientadora e amiga Maria Glória que ao longo desses 10
anos, ensinou-me a ser pesquisadora e me mostrou o caminho da arteterapia.
À Áurea amiga que me ensinou a amizade verdadeira.
Àquelas pessoas que de mim se afastaram, mas que de alguma maneira
também deixaram seus ensinamentos.
A todas as amigas e amigos presentes ao longo da minha vida.
À AN e VE mulheres que me ensinaram a nunca desistir de buscar um
sentido para viver, mesmo diante de uma doença grave.
Ao universo que a cada dia manifesta-se em vida e renovação para que
continuemos a nossa jornada de ser, existir e evoluir.
6
Ora, cada qual carrega a tocha do conhecimento por um certo trecho do
percurso, só até entregá-la a outro. Se pudéssemos encarar esse processo
por outro prisma que não o pessoal, se pudéssemos, por exemplo, supor
que não somos nós os criadores pessoais da nossa verdade, mas os seus
representantes, simples porta-vozes das necessidades psíquicas
contemporâneas, muito veneno, muita amargura poderia ser evitada, e
nosso olhar estaria desimpedido para enxergar as relações profundas e
impessoais da alma da humanidade. (JUNG, 2009, p. 66).
7
ESPÍNDOLA, Karla Simone da Silva. A percepção da mulher mastectomizada
sobre a arteterapia no cuidado à saúde integral. 265f. 2013. Dissertação
(Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho). Universidade do Vale do
Itajaí, 2013.
RESUMO
A presente pesquisa é teórico-prática, de ordem qualitativa e tem como tema a
percepção da mulher mastectomizada sobre a arteterapia no cuidado à saúde
integral. Utiliza-se a abordagem fenomenológica existencialista em Frankl, a
psicologia analítica em Jung e a teoria da autopoiese em Maturana, para discutir os
conceitos centrais da pesquisa. O objetivo geral implica compreender a percepção
da mulher mastectomizada sobre a arteterapia no cuidado à saúde integral. A parte
prática da pesquisa consiste em dez oficinas de arteterapia semanais com duas
horas de duração, desenvolvidas na Unidade de Saúde Comunitária da UNIVALI,
localizada no município de Itajaí/SC. A amostra se compôs de duas mulheres
mastectomizadas, que frequentavam o projeto Mãos de Vida da Unidade de Saúde
Comunitária da UNIVALI – Itajaí. A seleção se deu pelos prontuários de mulheres
mastectomizadas, em situação de risco social, com idade entre 30 e 55 anos. A
coleta dos dados da pesquisa foi feita por meio de uma ficha de registro, onde
consta descritivamente as atividades realizadas em cada oficina, seus temas, seus
objetivos, resultados esperados, bem como as informações e percepções
apreendidas pela pesquisadora durante o processo arteterapêutico com as
mulheres; tendo em vista, entender a percepção da mulher mastectomizada sobre
as vivências arteterapêuticas no cuidado à saúde integral. A compreensão sobre os
dados foi obtida por meio da interpretação hermenêutica fenomenológica, desde as
expressões artísticas, dramatização dos contos de fadas e outras linguagens
artísticas utilizadas no processo arteterapêutico. Os resultados da pesquisa foram:
o desenvolvimento de uma tecnologia em saúde com a criação do protocolo
ArTCISaP – Arteterapia no Cuidado à Saúde Integral de Pessoas com Câncer de
Mama, , tal metodologia utilizada no processo arteterapêutico auxiliou, por meio da
criatividade e reflexões sobre os vários aspectos da vida das participantes, inclusive
sobre o sentido da doença em suas vidas. Elas conseguiram encarar cada fase do
tratamento e suas consequências, com mais tranquilidade, pois possibilitou o
autoconhecimento; elevando a autoestima, fortalecendo a autoafirmação e
autonomia das participantes em seu processo de tratamento do câncer, e, nas
relações com seus familiares, com os amigos e no trabalho. Segundo as
participantes, o processo arteterapêutico desencadeou mudanças que as fizeram se
sentir mais “vivas”, mais vaidosas, despertando a sexualidade adormecida com a
mastectomia, bem como as auxiliando em escolhas responsáveis, que permitiram a
mudança do antigo estilo de vida, para um estilo mais saudável. Espera-se que a
pesquisa, bem como o protocolo ArTCISaP contribuam para a saúde integral de
mulheres mastectomizadas, podendo ser utilizados no processo de cuidado integral
em saúde, oportunizando mais qualidade de vida para seus participantes.
Palavras-Chave: Cuidado na Saúde Integral. Arteterapia. Mulher Mastectomizada.
8
ESPÍNDOLA, Karla Simone da Silva. The perception of women with
mastectomies on art therapy in comprehensive health care. 265f. 2013.
Dissertation (Professional Masters in Health Management and Labour). University of
Vale do Itajaí, 2013.
ABSTRACT
The theme of this research, which is theoretical-practical and qualitative in nature, is
the perceptions of mastectomized women on art therapy as an approach in holistic
healthcare. It uses the phenomenological existentialist approach of Frankl, the
analytical psychology of Jung, and the theory of autopoiesis of Maturana, to discuss
the central research concepts. The general objective was to understand the
perceptions of mastectomized women on art therapy in holistic healthcare. The
practical part of the research consisted of ten weekly art therapy workshops, each
lasting two hours, carried out at the Community Health Unit of UNIVALI, in the
municipality of Itajaí, Santa Catarina. The sample consisted of two women who had
undergone mastectomy, and who attended the Mãos de Vida (Hands of Life) project
of the Community Health Unit of UNIVALI - Itajaí. The selection was made through
the patient records of mastectomized women, in situations of social risk, aged
between 30 and 55 years. Research data were collected using a registration form
that described the activities carried out in each workshop, its themes, its objectives,
the expected results, and the information and perceptions gathered by the researcher
during the art therapy process with the women, seeking to understand the women’s
perception of their experiences of art therapy in holistic healthcare. The data were
analyzed using the phenomenological hermeneutic interpretation based on the
artistic expressions, dramatization of fairy tales, and other artistic languages used in
the art therapy process. The result of the research was: the development of a health
technology with the creation of the ArTCISaP protocol, this method used in the art
therapy processes helped through creativity and reflections on the various aspects of
the participants’ lives, and on the meaning of the disease in their lives. They
managed to face each phase of the treatment and its consequences with more
peace, as it enabled self-knowledge, raising the participants’ self-esteem and
strengthening their self-affirmation and independence in their process of treatment of
cancer, in their relations with families and friends, and in their work. According to the
participants, the art therapy process triggered changes that made them feel more
“alive”, taking more pride in their appearance, awakening sexuality that had lain
dormant since the mastectomy, and helping them make responsible choices that
enabled them to change their old lifestyle for a more healthy lifestyle. It is hoped that
the research, and the ArTCISaP protocol, will contribute to the holistic health of
mastectomized women, and may be useful in holistic healthcare, leading to a better
quality of life for its participants.
Keywords: Holistic Health Care. Art therapy. Mastectomized women.
9
ESPÍNDOLA, Karla Simone da Silva. La percepción de las mujeres
mastectomizadas en terapia de arte en la atención integral de salud. 265f. 2013.
Tesis (Maestría Profesional en Administración de la Salud y del Trabajo).
Universidad del Vale do Itajaí, 2013.
RESUMEN
La presente investigación es teórico-práctica, del tipo cualitativa y tiene como tema la
percepción de la mujer mastectomizada sobre el arteterapia en el cuidado de la
salud integral. Se utiliza el enfoque fenomenológico existencialista de Frankl, la
psicología analítica en Jung y a teoría de la autopoiésis en Maturana, para discutir
los conceptos centrales de la investigación. El objetivo general implica comprender la
percepción de la mujer mastectomizada sobre el arteterapia en el cuidado de la
salud integral. La parte práctica de la investigación consiste en la realización de diez
talleres de arteterapia semanales con dos horas de duración, desarrolladas en la
Unidad de Salud Comunitaria de la UNIVALI, ubicada en el municipio de Itajaí/SC.
La muestra se compuso de dos mujeres mastectomizadas, que frecuentaban el
proyecto “Mãos de Vida” de la Unidad de Salud Comunitaria de la UNIVALI – Itajaí.
La selección se basó en los prontuarios de mujeres mastectomizadas, en situación
de riesgo social, con edad entre 30 y 55 años. La colecta de los datos de la
investigación fue hecha por medio de una ficha de registro, donde constan
descriptivamente las actividades realizadas en cada taller, sus temas, sus objetivos,
resultados esperados, como también las informaciones y percepciones efectuadas
por la investigadora durante el proceso arteterapéutico con las mujeres; teniendo en
cuenta el entendimiento de la percepción de la mujer mastectomizada sobre las
vivencias arteterapéuticas en el cuidado de la salud integral. La comprensión sobre
los datos fue obtenida por medio de la interpretación hermenéutica fenomenológica,
desde las expresiones artísticas, dramatización de los cuentos de hadas y otros
lenguajes artísticos utilizados en el proceso arteterapéutico. Los resultados de la
investigación fueron: el desarrollo de una tecnología en salud con la creación del
protocolo ArTCISaP – Arteterapia en el Cuidado de la Salud Integral de Personas
con Cáncer de Mama. Tal metodología utilizada en el proceso arteterapéutico
auxilió, por medio de la creatividad y de las reflexiones sobre los varios aspectos de
la vida de las participantes, inclusive sobre el sentido de la enfermedad en sus vidas.
Ellas consiguieron enfrentar cada fase del tratamiento y sus consecuencias, con más
tranquilidad, pues posibilitó el autoconocimiento elevando la autoestima,
fortaleciendo la autoafirmación y autonomía de las participantes en su proceso de
tratamiento del cáncer, y, en las relaciones con sus familiares, con los amigos y en el
trabajo. Según las participantes, el proceso arteterapéutico desencadenó cambios
que las hicieron sentirse más “vivas”, más vanidosas, despertando la sexualidad
dormida con a mastectomía, como también auxiliándolas en elecciones
responsables, que permitieron el cambio del antiguo estilo de vida, para un estilo
más saludable. Se espera que tanto la investigación como también el protocolo
ArTCISaP contribuyan para la salud integral de mujeres mastectomizadas pudiendo
ser utilizados en el proceso de cuidado integral de la salud, ofreciendo oportunidad
de una mejor calidad de vida para sus participantes.
Palabras clave: Cuidado de la Salud Integral. Arteterapia. Mujer Mastectomizada.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Pintura 1
Vida ..............................................................................................
65
Pintura 2
Praia .............................................................................................
72
Pintura 3
Vida...............................................................................................
75
Pintura 4
Benção .........................................................................................
80
Pintura 5
Harmonia ......................................................................................
86
Pintura 6
Resgate ........................................................................................
90
Pintura 7
Dança e Movimento ......................................................................
99
Pintura 8
Evolução .......................................................................................
105
Pintura 9
Reciclagem ...................................................................................
111
Pintura 10 Invertida ........................................................................................
114
Pintura 11 Vida ..............................................................................................
120
Pintura 12 Rosa .............................................................................................
127
Pintura 13 Esperança em Deus .....................................................................
135
Pintura 14 Cuidar da Natureza ......................................................................
139
Pintura 15 Invertida ........................................................................................
142
Pintura 16 Benção de Deus ...........................................................................
148
Pintura 17 Fé e Esperança ............................................................................
156
Pintura 18 Caminho de Fé ............................................................................
161
11
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ..........................................................................................
12
2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...............................................................
18
2.1
O
SER
HUMANO
NUMA
VISÃO
FENOMENOLÓGICA
EXISTENCIALISTA ...................................................................................
2.2
O CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE .......................................................
2.3
A
ORGANIZAÇÃO
DA
AUTOIMAGEM
DE
28
MULHERES
MASTECTOMIZADAS ..............................................................................
31
2.4
A PRÁTICA ARTETERAPÊUTICA E A SAÚDE INTEGRAL ....................
37
2.5
A PSIQUE E O SÍMBOLO DESDE UMA VISÃO DE JUNG .....................
40
3
METODOLOGIA .......................................................................................
46
3.1
A PRÁTICA DO CUIDADO INTEGRAL POR MEIO DA ARTETERAPIA .
50
3.1.1 Protocolo de arteterapia para o cuidado integral à saúde da pessoa
com câncer de mama – ArTCISaP..........................................................
50
3.2
A COMPREENSÃO DAS VIVÊNCIAS.......................................................
61
4
A COMPREENSÃO SOBRE A PESQUISA PRÁTICA ............................
62
4.1
COMPREENDENDO O CASO AN............................................................
62
4.2
COMPREENDENDO O CASO VE............................................................
121
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................
166
REFERÊNCIAS ...................................................................................................
172
APÊNDICES ........................................................................................................
177
ANEXOS ..............................................................................................................
261
12
1 INTRODUÇÃO
O mundo contemporâneo atravessa grandes desafios. O ser humano, do
trabalho pesado eminentemente braçal, criou, aperfeiçoou e começou a se utilizar de
tecnologias que vieram substituir seus músculos, sua força física; erradicando
doenças, fazendo transplantes de órgãos, desenvolvendo órgãos artificiais que
substituem órgãos humanos, constatando células capazes de substituir as doentes e
degeneradas; enfim, conquistou o espaço micro e macro em que está inserido.
Entretanto, um dos grandes problemas que caracteriza a fragilidade da saúde, está
numa crise de ordem psicossocial, no esvaziamento existencial do ser humano.
O homem de hoje pode adoecer psiquicamente tanto por causa do
sentimento de inferioridade como em razão do sentimento de carência de
sentido, em razão da frustração de sua necessidade de sentido diante de
sua existência, de sua aspiração e de sua luta por investir em sua existência
tanto sentido quanto possível e por realizar em sua vida tantos valores
quanto possível. (FRANKL, 1995, p.118).
O resultado dessa crise está notoriamente visível no alto uso de medicação
em práticas terapêuticas das mais diversas e num culto à imagem corporal
altamente artificializada. Outro impacto desta crise é a violência em diferentes níveis
e o alto índice de mutilações do corpo e dos próprios projetos de vida, em que os
seres humanos se esvaziam sem perspectiva de qualidade de vida e bem-estar. O
suicídio também faz parte desta dinâmica. Segundo o Ministério da Saúde o Brasil
está entre os dez países no mundo com maior taxa de suicídio absoluto, 7.987
pessoas em 2004. De 1994 a 2004 houve um aumento de 24,7% de suicídio entre
as mulheres. (BRASIL, 2006). Os fatores de riscos são os transtornos mentais,
sociodemográficos, psicológicos e condições clínicas incapacitantes.
Nas condições clínicas incapacitantes entram as pessoas com diagnósticos
de neoplasias e as lesões desfigurantes perenes, características do público alvo
desta pesquisa.
As propostas e programas do SUS visam o cuidado integral dessas pessoas,
porém apesar de todos os esforços em todos os níveis de atendimento, com toda a
tecnologia em medicamentos, equipamentos e etc., alguns casos não são
devidamente solucionados.
O câncer de mama, por exemplo, é a segunda doença que mais mata
mulheres no Brasil. De 1979 a 2004 a taxa de mortalidade das mulheres por câncer
13
de mama aumentou em 38,62%, perdendo apenas para o câncer de pulmão1. Essa
pesquisa reforça a necessidade de investimentos em mais tecnologias, mas também
em terapias que viabilizem o diagnóstico precoce para o tratamento e o cuidado
integral de pessoas com diagnóstico de câncer de mama.
A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde mostra a relação da
proposta com os princípios e diretrizes do SUS, da Atenção Integral à Saúde e a
construção da Cadeia do Cuidado.
Segundo a Portaria nº 1996, de 20 de agosto de 2007 a Educação
Permanente em Saúde tem como objetivo, a aprendizagem significativa, que visa
transformar as práticas profissionais na saúde, bem como a organização no
trabalho. (BRASIL, 2007)
A Educação Permanente em Saúde prevê que é possível a partir do aprender
e do ensinar no cotidiano do trabalho, seja na resolução dos problemas, levando em
conta as experiências e conhecimentos que as pessoas já têm; seja na gestão e
organização do trabalho, rompendo com o conceito verticalizado, trabalhando com a
ideia de rede, focando nas necessidades de saúde das pessoas e populações;
mobilizando nas práticas em saúde os três princípios do SUS: universalidade,
integralidade e equidade.
Segundo o Ministério da Saúde, Brasil (2000) os três princípios supracitados
são um grande desafio para o Estado, seus colaboradores e toda a sociedade.
O princípio da universalidade diz que saúde é um direito de todos e um dever
do Poder Público, o qual deverá promover ações efetivas em saúde que lhe garanta,
ofertando-as a todos que dela necessitem, enfatizando a prevenção e a redução do
tratamento de agravos.
Na integralidade, a atenção à saúde deve considerar as necessidades
específicas de grupos e pessoas, mesmo que estes representem a minoria em
relação à população atendida. Reconhece-se que esse princípio é de alta relevância,
porém levantam-se aqui os seguintes questionamentos: é possível promover saúde
integral somente considerando as especificidades de grupos e pessoas? Ou na raiz
desse princípio de integralidade já está implicitamente posto à necessidade de se
pensar a estruturação constitutiva do ser humano, na sua integralidade
ontoantropológica, que é o ser-homem como centro do processo do conhecimento?
1
Disponível em: <http:// www.saude.gov.br>. Acesso em: out./2011.
14
Vale ressaltar que para Maturana (1997), quando se diz o que é o ser, está se
comunicando exatamente o que um observador focado em seu objeto está dizendo,
validando uma afirmação sobre o ente, que diz respeito à percepção de quem
observa.
O ser humano e o conhecimento são constituídos nas ações do viver e do
existir no mundo. Além disso, o ser humano como estrutura de existir é
multidimensional na dinâmica interna e nos domínios de interação.
Dentro dessa visão de ser humano, vale afirmar que, para Maturana (1997),
ele se realiza no entrelaçamento entre o linguajar e o emocionar-se, possibilitando a
compreensão dos processos que constituem o ser e o fazer no cotidiano. Por isso a
expressão verbal-não verbal e eclética do usuário deve ser observada e valorada no
processo de saúde-doença e não apenas nos seus diagnósticos biomédicos.
Quanto ao princípio da equidade implica redução das disparidades sociais e
regionais e é a prioridade em todo o sistema de saúde pública no Brasil. Logo, as
políticas públicas de saúde em suas estratégias, visam à elevação política de todos
os cidadãos a um patamar mínimo de cuidado em saúde; que caminhe em direção a
um maior equilíbrio para a justiça social em saúde. Para tanto, é preciso conhecer o
usuário e suas relações cotidianas para conhecer suas necessidades. Porém, como
fazê-lo sem a acolhida e a aproximação amorosa e respeitosa? Sem dar-lhe voz, ou
seja, oportunizar o processo de empoderamento para se autoafirmar e se
autocolocar na existência?
Dessa forma, as práticas arteterapêuticas corroboram com a proposta do
SUS, consolidando estratégias e ações que ampliam e mobilizam a Educação
Permanente em Saúde, pois trabalham a criatividade e a reflexão crítica, no
processo de autoconhecimento de seus usuários, humanizando o cuidado integral.
Há aproximadamente oito anos esta pesquisadora vem trabalhando com a
arteterapia, tanto na educação, quanto na saúde das pessoas participantes. A
convivência com a rede de profissionais que trabalham com essa prática,
oportunizou uma grande contribuição para a sua prática arteterapêutica, no que diz
respeito ao cuidado integral e aos sujeitos participantes, no que tange aos seguintes
aspectos do ser humano no mundo: elevação da autoestima, organização da
autoimagem, no autoconhecimento, controle da impulsividade, liberação de energias
biofísico-psíquicas que resultam em desequilíbrios dos mais variados, superação de
15
fobias, aprendizagem, desenvolvimento da reflexão crítica e criativa sobre a vida, a
morte e o sentido para a vida.
A vivência desse processo desencadeia fluxos criativos reprimidos por
experiências negativas, levando à superação da timidez, enfim, colaborando em
diversas situações nos processos de educação e saúde, no sentido de ajudar o ser
humano na superação de suas dores e sofrimentos.
Durante esta caminhada, a pesquisadora buscou a especialização em
Arteterapia: fundamentos filosóficos
e prática,
como também
a pesquisa
arteterapêutica, no intuito de aprofundar a cientificidade dos resultados e dos
processos que a arteterapia pode possibilitar e/ou auxiliar no cuidado à saúde e à
educação em saúde.
As
vivências
arteterapêuticas
permitem
e
possibilitam
a
atitude
transdisciplinar, em que o “eu” e o “outro” se relacionam, se emocionam e se
comunicam; e, as várias áreas do conhecimento se cruzam e se interpenetram, para
dar suporte e cientificidade aos processos e resultados arteterapêuticos;
intermediando um diálogo com uma visão de homem e de mundo na sua
integralidade; dando sentido às experiências e vivências comparadas a uma rede
viva de interação e comunicação, em que educação, saúde e outras áreas do
conhecimento, em seus sentidos mais profundos e ao mesmo tempo mais amplos
“con-vivem”; resultando daí um processo educacional de crescimento, saúde e
criatividade para um viver melhor e com mais qualidade.
A atitude transdisciplinar busca a transformação do ser humano em sua
totalidade, ao se relacionar com os outros e com ‘o outro’. Adota como
ponto de referência os valores humanos, o desenvolvimento da consciência,
da criatividade, a defesa do meio ambiente, a solidariedade e o
desenvolvimento sustentável, a convivência em harmonia de culturas, raças
e crenças distintas. (TORRE, 2008, p.129).
O Programa de Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho, o qual
esta pesquisadora frequenta, concede a possibilidade de aplicar a prática
transdisciplinar da arteterapia como uma prática integrativa, auxiliar, complementar
no processo de saúde-doença da mulher mastectomizada, objetivando pesquisar a
percepção da mulher mastectomizada sobre a arteterapia no cuidado à saúde
integral. Pois:
A primeira grande dificuldade a ser enfrentada pelas mulheres, após uma
mastectomia, é sua própria aceitação, como de olhar no espelho e aceitar
16
que seu corpo está diferente, sem uma parte, que culturalmente representa
a feminilidade. A identificação da mutilação se dá pela percepção da
assimetria do corpo e pela visibilidade da cirurgia, o que para muitas, é um
momento agressivo à sua auto-imagem (FERREIRA; MAMEDE, 2003).
Portanto, o acompanhamento dessas mulheres desde o pré-operatório até o
pós-operatório é fundamental para a reabilitação, porque a mutilação proporciona
alteração da autoimagem corporal, podendo ocasionar traumas de ordem física,
emocional, social e etc., influenciando negativamente no processo de saúde-doença,
e nas suas relações existenciais.
Segundo Speiser e Speiser (apud VASCONCELLOS; GIGLIO, 2006), as
pesquisas sobre a psicoimunidade de pacientes com diagnóstico de câncer,
apontam a repressão de emoções como fator associado à progressão da doença.
Logo, por que as práticas arteterapêuticas favorecem a fruição de expressões de
imagens simbólicas de seus participantes, permitindo a percepção, vivência e
compreensão das mesmas, podem causar impactos favoráveis no funcionamento do
sistema imunológico dessas mulheres.
Diante das várias ideias acima relacionadas, esta pesquisa, teórico-prática e
qualitativa, dentro de uma abordagem fenomenológica trata de investigar o seguinte
problema: Qual a percepção da mulher mastectomizada sobre a arteterapia no
cuidado à saúde integral? Seu objetivo geral implica compreender a percepção da
mulher mastectomizada sobre a arteterapia no cuidado à saúde integral; e seus
objetivos específicos referem-se a caracterizar a mulher mastectomizada e suas
necessidades com relação ao cuidado à saúde integral; identificar as ações
arteterapêuticas para o cuidado à saúde integral da mulher mastectomizada;
desenvolver uma prática arteterapêutica, tendo em vista o cuidado à saúde integral
da mulher mastectomizada; compreender os resultados obtidos nas práticas
arteterapêuticas sobre a percepção da mulher mastectomizada, no que diz respeito
à organização da sua autoimagem; perceber os sentimentos da mulher
mastectomizada, no que diz respeito à sua autoimagem.
A pesquisa apresenta relevância social e política, no sentido de oportunizar
informações teóricas e metodológicas sobre as práticas arteterapêuticas, como
contribuição aos processos de cuidado integral à mulher mastectomizada; seja no
Sistema Único de Saúde – SUS ou em qualquer espaço de saúde, em que seja
necessário e indicado a arteterapia no trabalho entre vários profissionais.
17
Para tanto esta dissertação se organiza da seguinte forma:
No primeiro capítulo se aborda suscintamente o processo de desenvolvimento
do pensamento filosófico-científico, desde a Idade Antiga até o nascimento da
fenomenologia,
descrevendo
o
ser
humano
numa
visão
fenomenológica-
existencialista.
O segundo capítulo discute o que é cuidado integral em saúde e seus
sentidos numa abordagem fenomenológica-existencialista e da autopoiese, fazendo
relações com as práticas em saúde, desde a medicina oriental chinesa até a
ocidental.
No terceiro capítulo se descreve resumidamente os tipos de mastectomia,
como também, o índice de pessoas portadoras do carcinoma de mama no Brasil e
os tipos de tratamento regulamentados pelo Ministério da Saúde. Além disso, se
aborda as consequências da mastectomia para a autoimagem feminina e como a
arteterapia pode auxiliá-la nesse processo.
O quarto capítulo contextualiza a arte no decorrer da história da humanidade
em suas diversas funções, conceituando a arteterapia e os impactos de suas
práticas para o cuidado integral em saúde.
No quinto capítulo se apresenta os principais conceitos da psicologia analítica
no que tange a estrutura da psique, como também a importância dos símbolos nas
expressões artísticas do processo arteterapêutico, para o cuidado integral em saúde
da mulher mastectomizada.
18
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O SER HUMANO NUMA VISÃO FENOMENOLÓGICA EXISTENCIALISTA
O ser humano foi alvo de estudos, reflexões e pesquisas no oriente e no
ocidente, muito antes da ciência se estabelecer com seus métodos e teorias, que
muito colaboraram e colaboram para a manutenção da vida humana no planeta,
possibilitando maior qualidade de vida, como também, permitindo longevidade de
sua existência.
Segundo Cotrim (1997), na Grécia antiga no templo de Esculápio (deus grego
da medicina) eram oferecidas terapias e tratamentos aos vários tipos de doenças e
outros males. Os doentes eram tratados com banhos, jejuns e poções que os faziam
adormecer e sonhar. Enquanto dormiam e sonhavam, eles se curavam e, ao
acordarem, relatavam seus respectivos sonhos.
Na filosofia antiga o ser humano e a vida eram vistos dentro de uma visão
cosmogênica, ou seja, aquela em que o cosmos gera a vida e é o centro do
universo. O ser humano em seu processo saúde-doença era cuidado em sua
integralidade. Segundo Marques (1993), a medicina Ayurvédica, por exemplo, tem
em seu fundamento básico o ser humano como manifestação de duas polaridades o
yin e yang e sua estreita relação com o universo; saúde significava harmonia,
ordem; e, doença desordem e desarmonia. “A causa das doenças vem ao mesmo
tempo do corpo e do espírito e da má utilização [...] das faculdades mentais e
sensoriais.” (EDDE, 1985 apud MARQUES, 1993, p. 16). Logo, a medicina na idade
antiga entendia o cuidado em saúde como a promoção do equilíbrio entre corpo,
mente e espírito, ou seja, a integralidade constitutiva do ser em harmonia. Para
Platão (apud REALE, 1991a), a vida é um equilíbrio dinâmico, e o estado psíquico
reflete no corpo, considerando que o princípio vital do corpo é a alma.
Segundo Aristóteles (apud REALE; ANTISSERI, 1991a), a forma material
biológica e sua relação indissociável com a razão, oportuniza pelas experiências a
qualidade de vida do ser humano na doença, na saúde e na própria forma de ser no
mundo. O ser humano, para ele é composto de um corpo ligado às três dimensões
de sua alma: a vegetativa que regula a base biológica e suas atividades; a sensitiva
que dirige os apetites, o conhecimento sensível e o movimento do ser, governando
19
sentimentos, imaginação, memória; e a intelectiva que estrutura a potencialidade do
ser humano para conhecer e realizar a aplicação de seu conhecimento no mundo.
Na idade média a filosofia inicia o que se chama de Teocentrismo, ou seja,
Deus é o centro do universo e o ser humano é compreendido como criação divina,
criado como imagem e semelhança do Criador. A saúde só era possível a partir da
vontade de Deus, portanto, ninguém poderia ousar contrariar a vontade divina,
curando doenças. Para Kramer; Sprenger (1991) a Igreja e o Estado punem com
excomunhão e até condenação à morte todo aquele que for integrante ou devoto de
outra doutrina que não seja a oficial, o cristianismo católico; também punindo
qualquer tipo de ritual ou procedimento de cura que não seja efetivado ou autorizado
pela Igreja, inclusive afirmando que, os curandeiros e cuidadores podem ser
enganados pelos demônios, e, que, somente os homens santos, os eclesiásticos,
eram isentos dessa ação maléfica, e, portanto, “somente eles” poderiam expulsá-los
e trazer à saúde ao sujeito que sofria a doença.
O século XIV é o último século da Idade Média e o século em que se
processa a ruptura entre razão e fé, ciência e religião, religião e Estado. O
humanismo toma posse do mundo não mais pela crença religiosa, mas pela razão.
Período em que a filosofia tem autonomia diante da teologia.
Com efeito, o dissídio ou a tensão religiosa do século XIII, que se havia
expressado nas últimas formas de vida religiosa, algumas perseguidas
como heréticas, outras acolhidas e favorecidas, estava se reduzindo,
resolvendo-se em parte por uma espécie de afastamento dos ideais
religiosos, que se revestiam agora de formas exasperadas de ascetismo,
por parte dos ideais de vida leiga. (REALE; ANTISSERI, 1991b, p. 611-612).
Essa nova visão filosófica, cultural possibilitou um processo de rompimento
entre igreja e o conhecimento científico – entre igreja e Estado.
Contudo, segundo Reale e Antisseri (1991b), os leigos conservavam o
sentimento íntimo de sua religiosidade, apesar de irem se estruturando dentro das
novas formas de vida social, política e econômica. Assim, o desenvolvimento
científico foi sendo legitimado e usufruído pela sociedade, melhorando a qualidade
de vida das populações em relação ao século que findava.
Para Reale e Antisseri (1991c), Paracelso no século XVI havia rompido com a
tradição religiosa, pensando ciência voltada para sociedade, desenvolvendo grandes
instrumentos de utilidade para a humanidade, principalmente na área da saúde.
Paracelso acreditava que a saúde poderia ser restabelecida não com o uso de
20
remédios orgânicos, mas de natureza mineral. Para ele as doenças eram processos
específicos e, portanto, só iriam funcionar remédios específicos.
Segundo Jung (1985a, p. 26), Paracelso diz que o médico deve usar seu
coração e sua intuição, fazendo da sua profissão uma arte, mas a obra não é sua,
pois ele é um instrumento da natureza. Acreditar que um determinado remédio é
bom para determinada doença é um engano; dessa forma qualquer leigo poderia
distribuir remédios. Todavia, cada situação em que aparece a doença tem seu
remédio específico, tendo uma relação e uma correspondência entre corpo físico e
corpo celeste, ou seja, cada órgão tem sua relação com um planeta.
Essa relação e correspondência também estão entre a causa e a terapêutica.
A proposta de Paracelso para o processo de saúde-doença, segundo Jung (1985a),
é a integração do profissional de saúde, o doente e a natureza intrínseca e
extrínseca de ambos e do universo onde habitam.
Na idade moderna, o ser humano torna-se o centro do processo da vida e de
tudo o que existe, é a visão antropocêntrica. Nessa fase o ser humano começa a
receber os cuidados em saúde cientificamente “comprovados”, com tecnologias
sendo desenvolvidas e cada vez mais eficazes no tratamento das doenças;
buscando o natural pela razão. Afinal, nessa etapa da história o pesquisador, o
cientista por ser o anthropos (do grego: homem) e centro desse processo, sua
ciência, seu conhecimento, seu raciocínio cientificamente comprovados adquire
legitimidade, autenticidade e poder, rechaçando a fé mística ou não comprovada,
por uma certeza cientificamente provada.
A filosofia cartesiana e newtoniana marca essa época caracterizando a
verdade por aquilo que se pode comprovar cientificamente, colocando em dúvida
qualquer afirmação meramente empírica, até que apareça a verdade a partir da
aplicação de um método científico. Entretanto, a influência cartesiana e newtoniana
na saúde possibilitou uma visão biológica, mecânica e fragmentada do ser humano,
dividindo-o em partes. Dessa percepção surge o conhecimento disciplinar e as
especializações profissionais.
Em contrapartida, dentro dessa concepção reducionista, perde-se a noção do
todo e das relações entre as partes do todo, colaborando para uma visão
fragmentada do sujeito e de sua saúde. O centro do processo de saúde-doença,
nessa perspectiva filosófica-metodológica, resume-se na parte do corpo que está
doente e deve ser curada; na maioria das vezes desconsiderando o sujeito em sua
21
integralidade e suas relações. O ser humano é visto na sua funcionalidade como
uma máquina biológica.
[...] julguemos que o corpo de um homem vivo difere daquele de um morto
como um relógio, ou outro autômato (ou seja, outra máquina que se mova
por si mesma), quando está montado e tem em si o princípio corporal dos
movimentos para os quais foi construído, com tudo o que se exige para sua
ação, distingue-se do mesmo relógio, ou de outra máquina, quando está
quebrado e o princípio de seu movimento pára de atuar. (DESCARTES,
1999, p. 107-108)
Com efeito, dentro da visão de integralidade cabe a postura da importância da
reflexão crítica de cada pessoa sobre si mesmo, sobre as práticas em saúde,
identificando as concepções filosóficas que embasam a ação cotidiana dos
profissionais e usuários em saúde, no sentido de superar a mecanicidade e a
fragmentação do ser humano na sua constituição biológica, psíquica e social.
A filosofia racionalista, biomédica, está intrínseca na maioria dos sujeitos que
fazem e recebem cuidados em saúde, influenciando o processo de saúde e doença
e todas as suas relações, desde as institucionais até as pessoais.
Reale e Antisseri (1991c), afirma que o materialismo-histórico surge com a
figura de Karl Marx e entende o ser humano com uma essência que está em sua
atividade produtiva. Logo, é o seu ser social que determina sua consciência e não o
contrário. Nessa concepção, a produção dos instrumentos para a subsistência do
ser humano é fio condutor da sociedade e o seu modo de produção da vida material
e existencial. Essas relações produtivas (sócio-política-econômica) definem o que é
o ser humano e as possíveis mudanças que podem lhe ocorrer no processo saúdedoença.
A corrente filosófica positivista desenvolve-se largamente nesse período,
criando métodos científicos, buscando resolver e controlar os problemas de saúde
na sociedade, objetificando o usuário e rechaçando do processo de saúde-doença
as relações que o compõe. Segundo Dilthey (1907 apud KAHLMEYER-MERTENS,
2012, p. 26), as ciências naturais isolam a vida de seus fenômenos transformandoos em objetos.
O positivismo entende ciência e conhecimento científico como garantia
absoluta do destino progressista, e, segundo Comte (1991), o conhecimento
humano passa por três estágios: o primeiro é o teológico ou fictício e tem como
ponto de partida a inteligência humana de senso comum; depois o estágio
22
metafísico ou abstrato, que serve como etapa de uma racionalidade de transição ao
terceiro estágio, que é fixo e definitivo, o estágio científico ou positivo.
Nessa concepção o ser humano é o que a ciência positivista diz e pode
comprovar, ele é um ser racional, que deve se organizar positivamente na ordem e
no progresso de seus pensamentos e ações.
Qualquer outra concepção de
conhecimento, não é ciência, mas, segundo o positivismo, um vir-a-ser científico.
A pura erudição consiste em fatos sem lei; a verdadeira ciência consiste em
leis controladas com base nos fatos. E esse controle com base nos fatos
exclui da ciência toda busca de essências e causas últimas metafísicas.
(REALE; ANTISSERI, 1991c, p. 300).
A fenomenologia surge com Husserl a partir de uma rediscussão da
concepção positivista, assinalando que o positivismo adotou a ciência como uma
religião. O termo fenomenologia expressa um conceito de método de voltar às
próprias coisas, descrevendo os fenômenos de modo a compreender pela
percepção e intuição, como eles se apresentam à consciência. Ela se volta à
compreensão e descrição das características essenciais do fenômeno. Segundo
Heidegger (2004), portanto, é necessário escolher uma postura em que o fenômeno
se mostre, cujo princípio da intencionalidade mostra que há uma ligação indissolúvel
entre o ser e o mundo, ambos fenomenalmente interligados.
Merleau-Ponty (1971), dentro da concepção fenomenológica também se
contrapõe da dedução lógica matemática do racionalismo mecânico, trazendo uma
nova visão de ser humano, mundo e saúde. Entende-os como fenômenos que
podem ser compreendidos a partir de uma consciência que percebe o que é objetivo
e subjetivo, e, que se mostra a partir de si mesmo, como presença imediata no
mundo. Ele está no mundo e é no mundo que ele se conhece, é presença ativa no
mundo para si e para os outros.
O existencialismo ou filosofia da existência se fundamenta na Europa após a
primeira guerra mundial, dentro do movimento da fenomenologia com Heidegger,
que afirma trabalhar com o método fenomenológico, mesmo sua filosofia sendo bem
diferente da de Husserl.
Segundo Heidegger (2004), o ser humano é o ente que pergunta sobre o
sentido do ser, o qual tem como sua essência a sua existência.
O ser humano nessa concepção é um “poder ser no mundo”. Ele se projeta
além de si mesmo, por isso, existência é essencialmente transcendência existencial.
23
Todavia, ele é um ser finito. A morte é uma possibilidade de que ele não pode
escapar.
A decisão e a escolha entre ter um objetivo do porquê existir, também é uma
possibilidade para viver. A morte como realidade objetiva é a experiência da
ausência de continuidade da existência de alguém ou de alguma coisa. Ainda que a
morte seja um fenômeno da existência, a descoberta no processo saúde-doença de
um sentido de existir, faz o ser humano viver de forma focada na luta para existir
positivamente. “Em virtude dessa possibilidade, a vida potencialmente tem sentido
até o instante derradeiro: em geral, só se trata, “em última instância”, de realizar a
possibilidade de dar um sentido ao sofrimento e até à morte.” (FRANKL, 1995, p.
235).
A voz da consciência, por conseguinte, nos remete ao sentido da morte e
revela a nulidade de todo projeto: na perspectiva da morte todas as
situações singulares aparecem como possibilidades que podem se tornar
impossíveis. Desse modo a morte impede que alguém se fixe em uma
situação, mostra a nulidade de todo projeto e alicerça a historicidade da
existência. (REALE; ANTISSERI, 1991c, p. 587).
A morte causa um sentimento de angústia desencadeado pelo medo do nada,
ou seja, do aniquilamento da existência.
Entretanto, para o ser humano que consegue dar sentido à sua existência, a
morte e o aniquilamento são fenômenos da existência que ficarão em segundo
plano, pois os objetivos concretos a alcançar, movem os seu esforço até o último
momento; continuando a viver a vida, mesmo diante de seu aniquilamento, próprio
de uma existência autêntica.
Segundo Reale e Antisseri (1991c), há três pontos básicos no existencialismo,
são eles:
•
A centralidade da existência como modo de ser finito de todo ser
humano.
•
A transcendência do ser, com o qual a existência se relaciona, seja no
mundo ou com Deus.
•
A possibilidade como de ser constitutivo da existência
Frankl (1995, p.260) observa que “a orientação para um sentido, do ponto de
vista psicológico, não só é importante para viver, mas também para sobreviver!”. O
ser humano será em sua existência aquilo que ele escolher ser, um poder ser. A
existência é singular e única para todo ser humano.
24
O homem normal não é corpo portador de certos instintos autônomos unido
a vida psicológica definida por alguns processos característicos – prazer e
dor, emoção, associação de ideias -, tendo tudo isso por cima um espírito
que realizaria os seus próprios atos sobre essa infraestrutura. (REALE;
ANTISSERI, 1991c, p.614).
Logo, à medida que o ser humano se realiza concretamente em sua
existência, dá um novo significado à sua existência. Para Merleau-Ponty (1984), o
espírito não utiliza o corpo, porém ele atua por meio dele. Corpo e alma formam um
sistema em que o corpo faz com que o espírito participe do mundo e a percepção é
a inserção do corpo no mundo. O ser humano é livre, mas sua liberdade é
condicionada, pois o ser humano escolhe o seu mundo e o seu mundo o escolhe.
Ele está misturado ao seu mundo e aos outros. O mundo humano é sistema aberto,
inacabado e incompleto.
O existencialismo assimila uma influência da fenomenologia, preocupando-se
mais com o sentido e o objetivo da vida humana do que com teorias e verdades
científicas, afirmando que o ser humano se faz na sua existência.
Para Frankl (2004), que tem uma concepção existencialista, o ser humano
significa ser pessoa centrada em torno de um meio, que é o seu próprio centro, o “si
mesmo”. Ele é uma totalidade bio-psico-espiritual integrada, um ser existencialespiritual.
A dimensão espiritual (inconsciente) se manifesta antropologicamente através
da pessoa espiritual (consciência) que se liga à pessoa profunda espiritual que é
também inconsciente. Esta existencialmente é quem estabelece a unidade da
estrutura do ser humano.
Segundo Frankl (apud LUKAS, 1989), o ser humano se estrutura por um
inconsciente, pré-consciente e consciente, formando uma construção tridimensional,
na qual existe um núcleo que é o centro espiritual-existencial que agrupa
perifericamente o psíquico e o físico.
Essas três dimensões (somática, psíquica, espiritual) penetram umas nas
outras perfeitamente e reciprocamente, portanto, as três dimensões se tocam e se
comunicam. Em decorrência dessa comunicação entre as três dimensões do ser
humano, diz-se que em qualquer uma das esferas pode ocorrer manifestações nos
três níveis das dimensões humanas.
25
Será possível conhecer e compreender o que é o ser humano recorrendo a
uma origem transcendente, a consciência da pessoa espiritual que ele tem de base
para ser e existir? Esta questão leva a pensar: O ser humano é ser consciente e
responsável, sendo consciente da sua responsabilidade; tem liberdade de escolher
com responsabilidade, compreendendo a própria existência na sua transcendência,
que é sua essência como existência.
Vale ressaltar que essa transcendência deve ser entendida nas suas mais
variadas formas de se manifestar, e, que tem um ponto em comum em qualquer
manifestação do ser humano, “o ir para além de si mesmo” pela sua “vontade de
sentido”.
Logo, essa vontade de sentido dá ao ser humano a liberdade de escolha para
tomar posições sobre qualquer situação de sua finitude, anulando certos
determinismos. Para Lukas (1989), o ser humano tem a possibilidade de manter um
distanciamento em relação a si mesmo, as próprias tendências, caráter e etc.;
proporcionando-lhe liberdade nesse afastamento, de escolher o que melhor lhe
convém, o sentido de existir.
Da consciência espiritual emana a lei ético-moral, o amor, a intuição, a
criatividade, a estética, atributos que fazem o ser humano em sua concretude
existencial.
Na dimensão espiritual localiza-se a tomada de posição, livre, em face de
condições corporais e de existência psíquica. Acham aí as decisões
pessoais da vontade, intencionalidade, interesse prático e artístico,
pensamento criativo, religioso, senso ético (‘consciência moral’) e
compreensão do valor. (LUKAS, 1989, p. 28-29).
A dimensão espiritual do ser humano é a base para que as outras se façam
em sua concretude, pois ela não adoece, é imperdível, e orienta para sua plenitude
de valor. É a fonte de tudo o que o ser humano necessita, para encontrar o sentido
de existir no mundo. “Viktor Frankl parte do ponto de vista de que podem adoecer as
dimensões somáticas e psíquicas do homem, mas não a dimensão noética2”.
(LUKAS, 1989, p.46).
Contudo, o ser humano está constantemente confrontado com situações, as
quais deverá encontrar sentido, mesmo naquelas mais caóticas, como por exemplo:
2
Por derivação da palavra grega nous, noetos é igual a espírito, mente, é a dimensão espiritual do
homem. (LUKAS, 1989, p. 29).
26
doenças graves e incuráveis, estar à beira da morte e etc. Até nessas situações é
possível para o ser humano encontrar um sentido em seu existir.
Quantos casos de pessoas que ao contraírem cânceres, por exemplo, não
desistem de viver, contribuindo com trabalhos voltados aos cuidados, acolhimento e
amparo de pessoas na mesma situação que as suas; materializando em sua
concretude existencial a esperança, a paz e a vontade de estar existindo, utilmente
no mundo?
Quantas pessoas que usam apenas as suas bocas, pois têm seus corpos
totalmente paralisados por doenças, mas apenas com a boca, se utilizando de
instrumentos adaptados como pincéis, canetas, mouse de computadores e etc.,
criam expressões artísticas ou mensagens de enobrecimento da vida humana e do
fenômeno
de
existir,
auxiliando
pessoas
com
seus
corpos
em
perfeito
funcionamento? São pessoas que buscaram e compreenderam o sentido concreto
da vida e de estar vivendo. Compreenderam a autotranscendência da existência.
Para Frankl (2004), as pessoas que não têm esse sentido maior em sua vida,
sentem tédio, indiferença e desistem da vida e de viver facilmente, pois o vazio
existencial ocasiona no ser humano a falta de vontade de viver, a falta de vida, as
compulsões, os vícios do álcool e das drogas, a depressão, a tristeza profunda de
existir, até o desespero do suicídio, a morte.
Frankl (1995) apresenta basicamente três caminhos para dar sentido e
concretude ao existir humano: por meio de uma ação que pratica ou uma obra que
cria; segundo: encontrando alguém ou vivenciando algo, ou seja, no trabalho e no
amor; e, por último, diante de uma situação que não se pode mudar, mas se pode
então mudar a atitude diante da situação, mudar a si mesmo, crescendo e
amadurecendo.
Outra categoria humana dentro dessa visão de ser humano é a fé, que é um
sentimento de esperança em um sentido para existir que impulsiona o ser humano a
seguir em frente; por mais reprimida que ela seja, continua existindo nas
profundezas humanas, haja vista os ateístas-materialistas que conseguem encontrar
um sentido para suas vidas nos momentos mais críticos e de ameaça à vida,
decidindo agir como se a vida para eles tivesse um sentido infinito. Segundo Dittrich
(2010a), a fé é um fenômeno que faz surgir um poder de ser, o qual emerge da
dimensão profunda espiritual atingindo todas as dimensões do ser humano.
27
A fé dá suporte de pensamento e ação para a esperança existir nas mais
simples e nas mais complexas situações da vida, independente do sujeito ter religião
institucionalizada ou não tê-la, de acreditar num Deus ou ser ateu. Qualquer ser
humano que estiver disposto, com vontade profunda de seu ser, em dar sentido à
sua vida, utiliza-se desse sentimento profundo que nele e em qualquer ser humano
habita: a fé.
Dessa forma, a vida diante do processo saúde-doença tem mais sentido de
ser vivida, e assim, o ser humano eleva sua autoestima, consequentemente, se
amando mais e se importando mais consigo mesmo, com o outro, com a natureza,
com a vida, com o planeta e com o existir no mundo.
A maioria dos casos de mulheres mastectomizadas sugere a autoestima
comprometida, e, consequentemente a sexualidade, as emoções, os sentimentos,
enfim, a própria vida, diante do medo, da dor, do sofrimento da mutilação do corpo e
da morte. Consequências naturais de quem está passando por esse tipo de doença.
Diferenciando os casos uns dos outros, pela resiliência3, pela capacidade de
estabelecer elos afetivos, dados pelo sentido profundo de viver e existir no mundo,
melhora
suas
condições
emocionais,
consequentemente,
sua
autoestima,
conseguindo aceitar sua nova imagem e se transformando em um novo ser humano.
Muitas vezes a resiliência adquirida pelo sentido de viver deve ser
proporcionada e desencadeada por um processo terapêutico direcionado, cuidando
do sujeito na sua integralidade, considerando suas especificidades socioculturais,
emocionais, criativas, espirituais e etc. “[...] a dimensão noética, que na realidade é a
que torna possível o ser do homem – como um ser que pode elevar-se acima das
condições psicofísicas”. (LUKAS, 1989, p. 85).
As linguagens artísticas em práticas arteterapêuticas têm contribuído
positivamente nesse sentido, pois desencadeiam emoções, sentimentos muitas
vezes inconscientes, mas presentes e potentes nesse processo de saúde-doença. A
arteterapia é indicada porque a criatividade permite a materialização e a percepção
desses conteúdos, possibilitando a reflexão crítica sobre eles, a compreensão,
orientação e equilíbrio de quem participa do processo.
3
Resiliência é a capacidade de uma pessoa de lidar com seus problemas, superar obstáculos e não
ceder
à
pressão,
independente
da
situação.
Disponível
em:
<http://www.osignificado.com.br/resiliencia>. Acesso em: abr/2012
28
2.2 O CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE
Cuidado é uma palavra que vem do latim cogitare que significa pensar,
meditar. Não é um pensar puramente racional, pois o meditar traz outro aspecto
mais profundo, um pensar refletido, voltado para a autopercepção de si e de suas
relações com o mundo. Não é sinônimo de ativismo, nem tão pouco de uma ação
consequente de um pensar sem sentir. Na etimologia da palavra “cuidado” percebese a interação entre pensamento-sentimento-ação. Consequentemente, toda ação
desprovida de reflexão e sentimento não pode ser considerada cuidado, e sim,
descuidado, desatenção; porque a ação não está focada, não tem como centro o
sujeito da atenção e do acolhimento, mas o “fazer” para cumprimento de normas ou
de qualquer outra coisa.
O cuidado integral em saúde carrega vários sentidos que estão se autoorganizando ao longo da história da humanidade.
Segundo Luz (1993), a medicina Ayurveda tem como aspecto comum a saúde
no equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Há aproximadamente 5.000 anos, a
Medicina Tradicional Chinesa já apontava para o cuidado integral, não focado na
doença, mas na saúde que era sinônimo de equilíbrio. Esse equilíbrio era mantido
pelo yin e yang, os quais agregavam fatores exógenos chamados de seis sopros: o
vento, calor, fogo, umidade, secura e frio; e fatores endógenos chamados de sete
paixões: alegria, raiva, melancolia, tristeza, pensamento obsessivo, apreensão e
medo.
O tratamento não objetivava curar a doença em si, mas possibilitar o equilíbrio
do ser humano na sua totalidade. O princípio do tratamento de saúde era
harmonizar yin e yang, combatendo os invasores e reforçando as defesas com
diagnose, interrogatório, farmacopeia, exercícios, dietas alimentares, acupuntura,
massagens e etc.
Cuidado integral remete a sentidos que vão além da assistência e da
reabilitação do ser humano que adoece. Na verdade, o sentido mais puro do cuidado
integral não tem como foco a doença, e, sim, a saúde em seu sentido integral, que
perpassa todos os aspectos humanos, o biofísico, psíquico, espiritual, social e
cultural.
Mesmo que o biológico não esteja em perfeita harmonia e equilíbrio, o ser
humano pode se sentir saudável. Segundo Frankl (apud LUKAS, 1989), é pela
29
dimensão espiritual que se sai da superficialidade, colocando-se diante de si
mesmo, e assim atingindo um nível mais profundo do existir e do sentido de estar no
mundo.
Dessa forma, se consegue viver com qualidade de vida até no
enfrentamento de uma doença grave e da própria morte, porque se tem uma base, a
dimensão espiritual, que não adoece e que dá força para a coragem de viver de
forma consciente.
Um sentido para viver coloca o ser humano cara a cara com a vida e a
possibilidade de transcender os diagnósticos mórbidos e de sofrimento que a saúde
como sistema e instituição nos oferece.
Na verdade, em sistemas dinâmicos, como os sistemas vivos, a estrutura
está variando continuamente. Vocês estão variando de estrutura agora.
Quando eu me movo, eu mudo minha estrutura, porque a estrutura é tanto
seus componentes quanto as relações entre eles. Felizmente, eu posso
mudar de estrutura sem perder minha organização. (MATURANA, 1997,
p.58-59).
Cuidar é uma ação que pode levar a cura4, mas também ao não adoecer ou
ao enfrentamento positivo do estado doentio. Quando se fala em cuidado integral
aliam-se todas as possibilidades exógenas e endógenas de quem vive. Seria
impossível elencar todos os elementos que o constitui, porém cita-se: a educação, o
lazer, a alegria, o amar e ser amado, o hobby preferido; enfim, todas as coisas que
conseguem fazer o ser humano encontrar um sentido para sua vida, participando
ativamente de seu processo de existir no mundo. Disso resulta o cuidado profundo
consigo mesmo, contemplando todas as suas dimensões, mesmo que a genética ou
o determinismo biológico imponha algo diferente daquilo que se anseia para si
mesmo.
Esse empoderamento5 de estar participando do seu existir, com criatividade,
gera um fenômeno de esperança, resultando no enfrentamento saudável de suas
intempéries, sejam biológicas ou psíquicas, proporcionando maior qualidade de vida.
O amor também é um fenômeno de sentido no cuidado integral, que começa
na interação e aceitação de um ser vivo com o outro. Segundo Maturana (1997) o
amor é o fundamento do fenômeno social e não consequência dele. Isso leva o “ser
4
Segundo Maturana (1997), o amor, e, consequentemente, a autoaceitação são fundamentos
básicos para a saúde e a cura do ser humano.
5
Para Morin (2003b), o empoderamento diz respeito ao ser humano consciente de seus direitos e
deveres de cidadão, independente, autoconfiante, com autonomias individuais, capaz de agir e
influenciar seu meio em participações comunitárias de acordo com princípios de justiça,
solidariedade e equilíbrio, com sentimento de pertencer à espécie humana.
30
humano”, a interagir com os outros pelas diversas formas de linguagens, seja com
um sorriso, um aceno, um abraço, uma palavra positiva, uma música, uma poesia,
uma imagem; enfim, com tudo aquilo que o faz ter um sentido e uma significação de
estar vivendo. É pela razão que muitas vezes justifica-se a tirania, o desrespeito e a
indiferença pelo outro. “Na verdade, somente o amor, e somente ele, é capaz de ver
a pessoa na sua singularidade, como o indivíduo absoluto que é. Neste sentido, o
amor possui importante função cognitiva”. (FRANKL, 2004, p.29). O sentimento de
profundo amor, amor que é estrutura vital no ser humano, fala e aponta para outro
meio de interação: o amoroso, respeitoso, acessível, espontâneo, o compassivo.
[...] a existência de um organismo como sistema dinâmico consiste em um
fluir de mudanças estruturais que segue um curso contingente com as
interações que esse organismo tem com o meio, sob condições de
conservação de sua correspondência estrutural com ele, e que, de outro
modo, se desintegra; (MATURANA, 1997, p. 70).
As interações podem, portanto, modificar o sistema estruturante do
organismo, pois em seu dinamismo é influenciada cada célula, tanto no macro como
no micro, na dimensão biofísica e psíquica do corpo, visando a auto-organização.
Para Morin (2003a), a auto-organização é a capacidade natural que distingue o ser
humano dos demais seres vivos, pois revela um misto de autonomia, liberdade e
heteronímia, mas também de saber lidar com a subjugação e a limitação diante do
direito do outro na relação, um paradoxo que o faz um ser auto-organizador.
Logo, as interações saudáveis, fundamentadas no amor, conseguem
contribuir para o equilíbrio dos seres humanos que interagem, sejam na família, na
unidade básica de saúde, na escola, no trabalho, no lazer e em todas as formas de
interações humanas.
[...] o amor é o fenômeno biológico que nos permite escapar da alienação
anti-social criada por nós através de nossas racionalizações. É através das
racionalizações que justificamos a tirania, a destruição da natureza ou o
abuso sobre outros seres humanos na defesa de nossas propriedades
materiais ou ideológicas. (MATURANA, 1997, p. 185).
O amor é que faz o ser humano se importar um com o outro, auxiliando
naquilo que lhe é possível. É ele que torna humanizada a ciência e o conhecimento
científico, não somente no desenvolvimento e emprego de técnicas competentes
para aliviar o sofrimento, a dor; mas também, na forma amorosa e respeitosa de
empregá-la, pensando sempre no bem-estar e na qualidade de vida do sujeito.
31
Deve-se no cuidado integral considerar a individualidade, subjetividade e as
diferenças, que o faz único e digno do melhor possível, independente do meio
socioeconômico em que se encontra, sua orientação sexual, crença religiosa e etc.
Dessa forma, sabe-se que se está apenas iniciando esse processo de
cuidado integral, fazendo a pequena e importante parte nessa história; afinal, o
caminho é ainda muito longo para se chegar às vivências integrais em saúde, ou
seja, o ideal de saúde que é pautado nos princípios da universalidade, da igualdade
e da equidade.
Pensando no cuidado integral, percebe-se que é de grande importância para
a mulher mastectomizada ser cuidada, desde a sua dimensão física até suas
dimensões psíquica e espiritual. Por isso, esta pesquisa visa contribuir para o
processo de saúde da mulher mastectomizada, no sentido de oportunizar uma
prática integrativa em arteterapia para a auto-organização da sua imagem. Haja
vista que após a cirurgia, essa mulher não será mais a mesma, tendo que aceitar
sua nova estrutura física mutilada, e, poder encontrar e assumir um sentido de estar
no mundo, projetando-se para a sua vida presente e futura como uma nova mulher,
um novo ser humano, com um novo sentido de existir no mundo.
2.3 A ORGANIZAÇÃO DA AUTOIMAGEM DE MULHERES MASTECTOMIZADAS
O câncer de mama, cientificamente nomeado de carcinoma de mama, é a
neoplasia mais frequente na mulher brasileira e está entre as maiores causas de
mortalidade do mundo; representando 22% de novos casos diagnosticados no
Brasil. Ocorre por meio do desenvolvimento anormal das células das mamas,
multiplicando-se repetidamente, a tal ponto de formar um tumor maligno. Se
diagnosticado e tratado oportunamente o prognóstico pode ser relativamente bom.
(INCA, 2010).
O Ministério da Saúde disponibiliza, pelo Sistema Único de Saúde – SUS,
programas com serviços de prevenção precoce, vários tipos de diagnósticos e
tratamento do câncer de mama, como por exemplo, o Programa Nacional de
Controle do Câncer de Mama.
O tratamento envolve muitas abordagens, desde a cirurgia, quimioterapia,
radioterapia, hormonioterapia.
32
A mastectomia é uma intervenção cirúrgica de remoção de um ou de ambos
os seios, parcialmente ou completamente, geralmente para tratar o câncer de mama.
Segundo Ministério da Saúde, a mastectomia deve ser indicada para os tumores
iguais ou maiores que três centímetros. (BRASIL, 2004)
Existem vários tipos de mastectomia: a simples ou total, a radical modificada
e radical, a poupadora de pele e a de reconstrução imediata. Mastectomia simples
ou total: neste procedimento, o tecido da mama com pele e complexo auréolopapilar são removidos. Esta cirurgia é feita às vezes em ambos os seios em
pacientes que necessitam submeter-se à mastectomia, como uma medida
preventiva do câncer.
Pacientes submetidos à mastectomia simples podem geralmente deixar o
hospital depois de uma breve estadia. Geralmente, é inserido um tubo de drenagem
durante a cirurgia em seu peito e ligado a um dispositivo de sucção para remover o
líquido que fica em baixo da pele. Estes são removidos vários dias após a cirurgia,
quando a drenagem passar a menos de 20-30 ml por dia. (INCA, 2010).
Na mastectomia radical modificada o tecido mamário inteiro é removido
juntamente com o conteúdo axilar. Nesta, um ou dois músculos peitorais poderão
ser poupados. Já na mastectomia radical os dois músculos peitorais são retirados,
além do tecido axilar. Também há a mastectomia poupadora de pele e a de
reconstrução imediata que são as mais recomendadas atualmente. As técnicas
modificadas que preservam um ou ambos os músculos são as mais empregadas,
pois além de assegurarem resultados semelhantes à mastectomia radical, facilitam a
reconstrução e reduzem a morbidade. (INCA, 2010)
A
opção
pela
técnica
depende
dos
achados
intraoperatórios,
das
circunstâncias clínicas e da idade da pessoa. Sempre que se indicar uma
mastectomia em pacientes com boas condições clínicas, deve-se considerar a
possibilidade de se realizar a reconstrução mamária imediata, assim sugere o
Ministério da saúde. (INCA, 2010).
Logo, a mastectomia que mutila o corpo, altera a autoimagem da mulher, e,
dependendo das vivências e relações estabelecidas consigo mesma, com sua vida,
sua sexualidade, família, amigos, equipe de saúde e etc., definirão as suas
percepções e reações diante do desafio de conviver com sua nova imagem de corpo
mutilado. Segundo Wanderley (1994), muitas dessas mulheres relatam se achar
sexualmente repulsivas, outras têm episódios de ansiedade e depressão, medo de
33
rejeição, sentimento de inferioridade, vergonha do próprio corpo e etc. Por isso, a
aquisição de habilidades de enfretamento específicas para cada contexto é
fundamental para a saúde integral da mulher mastectomizada.
Quando se fala em organizar algo, de acordo com Bueno (1980, p. 804)
“significa dizer construir o organismo de, ordenar, formar-se, constituir-se, aparelhar,
estabelecer as bases.” Todavia, dentro da perspectiva de quem necessita autoorganizar sua imagem frente a uma mutilação de mama, é preciso entender que a
pessoa em si é quem tem o poder de “ser” para se transformar. Dessa forma, a
pessoa
pode
se
perceber
com
poder
e
coragem,
vivenciando
a
sua
autotransformação, para sair da dor psíquica da mutilação. Com efeito, o
arteterapeuta oportuniza dentro do cuidado integral vivências terapêuticas para que
isso aconteça.
O
fortalecimento
da
autonomia
e
da
independência
da
mulher
mastectomizada na busca do seu sentido de existir no mundo, faz com que o
processo de organização da autoimagem aconteça de maneira mais profunda. Para
Morin (2003, p.101):
a organização liga elementos, acontecimentos e indivíduos de forma
interrelacional, garantindo a solidariedade e uma estrutura sólida nessas
relações, mas sem esquecer de que cada sujeito é ímpar, único em seu
aspecto subjetivo, apesar das semelhanças em outros aspectos, como por
exemplo, o biológico.
Logo, a organização da autoimagem de mulheres mastectomizadas remete a
autoestruturação da percepção sobre a sua imagem corporal que foi modificada, ou
seja, mutilada. Todavia, apesar das práticas arteterapêuticas oferecerem caminhos e
subsídios para esse fim, a mola propulsora e a principal fonte de transformação
desse processo será sempre a mulher na sua autopercepção e sua tomada de
consciência sobre o sentido de ser no mundo.
Sem a sua vontade, motivação, autonomia e intenção de ver nesse processo
“um sentido para” e uma ressignificação de seu corpo para viver; fica difícil a
superação da dor psico-espiritual, ou seja, a dor ontoantropológica da pessoa
espiritual, lugar da consciência, onde estão os registros representativos e
significativos da sua imagem nas relações pessoais e sociais.
34
A mutilação sofrida por elas é de uma parte do corpo, a mama, que simboliza
a feminilidade e a maternidade da mulher, e, por isso, para a maioria delas é um
processo muito doloroso e complexo.
O seio tem relação com o princípio feminino [...] O seio é sobretudo símbolo
de maternidade, de suavidade, de segurança, de recursos. Ligado à
fecundidade e ao leite – o primeiro alimento – é associado às imagens de
intimidade, de oferenda, de dádiva e de refúgio (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2007, p. 809).
Esse processo de organização da autoimagem implica em conhecer para
compreender o sentido de imagem que se vai trabalhar e pesquisar. Imagem do
latim imagine do nominativo imago, denota cópia, estátua, aquilo que é refletido, e
segundo (BUENO, 1980, p. 584), significa comparação, semelhança.
A filosofia platônica, segundo Reale (1991a), contribui para a elaboração do
conceito de autoimagem, ou seja, para a imagem de si mesmo, pois tem como um
de seus pressupostos a Ideia como origem do ser. Platão afirma em sua teoria do
Mundo das Ideias que tudo o que existe em nosso mundo terreno, seria uma réplica
imperfeita de tudo o que há no Mundo das Ideias – mundo espiritual. Ele sugere que
a partir de uma imagem perfeita do Mundo das Ideias, surge no mundo terreno a
imagem imperfeita, como uma réplica de uma original. Que o existir no mundo
depende dessa Imagem Perfeita.
Para Maturana (1997), a configuração das coisas se dá por meio de um
observador a partir do que ele vê, e, a correlação que faz entre organismo e
circunstância.
Assim como para a fenomenologia de Merleau-Ponty (1971, p.17):
O mundo fenomenológico é, não o do ser puro, mas o sentido que
transcende à intersecção de minhas experiências e a intersecção com as do
outro, pela engrenagem de umas sobre as outras, ele é pois inseparável da
subjetividade e da intersubjetividade que fazem sua unidade pela retomada
de minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da
experiência do outro na minha.
Portanto, a autoimagem é construída ao longo do tempo, influenciada pelas
relações externas e internas da pessoa, consigo mesma e com o outro, suas
percepções, experiências, época, sociedade, fala e meio cultural em que convive;
conforme comparações percebidas extrinsecamente, que retornam intrinsecamente,
35
tornando-se conteúdos internos, os quais, assimilados, vão dando “rosto” e
caracterizando a sua autoimagem.
Nem sempre a autoimagem é semelhante à imagem que a pessoa vê de si
mesmo refletida no espelho, pois como ela é captada e percebida subjetivamente,
em muitos casos, a autoimagem pode refletir uma imagem virtual distorcida para a
realidade externa, o entorno, as pessoas que convivem; porém, real para quem a
percebe e a sente.
Assim como o corpo precisa ser nutrido, não com um alimento qualquer
mas só com aquele que lhe convém, assim a psique tem necessidade de
sentido de sua vida; e, além disso, não de um sentido qualquer, mas de
imagens e ideias que lhe correspondam naturalmente, a saber, aquelas que
lhe são suscitadas pelo inconsciente.(JUNG, 2003, p. 340).
Pensando no princípio da integralidade, e, consequentemente, na saúde
integral dessas mulheres mastectomizadas é de extrema importância que se leve
em consideração não somente o biológico, mas também os aspectos emocionais e
espirituais desse processo.
A arteterapia como prática terapêutica que se utiliza das diversas linguagens
artísticas para o desenvolvimento do autoconhecimento, pela compreensão de si
mesmo e de suas relações, é uma grande aliada na superação desses desafios,
porque ela tem por base fundamental, o cuidado integral em saúde; promovendo o
autoconhecimento por meio da criação artística e da reflexão crítica dos conteúdos
simbólicos inconscientes, fluidos nas linguagens artísticas trabalhadas. Essa
vivência terapêutica possibilita perceber significados e sentidos expressos nas
representações artísticas de cada pessoa para si e para a sua vida; contribuindo
para a elevação da autoestima e a autoafirmação, como também, para encontrar o
sentido de estar vivendo.
Outro aspecto que pode desencadear a baixa autoestima dessas mulheres é
quando elas têm um senso estético (percepção sobre a beleza) submetido a um
parâmetro ditado pela sociedade de consumo. Nesta a ideia de beleza feminina está
vinculada a um modelo pré-concebido de corpos artificialmente esculpidos, num
padrão único aceitável, o qual gera lucro e poder para o complexo médico-industrial
na sociedade, e, terríveis consequências para quem o aceita e o assume.
A valorização aguda de uma ética fugaz da aparência e dos cuidados para
com a exterioridade, como um fim em si mesmo, parece estar em
conformidade com a crescente volatilidade de ‘valores humanos’ na
36
contemporaneidade. [...] Variados estereótipos corporais têm, em comum,
os caminhos da apologia ao consumo exacerbado de cosméticos, fármacos,
alimentos dietéticos, práticas de exercitação física, cirurgias entre outros.
(BAGRICHEVSKY; PALMA, 2006, p.8)
A criatividade na arteterapia faz a fruição de conteúdos simbólicos, que ao
serem materializados na expressão artística, permite a reflexão crítica e a
compreensão daquilo que se necessita para o equilíbrio da pessoa que a cria;
colaborando para aquisição de estratégias e meios de se trabalhar a nova imagem
dela, que passa por uma mutilação, como no caso da mastectomia. Afinal, nos
processos arteterapêuticos, segundo Dittrich (2010a), a criatividade dinamiza os
processos vital-cognitivos que acontecem por meio das imagens e das ondas, que
podem ser sonoras pelos sons musicais ou coloridas pela pintura.
A arteterapia6 como processo terapêutico se utiliza de várias linguagens
artísticas para atingir seus objetivos, visando à saúde integral da pessoa. A saúde
integral implica vivência de descobertas e aprendizagens nos processos de cuidado
à saúde e de educação em saúde, na qual a pessoa busca um bem-estar
biopsicoespiritual,
sociocultural
e
ambiental.
(DITTRICH;
ESPINDOLA,
KOEFENDER, 2013).
Dentro deste olhar, a arteterapia pode auxiliar mulheres mastectomizadas a
modificar a percepção sobre sua autoimagem, no que diz respeito, a compreender
seu senso estético deturpado, padronizado, que não respeita as diferenças, nem
tão pouco a natureza de cada um, como um ser único, diferente, e, com sua própria
experiência estética e beleza de ser singulares na sua história.
As práticas arteterapêuticas têm como centro do processo o ser humano em
suas várias dimensões constitutivas (biofísica, psique, espiritual) valorizando não
apenas o corpo com sua singular estética, mas também a singularidade estética da
psique e do espírito de quem participa. Nessa visão estética, diz respeito ao ser de
beleza muita mais ligada a percepção interna, do que a aspectos externos da
pessoa.
O medo da rejeição e da morte, a vergonha do corpo mutilado, a tristeza e a
angústia, possivelmente num processo arteterapêutico transformar-se-ão em uma
6
É uma prática de terapia que se utiliza de várias linguagens artísticas para atingir objetivos
terapêuticos por meio da maiêutica socrática, como método de conhecimento sobre a verdade do
ser no seu viver para a verdade.
37
autoestima que se confirma na autoafirmação, na alegria e na plenitude de estar
vivendo, embora marcada por uma patologia deformante.
Dentro do processo arteterapêutico é possível encontrar, cada qual, o seu
sentido de estar no mundo, participando dele com um viver significativo, com a sua
própria estética, ética, criatividade e todos os valores que fazem o ser humano viver
com mais qualidade de vida e bem-estar.
2.4 A PRÁTICA ARTETERAPÊUTICA E A SAÚDE INTEGRAL
O ser humano desde seus primeiros registros artísticos, conhecidos pelos
achados e pesquisas arqueológicas como as expressões rupestre encontradas em
cavernas, expressa e comunica sua relação consigo mesmo, com o grupo a que
pertence, com a natureza e com o Divino de forma integral.
A arte espontânea tem essa especificidade de materializar o objetivo, mas
também o subjetivo de quem cria e de quem a contempla, consciente ou
inconscientemente, intencional ou espontaneamente; engendrando a fruição de
fluxos de sentimentos, emoções, aprendizados, experiências concretas e/ou virtuais
que lhe pertence.
A obra de arte traz em si a sua própria forma; tudo aquilo que ele não
gostaria de aceitar, lhe será imposto. Enquanto seu consciente está
perplexo e vazio diante do fenômeno, ele é inundado por uma torrente de
pensamentos e imagens que jamais pensou em criar e que sua própria
vontade jamais quis trazer à tona. Mesmo contra a sua vontade tem que
reconhecer que nisso tudo é sempre o seu “si-mesmo” que fala, que é a sua
natureza mais íntima que se revela por si mesma anunciando abertamente
aquilo que ele nunca teria coragem de falar. (JUNG, 1985a, p.62).
Para Andrade (2000), arte, religião e ciência por muito tempo na história da
humanidade estiveram unidas. O processo de ruptura entre elas começa a ser
visualizado no final da Idade Média e início da Idade Moderna, quando ciência e
religião, religião e Estado se separam.
Entretanto, a arte cumpre e cumpriu seu papel de fazer fluir a criatividade do
ser humano, que, consciente ou inconscientemente submete-se a ela de forma
terapêutica. Por meio das artes, por exemplo, os primitivos em seus rituais com
danças, cantos, pinturas e etc., aliviavam e renovavam suas energias para continuar
vivendo de acordo com as normas e regras de sua comunidade; reverenciavam e
pediam aos deuses, por meio dessa linguagem simbólica profunda que é a arte. O
38
ser humano civilizado também a aprecia ou a cria, na maioria das vezes, sem se dar
conta de seus benefícios terapêuticos.
Segundo Andrade (2000), foram as produções artísticas de pacientes
psiquiátricos, no início do século XX, que chamaram a atenção de profissionais da
saúde, desencadeando estudos e pesquisas mais profundas sobre a arte como
terapia.
No Brasil o movimento psicanalítico, por meio de Osório César, em São
Paulo, iniciou as pesquisas e estudos das expressões artísticas de pacientes
psiquiátricos. No Rio de Janeiro, Nise da Silveira (médica psiquiátrica) também é
considerada uma pioneira em implantar e implementar a técnica de arteterapia no
diagnóstico e também no tratamento de doentes mentais. Segundo Tommasi (2005),
Nise da Silveira acreditava que as artes além do lazer e distração para os internos
do hospital em que trabalhava, ultrapassou esses limites, desencadeando processos
terapêuticos significativos.
Em 1954 Nise entrou em contato com Carl G. Jung, para apresentar algumas
expressões de seus pacientes feitas em círculos, mandalas. Essa troca possibilitou
novas compreensões sobre a esquizofrenia. Nise viajou a Zurique, pois as imagens
enviadas a Jung, foram expostas no IIº Congresso Internacional de Psiquiatria. Esse
encontro com Jung mostrou à Nise um novo olhar sobre as doenças e suas
terapêuticas, focando no relacionamento social, afetivo, familiar, religioso, como
ponto de partida para esses distúrbios, e, a estreita correspondência entre os
arquétipos7 e os instintos na psique humana. (TOMMASI, 2005)
Logo, a arte além de sua função social passa a ter uma função terapêuticocientífica. Nesse caminho encontra-se a arteterapia que consiste numa prática de
terapia que tem como foco principal as expressões artísticas, nas suas diversas
linguagens (pictórica, musical, cênica entre outras), fundamentadas pelas várias
áreas do conhecimento humano como a filosofia, a arte, a psicologia, a pedagogia e
etc. (DITTRICH apud TOMMASI, 2005).
O
processo
arteterapêutico
dentro
de
uma
visão
fenomenológica
existencialista tem sua concepção de ser humano integral, considerando suas
dimensões biológicas, psíquicas e espirituais, integrado ao mundo em que vive nas
7
Arquétipos, segundo Jung, são ideias primordiais, a existência de determinadas formas na psique,
que estão presentes em todo o tempo e em todo lugar. (JUNG, 2008, p.53).
39
suas mais complexas relações de existir; primando pela criatividade, seja intencional
ou espontânea, fazendo conexões com o consciente e o inconsciente.
Esse processo da criatividade do ser humano, como manifestação da
própria vida em gênese, é a manifestação mais profunda do seu ser como
um espírito criador em que o seu modo de ser é espiritualidade. (DITTRICH
apud TOMMASI, 2005, p. 32).
As práticas arteterapêuticas possibilitam o diálogo e a reflexão sobre os
sentidos e significados da linguagem simbólica, que a expressão artística carrega;
apresentando “verdades” sobre o mundo subjetivo e intrínseco de quem a cria.
No entanto, no processo de criação artística, na arteterapia, é imprescindível
para que os resultados sejam mais profundos, que o participante e criador das
expressões artísticas deixe seu inconsciente, que Frankl (2004), chamou de pessoa
profunda espiritual, se manifestar espontaneamente, sem controlar racionalmente o
que está sendo criado ou feito.
Não raro, a auto-observação forçada, a vontade de “fazer” conscientemente
aquilo que deveria se realizar por si numa profundidade inconsciente, tornase um obstáculo para o artista criador. Qualquer reflexão desnecessária
pode prejudicar a obra do artista. (FRANKL, 2004, p.30).
Após a criação da expressão artística, o processo arteterapêutico será
orientado por um ou uma arteterapeuta, para a reflexão sobre os símbolos
materializados na expressão artística criada. Essa leitura reflexiva e crítica terá como
ponto de partida a leitura pessoal e individual do criador da expressão, para depois
ser relacionada aos conteúdos simbólicos coletivos, encontrados nas diversas
culturas, que segundo Jung (2008), está intrínseco no inconsciente coletivo pessoal
de todo ser humano. Este inconsciente é a camada mais profunda e a base da
psique, a qual carrega todas as experiências da humanidade desde as mais
primitivas até as mais civilizadas.
A prática arteterapêutica é um instrumento eficaz de educação em saúde,
pois desencadeia a reflexão crítica e a criatividade para o sentido de viver no mundo
– importante no processo de saúde integral – materializando nas expressões
artísticas sentimentos e emoções, os quais compreendidos e “re-significados”
poderão resultar em maior qualidade de vida e bem-estar a quem participa.
Dessa forma, a arteterapia é indicada também para mulher mastectomizada,
porque com suas práticas-metodológicas e todas as considerações supracitadas,
40
desencadeia um processo terapêutico de busca de sentido, de elevação de
autoestima e autoafirmação, auxiliando-a no processo de organização de sua
autoimagem.
2.5 A PSIQUE E O SÍMBOLO DESDE UMA VISÃO DE JUNG
Karl Gustav Jung nasceu na Suíça numa aldeia chamada Kesswill em 1875.
Segundo Jung (1985a), grande parte das respostas aos seus questionamentos ele
encontrou na filosofia, entrando em contato com a filosofia pitagórica, a de Heráclito,
a de Platão, a de Kant, a de Schopenhauer entre outros.
Interessou-se pelos fenômenos ocultos, pesquisou-os publicando a obra “Da
psicologia e patologia dos chamados fenômenos ocultos”. Também publicou
“Estudos psiquiátricos”, relatando vários casos de histeria e como ocorre a relação
entre a doença, o inconsciente e consciente.
Jung ao considerar e compreender o que seus pacientes sentiam,
respeitando-os, aproximou-se da fenomenologia, desenvolvendo o método científico
construtivo de compreensão prospectiva, propondo ultrapassar o método de Freud
que era analítico-redutivo de compreensão retrospectiva.
Dessa forma, os caminhos de Freud e Jung se afastaram e ele seguiu suas
pesquisas sobre as doenças mentais e o inconsciente, investigando as forças
operantes na psique. Seus estudos influenciaram diversas áreas do conhecimento e
também as práticas arteterapêuticas, pois promovem a integralidade do sujeito em
seus processos de saúde e educação, corroborando com a proposta da arteterapia
de integralidade e saúde integral do ser humano.
[...] não se pode tratar da psique, sem mexer no todo, isto é, no último e no
mais profundo, da mesma forma que não se pode tratar de um corpo
enfermo, sem considerar a totalidade de suas funções, ou mesmo sem levar
em conta a pessoa do doente, conforme se tem ouvido ultimamente aqui e
ali da boca de alguns representantes isolados da medicina moderna.
(JUNG, 2009, p. 73).
Para Jung a psique humana estrutura-se com três sistemas gerais:
consciente, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo.
O consciente é um sistema psíquico que mantém contato com o mundo
interno e externo do ser humano, desde os processos mentais, ambiente social,
raciocínio, memória, atenção, função cognitiva e emocional entre outros.
41
O inconsciente pessoal é um sistema que faz fronteira com o consciente,
sendo a camada mais superficial do inconsciente coletivo. Porém não se consegue
precisar o limite entre uma camada e outra da psique, pois todas são dinâmicas. Ele
forma-se posteriormente ao nascimento da pessoa. É nele que se encontram os
complexos, que segundo Jung (1981; 2009) são os conteúdos psíquicos pessoais
traumáticos e conflituosos reprimidos que, se separando da consciência, têm altas
cargas energéticas, formando-se como se fosse uma pequena psique fechada no
inconsciente pessoal, em que a fantasia desenvolve uma atividade própria, a tal
ponto, que o sujeito pode ser dominado e possuído por esses conteúdos, os
complexos.
O inconsciente coletivo é a base de toda a psique e sua camada mais
profunda, cujos conteúdos, ao contrário do inconsciente pessoal, estão a priori ao
nascimento do sujeito. Para Jung (2008), é onde se encontram os arquétipos, ou
seja, ideias primordiais, energéticas, fórmula simbólica que entram em ação quando
não existem conceitos conscientes. Os principais arquétipos são: a persona, a
sombra, a anima, o animus e o self ou Si-mesmo.
Si-mesmo é o centro organizador de toda a psique e abarca todo o
inconsciente e consciente, é dele que surgem a consciência e o eu.
O Si-mesmo não é apenas o ponto central, mas também a circunferência
que engloba tanto a consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa
totalidade, do mesmo modo que o eu é o centro da consciência. (JUNG,
1991, p.51)
Assim o Si-mesmo assimila conteúdos da consciência e do inconsciente,
como também a consciência contém a imagem simbólica do Si-mesmo. Logo, ao
mesmo tempo em que o Si-mesmo se submete, também domina, necessitando do
conhecimento e do esforço pessoal do sujeito; e, quando transcende o indivíduo,
abrange toda a coletividade arquetípica, participando do inconsciente coletivo.
Esse arquétipo manifesta-se por meio de símbolos em sonhos, contos de
fada, mitos; representado em personalidades superiores como rei, presidente,
santíssima trindade, ou como em figuras: quadrados, círculos, mandalas,
montanhas, na união dos opostos, como também nos quatro elementos da natureza
(fogo, água, ar, terra) entre outros.
A sombra é um arquétipo que tem como conteúdo aquelas qualidades
inferiores e condenáveis que pertencem a todo e qualquer ser humano, conferindo-
42
lhe, segundo Jung (1981), substancialidade e corpo, pois só se pode ter
substancialidade projetando sombra. Tal conteúdo pertence a totalidade do ser
humano, que quando toma consciência de sua sombra, consegue lembrar-se que é
um ser humano como os demais. Pode se apresentar simbolicamente na figura de
bruxas, vampiros, assassinos entre outros.
Essa integração da sombra é possível a partir de seu confronto com a
consciência e com o self ou Si-mesmo.
A sombra, porém, é uma parte viva da personalidade e por isso quer
comparecer de alguma forma. Não é possível anulá-la argumentando, ou
torna-la inofensiva através da racionalização. Este problema é
extremamente difícil, pois não desafia apenas o homem total, mas também
o adverte acerca do seu desamparo e impotência. (JUNG, 2008, p.31).
A persona tem como significado, máscara, e é o arquétipo utilizado pela
psique para que o sujeito se relacione com as pessoas, a sociedade, para ser bem
aceito. Segundo Jung (2009, p.30), [...] aquela face que nunca mostramos ao
mundo, porque encobrimos com a persona, a máscara do ator. Geralmente,
manifesta-se por meio de símbolos como, por exemplo: roupas, acessórios e tudo
aquilo que enfeita e adorna o sujeito. À medida que se vai integrando os conteúdos
da sombra, a persona começa a se desfazer, pois, vem à tona a verdadeira natureza
do sujeito que estava obscurecida.
A anima é um arquétipo feminino que somente o homem possui em sua
psique, com a função de conhecer e se relacionar com seu oposto complementar, o
princípio feminino. Nesse arquétipo estão os conteúdos vivenciados pelos homens
com o princípio feminino.
Quando esses polos psíquicos estão muito descompensados em relação ao
outro, poderão tornarem-se opositores, influenciando negativamente sua vida, suas
relações e todo o funcionamento harmônico da psique. Os símbolos mais comuns de
manifestação desse arquétipo no homem são desde os mitológicos como sereias,
fadas, feiticeiras, bruxas, as deusas de uma forma geral, e também pessoas
comuns: professora, enfermeira, mãe. Como animal, pode se manifestar na imagem
de uma galinha, vaca entre outros, carregando todos eles aspectos positivos e
negativos, dependendo do contexto em que se manifestam em sonhos, imagens e
etc.
43
Animus é o arquétipo com polo masculino que somente a mulher possui em
sua psique, no intuito de compensar seu princípio feminino, relacionando
internamente com esse polo oposto. “A anima, sendo feminina, é a figura que
compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura compensadora é de caráter
masculino e pode ser designada pelo nome de animus.” (JUNG, 1987, p.81).
O animus tem como uma das suas principais funções compensar o polo
feminino que tem como característica natural a passividade, a intuição e clareza do
que é imperceptível à razão. Logo, ele compensa a psique feminina pela
compreensão lógica e racional das coisas e das situações experimentadas pela
mulher.
Jung e Franz (1977) apresenta como símbolo coletivo e pessoal, tendo quatro
estágios de desenvolvimento, personifica-se por meio de sonhos, imaginação
passiva, símbolos artísticos entre outros.
Em seu primeiro estágio de desenvolvimento é representado personificando a
força física, geralmente no símbolo do atleta, de um homem musculoso, do Barba
Azul entre outros.
No segundo estágio, ele possui iniciativa e capacidade de planejamento,
romântico podendo aparecer na forma de um administrador de empresa, na figura
de um estrategista de guerra, de um poeta, caçador e etc.
O ‘verbo’ é sua maior capacidade no terceiro estágio manifestando-se na
figura de um professor, orador, político, padre, entre outros.
Em seu último estágio de desenvolvimento o animus encarna como
característica
preponderante
o
‘pensamento’,
portanto,
sua
forma
mais
desenvolvida, relacionando a psique feminina com a evolução espiritual de sua
época, o que tornará a mulher mais aberta e receptiva à sua criatividade, às ideias
novas e criadoras. Nesse estágio ele se apresenta como um sábio, Gandhi, Papa e
etc.
Esse arquétipo pode provocar grandes problemas na vida de uma mulher
quando subestimado ou negligenciado em sua consciência, provocando seu polo
negativo ocasionando irritação em suas relações amorosas, submissão, falta de
ação em sua vida, atividades que são desejadas, mas ficam na estagnação, ou seja,
sem concretude na vida da mulher influenciada por essa energia psíquica.
Segundo Emma Jung (2006), também é possível encontrar aquelas mulheres
que estão em equilíbrio e com certa harmonia com seu animus; são mulheres
44
corajosas, ativas, atuantes e enérgicas. Em contra partida, quando a integração
dessa energia psíquica de seu animus está descompensada, porque a postura
masculina sufocou e reprimiu a feminina, a mulher torna-se superenérgica,
inescrupulosa e até brutal.
O animus pode se manifestar na figura de um estranho, do pai, irmão, marido,
filho, menino, chefe, piloto, motorista, estuprador e muitas outras representações
simbólicas, as quais poderão assolar a mente de uma mulher e de sua vida se não
conscientizadas essas forças energéticas em sua psique.
Nos contos de fadas aparece como personagens simbolizados em rei,
príncipe, ladrão, mendigo, guerreiros, caçadores, irmão, pai, amor proibido, salvador,
feiticeiro, mago, bruxo, vampiro, velho, jovem, na cabeça de um pássaro, touro, leão,
galo, cão e etc.
[...] dificilmente percebemos que ambos, anima e animus, são complexos
autônomos que constituem uma função psicológica do homem e da mulher.
Sua autonomia e falta de desenvolvimento usurpa, ou melhor, retém o pleno
desabrochar de uma personalidade. Entretanto, já podemos antever a
possibilidade de destruir sua personificação, pois conscientizando-os
podemos convertê-los em pontes que nos conduzem ao inconsciente.
(JUNG, 1987, p.86)
Logo, é fundamental que esse arquétipo do animus seja trabalhado durante
as vivências arteterapêuticas com mulheres com câncer de mama, para que elas
possam perceber essas forças intrínsecas, utilizando-se das mesmas, em seus
benefícios, o que melhorará a autoestima e autoafirmação delas, bem como, a
relação consigo mesmas, com os outros e seus entornos.
Os símbolos manifestados nos sonhos, nas pinturas ou nos contos de fadas,
por exemplo, compreendidos, conscientizados e ressignificados, acabam por auxiliar
o processo terapêutico de quem participa, promovendo o desenvolvimento integral
daquele ou daquela que vivencia esse processo.
Os símbolos funcionam como transformadores conduzindo a libido de uma
forma ‘inferior’ para uma forma superior. Esta função é tão importante que a
intuição lhe confere os valores mais altos. O símbolo age de modo
sugestivo, convincente, e ao mesmo tempo exprime o conteúdo da
convicção. Ele age de modo convincente graças ao númeno, que é a
energia específica própria do arquétipo. (JUNG, 1986, p.221).
O símbolo alegoricamente poderia ser compreendido como a roupagem ou
vestimenta do arquétipo, dinamizado por essa energia chamada númeno, que,
45
quando acumulada e excedida no inconsciente, emerge para o consciente em forma
de símbolos; a linguagem utilizada pela psique que pode ser intuída, pressentida,
sentida, impossível de ser totalmente e absolutamente compreendida.
Sobre a energia simbólica Whitmont (2006, p.31), afirma o seguinte:
Como a energia do núcleo atômico, a energia do “núcleo” psíquico do
inconsciente constitui uma dimensão de potencial energético elementar até
então insondada e aterradora, igualmente capaz de nos destruir ou de nos
socorrer, dependendo de nos tornarmos sua vítima, devido à nossa
persistente falta de compreensão ou de adquirirmos a capacidade de nos
relacionarmos adequadamente com ela, de orientar seu potencial de
energia a nosso favor.
Consequentemente, as vivências arteterapêuticas trabalham na compreensão
das linguagens simbólicas surgidas nas diversas representações artísticas criadas.
Elas promovem o que Jung (2009), chamaria de processo de individuação. “A
individuação é o “tornar-se um” consigo mesmo, e ao mesmo tempo com a
humanidade toda, em que também nos incluímos.” (JUNG, 2009, p. 103).
Logo, o processo de individuação é o desenvolvimento evolutivo dos seres
humanos, produzindo uma consciência do que seja a comunidade humana, pois traz
à consciência registros e símbolos do inconsciente, que unem seres humanos dentro
de uma cultura, de um estilo de vida em saúde.
46
3 METODOLOGIA
A presente pesquisa é teórico-prática, com estudo de caso, qualitativa, que
segundo Gil (1999), tem como objetivo desenvolver, esclarecer e modificar conceitos
e ideias; proporcionando uma visão geral acerca do fenômeno pesquisado,
especialmente, quando o tema escolhido é pouco explorado, tornando difícil formular
hipóteses precisas e operacionalizáveis. Para tanto, utilizou-se especialmente da
abordagem fenomenológica em Merleau-Ponty, da psicologia existencialista em
Frankl, da psicologia analítica em Jung e da autopoiese em Maturana para discutir
os conceitos centrais da pesquisa.
A coleta dos dados foi através da observação participante, que para Gil
(1999), foi introduzida na pesquisa social por antropólogos, cujo pesquisador é o
observador, que assume, até certo ponto, o papel de membro do grupo do qual
pesquisa; conhecendo a vida de seus participantes a partir do interior do próprio
grupo.
Ainda sobre a coleta de dados, a pesquisadora usou uma ficha de registro
para as oficinas de arteterapia (APÊNDICE C), onde consta o tema de cada oficina,
os respectivos objetivos, resultados esperados, descrição das percepções da
pesquisadora e das participantes sobre as vivências arteterapêuticas e sobre as
criações das expressões artísticas, dúvidas e dificuldades, bem como os resultados
obtidos que aconteceram durante o processo nas oficinas. Tal registro foi a partir de
uma observação assistemática ou não estruturada, que segundo Marconi e Lakatos
(1999), são observações feitas de maneira mais livre, sem instrumentos formais,
mas primando pela fidedignidade dos registros dos dados observados sobre o
fenômeno da pesquisa. A observação assistemática é muito utilizada em pesquisas
exploratórias de estudo de caso, e, seu êxito e cientificidade dependem da
perspicácia e preparo do observador, o que no caso da pesquisa foi o critério mais
importante para a escolha dessa pesquisadora.
A parte prática da pesquisa consistiu em 10 oficinas de arteterapia, que
aconteceu, uma vez por semana, com duas horas de duração, totalizando uma
carga
horária
de
20
horas;
com
uma
amostra
de
2
(duas)
mulheres
mastectomizadas, integrantes do Projeto de Extensão Mãos de Vida da Univali.
Houve a diminuição da carga horária prevista, para as oficinas de arteterapia
em relação ao projeto de pesquisa, em função do atraso da liberação do parecer de
47
aprovação do comitê de ética, para iniciar a pesquisa, o qual se encontra no Anexo
B deste trabalho com nº 145.016 em 09/11/2012.
Em discussão entre a orientadora e a pesquisadora, chegou-se ao
entendimento de que haveria a necessidade de reduzir-se a carga horária da prática
da pesquisa, para a carga horária supracitada, totalizando 20 horas de oficinas de
arteterapia. Tal redução não diminuiu, do ponto de vista qualitativo, a consistência
da pesquisa e o impacto positivo do trabalho junto às participantes.
As mulheres mastectomizadas que participaram das práticas arteterapêuticas
são cadastradas no projeto de extensão “Mãos de Vida” do CCS (Centro de Ciências
da Saúde) UNIVALI, o qual ocorre na Unidade Básica de Saúde Comunitária e da
Família, no campus de Itajaí, desenvolvendo processo de cuidado integral às
mulheres com diagnóstico de câncer de mama. As oficinas realizaram-se na unidade
de saúde supracitada, pois tem melhor infraestrutura para o trabalho, como também
disponibilidade de acesso das participantes. Diante da complexidade da doença,
esse projeto Mãos de Vida amplia as práticas de tratamento tradicional e integrativas
com foco na humanização e o cuidado integral em saúde, buscando a inclusão de
vivências terapêuticas em arteterapia e espiritualidade. Seu objetivo é desenvolver
um trabalho transdisciplinar de assessoramento e cuidado à saúde e educação em
saúde com vistas à atenção integral à saúde de adultos - homens e mulheres - com
diagnóstico de câncer de mama.
O projeto Mãos de Vida, dentro de uma metodologia transdisciplinar, entende
que o pensar e o agir no cuidado, implica articular e compreender a complexidade
das relações entre os profissionais nas suas especificidades e funções, os
funcionários nas suas funções e saberes, e, os usuários nas suas necessidades
consigo mesmos, tendo em vista à humanização da saúde e à elevação da
qualidade de vida. A atitude transdisciplinar busca a transformação do ser humano –
ao se relacionar com os outros e com o “outro” (TORRE, 2008).
A prática transdisciplinar oportuniza um constante aprender, dentro de uma
postura de abertura à descoberta de novos saberes e formas de viver o cuidado, que
vai se construindo nas relações de conhecimento e de acolhimento amoroso. Ela
emerge desde relações autênticas de respeito e de amor, como dinâmica da energia
vital entre as pessoas com seus saberes, suas formas de ser, de fazer e de conviver
no cuidado à saúde. (DITTRICH, 2009; 2010a)
48
Segundo Dittrich (2010a; 2009), como a mortalidade por câncer é influenciada
não somente pelos fatores clínicos e socioeconômicos, mas também pela
disponibilidade e qualidade do cuidado provido, espera-se que estudos de avaliação
da assistência possam subsidiar a melhoria dos indicadores nessa área, bem como,
fomentar a criação e implementação de uma prática inovadora de promoção à
saúde, estruturada na integralidade e na transdisciplinaridade, sem perder de vista a
espiritualidade como vivência de descoberta de sentido de vida e da força
transformadora do amor na saúde. Diante disso, se visa formar replicadores para
poderem atuar no SUS em Itajaí e Região.
O tratamento envolve uma abordagem eco-espiritual, ou seja, aquela que as
ciências, a arte e a espiritualidade são consideradas como formas múltiplas de
cuidado à saúde, com processos terapêuticos, que energeticamente atuam no
paciente, na sua inteireza biofísica, psíquica, espiritual e social, fortalecendo-o para
outras formas de tratamento e de prevenção. (DITTRICH, 2010a; 2009).
O critério de escolha das participantes para a pesquisa deu-se pelos
prontuários de mulheres cadastradas no Projeto de extensão Mãos de Vida, da
região do Vale do Itajaí, que passaram pela cirurgia de mastectomia, com idades
que variaram de 30 a 55 anos, que necessitavam de atendimento especializado em
função da mastectomia. As participantes foram informadas sobre o estudo e
assinaram o termo de consentimento Livre (ANEXO A e C) concordando em
participar da pesquisa e permitindo a utilização dos dados coletados.
Durante o primeiro encontro foi explicado o projeto, bem como as práticas
arteterapêuticas
que
seriam
desenvolvidas.
Antes
do
início
das
práticas
arteterapêuticas e após perguntar a cada uma delas se aceitava e desejava
participar da pesquisa, foram registradas as mulheres participantes com um
protocolo contendo os seus dados de identificação (APÊNDICE B).
Em seguida, foi apresentado e entregue a cada uma delas um cronograma
para o atendimento de arteterapia em grupo.
As oficinas de arteterapia seguiram um processo de uma sequência de
passos que geraram um protocolo de Arteterapia no cuidado à saúde da pessoa
com câncer de mama assim como segue abaixo.
As participantes em seu processo arteterapêutico foram a fonte de coleta de
dados que a pesquisadora utilizou para compreender a percepção da mulher
mastectomizada sobre as práticas arteterapêuticas no cuidado à saúde integral.
49
Para coleta dos dados da pesquisa, após o término de cada oficina a
pesquisadora preencheu uma ficha de registro, onde constaram descritivamente
todas as atividades feitas com o grupo, objetivos, seus resultados, bem como as
informações e percepções apreendidas por ela no processo arteterapêutico.
Também foram coletados dados por meio desses registros as falas
expressando sentimentos, emoções e percepções das mulheres durante as práticas
arteterapêuticas.
As participantes também registraram atrás das expressões pictóricas criadas,
sentimentos, ideias e percepções importantes sobre si mesma e sobre as práticas
de arteterapia vivenciadas por elas.
A interpretação e compreensão sobre os dados da pesquisa ocorreram
desde uma hermenêutica8 fenomenológica9 sustentada pelo referencial teórico e as
fichas de registros sobre as oficinas de arteterapia, nas quais constam as
observações, percepções e interpretações sobre o processo das práticas
arteterapêuticas realizadas.
Os resultados finais da pesquisa foram obtidos por meio da interpretação
hermenêutica fenomenológica das expressões artísticas, com base nos registros das
mulheres participantes, dos registros das fichas de cada sessão preenchidas pela
pesquisadora e dos registros da auxiliar e da fundamentação teórica da pesquisa.
O nascedouro de uma hermenêutica é o ser humano pesquisador, que vive os
processos dos fatos, dos acontecimentos oriundos de suas reflexões (induçãodedução) construídas na sua existência. O ser humano (no caso da ciência, o
pesquisador) é o lócus onde a vida acontece e se expressa em pensamento
sistematizado – o conhecimento sobre algo percebido na realidade vivida.
(DITTRICH, 2004). Como diz Maturana (1995, p.76): “tudo que é dito, é dito por
alguém”, pois o conhecer e o fazer estão articulados numa maneira de ser do ser
humano. E continua: “O fato de ‘o conhecer’ ser a ação daquele que conhece está
enraizado no modo mesmo de seu ser vivo, em sua organização” e que reflete na
construção de seus pensamentos e ações.
8
Segundo Dittrich (2004) hermenêutica quer dizer: uma postura, uma maneira de entender e
expressar a percepção sobre os dados de forma qualitativa e nasce da busca de resposta do
pesquisador para seus questionamentos.
9
A fenomenologia é o estudo das essências, é uma filosofia que compreende o homem e o mundo a
partir de sua factilidade. Trata-se de descrever e não explicar nem de analisar. (MERLEAU-PONTY,
M. 1971).
50
O ato da compreensão humana está profundamente associado às raízes
mais profundas da vida, que biologicamente falando, se dinamizam em toda
a estrutura molecular e celular do ser humano que tem em si o fenômeno da
cognição como possibilidade para criar, aprender e conhecer na interrelação com o meio circundante. (DITTRICH, 2004, p.971).
Diante disso, a compreensão dos dados da pesquisa desenvolveu-se
segundo o seguinte processo:
1. Indutivamente deu a descrição dos dados coletados na realidade
pesquisada.
2. Desenvolvimento da compreensão-interpretação dos dados por meio das
significações das participantes, da pesquisadora como também pelos
aportes teóricos utilizados, chegando às considerações finais.
Dentro da fenomenologia o olhar perceptivo do pesquisador, naturalmente, é
perpassado pela dinâmica criativa de processos da percepção, que se estruturam
entre a sensibilidade intuitiva, intencional e racional, na qual a objetividade e a
subjetividade são relacionais às referências qualitativas, que se implicam na
complexidade de um fenômeno pesquisado e observado com especificidade
metodológica qualitativa.
Esta pesquisa foi orientada na resolução 196/96, do Conselho Nacional de
Saúde, que aponta as condições éticas necessárias para a realização da pesquisa
que envolve seres humanos.
3.1 A PRÁTICA DO CUIDADO INTEGRAL POR MEIO DA ARTETERAPIA
3.1.1 Protocolo de arteterapia para o cuidado integral à saúde da pessoa com
câncer de mama - ArTCISaP
1. Cuidando do ambiente: Antes da chegada das participantes o ambiente
foi energeticamente preparado com pensamentos e sentimentos de amorosidade,
respeito e saúde direcionados a quem participou das práticas arteterapêuticas, a
partir da concentração e mentalização da arteterapeuta, cuidadora e pesquisadora
para as pessoas participantes. Diz Laszlo que:
Nós todos somos parceiros na dança cósmica constante e infinita. Ela ‘informa’ nossos corpos e informa nossas mentes. Nós podemos e devemos
ficar conscientes dela e permitir que ela reforce nossas sensações de
51
unicidade com a natureza e de solidariedade com nossos companheiros
humanos. (LASZLO, 1999, p.201).
Ainda referendando Laszlo (1999) pelo ato de pensar e sentir pode-se
comunicar a mensagem do pensamento ou sentimento desejado, podendo a mesma
ter consequência direta sobre a pessoa ou grupo de pessoas para quem é enviada.
A mensagem é codificada pelo campo psi, alcançando até mesmo pessoas
que se encontram à distância de quem emite o pensamento. Laszlo (1999) entende
por campo psi como uma subestrutura do holocampo universal10, rica em
informações e que pode fazer interconexões espaciais-temporais, criando uma
comunicação entre os seres e o ambiente. Dessa forma, o processo arteterapêutico
desenvolvido na prática dessa pesquisa, com uma metodologia transdisciplinar,
contou com mais essa possibilidade de trabalhar com o que não é palpável e
tangível, mas que se apresenta como elemento verdadeiramente integrante desse
processo arteterapêutico, que é a conexão e preparação mental dos integrantes do
grupo.
Simultaneamente
a
energização
do
ambiente
e
das
pessoas
pela
mentalização, se utilizou a aromaterapia com fundo musical, sensibilizando ainda
mais outros sentidos da pesquisadora e das participantes à medida que iam
chegando e efetivando a harmonização do grupo.
A música foi utilizada como fundo durante todo o tempo do processo da
oficina de arteterapia.
Porém, para preparação do ambiente foram escolhidas
melodias e ritmos musicais relaxantes, mas que proporcionavam alegria e bem-estar
aos seus ouvintes.
A aromaterapia é uma prática integrativa que proporciona por meio de
essências vegetais perfumadas, a sensibilização de quem está no ambiente.
Portanto, foram utilizados aromas de jasmim, lavanda, rosa, bergamota, canela que
segundo Corrêa e Schotten (2010), tem propriedades calmantes, estimulantes da
alegria, de fortalecimento emocional, auxiliando na desinibição e o bem-estar de
quem as sentem.
2. Acolhimento do ser: O acolhimento iniciou com o primeiro passo, no
campo psi, do pensamento como emissor de boas energias; energia de
10
Sobre o holocampo Laszlo (1999, p. 190) diz: “temos razões para acreditar que seja um campo
criado pela interação do vácuo quântico, o mais profundo mar de energia do universo, com as
coisas e eventos que evoluem no espaço e no tempo.
52
amorosidade, respeito e saúde, materializando-se com a chegada de cada
participante, que foi recebida com sorriso, palavras de boas vindas e com um abraço
acolhedor. Toda essa acolhida teve como base o amor. Maturana (1997, p. 185) diz:
[...] queremos que o amor seja uma consequência da socialização, não sua
fonte, porque nós queremos que as relações que destroem o amor, como a
competição, sejam relações sociais legítimas. A competição é anti-social. A
competição, como uma atividade humana, implica na negação do outro,
fechando seu domínio de existência no domínio da competição. A
competição nega o amor.
Por isso a importância da acolhida amorosa, pois ela produz em seu doador
e no outro que a recebe um sentimento de aceitação do outro e de autoaceitação, de
inclusão, de segurança, de alegria e de bem-estar, rechaçando a competição e
integrando nessa interrelação a cooperação que auxilia na harmonização do grupo.
O acolhimento de todas as participantes individualmente também foi
preparando cada integrante para a acolhida do grupo, como um todo harmonioso na
intenção, muito embora fosse constituído pelas diferenças peculiares de cada ser
humano.
Durante o acolhimento individual cada participante foi convidada a formar um
círculo, um lugar que quando se está passando por transformações ou situações
difíceis na vida, dá segurança para enfrentar esta fase e poder seguir adiante.
Portanto, o grupo foi orientado a formar o círculo, e perceber que este, representava
para cada integrante um lugar seguro; onde se encontrava amorosidade como
energia vital de força transformadora, que dá forças para a busca de sentido na vida,
diante das adversidades, como por exemplo, a mastectomia. Esse procedimento
pode ajudar a desenvolver autonomia e independência nas vivências de cuidado
integral à saúde.
No círculo, as participantes foram orientadas para irem se sentando,
percebendo seu corpo, sua respiração, batimentos cardíacos, seus sentimentos,
buscando receber a energia positiva e saudável do ambiente e do grupo, sentindo o
aroma, o som da música, ir se aquietando, fazendo contato consigo mesma na sua
intimidade por meio de relaxamento dirigido pela pesquisadora.
Toda essa concentração, sintonia de cada uma em si mesma, harmoniza
também o grupo, sensibiliza e prepara as três dimensões, bio-psico-espiritual, de
quem participa, para o próximo passo da oficina de arteterapia.
53
O espiritual não é apenas uma dimensão própria do homem; ela é a
dimensão específica dele. Embora a dimensão espiritual represente a
dimensão específica do homem, não se trata, contudo, no que diz respeito a
ela, da única dimensão dele, dado que o homem é uma unidade e um todo
corporal, psíquico e espiritual. (FRANKL, 1995, p. 66).
Com palavras de amorosidade e respeito às participantes a pesquisadora
significou o grupo como um todo vivo que transforma para o bem e o amor tudo o
que for necessário naquele momento.
Pode-se definir o amor como poder chamar alguém de tu e além disso ser
capaz de aceita-lo positivamente; noutras palavras, compreender uma
pessoa em sua essência, tal como ela é, em sua singularidade e
peculiaridade, mas não só em sua essência e tal como é, mas também em
seu valor, em seu dever-ser, o que significa aceita-la positivamente.
(FRANKL, 1995, p. 78).
3. Cuidando do ser nas vivências: Esse foi um passo articulado e em
conexão com os passos anteriores, haja vista que, esse cuidado se inicia antes da
chegada das mulheres, na acolhida individual, do grupo e na harmonização das
participantes e do ambiente.
Algumas práticas de movimentos corporais foram oferecidas e estimuladas
após o relaxamento, como a movimentação das mãos, pernas e etc. circularmente,
objetivando captar energias de saúde e de harmonia, sempre com o cuidado de não
agredir o corpo que passou por mastectomia, assim como o psíquico e o espiritual
das participantes.
Nas oficinas subsequentes, com a aceitação das mulheres, foram
desenvolvidos além dos movimentos corporais, práticas com danças, ao som de
músicas alegres, com lenços de diversas cores, individualmente, no grupo em
sincronia de movimentos.
A
movimentação
do
corpo
buscando
a
sensualidade
feminina,
a
amorosidade consigo mesma, a percepção do corpo ao ritmo da música, também
possibilita emoções e sentimentos que sensibilizam todo o ser humano em sua
integralidade, promovendo o autoconhecimento, a autoaceitação, a elevação da
autoestima, a criatividade, a autoafirmação.
Por isso afirmo que aquilo que distinguimos como emoções, ou que
conotamos com a palavra emoções, são disposições corporais que
especificam a cada instante o domínio de ações em que se encontra um
animal (humano ou não), e que o emocionar, como o fluir de uma emoção a
outra é o fluir de um domínio de ações a outro. (MATURANA, 1997, p. 170).
54
Esse contato mais íntimo consigo mesma, pelos movimentos corporais ao
ritmo da dança com músicas alegres, permite uma comunicação e uma conexão
com seu todo vivo, abrindo possiblidades de transformações que poderão ocorrer
desde as dimensões biofísicas-psíquicas sustentadas pela abertura de sua base
espiritual que é o lócus de cura e da força energética para a dinâmica do bem-estar
do ser humano no seu cuidado integral à saúde. Defende Maturana (1997, p.84)
Ao nos movimentarmos na linguagem de interações com outros, mudam
nossas emoções segundo um emocionar que é função da história de
interações que tenhamos vivido, e no qual surgiu nosso emocionar como
um aspecto de nossa convivência com os outros, fora e dentro do linguajar.
Na interação também com o grupo durante os movimentos corporais
individuais ou sincronizados coletivamente, as participantes se intercomunicam
numa linguagem não verbal, carregada de emoções e sentimentos, mesmo que
estes não sejam positivos e saudáveis (dor, sofrimento, baixa autoestima, medo da
morte e etc.), mas podem ser transformados na interação do próprio grupo,
fortalecendo e renovando quem sente e seus sentimentos, com a energia que o
grupo possibilita e emite nesse ambiente de interações harmoniosas, amorosas e
alegres.
Todo ser humano é limitado. E só é realmente humano à medida que se
eleva sobre sua própria limitação, superando-a e, portanto, “transcendendoa”. Desse modo, um homem em geral só é um homem porque – como ser
espiritual – está acima do seu ser corporal e psíquico. (FRANKL, 1995, p.
94).
Logo, é pela dimensão espiritual de todas as participantes integradas, pela
amorosidade, aceitação e respeito, que as emoções vão se modificando e
proporcionando bem-estar.
À medida que a música foi encerrando a pesquisadora formou novamente um
círculo do Espaço e Movimento para a Saúde Integral, onde sentadas iniciaram a
prática de bibliodrama11; primeiramente ouvindo um conto de fada.
Os contos de fada ou outros materiais literários foram escolhidos conforme a
necessidade, aceitação do grupo, sempre considerando o nível de entendimento de
11
Segundo Roese (2007), bibliodrama foi um termo proposto por Jacob Levi Moreno e utilizado como
técnica terapêutica. A técnica utiliza-se de textos bíblicos, literários, orais, da vida cotidiana,
relacionais, existenciais e etc., fazendo com que seu participante o vivencie e se envolva em sua
inteireza: corpo, alma e espírito.
55
cada participante, são materiais valiosos no processo arteterapêutico, principalmente
os contos de fada, pois têm linguagem, enredo e personagens que se aproximam do
cotidiano de qualquer pessoa, incitando ideias, sentimentos, emoções e reflexões
importantes para compreensão de si mesma e de suas relações.
Contos de fada são a expressão mais pura e mais simples dos processos
psíquicos do inconsciente coletivo. Consequentemente, o valor deles para a
investigação científica do inconsciente é sobejamente superior a qualquer
outro material. Eles representam os arquétipos na sua forma mais simples,
plena e concisa. (FRANZ, 2008, p.5).
Dessa forma, os contos de fada integram uma estrutura de acontecimentos,
papeis e linguagem muito simples e que expressam conteúdos simbólicos
vivenciados pela humanidade em sua herança ontofilogenética. “Nosso organismo
conserva os traços de sua evolução filo-genética. O mesmo se dá com o espírito
humano. Por isso, nada há de espantar quanto à possibilidade de que a linguagem
figurada dos sonhos seja um vestígio arcaico de nosso pensamento”. (JUNG, 1984,
p.253).
Os sonhos, as artes em geral, especificamente as histórias passadas de
geração a geração, com certa similaridade nas diferentes culturas, traduzem
conteúdos simbólicos de grande relevância para as relações internas e externas do
ser humano desde os tempos remotos até a atualidade.
As histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem
importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa
ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a
adrenalina, mostram-nos a saída e, apesar das dificuldades, abrem para
nós portas amplas em paredes anteriormente fechadas, aberturas que nos
levam à terra dos sonhos, que conduzem ao amor e ao aprendizado [...]
(ESTÉS, 1994, p. 36).
Dessa forma, a prática de bibliodrama foi de fundamental importância para
que as mulheres vivenciassem sentimentos e emoções a serem compreendidos e
re-significados, por meio dos personagens, papeis, dentro de uma estrutura
cotidiana acessível, que as histórias e contos oferecem. Segundo Estes (1994, p.
29): “Na maioria das vezes, conseguimos, com o tempo, descobrir o mito ou conto
de fadas condutor, que contém todas as instruções de que uma mulher necessita
para seu atual desenvolvimento psíquico.”
Após a contação da história foi proporcionado ao grupo momentos de
vivencia-los, variando a cada oficina a forma de fazê-lo:
56
1.
Pela vivência: deu-se por meio da dramatização de uma parte ou
personagem que mais chamou à atenção da participante, algum personagem com
que se identificou.
2.
Pela reprodução da contação oral: de uma parte escolhida; pela
imitação com gestos do personagem ou momento que considerou mais importante.
3.
Pela escrita: de uma palavra do conto ou história que lhe chamou
mais à atenção, observando-a e significando-a, para depois na sequência, também
fazê-lo com as palavras escritas das outras participantes do grupo, circulando em
frente a todas, refletindo sobre seus significados, e, ao final, extraindo e construindo
uma mensagem pessoal.
Na sequência o grupo formou um círculo, chamado nessa metodologia de
Reflexão Amorosa-terapêutica, para relatar suas percepções, sensações, ideias,
mensagens e reflexões sobre o conto de fada ou história trabalhada.
A partir da reflexão do grupo sobre o conto ou história e as intervenções da
pesquisadora, a mesma esclareceu que iniciaria o momento de criação da
expressão pictórica individual, porém não seria julgada ou avaliada por critérios
artísticos, pois a beleza estética, não seria considerada como critério, e sim, a
espontaneidade no criar, deixando que a mão “sozinha” com o pincel, juntamente
com a tinta, marcassem o papel sem pensar, planejar, nem controlar; deixando fluir
os movimentos e as escolhas das cores.
A expressão pictórica foi criada em papel sulfite A4, pois é um tipo de papel
com espessura adequada para esse tipo de pintura. A tinta utilizada foi a guache que
pode ser diluída em água e não é tóxica. Para pintar foram utilizados pinceis de
medidas variadas, como também os dedos, variando conforme a necessidade e
desejo do grupo.
Importante ressaltar que antes da criação da expressão pictórica, as
participantes foram preparadas de forma que não se importassem com a questão
estética e nem tão pouco racionalizassem durante o processo de criação, buscando
constantemente a espontaneidade e a fruição natural dos conteúdos pictóricos e
simbólicos durante o processo de criação artística.
Não raro, a auto-observação forçada, a vontade de “fazer” conscientemente
aquilo que deveria se realizar por si numa profundidade inconsciente, tornase um obstáculo para o artista criador. Qualquer reflexão desnecessária
pode prejudicar a obra do artista. (FRANKL, 2004, p. 30)
57
Cada participante pintou individualmente sua expressão artística, se
entregando com todas as suas dimensões, ou seja, integralmente à criação das
formas pelas cores; deixando que sua criatividade e espontaneidade se
expressassem pictoricamente, representando as vivências no grupo, com suas
formas e cores que fruíram das profundezas e das entranhas de seu ser.
Essa entrega à criação pictórica foi terapêutica, pois o som da música de
fundo, com a combinação das cores e das formas durante o processo pictórico,
atingiu a emoção, o sentimento em suas profundezas, fazendo emergir conteúdos
simbólicos de significados incomensuráveis e somente parcialmente reveláveis a
quem cria ou observa. Jung (1984, p.346) afirma:
Por símbolo não entendo uma alegoria ou um mero sinal, mas uma imagem
que descreve da melhor maneira possível a natureza do espírito
obscuramente pressentida. Um símbolo não define nem explica. Ele aponta
para fora de si, para um significado obscuramente pressentido, que escapa
ainda à nossa compreensão e não poderia ser expresso adequadamente
nas palavras de nossa linguagem atual.
Nesse momento de criação artística várias cores foram oferecidas, pois cada
uma delas interagia de forma diferente com quem as via, impressionando
primeiramente a visão para atingir a profundidade espiritual de quem teve esse
contato. Elas acabaram representando algo de seu convívio e da sua experiência
externa ou interna, objetiva ou subjetiva. “A cor provoca, portanto, uma vibração
psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas, em suma, o caminho que lhe serve
para atingir a alma”. (KANDINSKY, 1996, p. 66).
Além do contato com as cores no momento das pinturas, as participantes
tiveram contato com elas antes desse processo, por meio da dança com lenços
coloridos, que também despertaram nelas um impacto profundo durante os
movimentos corporais.
Ao término do processo terapêutico pictórico de criação artística foi formado o
Espaço e Movimento para a Saúde Integral, no qual a pesquisadora conversou
sobre a importância do respeito, da acolhida, da compreensão e da ética de todo o
grupo para com a pessoa que estiver se manifestando. Para Morin (2005), a ética
solidária é possível ser construída na compreensão complexa do ser humano,
considerando-o na sua multidimensionalidade, em sua incompreensão e altruísmo,
em sua desumanidade e humanidade, como também pelo contexto onde foram
58
construídas suas experiências, pois reconhecendo o meio cultural da pessoa é
possível compreendê-la.
Com essa visão de ser humano que está em processo de construção de uma
consciência profunda-solidária sobre si mesmo, sobre o outro, sobre o meio em que
vive e convive e sobre o planeta ao qual habita, que se formou o círculo nomeado
de Espaço e Movimento para a Saúde Integral; buscando justamente reflexões,
compreensões e significados sobre a vida, os quais possibilitaram um passo adiante
para a abertura de consciência.
4. Espaço e Movimento para a Saúde Integral: Momento e espaço onde as
participantes sentadas formaram o círculo com sua expressão artística a sua frente.
Devo acrescentar, contudo, que a atividade meramente pictórica, em si, não
basta. Além dessas representações, é necessário compreender intelectual e
emocionalmente as imagens, afim de integrá-las ao consciente, não só
racional mas também moralmente. Elas também têm que ser submetidas a
um trabalho de interpretação sintética. (JUNG, 2009, p.48).
Cada uma observou a sua criação, percebendo as cores usadas, os símbolos
materializados, suas partes, o todo da expressão e suas relações. “Do mesmo modo
que as células do sangue são componentes básicos e normais do funcionamento
biológico, as imagens são também componentes básicos do funcionamento
psíquico.” (WHITMONT, 2006, p.26).
Depois de identificar para si mesma, deixar fluir significados para os símbolos,
para as cores e ir descobrindo qual a mensagem que a expressão lhe transmitia,
para logo em seguida dar-lhe um nome.
O resultado do símbolo poderia ser comparado com o resultado da
perspectiva. Assim como a perspectiva na dupla dimensão capta a terceira
e faz pressentir o espaço no plano, da mesma forma o símbolo, a analogia
simbólica, de alguma maneira torna compreensível o incompreensível.
(FRANKL, 1995, p.113).
Assim, percebeu-se que a criação artística faz emergir das profundezas
psíquicas conteúdos simbólicos que têm relação com os sentimentos, emoções
comportamentos e etc., e que, ao serem significados, possibilitam a compreensão e
o bem-estar de quem faz esse processo. “Pela compreensão livramo-nos do domínio
do inconsciente.” (JUNG; WILHELM, 2001, p.57).
Justamente esses conteúdos psíquicos, quando inconscientes e, por isso, não
significados e compreendidos, podem causar sentimentos e emoções que acabam
59
por fazer sofrer e até adoecer quem os sentem. Eles podem tomar proporções
desastrosas, devido a sua grande carga energética, que por meio da arte pode ser
aliviada e materializada na forma simbólica.
Todo ser humano é capaz de ascender a uma consciência mais ampla,
razão pela qual podemos supor que os processos inconscientes, sempre e
em toda parte, levam à consciência conteúdos que, uma vez reconhecidos,
ampliam o campo desta última. (JUNG, 1987, p.60).
Essa vivência como todas propiciadas na oficina foi de grande importância e
relevância para o processo terapêutico, pois a comunicação entre inconsciente e
consciente é mediada por tudo o que é criado no processo, e, consequentemente, a
expressão artística acabava por materializar sentimentos, emoções, pensamento e
etc., muitas vezes impensados, incompreendidos e ignorados.
A obra de arte traz em si a sua própria forma; tudo aquilo que ele não
gostaria de aceitar, lhe será imposto. Enquanto seu consciente está
perplexo e vazio diante do fenômeno, ele é inundado por uma torrente de
pensamentos e imagens que jamais pensou em criar e que sua própria
vontade jamais quis trazer à tona. Mesmo contra a sua vontade tem que
reconhecer que nisso tudo é sempre o seu “si-mesmo” que fala, que é a sua
natureza mais íntima que se revela por si mesma anunciando abertamente
aquilo que ele nunca teria coragem de falar. (JUNG, 1985b, p. 61-62).
Logo, a partir dessa fruição inconsciente-consciente, emergiram mensagens e
insights, que puderam propiciar a compreensão dos sentimentos negativos em
relação a si, aos com quem convivem e à própria vida.
A pesquisadora se utilizou da maiêutica que segundo Reale e Antiseri
(1991a), é um método socrático que extrai o conhecimento por meio de
questionamentos sucessivos, para extrair e parir conhecimentos da pessoa;
primeiramente levando-a a reconhecer sua ignorância, forçando uma definição do
assunto, o foco da investigação; depois escavava de vários modos a definição
fornecida e explicitava e destacava suas carências e contradições, criticando e
refutando sua nova definição; assim sucessivamente até que o interlocutor se
declarasse ignorante. Segundo Sócrates, esse método provocava o efeito de
purificar as falsas certezas e a ignorância de seu interlocutor.
Entretanto, pensando na autoestima das mulheres participantes, que já
vinham com uma demanda de sofrimento e muita dor, as perguntas direcionadas a
elas eram desencadeadas com amorosidade, considerando suas respostas, sempre
com novas perguntas, as quais pudessem refletir, para que chegassem por meio de
60
suas percepções, a significados e sentidos sobre suas vivências no processo
arteterapêutico.
A socialização da expressão pictórica criada e de seus significados foi muito
importante, porque nesse momento a pessoa falava e automaticamente se escutava,
porque teve anteriormente um momento de escutar a si própria na sua intimidade
com sua expressão criada, demonstrando que se apropriou de significados, podendo
compreendê-los e re-significá-los, dando sentido a eles em sua vida.
Devo acrescentar, contudo, que a atividade meramente pictórica, em si, não
basta. Além dessas representações é necessário compreender intelectual e
emocionalmente as imagens, a fim de integrá-las ao consciente, não só
racional mas também moralmente. (JUNG, 2009, p. 48)
Kandinsky (1996, p.163) afirma que:
A explicação que o artista dá de seu trabalho pode ser útil, pois as palavras
agem sobre o espírito e podem assim despertar na alma “formas capazes
de descobrir o que faz a necessidade de uma dada obra”. Ela pode permitir
ao leitor associar-se a uma “experiência vivida da obra”.
A pesquisadora também participou desse processo, assim como nos passos
anteriores e posteriores da oficina, com sua inteireza bio-psico-espiritual, com seus
conhecimentos e experiências terapêuticas, mas também com seus sentimentos e
intuições; acolhendo, mediando e instigando, de maneira a não induzir significados,
todavia, proporcionando questionamentos, para que o significado e a compreensão
dos mesmos fossem desencadeados; como também as intervenções terapêuticas
necessárias procurando fortalecer o que é sadio e desfazer o que é doentio.
Pode acontecer que em certos casos seja necessário destruir pela terapia
alguma formação doentia; no entanto, com a mesma frequência ou até mais
frequentemente, pode ser oportuno e indicado fortalecer e proteger o que é
sadio e digno de ser conservado, para deste modo desfazer o campo em
que medra o que é doentio. (FRANKL, 1981, p. 111)
Após a compreensão dos significados da expressão pictórica as participantes
eram convidadas a dar sequência a oficina, para seu último movimento que é a
despedida do grupo.
5. Acolhimento Amoroso de Despedida: Esse foi o momento final da oficina
em que no círculo acontecia o momento de despedida, quando cada participante e a
pesquisadora deixavam uma mensagem positiva para si e para o grupo. “A alegria
61
da vida reside no triunfo irresistível e constante do valor novo”. (KANDINSKY, 1996,
p. 142).
Ao término e ao som de uma música alegre se abraçavam criando aos
poucos um vínculo positivo de amizade e fortalecimento com o grupo.
3.2 A COMPREENSÃO DAS VIVÊNCIAS
A metodologia das oficinas desenvolveu-se dentro de uma concepção
hermenêutica-fenomenológica, as quais tinham como objetivo geral, compreender a
percepção das duas mulheres mastectomizadas sobre as vivências arteterapêuticas
sobre o cuidado à saúde integral delas.
As oficinas foram planejadas conforme a metodologia construída no projeto,
trabalhando com as linguagens artísticas como: musicalidade, arte pictórica,
dramatização e dança. Os temas foram desenvolvidos a partir de cinco contos de
fadas, cada qual desenvolvido em duas sessões. Os contos de fadas trabalhados
foram: O patinho feio; Vasalisa; A mulher esqueleto; O barba azul e o Urso da meia
lua, os quais mais adiante serão referendados.
A coleta de dados da presente pesquisa deu-se por meio de dez oficinas de
arteterapia, de duas horas semanais, dentro do Projeto de Extensão Mãos de Vida,
UNIVALI, Itajaí – SC. Todas as oficinas foram estruturadas desde as vivências
terapêuticas de cuidado integral previstas, de acordo com o Protocolo supracitado,
porém com a flexibilidade que todo processo terapêutico-educacional exige.
62
4 A COMPREENSÃO SOBRE A PESQUISA PRÁTICA
Foram participantes da pesquisa duas mulheres integrantes do projeto Mãos
de Vida da Univali, mastectomizadas.
A primeira que foi denominada na pesquisa de AN e tinha 41 anos de idade,
natural do Rio Grande do Sul, perdeu seus pais em acidente de moto com 22 anos
de idade, tem um irmão mais velho e três mais novos, todos moravam no Rio
Grande do Sul. AN residia em Itapema com seu segundo marido, não tinha filhos;
fazia pouco mais de um ano que foi diagnosticada com o câncer de mama triplonegativo. Fez mastectomia na mama direita e tratamento com quimioterapia. Fazia
fisioterapia na clínica da Univali e estava aguardando o resultado da perícia para
decidir, se voltava ao trabalho, pois antes do tratamento do câncer, trabalhava no
setor administrativo de um posto de gasolina da cidade na qual residia.
A segunda participante, foi denominada VE, com 51 anos de idade, natural do
Paraná, casada há 32 anos, tinha cinco filhos, sendo que dois eram solteiros e
moravam com ela e o marido, as outras duas filhas e o outro filho eram casados. Ela
tinha uma neta de três anos, residia em Camboriú - SC, recentemente foi
diagnosticada com o câncer de mama, fez a mastectomia da mama esquerda e até
o encerramento das oficinas de arteterapia, havia feito apenas duas, das dezenove
sessões de quimioterapia. Ela fazia fisioterapia na clínica da Univali e trabalhava de
cozinheira numa escola, mas estava afastada para o tratamento do câncer.
Desenvolvia um trabalho de ministra da eucaristia numa igreja católica da
comunidade onde morava.
4.1 COMPREENDENDO O CASO AN
O tema da primeira oficina de arteterapia do caso AN foi “Quem sou eu?” e
seu objetivo implicou possibilitar o processo de autoconhecimento na relação
consigo mesma e com o outro.
Arteterapeuticamente se usou para a reflexão o conto “O patinho feio”. Ela
deixou claro em suas falas a tensão sofrida em decorrência da experiência da
mastectomia pela dualidade de seus sentimentos, com relação à curiosidade das
pessoas pela falta de sua mama direita, e, o seu sentimento dúbio entre não se
importar com tal atitude das pessoas, e, em se sentir agredida diante de tal fato.
63
O certo é que aquilo de que o homem realmente precisa, não é de um
estado isento de toda e qualquer tensão, senão de uma certa tensão, uma
sadia dose de tensão, aquela doseada tensão que lhe provocam no ser
exigências e solicitações de um sentido (FRANKL, 2010, p. 105).
Essa dualidade expressa nas falas de AN demonstrou a tensão também na
aceitação de sua nova autoimagem, ou seja, um corpo de mulher sem a mama
direita, pois ora ela dizia que se aceitava assim, ora comentava sobre a resistência
em se olhar no espelho depois da mutilação. Segue o que ela comentou nesse
sentido:
Eu não me vejo diferente das outras mulheres, mas as pessoas têm
resistência, quando me olham correm os olhos diretamente em minha
mama mastectomizada e não nos meus olhos. Somos como “o patinho
feio”, temos resistência em nos olharmos no espelho. Quando perdi os
cabelos pela quimioterapia, eu não usava lenço, preferi usar turbante. Para
mim a mensagem do conto é que a vida é um ciclo, tem alegrias e tristezas.
(sic)
AN percebeu e sentiu a vida também na dualidade, em ciclos naturais de
tristezas e de alegrias, quando comentou sobre a mensagem do conto do “Patinho
feio” dizendo: “Para mim a mensagem do conto é que a vida é um ciclo, tem alegrias
e tristezas”. (sic)
A paisagem pictórica criada por AN também remete o observador a perceber
as montanhas e as árvores unidas como dois seios com seus respectivos mamilos,
justamente o tema de que AN mais se reportou em suas reflexões, foi o simbólico
central desse processo pictórico.
A significação do conto o “Patinho feio” poderia levá-la a refletir sobre suas
relações na família de origem, sua infância, dentre outros assuntos; contudo, suas
percepções e significações sobre o conto, assim como o seu trabalho pictórico,
levaram-na à reflexão sobre as consequências de sua mastectomia, realizada em
função do câncer de mama; a aceitação de sua autoimagem e o sentido profundo
que tal fato desencadeou em sua vida.
AN iniciou a sua primeira expressão pictórica pintando duas montanhas no
centro da folha, com duas nuvens azuis, duas árvores, flores e um caminho verde
que levava a um lago. Esta imagem retrata a natureza em sua dualidade, quando
apresenta “duas” árvores, “duas” montanhas e “duas” nuvens. Para Pitágoras (apud
REALE; ANTISSERI, 1991a), o número dois é considerado o número da opinião
64
móvel, que oscila em direções opostas, por isso, simbolicamente é o número da
dualidade.
Pintura 1 - Vida
Fonte: Expressão pictórica de AN criada na primeira oficina de arteterapia
AN quando começou a pintar essa imagem iniciou pelas montanhas e as
colocou bem no centro da folha, confirmando a importância dos seios nessa fase em
que está vivendo; as montanhas estão bem próximas às nuvens, ou seja, ao céu.
Aqui novamente se manifestando a dualidade e a união entre terra e céu, entre
corpo e espírito, entre materialidade e espiritualidade.
As árvores que também foram “duas”, para AN representavam o crescimento,
desenvolvimento e a vida, o que está de acordo com a simbologia coletiva da árvore.
“A árvore seria então o sinal externo visível da realização do si-mesmo12". (JUNG,
2003, p.193).
Portanto, a árvore nessa imagem de AN é o símbolo da vida em ascensão
para o céu, ou seja, a realização do si-mesmo na linguagem junguiana, ou, a
transcendência em Frankl. “Por meio do conteúdo imanente do símbolo, sempre se
pode voltar a tender para o objeto transcendente”. (FRANKL, 1995, p.113). Contudo,
por serem “duas” árvores também simbolizam a dualidade vida e morte, da
12
“O Si-mesmo não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba tanto a
consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu é o
centro da consciência”. (JUNG, 1991, p. 51).
65
mutilação do corpo e da regeneração do “ser” mais profundo, em sua totalidade
tridimensional (bio-psico-espiritual).
A imagem das duas árvores remeteu esta pesquisadora também à ideia de
um corpo feminino. A primeira árvore do lado esquerdo da imagem representou um
corpo feminino com um seio esquerdo como uma sombra transparente, mas
omitindo o seio direito, pois a figura está de perfil; a árvore da direita como um corpo
feminino, não apresentou saliência na altura do seio como na primeira, pelo
contrário, ficou uma espécie de abertura na região dessa parte do corpo. Importante
lembrar que, a mastectomia de AN foi feita justamente, na mama direita.
As árvores assim como as mulheres têm seus ciclos de vida-morte-vida13, ou
seja, de nascer, fertilizar, gerar, morrer para se renovar. As primeiras obedecendo as
estações do ano e as últimas as fases da vida, desde a infância, a maturidade até o
envelhecimento. Elas (árvores/mulheres) passam por nascimentos, mortes e
renascimentos em vários aspectos de suas vidas.
Na verdade, em sistemas dinâmicos, como os sistemas vivos, a estrutura
está variando continuamente. Vocês estão variando de estrutura agora.
Quando eu me movo, eu mudo minha estrutura, porque a estrutura é tanto
seus componentes quanto as relações entre eles. (MATURANA, 1997, p.5859).
AN estava vivendo um momento profundo de sua existência, na qual o “viver”
e o “morrer” caminham lado a lado com ela em seu processo de saúde doença;
principalmente, depois de diagnosticada com o câncer de mama e da mastectomia;
cuja mama teve que ser sacrificada em troca de sua saúde como mulher e como
totalidade que é; atingindo profundamente todas as suas dimensões e a conectando
com a dimensão mais profunda que é a espiritual.
O espiritual não é apenas uma dimensão própria do homem; ela é a
dimensão específica dele. Embora a dimensão espiritual represente a
dimensão específica do homem, não se trata, contudo, no que diz respeito a
ela, da única dimensão dele, dado que o homem é uma unidade e um todo
corporal, psíquico e espiritual. (FRANKL, 1995, p. 66).
Retirando-a de um estilo de vida em que era subtraído o seu ser mais
profundo, o espírito. O espírito para Dittrich (2010b, p. 83): “Su estructura es un
campo de energia cuántica, que permite una organización celular que se auto-crea.
13
Expressão utilizada por Estés (1994) nos contos de fadas e em suas interpretações dos contos.
66
En ella existe una organización vital-cognitiva que dinamiza todos los processos
emocionales y racionales inseparablemente”.
A organização autopoiética , segundo Maturana (1997), é o processo em que
os seres vivos se autoproduzem a si próprios de modo contínuo, numa rede de
interações dinâmicas, desde a organização bio-fisiológica, psicológica, sua
dimensão espiritual até o meio a que pertence desencadeando em AN mudanças
profundas em sua vida, para poder enfrentar o câncer. Dessa forma, AN deu sentido
à sua vida de uma nova maneira, percebendo sua responsabilidade existencial e
preenchendo o vazio existencial que sentia, com a luta pela sua sobrevivência, e,
por maior qualidade de vida, para uma nova vida. “Sempre e em toda parte, a
pessoa está colocada diante da decisão de transformar a sua situação de mero
sofrimento numa realização interior de valores”. (FRANKL, 2006, p. 68).
Além disso, ao perceber a paisagem atentamente, distingue-se um rosto em
que as nuvens seriam a representação simbólica das sobrancelhas, as montanhas
com as árvores simbolizando os olhos, e, o lago a boca. Este rosto proveniente do
ciclo da vida, representado na natureza, segundo Von Franz (apud JUNG; FRANZ,
1977), simboliza o self ou si mesmo. Portanto, AN estava vivenciando um processo
de amadurecimento como ser humano e mulher, integrando os opostos: medocoragem, vida-morte, materialidade-espiritualidade, saúde-doença e etc., esses
opostos possibilitaram um olhar integral e sistêmico, e, mais significativo sobre si
mesma e sua vida.
Considerar as cores utilizadas por ela em seu processo pictórico foi
fundamental. Pois, as cores são ondas e como tal carregam uma vibração que
atinge o pintor em sua totalidade bio-psico-espiritual, comunicando energias que vão
e voltam, alterando a energia de seu manipulador. “A cor provoca, portanto, uma
vibração psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas, em suma, o caminho que
lhe serve para atingir a alma.” (KANDINSKY, 1996, p. 66).
As cores que predominaram nessa pintura de AN foram o verde e o azul. As
montanhas e as copas das árvores foram pintadas por AN na cor “verde”. Para
Kandinsky (1996), a cor verde dá uma impressão de repouso, é o ponto ideal de
mistura entre o amarelo e o azul; formado por essas cores opostas: do “azul” que é
profundidade e do “amarelo”, que nunca desce tão profundamente, e considerado a
cor tipicamente terrestre; enquanto o azul é a cor tipicamente celeste, ligada aos
aspectos profundos e espirituais da natureza. A união dessas duas cores opostas
67
(azul+amarelo) anula os movimentos horizontais, concêntricos e excêntricos,
tornando o “verde” uma cor de repouso, que AN significou como sendo a cor da
esperança.
O “azul” se manifesta nas duas nuvens e no lago da imagem pintada por ela.
AN significou o lago dizendo que é pureza, limpeza. Segundo Jung (2011a), o lago
também é um símbolo inorgânico que representa o si-mesmo; para os teólogos
egípcios era um afloramento do Oceano primordial, mãe de todos os deuses que
dava vida aos humanos. Para os gauleses o lago era a morada dos deuses, por isso
jogavam nos lagos oferendas de ouro, prata, como troféus de suas vitórias.
Quando AN significou simbolicamente o lago em sua criação pictórica como
pureza e limpeza, trouxe um sentido análogo a outras culturas da antiguidade;
atribuindo ao lago “um poder de trazer a vida”, a saúde, porque tem algo “divino” e
“purificador” em suas águas azuis, as quais são profundas, conforme a cor azul que
foram pintadas.
As nuvens para AN mostraram que o dia estava bom, mas existe um
simbólico coletivo nesse elemento: “A nuvem é o símbolo da metamorfose viva, não
por causa de alguma de suas características, mas em virtude de seu próprio vir-aser”. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p. 648).
Por serem azuis, as nuvens confirmaram a transformação profundaexistencial que AN estava passando em decorrência da doença e de seu tratamento.
Afinal, estava mais voltada para as subjetividades da vida e com uma sensibilidade
aflorada em relação a dar sentido a todo esse processo, assumindo a
‘responsabilidade de sentido’, vendo sua vida e a dos demais que a rodeiam com
maior profundidade; mais ligada às questões espirituais e com o Divino como
essência de sua própria vida. Segue uma das afirmações de AN a esse respeito:
O câncer foi um presente de Deus, voltei à vida! Hoje dou volta à beira
mar e sinto o cheiro do mar, sinto o valor das pequenas coisas! Tenho
um cunhado que me irrita, pois enquanto luto para viver, ele está se
destruindo aos poucos com seu alcoolismo e não admite ser ajudado. Não
gosto de recebê-lo em minha casa. Antes do câncer eu fazia bonecas de
pano, costurava os pedaços de tecido e ia criando-as. Quando descobri o
câncer e iniciei o tratamento, não tive mais vontade de fazê-las. Há poucos
dias fui a um centro espírita e pediram doações para um bazar. Resolvi
fazer uma boneca de pano para doar. Até tirei fotos das partes, mas agora
lembrei que não tirei as fotos dela montada. Não acreditei que fui eu quem
fez aquela boneca, ficou linda! (sic).
68
Segundo Frankl (1995), quando o ser humano como ser espiritual que é,
confrontado com seu mundo exterior e interior dá sentido a sua vida, ele acaba
assumindo a responsabilidade de escolhas, que o levam ao seu objetivo de realizar
algo para si e para o mundo, sensibilizado pela sua consciência, levando-o à sua
transcendência.
O fim da psicoterapia é a saúde mental, enquanto da religião é a salvação
das almas. Portanto, não se confundem. Entretanto, poderão resultar efeitos
profiláticos ou psicoterapêuticos quando o homem experimenta alívio
psicológico ao considerar sua transcendência, ao encontrar o sentido último
da vida em Deus ou ao sentir-se ancorado no absoluto. (FRANKL, 2004,
p.9)
A pesquisadora considera oportuna a afirmação de Frankl, quando ele fala
dos efeitos profiláticos e o alívio experimentado pelo ser humano, em considerar sua
transcendência, pois assim se sente ancorado no absoluto, ou seja, no momento em
que consegue estar acima de sua fragilidade humana, e, perceber a partir de sua
dimensão espiritual, o sentido profundo de sua existência. Haja vista, a
materialidade disso no processo arteterapêutico do caso AN.
Em contrapartida, muito embora esta pesquisadora considere a base
filosófica de Frankl de grande profundidade teórica, pois traz a dimensão mais
profunda do ser humano a ser trabalhada e considerada em seu processo de existir
no mundo, sua dimensão espiritual; entende que ele deixa perceptível em sua
afirmação acima - quando fala do objetivo da psicoterapia sendo a saúde mental ter ainda resquícios de uma visão biomédica, influenciada pela sua base inicial
psicanalítica. Esta pesquisadora considera que o processo arteterapêutico consegue
ir além da busca da saúde mental do sujeito, porque dá suporte, recursos
terapêuticos que atingem outras manifestações do humano que envolvem o
cognitivo.
Quando se fala em suporte cognitivo, supõe-se uma cognição que não está
estruturada apenas no racional ou no ato de pensar do sujeito; todavia,
sistemicamente ligada a uma rede de interações, que se utiliza da linguagem, da
percepção, dos sentimentos, das emoções, intuições, consciência e ações
relacionadas aos processos da vida. “A nova concepção de cognição, o processo do
conhecer, é, pois, muito mais ampla que a concepção do pensar. Ela envolve
percepção, emoção e ação – todo o processo da vida.” (CAPRA, 1996, p. 145).
69
AN conseguiu esse processo cognitivo, afinal, mudou seu ritmo de vida que
era extremamente agitado, comparando-se em vários momentos com uma
“máquina” que tinha de trabalhar até a exaustão. Atualmente, está caminhando
contemplando a natureza, trabalha respeitando seu ritmo e se cuidando, escolhe as
amizades, ambientes e companhias que lhe fazem bem, rechaçando aquilo que lhe
causa mal estar e não tem um sentido positivo para si e sua vida. Afirmou ela: “o
caminho leva ao lago”, frase dita por AN que demonstrou o caminho como algo a
mais, é ir além das montanhas, [...] “são possibilidades que levam para outros
lugares”. Ela falou que: “O jardim enfeita a paisagem e o caminho leva ao lago”. (sic)
Santos (2012, p. 285) afirma que: “o jardim é o verdadeiro paraíso, lugar de
gozo eterno e contato divino [...]”. Percebe-se que AN vivia um momento paradoxal
com o câncer; pois apesar da doença, estava vivendo a vida com maior qualidade
nessa sua nova fase, buscando a sua transcendência no contato diário com o divino,
que era simbolizado em sua expressão pictórica por esses elementos da natureza.
Ela dizia ainda que “o caminho leva ao fogo” para Estés (1994, p. 603): “a
transformação pelo fogo, sobre o fogo ou dentro dele é universal”. Portanto, se AN
disse que, “o caminho leva ao fogo”, pode-se entender que simbolicamente, ela
estava no caminho que a levaria à transformação.
Para Empédocles (apud REALE; ANTISERI, 1991a), física, mística e teologia
formam uma unidade; o amor é o sentimento que gera a vida, pois agrega os
elementos (terra, ar, fogo e água), enquanto que o ódio desagrega, corrompe,
desorganiza os elementos, é a morte. Logo, ‘Amizade’ é vida e agregação dos
elementos, e, ‘Discórdia’ é a morte pela desagregação desses mesmos elementos
que compõe a vida.
Percebe-se que AN pintou três elementos da natureza: terra, ar e água, o
quarto elemento que é o “fogo”, segundo Chevalier e Gheerbrant (2007), está
simbolizado na árvore. Fazendo uma analogia com a mastectomia, dentro dessa
visão naturalista pré-socrática de Empédocles, tem-se a desagregação dos
elementos, ou seja, a destruição da mama pelo “fogo”, elemento simbolizado na
árvore, mas que tem como conteúdo simbólico a transformação, com isso a
regeneração. Não da mama mutilada, mas da vida com um estilo equivocado em
que AN se encontrava, antes do diagnóstico do câncer.
O câncer de mama que resultou na mastectomia de sua mama direita
segundo AN foi resultado da vida que levava em seu lugar de origem, trabalhando
70
mais do que deveria e se relacionando com um marido que lhe desrespeitava como
mulher e como esposa.
Consequentemente, essa dinâmica gerou em AN uma grande ‘Discórdia’, que
se manifestava em raivas e tristezas, desencadeando a separação matrimonial e
sua intensa e doentia dedicação ao trabalho; vivendo uma vida fragmentada, em que
não percebia suas necessidades psicológicas, espirituais e nem corporais; com
consequências nefastas em seu organismo, manifestadas no câncer, que contribuiu
para que ela enxergasse mais além, e, com maior profundidade sua própria vida e
sua maneira de viver.
O cosmos e as coisas do cosmos nascem então nos dois períodos de
transição, que vão do predomínio da Amizade ao da Discórdia e, depois do
predomínio da Discórdia ao da Amizade. E em cada um desses períodos
tem-se um nascer progressivo e um destruir-se progressivo de um cosmos,
o que necessariamente, pressupõe a ação conjunta das duas forças.
(EMPÉDOCLES apud REALE; ANTISSERI, 1990a, p. 61).
Esse ciclo de ‘Discórdia’ em sua vida eu seu ‘cosmos’, pode ter auxiliado no
desenvolvimento do câncer, que depois de diagnosticado e sendo tratado
sistemicamente e, portanto, profundamente, gerou a ‘Amizade’, ou seja, “um novo
sentido para viver e a valorização da vida”. AN nomeou essa imagem de “Vida”.
A segunda oficina de arteterapia repetiu o mesmo tema e objetivo da primeira,
a fim de aprofundá-los ainda mais.
Nessa oficina AN iniciou sua expressão pictórica pintando-a com pinceladas
fortes, utilizando as cores primárias, depois foi se tranquilizando e pintando com
muita delicadeza, misturando cores e criando novos tons com elas.
Ao comentar sobre sua expressão artística AN disse que pintou a paisagem a
qual avistou no dia anterior à oficina, em seu passeio à beira mar: “Fiz alguns
matinhos, que representam para mim o crescimento, pois mesmo com a areia eles
têm a possibilidade de vida.” (sic)
71
Pintura 2 – Praia
Fonte: Expressão pictórica de AN criada na segunda oficina de arteterapia.
A imagem de uma forma geral é apresentada como um símbolo de totalidade,
pois se apresenta numa quaternidade (céu, mar, areia, vegetação); observa-se que a
primeira faixa pintada de azul representa o céu; a segunda faixa pintada de verdeclaro e verde-escuro representa o mar, a terceira faixa amarela representando a
areia; e, a quarta faixa o verde representando pequenos matinhos nascendo à beira
mar. As manifestações naturais e livres do centro psíquico caracterizam-se pela
quaternidade, ou seja, por quatro divisões, ou qualquer outra estrutura derivada da
série numérica de 4, 8, 16 etc. (JUNG; FRANZ, 1977). Além disso, a imagem
demonstra a integração de todos os elementos: ar, água, terra, vegetal.
Considerando o estilo de criação pictórica de AN, o trabalho remete a uma
ideia de organização, pois cada parte da paisagem descrita por ela foi destacada em
faixas horizontais, que foram de um lado ao outro da folha, cada qual em sua
posição específica.
Durante a oficina AN comentou, o quanto ficava irritada com a desorganização
de sua família e as tentativas frustrantes dela em ajudá-los a organizar os espaços e
as coisas na casa onde moravam. Também falou sobre os dias da semana que
foram, em sua maioria, muito chuvosos, e seu desejo de caminhar à beira mar com o
sol, que foi frustrado. Paisagem esta que retratava sua expressão artística, a qual
ela nomeou de “Praia”.
72
Praia é designada a faixa de areia que antecipa as águas do mar. Sobre o
significado da areia AN disse: “A areia é um pouco de segurança, eu preciso dela
porque não entro no mar, me dá medo”! (sic)
Para AN a areia do mar significou segurança, lugar onde ela poderia caminhar
sem que a água do mar a ameaçasse, mas ao mesmo tempo, fez a interação e a
integração entre ela e as águas do mar que pisava e as quais ela temia. “Fácil de ser
penetrada e plástica, a areia abraça as formas que a ela se moldam; sob este
aspecto, é um símbolo de matriz, de útero. [...] É efetivamente, como uma busca de
repouso, de segurança de regeneração.” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007,
p.79). Ao mesmo tempo em que queria cuidar de seu marido e ajudar sua família,
lembrando isto o “cuidado materno” que a simbologia da areia remete; também se
irritava com a atitude deles, e, acabava por se afastar, preservando-se dos
transtornos, que estas posturas de seus familiares lhe imprimiam. Isto ficou bem
nítido quando falou:
Estou me sentindo cansada, preciso de um rumo, me incomoda o fato de
meu marido ficar jogando paciência em casa. Eu me irrito com “coisinhas”;
tem horas que me dá vontade de dizer para meu marido: Pare essa droga
que eu quero descer, sair de casa! (sic)
Nesse período AN ainda se mostrava dependente do marido para sair de
casa, algo que no processo arteterapêutico foi sendo refletido e trabalhado para que
AN pudesse avançar em sua independência, fazendo as coisas de que gostava e
que lhe davam um sentido para viver.
Contudo, aí já se percebeu um avanço nesse processo de independência, a
raiva dela demonstrava que estava intrinsecamente em movimento para essa meta,
pois na primeira oficina nem cogitava tal mudança, e, nessa segunda oficina, já
verbalizava a irritabilidade de depender de seu marido para ir aos locais. Com efeito,
no decorrer das oficinas, AN adquiriu essa força e segurança para se tornar mais
independente em seu ir e vir.
No momento do círculo denominado na metodologia das oficinas de Espaço e
Movimento para a Saúde Integral, AN falou da relação dela com a família de
origem. Disse que moravam no Rio Grande do Sul, que apesar do apoio emocional
dado aos irmãos, à avó e às tias, faltavam com a organização e limpeza da casa,
atitude que a irritava e a afastava do convívio deles.
73
AN também trouxe em sua criação pictórica desta oficina “o mar” que tem um
significado simbólico coletivo:
De outro lado, o simbolismo do oceano se une ao da água, considerada
como origem da vida. Na mitologia egípcia, o nascimento da Terra e da vida
era concebido como uma emergência do Oceano, à imagem e semelhança
dos montículos lodosos que cobrem o Nilo, quando de sua baixa. (SANTOS,
2012, p.388)
Assim, o mar e o oceano representam a dinâmica da vida com seus
nascimentos, transformações e mortes. Portanto, simbolizam a vida, a fertilização e
a morte. Por ter o elemento água sempre em movimento, dá também o sentido de
transformação. Para AN o mar é a transformação da morte em vida, como também,
da vida em morte. Afinal, afirmou que seu estilo de vida foi se transformando depois
do diagnóstico do câncer, ou seja, morreu uma maneira velha, anterior de viver, para
que uma nova vida fosse vivida:
Eu tomo essa doença como um presente de Deus, que me fez enxergar que
não podia continuar vivendo apenas para o trabalho, que a vida é para ser
vivida com qualidade, e, atualmente, percebo que estou me cuidando mais
e vivendo a vida mais intensamente, buscando contato com a natureza,
apreciando o mar, o sol. A alimentação pra mim virou um ritual prazeroso e
de saúde, faço alimentos gostosos, mais saudáveis. Hoje tomo meu
chimarrão meditando, pensando, conversando com meu marido; o que
antes eu fazia trabalhando, em pé, correndo de um lado pro outro, sem
mesmo sentar. (sic)
A simbologia coletiva do mar ratificava a situação de AN. Ela estava num
processo de recuperação de sua saúde e de sua vida, em conflito com suas
relações familiares e com seu estilo de vida, mas num processo de transformação.
Diante dessa imagem: a vida e a morte, a dúvida e a incerteza faziam parte
de sua existência, principalmente nesse processo de saúde-doença que ela estava
vivendo. Porém, percebeu-se que as possibilidades informes que esse processo
carregava tinha grande chance de se concluir para o bem, pois seus sentimentos e
emoções conflitantes, nada mais eram que o início de uma mudança criativa em sua
vida, fenômeno que foi se desenrolando no decorrer de seu processo arteterapêutico
e acredita-se que ocorrerá ao longo de sua vida.
“Os matinhos”, como AN nomeou, que crescem a beira mar, eram verdes em
sua pintura, e, demonstravam o seu processo criativo, brotando de seu interior e se
exteriorizando no mundo o qual ela ainda estava apenas contemplando; mas que se
materializou, crescendo e frutificando por meio de atividades que fizeram sentido
74
para seu ser e sua vida. Essa pequena vegetação que pintou antes da faixa de areia
e que AN denominou de “matinho”, ela significou-o dizendo: “Mesmo tendo a areia
ali tem possibilidade de vida, de crescimento”! (sic)
Consequentemente, seu fenômeno criativo foi ativado em prol de seu
crescimento, desenvolvimento e transformação.
O tema da terceira oficina foi “A mulher e a intuição criativa” e o objetivo
implicou possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido na
intuição criativa feminina.
Nessa oficina de arteterapia AN criou outra expressão artística, pintando uma
figura feminina com uma tiara de flores coloridas na cabeça e sem cabelos, de saia
branca com pequenos detalhes na cor champanhe, e, com a blusa champanhe (a
mesma cor da roupa que ela usava durante essa oficina). A figura feminina tem um
largo sorriso vermelho, olhos grandes, mas não tem nariz, carregando uma boneca
na mão direita; não tem a mão esquerda e os pés são ausentes, como se
estivessem enterrados num chão verde. Na paisagem onde está essa figura
feminina tem um grande sol amarelo. Ela nomeou esse trabalho de “Vida”.
Pintura 3 – Vida
Fonte: Expressão pictórica de AN criada na terceira oficina de arteterapia
A pesquisadora pediu que AN comentasse o seu trabalho de pintura e ela
começou falando o seguinte:
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A arteterapia me faz sentir mais viva, mais feminina, tipo colocar uma
“tiarinha” no cabelo, adaptar acessórios e já tenho vontade de comprar
roupas novas, mas tenho que perder peso, estou com 20 quilos a mais,
pesando 83 kg. Preciso fazer dieta, mas já me sinto mais leve e isso a
arteterapia também contribuiu. A arteterapia está me ajudando, estou me
sentindo feliz, vitoriosa e muito viva, fui essa semana à inauguração da loja
de minha amiga, de carro e sozinha, algo que a pouco tempo não faria.
Estou conseguindo produzir meus artesanatos e já estou até tentando
vendê-los. (sic)
Esse comentário de AN corroborou com as percepções da pesquisadora, no
momento da sua chegada ao ambiente. Ela demostrava estar alegre, mais feminina
e vaidosa. Isso significava que o processo arteterapêutico estava atingindo também
seu objetivo de fazer aflorar a criatividade, elevar sua autoestima, sua autoafirmação
como mulher, cuidando do seu lado feminino que lhe pertence.
Outro aspecto importante dessa sua fala acima é que houve uma grande
evolução no que tange a sua independência, pois contou que saiu sozinha para a
inauguração da loja de uma amiga, afirmando que há dias atrás não iria sozinha e se
privaria de prestigiar o evento de uma querida amiga.
Além disso, comentou durante as vivências arteterapêuticas sobre sua
energia sexual, que estava despertando-a novamente, pois durante o tratamento do
câncer de mama ela e seu companheiro criaram um vínculo forte de cuidado, mas a
atração sexual ficou enfraquecida entre os dois.
Em seguida, contou sobre um passeio que ela e o marido estavam
programando, e, que dois lugares que gostariam de ir juntos não deram certo, mas
que não desistiriam da ideia e estavam decidindo para onde ir.
AN falou sobre a evolução na sua relação íntima com o marido: “Acho que o
clima entre nós está esquentando, mas quero ir com calma, afinal estamos um ano
sem relações sexuais, precisamos de tempo e com calma voltar à ativa. Devemos
viver o hoje e não sofrer por antecipação.” (sic)
Ela comentou sua pintura falando: “Pintei sem pensar, e, observando minha
pintura, identifico que é meu autorretrato, com uma grande boca sorrindo com uma
boneca na mão.” (sic)
Nesse momento ela riu da boneca, pois achou sua boca muito grande e disse:
“Mas é assim que me sinto, feliz!” (sic)
76
Ela começou a refletir sobre os diálogos feitos com a pesquisadora sobre o
sentido de viver e comentou: “Todos temos uma missão a cumprir. A boneca é a
benção, é uma resposta, uma força, um motivo de viver.” (sic).
Percebeu-se nessa afirmação que AN já desejava um sentido maior para sua
vida, ou seja, ressignificá-la nesse novo momento. Inclusive voltou a fazer seus
artesanatos e sentiu vontade de vendê-los, realmente muito positivo nesse processo,
o qual se mostrava evoluindo a cada oficina. Também vale dizer que, a maioria de
seus artesanatos tem o tema “boneca”, que ela significava como o sentido para
viver. “A liberdade da vontade do ser humano é, portanto, a liberdade “de” ser
impulsionado “para” ser responsável, para ter consciência”. (FRANKL, 2004, p.40).
O processo arteterapêutico entende o ser humano como um ser biológico e
psicológico, que em sua inteireza com sua base espiritual, possui a liberdade de dar
sentido à sua vida e a si mesmo, fazendo suas escolhas de acordo com seu nível de
consciência, porém somente pela consciência se torna um ser responsável, e, por
meio dela, sente a necessidade e vontade de dar sentido à sua vida, àquilo que faz
e ao mundo em que vive com responsabilidade.
As oficinas de arteterapia proporcionaram momentos de reflexões para ela.
Por meio do fenômeno criativo ativaram o desenvolvimento de sua consciência
sobre si mesma, levando desde suas percepções sobre os seus trabalhos ao
autoconhecimento que ia conquistando no processo. Dessa forma, AN e todas as
pessoas participantes tornaram-se mais autênticas, mais úteis, mais felizes e mais
conscientes de suas responsabilidades e de suas “missões” na vida.
O si-mesmo segundo Jung (2011a), frequentemente é simbolizado por figuras
humanas, símbolo pintado e significado por AN nessa imagem como seu
autorretrato.
A boca de seu autorretrato, a qual chamou a atenção dela, dizendo que
representava a alegria que ela estava sentindo, tem um significado simbólico
coletivo:
A boca, da qual sai a oração e através da qual entra o alimento no homem,
corresponde ao quarto rio: o Eufrates. A conhecida importância atribuída ao
‘quarto componente’ explica, de certo modo, a relação do homem com o
‘todo’, pois este quarto elemento vem completar e transformar a tríade,
tornando-a uma totalidade. (JUNG, 2011a, p.219-220).
77
Essa relação com o ‘Todo’, é algo que AN vivenciou, com sua força criadora
sendo ativada pela arteterapia, desencadeando a inspiração de sua alma, e,
consequentemente, o retorno dela às criações de seus artesanatos, à retomada aos
poucos de sua independência, à sua vaidade feminina que foi sendo aguçada, ou
seja, toda sua energia para a vida sendo devolvida em benefício de sua saúde e de
sua felicidade.
Para Chevalier e Gheerbrant (2007), o nariz e os olhos simbolizam a
clarividência, a perspicácia e o discernimento mais intuitivo que racional. A mão é
passiva naquilo que contém e ativa naquilo que segura. AN demonstrou em seu
autorretrato um nariz e uma das mãos ausentes, mas com olhos grandes e bem
expressivos.
Também segura numa das mãos a boneca, que no conto de “Vasalisa”
interpretado por Estés (1994, p.116), tem o sentido de intuição, e também, a força da
vida instintiva que pode ser feroz e resistente. Logo, embora a imagem de AN não
tenha o nariz e não tenha uma das mãos, tem os olhos, e, uma das mãos segurando
a boneca; demonstrando que se utiliza do racional, mas também recorre ao contato
com seus instintos selvagens14 criativos, intuitivos para se manifestar no mundo.
A ausência dos pés mostra que AN ainda terá que caminhar mais na direção
de tudo o que contempla, ou seja, as coisas que refletiu e desejou para si mesma e
para sua vida. Entretanto, como os pés estão enterrados no verde da vegetação,
que representava o crescimento, a simbologia dos seus pés demonstrou que há a
possibilidade de AN crescer e caminhar firme pelo seu pensar e agir.
O sol na paisagem da pintura é grande e amarelo, muito positivo, pois
segundo Chevalier e Gheerbrant (2007), ele além de vivificar, seu brilho faz
manifestar as coisas. Por isso, acreditava-se que muito em breve AN estaria num
patamar de realizações concretas, no que tange ao trabalho e ao seu autoafirmar-se
no mundo e na vida; o que AN confirmou em sua fala que segue: “O sol eu pintei
grande para dar calor para mim e para a boneca que carrego na mão em minha
pintura. Senti que tenho que sair da zona de conforto e preciso ajudar outras
mulheres como eu.” (sic)
14
Expressão utilizada por Estés (1994) para falar da criatividade e da intuição feminina, como algo
selvagem no sentido de primitivo, de primeiro, de essência.
78
Encerrando mais uma oficina a pesquisadora pediu que AN refletisse sobre a
mensagem que a vivência arteterapêutica lhe oferecia, e ela falou: “Vida e alegria”.
(sic)
O nome dado à mensagem que a oficina lhe trouxe, retratou o estado de
espírito em que AN se encontrava: alegre diante dessa nova vida que estava
vivendo.
Na quarta oficina de arteterapia o tema e o objetivo foram os mesmos. AN
pintou tranquila, porém conversava sobre o quanto o conto da “Vasalisa” esteve em
seu pensamento a semana inteira; disse que a arteterapia estava melhorando sua
autoestima e sua sexualidade. Estava se sentindo mais feminina, mais vaidosa e
pensando em sua relação com o marido, desejando-o sexualmente, algo que há
muito tempo estava adormecido. Afirmou que antes da arteterapia se sentia num
casulo e que agora se sentia uma nova mulher e completou dizendo:
Sou uma nova mulher, despertando para a vida cheia de cores, sons,
aromas, uma borboleta colorida que está rompendo o seu casulo. Com a
arteterapia estou evoluindo meu lado feminino que estava adormecido.
Cozinhando pratos diferentes, pintei algumas paredes do apartamento para
me sentir melhor em minha casa, expus a minha porcelana e pintei meu
armário de branco. Me sinto em casa. (sic)
Na semana anterior, ela havia comentado, sobre a vontade que às vezes tinha
de largar tudo e voltar para o sul do Brasil junto de sua família, mostrava-se confusa.
Nessa semana, ela voltou mais segura de sua relação familiar e de seu lar,
denotando ainda preocupação com a família no Sul, mas agora, trazendo um
sentimento de segurança, sentindo a sua casa atual como um lugar dela, e, que
desejava ali permanecer com seu companheiro e marido. AN comentou: “Readquiri a
energia para pendurar até quadros pintados pela minha sogra, que estavam
guardados, limpando e restaurando as molduras para pendura-los”. (sic).
Ao mesmo tempo em que foi falando, AN criava em sua pintura um coração
vermelho no centro da folha, depois pintava seu centro de amarelo e contornava-o
de branco, na tentativa de suavizar a cor. Contornava depois com verde, e, foi
contando o seguinte: “Ao pintar com as cores primárias lembrei de meu marido. Eu
ensinei uma música para ele nunca esquecer, quais são as cores primárias (azul,
amarelo e vermelho também...)”. (sic)
Comentou que o marido só lidava com gado, um serviço que embrutece o
homem. O que foi questionado pela pesquisadora se era do ex-marido de quem ela
79
estava falando, pois sempre que se referia ao primeiro marido caracterizando-o
como um homem insensível e bruto.
AN respondeu que estava falando do atual marido, dizendo que ele agora
estava estudando, o que era positivo para ele e para ela.
AN seguiu contornando o coração com a cor marrom, e disse que usou a cor
branca, mas que queria o lilás, e assim, acabou pintando um grande coração no
centro da folha em várias faixas, um dentro do outro. O centro do coração era
amarelo, que era envolto por um coração vermelho, que era envolto por um coração
rosa-claro (que AN identificou como sendo branco), e assim sucessivamente, um
coração verde, azul, marrom e por último, ou seja, o mais externo na cor rosa.
Pintura 4 – Benção
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na quarta oficina de arteterapia.
O coração é um dos órgãos centrais do ser humano, para os ocidentais ele é
a sede dos sentimentos. Na visão de Empédocles (apud REALE; ANTISERE,
1990a), a sede do pensamento é o coração. Numa concepção naturalista présocrática
como
de
Empédocles,
pensamento
e
sentimento
não
estavam
fragmentados, caminhando juntos nos processos da vida.
Esse processo de reflexão que AN estava fazendo, no intuito de organizar
essa nova etapa de sua vida, era acompanhado de uma grande carga afetiva, que
acabava sendo o centro desse processo. Ela colocou o coração no centro da folha,
justamente o símbolo da “centralidade do indivíduo” e do conhecimento que incluiu a
afetividade. Logo, ela estava fazendo um processo profundo que visava a
80
responsabilidade e a concretude de um sentido em sua vida, que integrasse
sentimento, pensamento, emoção, sensação, como funções da consciência para
maior qualidade de vida. O que ficava explícito também na sua colocação abaixo:
“Eu preciso buscar a força interior para seguir o meu caminho, meu momento
de manter “a chama acesa” foi o câncer, pois é como se estivesse no escuro e ele
me acendesse a luz da vida. O câncer foi consequência do stress, do que eu fiz de
minha vida.” (sic)
AN disse que seu coração era um todo harmonizado. A cor lilás dele
significava a saúde, a cor branca a paz, o verde a esperança, alegria é todo esse
conjunto. O nome do trabalho foi “Benção”.
Benção para AN era um conjunto de tudo isso, inclusive a esperança,
sabedoria e a fé. Essa palavra interior que surge a partir do processo arteterapêutico
demonstra a tomada de consciência de AN acerca do sentido de seu adoecimento,
que foi na verdade um paradoxo, pois diante da possibilidade da morte, a própria
doença, após essa tomada de consciência, torna-se um renascer para a plenitude da
vida com seu sentido último. A ‘palavra interior’ para Tillich (2002, p. 110): “é usada
para descrever o falar de Deus na profundidade da alma individual. Algo é dito à
alma. Mas não é dito nem em palavras faladas, nem em palavras silenciosas. Não é
dito em palavras, absolutamente. É um movimento da alma em si mesma.”
AN também significou as cores dizendo que o vermelho era amor, branco era
a paz, o verde a esperança, o azul era vida, o amarelo era a luz de existir, a cor
mesclada de lilás e branco era a harmonia de um todo.
Ela iniciou a pintura do coração pela cor vermelha a qual ela significou como o
amor de Deus. Para Tillich (2002, p. 237): “O poder divino é o poder do ser-em-si. E
o ser-em-si é atual na vida divina, cuja natureza é amor.” Logo, o amor divino é a
força criadora que dinamiza o ser no seu pensar, sentir e fazer, dando-lhe o poder de
ser no mundo diante das adversidades.
Interpretando a figura do coração desde a cor; para Santos (2012, p. 558), o
vermelho é considerado a cor do êxito para os alquimistas; como tem uma analogia
com o sangue e o fogo, tem relação com a vida e seu princípio. Quando o vermelho
é claro e brilhante, no caso da pintura de AN, simbolicamente é considerado diurno,
macho tônico, incitando à ação, lançando como um sol o seu brilho sobre todas as
coisas, com uma força imensa e irredutível. Já o verde representa a renovação e o
branco a purificação.
81
Esse significado do vermelho vem confirmar o significado de “amor de Deus”
que AN comentou acima, pois a partir do amor, a vida é gerada. Em Reale e
Antisseri (1990a) o amor para Empédocles, é a força geradora da vida; confirmando
também o processo que AN estava fazendo, de ir em busca de ação, de vivenciar
seu potencial criativo de forma amorosa consigo mesma, com os outros e com a
vida, saindo de seu casulo como tinha afirmado: “Antes da arteterapia me sentia
num casulo e agora me sinto uma nova mulher, estou me transformando numa
borboleta”! (sic)
Outra fala importante de AN nesse sentido: “Nós poderíamos ir ao encontro de
quem está iniciando o tratamento e dizer não desista tenha fé tudo vai passar”. (sic)
Ela estava sentindo a necessidade de ir à busca das pessoas para auxiliá-las
com sua experiência de vida, ou seja, um gesto de amorosidade e de criatividade na
busca de um sentido para a doença, ratificando o significado de sua imagem
pictórica.
AN disse que se deu conta de que o câncer a ajudou a se cuidar, a ter uma
vida melhor e ser um ser humano melhor e continuou: “Quantas vezes fui ruim com
as pessoas que trabalhavam comigo, eu não tinha tempo! Agora vejo tudo isso”. (sic)
Depois de pintar o coração vermelho, AN foi preenchendo-o com o amarelo, e,
com essa cor, fez o centro do coração. Para Chevalier e Gheerbrant (2007), o
amarelo é a cor da terra fértil e um mediador entre os homens e os deuses. Já para
Kandinsky (1996), significa a mais divina das cores, mas ao mesmo tempo, a mais
terrestre, dotada dessa ambivalência; o que corrobora com o significado de
comunicação entre a Terra e o céu, entre o divino e o terreno, entre Deus e o ser
humano.
AN nomeou seu trabalho de benção. Ela comentou que tinha essa doença
como um presente de Deus, uma “benção”. Para Tillich (2002, p. 238): “[...] a graça
dá a plenitude àquilo que está separado da fonte de plenitude, e aceita aquilo que é
inaceitável.” Essa benção para a teologia é graça, enquanto para o existencialismo
de Frankl (2004), é a busca de um sentido último. Essa “benção” fez AN enxergar
que não poderia continuar vivendo apenas para o trabalho, que a vida é para ser
vivida com qualidade; e, percebeu que estava se cuidando mais e vivendo a vida
mais intensamente no momento presente, buscando contato com a natureza,
apreciando-a e contemplando-a. A alimentação se tornou para ela um ritual
prazeroso de saúde, fazendo alimentos gostosos, mais saudáveis; tomando seu
82
chimarrão, meditando, pensando e conversando com o marido, o que antes fazia
trabalhando, sem mesmo sentar-se. E disse: “Deus é quem traz a luz na escuridão.
Essa doença é um presente de Deus para minha evolução como ser humano”. (sic).
Para Frankl (2004), a religiosidade é um fenômeno humano e pode ser definida pela
vontade de sentido último, quando se procura responder, qual o sentido da vida,
para ele, crer em Deus significa compreender que a vida tem um sentido.
Dando continuidade na compreensão arteterapêutica sobre a cor o rosa-claro
do coração com branco para AN significava a paz. O branco para Kandinsky (1996)
produz na alma o mesmo efeito do silêncio absoluto, mas um silêncio vivo que
transborda de possibilidades vivas, antecedendo todo nascimento e todo começo.
Segundo Chevalier e Gheerbrant (2007), o branco é a cor dos primeiros passos da
alma, antes de alçar voo, símbolo da consciência diurna. Esse silêncio vivo retratava
esse momento que AN vivenciava de reflexão sobre a sua vida e a valorização da
mesma, com anseios de se sentir útil, mas sem se sobrecarregar, cuidando de sua
saúde e bem-estar.
Por fora desse coração branco fez um verde, e disse que, o coração verde
significava a esperança, completando com a fala a seguir: “Me sinto curada do
câncer e ele não me incomoda mais!” (sic) “O desencadear da vida parte do
vermelho e desabrocha no verde”. (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2007, p. 939).
Justamente o que aconteceu no processo pictórico de AN, que partiu do coração
vermelho para o verde, ou seja, a vida se auto-organizando nas dimensões
constitutivas da pessoa de AN para se mostrar numa nova maneira de ser consigo
mesma, com os outros, com a natureza e com Deus.
Ainda para Chevalier e Gheerbrant (2007), o verde também tem o significado
do despertar da vida, a relação entre o sonhador e a realidade. Consolidando as
afirmações de AN sobre si mesma e sua conduta para a vida.
Em seguida, ela pintou um coração azul envolvendo o coração verde e disse
que o azul representava a vida. Kandinsky (1996) afirma que, o azul é o movimento
do homem dirigido unicamente para seu centro, despertando nele o sentimento de
pureza, atraindo-o para o infinito e o sobrenatural. Considera a mais profunda das
cores, com gravidade supra terrena. AN estava voltada para seu centro, para a
contemplação e a vontade de transformação, ligada às coisas da natureza e às
questões de espiritualidade, buscando o Divino, e, a sua evolução como ser humano
e mulher.
83
Envolvendo o azul AN pintou um coração marrom, mas disse que tentou fazer
a cor lilás, que para ela representava a saúde. O marrom é a cor da terra e o lilás
considerada a cor da espiritualidade, denotando forças opostas que se
manifestavam em AN, ou seja, o “desejo” de realização, e, a “ação” para que o
desejo se materialize, chegando à sua concretude.
O último coração pintado, o qual envolve todas as camadas de corações
pintados, o mais externo, tem a cor rosa. AN disse que tentou mesclar o branco com
o lilás e acabou saindo uma cor mesclada que para ela significava harmonia. O rosa
é uma cor derivada da mistura do vermelho com o branco, trazendo o significado do
vermelho como vida e do branco como o silêncio absoluto, o qual antecede o
nascimento, referendado acima. Percebe-se que a mensagem dessas cores
fundidas, são de renascimento, desabrochamento, a saída do casulo para alçar voo,
um voo para a vida e uma vida com sentido profundo, que é a transcendência. “Já
dissemos que a consciência é a voz da transcendência e, por isso, ela mesma é
transcendente”. (FRANKL, 2004, p. 42)
A autotranscendência segundo Frankl (2004), é uma característica ontológica
fundamental do ser humano que o faz dirigir-se para além de si mesmo, para algo
diferente de si mesmo, para alguém ou alguma coisa que lhe traga um sentido a
realizar, esquecendo-se de si mesmo, lançando-se para a concretude do mundo,
entregando-se a uma causa ou até a uma pessoa a quem ame.
Justamente essa vontade de sentido pode despertar diante de um sofrimento,
de uma doença grave como o câncer de mama, por exemplo; que muitas vezes pela
dor da tomada de consciência da gravidade da doença, a pessoa pode manifestar-se
com um vazio interior e existencial, por meio do tédio, da indiferença, das
depressões, das dependências químicas, dos vícios e etc.
O
processo
de
transcendência
estava
participando
das
condições
existenciais-espirituais de AN; afinal, mesmo diante da ameaça da morte pela
doença que estava tratando, conseguia viver mais intensamente a sua vida, do que
antes do diagnóstico do câncer; buscando um sentido que realizasse a sua
responsabilidade de estar vivendo.
Falava do câncer como uma forma de evolução, e, quando questionada sobre
como era possível acontecer esse processo evolutivo, AN afirmou: “Mudando a
nossa vida, observando melhor as coisas a nossa volta, deixando de ser máquinas.”
(sic)
84
Ficou muito claro em sua afirmação acima, que ela estava tecendo uma visão
sistêmica de sua vida. Inclusive tudo indica que o fenômeno da autopoiése que AN
estava vivendo e fazendo em sua vida, e, em seu ser; implicava perceber e superar
as fragmentações entre o seu pensar e o seu agir, considerando nesse processo, os
outros ao seu redor, sua história de vida, seus novos objetivos, ou seja, a vida em
suas várias dimensões e relações.
A ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não podem ser
compreendidos por meio da análise. As propriedades das partes são
propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto
do todo maior. Desse modo, o pensamento sistêmico é pensamento
“contextual”; e, uma vez que explicar coisas considerando o seu contexto
significa explica-las considerando o seu meio ambiente, também podemos
dizer que todo pensamento sistêmico é pensamento ambientalista. (CAPRA,
1996, p. 46-47)
Ela nomeou esse trabalho pictórico de “Benção”, pois via nessa nova etapa de
sua vida, uma benção divina que a fez acordar para o verdadeiro sentido de estar
vivendo. A benção é uma energia elevada, que invade o ser humano; é a força
positiva de que ele precisa para se superar e ir adiante, seguir caminho em direção
do que é belo e do que é bom para a harmonia de si mesmo, de sua vida e do
mundo em que habita.
Antes do câncer eu fazia bonecas de pano, costurava os pedaços de tecido
e ia criando-as. Quando descobri o câncer e iniciei o tratamento, não tive
mais vontade de fazê-las. Há poucos dias fui a um centro espírita e pediram
doações para um bazar. Resolvi fazer uma boneca de pano para doar. Até
tirei fotos das partes, mas agora lembrei que não tirei as fotos dela
montada. Não acreditei que fui eu quem fez aquela boneca, ficou linda!
(sic).
Logo, o que AN contou acima ratifica toda a percepção arteterapêutica de
evolução em seu processo de individuação e transcendência; sua doação,
criatividade, autoestima elevada.
A quinta oficina teve como tema “A mulher criativa e a renovação do amor” e
seu objetivo foi o de possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de
sentido pela autonomia criativa e a renovação do amor.
AN pintou uma imagem com dois corpos amarelos, sem cabelos, com olhos
azuis, sem boca e nariz, cada qual com seu coração vermelho, na posição ajoelhada
de frente um para o outro, olhando nos olhos e abraçados; o chão onde estavam
ajoelhados era verde.
85
Pintura 5 – Harmonia
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na quinta oficina de arteterapia
Essa pintura foi criada após a contação e discussão do conto da “Mulher
esqueleto” (ESTÉS, 1994, p.168).
Quando AN observou sua expressão pictórica, significou-a dizendo:
“Criei a harmonia, um coração pulsando junto com o outro, para que a energia
de cura aconteça. A natureza é transparente, o amarelo é energia do sol, a riqueza
em geral, energia, harmonia e o nome da pintura é “Harmonia”.” (sic)
O número dois aparece novamente representando a dualidade de AN, além
disso, não ficou evidente se estas são figuras humanas, masculina e feminina.
Observando ambos os corpos eles remetem uma ideia também de serpente. “Mas a
serpente não é, de modo algum, apenas um ser ctônico nefasto: é, como já
lembramos, também um símbolo de sabedoria e, consequentemente, do luminoso,
do bom e do salutar”. (JUNG, 2011a, p. 289)
Esta afirmação tem afinidade com o significado dado acima por AN sobre
essa imagem; como também com o que se pode observar. Afinal, ambos são seres
luminosos, ou seja, amarelos, e cada qual, exibindo seu coração.
Observando mais detalhadamente a silhueta do corpo da esquerda, parece
aludir um corpo masculino, por sua estrutura maior e menos curva; enquanto o da
direita tem mais curvas e se apresenta menor que o primeiro, se afinizando com um
corpo feminino. Nesse caso o encontro do princípio feminino e masculino faz
sentido, conforme a interpretação junguiana do encontro do feminino AN com seu
animus representado na pessoa de seu atual marido. Para Jung (1987, p.81):
86
Animus é a figura compensadora na mulher, ele é um arquétipo masculino
que todas as mulheres possuem para poder compensar o pólo feminino
com a função de dar ação, compreensão lógica e racional das coisas e
situações experimentadas pela mulher, compensando o fantasioso, o
intuitivo e o passivo típicos do princípio feminino.
AN afirmava que no passado em seu trabalho era rígida com as pessoas e
consigo mesma, que trabalhava como uma máquina. Deixando transparecer uma
influência destruidora do animus em sua vida e, consequentemente, em sua psique.
Quando se consegue diferenciar do animus e se afirmar em relação a ele,
em vez de se deixar devorar por ele, então ele deixará de representar
apenas um perigo, tornando-se ao contrário uma energia criativa; e nós
precisamos dela pois, por mais estranho que isso possa parecer somente
incorporando esse ser masculino da alma, para que aí ele exerça a função
que lhe cabe, será possível ser realmente mulher no seu sentido mais
elevado e, já que ao mesmo tempo somos autênticas, também cumprir
nosso próprio destino humano. (JUNG, 2006, p. 54)
Nessa nova fase AN até desejava trabalhar, mas respeitando seus limites
para ter uma vida saudável, feliz e com sentido. Percebe-se nas suas pinturas que o
símbolo do si-mesmo se manifestou em suas expressões pictóricas, que a relação
de AN com seu animus estava mais harmonizada e equilibrada, tornando-se
construtiva e não mais destrutiva, como em épocas passadas, que se via no trabalho
como uma máquina. Ela perdeu a rigidez que tinha no passado, mas também depois
do câncer, passou por um processo de inércia e passividade, falando que estava
num casulo, com sua criatividade estagnada.
Durante o processo arteterapêutico demonstrava estar mais flexível às
mudanças, como também mais fortalecida, saindo da inércia e da passividade do
“casulo”, como várias vezes afirmou, cogitando até em desenvolver uma atividade
fora de casa, além das criações de seus artesanatos.
AN percebeu que precisava transformar sua vida, e, que não adiantava ficar
parada, somente reclamando do que não estava bom. A “borboleta” precisava sair do
“casulo”. “Estou feliz em ter a possibilidade de um trabalho voluntário no
observatório social de Itapema, pois estava me sentindo fortalecida para exercer
outra atividade e marquei uma reunião para a próxima semana lá com eles.” (sic)
Ela já deu seu primeiro passo de encontro à prática de seus desejos, ou seja,
da passividade a ação, da inércia ao movimento, do desejo à realização.
87
AN comentou também sobre o tambor das batidas do coração do pescador do
conto, que fez a mulher esqueleto virar um ser humano, revestindo seu corpo de
carne e ressurgindo numa nova mulher. “O tambor é a vida bate, bate, bate.” (sic)
No início da doença e depois da mastectomia AN afirmou que se sentiu
insegura em relação ao marido, pensando até que ele poderia abandoná-la: “Grande
parte das mulheres pensa que serão abandonadas depois que descobrem o câncer
de mama. Talvez pelo pouco tempo que estávamos juntos. E no fim foi o contrário,
ele foi meu cúmplice, ele inclusive raspou o cabelo dele quando fiz a quimio.” (sic)
Assim que AN se sentia ultimamente, com vida, muita vida! Como se o tambor
da vida estivesse agora batendo pra ela também.
Acredito que todos têm um ciclo de vida, tive um período que morreu,
quando estava com meu ex- marido; e nasceu um novo ciclo, onde tive que
lidar com o câncer, e, mais outra fase, a que estou vivendo agora, que é a
fase da cura. Esse esqueleto eu espero que não seja a minha sombra, pois
o pescador correu com medo do esqueleto como se fosse uma sombra.
(sic)
Voltando a interpretação e compreensão da imagem acima, é importante
ressaltar que as duas pessoas da pintura formavam um casal apaixonado, com sua
sexualidade sendo expressa no abraço e no olhar voltado um para o outro. Aqui ela
falou sobre esse aspecto de sua relação com seu marido, fazendo uma analogia
com o resgate que o pescador fez com a mulher esqueleto no conto trabalhado:
Ele fez o resgate da mulher que estava com ele, no instante em que ele
cuida e é cuidado. No meu processo, no meu período de “casulo”, também
fui cuidada, tive um cúmplice dentro do lar, ele me cuidou, com isto surgiu
outro quadro, uma relação de amigos, não mais de marido e mulher e agora
é o meu momento de cuidar dele e resgatá-lo. O fato de não termos relação
sexual, tenho certeza que ele não tem outra mulher, agora até estamos
dormindo de conchinha, depois que o aconselhei com as angústias dele de
não poder ajudar um casal de amigos, isso fez a nossa aproximação na
hora de dormir. Quando a gente se dispõe a conhecer o outro, vamos nos
apaixonando cada vez mais. Quando ele passou a me cuidar, ele passou a
ver as minhas manias no dia-a-dia, até a maneira de fazer as coisas. Eu
também me conheci melhor, ter que ficar esperando por ele para fazer
inclusive a minha higiene pessoal não foi fácil!(sic)
No momento em que foi questionada para falar de sua percepção sobre as
práticas arteterapêuticas no cuidado à sua saúde integral AN respondeu:
A arteterapia é válida, lamento não ter participado desde a época em que
iniciou meus tratamentos de câncer; achei muito importante a arteterapia
para quem está diagnosticada com essa doença, pois ajuda a gente a
88
refletir sobre muitas coisas da vida e ver a parte positiva disso tudo e
encarar com naturalidade a doença e o tratamento dela. (sic)
AN comentou ainda:
Quando eu estava sem doença, eu não tinha a troca que tenho hoje com
meu parceiro. A arteterapia me instiga a ativar o lado sexual homem-mulher
no meu relacionamento com o meu marido. Eu depois da arteterapia estou
eclodindo do meu casulo, é super válido, aqui podemos dividir nossa
intimidade sem medo, pois não temos com quem conversar certas coisas
que sentimos. (sic)
O fato de AN identificar que a arteterapia estava ativando a sua dimensão
sexual, levou simbolicamente também a outra interpretação do símbolo da serpente,
que segundo Jung e Franz (1977), é justamente, a sua relação com a energia sexual
ativa. Algo que AN veio refletindo e desejando ao longo de seu processo
arteterapêutico.
Na sexta oficina de arteterapia foram trabalhados o mesmo tema e objetivo da
oficina anterior.
AN pintou no centro da folha uma pessoa com o corpo branco, sem roupas,
com um coração vermelho aparente, o rosto tinha olhos azuis e uma boca vermelha,
com cabelos curtos e pretos em posição de lótus, sentada sobre as pernas. Acima
uma nuvem azul e a sua frente quatro pessoas com cabeças amarelas sem cabelos,
o mais próximo com camisa verde e calça vermelha; o segundo com calça verde e
camisa azul; o terceiro de camisa vermelha e calça azul e o quarto camisa preta e
calça vermelha. Acima deles um grande sol amarelo. O chão era amarelo.
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Pintura 6 – Resgate
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na sexta oficina de arteterapia
Ela significou sua expressão pictórica dizendo:
“Fiz umas pessoas, e a pessoa sentada sou eu, pintei meu corpo de branco
porque queria transmitir bem-estar e paz de espírito para aquelas quatro pessoas
que estavam na minha frente. Eu estava conversando com eles.” (sic)
Questionada sobre quem eram aqueles quatro indivíduos, AN não identificou
nenhum deles como pessoas de sua relação pessoal, mas pessoas desconhecidas.
Depois disse: “São pessoas pequenas, porque talvez sejam pouco evoluídas.” (sic)
Na segunda e terceira oficina de arteterapia AN comentou sobre sua
mudança para Santa Catarina e mostrou-se em vários momentos, oscilando entre a
preocupação e o cansaço em se preocupar e tentar ajudar seus quatro irmãos, que
deixou no Rio Grande do Sul. Ela primeiramente falou sobre a situação em que a
família ficou depois da perda dos pais, segue abaixo:
Em minha família, meus pais sempre foram de agregar os filhos e quando
morreram os dois no acidente, eu como meus quatro irmãos, nos sentimos
perdidos, mas não nos apoiamos uns aos outros, cada um sofreu sua dor
sozinho. Apesar da família ser grande, só pudemos contar com o apoio de
minha avó materna e de duas tias, que cuidaram dos meus três irmãos mais
novos, porque meu irmão mais velho ficou morando na casa dos meus pais.
Mas minha avó sempre buscou reunir todos nós irmãos para almoços em
família nos finais de semana. (sic)
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Na terceira oficina comentou sobre a sua relação com seus quatro irmãos:
Precisamos dizer não, porque a gente só diz sim, eu não sabia dizer não,
fazia tudo o que minha família queria, mesmo depois de ter dito não, ao
meu relacionamento com o meu primeiro marido, sofrido a separação!
Mesmo assim não sabia dizer não, para a minha família eu só dizia sim.
Servia de motorista e faxineira para eles no final de semana em vez de
cuidar da minha casa. Eu trabalhava fora! Mas acho que fui 80% feliz, mas
não me sentia respeitada. Agora vejo que foi uma fuga, segurei a família
para me envolver com isso e não sentir falta do casamento e me manter em
pé, me ocupar. Sobre a boneca da história me toquei que quase não tive
bonecas, mas boneca é algo que sempre gostei! (sic)
AN como a irmã mais madura e a segunda mais velha, já era casada há
quatro meses; quando os pais faleceram. Ela se sentia responsável pelos irmãos e
até os apoiou.
Durante a separação, auxiliou-os ainda mais para, segundo ela, poder também ir se
ajudando no processo de superação da perda do marido e da vida que deixou para
trás.
Quando foi nomear essa pintura ela colocou o nome de “Resgate”, depois
ficou confusa e disse que queria trocar o nome com a imagem criada na oficina
anterior e colocar “Harmonia”; por último decidiu deixar essa imagem com o nome de
“Resgate”.
A pesquisadora perguntou a AN o porquê da troca e ela respondeu:
Porque resgate era o que eu estava tentando fazer com aquelas quatro
pessoas na minha frente. A penúltima pintura minha era “eu e o meu
marido”. Com meu marido e eu é “harmonia”, porque já estou resgatando
ele, e já tem uma harmonia ali; mas com aquelas pessoas não, por isso
tenho que resgatá-los.(sic)
É possível que esses quatro indivíduos sejam seus quatro irmãos. AN durante
o processo arteterapêutico manteve-se sempre serena, e, nessa sessão, durante a
pintura dessa imagem e sua significação, ficou alterada emocionalmente. Essa
alteração emocional foi percebida pela sua expressão corporal, sua maneira de falar,
como também, por sua confusão em nomear a pintura e a ausência de alguns
significados sobre os quatro sujeitos da imagem; algo que não era comum em seu
processo arteterapêutico. Importante ressaltar que quando falava sobre os quatro
indivíduos, primeiramente nomeava-os de “pessoas”, depois acabou se referindo
como se fossem do sexo masculino, falando dessas quatro pessoas como “eles”.
Segue em negrito a troca que AN fez em sua fala: “Fiz umas pessoas, e a pessoa
91
sentada sou eu, pintei meu corpo de branco porque queria transmitir bem-estar e
paz de espírito para aquelas quatro pessoas que estavam na minha frente. Eu
estava conversando com eles.” (sic)
Os significados sobre esses quatro sujeitos da sua pintura, que não foram
exteriorizados durante o processo, estavam ainda inconscientes, e, como AN não se
mostrava resistente em suas vivências arteterapêuticas; pelo contrário, sempre
cooperou com desprendimento em dar suas percepções, significações acerca de
seus sentimentos e emoções, entregando-se intensamente no processo; percebeuse aí nesse ponto, na significação desses quatro indivíduos, uma lacuna que mais
tarde será conscientizada e compreendida por ela.
Apesar de ter sido trabalhado esse aspecto ao longo do processo
arteterapêutico, para que viesse ao seu consciente esse fato, manteve-se
inconsciente até a última oficina.
Todavia, o processo arteterapêutico por atingir as profundezas inconscientes
do ser participante, comunicando-se com ele, e, exercitar na pessoa que participa a
leitura, interpretação e compreensão dos símbolos, que seu ser e sua vida
apresentam de forma intrínseca e extrínseca em seu dia-a-dia; mantém-se
reverberando em forma de intuições e insights, nos momentos de reflexão e
meditação.
Com certeza chegará o momento certo, em que AN estará mais estruturada
para compreender a mensagem que seu inconsciente está lhe trazendo por meio da
pintura. Afinal, não dá para trabalhar todas as demandas que o ser humano tem e
apresenta apenas em dez sessões de arteterapia. Cada sujeito é único e de uma
complexidade imensurável, tendo seu próprio tempo, espaço e seu movimento muito
específico e singular de alcançar a transcendência.
Sobre o significado das cores das roupas das quatro pessoas ela respondeu o
seguinte: “As cores são somente das roupas, não tem nenhum significado com o
estado de espírito delas!” (sic)
Ela ficou pensativa e depois disse: “Acho que aquele de camisa preta tem
uma certa carga pesada que ele está carregando, e, eu conversando com ele, posso
aliviar. Era um dia de sol bonito com céu azul e o azul não era nuvem, mas um céu
bonito, que não estava nublado”. (sic)
Questionada sobre as outras cores ficou incomodada, o que não foi comum
acontecer
durante
as
oficinas.
AN
sempre
demonstrava
desprendimento,
92
sensibilidade e vontade de significar o que pintava. Ela não quis dar significados,
falou do preto, e quando foi para o vermelho disse: “Não sei, não consigo!” (sic)
Ao ser questionada sobre o que diria para a pessoa que estava de camisa
preta em sua pintura, AN disse: “Eu ia dizer para ele boas palavras, incentivando. E
para o de vermelho: “Vá buscar os seus sonhos, não desista”. (sic)
A pesquisadora perguntou para AN o que ela diria para os outros dois e AN
respondeu: “Continue na caminhada! Não desista! O nome da minha pintura vai ficar
“O resgate”. Porque posso continuar pelo meu processo de harmonia, a resgatar lá
fora.” (sic)
Durante essa oficina, e, antes da criação pictórica dessa imagem, foi pedido
pela pesquisadora para que AN contasse a história trabalhada na última oficina, “A
mulher esqueleto”, a qual foi referendada acima. AN concordou em contá-la e
comentou: “Eu me identifiquei muito com a proposta da arteterapia em trabalhar os
contos de fada.” (sic)
Após a contação da história ela disse:
Algo me chamou a atenção depois que narrei o conto, ele tem tudo a ver
com minha história de vida. Eu fui enredada pelo meu primeiro marido, mas
ele nunca me conheceu intimamente, não como o pescador da mulher
esqueleto, ele não me desenredou e fiquei enroscada na linha, permaneci
ao lado dele como a mulher esqueleto. Agora com a doença e mesmo com
o afastamento sexual entre eu e o meu marido, somos mais íntimos e a
gente se conhece mais intimamente do que eu quando estava com o meu
primeiro marido, e olha que com o primeiro marido eu passei mais anos
casada. O câncer também me tornou uma mulher enredada, a mesma linha
estava em mim, fiquei obesa, acima do meu peso, preciso emagrecer, não
por estética, mas por mais saúde e já estou fazendo isso, cuidando de
minha alimentação; preciso encher meus ossos com essa nova carne. Tudo
isso faz parte da “vida-morte-vida”. (sic)
AN contou no momento de acolhimento, ao chegar para participar desta
oficina que, havia participado naquela semana, da reunião que trataria sobre a
adesão dela a uma ONG de sua cidade para fiscalizar licitações públicas; e, no
decorrer das reflexões sobre o conto trabalhado ela comentou:
Quando fui na reunião da ONG já me vesti diferente da AN doente. Meu
marido ficou em casa aplaudindo a minha saída. Fui dirigindo sozinha em
busca de meu trabalho; ele ficou orgulhoso, porque não precisou me levar.
Cheguei em casa entusiasmada e enchi meu marido também daquela
energia de entusiasmo. Na verdade, como lemos antes, os ossos da vida e
da morte estavam e estão girando, é o ciclo natural da vida-morte-vida e
tudo pode ser transformado, mudado. (sic)
93
AN começou a falar também de quando descobriu que tinha câncer de mama,
e disse:
Quando recebi a notícia do câncer minha médica disse para receber com
bom humor e foi isso que fiz, encarei com bom humor; chorei apenas uma
vez, quando soube depois do exame que em vez de um nódulo tinha três.
Senti que algo deveria vir para fora e o exame parece que cutucou o
problema e isso me assustou, interpretei assim! Meu choro não foi somente
de tristeza, mas também emoção, uma forma de descarregar tudo aquilo! A
médica foi muito legal comigo. Ela disse que se os médicos dissessem para
tirar somente os nódulos, que eu não aceitasse e tirasse toda a mama e não
deixasse a tristeza abater, pois o câncer se alimenta disso. Também fiquei
aliviada com a quimio, porque acreditava que me faria bem. (sic)
Para essa oficina também foram selecionados alguns parágrafos da
interpretação do conto da “Mulher Esqueleto”, os quais faziam sentido para o
processo terapêutico de AN. Nas reflexões sobre a interpretação dessa história ela
disse:
Lembrei a minha relação com meu marido, porque durante esse processo
de tratamento do câncer, houve uma cumplicidade entre nós dois e também
um afastamento da relação sexual entre nós, e que agora, iniciou um
processo que a arteterapia está ajudando, o retorno da ideia de ter relação
sexual, que aos poucos está contagiando a gente! (sic)
Percebeu-se nessa afirmação de AN que sua sensualidade feminina e sua
autoestima estavam melhorando a cada dia com as práticas arteterapêuticas.
Refletindo sobre o “resgate do amor”, ela continuou falando que se sentia
mais madura nessa atual relação, pois tinha mais paciência e não desistiria
facilmente:
Diferente da relação com meu primeiro marido, que eu não quis entrar na
batalha com a amante dele, em disputar alguém que era meu marido e de
papel passado; não achei viável e por isso abandonei o barco. Eu devo
resgatar nós dois. Estou indo fundo no sentimento para fazer este resgate.
Agradeço hoje por lutar e não desistir do meu atual marido, porque de nada
adiantaria. (sic)
AN na segunda oficina de arteterapia mostrava certa dúvida na relação dela
com o atual marido, ela estava irritada e confusa com a situação que estava vivendo;
achava que ele estava muito inativo e passivo, em casa jogando durante o dia, sem
se importar em fazer algo mais valoroso. Chegou a afirmar naquela oficina que se
sentia perdida, segue o que ela falou:
94
Estou me sentindo cansada, preciso de um rumo, me incomoda o fato de
meu marido ficar jogando paciência em casa. Eu me irrito com pequenas
“coisinhas”; tem horas que me dá vontade de dizer para meu marido: Pare
essa droga que eu quero descer, sair de casa! Ele cobra que eu faça
alguma coisa, meus artesanatos, que os venda, mas ainda não é o meu
momento, porque é hora de eu me cuidar. Esse camisete que estou usando
fui eu quem fez. Eu nunca pedi ajuda para ninguém porque ele me cuidou e
me ajudou, e, me sinto responsável pelo meu marido, por isso não quero
deixa-lo. (sic)
Constatou-se na sexta oficina o desejo dela em resgatar o marido, não
somente considerando o cuidado e a ajuda que ele dedicou a ela, mas também
reconhecendo o amor entre os dois, com um grande desejo de lutar por esse amor e
por seu relacionamento com o atual marido, resgatando-o como homem e não
somente como um companheiro amigo que a cuida.
Essa mudança foi auxiliada pelas vivências e reflexões sobre os contos de
fadas trabalhados, o processo pictórico e arteterapêutico como um todo.
As vivências feitas por meio das contações das histórias, reflexões,
dramatizações, danças, pinturas, o próprio contato com as cores, sons, aromas
sensações e percepções trabalhadas em toda corporeidade, acompanhadas de suas
significações e compreensões, favoreceram o desenvolvimento da consciência, no
sentido de dar “sentido”, por meio do processo criativo, ativando o “Criador”, o “Simesmo”, acessando a base espiritual, que é a mais profunda do ser, dentro de si e
por si, resultando numa nova mulher, mais criativa, mais feminina, mais madura e
sensual.
Cada vez mais o homem moderno é acometido de uma sensação de falta
de sentido, que geralmente vem acompanhada de uma sensação de ‘vazio
interior’, aquilo que descrevi e denominei de ‘vazio existencial’. Manifesta-se
principalmente através de tédio e indiferença. Neste sentido, o tédio
representa uma perda de interesse pelo mundo, enquanto a indiferença
significa uma falta de iniciativa para melhorar ou modificar algo no mundo.
(FRANKL, 2004, p. 78).
Outro aspecto a ser destacado, é a vontade que AN readquiriu durante o
processo arteterapêutico de tornar-se ativa sexualmente com seu marido, esse
desejo foi sendo sentido ao longo das oficinas, e, veio se materializando nas suas
expressões artísticas, principalmente, em seu autorretrato mais vaidosa e feminina,
exibido nas discussões dos dados da terceira oficina; na imagem da quinta oficina
em que pinta seu marido e ela nus, um de frente para o outro, abraçados
95
(representando também o aspecto sexual da simbologia da serpente), sendo o que
AN comentava:
Estou me sentindo mais feminina, mais vaidosa e pensando em minha
relação com meu marido; já estou desejando ele sexualmente, algo que há
muito tempo estava adormecido em mim. Antes da arteterapia me sentia
num casulo, e agora me sinto uma nova mulher; uma AN nova despertando
para a vida, cheia de cores, sons, aromas, uma borboleta colorida que está
rompendo o seu casulo. Com a arteterapia estou evoluindo meu lado
feminino que estava adormecido (sic)
Também aqui nesta sexta oficina quando afirmou “eu devo resgatar nós dois.
Estou indo fundo no sentimento para fazer este resgate.” (sic); ela estava se
referindo ao aspecto sexual do relacionamento, pois a cumplicidade e o
companheirismo já vinham ocorrendo entre os dois.
A mastectomia é a mutilação da mama, a qual representa a feminilidade,
como também a sensualidade feminina, uma parte da mulher extremamente
valorizada sexualmente e esteticamente nas sociedades em geral; além disso, tem o
seu poder de nutrir a vida, por meio da amamentação. Logo, é natural que o
relacionamento sexual entre o casal sofresse algumas alterações, pois a maioria das
mulheres se sente insegura nessa situação e seus companheiros, muitas vezes,
sentem-se despreparados diante desse fato.
No caso de AN ficou claro a sua insegurança quando confessou seu medo de
ser abandonada pelo marido. Segue seu comentário feito na quinta oficina
anteriormente discutida: “Grande parte das mulheres pensa que serão abandonadas
depois que descobrem o câncer de mama.” (sic)
E continuou falando sobre o assunto: “Talvez pelo pouco tempo que
estávamos juntos. E no fim foi o contrário, ele foi meu cúmplice, ele inclusive raspou
o cabelo dele quando fiz a quimio.” (sic)
No início de seu comentário sobre a insegurança de ser mastectomizada falou
de uma forma geral, reportando-se ao sentimento da maioria das mulheres; por
último assume esse sentimento de insegurança, que sentiu quando teve que fazer a
retirada de sua mama direita.
Consequentemente, a arteterapia também contribuiu para que AN se sentisse
mais segura de sua sedução feminina, mesmo depois da retirada de uma das
mamas, pois ela mostrava-se pronta para reconquistar e seduzir seu marido
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sexualmente. Era uma nova mulher renascendo para a vida. Abaixo mais um
comentário dela sobre o assunto:
Assim como no conto, estou batendo o tambor de meu marido e trazendo
ele pra mim, esse nosso novo ciclo tem mais maturidade, entendimento,
temos planos, sonhos. A primeira relação com o meu primeiro marido, o
ciclo com ele já estava encerrado. Naquele primeiro ciclo e casamento eu
estava sozinha, comparado com esse ciclo agora, de minha doença, eu não
estava só, desde a notícia do câncer eu tinha um marido e um cúmplice.
(sic)
A arteterapia por proporcionar a escuta e a expressão, a vivência
arteterapêutica, a reflexão, significação e ressignificação desses processos
subjetivos das mulheres que são diagnosticadas com o câncer de mama, é uma
grande aliada da medicina, no que diz respeito a um trabalho transdisciplinar no
cuidado integral.
Nessa sexta imagem pictórica criada por AN em seu processo arteterapêutico,
ela também traz um grande sol que faz correspondência na cor com o chão ou
caminho em que estão as pessoas pintadas, pois ambos são pintados de amarelo.
Segundo Santos (2012), é uma cor ligada ao ouro e à renovação, o que veio de
encontro com a significação de AN sobre o amarelo: “É a riqueza em geral, energia,
harmonia.” (sic)
Também tem relação com a energia que ela traz em sua fala, pois o sol é uma
fonte de energia natural e simbolicamente ratificava a evolução dela em relação à
sua inicial passividade ou estadia no “casulo” como ela mesma definia.
Além disso, o chão pintado de amarelo mostrou a sua segurança em seguir
seu caminho, pois o fato de ela querer uma nova vida, primando por sua saúde e
bem-estar,
se
cuidando,
juízo
esse
indicado
arteterapeuticamente
pela
representação simbólica de um caminho iluminado e cheio de boas energias,
representadas por meio da cor amarela, que mostrou o desencadeamento da
“vontade de sentido” que ela carregava. Confirmando isso, segue abaixo mais um
comentário de AN depois que foi questionada sobre a mensagem que o conto lhe
deixara naquela sessão de arteterapia: “Vou trabalhar somente como voluntária ou
mais para frente vou ser contratada e remunerada? Não sei. Em julho faço perícia e
vamos ver o que será feito.” (sic)
E continuou:
97
Na época que conheci meu atual marido, ele me chamava de soldadinho,
pois trabalhava para pessoas desumanas, e mesmo assim, era daquelas
funcionárias que deixava o coro agarrado, cumpria com meu trabalho o
mais perfeitamente possível, era uma profissional muito comprometida, mas
eles não aceitavam erros, não perdoavam e chamavam a atenção da gente
de uma forma grosseira, esquecendo todo o resto que tinha feito de bom!
Hoje concordo com meu marido eles eram desumanos e eu permitia isso
comigo. Hoje jamais faria tudo isso novamente, deixei claro para mim
mesma que farei meu trabalho voluntário, e quem sabe para o futuro
remunerado, sem que ele traga prejuízos para minha qualidade de vida e
saúde; vou ter tempo para as minhas caminhadas a beira mar, porque me
refaz e me revigora, não vou abrir mão disto. Reorganizei a minha vida
desta maneira e assim vai ser! (sic)
Quanto ao céu com a nuvem AN significou como um tempo bom, pois tinha
sol e não estava nublado: “Era um dia de sol bonito com céu azul e o azul não era
nuvem, mas um céu bonito, que não estava nublado. O nome do meu trabalho de
pintura é “Harmonia”. (sic)
Ao ser perguntada sobre o significado de sua pintura, ela respondeu o
seguinte: “Fiz umas pessoas, e a pessoa sentada sou eu, pintei meu corpo de
branco porque queria transmitir bem-estar e paz de espírito para aquelas quatro
pessoas que estavam na minha frente. Eu estava conversando com eles.” (sic)
A pesquisadora também perguntou o significado das cores das roupas das
quatro pessoas e AN respondeu o seguinte: “As cores são somente das roupas, não
tem nenhum significado com o estado de espírito delas!” (sic)
Seria interessante para integração desses significados simbólicos tão difíceis
de serem significados por ela, fazer um processo de arteterapia mais prolongado,
trabalhando mais especificamente a sua relação com os irmãos, e, talvez as cores
das roupas pudessem dar correspondência e respaldo para seus sentimentos em
relação a cada um deles; porque a roupa simbolicamente representa a persona, que
segundo Jung (2008), é um arquétipo da psique humana que representa o sistema
de adaptação ou estilo da relação do sujeito com o mundo.
Além disto, AN com aqueles quatro indivíduos formavam o número cinco, que
para Pitágoras (apud REALE; ANTISSERI, 1990a), é o número da união, pois une o
primeiro número par, que é o dois, com o primeiro número ímpar, que é o três.
É possível que essa união já esteja ocorrendo em nível de inconsciente, para
depois ser concretamente conscientizada, mas como AN se retratou com um
coração vermelho aparente, essa união se dará quando pensamento e sentimento
estiverem unidos a esse respeito. Ela mesma significou a imagem dizendo que
estava conversando com eles (pensamento), faltando somente falar pelo coração
98
(sentimento) para se unir a eles. “O coração simboliza a essência. O coração é um
dos poucos órgãos essenciais à vida dos seres humanos (e dos animais)”. (ESTÉS,
1994, p. 201).
A mulher e o desenvolvimento de sua autonomia criativa foi tema dessa
sétima oficina de arteterapia, e, seu objetivo foi o de possibilitar o processo de
autoconhecimento e a busca de sentido pela autonomia criativa.
Nessa oficina de arteterapia AN criou uma expressão pictórica pintando uma
pessoa com corpo amarelo e cabelos pretos, com uma larga boca vermelha e olhos
verdes, com os braços levantados acima da cabeça segurando um retângulo verde,
o chão é verde com quatro pequenas flores vermelhas e ao seu lado esquerdo, no
alto da folha, pintou um grande sol amarelo.
Pintura 7 – Dança e Movimento
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na sétima oficina de arteterapia.
A arteterapia, pintar, fazer os artesanatos me traz paz, interiorização,
autoconhecimento, por isso vou continuar, não vou parar de fazer arte.
Minha pintura é um autorretrato em que estou dançando com um lenço
verde, pois é a alegria e a esperança que sinto. O nome dessa minha
pintura é “Dança e Movimento”. (sic)
Também comentou que durante a dança com os lenços escolheu o bege, mas
que na pintura havia escolhido a cor verde, porque lhe transmitia esperança, assim
como durante a prática de relaxamento escolheu a cor verde para se energizar.
99
“Peguei a cor verde do arco-íris e ela foi jorrando para todo o corpo, essa luz
verde ia espalhando pelo meu corpo como você ia pedindo. Me senti muito bem, o
relaxamento está me fazendo bem!” (sic)
Realmente a cor verde tem relação com a esperança e a saúde, pois para
Chevalier e Gheerbrant (2007, p. 939), “O verde é a cor do reino vegetal se
reafirmando graças às águas regeneradoras e lustrais nas quais o batismo tem todo
o seu significado simbólico. O verde é o despertar das águas primordiais, o verde é o
despertar da vida.”.
Tanto a luz, que AN mentalmente energizou seu corpo, como o lenço verde
com que ela dançava na imagem pintada, demonstravam a sua vontade de viver,
assim como a posição de seus braços ao alto, dançando em movimento, reforçam a
ideia de que ela está feliz e saiu definitivamente daquele casulo em que se
encontrava; movimentando a sua feminilidade por meio da dança, tanto na imagem,
como também, durante as práticas de dança com lenços dessa oficina.
A alegria era expressa por seu largo sorriso e pela própria dança. AN no
começo do processo arteterapêutico comentou que ficou um pouco tímida em
movimentar o corpo, mas, aos poucos, no decorrer das várias oficinas de
arteterapia, foi se soltando, adquirindo mais flexibilidade, ritmo e sensualidade em
seus movimentos, dentro de suas possibilidades corporais do momento.
A dança também auxiliou na evolução de sua autoestima feminina, no início
do processo seu corpo era mais rígido.
Esta expressão criativa, pelo movimento físico, esta linguagem não verbal é
uma metáfora, uma representação da dinâmica intra-psíquica da
personalidade. [...]. Esta terapia proporciona ao indivíduo contato com níveis
mais profundos do seu próprio ser ao possibilitar a conscientização pelo
movimento. (ANDRADE, 2000, p.145).
Aos poucos AN foi adquirindo a consciência do próprio corpo, agora com o
seu lado esquerdo desproporcional ao lado direito, pois o lado direito sofreu a
mastectomia, aprender a conviver e dar equilíbrio para esse novo corpo era
essencial.
Depois ao longo das oficinas foi adquirindo maior segurança em seus
movimentos, ao ponto de realmente dançar com energia o ritmo das músicas
oferecidas. Até conseguir fazer a conexão entre o corpo e suas outras dimensões
(psico-espirituais), dando um sentido aos movimentos propostos e criando
100
movimentos com significados mais profundos. Dentre eles, o contato íntimo com a
energia feminina sexual, fazendo com que despertasse para sua sexualidade de
uma forma mais segura, aceitando, controlando e conseguindo se utilizar desse seu
“novo corpo feminino”, expressando beleza e sensualidade.
Segundo Andrade (2000), a dança é uma das formas de expressão mais
primitiva em que agregava o ser humano à sua comunidade e a si próprio, dentro
dessa integralidade ele se divertia, curava, rezava, trabalhava, comunicava e etc.
É visível no caso de AN a evolução desse processo da expressão da
corporeidade, e, a relação com o seu despertar feminino, por meio das linguagens
artísticas oferecidas durante as oficinas: desde a dramatização, a pintura, a dança,
como também outras formas de expressão.
A imagem em sua totalidade também remete o observador a um sentimento
claro de alegria e movimento, talvez o que acabou por inspirar a própria criadora a
nominar essa imagem de: “Dança e movimento”.
Antes da criação pictórica AN dramatizou o conto do “Barba Azul” (ESTÉS,
1994, p. 58). Após encerrar a contação da história AN deixou evidente a relação que
fez do personagem “Barba Azul” com seu primeiro marido: “Chocante! Eu também
me casei com um Barba Azul, me encantei com o que ele poderia me oferecer de
bens materiais; as pessoas falavam os seus segredos, eu não acreditava, até que
um dia resolvi deixa-lo.” (sic)
Antes da criação pictórica as mulheres foram convidadas a participarem de
uma entrevista em que assumiram o papel da esposa e depois do Barba Azul, cada
uma de uma vez, respondendo os questionamentos que a pesquisadora e a outra
participante faziam. Quando AN representou a esposa dele, respondendo aos
questionamentos do grupo, demonstrou vivenciar intensamente, relembrando sua
postura de esposa no seu primeiro casamento e a de seu marido em relação a ela.
No momento em que lhe foi perguntado como ela havia caído nas lábias dele
ela respondeu: “Porque era um homem encantador comigo! Eu deixei os bens
materiais falarem mais alto! O que me salvou foi acordar e ver que caí na lábia dele!”
(sic) E continuou: “Cheguei ao cume quando eu mesma estava sangrando depois
que vi o porão.” (sic)
No conto quem estava sangrando era a chave, mas para AN era a mulher do
Barba Azul quem estava sangrando. Ela fez uma analogia ao relacionamento com o
101
seu primeiro marido, cuja sensação era de sangramento, em função de seu
sofrimento e dor.
Quando perguntado o que restava dele nela, AN disse: “Acho que não resta
mais nada! Eu mudei e consigo identifica-lo hoje!” (sic)
Ao ser questionada sobre os 15 minutos de oração que a esposa de Barba
Azul reivindicava no conto, antes de ele matá-la, o tempo necessário para se salvar
e ele ser destruído, ela falou: “Valeu a pena, porque trouxe a mudança, porque eu
mudei, hoje sou feliz!
Na verdade nunca tirei Deus da minha vida, mas aqueles quinze minutos,
talvez nunca tivesse tido antes!”(sic)
Foi perguntado a ela se deixou marcas em sua vida, então ela disse: “Sim,
hoje quando olho para os homens na rua, por exemplo, penso, “será que este é o
Barba Azul”?” (sic)
A pesquisadora comentou que o Barba Azul pode se manifestar até em
sonhos. Nos sonhos pode vir personificado em homens que querem invadir a casa,
enfiar uma faca, estupradores, bandidos, assassinos, ladrões e etc.. Na vida
concreta de uma mulher em maridos, amigos, irmãos, pais, vizinhos, chefes e etc..
Mas também em forma de doenças, medos e entre outros. Percebê-lo também
quando se manifesta como uma voz interior que diz que você não é capaz, que não
tem competência, que não irá conseguir realizar algo. Deve-se conversar com essa
voz do Barba Azul interior e dizer a ele que, é capaz, que pode, que consegue.
AN concordou e disse: “O Barba Azul limita a liberdade da mulher.” (sic)
Também foi perguntado a AN o que mais lhe chamara a atenção no conto e
ela respondeu: “A voz interior pode ser nossa intuição que se manifesta.” (sic)
Foi perguntado a ela o significado da chave, pois essa chave abriu a porta do
porão de Barba Azul, revelando seu segredo macabro de assassinar suas mulheres
e esconder seus corpos lá:
Ele é um marco para você se iniciar, para mudar, amadurecer, mudar o
ponto de vista sobre sua vida. Eu antes tinha uma vida agitada, sem tempo
para mim, era uma máquina que só trabalhava, escrava! Hoje eu tenho o
meu tempo. Antes não conseguia dizer não às pessoas. Hoje consigo
analisar as coisas de outra forma, consigo rir, não sou mais irritada, rio as
vezes de mim quando algo dá errado! Vejo muitas pessoas agindo como
máquinas, automatizadas, cronometradas. (sic)
102
Por meio dessa fala acima AN reconheceu “Barba Azul” também
intrinsecamente, e, a destruição dele, quando conseguiu dizer não às pessoas e à
rotina que lhe excedia os limites de sua saúde, equilíbrio e bem-estar.
Cada pessoa tem uma missão a cumprir no caminhar de sua vida, por isso
deve se cuidar para poder cumpri-la da melhor maneira possível. Como foi
comentado pela pesquisadora na oficina anterior, que não se tem uma segunda
chance, então, cada dia quando se acorda, é preciso refazer os votos de se cuidar e
ter um sentido para viver aquele dia que se inicia. Assim, cada qual cumprirá a sua
missão mais profunda, a missão espiritual que veio desempenhar. Após essa fala da
pesquisadora AN comentou: “Hoje eu tenho o meu controle remoto e aperto o botão
para parar, fico com aquela frase que diz: ”Não faça da sua vida um rascunho pois,
pode não dar tempo de passar a limpo”! Para mim a mensagem que fica do conto é
“jamais desistir.”(sic)
AN também comentou sobre sua autonomia criativa dizendo: “Em meus
artesanatos. Algo que sempre farei, sempre deixarei um espaço em minha vida e em
meu tempo para fazer.” (sic)
AN continuou falando sobre a arteterapia e suas criações artísticas: “A
arteterapia,
pintar,
fazer
os
artesanatos
me
traz
paz,
interiorização,
autoconhecimento, por isso vou continuar, não vou parar de fazer arte”. (sic)
Os contos de fadas foram sendo trabalhados no decorrer das oficinas com a
dramatização
e
suas
respectivas
interpretações,
compreendendo
as
suas
mensagens, e, esse processo, veio confirmando a eficácia dessa linguagem
artística, no autoconhecimento dessas mulheres, mais especificamente de AN.
Ela conseguiu vivenciá-los, relacionando-os com sua história de vida e
refletindo as possibilidades e as necessidades de mudanças, permitindo o
aprofundamento de sentimentos e ideias, trazendo mais sentido e vontade em
concretizar esses “sentidos refletidos” durante as vivências com os contos de fadas.
“Os papéis, através da inversão do processo do jogo, sair do modo estático para o
confronto e, nesse processo, podem ser compreendidos em profundidade,
dinamizados e renovados”. (ROESE, 2007, p. 80).
No processo arteterapêutico o bibliodrama15 com os contos de fadas tornou
consciente o processo para AN, permitindo conhecer o seu lugar e o lugar do outro
15
É um processo de interpretação de textos sagrados ou literários, orais ou da vida cotidiana,
relacionais ou existenciais, privilegiando o grupo e/ou indivíduo como lugar de interpretação e
103
na história da vida real, e, recriar novas situações e papéis com sentidos e
significados profundos na realidade em que vive. Além disso, os contos de fadas
possuem uma estrutura fácil de ser interpretada, pois seus enredos remontam
situações do cotidiano comum de qualquer ser humano, suscitando tristeza, alegria,
desejos e etc., que desencadeiam compreensões e significados úteis para a
resolução de problemas, como também para a transformação de quem os vivenciou,
no caso AN.
As histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem
importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa
ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a
adrenalina, mostram-nos a saída e, apesar das dificuldades, abrem para
nós portas amplas em paredes anteriormente fechadas, aberturas que nos
levam à terra dos sonhos, que conduzem ao amor e ao aprendizado, que
nos devolvem à nossa verdadeira vida [...]. (ESTÉS, 1994, p. 36).
Na oitava oficina de arteterapia foram trabalhados o mesmo tema e objetivo
da oficina anterior. AN iniciou sua pintura parecendo pintar uma figura humana,
pintando um círculo amarelo como uma cabeça encaixada numa linha vertical verde,
e em seguida, começou a pintar pétalas vermelhas em volta do círculo amarelo e
acabou finalizando-a numa flor erguida sobre uma base verde, que era o chão.
Depois fez uma borboleta colorida, com as asas azuis e quatro pontos verdes e
quatro pontos vermelhos, enfeitando suas asas, com antenas amarelas e corpo
marrom avermelhado, sobrevoando a flor.
No momento de significar sua expressão pictórica AN comentou: “Eu pintei
uma borboleta colorida, porque sofre uma transformação, com suas cores vivas para
mostrar essa transformação e uma flor que é a alegria. O nome do trabalho é
“Transformação e evolução”.” (sic)
vivência desses textos; trabalhando corpo, alma, espírito, a criatividade e toda corporeidade.
(ROESE, 2007)
104
Pintura 8 – Evolução
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na oitava oficina de arteterapia.
A borboleta, de certa forma, era a meta de AN nesse período, porque depois
do diagnóstico do câncer de mama e ainda no início do processo arteterapêutico, ela
afirmava que estava “saindo do casulo”. Na metade desse processo ela comentou
que estava eclodindo. Segue abaixo a sua fala a esse respeito:
A arteterapia está melhorando minha autoestima e minha sexualidade.
Estou me sentindo mais feminina, mais vaidosa e pensando em minha
relação com meu marido; já estou desejando ele sexualmente, algo que há
muito tempo estava adormecido em mim. Antes da arteterapia me sentia
num casulo, e agora me sinto uma nova mulher; uma AN nova
despertando para a vida, cheia de cores, sons, aromas, uma borboleta
colorida que está rompendo o seu casulo. Com a arteterapia estou
evoluindo meu lado feminino que estava adormecido. Cozinhando
pratos diferentes, pintei algumas paredes do apartamento para me sentir
melhor em minha casa, expus a minha porcelana e pintei meu armário de
branco. Me senti em casa. (sic)
Logo, percebeu-se a sua evolução no processo; ela virou uma “borboleta”,
pois conseguiu romper o casulo e ir à inauguração da loja da amiga sem o marido,
por exemplo, também foi numa reunião a fim de desenvolver uma nova atividade
fora de casa, voltou a fazer seus artesanatos, enfim “voltando à vida”, com energia e
alegria, tudo isso materializado nessa imagem pictórica criada e nomeada por ela de
“Evolução”.
105
A flor na qual a borboleta sobrevoa tem seu miolo amarelo, assim como as
antenas da borboleta. Sabe-se que as borboletas, por meio de suas antenas retiram
o pólen das flores para contribuir na polinização, ou seja, na fertilização dessas
plantas. O amarelo de ambos (miolo e antenas da borboleta) representa a luz
criativa, geradora de vida que nessa união, fertilizarão “mais vida”, ou seja, é a
criatividade de AN sendo desenvolvida para lhe trazer a alegria de viver e de ter um
sentido para viver.
De uma forma geral, a flor representa o princípio passivo e a borboleta o ativo.
A flor é o símbolo do si-mesmo para Jung (2011a, p. 269): “Assim o si-mesmo surge
em todas as formas, das mais elevadas às mais ínfimas [...] símbolos vegetais são
principalmente, a flor e a árvore.”.
A flor além de ter como simbologia o si-mesmo, nesse caso completa a sua
totalidade com a borboleta, que vindo ao seu encontro, como mostra a imagem,
completa a quaternidade das três pétalas da flor. Segundo Jung (2011a, p. 267):
“Psicologicamente, porém, a tríade deve ser entendida como uma quaternidade
defeituosa ou como um estado de transição para quaternidade, caso se relacione
com o si-mesmo, de acordo com o contexto”.
Tanto a borboleta com seus dois pares de “quatro” pontos em suas asas,
como a flor com seus “quatro” pequenos galhos verdes, completam também a
quaternidade, simbolizando a totalidade do si-mesmo.
A cor da asa da borboleta é azul que misturada à cor amarela de suas
antenas, fundidas, dão origem ao verde. A união dessas duas cores, azul e amarelo,
é a união dos opostos, pois, enquanto o amarelo, segundo Kandinsky (1996),
representa o princípio ativo e o azul é o passivo. A primeira cor representando a terra
e a segunda o ar, na mesma ordem representam também a matéria e o espírito. Na
união desses opostos formam o verde que é o repouso e representa a cor do reino
vegetal e o despertar da vida, por isso volta a ser atuante. O vermelho que está na
flor também se encontra na borboleta e para Kandinsky (1996, p. 97):
O vermelho tal como o imaginamos, cor sem limites, essencialmente
quente, age interiormente como uma cor transbordante de vida ardente e
agitada. [...] Apesar de toda sua energia e intensidade, o vermelho atesta
uma imensa e irresistível potência quase consciente de seu objetivo.
106
Toda a interpretação da simbologia dos temas, das cores e dos números
discutidos e expostos até o momento veio corroborar com o que AN falou sobre si
mesma nessa oficina:
A arteterapia me ajudou no resgate do meu “eu”, nesse processo de
evolução, perceber que tenho capacidade de ir muito mais além e de
envolver outras pessoas também nesse processo; até o meu marido
comentou essa semana feliz, porque eu tinha comprado um sapato bonito e
moderno, eu percebo em mim uma nova mulher.(sic)
O si-mesmo, ou seja, os símbolos da totalidade manifestados nas expressões
pictóricas de AN apontam para um processo de desenvolvimento em sua totalidade,
e, para Lukas (1989, p.50):
Entretanto, no espiritual, em que seus portadores são a criatividade, a
intuição, a autenticidade e a coragem – a individualidade está pronta para
escolher, apesar da doença ou mesmo a partir da doença, uma forma
pessoal de organização da vida.
AN demonstrou ter feito sua “escolha”, conforme a teoria existencialista de
Frankl, pois, apesar da doença, está organizando sua vida com coragem,
autenticidade e intuição, respeitando seu ciclo feminino de “vida-morte-vida”, por
meio da criatividade que o processo arteterapêutico veio promovendo e
possibilitando; afinal, as práticas e vivências com as linguagens artísticas utilizadas,
proporcionaram a integralidade de seu ser, influenciando sua base espiritual para
uma “orientação de sentido”
16
, pelo fenômeno que aproxima o ser humano do
Divino, o fenômeno “criativo”.
“A mulher criativa” foi o tema dessa nona oficina de arteterapia e objetivou:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido no perdão e
compreensão da raiva.
Nessa oficina foi trabalhado o conto em Estés (1994, p. 431), chamado o
“Urso da Meia Lua”. Essa história traz uma curandeira com seu caldeirão de poções
que auxilia a personagem principal a resolver um grande problema que é saber
como resgatar seu marido que voltou violento depois de passar muitos anos na
guerra.
16
A orientação para um sentido, do ponto de vista psicológico, não só é importante para viver, mas
também para sobreviver! (FRANKL, 1995, p. 260).
107
Durante a reflexão sobre a interpretação da história, ela se viu nos
personagens, se reportando ao relacionamento do primeiro casamento, trazendo
reflexões significativas a partir dos questionamentos direcionados terapeuticamente
pela pesquisadora.
A mulher do conto foi orientada pela curandeira da vila a subir uma alta
montanha em busca do pelo branco da meia lua do pescoço de um grande urso
preto; para que a curandeira pudesse fazer a poção, que ajudaria o marido dela a
voltar a ser carinhoso e atencioso com ela, como era antes de ir para a guerra.
Nessa subida da montanha até conseguir pegar o pelo, a mulher passou por
desafios e tarefas que quase lhe custaram a própria vida. Então, a pesquisadora
perguntou sobre o que seria para AN aquela “subida à montanha” para pegar o pelo
do urso. AN comentou:
Nós praticamos coisas por um período para chegar num objetivo e
amadurecemos, nos tornamos melhores. A subida dela fez com que ela
encarasse o instinto selvagem do urso. O casulo dela foi a gruta pequena
que mal dava para ela cobrir o corpo, mas ela conseguiu, porque depois de
enfrentar aquele urso selvagem, os problemas que ela tinha que enfrentar
com o marido eram pequenos. (sic)
Nessa fala AN referiu-se a vários momentos de sua vida, desde a perda dos
pais, o seu relacionamento com o primeiro marido, até o tratamento do câncer de
mama.
A pesquisadora pediu que AN falasse um pouco o que percebeu sobre a
curandeira e como ela se manifestava em AN. Ela continuou falando sobre suas
percepções e interpretações do conto: “A curandeira é alguém mais madura, que já
passou por várias coisas na vida, pode ser até que já tinha passado o que a mulher
do conto estava vivendo.” (sic)
Em seguida foi questionada sobre, como a curandeira que estava dentro dela
se manifestava e AN respondeu:
Durante o conto quando o marido derrubou a comida que a mulher tinha
feito esperando ele, me fez lembrar quando estava casada com meu
primeiro marido. Ele chegava duas três horas da manhã dos rodeios,
bêbado, muitas vezes eu já estava dormindo. Ele me acordava para eu
fazer janta pra ele. Algumas vezes eu fiz, mas depois ficava pensando que
ele trabalhava no pesado, mas o cansaço dele passava deitando, dormindo,
mas eu não, estava cansada e estressada, porque meu trabalho na
prefeitura de atender o público cansava o mental; então, tinha que sair um
pouco da rotina para desestressar. Mas ele não saia comigo. Depois de um
tempo não fazia mais comida de madrugada, cheguei a tirar férias e sair
sozinha para passear, foi a minha curandeira! Aí me distanciando, percebi
108
como era usada e desrespeitada, ele tinha um monte de mulher na rua, era
materialista. Hoje vejo como aquele mundo tá distante do meu. A balança
estava desequilibrada. Se tivesse lá talvez hoje estivesse morta, com
certeza! (sic)
Essas reflexões sobre seu passado foram fundamentais para o processo de
autoconhecimento e ressignificação desses sentimentos e emoções acumuladas ao
longo de sua história e que de certa forma contribuíram para o seu adoecimento. “A
liberdade da vontade do ser humano é, portanto, a liberdade “de” ser impulsionado
“para” ser responsável, para ter consciência”. (FRANKL, 2004, p.40).
Logo, refletir e ter consciência de si mesmo e de sua situação no mundo,
resignificando a sua própria história, o ser humano se libera de estagiar na dor, no
rancor, na raiva, na mágoa e em outros sentimentos que lhe fazem mal.
A partir dessa ressignificação ele adquiri a ‘liberdade da vontade’, como
afirmava Frankl, sendo responsável por si e por sua vida, deixando de ser uma
marionete na mão desses conteúdos inconscientes, abandonando a forma impulsiva
de reagir e agir.
Esses conteúdos inconscientes são energias psíquicas poderosas, destrutivas
quando apenas reprimidos e não conscientizados, o que Jung designa de “sombra”.
“A sombra não consiste apenas de omissões. Apresenta-se muitas vezes como um
ato impulsivo ou inadvertido.” (JUNG; FRANZ, 1977, p. 169).
Consequentemente, o fato de AN associar a vida dos personagens e o enredo
do conto à sua própria vida e história, revivendo-os indiretamente, permitiu a
conscientização dos mesmos, com novos significados, pois sem a tensão do
momento, conseguia perceber também novos sentidos, que se reverteram em mais
maturidade e autonomia, o que a beneficiaria em outras situações similares ou que
lhe desencadeiam os mesmos sentimentos.
Abaixo segue um comentário de AN que vem ratificar as reflexões acima:
Nessa época tinha picos de pressão alta. Lembro que comentei com uma
mulher que servia cafezinho e ela dizia, minha filha, faz o salgado pra ele e
leva ele pra cama dormir que no outro dia tudo já passou. Ficava indignada
com ela, por me ensinar a ser submissa como ela, que triste, que vida é
essa! Nesse momento foi a minha curandeira que veio e me mostrou que
aquilo não era relacionamento e aí tirei férias sozinha e mudei foi a melhor
coisa! Hoje a gente tem condições de ensinar através da nossa história,
que a gente não precisa ficar doente, temos que nos observar para
poder se curar e para evoluir. (sic)
109
Essa fala de AN demonstrou que sua doença teve origem no stress de seu
trabalho, mas também foi desencadeada por esse relacionamento desajustado.
A mensagem de AN sobre esse conto foi a seguinte: “Mesmo que a gente
considere nosso problema grandioso “urso feroz” podemos enfrenta-los e superá-los
porque podemos contar com a intuição de nossa curandeira interna.” (sic)
Depois de trabalhada a interpretação e reflexão sobre o conto, foi feita a
“prática da pira”, em que AN escreveu numa folha de papel, uma lista de tudo o que
gostaria de eliminar em si e em sua vida, e, depois, num ambiente organizado
especialmente para esse momento, ela foi conduzida por sua “curandeira” interna a
queimar o papel numa pira de barro que lembrava um pequeno caldeirão. AN
significou essa prática acima dizendo:
Bem! Acredito que já estou nesse processo, coloquei ali todo o desapego da
rotina agitada que tinha antes, a forma agressiva que tratava minhas
colegas de trabalho do mesmo jeito como era cobrada pelos meus
superiores. Acho que hoje seria mais tolerante, hoje tenho outro ponto de
vista em relação a vida, não precisa ser daquele jeito! Depois da queima
dos papeis no caldeirão, não sei, desencadeou alguma coisa, porque não
senti raiva, me sinto mais light. Mesmo com essa instabilidade do trabalho
que estou vivendo, não sei se volto, se vão me aceitar ou se devo mudar
radicalmente e partir para fazer outra coisa. Hoje isso não me incomoda,
antes Deus me livre, eu estaria perdida, nervosa, ansiosa. Eu agora vivo o
hoje, e, não me preocupo mais com o amanhã! (sic)
E continuou falando:
Não sei se vou encarar um desafio novo, eu preciso me analisar, em outras
épocas estaria arrancando os cabelos para resolver isso logo! Se surgir
algum trabalho eu sei que vai ser tranquilo, hoje não me cobro mais como
antes! Na época eu tinha vontade de pegar o mundo, hoje não!(sic)
A pesquisadora afirmou que foram épocas diferentes, que no passado ela
estava se sentindo sozinha e tinha que dar conta de se sustentar, de se manter. Com
efeito, era natural sua preocupação com o trabalho. Atualmente estava vivenciando
uma época diferente, depois de tantas perdas e “mortes” era uma mulher melhor
estruturada emocionalmente e mais madura para enfrentar a vida.
Quando AN escutou estas palavras ela concordou e se emocionou, lembrando
que seu atual marido sempre a apoiava em suas decisões e escolhas e que lhe dava
um suporte emocional muito importante, que agora ela estava vendo e vivendo a
vida de outra maneira, de forma mais cuidadosa consigo mesmo e com as pessoas
que lhe rodeavam.
110
A imagem pictórica criada por AN nessa oficina de arteterapia teve muita
afinidade simbólica com o conto e a prática da pira, pois ela pintou um caldeirão
marrom no centro da folha, com fogo embaixo dele pintado em vermelho e fumaça
amarela, saindo de cima da boca do caldeirão. No canto direito da folha pintou uma
caverna marrom com uma entrada bem pequena. A caverna assim como o caldeirão
são símbolos primitivos. Segue abaixo a imagem:
Pintura 9 – Reciclagem
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na nona oficina de arteterapia.
O caldeirão no conto trabalhado serviu para queimar o pelo, mas na verdade,
serviu para a mulher compreender que deveria colocar “em ação” com o marido o
conhecimento que ela adquiriu desde a subida na montanha, até o seu retorno com
o pelo do urso.
Nessa oficina foi feita uma prática em que consistia escrever todos os
sentimentos e experiências dolorosas, que geraram desconforto ou sentimentos e
emoções negativas; no centro da sala em ambiente preparado para tal, foi colocado
papel e caneta e um a pira de barro em que AN foi convidada a queimar o papel em
que havia escrito, deixando ali tudo o que gostaria de eliminar de sua vida e de si
mesma, ela utilizou a pira de barro que serviu de caldeirão para queimar seu papel.
Para a simbologia coletiva, o caldeirão é um recipiente côncavo é um receptáculo,
um símbolo alquímico. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2007, p. 167): “O caldeirão
simboliza o local e o meio da revigoração, da regenerescência, como também da
111
ressurreição, em suma das profundas transmutações biológicas”. Sendo assim, o
que foi queimado em seu fogo foi transmutado em algo positivo à vida de AN,
sentido simbólico que se confirma abaixo em negrito, no comentário de AN sobre o
caldeirão:
Pintei um caldeirão marrom porque não consigo ver um caldeirão claro,
sempre é escuro por causa do fogo; o caldeirão pra mim é algo que já
está em ebulição, coisas que ficarão para traz, os problemas foram
queimados, porque estão saindo na fumaça amarela sendo transformados
e se dissipando. A separação é um processo de luto você sofre mas sai
diferente, mais forte. (sic)
Aqui ela falou da separação como um luto, mas no momento que falou sobre
o que queimou na pira não citou a separação. Talvez, fosse uma experiência em sua
vida que não estivesse bem resolvida.
A fumaça amarela é a materialização de que seus problemas foram
“dissipados e transformados”. O amarelo tem como significado coletivo:
Ligada ao ouro e à renovação [...] Após o negro ser purificado até o branco,
surgem uma infinidade de cores marcando o fim da umidade que reinava na
matéria. Quando essa umidade desaparece, por completo, surge o amarelo
que aos poucos vai se tornando a cor do açafrão, anunciando que a
perfeição do vermelho ou púrpura não tarda. (SANTOS, 2012, p.48-49)
AN comentou acima que “os problemas foram queimados, porque estão
saindo na fumaça amarela sendo transformados e dissipados” (sic), acredita-se,
portanto, que a prática anterior à pintura (em que a folha com a lista de sentimentos
e situações negativas de sua vida foi queimada com o objetivo de limpar e
transformar esses conteúdos escritos) realmente atingiu sua meta.
AN, conforme o comentário acima conseguiu simbolicamente fazer esse
processo de renovação interna, pela limpeza desses aspectos negativos incinerados
por ela. Trouxe também outra fala a respeito dessa imagem: “Queria a fumaça do
caldeirão mais dourada, porque é a luz que reluz, mais valorosa, porque foi feita a
reciclagem.” (sic)
Além do caldeirão e de seu fogo que transmutou e renovou-a intrinsecamente,
também pintou na mesma imagem uma caverna marrom.
Assim como cavernas e minas, as grutas figuram nos ritos de iniciação mais
antigos lembrando morte e renascimento. A regeneração pelo contato com
energias telúricas ou, segundo conceitos mais modernos, uma busca da
verdade nessa volta ao útero simbólica e sua consequente conscientização
na saída para a luz. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p. 252).
112
Além disso, a caverna foi pintada de marrom, que segundo Kandinsky (1996)
é uma cor dura, embotada e estagnante. A caverna marrom, ou casulo como AN
designava e significava como morte, onde nada cresce, torna-se positiva, pois como
ela mesma disse, depois da caverna veio o caldeirão que era a saída do casulo, ou
seja, sua saída para a vida e a superação da doença. Segue o seu comentário sobre
a imagem:
A caverna fiz marrom, poderia ter um verdinho, mas agora vejo que
representei o casulo onde me encontrava, quando estamos no casulo
ficamos num lugar sozinha e apertado como essa caverna, nada cresce, é
morte. Queria até fazer um caminho dela até o caldeirão porque da caverna
vem o caldeirão que é a saída do casulo. Hoje posso dizer que já tirei o
pijama, voltei a ser AN, aquela mulher de antes. Eu e meu marido fomos
numa festa de aniversário e ano passado foi tudo sério, parece que
ninguém ria porque eu tinha descoberto o câncer. Esse ano foi diferente,
rimos, brincamos, eu também estou diferente; as pessoas me acharam
bonita, me elogiaram, meu marido ficou feliz e eu também.(sic)
AN continuou falando sobre o assunto:
Eu ao saber do câncer vi que tinha que encarar e resolvi encarar com bom
humor, claro passei por sofrimentos fiquei no casulo, hoje estou bem, mas
não quero atropelar nada, me controlo. As pessoas percebem que já sou
outra. Quero ir devagar com meu relacionamento com JU (codinome de seu
marido), ele foi meu cúmplice, me deu muito carinho até agora
cuidando de mim, mas não devo nada pra ele, porque é uma troca,
também faço bem pra ele. Vamos viajar dia 29 de julho provavelmente
para Argentina. Lá pra janeiro do ano que vem vou fazer a reconstrução
de minha mama e ao meu trabalho não sei se volto depois da perícia, vai
depender deles me aceitarem e de eu aceitar o horário, ou se mudo de
emprego. Já estou fazendo, ajudando a fazer algumas impugnações
naquele trabalho da ONG. (sic)
Concluiu dizendo: “Jamais vou voltar a ser a “maquininha” de antes! Sou uma
nova mulher!” (sic).
As frases destacadas acima em negrito na fala de AN vêm confirmar a grande
evolução que ela fez em tão pouco tempo, como também, seu próprio
reconhecimento nesse processo de retorno à vida, inclusive à sua vida social.
As pessoas do seu convívio, segundo ela, já comentavam a sua mudança.
Quando ela falava da relação com o marido, se referia às trocas e não mais a
dívidas e cobranças como era no início do processo arteterapêutico. Comentou da
viagem que ela e o marido planejavam em fazer juntos, como uma segunda lua-demel, porém agora já tinha até data marcada. Ela estava mais vaidosa, conseguindo
resgatar a sua sedução de mulher, planejando a reconstituição da sua mama
113
mastectomizada para o início de 2014. Também pelos resultados de seu trabalho
voluntário, afirmando que era uma nova mulher.
Arteterapeuticamente AN saiu de seu casulo e virou uma exuberante
“borboleta” cheia de alegria e amor pela sua vida.
Segundo AN, quando perguntada sobre o nome de seu trabalho, ela disse: “O
nome do meu trabalho é “reciclagem.” (sic)
Exatamente o que ela fez em seu processo arteterapêutico: uma reciclagem,
um novo ciclo que se iniciou na vida dela.
Essa mesma imagem pintada por AN invertida, também trouxe novas
simbologias que poderão ser interpretadas para melhor compreensão do processo
arteterapêutico do referido caso. Segue a imagem invertida:
Pintura 10 - Invertida
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na nona oficina apresentada de forma invertida
Dessa forma invertida a imagem apresenta um capacete com cornos que
lembram os capacetes de guerreiros antigos de vários países, como os gauleses. O
capacete relaciona-se com a cabeça, pois é o que ele veste e protege; porém, com
chifres, representa poder. “O chifre não sugere apenas a potência, pela sua forma;
pela sua função natural, é a própria imagem da arma poderosa, potente (em gíria
italiana, o pênis se diz corno).” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p.234). Entretanto,
o corno ou chifre desse capacete está quebrado, também sugerindo um
sangramento, ou seja, um sacrifício do “poder”. A cabeça para Jung (2008), é um
114
símbolo do animus, e, esse tipo de capacete com chifres demonstra a função inferior
do animus e seu poder destrutivo, pois eram assim os capacetes de vários
guerreiros antigos. O animus representado no guerreiro designa segundo Jung
(1977), o primeiro e mais inferior nível de desenvolvimento deste arquétipo.
Entretanto, como na imagem os chifres foram quebrados, interpreta-se como
a perda desse poder na psique de AN. Ela durante o conto do “Barba Azul” mostrou
projetar esse poder destrutivo do animus em seu primeiro marido, fazendo uma
analogia com este personagem. “O animus negativo não aparece apenas como
demônio da morte. Nos mitos e contos de fadas faz papel de assaltante ou o de
assassino. Barba azul, que mata em segredo todas as suas mulheres, é um exemplo
deste tipo de animus.” (JUNG; FRANZ, 1977, p. 191).
Ela trouxe muitas situações em que foi desrespeitada pelo seu primeiro
marido, para exemplificar essa afirmação segue uma das fala dela contando a
respeito:
Fui tratar os cavalos do meu marido, sempre fazia isso, mesmo pensando
que isso não era minha função e sim que eu devia era cuidar só da casa,
porque já tinha o bastante. Depois de ser mordida pelo cavalo, meu marido
e os amigos dele ficaram rindo da minha cara, porque eu saí irritada. Meu
marido até comentou pra eles, eu escutei: “Está nervosinha com o cavalo ou
comigo? (sic)
Vale ressaltar que essa mordida do cavalo foi um acidente sério, pois
desenvolveu uma trombose no seu braço, e também outros relatos de AN sobre sua
relação com seu primeiro marido remetiam a essa interpretação acima.
Durante uma prática olhando para o seu desenho fazendo o papel de
entrevistadora do “Barba Azul” depois de muito argumentar com ele AN falou: “Você
foi destruído”! (sic)
Segundo Emma Jung (2006), é preciso estabelecer uma relação harmônica
com o animus, para que nenhuma das partes seja afastada ou reprimida de suas
manifestações; nem o feminino da mulher, nem tão pouco o seu animus. Para tanto,
é necessário que o “logos” representado pelo animus na mulher, seja ordenado em
si e em sua vida. A prática arteterapêutica de uma vida saudável feminina leva o
Logos a não assumir influência negativa sobre a estrutura psicológica da
anima/animus da mulher. Pois, uma mulher sob essa influência poderá atrair
homens “Barba Azul” e/ou situações que lhe tiram a liberdade, a criatividade com a
promessa de conforto, ascensão social, bens materiais etc., que de certa forma,
115
aconteceu com AN em seu primeiro casamento: “Chocante! Eu também me casei
com um Barba Azul, me encantei com o que ele poderia me oferecer de bens
materiais; as pessoas falavam os seus segredos, eu não acreditava, até que um dia
resolvi deixa-lo.” (sic)
O processo arteterapêutico possibilitou a AN a exposição para ela mesma
dessas situações e sentimentos, oportunizando observar seu animus e, perceber o
resultado de seu trabalho, mantendo consciente esse tipo de influência, para poder
construir um sentido mais profundo sobre esses aspectos de sua vida, que até
então, de certa forma, lhe eram inconscientes e lhe escravizavam. Segundo Estés
(1994), quanto mais forte o animus, pensando nele como uma ponte, maior
desenvolvimento terá a mulher; quanto menos desenvolvido na psique, mais inferior
e menor a capacidade da mulher em realizar ou pôr em ação suas ideias, seus
projetos, sua criatividade.
Quando AN falava de seu segundo marido já demonstrava uma nova postura,
uma atitude de troca, na qual ninguém deve nada para ninguém. Ela já parecia uma
mulher madura, que sabe quando “dar” e quando “receber”, sem culpa e sem
mágoa: “Quero ir devagar com meu relacionamento com JÚ, ele foi meu cúmplice,
me deu muito carinho até agora cuidando de mim, mas não devo nada pra ele,
porque é uma troca, também faço bem pra ele”. (sic)
A maturidade de AN em seu atual relacionamento era visível. Mas, além do
símbolo do animus representado naquele capacete de chifres, também trazia a
imagem da curandeira primitiva com uma das mãos erguidas, mostrando a essa
figura masculina seu poder feminino selvagem. Logo, mostrando que a mesma
enfraqueceu o poder do animus destrutivo, “inferior”, fortalecendo o poder feminino,
conectando-se à sua curandeira que para Estés (1994, p.439):
As curandeiras nos contos de fadas representam geralmente um aspecto
calmo e imperturbável da psique. Muito embora o mundo externo possa
estar em ruínas, a curandeira interna não se perturba com tudo isso e
mantém a calma para calcular o melhor meio de prosseguir. A psique de
toda mulher contém essa “ordenadora”. Ela faz parte da psique natural e
selvagem, e nós já nascemos com ela.
Para concluir a interpretação dessa imagem, segue uma fala de AN que
materializou o sentido da curandeira em sua vida: “Jamais vou voltar a ser a
“maquininha” de antes! Sou uma nova mulher!” (sic)
116
Na última oficina foi trabalhado o mesmo tema e objetivo e para fechar esse
ciclo de cuidado integral por meio da arteterapia, aprofundou-se a interpretação e
reflexão sobre o conto do “Urso da meia lua” de Estés (1994, p. 431), em que se
discutiu sobre a raiva do marido da personagem, que ficara visível no momento em
que ele chutava o prato de comida, que a sua mulher veio lhe oferecer, como uma
forma de carinho pelo seu retorno ao lar, depois de ter passado muitos anos na
guerra. AN foi questionada de que maneira sentia sua raiva e em que tipo de
situações a sentia, ela comentou:
Acho que a raiva desencadeia quando não sabemos administrar algo, os
nossos sonhos frustrados, quando nós deixamos o nosso instinto falar mais
alto. A gente até consegue perdoar, mas o perdão acontece de forma lenta,
tem que acontecer algo pra nós nos tocarmos. (sic)
A pesquisadora trouxe os quatro estágios do perdão, sugerido por Estés
(1994, p. 458), explicando-os: Deixar passar; Controlar-se; Esquecer; Perdoar.
A raiva é um sentimento que pode ser “re-significado” por quem sente, pois a
reprimindo, torna-se um fel, um ácido que corrói a pessoa e a vida de quem a sente.
Escolhendo a melhor maneira de trabalhar essas emoções e sentimentos no
cotidiano, “re-significando-os”, torna-se possível o perdão, e, consequentemente, o
alívio de muitas dores e sofrimentos.
AN comentou durante a reflexão do estágio um do perdão de “deixar passar a
raiva”: “Nós não esperamos ela passar e nem trabalhamos ela dentro de nós, isso
vira uma bola de neve que vai aumentando cada vez mais”. (sic)
No estágio dois “controlar-se” AN falou: “Surge fatos novos na vida da gente,
mas a gente não deixa a raiva sair do pensamento porque fica naquela ideia fixa.”
(sic)
No estágio do “esquecer-se e perdoar”, a pesquisadora falou da importância
do perdão; AN concordou e disse:
Isso acontece também no relacionamento homem-mulher, eu passei por
isso no primeiro casamento, tu ficas naquela ideia fixa da raiva. Eu acho
que fiz esse processo, aquela raiva eu já esqueci e daí, perdoei. No nosso
último encontro eu não senti nada quando vi ele, até fez bem para o meu
eu, porque ele sim ficou mexido, chegou até a colocar a mão na minha
perna e dizer que desejava a minha felicidade emocionado, que era pra eu
me cuidar e ficar bem. Senti que ele engoliu a lágrima, acho também que
ele tava com saudade da bruxa aqui. (sic)
117
AN concluiu falando: “Me senti feliz naquele momento porque vi que o cordão
foi cortado! Tudo isso que passei, foi como se eu tivesse ganhado na loteria, não deu
certo meu primeiro casamento, mas hoje tenho um marido que me trata bem e me
faz feliz”! (sic)
A pesquisadora falou dos “descansos” encontrados à beira dos caminhos e
rodovias, que eram cruzes que marcavam as mortes naqueles locais. Depois da
explicação sobre os descansos, convidou AN a traçar uma linha cronológica em que
poderia pensar sua vida desde o nascimento até o momento presente, colocando
cruzes nos pontos de sua vida que tinham acontecido mortes, como: perdas,
traições, frustrações, sonhos não realizados, caminhos trocados, desistências e
mortes de pessoas ou coisas queridas, também aquilo que pressentia poder morrer
e etc.
Depois de colocadas as cruzes na linha cronológica, foi pedido que
abençoasse cada momento daquele. Feito esse processo, que significasse o
aprendizado sobre aquele momento e perdoasse. Por último que sepultasse cada
momento marcado pelas cruzes. Sobre o significado das cruzes dos descansos AN
disse:
Eu fiz a linha da minha vida com datas dos acontecimentos que mais me
marcaram. Por isso coloquei no início a data de meu nascimento e depois
1994 que foi o ano em que casei e foi uma morte, porque deixei de ser
menina, os ciclos da “vida-morte-vida”, para receber uma carga muito
grande, reponsabilidades grandes. Depois o ano de 1995 foram as mortes
de meus pais; 2001 a perda de meu trabalho que não estava preparada;
2006 deixo de ser “Amélia”, ela morre e daí fui estudar e investi no meu lado
profissional; em 2008 término de meu casamento, uma fase difícil; em 2009
morre a fase de liberdade, fazer tudo o que dá na cabeça, deixo de ser
solteira porque encontro JÚ; 2010 cortei o vínculo com o trabalho que tanto
tinha almejado e vim embora com JÚ para Santa Catarina, tudo ficou pra
trás: cultura, família e etc.; 2012 a mastectomia e a morte do câncer e deixei
uma pequena cruz em aberto que representa outras coisas que ainda
morrerão, pode ser até a morte de minha avó, sei que vou sentir, mas será
outro novo momento em família, porque sei que vou ter que dar muita
força para meus irmãos pois eles sentirão mais a falta dela. O nome de
minha pintura é “Vida”.(sic)
Surgiu uma pequena fala de união com os irmãos, interessante perceber que
quando falou da perda dos pais nas primeiras oficinas, AN disse que cada um
sentiu a sua dor sozinho. Nessa fala em negrito, já entrevê o apoio que dará ao
momento de dor deles. Considerando tudo o que foi exposto até agora sobre o
assunto, percebeu-se um sentimento de união em relação aos irmãos, que em
118
oficinas anteriores estava mais inconsciente, nessa última já demonstrava estar
vindo à tona, porém tudo ao seu tempo certo!
Em seguida, foi escolher um objeto que representasse a si mesma, depois
outro que representasse a sua vida e por último sua meta. AN participou de todas as
práticas de forma muito concentrada. Ela significou cada objeto escolhido dizendo:
Eu escolhi a vela acesa para me representar, porque o fogo mantém viva a
fé, é a energia a força que move. A palavra felicidade daquele regador foi
que me chamou a atenção, pois, vejo a minha vida assim com felicidade, é
uma força de regar e transbordar de felicidade. A flor representa a minha
meta de não deixar a peteca cair, mantendo tudo florido. Vou sendo e
fazendo a vida cada vez melhor!
AN fez um chão de verde e nele colocou uma planta com cinco flores
vermelhas e miolos amarelos, com cinco caules verdes e sem folhas, e, do lado
esquerdo uma chama grande amarela.
Essa imagem toca o observador por transmitir alegria. Todavia, existe a
simbologia do cinco, repetidas vezes, nas flores e miolos como também nos caules.
Segundo Pitágoras (apud REALE; ANTISSERE, 2003), o número cinco é
considerado um número de união, número nupcial, pois ele é a soma do primeiro
número par, com o primeiro número ímpar, ou seja, 2+3; e, por ser o número do
meio dos nove primeiros números, é símbolo da ordem, da perfeição e do equilíbrio,
significando exatamente a percepção que essa imagem pictórica oferece ao seu
observador.
119
Pintura 11 – Vida
Fonte: Expressão pictórica criada por AN na décima e última oficina de arteterapia.
As cores estão em equilíbrio, pois a flor tem o vermelho e o amarelo que são
cores quentes com o verde que é uma cor fria. Assim como a chama que tem
amarelo e vermelho em sua luz é equilibrada pelo verde do chão onde se encontra.
O chão verde representa a fertilidade e o crescimento, assim como a floração
simbolizada na flor.
A pintura retrata bem o que escolhi de objetos, eu me sinto assim colorida e
cheia de energia. A chama para mim é energia, luz, fé. Que eu permaneça a
mesma coisa de agora, sabendo administrar as coisas. Eu entendo que
evoluí, que fui buscar o “pelo branco do urso da meia lua” e hoje estou
melhor do que no passado. (sic)
A pesquisadora afirmou que quando fazemos esse processo de evolução,
mesmo que tenhamos experiências parecidas, não seremos mais as mesmas e
reagiremos diferente do passado, com mais maturidade, sabendo administrar melhor
essas situações.
AN concordou e disse: “É consegui fazer a escalada da montanha, hoje estou
melhor que no passado”. (sic)
AN disse: “Quando fui convidada para as oficinas nem criei expectativas, até
pensei vai passar rápido e hoje sei que vai deixar saudade”!(sic)
120
A pesquisadora ponderou o quanto todas as participantes evoluíram, inclusive
a própria pesquisadora e que estava dando como lembrança desses momentos de
arteterapia, uma caixa com objetos que tinham uma significação simbólica especial
para cada uma delas especificamente, e, a letra de uma música para refletirem e se
alegrarem sempre que precisassem.
AN também deu de presente para cada pessoa do grupo uma boneca de
pano criada por ela.
Por último AN foi convidada a escrever o que percebeu sobre as práticas
arteterapêuticas no cuidado á saúde integral dela, desconsiderando o afeto que
sentisse pela pesquisadora, que fosse muito sincera naquilo que escrevesse. Segue
o que AN escreveu:
A arteterapia contribuiu para um melhor entendimento da evolução de fases
ocorridas durante a vida e ao mesmo tempo é injeção de ânimo para
mostrar que o percurso modificado traz e faz com que eu possa contribuir e
melhorar a vida de outras pessoas, transmitindo luz, energia e felicidade.
Beijokas no coração de vocês! (sic)
Em sua afirmação acima AN falou dos resultados de seu processo
arteterapêutico, que a auxiliou na modificação de sua vida, corroborando com sua
fala durante esta oficina em que disse: “É consegui fazer a escalada da montanha,
hoje estou melhor que no passado”. (sic)
Além disso, ressaltou a importância da arteterapia para o entendimento das
experiências e vivências de cada fase de sua vida, o que contribuiu para enxergar a
possibilidade de uma nova AN e de uma nova vida.
AN nomeou a sua última pintura desses ciclos de oficina de arteterapia de
“Vida”. Realmente a imagem faz o observador perceber essa ideia de vida. A
imagem resplandece vida em equilíbrio, assim como AN, uma mulher mais madura,
mais forte, mais segura, mais criativa e empreendedora, sensível às pequenas
coisas da vida e mais espiritualizada, porque descobriu o seu sentido de estar
vivendo e de existir!
A arteterapia para o caso AN possibilitou vivências de cuidado integral em
saúde pela criatividade e a busca de sentido em cada momento, em cada palavra,
nos movimentos e expressões corporais, pictóricas, de ideias, intuições e
percepções que essas vivências proporcionaram.
121
Assim, AN sentindo-se acolhida amorosamente, respeitada em seus
desabafos e reflexões pôde entrar em contato íntimo consigo mesma e com suas
experiências de vida, transformando-se num processo contínuo de evolução e
crescimento, aceitando sua nova imagem, agora mutilada, porém resgando a sua
beleza e sensualidade feminina, tornando-se mais vaidosa; primando sempre por
sua saúde, cuidando da alimentação do corpo e da alma. Visto que, começou a
cozinhar alimentos saudáveis, fazer caminhadas à beira-mar.
Também retomou suas atividades artísticas artesanais confeccionando várias
peças de patchworks, ousando até em vendê-las. Retomou sua vida social entre
amigos e amigas a qual havia abandonado por completo, após o diagnóstico da
doença.
Além disso, durante o processo arteterapêutico se autoafirmou novamente em
sua autonomia e independência engajando-se em grupos de mulheres com câncer
de mama e em um trabalho voluntário que visava fiscalizar junto ao Ministério
Público de seu município, as licitações envolvendo os órgãos públicos e seus
respectivos resultados.
Com a elevação de sua autoestima AN resgatou a sua sensualidade e o
desejo sexual pelo companheiro, os quais estavam afastados sexualmente há
aproximadamente um ano, compartilhando a vida e os cuidados com a saúde dela
como bons amigos.
AN nesse processo lançou-se em busca do sentido do câncer de mama em
sua vida e compreendeu a necessidade de mudança em seu estilo de vida,
respeitando seus limites físicos, psicológicos, vivenciando a sua espiritualidade de
uma maneira profunda, buscando o sentido último de sua vida que é o crescimento
integral de si mesma para si e para os outros.
4.2 COMPREENDENDO O CASO VE
VE é o segundo caso da pesquisa a ser discutido e compreendido. Ela
participou apenas de seis oficinas de arteterapia, faltando quatro delas por ter
consultas médicas em horários que coincidiram com o horário dos encontros,
problemas com transporte; sendo que, suas últimas faltas foram em função das
consequências das duas sessões de quimioterapia, que aconteceram nas vésperas
das oficinas.
122
Os temas e objetivos das oficinas em que ela participou estão descritos no
caso anterior. Lembrando que as oficinas estão sendo discutidas em ordem numeral
crescente ordinal, para que o leitor situe-se melhor sobre a ordem dos
acontecimentos e resultados da pesquisa.
VE participou da primeira oficina de arteterapia em que foi trabalhado o conto
do “Patinho Feio” de Estés (1994, p. 211), ao ser questionada sobre a parte que
mais lhe havia chamado atenção no conto, ela escolheu a parte em que “o patinho
saiu e foi embora, porque viu que era feio e foi rejeitado”. Depois VE comentou:
Isso me lembrou da rejeição que sofri de minha família. Minha neta de três
anos disse que a vó agora estava feia, porque estava sem o peito. Ela
escutou os adultos falarem sobre esse assunto, porque ela é muito pequena
para atinar isso. A minha família achava que o câncer era um problema sem
solução, as vizinhas não perguntavam se eu precisava de alguma coisa,
mas vinham só para me ver sem o peito e matar a curiosidade, só querem
falar da doença! Está lá no evangelho de São Paulo que temos que ser
mais fortes para superar os fracos, é isso aí! O patinho para a turma que era
diferente dele, era feio, mas quando encontrou os “seus”, vê que é bonito!
(sic)
A mensagem do conto para ela foi:
O amor de Deus é o principal, quem o ama vence pelo amor! Com fé, sei
que a vitória está marcada, agora é deixar nas mãos de Deus. Eu disse
numa conversa com Deus, quando soube da retirada de meu peito, que não
nasci com eles e que já havia amamentado muitas crianças; meus cinco
filhos, filhos de vizinhas minhas, os três filhos de uma tia, então, se ele
achasse que eu deveria tirar, amém! Me preocupo é com a graça da cura,
os filhos de Deus nunca são derrotados, mas sim o satanás do câncer. A
esperança de cura não está no médico, mas em Deus. Também devemos
procurar falar coisas boas, porque devemos cuidar com o que sai da nossa
boca!(sic)
O amor de Deus que VE destacou em sua fala acima se manifestava por meio
de uma presença ignorada, a qual ela não conseguia explicar racionalmente, mas
dizia ser real porque sentia. Para Frankl (2004), a religiosidade não é inata porque
não está presa ao biológico. Ontologicamente a relação do ser humano com Deus é
anterior à relação psicológica com os pais, sendo que a primeira serve de modelo
para a segunda.
Deus é o protótipo de toda paternidade. Apenas do ponto de vista
ontogenético, biológico e biográfico, o pai é o primeiro; ontologicamente,
porém Deus está em primeiro lugar. Assim, psicologicamente, a relação
filho-pai é anterior à relação homem-Deus, porém ontologicamente esta
relação não é modelo, mas sua imagem. (FRANKL, 2004, p46).
123
Para Jung (2003; 2008; 2011a, 2011b) Deus e o conhecimento dEle é um
problema transcendental, mas que a psicologia analítica se ocupa, visto que, a
imagem de Deus existe na alma humana desde os seus primórdios, encerrando
dentro de si e extraindo de dentro de si, recriando-O. “O fator psicológico que,
dentro do homem, possui um poder supremo, age como Deus, porque é sempre ao
valor psíquico avassalador que se dá o nome de Deus.” (JUNG, 2011b, p.102).
Jung (2011a, p. 231) afirma que:
A ideia de lei moral e a ideia de Deus fazem parte do substrato último e
inarredável da alma humana. Por este motivo, toda psicologia sincera e não
obcecada pelas concepções mesquinhas do Iluminismo se acha no dever
de atacar de frente estes fatos. Não é com explicações superficiais nem
com ironia que se pode excluí-los. Na Física, podemos prescindir de uma
imagem de Deus; na Psicologia, pelo contrário, a noção de Deus é uma
grandeza definitiva e imutável com a qual é preciso sempre contar, assim
como os “afetos”, os “instintos”, o conceito de “mãe” etc.
Muito embora Frankl e Jung entendam a religiosidade humana e a relação do
ser humano com Deus de maneiras diferentes, ou seja, para Frankl (2004) Deus
está no eu consciente e também no eu-profundo e que Ele é base e fundamento
último da existência humana; enquanto para Jung (2011b), é um arquétipo de grande
potencial para o processo de individuação do ser humano, uma dada grandeza com
a qual se pode operar, mas que, não arrisca explicá-lo, porque entende que foge à
competência da psicologia. Contudo, ambos concordam que esse sentimento de
Deus no ser humano, terapeuticamente tem um grande poder de influenciá-lo em
seu processo de desenvolvimento psicológico e em sua saúde.
Logo, VE sente Deus em sua vida, e, esse sentimento foi considerado
arteterapeuticamente muito importante e salutar em seu processo de tratamento do
câncer de mama; aceitando de modo sereno as intervenções como a quimioterapia,
por exemplo, gerando inclusive o desejo e a vontade de eliminar a doença de seu
organismo.
Uma das categorias trabalhadas nesta pesquisa é o amor, pois a concepção
de auto-organização de Maturana (2002), concebe o amor como fonte profunda, a
qual dinamiza as interrelações macro e micro cósmicas, gerando desde uma ínfima
célula, até um complexo organismo social como o dos humanos. Essa organização
gera em todos os níveis regularidades internas, necessárias à vida. Indo mais além,
no caso VE, o amor dessa presença ignorada que ela dizia sentir, deu-lhe e lhe dá
suporte para enfrentar as intempéries desse processo de tratamento do câncer. A
124
partir desse amor divino que VE sentia, ela foi impulsionada a buscar um sentido
para superação de sua doença, e, consequentemente, sua transcendência nesse
aspecto de sua vida, concluindo, ela mesma, que dessa forma podia ser curada.
Assim, não há desenvolvimento corporal, psíquico e social sadio na
negligência do amor; não há nenhuma saúde corporal, psíquica e social
adulta no meio de conversações recorrentes que negam a auto-aceitação; e
não há nenhuma relação corporalmente, psiquicamente e socialmente sadia
no meio de conversações recorrentes que negam o amor. Isto é assim
porque nós, como seres humanos, pertencemos à história biológica
centrada na conservação do amor e do cuidado mútuo. (MATURANA, 1997,
p.320).
O câncer foi simbolizado por VE na figura mítica cristã do satanás, como um
mal na vida dela que precisava ser eliminado. Por isso acreditava na cura do câncer,
pois, para VE, Deus estava acima do poder do satanás do câncer, e, portanto,
poderia curá-la.
A cura é mais uma categoria dessa pesquisa, que reflete, não apenas o
equilíbrio bio-físico-psíquico, mas a escolha de um sentido que dê autenticidade à
existência no mundo, como um ser que “é” para a transcendência, que “faz” e
“interage” por si mesmo, de si mesmo e para si mesmo; contribuindo para uma
existência significativa individual, como parte integrante de um todo vivo.
[...] poderão resultar efeitos profiláticos ou psicoterapêuticos quando o
homem experimenta alívio psicológico ao considerar sua transcendência, ao
encontrar o sentido último da vida em Deus ou ao sentir-se ancorado no
absoluto. (FRANKL, 2004, p.9).
Logo, a vontade de sentido de VE dava a ela possibilidade de curar-se, talvez
não
necessariamente
seu
organismo
bio-fisiológico,
mas
curar-se
pela
transformação e modificação de seu estilo de vida, trazendo lhe mais qualidade de
vida e mais saúde. “Se é que ‘cura’ significa tornar sadio um doente, cura significa
transformação.” (JUNG, 2009, p. 8).
Além disso, quando VE comenta: “Me preocupo é com a graça da cura, os
filhos de Deus nunca são derrotados, mas sim o satanás do câncer. A esperança de
cura não está no médico, mas em Deus.” (sic). Ela está renunciando o câncer,
colocando-o como “mal”, atribuindo-o ao satanás, e para Frankl (LUKAS, 2002), a
capacidade de autotranscendência e autodistanciamento estão ligadas entre si e
afirma: “Esta é a relação decisiva entre a confiança e a renúncia, que simplesmente
diz que uma renúncia dotada de sentido sempre é feita a favor de algo de valor mais
125
alto, que confere valor à renúncia, mas no qual é necessário crer.” (LUKAS, 2002, p.
137-138).
Observou-se que VE nesse processo de superação da doença estava
respaldada por sua fé cristã, acreditando em sua cura e tentando não dar
importância para a mutilação que a doença lhe causou. No entanto, sentia-se
discriminada e diferente das outras mulheres, trazendo esse sentimento na figura do
patinho feio, quando foi discriminado e até julgado feio por ser diferente.
A fé é um sentimento muito importante e valioso num processo de tratamento
de câncer, que deve ser aproveitado, pois dá suporte à pessoa para encarar todas
as fases, desde o diagnóstico até o seu tratamento, contudo não subtrai o medo do
sofrimento, da morte e de outros sentimentos e percepções que advém dessa
situação, necessitando de uma atenção especializada. ”Que la percepición de sí
mismo y del mundo que lo rodea estimula a descobrir el sentido último de su
vida”.(DITTRICH, 2010a, p.83).
Por isso, a fé como fenômeno do ser humano pode auxiliá-lo na descoberta
de um sentido mais profundo para o seu existir, contribuindo para sua transformação
e nesse sentido, para sua transcendência. Segundo a teologia em Tillich (2002), a fé
que a pessoa tem na atividade diretiva de Deus transforma a situação existencial,
mesmo diante de um mal físico, por ser ele uma implicação natural da finitude da
pessoa. Dessa forma, movida por sua fé, VE se conformava com o que fosse dado
por Deus a ela, com a confiança de que Deus saberia o que seria melhor pra ela.
Com fé, sei que a vitória está marcada, agora é deixar nas mãos de Deus.
Eu disse numa conversa com Deus, quando soube da retirada de meu
peito, que não nasci com eles e que já havia amamentado muitas crianças;
meus cinco filhos, filhos de vizinhas minhas, os três filhos de uma tia, então,
se ele achasse que eu deveria tirar, amém!(sic)
Percebeu-se no processo arteterapêutico de VE que ela necessitava
compreender primeiro o porquê de ter adoecido, para depois com sua fé enfrentar a
situação, porque colocando apenas nas mãos de Deus, como afirmou acima, ela
acabava se eximindo de sua responsabilidade de mudança, que esse ciclo de
saúde-doença exigia.
No processo arteterapêutico VE pintou uma flor vermelha com miolo amarelo,
duas folhas verdes e um caule preto suspenso, sem chão, nem raízes, com pingos
azuis caindo em cima da flor.
126
Pintura 12 – Rosa
Fonte: Expressão pictórica criada por VE na primeira oficina de arteterapia.
“A flor para mim significa alegria, só Deus consegue fazer a flor, nós não! Não
conseguimos imitar nem as pétalas, o cheiro”. (sic)
Ela trouxe o significado da flor como “alegria” e quando se referiu que
somente Deus conseguia fazer uma flor, estava trazendo subliminarmente, o poder
que ela acreditava que Deus tinha – o de também curar o câncer, que para ciência
atual ainda é um desafio e uma incerteza.
Esse pensamento de cura que VE trazia, era próprio de quem conseguia pela
sua dimensão espiritual, perceber e sentir que tinha outra dimensão, além da biofisiológica e psicológica, que lhe davam suporte e força para superar a dor de um
câncer, e, até curar aquilo, que a ciência diz ser difícil de ser curável totalmente.
Todavia, a partir do momento que VE conseguiu dar um sentido profundo à doença e
compreendeu algumas causas de sua origem, que poderiam ser ressignificadas por
ela, trazendo mudanças em sua vida, isso lhe deu força para superar cada momento
do tratamento, sentindo–se mais fortalecida e mais confiante.
Ela nomeou sua pintura de “Rosa”, e, para ela a mensagem da imagem foi: “
O amor de Deus”. (sic)
127
A flor que VE pintou foi contornada pela cor azul segundo Kandinsky (1996), é
a cor da espiritualidade, do profundo, do celeste, está contida na parte exterior da
flor revestindo-a. Demonstra simbolicamente que toda essa frieza da cor azul estava
apenas na superficialidade, ou seja, que ela estava superficialmente tranquila,
acreditando que iria conseguir vencer o câncer; porém em seu interior, apesar da fé,
existiam
sentimentos
contidos
que
precisavam
ser
conscientizados
e
compreendidos, para que realmente sua fé em Deus pudesse atingir profundamente
o seu ser, ao ponto de superar o câncer. Ao pensar nessa ideia, a própria
pesquisadora se sente desafiada e vê muitas explicações na ciência, desde
limitações teórico-metodológicas, que não alcançam as representações de fé e de
cura que certamente passavam na cognição da participante.
Por outro lado arteterapeuticamente a pintura da VE com o miolo amarelo e a
flor em si, segundo Jung (2011a), são símbolos do Si-mesmo, que podem ser
representados também na figura de Cristo ou de Deus, nos quais ela comentava ter
fé. A relação de fé com uma presença ignorada de Deus é uma força de poder ser
para o enfretamento positivo da pessoa diante da dor e do sofrimento no câncer.
“Ex-sistir” quer dizer sair de si mesmo e colocar-se diante de si mesmo, de sorte que
o homem sai do nível da corporalidade psíquica e chega a si mesmo passando pelo
âmbito do espiritual. (FRANKL, 1995, p.63).
Assim como o miolo para a flor é o centro luminoso, o arquétipo do Si-mesmo
para psique humana é o seu centro organizador.
[...] a experiência psicológica mostra que os símbolos do si-mesmo
aparecem nos sonhos e na imaginação ativa, nos momento de colisões
mais violentas de pontos de vistas opostos, como tentativa de compensação
para intermediar no conflito e para ‘de inimigos fazer amigos’, como se
exprime o alquimista, (JUNG, 1985a, p. 118).
Portanto, o si-mesmo atinge seu objetivo também pela fé da pessoa, dandolhe mais equilíbrio, quando está em desequilíbrio por perdas, doenças graves, enfim,
em todas as situações de desequilíbrio que a vida lhe apresenta.
As pétalas da flor são no número de seis que, segundo Chevalier e
Gheerbrant (2007), designa a oposição da criatura ao Criador, não necessariamente
de contradição, mas no sentido de distinção, marcando também a criatura em
direção à união com Deus.
128
Cabe assinalar que VE falava de Deus fora, ou seja, extrinsecamente,
buscando essa união intrínseca, com seu deus interior ou o si-mesmo. Além desses
significados, o seis numera para os cristãos os seis dias da criação do mundo, o
número mediador entre o princípio de tudo e sua manifestação; mas também marca
o número da Besta do apocalipse, retratando o bem e o mal, ou seja, exprimindo a
conjunção de dois opostos.
Ainda retratando os opostos o cabo da rosa é criado por VE com o preto, para
Kandinsky (1996, p. 96): “O preto é como uma fogueira extinta, consumida, que
deixou de arder, imóvel e insensível como um cadáver sobre o qual tudo resvala e
que mais nada afeta”. Justamente o que ocorre com a planta quando arrancada de
sua raiz, que é o caso da rosa de VE com seu caule preto, insensível e apodrecendo
a flor.
Com o caule desconexo de sua raiz a flor não recebia a seiva e a nutrição
para se manter viva. Apesar do orvalho ou chuva representado por VE naquelas
gotículas, que estão caindo em cima da flor, ela não conseguia manter-se viva, pois
estava arrancada das raízes que lhe sustentava.
A flor pintada por ela não tinha chão, estava solta, sem raízes. O orvalho
segundo Santos (2012), é na cabala, oriundo da árvore da vida, a água dos céus
que contém o magnetismo cósmico, o qual é necessário para dar vida à matéria,
porque é o fecundador do solo, e ,consequentemente, da vida vegetal. Contudo, o
negro, ao mesmo tempo, que é escuridão e morte pelo escurecimento da luz,
segundo Estés (1994, p. 133): “O negro é uma promessa de que você logo irá saber
algo que antes não sabia”.
Logo, ao mesmo tempo em que a flor estava sendo molhada por um orvalho
que vinha de cima, não conseguia se alimentar dele, porque não estava ligada à
terra e suas raízes. Manifestando-se nessa simbologia os opostos: vida-morte,
nutrição-desnutrição, céu-terra, saúde-doença, medo-fé. Algo natural para qualquer
ser humano que está passando por uma doença grave como o câncer.
Aliás, o preto do caule poderia simbolizar o câncer e a flor vermelha a fé de
VE. Uma luta que começava a se desenrolar em seu ser e em sua vida.
As pétalas foram pintadas na cor vermelha e a flor ela nomeou de rosa. A rosa
vermelha segundo Jung (2003), é também um símbolo cristão, o qual representa a
taça que recolhe o sangue de Cristo e a transfiguração desse sangue, o signo das
chagas de Cristo. Ainda no domínio religioso, a rosa comparece nas alegorias de
129
Maria. O vermelho-claro segundo Kandinsky (1996, p. 97): “[...] tem uma analogia
com o amarelo médio (enquanto pigmento, ele contém uma dose apreciável de
amarelo). Força, impetuosidade, energia, decisão, alegria, triunfo: ele evoca tudo
isso”.
Esses significados simbólicos cristãos foram de extrema importância para a
compreensão do caso VE, por ela ser ministra da eucaristia, integrante ativa do
movimento católico cristão. Com efeito, no decorrer de seu processo arteterapêutico
ficou mais nítido os significados de toda essa simbologia cristã materializada em
suas pinturas e em suas falas.
Passaram-se duas oficinas até que VE compareceu na quarta oficina de
arteterapia, na qual se trabalhou o conto de “Vasalisa” (ESTÉS, 1994, p. 100).
Nas reflexões sobre esse conto, depois da outra participante comparar as
relações atuais com as do passado VE comentou:
Hoje não se tem mais aquela ajuda; eu dei de mama até para o filho de uma
vizinha e hoje tem mulheres que não dão nem para o próprio filho. Eu venho
de um vilarejo, do interior do Paraná, em que as pessoas se ajudavam.
Quando morria alguém, se era mulher, as mulheres davam banho, vestiam
a defunta; se era homem, a mesma coisa, os homens é que davam o banho
no defunto, botavam a roupa. Meu pai fazia o cachão, forrava mais colorido
para as mulheres e mais escuro para os homens. Era tudo partilhado, os
vizinhos passavam a noite com o doente e depois com a família quando o
doente morria, a gente se ajudava, me criei assim. (sic)
Ela trouxe nessa fala, de uma forma ainda sutil, seu sentimento de indignação
com
as
relações
atuais,
pela
falta
de
união,
compreensão,
doação
e
companheirismo que ela sentia, principalmente, porque estava passando por um
momento difícil que era o câncer, o qual a remeteu a sentimentos e pensamentos
sobre a vida e a morte.
Vasalisa, a personagem da história trabalhada, conseguiu vencer todos os
desafios e cumprir seu objetivo, que era trazer o fogo da bruxa da floresta para casa.
VE fez uma analogia desse fogo que Vasalisa trazia com a fé, afirmando que: “Com
a fé a gente tem a sabedoria e a esperança para aceitar e lutar contra a doença.”
(sic)
O fogo nessa história segundo Estés (1994), é o conhecimento criativo, que
para VE se manifestava em sua fé, dando-lhe poder de sabedoria e esperança, para
lutar contra a doença.
130
Quando VE foi questionada o sobre o sentido da doença em sua vida, disse:
“Só Deus sabe o porquê da minha doença.” (sic)
Nessa sua fala ainda demonstrava sua passividade, quanto à busca da
compreensão de seu adoecimento, importante para seu processo de superação e
para a transformação de suas atitudes diante da vida, para uma vida mais saudável.
Vida aqui num sentido mais profundo de integralidade entre o bio-psico-espiritual e o
meio em que vivia e se relacionava.
Quando a outra participante falou sobre as questões que a levaram a
desenvolver o câncer de mama, VE demonstrou que, muito embora não saiba a
origem emocional de sua doença, estava à procura desse significado, o que foi muito
importante, e, uma evolução em seu processo arteterapêutico. Segue abaixo o
comentário de VE:
Mas cada passo em seu tempo, você já fez esse processo de entender o
porquê da doença, eu ainda não sei e nem parei para pensar. A boneca é
como se fosse minha vida quando eu dormia era Deus que fazia minhas
tarefas e me dava forças para suportar, porque eu peço em nome de Jesus
e renuncio na fé essa doença, ela não é minha, eu não aceito, não quero!
Então consigo direcionar meu caminho apesar das dificuldades. É um
caminho de muitas descobertas, vejo o próprio Deus na minha vida, a
boneca é Deus, aquele que faz o nosso trabalho. Foi uma maldade o que a
madrasta fez com Vasalisa, mas no final foi bom, porque ela conseguiu a
luz. Assim somos nós com essa tarefa que Deus colocou no nosso
caminho. (sic)
VE durante esse desabafo teve consciência de que precisava entender o
porquê do câncer em sua vida, mas já reconheceu que o câncer poderia ser uma luz
para que visse a sua própria vida com sentidos mais profundos.
No decorrer das discussões e reflexões sobre o conto, VE confessou seus
pensamentos de revolta quando da notícia da doença, uma dualidade de
pensamentos e sentimentos que se manifestavam simbolicamente em sua primeira
expressão pictórica e que aqui ficava materializada e/ou manifestada em sua fala:
Não posso questionar Deus, cheguei muitas vezes a pensar, porque essa
doença não acontece com uma velhinha, por exemplo, e, sim, comigo, que
preciso trabalhar e ainda sou nova. Mas o Espírito Santo me ajuda, pois não
posso questionar os desígnios de Deus, não posso questionar e sigo a vida.
(sic).
Segundo Gaarder; Hellern e Notaker (2001, p. 173): “O Espírito Santo é o
Espírito de Deus. No primeiro capítulo da Bíblia, o Espírito de Deus é descrito como
força criativa e doadora de vida.” Logo, para VE que tinha fé nessa crença, sentia
131
esse auxílio interno, que lhe incitava a continuar lutando pela sua saúde. Para a
psicologia analítica de Jung (2011a), esse auxílio interno seria proveniente do simesmo, que se manifestava por meio da linguagem criativa e simbólica para auxiliála nessa tensão dos opostos a que estava passando: entre a vida e a morte, entre
Deus e o satanás, entre a saúde e o câncer e etc.
Frankl (1995), corrobora com a ideia de que esse paradoxo que VE estava
vivenciando, remetia-a a sua ‘responsabilidade para com a descoberta de sentido’,
fazendo com que se sentisse amparada e pronta para continuar lutando por sua
saúde e por melhor qualidade de vida.
Quando VE se perguntava “porque eu?” estava intuitivamente, pautada por
sua dimensão espiritual mais profunda, na busca de conscientizar a motivação de
seu adoecimento; esse questionamento lançou seu olhar para sua vida e para si
mesma, sua percepção e compreensão se voltaram a encontrar um sentido para
aquilo que lhe afligia.
Entretanto, percebeu-se que essa manifestação de auxílio divino, que veio
depois de seu questionamento sobre a doença, desencadeou de certa forma, um
conformismo nela, esperando que tudo viesse dos céus, ou seja, que o divino é
quem sabia, e, que ela deveria apenas aceitar essa situação sem questionar.
Todavia, com as orientações e vivências arteterapêuticas VE conseguiu
cogitar a possibilidade e a necessidade de compreender a motivação de sua doença.
A pesquisadora afirmou que questionar até se podia, o que não adiantaria era
se revoltar, mas ao contrário, tentar encontrar uma resposta sobre o sentido do
sofrimento, ou seja, o sentido da doença para ela e para a vida dela. VE respondeu:
“Quem sabe ainda vou saber o motivo de ter essa doença, quem sabe é
também esse o motivo, trabalhar tanto e pensar tão pouco em mim.” (sic)
Por isso o processo arteterapêutico consegue atingir o “profundo” no ser
humano, ou seja, sua dimensão espiritual, porque possibilita reflexões sobre suas
crenças e valores, sem dar respostas, mas apenas fazendo as perguntas certas,
auxiliando a abertura da consciência para um sentido que leva á compreensão dos
opostos, dos desequilíbrios, dos sofrimentos humanos.
Nessa fala acima VE atingiu um dos objetivos de seu processo terapêutico
que era trazer à consciência os motivos que a levaram a adoecer e poder modificar
sua vida e seu ser, em prol de sua saúde, felicidade e do seu sentido de viver.
“Quando já não somos capazes de mudar uma situação – podemos pensar numa
132
doença incurável, como um câncer que não se pode mais operar – somos
desafiados a mudar a nós próprios”. (FRANKL, 2006, p. 101). Confirmando essa
argumentação VE disse ainda: “Eu tenho uma vida muito agitada, trabalho muito,
para os meus filhos, dou atenção para o meu marido, sou ministra da eucaristia,
tenho um trabalho na minha igreja, visito os doentes, levo uma palavra de consolo e
a eucaristia.” (sic)
A pesquisadora perguntou a VE o que costumava fazer que lhe dava prazer,
e, em que momentos da vida cotidiana, ela reservava para refletir sobre si mesma.
VE respondeu dizendo: “É quando faço minhas orações sozinha na igreja,
entregando para Deus tudo que me incomoda.” (sic)
VE ainda não se apropriou da “responsabilidade” desse processo, colocando
tudo na mão de Deus e em sua fé. Não conseguia um tempo para si mesma, e ainda
não descobriu o ‘sentido’ da doença em sua vida, o que no decorrer do processo
arteterapêutico foi se revelando.
A pesquisadora no intuito de fazer VE refletir um pouco mais sobre Deus e
sua fé, pois o Divino em suas falas, sempre apareceu como algo fora, um Deus
antropomórfico, perguntou a ela: “o que era Deus”? Respondeu VE: “É como um
professor que prepara a gente para a prova, quando te dá a prova, ele fica só te
observando, porque te deu o tempo do aprendizado. Não adianta a criatura reclamar
contra o criador!” (sic)
Nesse diálogo, a pesquisadora pediu que VE pensasse profundamente, sobre
“que prova Deus a havia preparado, qual era o sentido para a vida dela, ter que
passar pela mastectomia e por todo esse tratamento do câncer”. Sugeriu até que
durante as suas orações, com uma oração que viesse do fundo de sua alma,
pedisse uma luz sobre essas questões.
Nesse momento VE começou a chorar e durante o seu choro foi acolhida pela
pesquisadora com um carinho em suas costas. Depois de cessado o choro, VE ficou
quieta, demonstrando uma reflexão profunda sobre o que havia sido solicitado a ela.
VE disse: “O passado acabou ali agora é uma nova vida.” (sic)
Com essa afirmação de VE percebeu-se que durante as reflexões, ela teve
uma abertura de consciência para um novo sentido em sua vida. Isso foi se
confirmando à medida que ela foi experienciando e vivenciando o processo
arteterapêutico.
133
Depois de se emocionar também comentou o seguinte: “O câncer é o
encontro com a verdade que incomoda.” (sic)
Nessa fala VE já conseguiu o fogo da sabedoria criativa que o conto de
Vasalisa trouxe, percebendo que algumas atitudes em sua vida deveriam ser
sacrificadas, em favor de sua própria vida. Como por exemplo: respeitar o seu ritmo,
pensar um pouco mais em si mesma, servindo não somente aos outros, mas a si
mesma, com um tempo para relaxar e fazer o que lhe dava prazer e alegria, pois a
vida não se resumia apenas em trabalhar!
Entretanto, no espiritual, em que seus portadores são a criatividade, a
intuição, a autenticidade e a coragem – a individualidade está pronta para
escolher, apesar da doença ou mesmo a partir da doença, uma forma
pessoal de organização da vida. (LUKAS, 1989, p. 50).
A mensagem que deixou para si mesma sobre o conto foi: “Acordar todo dia já
é um milagre.” (sic)
VE esboçou preocupação por não saber pintar, e, novamente foi acolhida, no
sentido de que não se preocupasse com a beleza estética, porque o objetivo não era
a beleza, e sim, que a pintura fluísse sem racionalizações, e, com espontaneidade
escolhesse as cores, as formas e texturas de sua pintura.
Após essa orientação da pesquisadora VE mostrou-se tranquila e muito
concentradamente iniciou sua criação pictórica, por uma bola preta no alto e no
canto esquerdo da folha lentamente; depois começou no canto direito uma bola
amarela circulada com a cor branca lentamente. Ficou calada enquanto pintava,
colocou em seguida uma base verde na parte inferior da folha representando o chão,
fez os caules verdes das flores.
134
Pintura 13 – Esperança em Deus
Fonte: Expressão pictórica criada por VE na quarta oficina de arteterapia
VE ao significar sua expressão pictórica disse:
Coloquei o verde porque é esperança, mas coloquei uma nuvem escura
menor, porque a nuvem como o câncer é passageira, e, o sol está por trás
do preto, que é luz, esperança; assim como o verde das flores. O sol é o
Deus maior, é a luz de Deus, a nuvem é a doença que vai passar, a
mensagem é que não devemos perder a esperança, a fé e falar de coisas
boas e não das ruins. Estou cansada, mas vejo as coisas boas. A nuvem é
passageira e o sol dissipa a nuvem. A mensagem é “esperar em Deus.
Ver o amor de Deus, o amarelo é a luz do espírito santo, o vermelho é o
amor de Deus e o branco a paz que está a motivar a gente diante da
dificuldade. Muitas vezes valorizamos a vida quando estamos prestes a
perder. (sic)
VE com essa afirmação demonstrou estar refletindo o sentido de sua vida e
da doença em sua vida.
As significações trazidas por ela sobre as cores e símbolos da sua pintura
foram coerentes com a simbologia coletiva dos mesmos, porém quando falou:
Coloquei uma nuvem escura menor, porque a nuvem como o câncer é
passageira, e, o sol está por trás do preto, que é luz, esperança; assim
como o verde das flores. O sol é o Deus maior, é a luz de Deus, a nuvem é
a doença que vai passar. (sic)
“A nuvem escura” o círculo negro que para VE representava o câncer, não era
pequeno e tinha o mesmo tamanho do sol, que ela significava como Deus.
Novamente se manifestando os opostos: o mal-bem, a morte-vida, num mesmo
patamar e tamanho.
Segundo Jung (2011a), o sol era considerado “deus” para
135
muitos povos antigos, e, o sol negro é o sol na trajetória de saturno, é a antítese do
sol do meio-dia, o prenúncio de sofrimento. Considera-se então que na mesma
proporção em que pintava o sol (Deus) pintava a “nuvem negra” (sol negro =
sofrimento) que ela significou como sendo o câncer, que na simbologia coletiva, era
o seu sofrimento.
Aparece também o número sete representado nas flores. O sete é um número
considerado universal, porque está contido nas sete notas musicais, nos dias da
semana, nos sete pecados capitais, nos sete planetas; os períodos lunares são de
sete dias, quando Jesus falou do perdão disse que deveria o homem perdoar
setenta vezes sete; sete também são as cores do arco-íris, enfim, muitos outros
aspectos da relação homem-natureza e das simbologias religiosas, tem o número
sete. Para Chevalier e Gheerbrant (2007), o número sete também indica o sentido
de uma mudança, depois de um ciclo concluído, e, de uma renovação positiva; essa
simbologia veio antever um processo de evolução que VE estava vivenciando.
O chão apresentava-se verde, ou seja, o fluxo da vida estava fluindo. Seu
inconsciente e consciente estavam travando uma espécie de batalha, que tornou VE
vitoriosa, pois resultou em crescimento como ser humano e mulher, encontrando um
sentido profundo para seu viver.
Na quinta oficina de arteterapia foi trabalhado o conto “A mulher esqueleto”
(ESTÉS, 1994, p. 168). Após a contação da história foi aberto espaço para que VE
pudesse colocar suas ideias e sentimentos, assim como as partes do conto que
retratavam um pouco de si e de sua vida.
VE disse:
Eu entendi que ele teve muito medo do esqueleto, porque vinha atrás dele,
quando pensou estar salvo no iglu, ele viu que ela ainda estava ali, o medo
e a ansiedade acompanhou ele e quando enfrentou o medo e encarou a
mulher esqueleto ela se transformou numa bela mulher. Ele corria e na
verdade ele é quem estava arrastando ela, a gente tem que fazer a moda
dele ou dela, e, enfrentar a vida. (sic)
No conto depois do pescador desenredar a mulher esqueleto dentro de seu
iglu, ele dormiu um sono profundo e caiu uma lágrima em cada lado de seu rosto. A
mulher esqueleto bebeu sua lágrima e saciou sua sede. Quando VE foi questionada
sobre o significado da lágrima, ela chorou e depois de alguns minutos de silêncio
disse:
136
A gente tem altos e baixos, é difícil! A vida inteira a gente tem as lágrimas,
são coisas difíceis, mas não impossíveis de serem resolvidas e enfrentadas.
A gente deve cantar a vida, porque assim a mulher esqueleto reviveu,
criando carne em seu corpo e virando uma mulher. (sic)
Importante perceber que nesse momento VE conseguiu refletir um pouco
mais profundamente sobre seu processo de saúde-doença, demonstrando sua dor,
mas também sua responsabilidade, dizendo que a doença podia ser enfrentada, sem
colocar tudo “nas mãos de Deus”, como sempre afirmava nas oficinas anteriores em
que participou.
Ela admitiu sua dificuldade em deixar que outras pessoas lhe cuidassem,
estava acostumada a cuidar das pessoas, mas não a cuidar de si mesma,
trabalhando e provendo o que as pessoas precisavam, sem pensar em seu bemestar. Segue o que ela comentou a esse respeito: “Você tenta o máximo não exigir
dos outros para não incomodar, já cuidei de muita gente, mas tenho dificuldade de
ser cuidada.” (sic)
VE falou de sua vida cotidiana e reconheceu que as pessoas queriam ajudala, mas ela mesma não aceitava e acabava se sobrecarregando: “Recebo ajuda,
mas continuo fazendo tudo!” (sic)
Diante disto, a pesquisadora falou para VE, que ela se imaginasse na
seguinte situação: “Deus esperava que ela realizasse uma missão em sua vida, mas
por não se cuidar suficientemente adoeceu gravemente. Ele lhe daria uma última
chance, o que faria? Preocupar-se-ia mais com as pequenas coisas do dia-a-dia,
limpeza de casa e etc.?” (sic)
VE respondeu: “Cuidaria mais de mim e de minha saúde.” (sic)
A pesquisadora olhou profundamente nos olhos de VE e comentou: Mas, não
terás essa segunda chance! O que achas VE?(sic)
Ela demonstrou surpresa, tomou um impacto e respondeu:
“É mesmo! Vou me cuidar!” (sic)
A pesquisadora falou do ciclo da vida-morte-vida, que era preciso a morte,
para que houvesse o renascimento.
VE concordou e disse:
“Nós queremos continuar a ter o mesmo ritmo, mas precisamos modifica-lo
para nos cuidarmos.” (sic)
Com essa fala VE mostrou o quanto já evoluiu, desejando transformar sua
vida para melhor! Responsabilizando-se por sua mudança e não somente esperando
137
que Deus a fizesse por ela, e, questionando as relações em que ela se doava
demais, e que quase não tinha retorno.
A gente acaba se contaminando com os problemas dos outros, por
exemplo, minha cunhada me envolve em problemas que eu não posso
resolver. Tenho pena dela, mas também tenho meus problemas. Não quero
cortar a amizade! Tomamos um chimarrão juntas todos os dias no final da
tarde. (sic)
A pesquisadora orientou que VE combinasse com sua cunhada que, quando
se encontrassem para tomar chimarrão, só falassem de coisas boas, alegres.
Porque nem VE e nem sua cunhada poderiam sofrer ou resolver o problema ou o
sofrimento, que cada uma estava passando no momento. Também em outras
situações fizesse com que as pessoas começassem a respeitar essa fase que ela
estava vivendo, a qual exigia muitos cuidados.
VE concordou e achou uma boa saída para não precisar deixar a amizade da
cunhada e concluiu com o que aconteceu no conto: o pescador em vez de um peixe,
prendeu em sua linha a mulher esqueleto, dormiu e depois que acordou viu que
desenredou uma linda mulher de carne e osso. Assim como o pescador do conto, o
câncer para VE era algo que passaria: “O pescador esperava um peixe grande e no
fim veio a mulher esqueleto. Assim como na história, eu vejo que o sono refaz a
nossa vida, é a esperança de um novo dia.” (sic)
Com o encerramento do diálogo, cada participante foi convidada a escolher
uma cor do lenço que lhe trouxesse naquele momento vida, saúde e amor e VE
escolheu o vermelho e significou-o dizendo: “Representa pra mim o sangue de Jesus
e ele tem o poder da cura, a cura veio pelas chagas de seu sangue.” (sic)
Iniciou-se o processo criativo pictórico da quinta oficina de arteterapia, porém
sempre relembrando VE de que deveria deixar fluir espontaneamente, sem ficar
censurando ou racionalizando o processo de criação pictórica. VE no início
demonstrou grande preocupação com a estética do trabalho, dizendo que não sabia
pintar direito.
Durante a pintura contou sobre seu tratamento, que iria iniciar a quimioterapia
e o médico havia prescrito 4 sessões da vermelha e 12 da branca, que eram as
cores de sua fé e disse: “O vermelho que representa o sangue de Jesus e tem o
poder da cura de todos os males, pois foi o sangue do sacrifício por todos nós, e, o
branco foi a luz que irradiou do coração de Jesus quando não havia mais uma só
gota de sangue”. (sic)
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A pesquisadora afirmou que era importante ir entusiasmada para a
quimioterapia, com pensamento positivo, e que durante a sessão fosse imaginando
o líquido como algo divino, curando as células do corpo, ficando em oração naquele
momento; se utilizando de sua fé e crença para auxiliá-la no tratamento, o que
poderia favorecer a sua saúde e até a cura do câncer.
Nessa oficina de arteterapia ela pintou uma árvore verde toda pintada e
contornada de preto, e, o centro do tronco também fez de preto, assim como a sua
raiz; os frutos da árvore também eram pretos, e, ao lado da árvore pintou mais duas
flores vermelhas com caules pretos; o chão era pintado na superfície de verde e na
parte mais profunda de preto. No alto da copa da árvore aparecia uma serpente
negra e por fora outra serpente verde.
Pintura 14 – Cuidar da Natureza
Fonte: Expressão pictórica criada por VE na quinta oficina de arteterapia.
Serpente negra
Serpente verde
A imagem de uma forma geral tem o jardim representado nas flores e a árvore
da vida com frutos e a serpente, uma simbologia cristã da origem da vida.
Entretanto, é uma imagem que representa a sombra desse mito cristão, pois
os frutos da árvore são negros, ou seja, apodrecidos. A árvore por fora é verde, mas
por dentro é negra, assim como as duas cobras, uma verde e outra negra. O próprio
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jardim também representa os opostos, porque tem flores vermelhas, mas seus
caules são negros; assim como o chão na superfície é verde e o solo mais profundo
é negro.
Novamente manifestava-se nessa imagem pintada por VE a dualidade da vida
e da morte, e, nesse caso, a árvore em seu interior estava morrendo, pois suas
raízes e frutos estavam secos e apodrecidos, apesar de sua estrutura externa estar
verde. A alegria do jardim como paraíso era superficial, pois estavam morrendo as
raízes e os caules das flores. Segue abaixo o que VE falou sobre sua criação
pictórica:
A árvore significa que devemos cuidar da natureza, o verde é esperança,
mas no decorrer da vida aparecem as sombras (preto) que passam, porém
a esperança tem que ser maior para a graça de Deus aflorar. A flor é o amor
de Deus e o vermelho é o sangue de Jesus jorrado na cruz. Nome da
criação é “Cuidar da natureza”. Deus criou o mundo e não definiu nenhum
pedaço, esse é teu e aquele é teu, e, o que sofremos é a desobediência por
não nos cuidarmos e não cuidar da natureza. Meu trabalho mostra a árvore
que significa “vida”. (sic)
Nessa sua fala acima e durante as discussões dos contos de fadas, ela
referiu-se à desobediência por diversas vezes, e, no mito cristão da criação aparece
a “desobediência” do homem e da mulher em relação a Deus, atendendo à sedução
da serpente e comendo o fruto proibido da árvore da vida; nesse caso, a árvore que
representava o corpo de VE, em todos os seus aspectos tridimensionais, não foi
devidamente cuidado, e, portanto seus frutos pereceram, ou seja, a saúde e a vida
foram abaladas por essa doença grave, o câncer de mama.
A “sedução da serpente” que teve como consequência a desobediência,
nesse caso foi a falta de cuidado consigo mesma, não permitindo que as pessoas
também lhe cuidassem e apenas ela assumindo esse papel de cuidadora; querendo
ser autossuficiente em tudo, não dando espaço para que seus familiares pudessem
assumir cada qual o seu papel responsável de colaborar e cuidar dela em alguns
momentos. Segue algumas falas de VE no decorrer do processo arteterapêutico que
vem corroborar com o que foi dito acima:
“Você tenta o máximo não exigir dos outros para não incomodar, já cuidei de
muita gente, mas tenho dificuldade de ser cuidada.” (sic) “Recebo ajuda, mas
continuo fazendo tudo!” (sic)“A gente acaba se contaminando com os problemas dos
outros, por exemplo, minha cunhada me envolve em problemas que eu não posso
140
resolver. Tenho pena dela, mas também tenho meus problemas. Não quero cortar a
amizade! (sic)
Nas reflexões durante seu processo arteterapêutico, VE conseguiu perceber a
origem emocional-espiritual de sua doença no seu físico e a necessidade de
mudança. Todavia, essa mudança dependia da desconstrução de valores sócioculturais importantes em sua vida, principalmente, em relação ao seu papel de
mulher na família, na religião e na sociedade. Romper com costumes, hábitos e
valores, era romper com as certezas e verdades vividas por ela, há mais de
cinquenta anos de vida, de aprendizado e de experiências.
A mesma imagem invertida apresenta a simbologia da crucificação de Cristo,
outro momento simbólico importante do mito cristão. Segundo o cristianismo, o
sacrifício de Cristo na cruz salvou o pecado dos homens, contraído no mito de Adão
e Eva, quando decidiram comer o fruto da árvore da vida. Logo, o tema mitológico
da imagem inicial em sua posição que foi pintada por VE, representava a origem da
vida, e, a segunda a morte para a transcendência na figura do sacrifício de Cristo
pela humanidade, que o levou à ressurreição. Cristo segundo Jung (1977), é o
símbolo do si-mesmo, consequentemente foi pela fé de VE, que o seu processo de
transcendência recebeu contribuições para desenvolver-se.
VE trouxe muitas falas que faziam referência ao sangue de Cristo derramado
na cruz, e, que esse sangue tinha poder de cura. Segue algumas afirmações de VE
sobre esse assunto.
Aqui quando significou o vermelho da sua pintura e do lenço que escolheu
para dançar: “O vermelho é o sangue de Jesus jorrado na cruz”.(sic)
Ela estava falando sobre as cores da quimioterapia a vermelha e a branca
prescritas pelo seu médico: “O vermelho que representa o sangue de Jesus e tem o
poder da cura de todos os males, pois foi o sangue do sacrifício por todos nós, e, o
branco foi a luz que irradiou do coração de Jesus quando não havia mais uma só
gota de sangue”. (sic)
Por isso, em um processo terapêutico, ou seja, de saúde-doença é
imprescindível o princípio de integralidade, cujo ser humano deve ser considerado
em sua totalidade, como também em sua tridimensionalidade que o integram, sua
corporeidade
física-emocional-espiritual,
a
qual
se
manifesta
no
mundo
(sociocultural), construindo suas experiências e sua própria vida. Portanto, era
fundamental no processo terapêutico de VE considerar a sua fé e utilizá-la em prol
141
de sua saúde integral, que deve ser o objetivo e meta de qualquer processo
terapêutico.
Segue abaixo a imagem invertida que contém o símbolo cristão da
crucificação:
Pintura 15 - Invertida
Fonte: Expressão pictórica invertida criada por VE na quinta oficina de arteterapia.
Imagem simbólica de Cristo na cruz
Ela estava num processo reflexivo-crítico e criativo de seu ser e de sua vida,
de tensão entre seus opostos: vida e morte, doença e cura, entre o que deveria ser
feito em seu papel feminino e a culpa de romper com essa função somente
provedora e cuidadora, para se tornar uma mulher que cuidava, mas que se permitia
ser cuidada, que amava os outros, mas precisava ser amada, que dava prazer, mas
que necessitava senti-lo e usufrui-lo também.
A percepção de VE sobre as práticas arteterapêuticas no cuidado à sua
saúde, teve a seguinte resposta: “Muitas coisas não temos com quem conversar,
aqui encontramos a acolhida e a harmonia para contar o que sentimos, o câncer é
um caminho longo, mas a gente crê na cura. Quando estamos passando por isso é
importante essa acolhida.” (sic)
Logo, no caso VE as práticas arteterapêuticas possibilitaram a ela, dentro
desse ciclo difícil de tratamento do câncer, um momento de cuidado e de acolhida
142
terapêutica, além de fazê-la refletir sobre sua fé, seus hábitos, suas relações
consigo mesma e com os outros, desenvolvendo sua criatividade feminina em prol
de sua saúde e de sua qualidade de vida.
VE não participou da sexta oficina em função de sua quiomioterapia ter sido
feita na véspera da mesma, porém compareceu na sétima oficina de arteterapia em
que foi trabalhado o conto do “Barba Azul” (ESTÉS, 1994, p. 58), numa das práticas
com o conto VE entrevistou o personagem Barba Azul, denominado abaixo de “BA”,
que era representado pela pesquisadora, a fim de provocar algumas reflexões
necessárias para o desenvolvimento das mulheres participantes, fazendo diversas
perguntas a ele. Segue o diálogo entre o personagem e VE:
VE: “O que é o porão?” (sic)
BA: “O lugar que ficam as mulheres curiosas e desobedientes!” (sic)
O porão no conto do Barba Azul era o lugar onde ele guardava o seu segredo,
os corpos das esposas que ele matava. Para Estés (1994), o porão nesse caso, tem
um sentido simbólico de inconsciente, aquilo que está escondido, que guarda
segredo, mas que ao ser descoberto tornar-se-á simbolicamente o ponto de
iniciação, em que a mulher descia desrespeitando tabus e etc., para descobrir a
verdade, e, com sua inteligência e/ou sofrimento, saiu vitoriosa da influência desse
arquétipo devorador e assassino da intuição, criatividade, dos sonhos e desejos
femininos. No caso de VE, a curiosidade sobre o porão, denotava a sua busca a
respeito das verdades da sua vida, que precisavam ser integradas para transformarse numa nova mulher, com uma nova vida, mais saudável.
Neste diálogo abaixo VE ainda estava entrevistando Barba Azul, mas ao ser
questionada por ele na dinâmica, sobre sua curiosidade, traição e desobediência em
abrir a porta do porão, que era proibida, fugiu da resposta, e, mudou completamente
o assunto. Segue abaixo o respectivo diálogo em que a sigla BA é o Barba Azul
(interpretado pela pesquisadora) e VE o caso que está sendo discutido:
VE: “Por que ali corria sangue?” (sic)
BA: “Foi a escolha dessas mulheres traidoras, por causa delas o porão corria
sangue!” (sic)
VE: “Você me traiu, eu descobri tudo!” (sic)
BA: “O que é traição? Você me traiu quando me desobedeceu mexendo
naquela chave!” (sic)
143
VE: “Por que você é tão pesado que soltava fagulhas do piso quando
andava?” (sic)
Nessa pergunta acima em negrito percebe-se a fuga de VE em responder a
pergunta que lhe foi feita sobre sua desobediência. Esse receio em encarar a
“desobediência”, mostrou ainda sua dificuldade em romper com seu papel feminino
de doar-se sem limites, pois ainda se sentia culpada em fazer esse rompimento.
Depois VE insistiu em ser perdoada por sua desobediência:
VE: “Por que você não perdoa?” (sic)
BA: “Porque essas mulheres são traidoras!” (sic)
VE: “Mas você sabe, cada um de nós tem direito de perdão. Jesus disse que
devemos perdoar sete vezes sete!” (sic)
BA: “Nem acredito nesse teu Deus aí!” (sic)
VE: “Mas ele foi quem mandou meus irmãos me salvar!” (sic)
VE agora entrevistando a esposa de Barba Azul que era interpretada pela
outra participante trouxe novamente a sua preocupação, quanto à desobediência
feminina: “Você foi desobediente desde que o conheceu e suas irmãs alertaram que
ele não era um homem bom! Você chegou ao cume da montanha com sua
desobediência quando abriu o porão!” (sic)
A outra participante comentou que a voz interior de intuição era o que mais lhe
chamava a atenção no conto, e a pesquisadora afirmou que, por isso se deveria
conversar com essa voz interior, utilizando a intuição feminina da mulher selvagem,
aquela sábia que todas as mulheres têm dentro de si mesmas. VE concordou e
disse:
A mulher pode ser considerada mais frágil que o homem, mas é o pilar na
casa, sustenta as pessoas da família, porque tem essa força. A minha vida
toda trabalhei fora e também em casa e todos recorrem a mim quando
precisam, mas somos fortes porque Aquele que está em nós nos fortalece.
(sic)
Quando falou acima “Aquele” estava se referindo a Deus.
A pesquisadora falou para VE que apesar dessa força feminina, a mulher
também era um ser humano, e, como tal, tinha suas fragilidades. E perguntou a VE
quando se sentia fragilizada quem a ajudava. VE respondeu:
“As pessoas, os vizinhos, uma palavra de uma amiga, mas no fim é a nossa
família que nos ampara.” (sic)
144
A pesquisadora perguntou a VE como era para ela “deixar-se” ser cuidada
pelos outros. Segue sua resposta: “Deixar ser ajudada, reconhecer que precisa é
difícil!” (sic)
Nesse comentário abaixo, após a outra participante contar como foi difícil sua
experiência de ser cuidada depois da cirurgia de mastectomia, VE contou como foi a
sua experiência nessa mesma situação:
“Eu também, no início você passa fome, quer escapar, mas depois você tem
que aceitar. Não somos nada! Às vezes a gente tem que deixar o orgulho e ir em
frente!” (sic)
Segue também seu comentário em que comparou a fragilidade no homem e
na mulher de uma forma geral: “Mesmo mais fracas, somos mais fortes que os
homens, o homem se tivesse um filho, com certeza tirava a vida para não sentir a
dor do parto do segundo filho. Um machucado no dedo já reclama!” (sic)
E continuou falando:
A mulher pode ser considerada mais frágil que o homem, mas é o pilar na
casa, sustenta as pessoas da família, porque tem essa força. A minha vida
toda trabalhei fora e também em casa e todos recorrem a mim quando
precisam, mas somos fortes porque Aquele que está em nós nos fortalece.
(sic)
Quando foi perguntado a VE sobre o sentido do “sangue” derramado no conto
do Barba Azul ela respondeu:
Eu penso que é a lembrança que não se apaga, que teve que ser
derramado, não podemos colocar na porta de ninguém, porque ele é nosso!
Deixou marca, mas o sentido é de vitória, porque no final a esposa do Barba
Azul viu alguém muito poderoso ser derrotado, o mal foi derrotado pela
unidade dos irmãos. Esse alguém que derrota o mal é Deus, aquele que
vem nos quinze minutos de desespero. (sic)
VE se referiu simbolicamente ao sangue, como o câncer que deixou marca, e,
que ela tinha que encarar, mas que em sua fé em Deus, buscava respaldo para esse
momento de dor e sofrimento em sua vida.
A mensagem do conto para VE foi os quinze minutos que Barba Azul deu à
sua esposa, para se preparar para a morte, e, foi justamente nesses quinze minutos,
que chegaram os irmãos dela e lhe salvaram do assassinato. Segue o que VE
comentou a respeito: “Fazer desses quinze minutos uma busca de Deus em meu
socorro, a mensagem é “o satanás da doença será derrotado. Vitória!”(sic)
145
VE nas oficinas falava da sua falta de habilidade para pintar e, como já foi
explicado, havia todo um trabalho em despreocupar as participantes quanto à
estética do trabalho, deixando-as a vontade para que a expressão pictórica não
fosse pensada, e, com espontaneidade, pudessem deixar fluir a pintura, suas
formas, cores e combinações. Depois de VE sentir-se segura nesse sentido, trouxe
nessa oficina outra preocupação: “O difícil é dizer o que significava a minha pintura”.
(sic)
A pesquisadora a tranquilizou, dizendo que ficasse em paz, pois se não
conseguisse dizer alguma coisa daquela vez, poderia dizer em outro momento, mas
que deixasse fluir as ideias, que na hora certa, viria esse significado
espontaneamente, sem que precisasse pensar.
Essa intervenção por parte da pesquisadora-arteterapeuta era fundamental,
pois quando o sujeito se preocupa com o que vai dizer, acaba racionalizando o
processo de significação simbólica e o processo de conscientização torna-se
superficial, ou seja, a comunicação entre inconsciente e consciente, torna-se mais
difícil e morosa; solicitando mais intervenções nesse sentido, para que se manifeste
em profundidade aquilo que necessita ser conscientizado.
Todavia, essa preocupação em dar significados às suas expressões
pictóricas, poderia também carregar certa resistência em encarar as verdades que
necessitavam serem desconstruídas por ela, e, as novas verdades a serem
integradas em sua vida e em seu ser.
VE comentou enquanto pintava, que não tinha criatividade; a pesquisadora
fazendo-a refletir, perguntou onde a criatividade dela se manifestava. O que ela não
conseguiu responder. Então a pesquisadora perguntou por que VE era ministra da
eucaristia, e, ela conseguiu perceber seu potencial criativo, respondendo:
Eu sempre procuro me colocar pequena, mas ser ministra não deixa de ser
uma criatividade. Deus me usa para fazer sua obra, para servi-lo, dando
esse dom. Eu visito os doentes, faço celebrações na igreja, pregando o
evangelho para todos, advogados, médicos que são mais estudados que
eu. Vim da roça, não sou estudada que nem vocês! Estudei só até a terceira
série primária, não tive a chance de estudar, fazer uma faculdade, por isso
falo errado, tinha até medo do microfone, hoje não, sempre peço a Deus
que me guie quando estiver falando, e tudo dá certo! (sic)
Se utilizando do conhecimento de VE e de sua fé, a pesquisadora perguntou
a ela se Jesus deixou livros escritos e se falava numa linguagem rebuscada; ou se
Ele era simples e contava histórias simples numa linguagem simples, mas que fazia
146
toda a diferença na vida daquelas pessoas com quem se relacionava. VE disse: “Sei
que Deus me usa para trabalhar pela comunidade e que me dá esse dom. O que
importa é o conteúdo da mensagem, e não se a forma de falar está certa, né?” (sic)
A pesquisadora concordou com ela e falou que cada ser humano tinha uma
missão especial a realizar em sua vida, e que cada qual, tinha criatividade, não
apenas para uma coisa, mas para muitas e muitas coisas! Entretanto, para
desempenhar essa missão, cada qual deveria em primeiro lugar, cuidar de si, de sua
saúde, percebendo seus limites, para não chegar ao esgotamento, seja físico,
emocional, e, ter sabedoria para pedir ajuda quando necessitasse.
VE tranquilizou-se, e, começou pintando um chão de preto e em cima dessa
linha preta uma verde, de onde saíam três flores vermelhas com caules verdes.
Diferente do primeiro e do último trabalho, que os caules das flores eram pretos.
Vale dizer que, a pesquisadora em momento algum falou sobre esse significado das
cores, justamente para não influenciar o processo arteterapêutico. Essa troca do
preto para o verde no caule das flores, arteterapeuticamente aponta para um
pequeno avanço em seu processo terapêutico, significa que a flor ainda não estava
apodrecendo, e, estava se refazendo.
O número três representado na quantidade das flores, ainda manifestava a
falta do quarto elemento que deveria ser integrado para VE conseguir a
transcendência nesse aspecto de sua vida; o que significaria romper com suas
verdades. Além desses símbolos, também fez uma ponte preta, que atravessava um
rio de águas pretas. VE comentou sua pintura dizendo: “Fiz a terra preta, porque não
tinha marrom.” (sic) conforme pintura 15.
147
Pintura 16 – Benção de Deus
Fonte: Expressão pictórica criada por VE na sétima oficina de arteterapia
Vale ressaltar que a pesquisadora já havia sugerido às mulheres que fizessem
as misturas de cores para criarem novas cores que não tivessem no kit de tinta, e,
que poderiam solicitar sua ajuda a qualquer momento. Mesmo assim, VE optou pelo
preto. Ela continuou falando do trabalho dizendo: “Fiz as flores, um rio com águas
mescladas e peixes, uma ponte, um céu cheio de estrelas, o sol que brilha e muitas
pessoas.” (sic)
Observa-se na imagem que VE não pintou o céu, nem estrelas, nem o sol,
nem pessoas e nem os peixes no rio como ela descreveu. Onde ela identificou como
sendo o rio ela não pintou “um rio com águas mescladas” como havia dito e sim de
águas “pretas”.
Quando a pesquisadora perguntou sobre o significado do rio VE disse: “Era
sinal de vida e a ponte que me leva para o outro lado. O lado da cura.” (sic)
Nessa fala acima ela disse que o rio “era” sinal de vida, porém apresentou
aqui um paradoxo, porque VE pintou as águas do rio com a cor preta; além disso, na
mesma frase falou da ponte no tempo presente: “Que me leva para o outro lado. O
lado da cura.”
O rio com águas negras era um rio em que a vida não fluía mais, estava
morto. O que não vai de encontro com o significado que ela dá para a água do rio,
referindo-se a cor da água de mesclada, porém o fato de ter pintado a água de preto
materializou o conteúdo que seu inconsciente queria comunicar, e não aquilo que ela
desejava pintar.
148
A obra de arte traz em si a sua própria forma; tudo aquilo que ele não
gostaria de aceitar, lhe será imposto. Enquanto seu consciente está
perplexo e vazio diante do fenômeno, ele é inundado por uma torrente de
pensamentos e imagens que jamais pensou em criar e que sua própria
vontade jamais quis trazer à tona. Mesmo contra a sua vontade tem que
reconhecer que nisso tudo é sempre o seu “si-mesmo” que fala, que é a sua
natureza mais íntima que se revela por si mesma anunciando abertamente
aquilo que ele nunca teria coragem de falar. (JUNG, 1985b, p.61-62).
Logo, o preto é a cor que VE não desejou, mas que seu inconsciente lhe
comunicou, visto que, ela mesma disse que as águas do rio “era sinal de vida.”
A pesquisadora questionou VE se o rio para ela era sinal de vida, porque ela
não mergulhou nele e porque quis atravessá-lo. VE respondeu: “Porque o rio é a
dificuldade e a ponte a travessia para o outro lado, o da cura. As flores é a alegria.
O nome do meu trabalho é ”Benção de Deus”.” (sic)
Percebeu-se nesta fala acima que ela realmente conferiu às águas do rio um
significado negativo, como sendo a “dificuldade”, que no momento era o câncer que
estava se manifestando em seu corpo. Entretanto, o fato dela não querer banhar-se
naquelas águas, significou que a água não tinha um simbolismo de purificação, até
porque, nesse caso, ela deveria ser cristalina, clara e não negra, lodosa, como se
apresentava na imagem.
O sentido que VE trouxe de querer “atravessar” para o outro lado, o lado da
cura, é algo muito positivo, significava que arteterapeuticamente seu processo de
transcendência, nesse aspecto de sua vida, estava perto de se completar. Para Jung
(1977), a travessia de rios e cursos d’água aparece simbolicamente, quando o
sujeito está em processo de modificar suas atitudes básicas e seu modo de vida.
Importante destacar que todo esse processo estava auxiliando em seu
tratamento do câncer, pois acreditava em sua cura e estava fazendo a travessia
simbólica, ou seja, estava disposta a se modificar e transformar sua vida
positivamente e profundamente.
Ao observar o símbolo que VE indicou como sendo a ponte, estava numa
posição de despencar nas profundezas das águas do rio, inclusive as flores estavam
inclinadas, como se estivessem sob o efeito do movimento de ventos fortes.
As flores sendo de número três indicavam que o quarto elemento a ser
integrado, era a ponte, a travessia; possivelmente era o arquétipo do si-mesmo que
estava desencadeando em VE essa tensão interna de mudança, para seu equilíbrio
bio-psico-espiritual, pois ela estava mais aberta para isso, ao compreender um
149
sentido para essa sua mudança, a partir dessa travessia simbólica que estava sendo
realizada por ela nessa fase da doença.
Como as plantas para Jung (1977), têm o sentido de crescimento e
desenvolvimento psíquico, e, por estarem em movimento (inclinadas) apesar de
serem símbolos da passividade, remete ao sentido de que VE estava se
desenvolvendo, pois estava integrando o quarto elemento de sua totalidade, que era
a mudança de atitudes e da maneira que estava vivendo; desconstruindo alguns
comportamentos, para que novos deles fizessem parte de sua vida e de si mesma.
A pesquisadora perguntou a ela sobre o significado das cores da imagem e
VE disse: “O vermelho é a cura, o verde a esperança, o preto a terra.” (sic)
Na oitava oficina de arteterapia VE falou que durante o relaxamento se sentiu
muito bem, e, que a cor escolhida por ela, para fazer a energização de seu corpo
durante o processo, era branca. Quando interrogada sobre o significado da cor ela
disse:
“Me senti bem durante o relaxamento e escolhi também a cor branca, porque
é uma cor que me lembra a água que tudo limpa.” (sic)
Na oficina anterior a essa VE apresentava em sua imagem pictórica as águas
do rio negra, e, agora escolhia a cor branca significando-a como “água que tudo
limpa”.
Importante ressaltar novamente que, durante os ciclos das oficinas de
arteterapia a pesquisadora não significou as cores e símbolos, justamente para não
influenciar as participantes que deveriam chegar em suas significações com
autonomia e sentido profundo, sem serem condicionadas a esse fim de forma direta,
ou seja, sugestionadas pelos significados simbólicos que a pesquisadora conhece.
Logo, o fato da água ser limpa, que para VE tinha o sentido de purificação,
era salutar, porque demonstrava que a travessia das águas negras, ou seja, da
“dificuldade do câncer”, estava sendo superada por ela, de maneira profunda e não
somente nas aparências superficiais daquilo que desejava; mas daquilo que
realmente estava sendo modificado e integrado em si mesma e em sua vida.
Nessa oficina a história do “Barba Azul” foi recontada pelas participantes. A
pesquisadora começou a contar a história, e, pedia que continuassem a contação da
mesma de onde havia parado. VE continuou a história e deu ênfase à
“desobediência da esposa” dizendo: “Ela abre o que não é permitido e ela paga o
150
preço pela desobediência, a mesma coisa aconteceu a João Batista, por causa da
verdade perdeu a cabeça! A vida dela ficou por um fio!” (sic).
Depois de contada toda a história a pesquisadora pediu que cada uma fosse
a esposa e o Barba Azul para dialogarem livremente, revezando entre si seus
papeis.
VE iniciou esta dinâmica sendo a esposa do Barba Azul e sua fala aparece
como VE e a outra participante foi Barba Azul e a sigla de sua fala é AN.
AN iniciou sendo o Barba Azul e falou a VE que foi a esposa: “Vou viajar,
mexa em tudo menos nessa pequena chave” (sic)
VE: “Por que não posso usá-la? Você não confia em mim?” (sic)
AN: “É meu segredo! Você é minha mulher e me deve obediência, eu mando
em você!” (sic)
VE: “Mas nós somos casados e somos um só!” (sic)
AN: “Você pensa assim, eu não! Eu mando em você! Você é minha esposa!”
(sic)
VE: “Então viaja tranquilo e vamos ver o que acontece!” (sic)
Houve risos entre as mulheres, pois VE falou de uma maneira engraçada e
sarcástica com o Barba Azul, seu marido.
VE demonstrou em suas argumentações que conseguiu se colocar na relação
com Barba Azul de igual pra igual, porém quando mandou o Barba Azul seu marido,
viajar tranquilo, falou de uma forma sarcástica, denotando que desobedeceria as
suas ordens, mas de uma forma velada; ou seja, não conseguiu sustentar o que
inicialmente queria, que era o marido entender a relação horizontalmente, onde
ambos decidiriam juntos e unidos o que fariam. Talvez o medo de que lhe
acontecesse o que aconteceu com João Batista, passagem bíblica a qual ela citou
em sua fala, dizendo que por ter falado a verdade ele perdeu sua cabeça, ou seja,
foi decapitado: “Ela abre o que não é permitido e ela paga o preço pela
desobediência, a mesma coisa aconteceu a João Batista, por causa da verdade
perdeu a cabeça! A vida dela ficou por um fio!” (sic).
No entanto, esse tipo de atitude (desobediência) lhe gerava culpa, porque
ainda estava ligada à ideia de que a mulher deveria ser submissa ao homem, como
o ser humano a Deus, abrindo mão da verdade para salvar aquilo que acreditava, ou
seja, as verdades que precisavam serem desconstruídas e até compreendidas com
maior profundidade.
151
A pesquisadora lançou uma reflexão para VE, fazendo-a refletir sobre a
hipótese da esposa do Barba Azul não ter aberto a porta e tê-lo obedecido.
Questionando o que poderia ter lhe acontecido se assim o fosse. VE disse: “No
fundo ela foi culpada, porque afrontou o marido, deixando ele furioso”! (sic)
Essa sua afirmação ratifica o que foi dito sobre a culpabilidade que VE
carregava quando usava sua intuição feminina de não se submeter aos poderes de
seu animus, seja na figura do marido, da família, da sociedade da religião ou em
qualquer situação desse tipo.
A pesquisadora lançou nova pergunta para reflexão com a hipótese da esposa
de Barba Azul ser submissa, se ela seria ela mesma, se seria feliz, ou seria uma
farsa e uma ilusão sua vida, VE nada comentou a esse respeito, ficando calada e
pensativa.
Em seguida, a pesquisadora questionou o grupo de como lidavam com o
Barba Azul que existia intrinsecamente, que seduzia, para que a mulher não
evoluísse. Por exemplo, quando uma voz dentro da mulher dizia que era melhor,
mais seguro e confortável que ficasse em casa, deixando as atividades que lhe
competiam e lhe faziam cada vez mais sábia, um ser humano melhor, e que dava
sentido à sua vida.
VE concordou com a outra participante de que as mulheres eram guerreiras e
que deveriam passar por cima dessa voz e seguir adiante em seus objetivos.
A pesquisadora falou sobre essa força da natureza feminina, trazendo a
gestação e a maternidade como exemplo, que desde o biológico, o feminino era
preparado para a flexibilidade, os órgãos femininos se movimentavam, abrindo
caminho para acolher a criança que gerava em seu ventre; o organismo era flexível,
para isso e para a cura, o bem-estar! O feminino também tinha maior flexibilidade em
lidar com as situações difíceis, percebendo com mais sensibilidade a sutileza das
coisas. Essa natureza feminina tornava as mulheres mais abertas e mais sensíveis
às mudanças e que era importante experimentar essa natureza feminina de gerar e
de procriar na vida, vivenciando seus ciclos de criatividade, vida-morte-vida com
essa criatividade intrínseca de toda mulher.
Depois dessa fala da pesquisadora VE comentou: “O medo que a maioria dos
homens sente até de fazer um preventivo. Imagina passar o que estamos
passando.” (sic)
152
Em sua fala acima VE estava se referindo a quimioterapia e todo o tratamento
do câncer.
A pesquisadora comentou também sobre a fragilidade da maioria das
mulheres em receber cuidados e ajuda; foram acostumadas e educadas, em sua
grande maioria, para servir a família e muitas vezes foram incapazes de se deixarem
ser servidas e cuidadas. Precisavam ser fortes o tempo inteiro, mas eram apenas
seres humanos, e, como tal, mereciam atenção, respeito e cuidados, como qualquer
outra pessoa da família.
Em seguida VE comentou:
A mulher foi feita da costela de Adão e não de seus pés para ser pisoteada,
deve caminhar ao lado do marido, decidindo os dois juntos sobre as coisas
da família. Mas Maria é o exemplo a ser seguido, mulher forte que aceitou a
missão que Deus lhe deu com obediência; mesmo sabendo que iria
enfrentar o mundo; permaneceu na crucificação do filho sem medo, até
Pedro temeu aquele momento, mas ela estava firme até o fim. Diferente de
Eva que se deixou levar pela tentação, Maria não! Por isso nós mulheres
temos que saber contornar as coisas na família, ser fortes. Lá em casa é
tudo conversado, mas acaba caindo na minha mão, até o pagamento dele
eu que fico, compro as coisas que precisamos, ele não compra nem um
botijão de gás, as coisas acabam saindo do meu jeito! (sic)
Novamente se manifestava na fala de VE a sua necessidade de estar no
controle de tudo, não admitindo ser auxiliada e distribuir tarefas, para que pudesse
ter mais tempo para si mesma, ter mais saúde e poder se cuidar melhor. Também
aparecia em sua fala a figura de Maria com a simbologia da submissão e de Eva
como a mulher que não se submeteu. Ela trazia os opostos em sua ideia acima, mas
ainda não compreendeu que para seu crescimento, enquanto mulher em busca da
cura e da saúde necessitava integrar o papel de ambas (Maria e Eva), pois, a
primeira é o arquétipo do si-mesmo, ou seja, da Grande Mãe e a segunda a sua
sombra. Integrando a sombra (Eva) VE conseguiria utilizar sua intuição criativa
feminina sem medo e culpa, conseguindo dizer não e sim, quando deveria ser dito,
sendo coerente e verdadeira consigo mesma.
A pesquisadora pediu que as mulheres trocassem de papeis, que AN fosse a
esposa e VE o Barba Azul e novamente VE trouxe a “desobediência” da esposa:
“Por que você não me obedeceu”? (sic)
Toda a argumentação da outra participante que fez papel de esposa do Barba
Azul, seguiu no pedido de perdão pela desobediência e para evitar sua morte, e VE
argumentava que não daria o perdão e não daria nem o tempo que Barba Azul deu
153
na história, para a sua esposa se preparar para a morte. Segue algumas das frases
que VE interpretando o Barba Azul falou para a esposa pedindo clemência:
“Você vai pagar!”(sic)
“É a morte, você vai morrer!” (sic)
“Eu vou te destruir!” (sic)
“Não perdoo!” (sic)
Internamente era provável que VE não se perdoasse se não cumprisse seu
papel de esposa, mãe e dona de casa dedicada, o que acabava por sobrecarregá-la
de uma forma ou de outra.
A pesquisadora perguntou às mulheres como estavam se sentindo em relação
ao apoio da família durante o tratamento da saúde. Disse VE:
“Eu ainda estou na fase que outros me ajudam! Meu cabelo está começando
a cair e quem está sentindo muito isso é o meu filho mais novo, o de vinte um anos,
justamente o mais desligado.” (sic)
Foi sugerido pela outra participante da pesquisa que ela cortasse o cabelo
para vender antes que ele caísse e VE disse:
Eu uso cabelo comprido desde sempre, a minha mãe nunca cortou os
cabelos, é uma tradição de família as mulheres terem cabelos compridos.
Está sendo pior para mim, perder os cabelos, do que a mama. Não me
imagino sem cabelos! Meu cabelo cresceu depois de um ano e meio de vida
e nunca mais cortei. (sic)
A pesquisadora usou o que VE havia relatado para lhe fazer refletir sobre a
perda de seus cabelos falando que, VE quando bebê era careca e depois seu cabelo
cresceu. Então chegou o momento de renovar, de nascer de novo, para crescer
ainda mais, agora como mulher e ser humano. Se despir do cabelo era se despir da
vaidade! Seria importante tomar a figura de Maria como exemplo de força, para
superar essa perda, entendendo que era uma situação provisória, por um bem
maior, a saúde, e, mais que isso, um novo sentido e uma nova mulher renascendo;
mais madura, mais forte, e, por isso, mais bonita! Importante se olhar no espelho
sem os cabelos, para perceber nessa mulher o que tinha de mais valioso, que não
era sua aparência, mas sua essência espiritual que tudo pode! Se olhando no
espelho, no fundo dos olhos, percebesse o que Deus queria nessa nova jornada,
nesse novo renascimento. Perguntasse a si mesma qual o sentido desse cabelo que
se foi para um novo renascer!
154
A pesquisadora comentou que fez um ano que AN, a outra participante,
perdeu os cabelos e eles já estavam de volta, mas agora um novo cabelo. Pediu
que VE pensasse em Maria como uma borboleta (palavras usadas por elas no
contexto do diálogo), que também já foi “lagarta” antes, mas que conseguiu sair de
seu sofrimento de mãe, e, tornou-se “borboleta”; que também poderia olhar para AN,
como exemplo de superação, aproveitando esse momento para se conhecer a
fundo, vendo um sentido nesse sofrimento da perda de seus cabelos.
Ao estar numa situação, que não pudesse mudar, deveria escolher a melhor
maneira de encará-la, e, a melhor maneira, era achando um sentido maior naquilo
que estava vivendo.
Depois que passasse por isso e passaria rápido, olharia para traz e veria o
quanto se tornou melhor depois de tudo isso, e, poderia ajudar a comunidade onde
trabalhava, com mais essa experiência de vida. Além disso, seria um exemplo real
para quem estivesse na mesma situação, com mais capacidade, e, até autoridade,
para auxiliar quem precisasse.
Nesse momento VE se emocionou e conseguiu refletir e compreender a
mensagem do que estava sendo dito a ela. Apesar da dor e tristeza, sorriu
comunicando que iria encarar como uma renovação e um crescimento essa perda
do cabelo.
A pesquisadora perguntou qual a mensagem do conto para VE, ela
respondeu:
A ajuda dos irmãos. Se eles não chegassem ela não teria sido salva.
Sempre tem alguém para nos ajudar, que nem no meu caso, vem oração, é
vocês, minha família. A gente com câncer se sente como se estivesse
sozinha no meio do mar, largada; tem que nadar, mas sempre tem gente
para ajudar. Deus também nos ajuda, botando as pessoas certas no nosso
caminho, Deus é quem cura. O médico é usado, quando fiz a quimioterapia
pensei que o vermelho é o sangue de Jesus e que ele tem poder de cura,
lembrei que falamos sobre a importância de imaginar a quimio me curando!
Peço a Deus que me ajude também a não mostrar abatimento para as
pessoas, principalmente para meu filho. (sic)
A pesquisadora falou que ela precisava encerrar esse ciclo de “vida-mortevida”, através dos cabelos; que, se sentisse vontade de chorar, se trancasse no
quarto e chorasse toda lágrima ou raiva pela perda dos cabelos; e, fechasse esse
ciclo, fazendo simbolicamente o funeral dos cabelos, como uma passagem para
outro patamar da vida, era preciso morrer para renascer. Afirmou que precisava
155
liberar o cabelo em prol da saúde e para o amadurecimento e crescimento de si
mesma.
VE sorriu e emocionada acenou positivamente com a cabeça.
Ela ao escolher um lenço para se embrulhar escolheu a cor branca e
significou falando novamente da água como purificação: “Sinal de paz com Deus e
símbolo da água, que tudo purifica”. (sic)
VE nessa oficina pintou uma linha azul que atravessava a folha de uma ponta
a outra com quatro figuras humanas azuis caminhando sobre ela. A linha tinha um
formato em “v”, ou seja, no meio uma depressão com algumas pequenas saliências,
que lembravam pedras, e, acima dessa linha, algo amarelo, o qual lembrava um sol,
porém como se ele estivesse emitindo luz, energia de dentro dele. VE significou
essa expressão pictórica dizendo:
Pintei um caminho com alguns obstáculos, mostrando que estou na
caminhada. Também quis fazer minha família, mas fiz somente eu na frente,
meus dois filhos e meu marido no caminho comigo, porque eles moram
comigo, estão mais próximos. Em cima quis fazer um pássaro, o Espírito
Santo como uma pomba, que nos conduz pelas veredas da vida, o nome de
meu trabalho é “Fé e esperança”. (sic)
Pintura 17 – Fé e Esperança
Fonte: Expressão pictórica criada por VE na oitava oficina de arteterapia
VE
FILHO
MARIDO
FILHO
PÁSSARO
VE destacou nessa imagem cinco símbolos, quatro que foram: ela, o marido,
os dois filhos e um pássaro que ela dizia ser o Espírito Santo. O número cinco,
156
segundo Pitágoras (apud REALE; ANTISSERI, 2003), simboliza a união, centro da
harmonia e do equilíbrio, por ser o número do meio dos primeiros nove números, o
casamento do princípio celeste (3) com o princípio terrestre da mãe (2).
Logo, a travessia de VE era simbolicamente o encontro e a união entre os
opostos: céu-terra, fé-razão, saúde-doença, vida-morte, masculino-feminino, Deushomem, entre outros que a levarão à transcendência. O Espírito Santo é para os
cristãos um dos tríplices aspectos do divino, representado na forma de uma pomba,
que VE significou como sendo o símbolo que pintou em amarelo nessa imagem.
Para Jung (2008), a pomba significa o fecundador. O pássaro para (JUNG, 1977,
p.151), “é o símbolo mais apropriado da transcendência”. Significa que essa imagem
apresenta simbolicamente a travessia fecunda da transcendência, pois estava sendo
ordenada pelo si-mesmo, integrando os opostos para gerar desenvolvimento
psíquico, e consequentemente, saúde e amadurecimento de VE como mulher e ser
humano.
Foram utilizadas nessa imagem duas cores opositoras entre si, o azul que
segundo Kandinsky (1996), simboliza o profundo e o aspecto celeste, e, o amarelo
que representa o superficial e terreno. No entanto, o amarelo estava representando
o céu e o azul a terra, denotando a junção e união entre céu e terra, entre os
opostos já citados acima.
As
travessias
de
uma
forma
geral
simbolizam
um
processo
de
transcendência acontecendo, pois VE não estava integrada ainda com as outras três
pessoas da imagem, ela estava separada deles por uma pedra. VE identificou na
imagem pintada acima, da esquerda para direita, ela em primeiro lugar e mais três
pessoas separadas dela, sendo a segunda pessoa o filho, a terceira o marido e a
quarta o outro filho, os que ainda moram com ela. Para VE eles estavam indo na
direção do pássaro amarelo, enquanto que ela tinha seu caminho bloqueado nas
duas direções por pedras que a impediam de se movimentar e estava de costas para
o pássaro amarelo.
“Segundo a tradição bíblica, em função de seu caráter imutável, a pedra
simboliza a sabedoria”. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p. 701). Sabedoria que
VE estava começando a contemplar e ainda não conseguiu integrar em sua
consciência, pois as pedras são azuis, e, o caminho naquele ponto, onde estavam
as pedras e VE, se aprofundava; o que denotava estar na profundidade de seu
inconsciente a sabedoria, mas que necessita ser integrada em seu consciente, algo
157
que ela mesma reconheceu quando disse: “Pintei um caminho com alguns
obstáculos, mostrando que estou na caminhada”.(sic).
A percepção de VE sobre as vivências arteterapêuticas no cuidado à sua
saúde foram as seguintes:
A arteterapia me ajudou muito nesse processo do câncer, cai parece de
paraquedas tendo que lutar; às vezes quando quero me entristecer, lembro
do que falamos aqui e isso me ajuda bastante, é bem positivo pra gente que
está nesse processo de tratamento do câncer, porque a gente precisa de
uma ajuda para sair disso. (sic)
Na última oficina de arteterapia VE veio usando um lenço branco na cabeça,
porque havia cortado os cabelos. Ela foi acolhida pelo grupo com alegria, e também
chegou alegre, não mais com aquele semblante sofrido em função da perda dos
cabelos. Mostrou-se feliz em rever o grupo e contou:
Vendi parte do meu cabelo por R$50,00, porque a outra parte caiu, devia ir
antes aí podia ganhar mais! São tudo fases, agora em junho ainda tenho as
vermelhas que são fortes, mas depois vou pra branca e sei que vou me
sentir melhor! Teu cabelo como cresceu né AN, quando te vi a primeira vez
era baixinho e crespinho, mas agora tá pesando e tá mais liso. (sic)
A pesquisadora parabenizou-a pela atitude de ir cortar e vender os cabelos e
elogiou a nova aparência de VE, pois ficou mais jovem e mais bonita de lenço e sem
os cabelos compridos escondendo seu rosto. VE falou alegre sorrindo:
“É, todo mundo que me vê fala isso! Que bom!” (sic)
A pesquisadora introduziu e situou VE na discussão, pois quando chegou a
oficina já havia começado; e, estava sendo trabalhado o conto do “Urso da meia lua”
(ESTÉS, 1994, p. 431) sobre a raiva e o perdão.
VE foi questionada sobre como lidava com sua raiva e o que geralmente, a
desencadeava:
É muito difícil lidar com a raiva no dia-a-dia, mas perder o controle até que
nem tanto, mas pra mim uma das coisas que me faz perder o controle é
quando alguém faz pra meus filhos. A gente até pode brigar com eles, falar
deles, mas não quer que ninguém faça isso. Também quando um filho te
magoa dói mais! É igual o amor de Deus por nós ele sabe dos nossos
defeitos, mas ama a gente, se ele só olhasse para os nossos defeitos, o que
seria de nós! Ele tá sempre valorizando o ser humano. A mãe tem sempre
que ter o controle. (sic)
VE demonstrou em sua fala, ser uma mãe protetora e zelosa por seus filhos.
158
A pesquisadora falou do perdão afirmando que muitas vezes as pessoas
dizem que perdoaram, mas não conseguem nem falar sobre o assunto que disseram
ter perdoado. Explicou os quatro estágios do perdão, que eram sugeridos por Estés
(1994, p. 458): 1. Deixar passar, 2. Controlar-se, 3. Esquecer, 4. Perdoar.
VE comentou: “Vejo muito isso na minha igreja, quando vou visitar as
pessoas. Elas pensam que perdoaram, mas não! Quando falam sobre o assunto a
gente vê ainda a raiva delas.” (sic)
VE contou um acontecimento muito importante de sua vida sobre a raiva e o
perdão. Segue abaixo:
Meu marido era alcoólatra, bebia por causa de uma mulher lá que ele teve
na vida dele! Durante 12 anos do nosso casamento ele bebeu. Eu tinha
vontade de bater a cabeça dele na parede até estourar! Ninguém sabia, a
gente escondia até de minha mãe, naquela época Deus me livre de mulher
que se separava, eu não podia separar! Todo dia depois de almoçar, eu
deixava os pratos em cima da mesa, nem tampava, e saia para os fundo do
quintal, nessa época eu morava no sítio e lá atrás da casa tinha uma
caneleira, uma árvore grande. Eu me ajoelhava e pedia ao Senhor que me
desse força e que mudasse ele. Naquele tempo ele trabalhava lá pra São
Paulo e ficava 50 dias fora. Então quando ele saia nós combinava a data
que ele ia me ligar, aí eu ia no centro da cidade na telefônica esperar a
ligação dele. Eu com 5 filhos pequenos e ele nem aí, não mandava dinheiro,
só bebia, não ligava pra nada! Quando ele tava em casa era um inferno!
Nunca me bateu, mas falava coisas, inventava coisas de mim, me acusava
de coisas que eu não fazia. Sempre orei para entender essas coisas! Aí
comecei a orar para ver ele com outros olhos, porque tinha muita raiva! Aí
sim vi ele como uma vítima também, que ele estava um trapo de ser
humano e pela oração ele teve a cura. Então o perdão é uma questão de
tempo, é ver que eu sou vítima, mas o outro também é! Mas para alcançar a
graça temos que estar em estado de graça e trabalhar a raiva em nossos
corações. A mulher geralmente acusa o marido, mas ela também tem que
ver o lado dela na briga, na confusão. Deus tem que estar sempre presente,
e, depois de esfriar a cabeça, porque de cabeça quente não adianta. Tenho
uma vizinha que tem 11 anos que tá com depressão e não enxerga a
mágoa que carrega porque o marido cantou a amiga dela. Ela tá lá
doente!(sic)
A pesquisadora falou sobre a importância de utilizar a fé, o Criador, orações, o
que mais se afinizasse com cada uma das participantes, para resolverem essas
situações de raiva e perdão, que assim a mulher se sentia mais fortalecida e não se
sentia frágil e sozinha nessas lutas que a vida apresentava.
Perguntou a VE o significado que teve essa experiência de 12 anos com o
marido alcóolatra. Ela respondeu:
É maravilhoso depois de 32 anos de casamento, vê que ele se tornou um
novo homem, preocupado comigo e com os filhos, honesto e trabalhador e
não colocou, mas um gole de bebida na boca, nem champanhe. Eu tinha
159
que passar por tudo isso para entender que aquilo foi que me levou para
Deus. Hoje eu vivo melhor e vejo Deus em tudo. Hoje ele é um belo de um
pai, mas tudo isso eu encontrei em Deus através desse sofrimento. Se não
vai pelo amor, vai pela dor!(sic)
A pesquisadora comentou sobre o resgate que VE fez com seu marido,
morrendo um, para nascer um novo homem.
Depois falou sobre os “descansos” encontrados à beira dos caminhos e
rodovias, que eram cruzes que marcavam as mortes naqueles locais e convidou VE,
a traçar uma linha cronológica, em que pôde pensar sua vida desde o nascimento
até o momento presente, colocando cruzes nos pontos da vida que tinham
acontecido mortes como: perdas, traições, frustrações, sonhos não realizados,
caminhos trocados, desistências e mortes de pessoas ou coisas queridas, também
aquilo que pressentia poder morrer e etc.
Depois de colocadas as cruzes na linha cronológica por ela, foi pedido que
abençoasse cada momento daquele. Feito esse processo, que significasse o
aprendizado sobre aquele momento e perdoasse. Por último pediu que sepultasse
cada momento marcado pelas cruzes. Em seguida, foi escolher um objeto que
representasse a si mesma, depois outro que representasse a sua vida e por último
suas metas. Esse processo aconteceu respeitando o ritmo de cada participante.
Após a escolha dos objetos VE criou sua expressão pictórica, representando
na pintura os sonhos e metas que tinha para sua vida.
VE durante a pintura disse: “Quando pinto, quero fazer um monte coisas, mas
não consigo fazer tudo”. (sic)
A pesquisadora começou a falar com AN, para depois com VE, dando maior
tempo para ela refletir sobre as coisas que gostaria de pintar e que não pintou, e
sobre aquelas que havia pintado.
Ela pintou uma linha reta de um lado a outro da folha na cor amarela e
colocou um risco azul na vertical, saindo da linha amarela em direção ao alto, e do
mesmo tamanho duas pessoas na cor vermelha, com duas flores vermelhas com
caules azuis sem folhas, ao longo dessa linha havia pequenas saliências entre as
pessoas e as flores.
VE significou sua pintura dizendo:
No caminho eu coloquei eu e meu esposo, ele na frente porque é o homem
da casa. O risco azul que fiz no início da linha era para ser uma flor, mas
não quis fazer e ficou assim como um ponto de partida. No caminho
160
coloquei alguns obstáculos, mas sempre vai brotando a vida que é o
significado da flor. O nome da minha pintura é “Caminho de fé”. O vermelho
do nosso corpo na pintura é um colorido, sinal de vida, a cor amarela do
caminho é porque é um caminho de luz. (sic)
Pintura 18 – Caminho de Fé
Fonte: Expressão pictórica criada por VE na décima oficina de arteterapia.
VE nessa imagem se utilizou de três cores: o amarelo, o azul e o vermelho. O
amarelo representando o caminho, o que corresponde com seu significado
simbólico, como já foi dito, de representar o aspecto terreno, e, para VE o caminho é
de luz por ser amarelo:
“A cor amarela do caminho é porque é um caminho de luz”. (sic)
O vermelho, que pintou o seu corpo e de seu marido, é uma cor quente e
simboliza para Kandinsky (1996) a energia, a força, a decisão, alegria, triunfo,
significado que corroborou com o que VE significou dizendo: “O vermelho do nosso
corpo na pintura é um colorido, sinal de vida”. (sic)
O azul estava na haste das flores e no canto esquerdo do caminho, VE disse
que iria fazer dessa haste azul uma flor, mas não fez e significou-a como um ponto
de partida.
“O risco azul que fiz no início da linha era para ser uma flor, mas não quis
fazer e ficou assim como um ponto de partida”. (sic)
Manifestou-se contra a sua vontade um símbolo inconsciente, essa haste
azul que ela significou como sendo o ponto de partida, foi “um ponto de partida”
nesse caminho que estava percorrendo, e esse “ponto de partida” que simbolizava a
161
haste, por ser azul, tem sua base na espiritualidade, na fé de VE, para superação do
câncer de mama. Esse caminho da imagem era mais retilíneo, não tinha as
depressões que o caminho da imagem anterior expressava. Realmente na oficina
anterior VE estava depressiva pela queda de seu cabelo e de pensar que ficaria
careca.
Nessa última oficina se apresentou mais feliz, apesar da ausência dos seus
cabelos. Logo, o caminho da imagem era iluminado e sem depressões, muito
embora ainda apresentasse alguns pequenos obstáculos em relação à pintura 5,
discutida anteriormente.
VE pintou dois pares de flores e de pessoas contendo o feminino e o
masculino
no
caminho,
a
união
dos
dois
princípios
era
significante
arteterapeuticamente, pois demonstrava que VE estava integrando seu animus sem
travar batalhas entre sua fé e seu racional, porém ainda era necessário um trabalho
um pouco mais prolongado e assíduo para que os resultados desse processo
fossem mais significativos, haja vista que VE participou apenas de seis oficinas das
dez planejadas, faltando em momentos essenciais para a sua terapêutica desse
ciclo de arteterapia.
Contudo, de uma forma geral VE, com o processo arteterapêutico, conseguiu
elaborar melhor a perda dos seus cabelos, os quais tinham uma importância muito
grande em sua vida; refletir sobre seu papel de mulher como esposa, mãe, cristã, na
comunidade, e, em suas relações, entendendo a necessidade de se cuidar;
percebendo seus limites; encarando esse tratamento, não com sofrimento, mas com
um sentido associado à sua fé, que lhe estava dando respaldo em vivenciar a dor
sem estagiar nela, resignificando cada etapa e momento de suas tristezas e medos
diante da doença.
A pesquisadora perguntou a VE o que ela gostaria de ter pintado que acabou
não fazendo e ela respondeu:
Gostaria de colocar você que está me ajudando, vocês duas também,
minha família, o doutor Jorge. No fundo ele sabe o que faz, quando diz pra
gente tirar a mama a gente acha que não; conheço uma que teimou, tirou só
o tumor e depois morreu do câncer de mama. Os médicos também são
guiados por Deus, eu rezo no caminho da consulta, no ônibus, para ele
saber o que está fazendo comigo, decidir coisas certas no meu tratamento,
a decisão dele seja Deus através dele. O corpo vai uma hora, e, o que
sobra é só o nosso espírito, então to convivendo bem sem a mama, não
quero botar outra, deixa assim não nasci com elas e ela já deu de mama
para quem eu precisava! (sic)
162
A pesquisadora comentou que era muito cedo para decidir sobre isso, pois no
decorrer do processo ela poderia mudar de ideia, e, se isso acontecesse Deus seria
o primeiro a se alegrar pelo fato de ela querer se sentir melhor, não somente pela
vaidade, mas pelo equilíbrio corporal, porque a mama que foi retirada, acabava por
descompensar um lado de seu corpo.
Sobre os objetos escolhidos por VE ela significou-os dizendo:
A vela acesa eu escolhi porque é a vida, onde tá a vida e eu também
preciso ser a luz para muitas pessoas. Eu preciso ser essa luz aonde eu
vou, a luz não é minha, mas “Daquele” que se manifesta. A flor, representa
a minha vida, peguei aquela que tava um pouquinho murcha porque é igual
a gente no tratamento do câncer, pela fase que to passando, é uma flor que
mesmo murcha tem vida. O crucifixo nesse pequeno rosário mostra que
aqui houve a morte de Jesus, nós estamos nessa fase de vida e morte. Por
exemplo sábado, domingo e segunda foi dia abreviado, terça é que fiquei
melhor. Então, o terço pra mim é esta fé nos dias de sombra eu preciso me
manter em segurança, então através da oração eu consigo, pra Deus tudo é
possível, pra medicina pode ser o fim, mas se para Deus é o começo, assim
será!(sic)
Percebeu-se nessa fala de VE o quanto ela se apropriou das reflexões feitas
nas oficinas, pois “morte”, era algo que não falava, agora já integrava a morte em
seu comentário, percebendo-a e sentindo-a como um ciclo natural da vida:
“O crucifixo nesse pequeno rosário mostra que aqui houve a morte de Jesus,
nós estamos nessa fase de vida e morte”. (sic)
Além disso, também conseguiu integrar o lado sombrio dessa fase, aceitando
o sofrimento, afinal ele era real, mas compreendendo que conseguia superá-lo,
porque deu um sentido profundo a essa experiência, apoiando-se em sua fé em
Deus e em suas orações, e também, fazendo a parte que lhe cabia, que era agir em
prol de seu cuidado com responsabilidade:
A flor, representa a minha vida, peguei aquela que tava um pouquinho
murcha porque é igual a gente no tratamento do câncer, pela fase que to
passando, é uma flor que mesmo murcha tem vida”. (sic)
Então, o terço pra mim é esta fé nos dias de sombra eu preciso me manter
em segurança, então, através da oração eu consigo, pra Deus tudo é
possível, pra medicina pode ser o fim, mas se para Deus é o começo, assim
será!(sic)
A arteterapia não é psicoterapia e nem religião, mas em suas práticas
também se utiliza da psicologia e da religião como campos de saberes que
trabalham símbolos, como também das expressões de fé de seus participantes e de
163
seus mecanismos psíquicos inconscientes e conscientes, para que a pessoa faça
seu processo de autoconhecimento; buscando refletir dentro de suas crenças um
sentido para o seu existir; comunicando-se por meio das linguagens artísticas e do
fenômeno criativo com seu inconsciente, permitindo integrá-lo, na medida
necessária, em seu consciente, ampliando sua consciência e transcendendo nos
aspectos esquecidos ou desequilibrados de seu ser e de sua vida.
VE inicialmente acreditava num Deus fora de si, vivenciava-o de forma
desconexa consigo mesma; vendo Deus como alguém que estava observando-a,
como aquele pai que ajudava, mas que cobrava cada detalhe. Ela evoluiu nesse
sentido, percebendo Deus intrinsecamente, orientando-a em sua dor e em seu
sofrimento, pois estava nela como essência, fortalecendo-a para a superação dessa
fase; compreendendo a motivação de sua doença, sem negar a dor e o sofrimento
do que estava vivendo, porque estava compreendendo o significado profundo de
tudo isso.
VE era uma mulher muito marcada pelas experiências de vida, isso ficou
visível, principalmente, quando construiu sua linha cronológica dos descansos.
Segue abaixo:
Coloquei as minhas idades na linha da minha vida e comecei a colocar cruz
nos meus 16 anos, porque foi quando me casei, batalhei, batalhei, saí da
onde eu morava tive que me desapegar; 28 anos foi a “morte” do meu
marido que bebia, porque depois ele se tornou outro homem;45 anos tive
um problema de saúde, quase enfartei ninguém nem eu sei o que
aconteceu, mas tenho certeza que fui curada pelas orações, fiquei cinco
dias na UTI do hospital, tive uma cura; 50 anos tive a notícia do câncer, a
gente toma um susto porque jamais pensa que com a gente vai acontecer
isso, só com os outros! Mas essa cruz é a morte do câncer em nome de
Jesus! 51 anos eu faço dia 06 de julho então coloquei uma cruz para
alguma coisa que precisa ser matado em mim. (sic)
Aqui se percebeu muitas batalhas, muita força, muitas perdas, mas VE
mostrou que estava aberta às mudanças, não colocando apenas nas mãos de Deus
aquilo que deveria ser feito por sua própria responsabilidade, um avanço significativo
nesse processo: “51 anos eu faço dia 06 de julho então coloquei uma cruz para
alguma coisa que precisa ser matado em mim”. (sic)
Depois desses momentos de reflexões e significações foram apresentadas
todas as expressões pictóricas dela na sequência em que foram por ela pintadas,
para que observasse a evolução do processo. A pesquisadora nesse momento
pontuou alguns detalhes simbólicos dos avanços dela no processo arteterapêutico.
164
VE identificou a diferença entre o penúltimo caminho e o último, pintados por
ela, que o penúltimo estava mais íngreme e o último mais fácil de ser percorrido.
Também lamentou não ter participado de todas as oficinas oferecidas.
Realmente, se VE tivesse participado de todas as oficinas planejadas para
ela, poderia ter avançado além do que conseguiu; porém o processo arteterapêutico
também é em sua essência, um processo de desenvolvimento educacional, que dá
autonomia; portanto, torna o sujeito autônomo e não dependente dele, construindo
ferramentas para que consiga diante dos desafios da vida caminhar com suas
próprias pernas, trilhando outros caminhos e não mais aqueles trilhados sem
consciência e sem sentido.
Uma vez aberta a porta da consciência para o sentido da vida, o ser humano
caminha em trilhas seguras e firmes, mesmo diante do sofrimento e da dor que a
vida lhe apresente.
Consequentemente, acredita-se que VE com esse aprendizado aliado à sua
fé inabalável encerrou esse ciclo de saúde-doença como uma nova mulher e um ser
humano mais criativo e mais feliz.
A pesquisadora ponderou o quanto VE evoluiu, inclusive a própria
pesquisadora e que estava dando como lembrança desses momentos de
arteterapia, uma caixa para ela com objetos que tinham uma significação simbólica
especial, e, a letra de uma música para refletir e se alegrar nos momentos de tristeza
ou desânimo, sempre que precisasse.
VE escreveu sobre as práticas arteterapêuticas em seu cuidado à saúde, segue a
transcrição, visto que a folha original encontra-se no Apêndice C da pesquisa: “A arte
terapia trouce para mim muitos pontos positivo como amizade e tambem como ajuda
nesta fase da vida muito obrigada por eu te conhecer agradeço a Deus por voceis
existirem”. (sic)
VE reconheceu a arteterapia como uma terapêutica importante nesse
processo de tratamento do câncer de mama.
Este trabalho de arteterapia em grupo, além de todos os benefícios apontados
no decorrer da interpretação e compreensão dos dados, proporcionou a troca de
experiências entre as integrantes do grupo mediadas terapeuticamente, para que
uma não assustasse a outra com os relatos sobre seus processos de tratamento, e
também preparou as mulheres para cada fase, inclusive, sobre como lidar com as
influências de outras pacientes e pessoas em seu comportamento e sentimento
165
diante dos desafios que a quimioterapia, por exemplo, desencadeia. “El yo sólo se
siente y se conoce a sí mismo em la medida em que se apreende como membro de
uma comunidade, em la medida em que se ve agrupado junto com otros em la
unidad de uma família, de uma tribu o de um organismo social. (CASSIRER, 1998,
p.220).
Logo, a arteterapia com suas práticas transdisciplinares, numa concepção
sistêmica de ser humano e de mundo que se auto-organiza, pautada na psicologia
analítica de Jung para a leitura simbólica das expressões significadas pelos seus
criadores, e, no existencialismo de Frankl para dar sentido aos conteúdos
simbólicos, à vida e a cada fase e experiência vivenciada por essas mulheres,
contribuiu importantemente para o tratamento do câncer de mama e para a
qualidade de vida das participantes desse processo.
166
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mulher diagnosticada com o câncer de mama deve seguir o tratamento
indicado pelo médico, mas também necessita de um processo de tratamento
terapêutico, que lhe dê atenção desde o momento do diagnóstico, até as fases de
tratamento intensivo, com uma proposta de escuta dos sentimentos, emoções,
dores, sofrimentos, medos e angústias, para poder encontrar o seu sentido maior em
estar vivenciando tal experiência, auxiliando a mesma a canalizar sua energia em
prol de seu tratamento de saúde, o qual exige um grande dispêndio da mesma.
A arteterapia em particular, proporciona práticas com linguagens artísticas que
possibilitam uma comunicação estreita entre consciente e inconsciente, entre o
participante e o arteterapeuta, revelando conteúdos simbólicos que, ao serem
significados, possibilitam a integração dos mesmos, pela reflexão-criativa e
compreensão do significado das experiências de vida, as quais muitas vezes
contribuem para o adoecimento. “As vivências em arteterapia são ricas para o
processo de individuação, porque fazem os sujeitos encontrarem-se consigo mesmo
num processo genuinamente criativo, sem fragmentações, compreendendo o sujeito
e o mundo em sua totalidade.” (ESPINDOLA, 2008, p. 33)
[...] existem três caminhos principais que conduzem à realização do sentido:
o primeiro consiste em praticar uma ação ou realizar uma obra; o segundo
supõe experimentar algo ou encontrar-se com alguém; por outras palavras,
o sentido pode ser encontrado não só no trabalho mas também no amor.
Apesar disso, o caminho mais importante é o terceiro: ao ter de nos
confrontar com um destino cuja mudança não está em nossas mãos,
sentimo-nos interpelados a superar-nos e a crescer para além de nós
mesmos; numa palavra: a mudar nós mesmos. (FRANKL,1995, p. 268).
Dessa forma, a arteterapia auxilia a saúde psíquica e física, tendo como base
de organização a dimensão espiritual do ser, que com sua intuição e criatividade e
orientação adequada no processo, resultam em maior segurança de enfrentamento
da doença e seu tratamento, como também maior qualidade vida, em decorrência do
desenvolvimento e amadurecimento integral que as vivências arteterapêuticas
desencadeiam.
O processo arteterapêutico porque trabalha o fenômeno da criatividade em
seu participante, amplia a capacidade do mesmo em dar sentido às suas
167
experiências e em suas escolhas, diante daquilo que não pode ser modificado, como
também, daquilo que necessita ser transformado.
Consequentemente, a arteterapia promove o autoconhecimento e a
autonomia com responsabilidade, pois tem como meta a busca de sentido para tudo
que é expresso, seja na linguagem falada, escrita, corporal, pictórica, musical; enfim,
qualquer manifestação do sujeito é considerada e utilizada em prol de si mesmo e de
sua vida.
A expressão pictórica em especial permite ao seu criador entrar em contato
consigo mesmo em sua totalidade, com suas tendências e seus conteúdos
inconscientes, que foram reprimidos e, portanto, não compreendidos, e, que, por
este motivo, atuam de forma inconsciente nas relações da pessoa consigo mesma,
com os outros e com o mundo; muitas vezes acrescentando mais dor e mais
sofrimento. Esses conteúdos simbólicos na arteterapia tem a possibilidade de serem
parcialmente compreendidos e integrados conforme a dinâmica de cada sujeito, haja
vista que o símbolo apresenta conteúdos e significados imensuráveis. Para Frankl
(2004, p.30)
Neste sentido, o artista também depende de uma espiritualidade
inconsciente quanto à produção e também quanto à reprodução artística. À
intuição da consciência, em si irracional e, portanto, também não totalmente
racionalizável, corresponde, no artista, a inspiração, a qual está igualmente
enraizada numa esfera de espiritualidade inconsciente. A partir dela, o
artista realiza suas criações e, com isso, as fontes das quais ele se alimenta
estão e continuam imersas numa escuridão que jamais poderá ser
totalmente iluminada pela luz da consciência.
A mulher mastectomizada além de todo o processo de tratamento sofre a
mutilação da mama, que tem grande importância em sua feminilidade, pois é
considerada uma zona erógena, símbolo da sedução feminina e de nutrição.
Essa mutilação acarreta uma mudança corporal que é preciso ser trabalhada.
A autoimagem é modificada, algumas mulheres conseguem no decorrer do processo
reconstituir a mama, mas de qualquer maneira, passam por um período de mutilação
em que necessitam ser cuidadas, para que possam desenvolver a consciência
corporal com esse novo corpo mutilado, geralmente, afetando seu equilíbrio
intrínseco e extrínseco.
No entanto, o maior desafio dessa pesquisa foi justamente construir uma
metodologia consistente cientifica e terapeuticamente, para que seus objetivos
fossem alcançados, porque intencionavam proporcionar mais qualidade de vida nos
168
processos de cuidado integral em saúde, colaborando para o sucesso no tratamento
do câncer de mama das participantes; desejando com isso desenvolver uma
tecnologia social em saúde, que pudesse beneficiar um número maior de pessoas,
para que tivessem também mais qualidade vida.
Afinal, em muitos casos, a mastectomia por alterar a autoimagem da mulher
por meio da mutilação, causa a interrupção da vida sexual e social delas, por não
saberem lidar sozinhas com essa experiência, que sem acompanhamento
especializado
adequado,
diante
dessa
nova
realidade
corporal,
acabam
entristecendo, ficando angustiadas, inseguranças e insatisfeitas com a autoimagem
e com a própria vida; o que muitas vezes, compromete até o resultado do tratamento
médico, e, consequentemente, a saúde delas. Segundo Speiser e Speiser (apud
VASCONCELLOS; GIGLIO, 2006), pesquisas com pacientes oncológicos, em
estudos de psicoimunologia, conseguiram concluir que os sentimentos e emoções,
não trabalhados e reprimidos, podem contribuir para a progressão da doença. Essas
pesquisas confirmam que as terapias que promovem o diálogo e a escuta dessas
pessoas, auxiliam de forma positiva para o processo imunológico delas, e,
consequentemente, ajudando-as no sucesso do tratamento do câncer.
A autoimagem é um aspecto de extrema importância para a mulher
mastectomizada, e, muitas delas temem inclusive perder o companheiro, o emprego
em função da mutilação; medo este que, quando não trabalhado, pode desencadear
essas perdas, em função do próprio abandono que a mulher nessa situação lhe
proporciona e propicia.
Diante disso, a metodologia desenvolvida para as práticas da pesquisa teve
como fundamento básico a fenomenologia, numa abordagem existencialista em
Frankl, para trabalhar o sentido da vida das participantes; na psicologia analítica em
Jung, para a identificação e compreensão das linguagens simbólicas das criações
artísticas; na autopoiése em Maturana, a fim de fortalecer as participantes em sua
auto-organização, dentro de uma concepção de ser humano integral (bio-psicosocial-espiritual).
A metodologia utilizada possibilitou que a pesquisa atingisse seus objetivos,
caracterizando a mulher mastectomizada e suas necessidades com relação ao
cuidado integral à saúde; identificando ações arteterapêuticas para o cuidado à
saúde integral das participantes; desenvolvendo vivências arteterapêuticas, tendo
em vista o cuidado à saúde integral delas; compreendendo por meio dos resultados
169
obtidos no processo arteterapêutico, a percepção da mulher mastectomizada, no
que diz respeito à organização da sua autoimagem; percebendo seus sentimentos,
no que diz respeito à sua autoimagem e colaborando significativamente para o seu
bem-estar e crescimento nesse processo de tratamento do câncer.
Nesses dois casos pesquisados uma delas, nomeada de AN teve medo de
ser abandonada pelo companheiro, e, com o processo arteterapêutico, um ano
depois de sua mastectomia, é que começou sentir-se “viva” sexualmente e
preparada para uma vida sexual ativa com seu companheiro.
A autoestima dela no que tange a vaidade feminina de se arrumar e se cuidar
esteticamente, estava comprometida; despertando no decorrer das oficinas de
arteterapia, por meio da dança, dos contos de fadas e da arte pictórica, voltadas
para o despertar de sua feminilidade e sexualidade.
A autonomia e independência estavam rechaçadas de sua vida, pois em
função dos cuidados que o tratamento exigia, ela tornou-se dependente do
companheiro e cuidador para sair de casa; o que no decorrer de seu processo
arteterapêutico foi retomado e transformado, revertendo em maior independência e
autonomia, ao ponto de buscar atividades em ONG, para realização de um trabalho
de fiscalização de licitações públicas, como também, retomando a criação de
artesanatos, que antes do diagnóstico da doença sentia prazer em fazer. Isso
denotou que o processo criativo foi estimulado, desencadeado e significado,
gerando mais vida e mais alegria em seu ser e em suas relações, porque o processo
lhe auxiliou na tomada de consciência e compreensão do sentido de sua vida.
O desenvolvimento de uma consciência cuidadora e a mudança do estilo de
vida também foram auxiliados pelo processo arteterapêutico, resultando num ritmo
mais lento de trabalho e na organização de sua vida, conciliando um tempo
dedicado para si e para coisas que lhe dão prazer, como também para os trabalhos;
equilibrando a sua forma de viver e interagir com o trabalho, os seus papeis de
mulher, esposa, profissional e cidadã.
No segundo caso, que foi denominado de VE, ela conseguiu refletir e
descobrir a motivação de seu adoecimento, para poder compreender e transformar
suas atitudes em suas relações e em sua vida cotidiana.
Também conseguiu compreender suas perdas, como por exemplo, dos
cabelos, encontrando um sentido em sua fé para a doença e para cada etapa do
tratamento que ainda estava iniciando.
170
A arteterapia possibilitou o entendimento dos ciclos de vida-morte-vida que
toda mulher e ser humano vivencia no decorrer da existência, resignificando-os em
prol do restabelecimento de sua saúde.
As práticas arteterapêuticas levaram-nas ao entendimento da evolução das
fases ocorridas durante a vida, e, ao mesmo tempo, promoveu a força de ânimo para
mostrar que o percurso de suas vidas modificado pelo câncer, trouxe e fez com que
cada uma pudesse viver melhor e com mais qualidade de vida; tornando-se
exemplos para auxiliar e melhorar a vida de outras pessoas que estão passando
pelo mesmo processo de saúde-doença.
A acolhida, a amorosidade e o respeito na dinâmica do grupo também
confortaram, alegraram e equilibraram as participantes das oficinas de arteterapia.
Segundo
as
mulheres
participantes,
as
vivências
arteterapêuticas
proporcionaram reflexões sobre muitos aspectos de suas vidas, importantes para o
processo de tratamento da saúde. Sentiam paz e tranquilidade, encarando com
naturalidade a doença e as fases do tratamento; sentiram-se mais vivas e femininas,
possibilitando o autoconhecimento, o resgate de si mesmas e escolhas
responsáveis, que permitiram a mudança do antigo estilo de vida, para um estilo
mais saudável, acreditando na capacidade de ir muito além do que já foram, para
evoluírem, cresceram e amadurecerem ainda mais como mulheres e como seres
humanos.
A partir desses resultados relevantes do ponto de vista do cuidado integral em
saúde de pessoas com câncer de mama, percebeu-se a necessidade e a relevância
de desenvolver, uma tecnologia social com a criação de um protocolo de arteterapia
denominado Protocolo ArTCISaP - Arteteterapia no Cuidado Integral à Saúde de
Pessoas com Câncer de Mama (APÊNDICE A). Esse protocolo visa atender pessoas
no cuidado integral à saúde por meio da Arteterapia, e estará aberto para utilização,
tanto por profissionais habilitados do SUS (Sistema único de Saúde), como por
profissionais habilitados de outros espaços de atendimento à saúde.
Além disso, o protocolo ArTCISaP embora tenha sido desenvolvido para o
atendimento de pessoas com câncer de mama, tem flexibilidade em sua
metodologia para que profissionais habilitados, possam utilizá-lo na promoção em
saúde, educação em saúde e também como prática integrativa em outros tratamento
de saúde.
171
Esse projeto de pesquisa conseguiu atingir seus objetivos de cuidado integral
à saúde e, por isso, suscitou alguns questionamentos importantes para
investigações futuras e aprofundamento a cerca do tema trabalhado, dentre eles:
Como mobilizar políticas públicas para o desenvolvimento de projetos de Arteterapia,
voltados à saúde pública no cuidado integral à saúde, em promoção e educação em
saúde para pessoas em situação de risco social? Conforme a região, suas
demandas e especificidades como prevê o SUS, poderiam ser desenvolvidos
projetos com adolescentes, moradores de rua, dependentes químicos, enfim, o
público regional de maior necessidade.
A maior limitação encontrada no processo da pesquisa foi justamente a carga
horária. Afinal, as demandas que as participantes trouxeram, necessitariam de um
tempo maior de vivências arteterapêuticas. Aliás, seria interessante acompanhá-las
desde o momento do diagnóstico da doença, em cada fase do tratamento, até o
momento em que estivessem bem e se sentindo seguras.
A arteterapia mostrou o quanto os espaços de saúde necessitam desse tipo
de terapêutica. Ela é uma grande aliada nos processos de saúde-doença, pois
possibilita maior aprofundamento de seus participantes e usuários em relação ao
que estão sentindo, pensando, até mesmo identificando, compreendendo e
integrando conteúdos emocionais que estão inconscientes, mas presentes em suas
vidas, sem que os saibam. Tudo isto terapeuticamente reverte-se em benefícios
importantes para as pessoas e para o Sistema de Saúde no Brasil.
172
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177
APÊNDICE A – Artigo enviado para publicação na Revista Saúde &
Transformação Social
1.1 Tecnologia em arteterapia para à saúde de pessoas com
câncer de mama
Technology in arteterapy for the health´s people with cancer´s breast
RESUMO
Este artigo apresenta uma proposta de tecnologia social em arteterapia para o
cuidado integral à saúde de pessoas com câncer de mama, na forma de um
Protocolo metodológico, com abordagem transdisciplinar, chamado: ArTCISaP, o
qual inclui vivências arteterapêuticas com cinco momentos dinâmicos e interligados:
Cuidando do ambiente, Acolhimento do ser, Cuidando do ser nas vivências, Espaço
e movimento para a saúde integral e Acolhimento amoroso de despedida.
Palavras-chave: Saúde; Tecnologia em Saúde; Arteterapia.
ABSTRACT
This paper proposes a social technology proposition in Arteterapy in the form of full
care from people with breast cancer, using methodological Protocol called ArTCISaP,
in wich is using five dynamics and interconnected steps, wich arteterapeutics way of
five: to care with the environment, careful with the human being; having a place for
the full health, and a time with love saying good bye.
Keywords: health, health technology, arteterapy
2
INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva apresentar uma Tecnologia Social em Arteterapia, de
acordo com a proposta do Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho da
UNIVALI. Essa tecnologia social foi desenvolvida para uma pesquisa prática do
178
mestrado supracitado, dentro do Projeto de Extensão Mãos de Vida: Humanização
da saúde no atendimento às pessoas portadoras de câncer de mama, que ocorre na
Unidade de Saúde Familiar e Comunitária da UNIVALI, em Itajaí, SC. A pesquisa
desenvolveu quinze vivências arteterapêuticas, semanais, com duas horas de
duração, com duas mulheres mastectomizadas, em idades entre 30 e 55 anos,
participantes do Projeto de Extensão Mãos de Vida e que foram mastectomizadas.
Pela relevância dos resultados dos processos arteterapêuticos das participantes, foi
gerado o protocolo ArTCISaP (Arteterapia para o Cuidado Integral à Saúde de
Pessoas), na intenção de estender o cuidado integral à saúde por meio da
Arteterapia a outros nichos da área da saúde, como por exemplo: à promoção em
saúde, educação em saúde, como também para outras demandas: tabagistas,
dependentes químicos, pessoas em situação de risco social de várias faixas etárias
e etc.
3
PREÂMBULO
O mundo contemporâneo atravessa grandes desafios. O ser humano do
trabalho pesado eminentemente braçal, criou, aperfeiçoou e começou a se utilizar de
tecnologias que vieram substituir seus músculos, sua força física, erradicando
doenças, fazendo transplantes de órgãos, desenvolvendo órgãos artificiais que
substituem órgãos humanos, constatando células capazes de substituir as doentes e
degeneradas; enfim, conquistou o espaço em que está inserido. Entretanto, um dos
grandes problemas que caracteriza a fragilidade da saúde, está numa crise de
ordem psicossocial, no esvaziamento existencial do ser humano.
O homem de hoje pode adoecer psiquicamente tanto por causa do sentimento de inferioridade
como em razão do sentimento de carência de sentido, em razão da frustração de sua
necessidade de sentido diante de sua existência, de sua aspiração e de sua luta por investir
em sua existência tanto sentido quanto possível e por realizar em sua vida tantos valores
quanto possível.1
O resultado dessa crise está notoriamente visível no alto uso de medicação
em práticas terapêuticas das mais diversas e num culto à imagem corporal
altamente artificializada. Outro impacto desta crise é a violência em diferentes níveis
e o alto índice de mutilações do corpo e dos próprios projetos de vida. Tais
179
fenômenos provocam no ser humano um certo “esvaziamento” por um busca
consciente de melhor qualidade de vida e bem-estar.
O suicídio também faz parte desta dinâmica. Segundo o Ministério da Saúde,
o Brasil está entre os dez países no mundo com maior taxa de suicídio absoluto,
7.987 pessoas em 2004. De 1994 a 2004 houve um aumento de 24,7% de suicídio
entre
as
mulheres2.
Os
fatores
de
riscos
são
os
transtornos
mentais,
sociodemográficos, psicológicos e condições clínicas incapacitantes.
Nas condições clínicas incapacitantes entram as pessoas com diagnósticos
de neoplasias e as lesões desfigurantes perenes, características do público alvo
desta pesquisa. As propostas e programas do SUS visam o cuidado integral dessas
pessoas, porém, apesar de todos os esforços em todos os níveis de atendimento,
com toda a tecnologia em medicamentos, equipamentos e etc., alguns casos não
são devidamente solucionados.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA)3, o câncer de mama, por
exemplo, é a segunda doença que mais mata mulheres no Brasil. De 1979 a 2004 a
taxa de mortalidade das mulheres por câncer de mama aumentou em 38,62%,
perdendo apenas para o câncer de pulmão. Essa pesquisa reforça a necessidade de
investimentos em mais tecnologias, mas também em terapias que viabilizem o
diagnóstico precoce para o tratamento e o cuidado integral de pessoas com
diagnóstico de câncer de mama.
A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde mostra a relação da
proposta com os princípios e diretrizes do SUS, da Atenção Integral à Saúde e a
construção da Cadeia do Cuidado. Segundo a Portaria nº 1996, de 20 de agosto de
2007, a Educação Permanente em Saúde tem como objetivo, a aprendizagem
significativa, que visa transformar as práticas profissionais na saúde, bem como a
organização no trabalho4. A Educação Permanente em Saúde prevê que é possível,
a partir do aprender e do ensinar no cotidiano do trabalho, uma resolução dos
problemas, levando em conta as experiências e conhecimentos que as pessoas já
têm; seja na gestão e organização do trabalho, rompendo com o conceito
verticalizado, trabalhando com a ideia de rede, focando nas necessidades de saúde
das pessoas e populações; mobilizando nas práticas em saúde os três princípios do
SUS: universalidade, integralidade e equidade.
Segundo o Ministério da Saúde5, os três princípios supracitados são um
grande desafio para o Estado, para os seus colaboradores e toda a sociedade.
180
O princípio da universalidade diz que saúde é um direito de todos e um dever
do Poder Público, o qual deverá promover ações efetivas em saúde que lhe garanta
acesso à saúde, ofertando-as a todos que dela necessitem, enfatizando a prevenção
e a redução do tratamento de agravos.
Na integralidade a atenção à saúde deve considerar as necessidades
específicas de grupos e pessoas, mesmo que estes representem a minoria em
relação à população atendida. Reconhece-se que esse princípio é de alta relevância,
porém levantam-se aqui os seguintes questionamentos: é possível promover saúde
integral somente considerando as especificidades de grupos e pessoas? Ou na raiz
desse princípio de integralidade já está implicitamente posto à necessidade de se
pensar a estruturação constitutiva do ser humano, na sua integralidade
ontoantropológica, que é o ser-homem como centro do processo do conhecimento?
Vale ressaltar que para Maturana6, quando se diz o que é o ser, está se
comunicando exatamente o que um observador focado em seu objeto está dizendo,
validando uma afirmação sobre o ente, que diz respeito à percepção de quem
observa.
O ser humano e o conhecimento são constituídos nas ações do viver e do
existir no mundo. Além disso, o ser humano como estrutura de existir é
multidimensional na dinâmica interna e nos domínios de interação. Dentro dessa
visão de ser humano, vale afirmar que, para Maturana6, ele se realiza no
entrelaçamento entre o linguajar e o emocionar-se, possibilitando a compreensão
dos processos que constituem o ser e o fazer no cotidiano. Por isso a expressão
verbal e não verbal do usuário deve ser observada, respeitada e valorada no
processo de saúde-doença.
Quanto ao princípio da equidade implica redução das disparidades sociais e
regionais e é a prioridade em todo o sistema de saúde pública no Brasil. Logo, as
políticas públicas de saúde, em suas estratégias, visam à elevação política de todos
os cidadãos a um patamar mínimo de cuidado em saúde, que caminhe em direção a
um maior equilíbrio para a justiça social em saúde. Para tanto, é preciso conhecer o
usuário e suas relações cotidianas para conhecer suas necessidades. Porém, como
fazê-lo sem a acolhida e a aproximação amorosa e respeitosa? Sem dar-lhe voz, ou
seja, oportunizar o processo de empoderamento para se autoafirmar e se
autocolocar na existência?
181
Dentro dessa visão surgem as práticas arteterapêuticas que vem
corroborar com a proposta do SUS, consolidando estratégias e ações que ampliam
e mobilizam a Educação Permanente em Saúde, pois trabalham a criatividade e a
reflexão crítica, no processo de autoconhecimento de seus usuários, humanizando
o cuidado integral.
A arteterapia é uma prática terapêutica através da arte, que desenvolve no
ser humano capacidades para enfrentar suas adversidades no mundo da vida. Ela
oportuniza a autoeducabilidade do ser humano para o reconhecimento de suas
capacidades criativas nas relações sociais. A arte é uma expressão legítima do
poder criador do ser humano e de sua capacidade de poder ser no mundo,
descobrindo razões para registrar sua história e transformar sua vida7.
Há muitos anos estas pesquisadoras vêm trabalhando com a arteterapia,
tanto na educação, quanto na saúde das pessoas. A convivência com a pesquisa no
tema e com a rede de profissionais que trabalham com essa prática, oportunizou o
desenvolvimento de um trabalho que vem se consolidando no sentido de mostrar
que a arteterapia numa perspectiva transdisciplinar realiza ações de respeito ao
cuidado integral das pessoas na promoção, prevenção e reabilitação no que tange
aos seguintes aspectos: elevação da autoestima, organização da autoimagem,
autoconhecimento, controle da impulsividade, liberação de energias biofísicopsíquicas que resultam em desequilíbrios dos mais variados, superação de fobias,
aprendizagem, desenvolvimento da reflexão crítica e criativa sobre a vida, a morte e
o sentido do viver.
A vivência arteterapêutica é saudável, pois desencadeia na pessoa fluxos
criativos reprimidos por experiências negativas, levando à superação da timidez, da
baixa autoestima, colaborando em diversas situações nos processos de educação e
saúde, no sentido de ajudar na superação de dores e sofrimentos.
As
vivências
arteterapêuticas
permitem
e
possibilitam
a
atitude
transdisciplinar, onde o “eu” e o “outro” se relacionam, se emocionam e se
comunicam. Nesse processo várias áreas do conhecimento podem se cruzar e se
interpenetrar, para dar suporte teórico-metodológico aos processos e resultados
terapêuticos. Tais vivências intermediam um diálogo com uma visão de ser humano
e de mundo integral e de interconexão. Com efeito, o diálogo é também a arte de
comunicar o que está se passando nos processos internos e externos do ser
humano e que em diferentes linguagens expressam um sentido às experiências
182
tecidas arteterapeuticamente numa rede viva de interação comunicativa que
promove a educação e a saúde. Tal processo é terapêutico, pois alcança níveis de
dimensões mais profundas do ser humano e ao mesmo tempo mais amplas, as
quais “con-vivem”; resultando daí um processo educacional de crescimento, saúde e
criatividade para um viver melhor e com mais qualidade.
A atitude transdisciplinar busca a transformação do ser humano em sua totalidade, ao se
relacionar com os outros e com ‘o outro’. Adota como ponto de referência os valores humanos,
o desenvolvimento da consciência, da criatividade, a defesa do meio ambiente, a solidariedade
e o desenvolvimento sustentável, a convivência em harmonia de culturas, raças e crenças
distintas8.
A arteterapia no cuidado à mulher com câncer de mama olha a pessoa não
primeiramente na sua doença, mas nas suas possibilidades de criatividade e
superação da percepção de si mesma e do mundo em sua volta. A primeira
dificuldade a ser enfrentada pelas mulheres, após uma mastectomia, é sua própria
aceitação. Como olhar-se no espelho e aceitar seu corpo mutilado? Este é um
desafio de dor para muitas pessoas. A identificação da mutilação se dá pela
percepção da assimetria do corpo e pela visibilidade da cirurgia, o que para muitas,
é um momento agressivo à sua autoimagem9. Portanto, o acompanhamento dessas
mulheres desde o pré-operatório até o pós-operatório é fundamental para a
reabilitação, porque a mutilação proporciona alteração da autoimagem corporal,
podendo ocasionar traumas de ordem física, emocional, social e etc., influenciando
negativamente no processo de saúde-doença, e nas suas relações existenciais.
Segundo Speiser e Speiser10, as pesquisas sobre a psicoimunidade de
pacientes com diagnóstico de câncer, apontam a repressão de emoções como fator
associado à progressão da doença. As práticas arteterapêuticas favorecem a fruição
de expressões de imagens simbólicas, permitindo a vivência da percepção e da
compreensão da pessoa sobre o seu processo saúde-doença. Com efeito, podem
causar impactos favoráveis para a recuperação da pessoa e mudança de estilo de
vida.
Diante das várias ideias acima, o Protocolo ArTCISaP apresenta relevância
social e política, no sentido de oportunizar informações metodológicas sobre
vivências arteterapêuticas, como contribuição aos processos de cuidado integral às
pessoas com câncer de mama e outras demandas, seja no Sistema Único de Saúde
183
– SUS ou em qualquer espaço de saúde, em que seja necessário e indicado a
arteterapia como prática terapêutica para a saúde e `a educação em saúde.
4
TECNOLOGIA EM ARTETERAPIA PARA O CUIDADO INTEGRAL À SAUDE
DE PESSOAS COM CÂNCER DE MAMA – ArTCISaP
O objetivo dessa Tecnologia Social – ArTCISaP em forma de protocolo
estrutura-se no o cuidado transdisciplinar para a saúde integral com vivências
arteterapêuticas voltadas às pessoas com câncer de mama e outras demandas de
cuidado em saúde. Esse Protocolo ArTCISaP foi gerado a partir do estudo de caso,
com duas mulheres mastectomizadas que frequentam o Projeto de Extensão Mãos
de Vida, na Unidade de Saúde Comunitária da UNIVALI – Itajaí, que objetiva a
humanização da saúde no atendimento às pessoas portadoras de câncer de mama.
As mulheres participantes da pesquisa tinham idades entre 30 e 55 anos, ambas
casadas, mastectomizadas, frequentando a clínica de fisioterapia da Univali de Itajaí.
A pesquisa prática desenvolveu-se desde uma abordagem fenomenológica
existencialista em Frankl; com a psicologia analítica em Jung, para a leitura
hermenêutica-fenomenológica dos símbolos criados no processo arteterapêutico;
bem como, com a teoria da autopoiése em Maturana, para compreender o processo
de auto-organização das mulheres participantes nas vivências com a Arteterapia.
Realizou-se 15 sessões de duas horas cada, semanalmente.
Na pesquisa constatou-se que essa metodologia aplicada ao cuidado integral
à saúde proporcionou e possibilitou a humanização no processo de tratamento
dessas mulheres, as quais perceberam resultados significativos, tais como: elevação
da autoestima; desenvolvimento da autonomia, da autoafirmação e da sexualidade;
organização da autoimagem; compreensão nas diversas fases de tratamento do
câncer, assim como o fortalecimento para o enfrentamento do desafio existencial
que o câncer desencadeia, auxiliando na busca de sentido para viver, tendo como
consequência, a mudança de estilo de vida para um estilo mais responsável,
consciente, de mais qualidade, e, portanto, mais saudável.
184
4.1
Metodologia - Protocolo de Arteterapia no Cuidado Integral à Saúde de
Pessoas - ArTCISaP
Cuidando do ambiente: Antes da chegada das participantes o ambiente é
energeticamente preparado com pensamentos e sentimentos de amorosidade,
respeito e saúde direcionados a quem participará das práticas arteterapêuticas, a
partir da concentração e mentalização da arteterapeuta. Diz Laszlo11 que:
Nós todos somos parceiros na dança cósmica constante e infinita. Ela ‘in-forma’ nossos corpos
e informa nossas mentes. Nós podemos e devemos ficar conscientes dela e permitir que ela
reforce nossas sensações de unicidade com a natureza e de solidariedade com nossos
companheiros humanos.
Ainda referendando Laszlo11, pelo ato de pensar e sentir pode-se comunicar a
mensagem do pensamento ou sentimento desejado, podendo a mesma ter
consequência direta sobre a pessoa ou grupo de pessoas para quem é enviada.
A mensagem é codificada pelo campo psi, alcançando até mesmo pessoas
que se encontram a distância de quem emite o pensamento. Laszlo11 entende o
campo psi como uma subestrutura do holocampo universali, rica em informações e
que pode fazer interconexões espaciais-temporais, criando uma comunicação entre
os seres e o ambiente. Dessa forma, o processo arteterapêutico desenvolvido na
prática dessa pesquisa, com uma metodologia transdisciplinar, contou com mais
essa possibilidade de trabalhar com o que não é palpável e tangível, mas que se
apresenta
como
elemento
verdadeiramente
integrante
desse
processo
arteterapêutico, que é a conexão e preparação mental das integrantes do grupo
antes mesmo de sua chegada ao ambiente de atendimento.
Simultaneamente
a
energização
do
ambiente
e
das
pessoas
pela
mentalização, se utiliza a aromaterapia com fundo musical, sensibilizando ainda
mais outros sentidos da pesquisadora e das participantes à medida que irão
chegando e efetivando a harmonização do grupo.
A música é utilizada como fundo durante todo o tempo do processo da oficina
de arteterapia. Porém, para preparação do ambiente devem ser escolhidos melodias
e ritmos musicais relaxantes, mas que proporcionem alegria e bem estar aos seus
ouvintes.
A aromaterapia é uma prática integrativa que proporciona por meio de
essências vegetais perfumadas, a sensibilização de quem está no ambiente.
185
Portanto, devem ser utilizados aromas de jasmim, lavanda, rosa, bergamota, canela
que segundo Corrêa; Schotten; et al12 tem propriedades calmantes, estimulantes da
alegria, de fortalecimento emocional, auxiliando na desinibição e o bem-estar de
quem as sentem.
Acolhimento do ser: O acolhimento inicia-se com o primeiro passo, no
campo psi, do pensamento como emissor de boas energias; energia de
amorosidade, respeito e saúde, materializando-se com a chegada de cada
participante, que deve ser recebida com sorriso, palavras de boas vindas e/ou com
um abraço acolhedor. Toda essa acolhida deve ter como base o amor. Maturana6
diz:
[...] queremos que o amor seja uma consequência da socialização, não sua fonte, porque nós
queremos que as relações que destroem o amor, como a competição, sejam relações sociais
legítimas. A competição é anti-social. A competição, como uma atividade humana, implica na
negação do outro, fechando seu domínio de existência no domínio da competição. A
competição nega o amor.
Por isso a importância da acolhida amorosa, pois ela produz em seu doador e
no outro que a recebe um sentimento de aceitação do outro e de autoaceitação, de
inclusão, segurança, alegria e bem estar, rechaçando a competição e integrando
nessa inter-relação a cooperação que auxilia na harmonização do grupo.
O acolhimento de todas as participantes individualmente serve também para
que cada integrante sinta-se acolhido pelo grupo, mas também acolha o grupo ao
qual está pertencendo a partir daquele momento; formando assim um todo
harmonioso na intenção individual e grupal, muito embora o grupo seja constituído
pelas diferenças peculiares de cada ser humano que o integra.
Durante o acolhimento individual cada participante é convidado a formar um
círculo chamado de espaço e momento para a saúde integral; aquele lugar que,
quando se está vivenciando transformações ou situações difíceis na vida, dá
segurança para enfrentar e passar por esta fase e seguir adiante. Portanto, o grupo
é orientado a formar o círculo e perceber que este representa para cada integrante
um lugar seguro, onde se encontra amorosidade como energia vital de força
transformadora, que dá forças para a busca de sentido na vida, diante das
adversidades como, por exemplo, o câncer de mama.
Esse procedimento pode ajudar a desenvolver autonomia e independência
nas vivências de cuidado integral à saúde.
186
No círculo, as participantes são orientadas para irem se sentando,
percebendo seu corpo, sua respiração, batimentos cardíacos, seus sentimentos;
buscando receber a energia positiva e saudável do ambiente e do grupo; sentindo o
aroma, o som da música, ir se aquietando, fazendo contato consigo mesmo na sua
intimidade por meio de relaxamento dirigido pela arteterapeuta.
Toda essa concentração, sintonia de cada uma em si mesmo, harmoniza
também o grupo, sensibiliza e prepara as três dimensões, bio-psico-espiritual, de
quem participa, para o próximo passo da oficina de arteterapia.
O espiritual não é apenas uma dimensão própria do homem; ela é a dimensão específica dele.
Embora a dimensão espiritual represente a dimensão específica do homem, não se trata,
contudo, no que diz respeito a ela, da única dimensão dele, dado que o homem é uma unidade
e um todo corporal, psíquico e espiritual1.
Com palavras de amorosidade e respeito as participantes e a arteterapeuta
significa o grupo como um todo vivo, que transforma para o bem e o amor tudo o
que for necessário naquele momento.
Pode-se definir o amor como poder chamar alguém de tu e além disso ser capaz de aceita-lo
positivamente; noutras palavras, compreender uma pessoa em sua essência, tal como ela é,
em sua singularidade e peculiaridade, mas não só em sua essência e tal como é, mas também
em seu valor, em seu dever-ser, o que significa aceita-la positivamente1.
Cuidando do ser nas vivências: Esse é um passo articulado e em conexão
com os passos anteriores, haja vista que esse cuidado se inicia antes da chegada
das pessoas, na acolhida individual, do grupo e na harmonização dos participantes e
do ambiente.
Algumas práticas de movimentos corporais devem ser oferecidas e
estimuladas após o relaxamento, como a movimentação das mãos, pernas e etc.
circularmente, objetivando captar energias de saúde e de harmonia (sempre com o
cuidado de não agredir o corpo, no caso de pessoas que passaram por mastectomia
ou qualquer outro tipo de procedimento que exija delicadeza nos movimentos) tanto
para o corpo físico como também para o psíquico.
Nas oficinas subsequentes, com a aceitação das pessoas que participam,
poderão ser desenvolvidas além dos movimentos corporais, práticas com danças, ao
som de músicas alegres, com lenços de diversas cores, individualmente, no grupo
em sincronia de movimentos e etc.
187
A movimentação do corpo buscando a sensualidade feminina ou masculina,
a amorosidade consigo mesma, a percepção do corpo ao ritmo da música, também
possibilita emoções e sentimentos que sensibilizam o ser humano em sua
integralidade, promovendo o autoconhecimento, a autoaceitação, a elevação da
autoestima, a criatividade, a autoafirmação e etc.
Por isso afirmo que aquilo que distinguimos como emoções, ou que conotamos com a palavra
emoções, são disposições corporais que especificam a cada instante o domínio de ações em
que se encontra um animal (humano ou não), e que o emocionar, como o fluir de uma emoção
a outra é o fluir de um domínio de ações a outro6.
Esse contato mais íntimo consigo mesmo, pelos movimentos corporais ao
ritmo da dança com músicas alegres, permite uma comunicação e uma conexão
com seu todo vivo, abrindo possiblidades de transformações que poderão ocorrer
desde as dimensões biofísicas-psíquicas, sustentadas pela abertura de sua base
espiritual, que é o lócus da força energética para a dinâmica do bem estar do ser
humano no seu cuidado integral à saúde. Defende Maturana6
Ao nos movimentarmos na linguagem de interações com outros, mudam nossas emoções
segundo um emocionar que é função da história de interações que tenhamos vivido, e no qual
surgiu nosso emocionar como um aspecto de nossa convivência com os outros, fora e dentro
do linguajar.
Na interação também com o grupo durante os movimentos corporais
individuais ou sincronizados coletivamente, os participantes se intercomunicam
numa linguagem não verbal, carregada de emoções e sentimentos, mesmo que
estes não sejam positivos e saudáveis (dor, sofrimento, baixa autoestima, medo da
morte e etc.), mas podem ser transformados na interação do próprio grupo,
fortalecendo e renovando quem sente e seus sentimentos, com a energia que o
grupo possibilita e emite nesse ambiente de interações harmoniosas, amorosas e
alegres.
Todo ser humano é limitado. E só é realmente humano à medida que se eleva sobre sua
própria limitação, superando-a e, portanto, “transcendendo-a”. Desse modo, um homem em
geral só é um homem porque – como ser espiritual – está acima do seu ser corporal e
psíquico1.
Logo, é pela dimensão espiritual de todos os participantes integrados, pela
amorosidade, aceitação e respeito, que as emoções vão se modificando e
proporcionando bem estar.
188
À medida que a música vai encerrando a arteterapeuta poderá formar
novamente o círculo, onde sentados iniciarão a prática de bibliodramaii;
primeiramente ouvindo um conto de fada, ou uma história, ou um pequeno texto, ou
uma poesia, conforme o perfil das pessoas atendidas.
Os contos de fada ou outros materiais literários podem ser escolhidos
conforme a necessidade, aceitação do grupo, sempre considerando o nível de
entendimento de cada participante.
Contos de fada são a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos do
inconsciente coletivo. Consequentemente, o valor deles para a investigação científica do
inconsciente é sobejamente superior a qualquer outro material. Eles representam os arquétipos
na sua forma mais simples, plena e concisa13.
Dessa forma, os contos de fada integram uma estrutura de acontecimentos,
papeis e linguagem muito simples e que expressam conteúdos simbólicos
vivenciados pela humanidade em sua herança onto-filogenética. “Nosso organismo
conserva os traços de sua evolução filo-genética. O mesmo se dá com o espírito
humano. Por isso, nada há de espantar quanto à possibilidade de que a linguagem
figurada dos sonhos seja um vestígio arcaico de nosso pensamento”14.
As histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos
em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada. As histórias lubrificam as
engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a saída e, apesar das dificuldades, abrem
para nós portas amplas em paredes anteriormente fechadas, aberturas que nos levam à terra
dos sonhos, que conduzem ao amor e ao aprendizado [...]15.
A prática de bibliodrama é de fundamental importância para que as
participantes vivenciem sentimentos e emoções a serem compreendidos e resignificados, por meio dos personagens, de seus papeis no enredo, dentro de uma
estrutura cotidiana acessível, que as histórias e contos oferecem. Segundo Estés15:
“Na maioria das vezes, conseguimos, com o tempo, descobrir o mito ou conto de
fadas condutor, que contém todas as instruções de que uma mulher necessita para
seu atual desenvolvimento psíquico”.
Após a contação da história deve ser proporcionado ao grupo momentos de
vivências, variando em cada oficina a forma de fazê-lo:
• Pela dramatização: apresentando uma parte ou personagem que mais chamou
à atenção da participante, algum personagem que se identificou e etc.
189
• Pela reprodução da contação oral: mostrando uma parte escolhida pela
imitação, com gestos do personagem ou momento que considerou mais
importante.
• Pela escrita de uma palavra da história que lhe chamou mais à atenção:
observando-a e significando-a, para depois na sequência, também fazê-lo com
as palavras escritas dos outras participantes do grupo, circulando em frente a
todas, refletindo sobre seus significados (as palavras de todo o grupo poderão
ficarem dispostas em círculos para facilitar o trânsito de cada participante com
cada palavra escrita pelo grupo), e, ao final, extraindo e construindo uma
mensagem pessoal.
Na sequência o grupo forma novamente um círculo, apresentando suas
percepções, sensações, ideias, mensagens e reflexões sobre a história trabalhada.
A partir da reflexão do grupo sobre a história e as intervenções da
arteterapeuta, inicia-se o momento de criação da expressão pictórica individual,
porém, sempre esclarecendo que não será julgada ou avaliada por critérios
artísticos, que a estética não será considerada como critério, e, sim, a
espontaneidade no criar, deixando que a mão sozinha com ou sem o pincel,
juntamente com a tinta, marque o papel ou qualquer outro material oferecido. Tudo
isso deve ser realizado espontaneamente sem racionalizar, planejar, nem controlar.
É bom deixar fluir os movimentos e as escolhas das cores.
Muitas pessoas no momento de pintar ficam ansiosas e preocupadas por
entenderem que não sabem desenhar nem pintar, algumas chegam a comunicar isto
verbalmente outras subliminarmente. Por isso, é fundamental sensibiliza-las para
esse momento, deixando fluir com espontaneidade o processo de criatividade
pictórica.
Não raro, a auto-observação forçada, a vontade de “fazer” conscientemente aquilo que deveria
se realizar por si numa profundidade inconsciente, torna-se um obstáculo para o artista criador.
Qualquer reflexão desnecessária pode prejudicar a obra do artista16.
A expressão pictórica pode ser criada numa grande variedade de material.
Entretanto, é importante selecionar materiais adequados às pessoas que vão
trabalhar. Em muitos casos, é preferível utilizar o papel em vez de tela, por exemplo;
não somente por ter um custo mais acessível, mas também, porque a tela poderá
gerar ansiedade e insegurança em quem está pintando pela primeira vez. A
190
espessura do papel se for o caso, é importante ser considerada; pois, papeis mais
finos são fáceis de rasgar se a pessoa que pinta colocar água para dissolver a tinta
ou uma grande quantidade dela num ponto do papel. Além disso, vale salientar que,
pessoas portadoras de deficiência nas mãos, por exemplo, poderão ser estimuladas
a pintar com a boca; dessa forma, desencadeando um processo profundo de
desafio, autonomia e criatividade, os quais resultarão em satisfação, alegria e
elevação da autoestima após o término do trabalho pictórico. Logo, o cuidado na
escolha do material a ser oferecido é de extrema importância também para o
processo arteterapêutico.
Cada participante poderá pintar individualmente sua expressão artística, se
entregando com todas as suas dimensões, ou seja, integralmente à criação das
formas pelas cores; deixando que sua criatividade e espontaneidade se expressem
pictoricamente representando as vivências no grupo, com suas formas e cores, que
fruíram das profundezas e das entranhas de seu ser.
Essa entrega à criação pictórica é terapêutica, pois o som da música de
fundo, com a combinação das cores e das formas durante o processo pictórico,
atinge a emoção, o sentimento em suas profundezas, fazendo emergir conteúdos
simbólicos de significados incomensuráveis e somente parcialmente reveláveis a
quem cria ou observa. Jung14 afirma:
Por símbolo não entendo uma alegoria ou um mero sinal, mas uma imagem que descreve da
melhor maneira possível a natureza do espírito obscuramente pressentida. Um símbolo não
define nem explica. Ele aponta para fora de si, para um significado obscuramente pressentido,
que escapa ainda à nossa compreensão e não poderia ser expresso adequadamente nas
palavras de nossa linguagem atual.
Nesse momento de criação artística várias cores devem ser oferecidas, pois
cada cor interage de maneira diferente com quem as vê, impressionando
primeiramente a visão para atingir a profundidade espiritual de quem tem esse
contato. Elas acabam representando algo do convívio e da experiência externa e/ou
interna, objetiva ou subjetiva de quem as percebe e sente. “A cor provoca, portanto,
uma vibração psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas, em suma, o caminho
que lhe serve para atingir a alma”17.
Além do contato com as cores no momento das pinturas, as participantes
têm contato com as cores antes mesmo desse processo, por meio da dança com
lenços coloridos, que também despertam um impacto profundo durante os
191
movimentos corporais. Ao término do processo terapêutico pictórico de criação
artística deve ser formado o círculo novamente, no qual a arteterapeuta conversará
sobre a importância do respeito, da acolhida, da compreensão e da ética de todo o
grupo para com a pessoa que estiver se manifestando. Para Morin18 a ética solidária
é possível ser construída na compreensão complexa do ser humano, considerandoo na sua multidimensionalidade, em sua incompreensão e altruísmo, em sua
desumanidade e humanidade, como também pelo contexto onde foram construídas
suas experiências, pois reconhecendo o meio cultural da pessoa é possível
compreendê-la.
Com essa visão de ser humano, que está em processo de construção para
uma consciência profunda e solidária sobre si mesmo, sobre o outro, sobre o meio
cultural em que vive e sobre o planeta ao qual habita, é que se forma o círculo do
espaço e movimento para a saúde integral; buscando justamente reflexões,
compreensões e significados sobre a vida, que possibilitarão um passo adiante para
abertura de consciência.
• Espaço e Movimento para a Saúde Integral: Momento criativo dentro de um
espaço de acolhimento, onde as participantes sentadas se encontram na
percepção sensível e inteligível para o despertar de suas expressões artísticas
nas várias manifestações (teatro, literatura, pintura, música e outros). Para
explicitar esses procedimentos diz Jung19:
Devo acrescentar, contudo, que a atividade meramente pictórica, em si, não basta. Além
dessas representações, é necessário compreender intelectual e emocionalmente as imagens,
afim de integrá-las ao consciente, não só racional mas também moralmente. Elas também têm
que ser submetidas a um trabalho de interpretação sintética.
Cada participante deverá observar sua criação, percebendo as cores usadas,
os símbolos materializados, suas partes, o todo da expressão e suas relações. “Do
mesmo modo que as células do sangue são componentes básicos e normais do
funcionamento biológico, as imagens são também componentes básicos do
funcionamento psíquico.”20
Depois de identificar os símbolos, deixar fluir significados simbólicos para as
cores e formas que surgiram, e ir descobrindo a mensagem que a expressão lhe
transmite, como também, nomeando a expressão pictórica criada.
O resultado do símbolo poderia ser comparado com o resultado da perspectiva. Assim como a
perspectiva na dupla dimensão capta a terceira e faz pressentir o espaço no plano, da mesma
192
forma o símbolo, a analogia simbólica, de alguma maneira torna compreensível o
incompreensível1.
Assim, percebe-se que a criação artística faz emergir das profundezas
psíquicas conteúdos simbólicos que têm relação com os sentimentos, emoções
comportamentos e etc., e que, ao serem significados, possibilitam a compreensão e
o bem estar de quem faz esse processo. “Pela compreensão livramo-nos do domínio
do inconsciente”21.
Justamente esses conteúdos psíquicos, quando inconscientes e, por isso,
não significados e compreendidos, podem causar sentimentos e emoções que
acabam por fazer sofrer e até adoecer quem os sentem. Eles podem tomar
proporções desastrosas, devido a sua grande carga energética, que por meio da
arte pode ser aliviada e materializada na forma simbólica.
Todo ser humano é capaz de ascender a uma consciência mais ampla, razão pela qual
podemos supor que os processos inconscientes, sempre e em toda parte, levam à consciência
conteúdos que, uma vez reconhecidos, ampliam o campo desta última22.
As socializações da expressão pictórica criada e de seus significados também
são muito importantes, porque nesse momento a pessoa fala e automaticamente se
escuta. Isso se dá porque teve anteriormente um momento de escuta de si mesma,
da sua intimidade, por meio da expressão criada, demonstrando que se apropriou de
significados; podendo compreendê-los e re-significá-los, dando sentido a eles em
sua vida. Acrescenta-se que a atividade meramente pictórica, em si, não basta.
Além dessas representações é necessário compreender racional e emocionalmente
as imagens, a fim de integrá-las ao consciente, não só racional, mas também
moralmente19. Já Kandinsky17 afirma que:
A explicação que o artista dá de seu trabalho pode ser útil, pois as palavras agem sobre o
espírito e podem assim despertar na alma “formas capazes de descobrir o que faz a
necessidade de uma dada obra”. Ela pode permitir ao leitor associar-se a uma “experiência
vivida da obra”.
A arteterapeuta participa desse processo, assim como nos passos anteriores
e posteriores da oficina, com sua inteireza bio-psico-espiritual, com seus
conhecimentos e experiências terapêuticas, mas também com seus sentimentos e
intuições; acolhendo, mediando e instigando, de maneira a não induzir significados;
todavia, proporcionando questionamentos, para que o significado e a compreensão
193
dos mesmos sejam desencadeados; como também as intervenções terapêuticas
necessárias, procurando fortalecer o que é sadio e desfazer o que é doentio.
Pode acontecer que em certos casos seja necessário destruir pela terapia alguma formação
doentia; no entanto, com a mesma frequência ou até mais frequentemente, pode ser oportuno
e indicado fortalecer e proteger o que é sadio e digno de ser conservado, para deste modo
desfazer o campo em que medra o que é doentio23.
Após a compreensão dos significados da expressão pictórica é dado
sequência à oficina para seu último passo.
Acolhimento Amoroso de Despedida: Esse é o momento final da oficina,
em que os participantes ainda no círculo do espaço e movimento para a saúde
integral, despedem-se deixando uma mensagem positiva para si e para o grupo. “A
alegria da vida reside no triunfo irresistível e constante do valor novo”17.
Ao som de uma música alegre se abraçarão conforme a vontade de cada
um, criando aos poucos um vínculo positivo de amizade e fortalecimento entre os
integrantes do grupo.
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo consiste em apresentar a proposta metodológica social do
Protocolo ArTCISaP – Arteterapia para o Cuidado Integral à Saúde de Pessoas,
como Tecnologia Social, o qual é constituído de cinco momentos terapêuticos,
dinâmicos e interligados para o cuidado integral à saúde de pessoas por meio de
vivências arteterapêuticas.
O Protocolo ArTCISaP oportuniza uma metodologia transdisciplinar de
cuidado integral à saúde de pessoas com câncer de mama, como também é
adequado a outras demandas de cuidado integral à saúde, de promoção e educação
em saúde.
Essa metodologia vem contribuir com os princípios do SUS trazendo uma
concepção de saúde transdisciplinar, auto-organizadora dos processos vitalcognitivos da pessoa em sua multidimensionalidade de ser no mundo.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA)3, o câncer de mama é a
segunda doença de maior índice de mortalidade no Brasil e, também, diante do
aumento no número de casos dessa doença, é fundamentalmente importante que
seu tratamento, não seja feito apenas dentro de uma visão biomédica. É preciso um
194
olhar integral para a pessoa portadora do câncer e uma ação transdisciplinar, diante
de tal complexidade.
Dessa forma, a metodologia do Protocolo ArTCISaP contribui
com essa
demanda, oferecendo uma estrutura dinâmica e inovadora, pois contempla o ser
humano
em
sua
integralidade,
acolhendo-o
em
suas
necessidades
multidimensionais (bio-fisiológica, psicológica, espiritual), utilizando-se de seus
processos criativos, por meio da arteterapia, para lhe possibilitar bem estar, melhor
qualidade de vida e redescoberta de novos sentido para o viver saudável.
As vivências arteterapêuticas por meio do Protocolo ArTCISaP tornam-se
uma inovação, como também uma importante alternativa para o cuidado às doenças
de alta complexidade como o câncer de mama, por exemplo. Assim, a metodologia
ArTCISaP contém e oferece uma estrutura e uma organização de movimentos
procedimentais e atitudinais de cuidado à saúde integral. A sua especificidade foca,
então, modos de cuidado inovadores, numa perspectiva fenomenológica, que é
fortalecida quando se usa estratégias transdisciplinares que trabalham a Arte, a
Filosofia e a Ciência como espaços de conhecimento como possibilidades de inovar
Modelos de Protocolos medicalizantes existentes.
i
Sobre o holocampo, Laszlo11 diz: “temos razões para acreditar que seja um campo
criado pela interação do vácuo quântico, o mais profundo mar de energia do
universo, com as coisas e eventos que evoluem no espaço e no tempo.
ii
Segundo Roese23, bibliodrama foi um termo proposto por Jacob Levi Moreno e
utilizado como técnica terapêutica. A técnica utiliza-se de textos bíblicos, literários,
orais, da vida cotidiana, relacionais, existenciais e etc, fazendo com que seu
participante o vivencie e se envolva em sua inteireza: corpo, alma e espírito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Frankl VE. Logoterapia e análise existencial. Santos JP dos (trad.). São Paulo:
Editorial Psy II; 1995.
2
Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção do suicídio: manual dirigido a profissionais
das equipes de saúde mental. D’Oliveira CF, Botega NJ (org). Brasília, DF: Ministério
da Saúde; 2006.
195
3
Instituto Nacional do Câncer (INCA). Estimativa 2010: incidência de câncer no
Brasil. 2009. http://www.inca.gov.br/estimativa/2010/. Acesso em 14.10.2011.
4
Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe
sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da
União. 1(162); 2007.
5
Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde (SUS): princípios e
conquistas. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2000.
6
Maturana H. A ontologia da realidade. Magro C, Graciano M, Vaz N (org). Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 1997.
7
Dittrich MG. A obra de arte – vivência criadora na adversidade da morte: um olhar
sobre a obra de Dalí. In: Torre S de la, Zwierewicz M (org.). Criatividade na
adversidade. Personagens que transformam situações adversas em oportunidades.
Blumenau: Nova Letra; 2012. p. 141-156.
8
de la Torre S. Transdisciplinaridade e ecoformação: um novo olhar sobre a
educação. Vidigal S (trad.). São Paulo: Triom; 2008.
9
Ferreira M de L da S M, Mamede MV. Representação do corpo na relação consigo
mesma após mastectomia. Rev. latinoam. enferm. 2003. 11(3): 299-304.
10
Vasconcellos EA, Giglio JS. Arte na psicoterapia. Imagens simbólicas em psicooncologia. São Paulo: Vetor; 2006.
11
Laszlo E. Conexão cósmica: guia pessoal para a emergente visão da ciência.
Gonçalves FRF (trad.). Petrópolis: Vozes; 1999.
12
Corrêa B, Schotten L, Machado M. (Artigo científico) Aromaterapia na saúde e na
beleza: desenvolvimento de um manual prático. Trabalho de Conclusão do Curso
Superior de Tecnologia em Cosmetologia e Estética, Universidade do Vale do Itajaí,
Balneário Camboriú. 2010.
13
von Franz ML. A interpretação dos contos de fada. 7ª ed. Spaccaquerche ME
(trad.). São Paulo: Paulus; 2008.
14
Jung CG. A dinâmica do inconsciente. Vol. 8. Rocha MR (trad.). Petrópolis: Vozes;
1984.
15
Estés CP. Mulheres que correm com os lobos. Mitos e histórias do arquétipo da
mulher selvagem. Barcellos W (trad.). Rio de Janeiro: Rocco; 1994.
16
Frankl VE. A presença ignorada de Deus. 8ª ed. Schlupp WO, Reinhold HH (trad.).
Petrópolis: Vozes; 2004.
17
Kandinsky W. Do espiritual na arte e na pintura em particular. 2ª ed. Cabral A
(trad.). São Paulo: Martins Fontes; 1996.
196
18
Morin E. O método 6 – ética. da Silva UM (trad.). Porto Alegre: Sulina; 2005.
19
Jung CG. A prática da psicoterapia. 12ª ed. Appy ML (trad.). Petrópolis: Vozes;
2009.
20
Whitmont EC. A busca do símbolo: conceitos básicos de psicologia analítica. 7ª ed.
Pereira EF, Orberg KM (trad.). São Paulo: Cultrix; 2006.
21
Jung CG, Wilhelm R. O segredo da flor de ouro. Um livro de vida chinês. 11ª ed. da
Silva DF, Appy ML (trad.). Petrópolis: Vozes; 2001.
22
Jung CG. O eu e o inconsciente. 9ª ed. Tradução: da Silva DF (trad.). Petrópolis:
Vozes; 1987.
23
Frankl VE. A questão de sentido em psicoterapia. Mitre J (trad.). Campinas:
Papirus; 1981.
24
Roese A. Bibliodrama a arte de interpretar textos sagrados. São Leopoldo: Sinodal;
2007.
197
198
199
APÊNDICE B– Protocolo de identificação das participantes
PROTOCOLO DE IDENTIFICAÇÃO DAS PARTICIPANTES DA PESQUISA
1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Idade:
Estado civil:
Religião:
Escolaridade:
Município:
200
APÊNDICE C – FICHA DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA E REGISTRO
DA PESQUISADORA PARA COLETA DE DADOS DA
PESQUISA
OFICINA Nº01
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali.
Data: 15/03/2013
Hora: 9h: 30min.
Participantes: Pesquisadora, auxiliar, AN, VE.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: Quem sou eu?
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento na relação consigo mesmo e com o outro.
Cuidando do Ambiente:
Na preparação do ambiente foi utilizada música de fundo com a fragrância de Alecrim,
participaram a pesquisadora e sua auxiliar. Houve uma boa e harmoniosa ressonância entre as
participantes, e, o ambiente, assim como as pessoas, estavam em sintonia com a proposta do
trabalho.
Acolhimento do Ser:
A primeira oficina de arteterapia inicia-se com duas mulheres participantes, ambas
mastectomizadas, uma que será nomeada de AN e a outra de VE. VE salientou que não poderá
participar das 10 oficinas, pois vem com transporte público de sua cidade. AN prontificou-se em
participar das dez oficinas de arteterapia, contribuindo para a pesquisa.
Após explicar às mulheres o projeto de pesquisa e suas respectivas oficinas de arteterapia,
foram preenchidos os termos de consentimento de participação na pesquisa e uma ficha
indicando nome, endereço e telefone das referidas participantes, e, também foi entregue para
elas um cronograma com as datas, local e horários das oficinas de arteterapia.
Cuidando do Ser nas Vivências:
Ao som de uma música calma de fundo VE e AN foram convidadas a formarem um círculo,
sentadas, para participarem de um relaxamento. No início, ambas estavam rígidas e tensas, mas
no decorrer do processo, cada qual foi se acalmando, soltando o corpo e relaxando.
Em seguida, foram convidadas a escutarem a contação da história do “Patinho Feio”, que
segundo Estés (1994, p. 210), era um dia de primavera em que uma pata chocava vários ovos,
mas um, dentre muitos ovos, era grande demais. Os ovos começaram a se partirem e a pata
contente assistia a saída de seus pequenos filhotes; mas aquele ovo grande, não descascava.
Foi aí que uma pata velha comentou:
- Esse ovo deve ser de gansa ou de uma perua, porque de pata, não é não!
A mãe irritada respondeu:
- Não senhora! Esse é meu também, só que é diferente!
O ovo descascou, e, saiu andando, desengonçadamente, uma ave enorme e muito feia aos
olhos daquela comunidade de patos e patas. Todos riam dele e de sua mãe.
201
Até que um dia, sem aguentar o deboche e a humilhação da comunidade, retrucou sozinha:
- Gostaria que esse meu filho desaparecesse, pois realmente é muito feio!
Sem que ela soubesse, ele estava ouvindo, e, com muita sutileza, fez suas trochas de roupa e
saiu em busca de outro lugar para ficar.
Depois de muito sofrer, encontrando pessoas que não o acolheram, banhando-se num lago,
encontrou vários cisnes brancos lindos, tomando banho; chegou próximo deles e eles o
acolheram e o chamaram para perto, foi aí que viu seu reflexo na água e percebeu que era igual
a eles, branco e lindo, que não era um pato feio e desengonçado como o chamavam.
Convidaram-no para ir embora com eles, o que ele aceitou imediatamente, ficando muito feliz
por ter encontrado sua turma.
Reflexão Amorosa-terapêutica
As mulheres durante o conto ficaram atentas.
A pedido da pesquisadora as mulheres escolheram o momento do conto que mais lhes chamou
a atenção.
AN escolheu o momento em que “o patinho se olha no lago, vê seu reflexo e se reconhece como
cisne”, e comentou:
“Eu não me vejo diferente das outras mulheres, mas as pessoas têm resistência, quando me
olham correm os olhos diretamente em minha mama mastectomizada e não nos meus olhos.
Somos como “o patinho feio”, temos resistência em nos olharmos no espelho. Quando perdi os
cabelos pela quimioterapia, eu não usava lenço, preferi usar turbante. Para mim a mensagem do
conto é que a vida é um ciclo, tem alegrias e tristezas. ”(sic)
AN também comentou que no primeiro casamento foi empurrando a maternidade sempre pra
frente por causa do trabalho. Ficou casada por 14 anos e nesse período teve dois abortos, o
marido era alcoólatra e aos quatro meses de casada, com vinte dois anos perdeu seus pais num
acidente de moto. Na época trabalhava demais, e, diante do machismo e egoísmo do marido
acabou deixando-o, ou seja, se separando. Depois de um ano e meio separada, conheceu seu
atual marido e veio morar em Santa Catarina, deixando seus irmãos e tias no Rio Grande do Sul.
Quando adoeceu ficou com receio de ser abandonada pelo marido, depois que contou isso
sorriu e falou:
“Afinal, sou “monoteta”.” (sic)
VE escolheu a parte do conto quando “o patinho sai e vai embora, viu que era feio e foi
rejeitado”. Disse:
“Isso me lembrou da rejeição que sofri de minha família. Minha neta de três anos disse que a vó
agora estava feia, porque estava sem o peito. Ela escutou os adultos falarem sobre esse
assunto, porque ela é muito pequena para atinar isso.
A minha família achava que o câncer era um problema sem solução, as vizinhas não
perguntavam se eu precisava de alguma coisa, mas vinham só para me ver sem o peito e matar
a curiosidade, só querem falar da doença! Está lá no evangelho de São Paulo que temos que
ser mais fortes para superar os fracos, é isso aí! O patinho para a turma que era diferente dele,
era feio, mas quando encontrou os “seus”, vê que é bonito!” (sic)
A mensagem que o conto trouxe para VE foi que:
“O amor de Deus é o principal, quem o ama vence pelo amor! Com fé, sei que a vitória está
marcada, agora é deixar nas mãos de Deus. Eu disse numa conversa com Deus, quando soube
202
da retirada de meu peito, que não nasci com eles e que já havia amamentado muitas crianças;
meus cinco filhos, filhos de vizinhas minhas, os três filhos de uma tia, então, se ele achasse que
eu deveria tirar, amém! Me preocupo é com a graça da cura, os filhos de Deus nunca são
derrotados, mas sim o satanás do câncer. A esperança de cura não está no médico, mas em
Deus. Também devemos procurar falar coisas boas, porque devemos cuidar com o que sai da
nossa boca!”(sic)
Encerrado o diálogo sobre o conto, as mulheres foram convidadas a pintar.
A pesquisadora conversou sobre a pintura, que não era um trabalho artístico para exposição,
mas sim a criatividade pura de cada uma manifestando-se terapeuticamente; portanto, não
precisavam preocupar-se com a pintura, deveriam pegar o pincel, a tinta e ir pintando o papel
sem pensar, com espontaneidade e amorosidade, acolhendo a imagem e mensagem que
criassem.
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
AN iniciou pintando duas montanhas bem no meio da folha, com duas árvores, flores e um
caminho verde, que levava a um lago e no céu duas nuvens azuis.
Para AN:
“O lago significa a pureza, limpeza. As nuvens mostram que o dia está bom; as árvores
representam o crescimento, desenvolvimento; o caminho leva ao lago e as montanhas é um algo
a mais, ir além da montanha, são possibilidades que levam para outros lugares.”(sic)
Ela nomeou sua pintura de “Vida” e continuou falando:
“O câncer foi um presente de Deus, voltei à vida! Hoje dou volta à beira mar e sinto o cheiro do
mar, sinto o valor das pequenas coisas! Tenho um cunhado que me irrita, pois enquanto luto
para viver, ele está se destruindo aos poucos com seu alcoolismo e não admite ser ajudado.
Não gosto de recebê-lo em minha casa. Antes do câncer eu fazia bonecas de pano, costurava
os pedaços de tecido e ia criando-as. Quando descobri o câncer e iniciei o tratamento, não tive
mais vontade de fazê-las. Há poucos dias fui a um centro espírita e pediram doações para um
bazar. Resolvi fazer uma boneca de pano para doar. Até tirei fotos das partes, mas agora
lembrei que não tirei as fotos dela montada. Não acreditei que fui eu quem fez aquela boneca,
ficou linda!” (sic).
VE pintou uma flor vermelha com miolo amarelo, duas folhas verdes e caule preto suspenso,
sem chão nem raízes com pingos azuis caindo em cima da flor.
“A flor para mim significa alegria, só Deus consegue fazer a flor, nós não! Não conseguimos
imitar nem as pétalas, o cheiro”. (sic)
VE nomeou sua pintura de “Rosa”, e, para ela a mensagem da imagem foi “ O amor de Deus”.
Assim foi encerrada a oficina com a despedida amorosa do grupo.
Acolhimento Amoroso de Despedida:
No encerramento da oficina foi combinado o comparecimento para a próxima semana, porém VE
não garantiu presença, pois dependia de transporte público. O grupo despediu-se com
agradecimentos e abraços fraternos.
Considerações Finais:
Os objetivos da oficina foram alcançados. Conseguiu-se a interação entre as mulheres, a
pesquisadora e a proposta da arteterapia. Percebeu-se um bom entrosamento entre as mulheres
participantes e a pesquisadora; fizeram reflexões sobre si mesmas e suas vidas, permitindo o
desenrolar do processo de autoconhecimento, e, também que a pesquisadora pudesse conhecer
um pouco da história de vida de cada uma, orientando, dessa forma, o processo arteterapêutico.
203
OFICINA Nº02
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 22/03/2013
Hora: 9h:30min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, Bolsista do Projeto Mãos de Vida e AN.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: Quem sou eu?
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento na relação consigo mesmo e com o outro.
Cuidando do Ambiente:
Na preparação do ambiente foi utilizada música de fundo com a fragrância de Alecrim,
participaram a pesquisadora, a auxiliar e uma bolsista do projeto Mãos de Vida.
Houve boa ressonância entre as participantes, portanto, o ambiente, assim como as pessoas,
estavam em sintonia com a proposta do trabalho.
Acolhimento do Ser:
Foi aberta a sala para a acolhida das mulheres e compareceu AN, uma das duas participantes
da primeira oficina. VE, a outra participante, deixou clara sua dificuldade de vir em todas as
oficinas, pois dependia de transporte municipal de sua cidade.
No momento da acolhida, foi possível perceber que AN chegou mais introvertida do que na
semana anterior. Mas mesmo assim, muito meiga, agradável e simpática.
Cuidando do Ser nas Vivências:
AN foi convidada a relaxar ao som da música de fundo; o relaxamento foi dirigido de maneira a
energizar com alegria, tranquilidade e muita saúde cada parte do corpo, inclusive os órgãos
internos, por meio de uma cor escolhida pela participante.
AN revelou que tem facilidade para relaxar, que faz isso diariamente quando observa o mar
próximo a sua casa, e disse que gostou muito de fazer esse processo de relaxamento dirigido
com as cores para o corpo e com fundo musical.
Após o relaxamento foi pedido que AN contasse a história do “Patinho Feio” (ESTES, 1994, p.
210) contada na oficina anterior.
Reflexão amorosa-terapêutica:
AN prontamente começou a contar a história do “Patinho Feio” de forma resumida sem muitos
detalhes, bem objetivamente. Enfatizando que:
“Diante da imagem refletida na água o patinho feio se sente mais a vontade com seus iguais,
amigos do que com a família.” (sic)
Deu um suspiro, e começou a falar que vinha de uma família em que se preservavam os laços
afetivos, parou novamente e suspirou, depois continuou falando:
“Só que na minha família nós não nos abraçamos, mas também não os julgo.” (sic)
(aqui estava falando da avó materna e tias que criaram os seus quatro irmãos quando os pais
morreram).
204
“Gosto de pensar é o que posso melhorar nesse sentido. É óbvio nós temos os nossos erros e
vícios, mas não vemos; minha família pode estar doente. Hoje lá onde moram tem uma casa
desarrumada e eles não conseguem se organizarem para manter o ambiente organizado e
higienizado. Eu tento ajuda-los, mas estou distante e quando vou para lá também não dou conta,
eles deveriam ter uma religião, um caminho”. (sic)
AN comentou isso sobre a família, porque conseguiu perceber a diferença, entre o estilo de vida
e o modo de pensar a vida dela e de sua família de origem, como o patinho feio antes de se
reconhecer um cisne branco e lindo, não percebia a diferença entre ele e a família onde nasceu.
Foi pedido que comentasse sobre a atitude da “mãe pata” durante o conto e AN manifestou-se
dizendo que:
“Em minha família, meus pais sempre foram de agregar os filhos e quando morreram os dois no
acidente, eu como meus quatro irmãos, nos sentimos perdidos, mas não nos apoiamos uns aos
outros, cada um sofreu sua dor sozinho. Apesar da família ser grande, só pudemos contar com o
apoio minha avó materna e de duas tias, que cuidaram dos meus três irmãos mais novos,
porque meu irmão mais velho ficou morando na casa dos meus pais. Mas minha avó sempre
buscou reunir todos nós irmãos para almoços em família nos finais de semana.” (sic)
.
Percebeu-se então, que após a morte dos pais AN se sentiu como o “patinho feio” sem família,
sem apoio e sem rumo.
“Estou me sentindo cansada, preciso de um rumo, me incomoda o fato de meu marido ficar
jogando paciência em casa. Eu me irrito com pequenas “coisinhas”; tem horas que me dá
vontade de dizer para meu marido: Pare essa droga que eu quero descer, sair de casa!
Ele cobra que eu faça alguma coisa, meus artesanatos, que os venda, mas ainda não é o meu
momento, porque é hora de eu me cuidar. Esse camisete que estou usando fui eu quem fez. Eu
nunca pedi ajuda para ninguém porque ele me cuidou e me ajudou, e, me sinto responsável pelo
meu marido, por isso não quero deixa-lo”. (sic)
Importante dizer que o marido de AN tinha fazendas e não precisava se dedicar ao trabalho
diariamente e que também estava fazendo graduação em Blumenau.
Após esse diálogo as participantes foram convidadas a escolherem uma cena do conto para
dramatizarem, vale ressaltar que a pesquisadora também participava das práticas juntamente
com todas as integrantes do grupo.
AN escolheu a parte em que o patinho encontrou o cisne, sua gente, seus irmãos. Ela fez o
papel de patinho feio e afirmou que não se importa em ser rejeitada, que durante a dramatização
sentiu que gostaria de ajudar quem se sentia “o patinho feio”, desprezado e discriminado. E
continuou falando:
“Hoje não me incomoda mais o fato de algumas pessoas me discriminarem por eu ter tirado uma
mama. Também se eu tivesse uma mãe que me abandonasse, me rejeitasse, não me importaria
e seguiria em frente!” (sic)
Durante a dramatização, no momento em que AN fazia o papel de “patinho feio” (no momento
em que se percebeu um cisne), a pesquisadora acenava para que AN viesse de encontro ao
grupo, dando-lhes as mãos, iniciando ao som da música que tocava movimentos em grupo
ritmados.
Aproveitando essa oportunidade as mulheres foram convidadas a escolherem um dos lenços
que ficaram expostos na mesa da sala, para que com eles dançassem.
AN escolheu a cor dourada, dizendo que representava o sol, algo que procurava diariamente
entrar em contato, e, mas que durante a semana choveu muito, não vendo a hora de ver o sol
brilhar no céu.
205
Ela dançou com seu lenço dourado, sendo pedido pela pesquisadora no decorrer da dança, que
soltasse todo o corpo com delicadeza, manifestando a energia feminina por meio da dança.
AN disse que já fez dança do ventre e hoje não conseguia mais dançar como dançava.
Foi sugerido que dançasse em casa com seus lenços, procurando externalizar na dança sua
feminilidade e sedução. Citou também a dança cigana que havia apreciado numa novela.
Terminada a dança AN foi convidada a criar uma expressão pictórica sem racionalizações e
preocupações estéticas.
AN iniciou pintando sua expressão artística com pinceladas fortes, utilizando as cores primárias,
depois foi se tranquilizando e pintando com muita delicadeza, misturando cores e criando novos
tons com as cores oferecidas.
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
No momento do círculo de cuidado integral AN falou da relação dela com a família que estava no
Rio Grande do Sul, que apesar do apoio emocional dado aos irmãos, faltava organização e
limpeza na casa; comentou que quando os visitava se irritava com a desorganização e falta de
higiene.
O fato de o marido não necessitar trabalhar a irritava também, pensava que apesar de estudar,
ele poderia estar produzindo muito mais. Reconheceu que foi bom ele ter cuidado dela durante o
tratamento do câncer, porém gostaria que ele fosse mais ativo. Também se sentiu pressionada
por ele em se engajar numa cooperativa de artesãos, para vender as bonecas de pano que
começou a produzir. Mas que ainda não queria vende-las.
Disse que se sentiu um pouco tímida durante a dança e que gostou da sugestão de dançar em
casa.
Falou sobre a falta de investimento na questão da sexualidade. Confessou que ainda sente o
marido desestimulado sexualmente em função da falta de sua mama.
A pesquisadora a fez refletir sobre a necessidade de trabalhar a energia feminina na dança, para
auxilia-la no resgate de seu poder de sedução, que estava faltando em sua relação com o
marido.
Ao comentar sobre sua expressão artística AN disse:
“Pintei a paisagem que avistei ontem. Fiz alguns matinhos, que representam para mim o
crescimento, pois mesmo com a areia eles têm a possibilidade de vida; pintei a faixa de areia,
que significa um pouco de segurança, preciso dela por que não entro no mar, ele me dá medo; e
pintei também o mar que lá no fundo parece encostar no céu. Essa paisagem da pintura me traz
paz. O nome dela é “Praia”.” (sic)
Acolhimento Amoroso de Despedida:
Durante o encerramento foram trocados abraços afetuosos e combinado o próximo encontro.
Considerações Finais:
Essa oficina atingiu seu objetivo, pois AN refletiu sobre algumas situações de sua vida e sobre
as mudanças que desejava para essa nova fase.
206
OFICINA Nº03
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 05/04/2013
Hora: 9h:30min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher e a Intuição Criativa.
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido na intuição criativa feminina.
Cuidando do Ambiente:
Iniciou-se a preparação do ambiente com incenso de mirra e música de fundo, que se fazia
concentradamente, desejando energias de saúde, sabedoria e equilíbrio para o ambiente e às
pessoas participantes.
Acolhimento do Ser:
Com a chegada de AN fez-se o acolhimento dela.
Para essa sessão AN apresentou-se mais alegre, com o cabelo enfeitado, uma aparência mais
feminina e fisionomia radiante.
A acolhida incluiu a apresentação dos artesanatos feitos por AN durante as duas semanas, entre
a última sessão e a atual, pelo fato da semana anterior ter sido feriado (sexta-feira santa). Ela
mostrou suas criações artísticas com muito entusiasmo. Confeccionou bolsa, toalhas de louça,
peças decorativas para cozinha com bonecas.
Cuidando do Ser nas Vivências:
A partir da formação da roda de contação de história, foi oferecida a oportunidade a AN de ler o
conto planejado pela pesquisadora que se chamava “Vasalisa”, o que ela aceitou gentil e
alegremente.
AN leu o conto interpretando-o com muita entonação, sentindo-o, o qual segundo Estés (1994,
p.100), era a história de uma menina chamada Vasalisa que tinha sua mãe no leito de morte. Ela
e seu pai assistiram a mãe partir para morte, mas antes ela deu uma pequena boneca de pano
vestida igual a filha e disse que aquela boneca a ajudaria, se estivesse perdida ou se precisasse
de alguma coisa.
A mãe morreu e o pai casou-se com uma mulher viúva com duas filhas. Quando o pai se
ausentava elas maltratavam Vasalisa. Até que um dia planejaram algo para que a menina
sumisse e nunca mais voltasse.
Então apagaram o fogo da casa e disseram a ela que somente Baba-Yaga, a bruxa dentro da
floresta, poderia lhes dar de volta o fogo; porém, somente Vasalisa conseguiria; elas jamais
entrariam na floresta.
Vasalisa aceitou buscar o fogo e foi floresta adentro, mas no meio do caminho tinha uma
bifurcação, e não sabia que caminho tomar. Então, a boneca agitava-se dentro do bolso de
Vasalisa indicando o caminho correto.
Ao se aproximar da casa de Baba-Yaga encontrou três cavaleiros: o negro, o vermelho e o
branco em seus respectivos cavalos. Até que se deparou com a casa da bruxa que tinha a cerca
207
toda enfeitada de caveiras. A casa era aterrorizante!
A bruxa a surpreendeu chegando em seu caldeirão dirigido por sua vassoura, rindo
estridentemente, e, perguntou o que menina queria. Vasalisa falou o seu propósito de estar ali.
Entretanto, para dar o fogo à Vasalisa exigiu tarefas impossíveis da menina como, por exemplo:
em poucas horas separar as sementes de papoulas de uma montanha de estrumes e muitas
outras tarefas impossíveis para tão pouco tempo e tão pequena menina.
Todavia, a boneca mandava a menina dormir e descansar, que ela cumpriria as tarefas, e, assim
foi feito.
Ao chegar à casa a bruxa se admirou de tal feito e perguntou como Vasalisa conseguiu, e a
menina contou que foram as bênçãos da mãe através daquela boneca que a ajudou.
A história terminou depois que a bruxa irritada diz que, ali não tinha lugar para bênçãos e
mandou a menina embora com o fogo prometido. Vasalisa ganhou o fogo da bruxa numa caveira
e saiu da floresta em direção à sua casa.
A madrasta e suas filhas ao perceberem a presença da caveira de fogo na mão da menina cada
vez mais próxima delas se desesperaram de medo, até que identificaram que era Vasalisa.
Comentaram com a menina que tentaram acender o fogo, mas foi inútil. A caveira ficava
observando a madrasta com as filhas e as queimou por dentro, ao amanhecer o dia a mulher e
suas duas filhas tinham se reduzido a cinzas.
E assim terminou a história de Vasalisa.
Reflexão amorosa-terapêutica:
Em seguida, AN foi convidada a escolher uma palavra do texto que mais lhe chamou a atenção
para escrevê-la numa tira de papel.
Após escolher e escrever a palavra na tira de papel, ambas foram convidadas a colocarem suas
tiras de papel, ficarem em frente a elas, e, a escolherem um lenço de sua preferência para
dançarem em volta de suas palavras, percebendo as mensagens que elas lhes passavam.
AN escolheu o lenço bege por falta de um branco, dizendo que o branco seria a cor que ela
escolheria.
AN dançou a música com seu lenço e era estimulada a se soltar e deixar fluir sua sensualidade
feminina e sua criatividade.
Terminada a música foi perguntado a ela sobre o significado de sua palavra e sobre as partes
que mais lhe chamaram atenção no conto, assim como a mensagem deixada.
“Eu escrevi a palavra benção/boneca porque as duas tem o mesmo significado, é uma fusão que
elas fazem e que significa “nunca desista de seus sonhos”. Cavalo seria outra palavra que eu
poderia escolheria.” (sic)
A pesquisadora perguntou qual seria o significado do “cavalo” e AN respondeu:
“Significa misterioso. O melhor cavalo é aquele que você alimenta.” (sic)
A pesquisadora interrogou qual dos três cavalos do conto ela escolheria e por quê. AN
respondeu:
“Eu escolheria o cavalo branco, pois representava no conto o dia. Mas o vermelho também é
bonito, porque é fogo, liberdade, força, feminilidade para prosseguir a vida depois dos
cascalhos.” (sic)
208
Depois AN continuou falando:
“A arteterapia está me ajudando, eu estou me sentindo feliz, vitoriosa e muito viva, ontem fui à
inauguração da loja de uma amiga, de carro e sozinha, algo que há pouco tempo não faria. Vi
que JÚ ficou feliz dessa minha vontade de ir sozinha. Se fosse outros dias ficaria em casa para
não ter que ir sozinha na inauguração. Me senti muito feliz! Foi uma conquista para mim!” (sic)
AN também comentou que está conseguindo produzir seus artesanatos e que já estava até
tentando vendê-los. Algo que ela vinha resistindo e que estava fazendo muito bem a ela.
Quando foi falado pela pesquisadora em resgatar a Baba-yaga interna que trazia o fogo da
criatividade. AN falou o seguinte:
“Precisamos dizer não, porque a gente só diz sim, eu não sabia dizer não, fazia tudo o que
minha família queria, mesmo depois de ter dito não, ao meu relacionamento com o meu primeiro
marido, sofrido a separação! Mesmo assim não sabia dizer não, para a minha família eu só dizia
sim. Servia de motorista e faxineira para eles no final de semana em vez de cuidar da minha
casa. Eu trabalhava fora! Mas acho que fui 80% feliz, mas não me sentia respeitada. Agora vejo
que foi uma fuga, segurei a família para me envolver com isso e não sentir falta do casamento e
me manter em pé, me ocupar. Sobre a boneca da história me toquei que quase não tive
bonecas, mas boneca é algo que sempre gostei!”(sic)
Segundo AN, sua mãe contava que quando tinha três ou quatro anos de idade, tinha uma
boneca que levava num carrinho de ferro e um dia a mãe estava colocando fogo nuns papeis no
quintal e fez uma fogueira.
AN vendo a fogueira atirou o carrinho com a boneca no fogo. Teve outra boneca aos doze anos,
ela era grande e estava em cima da cama e seu irmão se atirou em cima dela quebrando-a, pois
era feita de plástico duro.
Quando criança, sua avó materna pegava uma almofada, enrolava num pano e dizia que era
uma boneca, dando para ela brincar. Todavia, sempre preferiu brincar com bolas, correr e outras
coisas; nunca foi muito de brincar com bonecas, por isso, não sentiu falta da boneca que atirou
no fogo, nem daquela que seu irmão quebrou.
Nesse momento AN falou:
“Durante o meu primeiro casamento tive dois abortos. Também acabei substituindo minha mãe,
fazendo o papel dela na família. Ela sempre foi a mula de carga da nossa família. Era assim que
me sentia com meu primeiro marido. Limpava a casa nos finais de semana, porque trabalhava
durante a semana, ele vinha dos rodeios com os amigos de cara cheia e entrava com as botas
sujas de bosta de cavalo, acabando com todo meu trabalho do final de semana. Sem contar que
eu cuidava dos animais, dava comida, água, ia atrás deles quando saiam para a rua.” (sic)
Comentou que imitando o modelo de sua mãe, AN se anulou e se sentiu usada pela família.
“Então busquei a arte, mas não gostei das cores country, que o curso oferecia, queria fazer
bonecas. As pessoas comentavam que eu gostava de fazer bonecas, porque queria substituir o
filho que ainda não tive. Mas me identifico fazendo bonecas, porque isso significa vida. Eu
adorava produzir bruxas, naquele período que produzia as bruxas, era um período em que eu
estava muito triste. Penso que naquele período de minha separação nós podíamos ter evitado a
separação, se ajudássemos um ao outro. Por exemplo, eu com meu atual marido nos tornamos
bons amigos, ele ficou impotente diante da minha mutilação, se afastou sexualmente de mim e
eu dele, mas sempre foi muito presente e companheiro, não perdemos a atração, ele tem por
mim e eu por ele cumplicidade, amor e carinho incondicional.” (sic)
Afirmou que as bruxas que produzia durante o período de tristeza, estavam guardadas numa
caixa, e, não conseguia coloca-las expostas em seu atelier de artesanatos, pois as bruxas
tinham roupas escuras.
209
Foi sugerido pela pesquisadora que fizesse roupas novas e coloridas para as bruxas, para que
virem Baba-yagas, lembrando-a do fogo da criatividade que tinha dentro de si.
Na sequência AN iniciou sua criação pictórica.
AN pintou o seu autorretrato com uma grande boca sorrindo e uma boneca na mão. Ela riu da
boneca, pois achou sua boca muito grande, e disse:
“Que boca enorme! Mas é assim que me sinto, feliz!” (sic)
Iniciou a pintura pela roupa, justamente o que gostaria de mudar em suas bruxas guardadas
havia muito tempo. A roupa de seu autorretrato foi feita com as mesmas cores da roupa que
estava usando durante a oficina de arteterapia.
Também pintou um grande sol. O sol que ela procurava contemplar em seu dia-a-dia, nas
caminhadas à beira mar.
Sobre o sol AN falou:
“O sol eu pintei grande para dar calor para mim e para a boneca que carrego na mão em minha
pintura. Senti que tenho que sair da zona de conforto e preciso ajudar outras mulheres como
eu.” (sic)
AN completou seu pensamento dizendo:
“Quando falei do triplo-negativo para meu médico ele não gostou nem um pouco e me, disse que
quando estou fazendo minha comida, não fico explicando para os outros, o que vou fazer. Mas
queria saber mais sobre esse tipo de câncer, fui diagnosticada com ele, pesquisei na internet e
descobri que não se tem tratamento específico, que a quimio nesse tipo de câncer, trata com
bons resultados apenas 60% das mulheres, ele é agressivo e dá metástases no fígado, ossos,
pulmões e cérebro. Aí escrevi um texto muito bom sobre a necessidade de pesquisas e
investimentos, inclusive fui elogiada por uma amiga e vou pesquisar mais, vou me engajar num
grupo que já existe na internet, para poder fortalecer os direitos das mulheres com esse tipo de
câncer, como por exemplo, tratamento mais específico, quem sabe nossas filhas e netas se
beneficiarão. Temos que dar o primeiro passo, somos 77 e mais quantas pudermos juntar nessa
luta. (sic)
A pesquisadora a parabenizou pela iniciativa, encorajou-a a continuar sua luta junto as outras
mulheres, mas pediu que afastasse a ideia de metástase, pois o câncer era uma doença que se
alimentava dos medos e das tristezas. Disse também, que cada caso era um caso, que cada ser
humano era único e reagia diferentemente em todas as situações da vida, até mesmo aos
tratamentos. Que ela deveria acreditar que fazia parte dos 60% das beneficiadas pela
quimioterapia.
AN concordou e disse que não pensava negativamente, que estava pensando o melhor, a cura e
a volta à vida com mais qualidade.
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
No círculo da saúde integral AN comentou sobre os benefícios do processo arteterapêutico para
ela:
“A arteterapia me faz sentir mais viva, mais feminina, tipo colocar uma tiarinha no cabelo,
adaptar acessórios e já tenho vontade até de comprar roupas novas, mas tenho que perder
peso, estou com 20 quilos a mais, pesando 83 kg. Preciso fazer dieta, mas já me sinto mais leve
e isso a arteterapia também tem contribuído.” (sic)
Voltou a falar do “cavalo”, contando que foi mordida no braço direito, desenvolvendo uma
trombose. Narrando o ocorrido:
210
“Fui tratar os cavalos do meu marido, sempre fazia isso, mesmo pensando que isso não era
minha função e sim que eu devia era cuidar só da casa, porque já tinha o bastante.
Depois de ser mordida pelo cavalo, meu marido e os amigos dele ficaram rindo da minha cara,
porque eu saí irritada. Meu marido até comentou pra eles, eu escutei: “Está nervosinha com o
cavalo ou comigo?” (sic)
Disse que foi trabalhar e ao mostrar para uma amiga de trabalho o braço mordido, a amiga se
admirou e comentou ser um ferimento muito sério, que AN deveria procurar um médico.
Ela contatou um médico amigo e de sua confiança. O médico disse que era grave e que poderia
leva-la à morte, pois havia desenvolvido uma trombose no local da mordida.
AN relatou que seu braço ficou amassado e roxo. Em seguida contou:
“Depois de falar com meu médico pensei, o que esperar dessa vida? Isso é a gota d’água e falei
para meu marido, que não era dever e nem obrigação minha, tratar os cavalos dele, que a partir
daquele dia iria me dedicar só a casa.
Depois desse acidente, fui bordar ponto cruz, e, meu primeiro trabalho foi um relógio e tudo o
que fazia tinha “relógios”.” (sic)
A pesquisadora pediu que falasse sobre o significado do relógio e AN disse:
“Todos temos uma missão a cumprir. Devemos viver o hoje e não sofrer por antecipação.” (sic)
Falou de um passeio que ela e o atual marido estavam programando e que dois lugares
escolhidos não deram certo, mas que não desistiram e estavam decidindo para onde ir. Sobre
isso AN comentou:
“Queremos ir num lugar especial para a gente se curtir. Tem que ser algo especial.” (sic)
A pesquisadora pediu que AN nomeasse sua pintura e desse um significado para a boneca que
pintou em seu trabalho e vivenciou no conto de “Vasalisa”. Ela ficou pensativa e respondeu:
“O nome do meu trabalho é “Vida” e para mim a boneca é a benção, é uma resposta, uma força,
um motivo de viver.” (sic).
Em seguida a pesquisadora pediu que AN dissesse qual era a mensagem que ficou para ela das
vivências na oficina, ela disse:
“A mensagem que esta sessão me deixou foi “Vida e alegria”“. (sic)
Assim encerrou-se mais uma oficina de arteterapia.
Acolhimento Amoroso de Despedida:
Fez-se a despedida do grupo com desejos de boa semana, abraços amorosos e alegres.
Considerações Finais:
Os objetivos desta oficina foram atingidos, pois a reflexão de AN sobre os acontecimentos
doloridos e sofridos de sua vida e de seu tratamento do câncer proporcionaram o
aprofundamento cada vez maior de seu processo de autoconhecimento, elevando sua
autoestima e necessidade de autoafirmação, resultando no desejo e na vontade responsável de
mudanças em sua vida e em seu ser, em seus vários aspectos; como por exemplo: em seu
relacionamento com o marido, em sua sexualidade e vaidade feminina, em seu processo criativo
e artístico, como também em sua independência e ação empreendedora.
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OFICINA Nº04
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 12/04/2013
Hora: 9h:30min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN, VE.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher e a Intuição Criativa.
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido na intuição criativa feminina.
Cuidando do Ambiente:
A preparação do ambiente foi feita com a fragrância de mirra e transmissão de bons
pensamentos como de saúde, paz, sabedoria para todas as participantes do processo
arteterapêutico.
Acolhimento do Ser:
AN chegou alegre e tranquila, falando de seu trajeto de casa até o local. Ela foi acolhida com
alegria e amorosidade assim como VE.
VE chegou atrasada por causa de um acidente no trânsito. Pediu desculpas, pois já havia
iniciado a oficina. No momento oportuno comentou que não tinha comparecido às outras
oficinas, porque teve consultas médicas nesse mesmo horário.
Cuidando do Ser nas Vivências:
AN foi-se acomodando na cadeira do círculo e começando o relaxamento, que se deu com a
transmissão de luzes coloridas em cada parte do corpo, inclusive para os órgãos e células,
incluindo as da mama, pedindo que essas luzes transmitissem energia de saúde, equilíbrio,
harmonia, paz, amor e tranquilidade.
AN relaxou muito bem e conseguiu fazer o processo que lhe foi pedido.
Em seguida, iniciou-se o resgate oral do conto da Vasalisa (ESTÉS, 1994, p.100) trabalhado na
oficina anterior.
AN foi contando a história e fazendo relação consigo mesma e sua vida.
Reflexão Amorosa-terapêutica:
AN começou falando da família da atualidade, que o casal se desestruturava por falta de
diálogo, estavam se distanciando cada vez mais, assim como os filhos, cada qual procurando
seu espaço, perdendo o elo e a reciprocidade. E continuou:
“O jovem de hoje procura a rede, põe eu te amo lá, para o amigo e não fala isso para a família.
Hoje as pessoas não dividem mais as dores, tem muito individualismo. Eu venho de uma época
diferente, do interior do Rio Grande, onde existia mais vínculo.” (sic)
Neste momento VE que compareceu na primeira oficina pediu para participar, justificando que
chegara atrasada devido ao trânsito lento e que nos outros encontros tinha médico no mesmo
horário das oficinas, mas que gostaria de continuar participando junto com o grupo.
Ela foi totalmente acolhida pela pesquisadora e pelo grupo que demonstraram alegria e
212
satisfação em seu retorno.
AN afirmou o seguinte:
“Eu tomo essa doença como um presente de Deus, que me fez enxergar que não podia
continuar vivendo apenas para o trabalho, que a vida é para ser vivida com qualidade, e,
atualmente, percebo que estou me cuidando mais e vivendo a vida mais intensamente,
buscando contato com a natureza, apreciando o mar, o sol. A alimentação pra mim virou um
ritual prazeroso e de saúde, faço alimentos gostosos, mais saudáveis. Hoje tomo meu chimarrão
meditando, pensando, conversando com meu marido; o que antes eu fazia trabalhando, em pé,
correndo de um lado pro outro, sem mesmo sentar.” (sic)
A pesquisadora e AN colocaram VE a par do conto e ela também participou do diálogo de
significação da história de “Vasalisa” (contado na oficina anterior).
VE concordou com a fala de AN sobre o individualismo de hoje, dizendo:
“Hoje não se tem mais aquela ajuda; eu dei de mama até para o filho de uma vizinha e hoje tem
mulheres que não dão nem para o próprio filho. Eu venho de um vilarejo, do interior do Paraná,
em que as pessoas se ajudavam. Quando morria alguém, se era mulher as mulheres davam
banho, vestiam a defunta; se era homem, a mesma coisa, os homens é que davam o banho no
defunto, botavam a roupa. Meu pai fazia o cachão, forrava mais colorido para as mulheres e
mais escuro para os homens. Era tudo partilhado, os vizinhos passavam a noite com o doente e
depois com a família quando o doente morria, a gente se ajudava, me criei assim.” (sic)
VE fez uma analogia do fogo que Vasalisa trazia com a fé, afirmando que:
“Com a fé a gente tem a sabedoria e a esperança para aceitar e lutar contra a doença.” (sic)
Quando VE foi questionada pela pesquisadora sobre o sentido da doença em sua vida, disse:
“Só Deus sabe o porquê da minha doença.” (sic)
VE em seguida comentou que estava se dedicando em ajudar as pessoas da comunidade de
sua igreja, visitando-as e ouvindo seus problemas, que tinha dias que eram muito pesados pra
ela ver o sofrimento das pessoas.
Foi orientada pela pesquisadora em continuar com esse trabalho, porém encontrando uma
maneira de não absorver os problemas alheios, e ficou acertado com VE de que quando
acontecesse esse tipo de situação, imediatamente recorreria as suas orações e meditações;
para eliminar essas cargas emocionais pesadas e negativas, no intuito de se equilibrar, pois o
momento exigia um cuidado especial consigo mesma. Devendo respeitar seus limites físicoemocionais se utilizando de sua fé.
Foi pedido pela pesquisadora que AN resgatasse a lembrança das tarefas do conto.
Nesse momento AN falou que as tarefas eram uma troca, “Vasalisa” estava cansada e a boneca
realizava as tarefas, fazendo uma analogia entre a boneca e sua força interior. Colocando a mão
na mama mastectomizada disse:
“Eu preciso buscar a força interior para seguir o meu caminho, meu momento de manter “a
chama acesa” foi o câncer, pois é como se estivesse no escuro e ele me acendesse a luz da
vida. O câncer foi consequência do stress, do que eu fiz de minha vida.” (sic)
VE interrompeu e disse:
“Mas cada passo em seu tempo, você já fez esse processo de entender o porquê da doença, eu
ainda não sei e nem parei para pensar. A boneca é como se fosse minha vida quando eu dormia
era Deus que fazia minhas tarefas e me dava forças para suportar, porque eu peço em nome de
Jesus e renuncio na fé essa doença, ela não é minha, eu não aceito, não quero! Então consigo
213
direcionar meu caminho apesar das dificuldades. É um caminho de muitas descobertas, vejo o
próprio Deus na minha vida, a boneca é Deus, aquele que faz o nosso trabalho. Foi uma
maldade o que a madrasta fez com Vasalisa, mas no final foi bom, porque ela conseguiu a luz.
Assim somos nós com essa tarefa que Deus colocou no nosso caminho.” (sic)
AN concordou e disse:
“Deus é quem traz a luz na escuridão. Nós poderíamos ir ao encontro de quem está iniciando o
tratamento e dizer não desista! Tenha fé, tudo vai passar!” (sic)
A pesquisadora afirmou que essa ação é positiva, porque via AN e VE entusiasmadas em ajudar
pessoas, e, essa amorosidade, dava um sentido para a doença e à vida de ambas.
VE disse:
“Não posso questionar Deus, cheguei muitas vezes a pensar, porque essa doença não acontece
com uma velhinha, por exemplo, e, sim, comigo, que preciso trabalhar e ainda sou nova. Mas o
espírito santo me ajuda, pois não posso questionar os desígnios de Deus, não posso questionar
e sigo a vida.” (sic)
A pesquisadora afirmou que questionar até se podia, o que não adiantaria era se revoltar, mas
ao contrário, tentar encontrar uma resposta sobre o sentido do sofrimento, ou seja, o sentido da
doença para cada uma.
AN disse:
“Questionei e me dei conta que o câncer me ajudou a perceber que devia me cuidar e ter uma
vida melhor e ser um ser humano melhor. Quantas vezes fui ruim com as pessoas que
trabalhavam comigo, eu não tinha tempo pra nada! Agora vejo tudo isso.” (sic)
VE disse:
“Quem sabe ainda vou saber o motivo de ter essa doença, quem sabe é também esse o motivo,
trabalhar tanto e pensar tão pouco em mim.” (sic)
A pesquisadora pediu que cada uma falasse a mensagem que ficara do conto. VE disse:
“Eu tenho uma vida muito agitada, trabalho muito, para os meus filhos, dou atenção para o meu
marido, sou ministra da eucaristia, tenho um trabalho na minha igreja, visito os doentes, levo
uma palavra de consolo e a eucaristia.” (sic)
A pesquisadora perguntou a VE, o que costumava fazer que lhe desse prazer na vida, que
momento da vida cotidiana era dela, e, que ela reservava para ela. VE respondeu dizendo:
“É quando faço minhas orações sozinha na igreja, entregando para Deus tudo que me
incomoda.” (sic)
VE ainda não se apropriou da “responsabilidade” desse processo, colocando tudo na mão de
Deus e em sua fé. Não conseguia um tempo para si mesma, e ainda não descobriu o sentido da
doença em sua vida, o que no decorrer do processo arteterapêutico descobriria.
A pesquisadora no intuito de fazer VE refletir um pouco mais sobre Deus e sua fé, pois o divino
em suas falas sempre apareceu como algo fora, um Deus antropomórfico, perguntou a ela que
era Deus pra ela.
VE respondeu:
“É como um professor que prepara a gente para a prova, quando te dá a prova, ele fica só te
observando, porque te deu o tempo do aprendizado. Não adianta a criatura reclamar contra o
criador!” (sic)
214
A pesquisadora pediu que VE pensasse profundamente, sobre “que prova Deus a havia
preparado, qual era o sentido para a vida dela passar pela mastectomia e por todo esse
tratamento do câncer. Sugeriu até que durante as suas orações, não com uma oração pronta,
mas com uma oração que viesse do fundo de sua alma, pedisse uma luz sobre essas questões.
Nesse momento VE começou a chorar e durante o seu choro foi acolhida pela pesquisadora
com um carinho em suas costas. Após cessado o choro, VE ficou quieta, demonstrando uma
reflexão profunda sobre o que havia sido solicitado a ela.
Enquanto VE refletia AN comentou:
“Para mim a doença é um presente de Deus para eu poder evoluir como ser humano.” (sic)
Como seria essa evolução, perguntou a pesquisadora a AN. Ela respondeu:
“Mudando a nossa vida, observando melhor as coisas a nossa volta, deixando de ser máquinas.”
(sic)
AN não conseguiu lembrar o final da história de Vasalisa, a pesquisadora contou o final e
perguntou a ela quem eram ou foram a madrasta e as filhas em sua vida?
AN respondeu:
“É o meu passado que deixei para trás.” (sic)
VE disse:
“O passado acabou ali agora é uma nova vida.” (sic)
Com essa afirmação de VE percebeu-se que durante as reflexões, VE tenha tido uma abertura
de consciência para um novo sentido em sua vida. Isso foi se confirmando à medida que ela foi
experienciando e vivenciando o processo arteterapêutico.
AN disse:
“Me sinto curada do câncer, ele não me incomoda mais!” (sic)
VE disse o seguinte:
“O câncer é o encontro com a verdade que incomoda.” (sic)
Depois dessa afirmação de VE, AN relatou que:
“Uma vez eu esperava por uma consulta, e, de repente, uma mulher saiu aos berros do
consultório médico, no meio da consulta, depois que o médico falou da doença para ela. Tem
pessoas que reagem dessa maneira! Não adianta.” (sic)
VE disse:
“Acordar todo dia já é um milagre.” (sic)
Após o diálogo sobre o conto a pesquisadora pediu que cada uma escolhesse um lenço que
mais lhe agradasse, que se enrolassem neles e iniciassem as suas criações pictóricas.
VE escolheu o lenço com pequenas rosas, algo que vinha pintando em suas expressões
artísticas. AN escolheu um lenço lilás a cor que ela se identificou no momento.
VE esboçou preocupação por não saber pintar, e, novamente foi acolhida, no sentido de que não
se preocupasse com a beleza estética, que o objetivo não era a beleza, e sim, que a pintura
215
fluísse sem racionalizações, e, com espontaneidade escolhesse as cores, as formas e texturas
de sua pintura.
Após essa orientação da pesquisadora VE mostrou-se tranquila e muito concentradamente
iniciou sua criação pictórica, por uma bola preta no alto e no canto esquerdo da folha
lentamente; depois começou no canto direito uma bola amarela circulada com a cor branca
lentamente. Ficou calada enquanto pintava, colocou em seguida uma base verde na parte
inferior da folha, fez os caules verdes das flores. Nesse momento falou dos nódulos que tinha na
axila.
AN iniciou sua pintura com um coração vermelho no centro da folha, depois pintou seu centro de
amarelo e contornou de branco o vermelho, na tentativa de suavizar a cor. Contornou o coração
vermelho com verde e tentou suavizar com branco, falando que pintando com as cores primárias
tinha lembrado de seu marido, para o qual ensinou uma música afim de que ele não esquecesse
as cores primárias, e cantou: azul, amarelo e vermelho também... Comentou que o marido só
lidava com gado.
A pesquisadora questionou se AN estava falando do ex-marido e ela respondeu que estava
falando do atual marido; dizendo que ele agora estava estudando e que isto estava fazendo-o
melhorar, sair daquele meio e aprender coisas novas; seguiu contornando o coração com o
marrom, depois tentando suavizar a cor ela disse que usou a cor branca.
VE comentou que iria iniciar a quimio e AN disse que sentiu muito enjoo, mas que cada pessoa
tinha uma reação diferente.
A pesquisadora orientou que VE tomasse cuidado, pois não deveria acreditar nas conversas “de
sala de espera de médico e exames”, onde algumas pessoas teriam o hábito de falar coisas
negativas, assustadoras, que não ajudariam e não contribuiriam em nada para a saúde de quem
escutasse. Cada organismo reagiria de uma maneira diferente e sugeriu que levasse um livro ou
ficasse fazendo sua oração antes do início e durante a quimioterapia, imaginando aquele líquido
entrando em suas células e as curando.
AN também pintou tranquila, porém conversava:
“Engraçado, o conto da “Vasalisa” esteve em meu pensamento a semana inteira! A arteterapia
está melhorando minha autoestima e minha sexualidade. Estou me sentindo mais feminina, mais
vaidosa e pensando em minha relação com meu marido; já estou desejando ele sexualmente,
algo que há muito tempo estava adormecido em mim. Antes da arteterapia me sentia num
casulo, e agora me sinto uma nova mulher; uma AN nova despertando para a vida, cheia de
cores, sons, aromas, uma borboleta colorida que está rompendo o seu casulo. Com a arteterapia
estou evoluindo meu lado feminino que estava adormecido. Cozinhando pratos diferentes, pintei
algumas paredes do apartamento para me sentir melhor em minha casa, expus a minha
porcelana e pintei meu armário de branco. Me senti em casa.” (sic)
A pesquisadora lembrou-a da cigana que havia citado na sessão anterior, e AN disse:
“Gosto não da nômade, mas cigana que dança, me lembra a roda de chimarrão. Readquiri a
energia para pendurar até quadros que estavam guardados, enfeitando a minha casa, limpei
eles e restaurei as molduras deles para pendurar na parede. São os quadros que minha sogra
pintou.” (sic)
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
A pesquisadora pediu que as mulheres observassem suas pinturas e falassem sobre o
significado que cada uma conseguia extrair delas.
AN disse:
“Minha pintura é um coração, é um todo harmonizado, em que o lilás significa saúde, a cor
branca a paz, o verde a esperança, alegria é todo esse conjunto. O nome dela é “Benção”.” (sic)
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A pesquisadora perguntou a AN o que significava para ela a benção. AN respondeu:
“Benção é um conjunto de tudo, inclusive a esperança, sabedoria e a fé. O vermelho é amor,
branco paz, verde esperança, azul é vida, amarelo é a luz de existir, lilás é saúde, a cor
mesclada de lilás e branco é a harmonia de um todo.” (sic)
VE disse:
“Coloquei o verde porque é esperança, mas coloquei uma nuvem escura menor, porque a
nuvem como o câncer é passageira, e, o sol está por trás do preto, que é luz, esperança; assim
como o verde das flores. O sol é o Deus maior, é a luz de Deus, a nuvem é a doença que vai
passar, a mensagem é que não devemos perder a esperança, a fé e falar de coisas boas e não
das ruins. Estou cansada, mas vejo as coisas boas. A nuvem é passageira e o sol dissipa a
nuvem. A mensagem é “esperar em Deus.” Ver o amor de Deus, o amarelo é a luz do espírito
santo, o vermelho é o amor de Deus e o branco a paz que está a motivar a gente diante da
dificuldade. Muitas vezes valorizamos a vida quando estamos prestes a perder. ”(sic)
VE com essa afirmação demonstrou estar refletindo o sentido de sua vida e da doença em sua
vida.
Foi encerrada a oficina com a despedida amorosa do grupo.
Acolhimento Amoroso de Despedida:
A despedida deu-se com o grupo desejando boa semana, dando abraços amorosos e alegres.
Desejando a VE uma quimioterapia de sucesso e de saúde.
Considerações Finais:
A oficina mais uma vez atingiu seu objetivo, fazendo com que as mulheres refletissem sobre seu
processo de saúde-doença; compreendendo o verdadeiro sentido desse processo em suas
vidas, como também possibilitando o desenvolvimento de suas consciências.
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OFICINA Nº05
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 19/04/2013
Hora: 9h:30min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN, VE.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher Criativa e a Renovação do Amor.
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido pela autonomia criativa e a
renovação do amor.
Cuidando do Ambiente:
Para a preparação do ambiente a pesquisadora se utilizou do aroma de mirra e assim como nas
outras oficinas, mentalizou-se a chegada e participação de todas com amor e sabedoria, para
que a oficina atingisse seu objetivo.
Acolhimento do Ser:
A oficina iniciou-se com as duas participantes AN e VE que foram acolhidas pela pesquisadora e
convidadas a se assentarem no círculo para relaxamento.
Cuidando do Ser nas Vivências:
AN conseguiu relaxar e visualizar as luzes em cada célula, órgão e parte do corpo com
facilidade.
VE normalmente iniciava o relaxamento com o corpo bem rígido, mas no decorrer do processo,
ia relaxando.
Ambas relataram que conseguiram fazer todo o processo pedido pela pesquisadora e que se
sentiram muito bem.
Nessa oficina AN novamente fez a leitura do conto, o qual foi “A mulher esqueleto”, que segundo
Estés (1994, p. 168), começou com a história de uma mulher que havia feito alguma coisa que
seu pai não aprovara e por isso ele a jogou de cima de uma pedra no fundo do mar.
Os pescadores da região não se atreviam de pescar naquelas imediações.
Mas um pescador desavisado ali começou a pescar em sua bateira com sua rede. Ele percebeu
que algo ficou preso na rede e começou a puxa-la, porém a rede ficou muito pesada e ele todo
animado, achando que era um grande peixe, já começava imaginar que ficaria muito tempo sem
pescar, pois com aquele peso, o peixe parecia ser dos grandes e alimentaria não só ele, mas
todo o vilarejo onde morava.
Não sabia ele que fisgou a mulher esqueleto que tentava livrar seus ossos engatados da rede.
Até que afinal ele conseguiu puxar a rede para a superfície do barco e percebeu o que havia
pescado.
Desesperado com a rede ainda fora do barco e com aquele esqueleto engatado remou até a
praia e saiu correndo, puxando a rede.
Todavia, correndo pensava que a mulher corria atrás dele e não percebia que ela estava vindo a
solavancos presa em sua rede de pesca.
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Chegou a seu iglu e mergulhou lá dentro no escuro, achando que estava seguro ali dentro; até
que de repente acendeu a lamparina e percebeu a mulher em seu lado no iglu, com muito medo
de ser jogada novamente no mar e com seus ossos totalmente enleados em sua rede.
Nesse momento o pescador começou a solta-la; osso por osso e enleando a linha que sobrava.
Cansado o homem a cobriu com suas peles e dormiu.
Ao dormir a mulher esqueleto percebeu que duas lágrimas rolavam em seu rosto e bebeu-as
matando sua sede. Depois percebeu seu coração batendo como um tambor, ela retirou-o de seu
peito e segurou-o na mão com seu batuque bum-bum-bum-bum, nesse momento ela começou a
se recompor de carne, virando um ser vivo.
Após formar todo o seu corpo com cabelos exuberantes, devolveu o coração no peito do homem
e deitou-se nua com ele debaixo das cobertas, unindo seu corpo ao dele.
Contavam que assim que o dia amanheceu os dois foram embora juntos e sobreviveram do que
o mar lhes dava diariamente, afinal a mulher esqueleto alimentou os seres no fundo do mar com
sua carne e agora eles os alimentavam.
Reflexão Amorosa-terapêutica:
Após a contação da história foi aberto espaço para que elas pudessem colocar suas ideias e
sentimentos, assim como as partes do conto que retratavam um pouco de si e de suas vidas.
AN disse:
“Ele tinha uma sombra atrás dele, o que me chamou atenção é que quando ele dormiu ela se
transformou em um ser humano pela lágrima dele.” (sic)
A pesquisadora falou da morte para a cultura atual e ocidental, como também nas outras
culturas: (vida-morte-vida).
Em seguida AN falou:
“Acredito que todos tem um ciclo de vida, tive um período que morreu quando estava com meu
ex- marido e nasceu um novo ciclo, onde tive que lidar com o câncer, e, mais outra fase, a que
estou vivendo agora, que é a fase da cura. Esse esqueleto eu espero que não seja a minha
sombra, pois o pescador correu com medo do esqueleto como se fosse uma sombra.” (sic)
VE disse:
“Eu entendi que ele teve muito medo do esqueleto, porque vinha atrás dele, quando pensou
estar salvo no iglu, ele viu que ela ainda estava ali, o medo e a ansiedade acompanhou ele e
quando enfrentou o medo e encarou a mulher esqueleto ela se transformou numa bela mulher.
Ele corria e na verdade ele é quem estava arrastando ela, a gente tem que fazer a moda dele ou
dela, e, enfrentar a vida.” (sic)
No momento em que a pesquisadora perguntou sobre o significado da lágrima VE chorou,
depois de alguns minutos de silêncio disse:
“A gente tem altos e baixos, é difícil! A vida inteira a gente tem as lágrimas, são coisas difíceis,
mas não impossíveis de serem resolvidas e enfrentadas. A gente deve cantar a vida, porque
assim a mulher esqueleto reviveu, criando carne em seu corpo e virando uma mulher.” (sic)
Importante perceber que VE já conseguiu refletir um pouco mais profundamente sobre seu
processo de saúde-doença, demonstrando sua responsabilidade nesse processo, sem colocar
tudo “nas mãos de Deus”, como sempre afirmava nas oficinas anteriores que participou.
AN falou:
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“O tambor é a vida bate, bate, bate.” (sic)
VE disse:
“Quando eles dormem juntos o calor deles fez nascer a vida.” (sic)
AN afirmou:
“Ele fez o resgate da mulher que estava com ele, no instante em que ele cuida e é cuidado. No
meu processo, no fim do meu período de “casulo”, também fui cuidada, tive um cúmplice dentro
do lar, ele me cuidou, com isto surgiu outro quadro, uma relação de amigos, não mais de marido
e mulher e agora é o meu momento de cuidar dele e resgatá-lo. O fato de não termos relação
sexual, tenho certeza que ele não tem outra mulher, agora até estamos dormindo de conchinha,
depois que o aconselhei com as angústias dele de não poder ajudar um casal de amigos, isso
fez a nossa aproximação na hora de dormir.” (sic)
No momento em que lia o texto AN se identificava com a leitura e comentava:
“Quando a gente se dispõe a conhecer o outro, vamos nos apaixonando cada vez mais. Quando
ele passou a me cuidar, ele passou a ver as minhas manias no dia-a-dia, até a maneira de fazer
as coisas. Eu também me conheci melhor, ter que ficar esperando por ele para fazer inclusive a
minha higiene pessoal não foi fácil! (sic)
VE diz:
“Você tenta o máximo não exigir dos outros para não incomodar, já cuidei de muita gente, mas
tenho dificuldade de ser cuidada.” (sic)
AN falou:
“Meu medo era depender de alguém para fazer minha higiene e etc., mas já cuidei de uma
amiga e a gente tem que se permitir ser cuidada.” (sic)
VE falou de sua vida cotidiana:
“Recebo ajuda, mas continuo fazendo tudo!” (sic)
A pesquisadora falou para VE que se imaginasse na seguinte situação: Deus esperava que ela
realizasse uma missão em sua vida, mas por não se cuidar suficientemente adoeceu
gravemente. Ele lhe daria uma última chance, o que faria? Preocupar-se-ia mais com as
pequenas coisas do dia-a-dia?
VE respondeu:
“Cuidaria mais de mim e de minha saúde.” (sic)
A pesquisadora olhou fundo nos olhos de VE e comentou: Mas, não vais ter uma segunda
chance! O que achas VE?
Ela demonstrou surpresa e respondeu:
“É mesmo! Vou me cuidar!” (sic)
AN disse:
“Se olharmos pra trás não vemos as portas que estão abertas em nossa frente.” (sic)
AN afirmou isto após refletir sobre a pergunta que a pesquisadora fez a VE. AN percebeu que
precisava transformar sua vida, e, que não adiantava ficar parada, somente reclamando do que
não estava bom, a “borboleta” precisava sair do “casulo”.
220
Pelo fator tempo foi proposto a elas duas possibilidades: encerrar as discussões e continuar na
próxima oficina para que pudessem fazer a dança dos lenços; ou continuar as discussões e
interpretação da história. Ambas quiseram continuar com o diálogo sobre o conto, porque estava
sendo muito interessante.
A pesquisadora falou do ciclo da vida-morte-vida, que era preciso a morte, para que houvesse o
renascimento.
AN comentou que:
“Toda a vida é assim, a cada morte de alguma coisa na vida, mudamos o nosso ponto de vista, o
modo de pensar e de ser.” (sic)
VE concordou e disse:
“Nós queremos continuar a ter o mesmo ritmo, mas precisamos modifica-lo para nos cuidarmos.”
(sic)
Com essa fala VE mostrou o quanto já evoluiu, desejando transformar sua vida para melhor!
Responsabilizando-se por sua mudança e não somente esperando que Deus a fizesse por ela.
AN disse:
“Precisamos cortar alguns vícios.” (sic)
VE disse:
“A gente acaba se contaminando com os problemas dos outros, por exemplo, minha cunhada
me envolve em problemas que eu não posso resolver. Tenho pena dela, mas também tenho
meus problemas. Não quero cortar a amizade! Tomamos um chimarrão juntas todos os dias no
final da tarde.” (sic)
A pesquisadora orientou que VE combinasse com sua cunhada que, quando se encontrassem
para tomar chimarrão, só falassem de coisas boas, alegres. Porque nem VE e nem sua cunhada
poderiam sofrer ou resolver o problema ou o sofrimento que cada uma estava passando no
momento.
VE concordou e achou uma boa saída para não precisar deixar a amizade da cunhada para
trás.
AN falou:
“Cuidamos tanto das pessoas e às vezes elas não vão nos cuidar, por isso, não devemos
assimilar o que os outros trazem de problemas, devemos nos resguardar. Não devemos ficar
com as pessoas que não nos fazem bem.” (sic)
VE falou:
“O pescador esperava um peixe grande e no fim veio a mulher esqueleto. Assim como na
história, eu vejo que o sono refaz a nossa vida, é a esperança de um novo dia.” (sic)
AN disse:
“Grande parte das mulheres pensa que serão abandonadas depois que descobrem o câncer de
mama.” (sic)
VE disse que não teve esse sentimento:
“Tenho um bom relacionamento com ele, isso não me preocupa, estou casada há 32 anos. O
221
que permanece é o amor.” (sic)
AN disse que teve esse medo de ser abandonada:
“Talvez pelo pouco tempo que estávamos juntos. E no fim foi o contrário, ele foi meu cúmplice,
ele inclusive raspou o cabelo dele quando fiz a quimio.” (sic)
VE disse que quem a acompanhava era a filha, pois o marido trabalhava, mas que entendia a
situação dele.
Com o encerramento do diálogo, cada participante foi convidada a escolher uma cor do lenço
que lhe trouxesse naquele momento vida, saúde e amor.
VE escolheu o vermelho e disse:
“Representa pra mim o sangue de Jesus e ele tem o poder da cura, a cura veio pelas chagas de
seu sangue.” (sic)
AN escolheu o dourado e disse:
“É a riqueza em geral, energia, harmonia.” (sic)
Iniciaram a pintura, porém sempre relembrando as participantes de que deveriam deixar fluir
espontaneamente, sem ficarem censurando ou racionalizando o processo de criação pictórica.
VE no início demonstrou grande preocupação com a estética do trabalho, dizendo que não sabia
pintar direito.
Durante a pintura VE contou sobre seu tratamento, que iria iniciar a quimioterapia e que o
médico prescreveu 4 sessões da vermelha e 12 da branca, que eram as cores de sua fé e disse:
“O vermelho que representa o sangue de Jesus e tem o poder da cura de todos os males, pois
foi o sangue do sacrifício por todos nós, e, o branco foi a luz que irradiou do coração de Jesus
quando não havia mais uma só gota de sangue. (sic)
AN durante a pintura comentou:
“Estou feliz em ter a possibilidade de um trabalho voluntário no observatório social de Itapema,
pois estava me sentindo fortalecida para exercer outra atividade e marquei uma reunião para a
próxima semana lá com eles.” (sic)
AN foi parabenizada pela pesquisadora por sua iniciativa, a qual demonstrou a evolução de AN
nesse processo.
VE iniciou pintando um ponto preto e AN partiu, de um ponto amarelo formando um casal. Elas
trocaram informações sobre a quimioterapia; a pesquisadora afirmou que cada pessoa reage de
forma diferente, para VE ir sem preocupação, deixando as coisas acontecerem; se uma pessoa
sentiu determinado sintoma, isso não significaria que ela iria senti-lo também.
A pesquisadora afirmou que importante era ir entusiasmada, com pensamento positivo e durante
a sessão ir imaginando o líquido como algo divino, curando as células do corpo, ficando em
oração naquele momento.
A pesquisadora se utilizou da fé de VE para auxiliá-la naquele momento do tratamento, o que
poderia favorecer a sua saúde e até a cura do câncer.
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
Quando AN observou sua pintura, significou-a dizendo:
222
“Criei a harmonia, um coração pulsando junto com o outro, para que a energia de cura aconteça.
A natureza é transparente, o amarelo é energia do sol e o nome da pintura é “Harmonia”.” (sic)
VE falou da sua criação pictórica dizendo:
“A árvore significa que devemos cuidar da natureza, o verde é esperança, mas no decorrer da
vida aparecem as sombras (preto) que passam, porém a esperança tem que ser maior para a
graça de Deus aflorar. A flor é o amor de Deus e o vermelho é o sangue de Jesus jorrado na
cruz. Nome da criação é “Cuidar da natureza”. Deus criou o mundo e não definiu nenhum
pedaço, esse é teu e aquele é teu, e, o que sofremos é a desobediência por não nos cuidarmos
e não cuidar da natureza. Meu trabalho mostra a árvore que significa “vida”.” (sic)
Com essa fala VE mostrou que estava sentindo o peso da responsabilidade de se cuidar e
modificar sua vida para melhor.
Quando a pesquisadora perguntou sobre a percepção de cada uma sobre as práticas
arteterapêuticas em sua saúde, AN falou:
“A arteterapia é válida, lamento não ter participado desde a época em que iniciou meus
tratamentos de câncer; achei muito importante a arteterapia para quem está diagnosticada com
essa doença, pois ajuda a gente a refletir sobre muitas coisas da vida e ver a parte positiva disso
tudo e encarar com naturalidade a doença e o tratamento dela.” (sic)
AN comentou ainda:
“Quando eu estava sem doença, eu não tinha a troca que tenho hoje com meu parceiro. A
arteterapia me instiga a ativar o lado sexual, homem mulher no meu relacionamento com o meu
marido. Eu depois da arteterapia estou eclodindo do meu casulo, é super válido, aqui podemos
dividir nossa intimidade sem medo, pois não temos com quem conversar certas coisas que
sentimos.” (sic)
VE também concordou com AN e disse:
“Muitas coisas não temos com quem conversar, aqui encontramos a acolhida e a harmonia para
contar o que sentimos, o câncer é um caminho longo, mas a gente crê na cura. Quando estamos
passando por isso é importante essa acolhida.” (sic)
Acolhimento Amoroso de Despedida:
A despedida deu-se com o grupo desejando boa semana entre si, mas principalmente para VE
que ia iniciar sua primeira sessão de quimioterapia, abraçando-se com amorosidade e alegria.
Considerações Finais:
Os objetivos da oficina de arteterapia foram atingidos com sucesso, as mulheres estavam
evoluindo em seu processo de busca de sentido e de desenvolvimento da consciência,
favorecendo e fortalecendo o processo de saúde em suas vidas.
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OFICINA Nº06
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 26/04/2013
Hora: 9h:30min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher Criativa e a Renovação do Amor.
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido pela autonomia criativa e a
renovação do amor.
Cuidando do Ambiente:
Iniciou-se a sexta oficina de arteterapia com a preparação do ambiente, utilizando incenso na
fragrância de canela e com as mentalizações necessárias para a preparação das pessoas
participantes e do ambiente com energia de amor, alegria, saúde e etc..
Acolhimento do Ser:
AN chegou, como sempre, antes do horário combinado para o início das oficinas e foi acolhida
com abraços e palavras de amorosidade.
Contou que no meio da semana participou da reunião, que havia comentado na semana
anterior, numa ONG, e que faria um trabalho voluntário para eles, fiscalizando as licitações da
cidade onde mora, juntamente com o Ministério Público; com a função de investigar as licitações
públicas e da regularidade ou irregularidade de sua aplicação na prática.
AN Disse:
“Eu estou me sentindo feliz em poder contribuir com esse trabalho, pois estou numa nova fase
de minha vida, consigo perceber que agora vou fazer diferente de antes, vou trabalhar com a
mesma competência de sempre, mas sempre me cuidando, não deixando que o trabalho
interfira em minha qualidade de vida.” (sic)
Cuidando do Ser nas Vivências:
AN comentou que acessou na internet o livro de Estés, o qual era trabalhado nas oficinas os
contos com as mulheres; ela releu as histórias que tinham sido trabalhadas nas primeiras
oficinas de arteterapia. Também leu uma mensagem que pegou de Jorge Freitas Lopes, a qual
tinha como tema amor, amizade e sexo. Mensagem esta que tinha afinidade com o processo
arteterapêutico vivenciado por ela.
Para maior concentração nas atividades, o relaxamento foi proposto, iniciando-o com música de
fundo e uma cor em forma de luz que iluminava desde as plantas dos pés, massageando-as, e
aos poucos subindo pelo corpo, atingindo com energia de saúde e equilíbrio cada parte do
corpo, bem como seus órgãos internos e suas células.
Buscou-se em todas as sessões, durante o relaxamento, focar nas partes do corpo atingidas
pelo câncer e também nos órgãos passíveis de metástases, energizando-os com saúde, amor e
equilíbrio.
Após o relaxamento AN afirmou que se sentiu muito bem durante o relaxamento e conseguiu
fazer os comandos dados pela pesquisadora.
224
Em seguida, foi pedido pela pesquisadora para que AN contasse a história trabalhada na última
oficina, “A mulher esqueleto”. AN concordou em conta-la e comentou:
“Eu me identifiquei muito com a proposta da arteterapia em trabalhar os contos de fada.” (sic)
Ela contou toda a história com entusiasmo, omitindo a parte em que a mulher esqueleto pegava
o coração de seu parceiro/pescador para se refazer de carne e virar um ser vivo, uma mulher.
AN colocou a lágrima como a precursora do refazimento da carne da mulher esqueleto. Esse
detalhe do coração que foi omitido por AN, foi complementado pela pesquisadora.
A pesquisadora questionou AN sobre o significado do coração e ela respondeu:
“Coração significa o “amor, a união”.” (sic)
AN afirmou que:
“Algo me chamou a atenção depois que narrei o conto, ele tem tudo a ver com minha história de
vida. Eu fui enredada pelo meu primeiro marido, mas ele nunca me conheceu intimamente, não
como o pescador da mulher esqueleto, ele não me desenredou e fiquei enroscada na linha,
permaneci ao lado dele como a mulher esqueleto. Agora com a doença e mesmo com o
afastamento sexual entre eu e o meu marido, somos mais íntimos e a gente se conhece mais
intimamente do que eu quando estava com o meu primeiro marido, e olha que com o primeiro
marido eu passei mais anos casada. O câncer também me tornou uma mulher enredada, a
mesma linha estava em mim, fiquei obesa, acima do meu peso, preciso emagrecer, não por
estética, mas por mais saúde e já estou fazendo isso, cuidando de minha alimentação; preciso
encher meus ossos com essa nova carne. Tudo isso faz parte da “vida-morte-vida”.” (sic)
AN comentou ainda que:
“Quando fui na reunião da ONG já me vesti diferente da AN doente. Meu marido ficou em casa
aplaudindo a minha saída. Fui dirigindo sozinha em busca de meu trabalho; ele ficou orgulhoso,
porque não precisou me levar. Cheguei em casa entusiasmada e enchi meu marido também
daquela energia de entusiasmo. Na verdade, como lemos antes, os ossos da vida e da morte
estavam e estão girando, é o ciclo natural da vida-morte-vida e tudo pode ser transformado,
mudado.” (sic)
AN começou a falar também de quando descobriu tinha câncer de mama e contou:
“Quando recebi a notícia do câncer minha médica disse para receber com bom humor e foi isso
que fiz, encarei com bom humor; chorei apenas uma vez, quando soube depois do exame que
em vez de um nódulo tinha três. Senti que algo deveria vir para fora e o exame parece que
cutucou o problema e isso me assustou, interpretei assim!
Meu choro não foi somente de tristeza, mas também emoção, uma forma de descarregar tudo
aquilo! A médica foi muito legal comigo. Ela disse que se os médicos dissessem para tirar
somente os nódulos, que eu não aceitasse e tirasse toda a mama e não deixasse a tristeza
abater, pois o câncer se alimenta disso. Também fiquei aliviada com a quimio, porque acreditava
que me faria bem.” (sic)
AN a pedido da pesquisadora leu em Estés (1994) a interpretação do conto da “Mulher
Esqueleto” e disse que se identificou com a leitura:
“Lembrei a minha relação com meu marido, porque durante esse processo de tratamento do
câncer, houve uma cumplicidade entre nós dois e também um afastamento da relação sexual
entre nós, e que agora, iniciou um processo que a arteterapia está ajudando, o retorno da ideia
de ter relação sexual, que aos poucos está contagiando a gente!” (sic)
Percebeu-se nessa afirmação de AN que sua sensualidade feminina e sua autoestima estavam
melhorando a cada dia com as práticas arteterapêuticas.
225
AN depois de ler a página 201 do referido livro acima, a qual tinha como mensagem o “resgate
do amor”, continuou falando que se sentia mais madura nessa atual relação, pois tinha mais
paciência e não desistiria facilmente:
“Diferente da relação com meu primeiro marido, que eu não quis entrar na batalha com a amante
dele, em disputar alguém que era meu marido e de papel passado; não achei viável e por isso
abandonei o barco. Agradeço hoje por lutar e não desistir do meu atual marido, porque de nada
adiantaria, eu devo resgatar nós dois. Estou indo fundo no sentimento para fazer este resgate.”
(sic)
AN nas primeiras oficinas mostrava certa dúvida na relação dela com o atual marido, ela estava
irritada com a situação em que estava vivendo; achava que ele estava muito inativo, em casa
jogando durante o dia, sem se importar em fazer algo mais valoroso. Chegou a afirmar que se
sentia perdida.
Todavia, com essa afirmação dela acima se observava uma mudança, um grande desejo de
lutar por esse amor e por seu relacionamento com o atual marido, resgatando-o.
Sobre a leitura de Estés (1994, p.204) a qual falava da morte, que na antiguidade e em outras
culturas, era vista como uma parente próxima, uma transformação espiritual, participando de
todos os ciclos da vida, algo natural. AN comentou:
“Sempre encarei assim: nascer, morrer, nascer. Por exemplo, nós sofremos com a morte de
nossos pais na época do acidente, mas minha avó materna sofreu muito mais, pois perdeu a
filha, o que não é muito natural, a lógica é que os pais morram antes dos filhos. Meus irmãos
mais novos tinham 8 e 9 anos quando meus pais faleceram, ele sofreram, mas minha avó muito
mais! Na época que conheci meu atual marido, ele me chamava de soldadinho, pois trabalhava
para pessoas desumanas, e mesmo assim, era daquelas funcionárias que deixava o coro
agarrado, cumpria com meu trabalho o mais perfeitamente possível, era uma profissional muito
comprometida, mas eles não aceitavam erros, não perdoavam e chamavam a atenção da gente
de uma forma grosseira, esquecendo todo o resto que tinha feito de bom! Hoje concordo com
meu marido eles eram desumanos e eu permitia isso comigo. Hoje jamais faria tudo isso
novamente, deixei claro para mim mesma que farei meu trabalho voluntário, e quem sabe para o
futuro remunerado, sem que ele traga prejuízos para minha qualidade de vida e saúde, vou ter
tempo para as minhas caminhadas a beira mar, porque me refaz e me revigora, não vou abrir
mão disto. Reorganizei a minha vida desta maneira e assim vai ser!” (sic)
Continuando a leitura do livro de Estés (1994, p. 205) que falava das descidas e subidas da vida,
de seus ciclos naturais de “vida-morte-vida”, AN disse:
“Observando o comportamento do ser humano, a gente vê que as pessoas não se conhecem,
tenho o exemplo de minhas tias, quando minha mãe ainda era viva, elas tinham uma doença e
achavam que iam morrer daquilo, e, pediam para a irmã, no caso a minha mãe, que cuidasse
das coisas delas, no fim, ela morreu antes delas, e, até hoje estão lá vivendo no Rio Grande.
Mas estão sempre reclamando da vida.
Também tenho uma vizinha que está doente, quero visitar ela para transmitir boas energias,
conversar um pouco. Quero fazer um bolinho pra levar pra ela é um costume nosso no Sul! Mas
vejo que ela e o marido evitam a gente, parece que não querem ser vistos assim passando por
uma doença, fiquei sabendo por outra vizinha que ela está trocando a própria fralda, é uma pena
ser assim, temos que aceitar a doença, não adianta afastar as pessoas, sei que poderia fazer
um bem pra ela” (sic)
AN estava refletindo sobre as “subidas e descidas da vida” de uma forma positiva, algo
importante para seu processo de saúde-doença.
Na leitura da página 207 de Estés (1994) leu-se que a morte exigia a força do amor: exigia a
lágrima, o sentimento, o coração, que os amantes não deviam negligenciar essa parte da vida
que é a morte (vida-morte-vida), que não desfalecessem, mas que se dedicassem mutuamente,
que o amor se baseasse na união do conhecimento e da força para se deparar com essa
natureza e para amarem essa natureza e com ela dançarem juntos.
226
AN concordou e concluiu que:
“Assim como no conto, estou batendo o tambor de meu marido e trazendo ele pra mim, esse
nosso novo ciclo tem mais maturidade, entendimento, temos planos, sonhos. A primeira relação
com o meu primeiro marido, o ciclo com ele já estava encerrado. Naquele primeiro ciclo e
casamento eu estava sozinha, comparado com esse ciclo agora, de minha doença, eu não
estava só, desde a notícia do câncer eu tinha um marido e um cúmplice.” (sic)
AN continuou contando a história do amor dos dois:
“Meu marido é um filho da tragédia, perdeu seus pais e irmão também num acidente, que
descobri assim que o conheci por meio de um policial amigo, porque tinha medo, não sabia
quem ele era e tinha receio que fosse uma má pessoa, eu achava ele meio esquisito, a casa
dele e tudo ali. Júlio foi contar pra mim sobre a história da morte da família dele tempos depois,
muito por cima; mas eu já sabia que os pais tinham sido assassinados por seu irmão que tinha
problemas com drogas. Ele também teve um relacionamento com outra mulher antes de mim,
mas até hoje não comenta nada! É provável que foi algo dolorido para ele, porque não comenta
nada sobre esses assuntos da vida dele, às vezes fico preocupada!” (sic)
A pesquisadora perguntou se AN achava as histórias de vida dos dois parecidas e AN
respondeu:
“É mesmo! Conversando sobre isso é que vi o quanto as nossas histórias se parecem.” (sic)
A pesquisadora comentou que, talvez por isso, ele era tão cúmplice e parceiro dela, afinal sentiu
dores parecidas com o “ciclo da vida-morte-vida” dela.
Depois a pesquisadora perguntou a AN que mensagem ficou pra ela de todas as reflexões feitas
durante a oficina e o que a vida estava perguntando hoje a ela.
AN respondeu:
“Vou trabalhar somente como voluntária ou mais para frente vou ser contratada e remunerada?
Não sei. Em julho faço perícia e vamos ver o que será feito.” (sic)
A pesquisadora afirmou que tudo tem seu tempo, as sementes AN já estava plantando e que os
frutos viriam, com certeza de alguma maneira!
AN concordou sorrindo
Antes de iniciar o processo de criação pictórica AN escolheu um lenço de cor branca para se
embrulhar e comentou:
“Essa foi a mesma cor que coloquei no meu corpo durante todo o relaxamento, porque para mim
o branco transmite um estado de paz e harmonia.” (sic)
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
Depois da criação pictórica a pesquisadora pediu que AN observasse o que havia criado para
dar significação à expressão pictórica criada.
AN significou sua pintura dizendo:
“Fiz umas pessoas, e a pessoa sentada sou eu, pintei meu corpo de branco porque queria
transmitir bem-estar e paz de espírito para aquelas quatro pessoas que estavam na minha
frente. Eu estava conversando com eles.” (sic)
Quando a pesquisadora questionou AN, perguntando quem eram aquelas quatro pessoas, AN
não identificou nenhuma delas como pessoas de sua relação, mas pessoas desconhecidas.
227
Depois disse:
“São pessoas pequenas, porque talvez sejam pouco evoluídas.” (sic)
A pesquisadora também perguntou o significado das cores das roupas das quatro pessoas e AN
respondeu o seguinte:
“As cores são somente das roupas, não tem nenhum significado com o estado de espírito delas!”
(sic)
AN ficou pensativa e depois disse:
“Acho que aquele de camisa preta tem uma certa carga pesada que ele está carregando, e, eu
conversando com ele, posso aliviar. Era um dia de sol bonito com céu azul e o azul não era
nuvem, mas um céu bonito, que não estava nublado. O nome do meu trabalho de pintura é
“Harmonia”. (sic)
Depois se referiu a pintura da oficina anterior que era harmonia, mas que queria mudar
colocando aquela como resgate e a última como harmonia. Em seguida disse:
“O penúltimo será harmonia e o último vai ficar “Resgate”.” (sic)
A pesquisadora perguntou a AN o porquê da troca e ela respondeu:
“Porque resgate era o que eu estava tentando fazer com aquelas quatro pessoas na minha
frente. A penúltima pintura minha era “eu e o meu marido”. Com meu marido e eu é “harmonia”,
porque já estou resgatando meu marido, e já tem uma harmonia ali, mas com aquelas pessoas
não, por isso tenho que resgatá-los.” (sic)
Questionada sobre as outras cores ficou incomodada e não quis dar significados, falou do preto,
e quando foi para o vermelho disse:
“Não sei, não consigo!” (sic)
Ao ser questionada sobre o que diria para a pessoa que estava de camisa preta em sua pintura,
AN disse:
“Eu ia dizer para ele boas palavras, incentivando. E para o de vermelho: “Vá buscar os seus
sonhos, não desista”. (sic)
A pesquisadora perguntou para AN o que ela diria para os outros dois e AN respondeu:
“Continue na caminhada! Não desista! O nome da minha pintura vai ficar “O resgate”. Porque
posso continuar pelo meu processo de harmonia, a resgatar lá fora.” (sic)
Assim finalizou-se mais uma oficina de arteterapia.
Acolhimento Amoroso de Despedida:
A despedida aconteceu com abraços carinhosos e alegres. Foi combinado com AN e a auxiliar
que a pesquisadora faria contato com VE para saber como passou depois da sessão de
quimioterapia, e, posteriormente, encaminharia um sms a ambas, para que soubessem notícias
de VE. O que foi feito com alegria, pois segundo o marido de VE, ela passou bem durante e
depois da sessão de quimioterapia e estava na igreja para agradecer o ocorrido.
Considerações Finais:
A oficina foi positiva, pois se conseguiu atingir os objetivos propostos, AN refletiu sobre questões
existenciais de sua história de vida e das suas relações.
228
Todavia, falava das quatro pessoas de sua pintura, e em seguida, chamava-as de “eles”, por
serem quatro figuras humanas e masculinas, havia a possibilidade de AN estar simbolicamente
e inconscientemente, tentando resgatar seus irmãos, dentro de si mesma e quem sabe até na
concretude de sua vida.
No decorrer do processo arteterapêutico poderia ser confirmada ou não esta hipótese da
pesquisadora sobre o ocorrido.
OFICINA Nº07
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 03/05/2013
Hora: 9h:30min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN, VE.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher e o Desenvolvimento da Sua Autonomia Criativa.
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido pela autonomia criativa.
Cuidando do Ambiente:
Iniciou-se a sétima oficina de arteterapia com a preparação do ambiente, utilizando incenso na
fragrância de canela e com as mentalizações necessárias para a preparação das pessoas
participantes e do ambiente, com energia de amor, alegria, saúde e etc..
Acolhimento do Ser:
AN chegou e foi acolhida com abraços e palavras de amorosidade. Mostrou os artesanatos que
havia criado nesse período. Seus trabalhos artesanais eram especiais pela delicadeza, beleza,
capricho e criatividade.
VE chegou depois do horário, pois dependia de transporte público, o que, geralmente, atrasava
sua chegada. Todavia, participou da oficina com muita satisfação.
Cuidando do Ser nas Vivências:
AN foi convidada a se assentar no círculo e com um fundo musical, iniciou-se o relaxamento
com as cores do arco-íris, que envolveram todos os órgãos, todas as partes do corpo e suas
respectivas células, com o comando de levar saúde, harmonia, equilíbrio, alegria e amor, e, por
fim, energizando mentalmente todo o corpo com esses sentimentos.
Ao encerrar o relaxamento a pesquisadora perguntou como AN se sentia e como foi o processo
de relaxamento. AN relatou o seguinte:
“Peguei a cor verde do arco-íris e ela foi jorrando para todo o corpo, essa luz verde ia
espalhando pelo meu corpo como você ia pedindo. Me senti muito bem, o relaxamento está me
fazendo bem!” (sic)
Após o relato de AN, VE chegou e foi acolhida pelo grupo. Contou que sua primeira sessão de
quimioterapia foi tranquila, teve apenas um pouco de enjoo e que no outro dia foi à sua igreja,
onde trabalhava como ministra da eucarística.
A pesquisadora pediu que alguém lesse o conto do “Barba Azul”. AN aceitou lê-lo.
229
Segundo Estés (1994, p.58) a história se passava com uma família em que a mãe era viúva e
tinha três filhas, que eram cobiçadas por um homem de barba azul que chegara à cidade e
desejava casar-se com uma delas.
Todas se sentiram desconfiadas e com medo do homem por causa de sua barba azul. A mais
nova, aos poucos, foi cedendo a seus galanteios e acabou achando que sua barba não era tão
azul assim!
Aceitou casar-se com ele e foi morar em seu castelo no bosque.
Um belo dia ele resolveu viajar para longe e ficaria fora por muitos dias. Então, sugeriu que a
mulher chamasse sua família para não ficar apenas com os criados em casa.
Deu a ela seu molhe de chaves e disse que ela poderia desfrutar de tudo que o castelo podia
oferecer, fazer banquetes de comidas, enfim, usar tudo o que quisesse dentro dos cômodos que
as chaves abririam. Porém, apenas uma chave, a menor e enfeitada com arabescos, jamais
poderia ser usada. Ela aceitou e deixou o marido tranquilo que tudo sairia como combinado.
Quando suas irmãs chegaram mostrou o molhe de chaves que abriria despensas de comida e
muito mais coisas, dizendo que somente a pequena não poderia ser usada.
O castelo tinha três andares e em cada um cem portas. As irmãs curiosas e brincando
começaram abrir porta por porta, até que sobrou a chave pequena, foi aí que desceram até um
porão, e, ao fim do corredor, tinha uma porta. Elas perceberam que ali poderiam usar a chave e
abriram a porta.
Daquele cômodo escuro sentiram o odor da putrefação e começaram a ver crânios empilhados e
muito sangue. Assustadas fecharam imediatamente a porta e a mulher de Barba Azul percebeu
que a chave tinha sangue. Limpou-a num pano e a colocou no bolso.
Ao chegar à cozinha percebeu seu vestido ensopado de sangue, pois a chave revia sangue.
Esfregou a chave, passou cinzas, colocou-a no fogo e na teia de aranha e nada estancava o
sangue. Teve a ideia de coloca-la dentro do guarda-roupa.
Quando o marido chegou imediatamente pediu o molhe de chave, perguntando se tudo estava
em ordem e ela afirmou que sim. Ao ver o molhe de chave percebeu que faltava justamente a
chave pequena. Perguntou para a esposa que tentou engana-lo.
Não adiantou ele sabia que ela mentia, puxou-a pelos cabelos até o porão que se abriu para ele
sem chave. Informou que o fim dela seria igual de suas outras esposas desobedientes e
traidoras.
Ela pediu clemência, pelo menos quinze minutos para que fosse ao seu quarto se preparar para
sua morte falando com Deus. E começou a gritar na janela por suas irmãs, perguntando se seus
irmãos já estavam chegando para salva-la.
Barba Azul rosnava chamando-a até que suas irmãs gritaram dizendo que eles já haviam
entrado com seus cavalos no castelo.
Antes mesmo que Barba Azul pegasse a mulher, os irmãos o mataram e jogaram seu corpo aos
abutres. Ninguém sabia como, mas sua barba azul foi parar num convento de freiras.
Reflexão Amorosa-terapêutica:
Após a leitura do conto a pesquisadora assumiu o personagem “Barba Azul” para que as
mulheres o entrevistassem.
Durante o diálogo a fala do Barba Azul aparecerá como BA.
AN disse:
230
“Chocante! Eu também me casei com um Barba Azul, me encantei com o que ele poderia me
oferecer de bens materiais; as pessoas falavam os seus segredos, eu não acreditava, até que
um dia resolvi deixa-lo.” (sic)
O segredo que AN falou era a traição de seu primeiro marido e dos seus relacionamentos
extraconjugais com outras mulheres.
AN perguntou ao Barba Azul:
“O que são os aposentos para você?” (sic)
BA: “Os lugares que você deve limpar para mim!” (sic)
VE: “O que é o porão?” (sic)
BA: “O lugar que ficam as mulheres curiosas e desobedientes!” (sic)
VE: “Por que ali corria sangue?” (sic)
BA: “Foi a escolha dessas mulheres traidoras, por causa delas o porão corria sangue!” (sic)
AN: “Mas, se eu tirasse toda sua riqueza?” (sic)
BA: “Conquistaria muito mais!” (sic)
AN: “Quando deixei meu primeiro marido deixei para trás tudo o que tinha adquirido com o meu
trabalho, e, hoje estou reivindicando na justiça uma quantia em dinheiro que ele tinha prometido
me dar em troca do que deixei pra ele no processo de separação.” (sic)
AN: “Onde eu não posso mexer?” (sic)
BA: “Naquilo que te proíbo!” (sic)
VE: “Você me traiu, eu descobri tudo!” (sic)
BA: “O que é traição? Você me traiu quando me desobedeceu mexendo naquela chave!” (sic)
VE: “Por que você é tão pesado que soltava fagulhas do piso quando andava?” (sic)
BA: “Porque sou forte! E você por que estava lá mexendo onde não devia?!” (sic)
VE: “Curiosidade!” (sic)
AN: “Eu fui induzida pela minha família a ver quem você era! Eu estava bem com você até que
elas contaram algo de você! Seu segredo!” (sic)
VE: “Por que você não perdoa?” (sic)
BA: “Porque essas mulheres são traidoras!” (sic)
VE: “Mas você sabe, cada um de nós tem direito de perdão. Jesus disse que devemos perdoar
sete vezes sete!” (sic)
BA: “Nem acredito nesse teu Deus aí!” (sic)
VE: “Mas ele foi que mandou meus irmãos me salvar!” (sic)
AN: “Você foi destruído!” (sic)
BA: “Ok, então me retiro!” (sic)
231
A pesquisadora nesse momento pediu que uma das mulheres fosse a mulher de Barba Azul
para que fosse também entrevistada pelas demais.
VE sugeriu que fosse AN. Ela aceitou.
O diálogo foi feito da seguinte forma: AN foi a esposa do Barba Azul e as falas da pesquisadora
foi colocada com a sigla “PE”.
PE: “Por que você caiu na lábia dele?” (sic)
AN: “Porque era um homem encantador comigo! Eu deixei os bens materiais falarem mais alto!
O que me salvou foi acordar e ver que caí na lábia dele!” (sic)
PE: “O que resta dele em ti?” (sic)
AN: “Acho que não resta mais nada! Eu mudei e consigo identifica-lo hoje!” (sic)
VE: “Você chegou à desobediência, por quê?” (sic)
AN: “Fiquei encantada com esse homem que me encheu de bens!” (sic)
VE: “Você foi desobediente desde que o conheceu e suas irmãs alertaram que ele não era um
homem bom! Você chegou ao cume da montanha com sua desobediência quando abriu o
porão!” (sic)
AN interrompeu VE e falou:
“Cheguei ao cume quando eu mesma estava sangrando depois que vi o porão.” (sic)
Quem estava sangrando era a chave, mas para AN era a mulher de Barba Azul quem estava
sangrando, fez uma analogia ao relacionamento com o seu primeiro marido.
VE: “Você tinha esperança em se salvar?” (sic)
AN: “Sim, porque quando sangrava pedi clemência e ajuda.” (sic)
VE: “Então, toda a sua vida você resolveu naqueles quinze minutos de desespero, valeu a
pena?” (sic)
AN: “Valeu a pena, porque trouxe a mudança, porque eu mudei, hoje sou feliz!
Na verdade nunca tirei Deus da minha vida, mas aqueles quinze minutos, talvez nunca tivesse
tido antes!” (sic)
PE: “Deixou marcas?” (sic)
AN: “Sim, hoje quando olho para os homens na rua, por exemplo, penso, “será que este é o
Barba Azul”?” (sic)
PE perguntou à VE:
“Para ti VE quem é o Barba Azul?” (sic)
VE: “O medo, em tudo. Por exemplo, uma sala escura que não se sabe o que tem nela; a gente
entra, mas acende a luz e já olha por todos os cantos para ver o que tem! O medo traz para nós
um impacto! “É ou não é?” (sic)
AN concordou e disse:
232
“O medo nos faz criar situações, até escutar sons!” (sic)
PE:“O Barba Azul pode se manifestar até em sonhos. Nos sonhos pode vir personificado em
homens que querem invadir a casa, enfiar uma faca, estupradores, bandidos, assassinos,
ladrões e etc.. Em nossas vidas em maridos, amigos, irmãos, pais, vizinhos, chefes e etc.. Mas
também em forma de doenças, medos e entre outros. Percebê-lo também quando se manifesta
como uma voz interior que diz que você não é capaz, que não tem competência, que não irá
conseguir realizar algo. Deve-se conversar com essa voz do Barba Azul interior e dizer a ele que
é capaz, que pode, que consegue!” (sic)
AN concordou e disse: “o Barba Azul limita a liberdade da mulher.” (sic)
PE: “O que mais chama a atenção de vocês no conto?” (sic)
AN: “A voz interior pode ser nossa intuição que se manifesta.” (sic)
PE: “Por isso deve-se conversar com essa voz utilizando a intuição feminina da mulher
selvagem, aquela sábia que todas as mulheres têm dentro de si.” (sic)
VE concordou e disse:
“A mulher pode ser considerada mais frágil que o homem, mas é o pilar na casa, sustenta as
pessoas da família, porque tem essa força. A minha vida toda trabalhei fora e também em casa
e todos recorrem a mim quando precisam, mas somos fortes porque Aquele que está em nós
nos fortalece.” (sic)
Quando falou “Aquele” estava se referindo a Deus.
PE: “Apesar dessa força feminina, a mulher também é um ser humano e como tal tem suas
fragilidades!” (sic)
VE: “Mesmo mais fracas, somos mais fortes que os homens, o homem se tivesse um filho, com
certeza tirava a vida para não sentir a dor do parto do segundo filho. Um machucado no dedo já
reclama!” (sic)
AN concordou e comentou:
“Eles são explosivos, nós refletimos sabemos administrar essas coisas.” (sic)
PE: “Quando estamos fragilizadas quem nos ajuda?” (sic)
VE: “As pessoas, os vizinhos, uma palavra de uma amiga, mas no fim é a nossa família que nos
ampara.” (sic)
PE: “Como é para vocês “deixar-se” ser cuidada pelos outros?’ (sic)
AN: “Para mim foi ruim, complicado quando fiz minha cirurgia de mama e tinha que depender
das pessoas!” (sic)
VE: “Deixar ser ajudada, reconhecer que precisa é difícil!” (sic)
AN: “Até para cortar a carne no prato, o banho dado pelos enfermeiros, até o nosso corpo fica
exposto para pessoas que não conhecemos. No início houve uma resistência de minha parte,
mas no final devemos ter humildade e dizer: eu preciso!” (sic)
VE: “Eu também, no início você passa fome, quer escapar, mas depois você tem que aceitar.
Não somos nada! Às vezes a gente tem que deixar o orgulho e ir em frente!” (sic)
AN: “Quando o enfermeiro me pegou para dar banho perguntei a ele se ele ganhava o suficiente
para fazer isso e ele me disse que fazia aquilo que gostava, para ele era bom ajudar as pessoas,
233
mas gostaria de ganhar mais!” (sic)
AN: “A parte do sangue que ela não conseguia limpar a chave me chamou a atenção, é a parte
que marca a gente vê uma porta que se fecha e não vê as dez abertas!” (sic)
PE: “E a chave que significado tem pra vocês?”
VE: “É a marca, a lembrança, a mancha de sangue que a gente lava e não sai!” (sic)
PE: “Que sentido tem o sangue?” (sic)
VE: “Eu penso que é a lembrança que não se apaga, que teve que ser derramado, não podemos
colocar na porta de ninguém, porque ele é nosso! Deixou marca, mas o sentido é de vitória,
porque no final a esposa do Barba Azul viu alguém muito poderoso ser derrotado, o mal foi
derrotado pela unidade dos irmãos. Esse alguém que derrota o mal é Deus, aquele que vem nos
quinze minutos de desespero.” (sic)
PE: “Perguntou que mensagem do conto fica para VE e para AN.” (sic)
VE: “Fazer desses quinze minutos uma busca de Deus em meu socorro, a mensagem é “o
satanás da doença será derrotado. Vitória!”(sic)
AN: “Ele é um marco para você se iniciar, para mudar, amadurecer, mudar o ponto de vista
sobre sua vida. Eu antes tinha uma vida agitada, sem tempo para mim, era uma máquina que só
trabalhava, escrava! Hoje eu tenho o meu tempo. Antes não conseguia dizer não às pessoas.
Hoje consigo analisar as coisas de outra forma, consigo rir, não sou mais irritada, rio as vezes de
mim quando algo dá errado! Vejo muitas pessoas agindo como máquinas, automatizadas,
cronometradas.” (sic)
PE: “Cada uma de nós tem uma missão aqui na Terra a cumprir, por isso devemos nos cuidar
para poder cumpri-la da melhor maneira possível! Como havia falado em oficina anterior, não
teremos uma segunda chance, então, cada dia quando acordamos precisamos refazer os votos
de nos cuidar e ter um sentido para viver aquele dia que se inicia. Assim cumprimos a nossa
missão mais profunda, a missão espiritual que viemos desempenhar.” (sic)
AN: “Hoje eu tenho o meu controle remoto e aperto o botão para parar, fico com aquela frase
que diz: ”Não faça da sua vida um rascunho pois, pode não dar tempo de passar a limpo”! Para
mim a mensagem que fica do conto é “jamais desistir.”(sic)
A pesquisadora falou sobre a possibilidade de o grupo fazer a dança com lenços.
VE disse que queria muito dançar, escolheu o lenço vermelho e AN o lenço bege. Elas
dançaram com a pesquisadora que foi estimulando-as a se soltarem, sempre respeitando o
corpo, mas externalizando a sensualidade feminina e a alegria de viver na dança.
Ambas dançaram alegremente e cada vez mais familiarizadas com a experiência.
Ao final da música, embrulhadas ao lenço da dança, criaram suas expressões artísticas
pictóricas, deixando fluir com espontaneidade e sem julgamentos o processo pictórico.
VE comentou que o difícil era dizer o que significava a sua pintura.
A pesquisadora a tranquilizou, dizendo que ficasse em paz, pois se não conseguisse dizer
alguma coisa desta vez, poderia dizer em outro momento, mas que deixasse fluir, que no
momento certo viria esse significado espontaneamente, sem que precisasse pensar.
AN iniciou sua pintura com a cor amarela, fazendo seu autorretrato com cabelos pretos, olhos e
boca, ainda não colocou o nariz. Estava em pé com os braços erguidos, segurando um lenço
verde no alto da cabeça.
234
Esse era um movimento que ainda não fazia com os braços.
AN comentou que na dança escolheu o bege, champanhe, mas na pintura deu vontade de fazer
a dança com lenço verde.
O chão AN pintou de verde com arbustos vermelhos e no céu um grande sol amarelo.
VE começou pintando o chão de preto e em cima dessa linha preta uma verde, de onde saia três
flores vermelhas com caules verdes. Diferente do primeiro e do último trabalho que os caules
das flores eram pretos.
VE também fez uma ponte preta que atravessava um rio de águas pretas. Ela comentou
enquanto pintava, que não tinha criatividade.
A pesquisadora perguntou a ela onde a criatividade dela se manifestava.
Ela não conseguia responder. Então a pesquisadora perguntou por que VE era ministra da
eucaristia.
VE disse:
“Eu sempre procuro me colocar pequena, mas ser ministra não deixa de ser uma criatividade.
Deus me usa para fazer sua obra, para servi-lo, dando esse dom. Eu visito os doentes, faço
celebrações na igreja, pregando o evangelho para todos, advogados, médicos que são mais
estudados que eu. Vim da roça, não sou estudada que nem vocês! Estudei só até a terceira
série primária, não tive a chance de estudar, fazer uma faculdade, por isso falo errado, tinha até
medo do microfone, hoje não, sempre peço a Deus que me guie quando estiver falando, e tudo
dá certo!” (sic)
A pesquisadora perguntou a VE se Jesus deixou livros escritos e se falava numa linguagem
rebuscada ou se ele era simples e contava histórias simples numa linguagem simples.
VE concordou e disse:
“Sei que Deus me usa para trabalhar pela comunidade e que me dá esse dom. O que importa é
o conteúdo da mensagem, e não se a forma de falar está certa, né?” (sic)
A pesquisadora concordou com ela e falou que cada ser humano tinha uma missão especial a
realizar com sua vida, e que cada qual, tinha criatividade, não apenas para uma coisa, mas para
muitas e muitas!
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
A pesquisadora pediu que VE ficasse observando seu trabalho pictórico, sem se preocupar com
nada, deixando fluir espontaneamente os pensamentos, as ideias, a mensagem e o significado
da pintura para a sua vida.
Enquanto isso interrogou AN sobre sua autonomia criativa onde se manifestava.
AN disse:
“Em meus artesanatos. Algo que sempre farei, sempre deixarei um espaço em minha vida e em
meu tempo para fazer.” (sic)
AN continuou falando de sua pintura:
“A arteterapia, pintar, fazer os artesanatos me traz paz, interiorização, autoconhecimento, por
isso vou continuar, não vou parar de fazer arte. Minha pintura é um autorretrato em que estou
dançando com um lenço verde, pois é a alegria e a esperança que sinto. O nome dessa minha
pintura é “Dança e Movimento”.” (sic)
235
AN concluiu dizendo:
“O JÚ quer ir visitar a sobrinha que fez cirurgia, falou para eu avisar vocês que na próxima
semana não viria, mas disse pra ele ir visitar a sobrinha doente, que eu ia ficar numa boa! Não
quero faltar aqui! Mas agora nem ele vai mais, porque a mãe da menina ligou e disse que era
melhor nem ir, porque isso já era motivo para o marido dela beber! O ambiente lá não é muito
saudável, é a casa daquele meu cunhado que bebe!” (sic)
AN demonstrou que estava se cuidando, evitando ambientes que lhes fizessem mal.
VE comentou sua pintura dizendo:
“Fiz a terra preta, porque não tinha marrom.” (sic)
Vale ressaltar que a pesquisadora já havia sugerido às mulheres, que fizessem as misturas
criando cores que não tivessem no kit de tinta e que poderiam solicitar sua ajuda a qualquer
momento. Mesmo assim VE optou pelo preto.
VE continuou falando do trabalho dizendo:
“Fiz as flores, um rio com águas mescladas e peixes, uma ponte, um céu cheio de estrelas, o sol
que brilha e muitas pessoas.” (sic)
Observou-se que em seu trabalho, não pintou o céu, nem estrelas, nem o sol, nem pessoas e
nem os peixes no rio.
Quando a pesquisadora perguntou sobre o significado do rio VE disse:
“Era sinal de vida e a ponte que me leva para o outro lado. O lado da cura.” (sic)
A pesquisadora perguntou sobre o significado das cores e VE disse:
“O vermelho é a cura, o verde a esperança, o preto a terra.” (sic)
A pesquisadora disse, se o rio para VE era sinal de vida, porque ela não mergulhou nele e
porque quis atravessa-lo.
VE respondeu:
“Porque o rio é a dificuldade e a ponte a travessia para o outro lado, o da cura. As flores é a
alegria. O nome do meu trabalho é ”Benção de Deus”.” (sic)
Acolhimento Amoroso de Despedida:
A despedida aconteceu com agradecimentos, abraços carinhosos e alegres entre o grupo e o
desejo de uma boa semana.
Considerações Finais:
Os objetivos da oficina foram atingidos, visto que as reflexões feitas por elas e suas respectivas
pinturas demonstraram simbolicamente um mergulho profundo em seus sentimentos negativos e
positivos em relação à doença e às suas vidas, com possibilidades concretas de mudanças por
parte delas.
236
OFICINA Nº08
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali.
Data: 10/05/2013
Hora: 9h: 30min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN, VE.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher e o Desenvolvimento da Sua Autonomia Criativa.
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido pela autonomia criativa.
Cuidando do Ambiente:
Iniciou-se a oitava oficina de arteterapia com a preparação do ambiente, utilizando incenso na
fragrância de mirra e com as mentalizações necessárias para a preparação das pessoas
participantes e do ambiente com energia de amor, alegria, saúde e etc..
Acolhimento do Ser:
AN e VE chegaram antes do horário combinado para o início das oficinas e foram acolhidas com
abraços e palavras de amorosidade. AN mostrou seus artesanatos e como sempre, muito
criativos e delicados.
AN estava alegre e VE mostrava-se um pouco entristecida.
Cuidando do Ser nas Vivências:
Ambas foram convidadas a se assentarem no círculo e com um fundo musical iniciou-se o
relaxamento com a cor escolhida por elas que representasse “saúde”.
Foi pedido durante o processo de relaxamento, que envolvessem todos os órgãos, todas as
partes do corpo e suas respectivas células, as quais necessitassem de um comando de saúde,
harmonia, equilíbrio, alegria e amor, energizando mentalmente o corpo com essas energias de
cura.
Ao encerrar o relaxamento a pesquisadora perguntou como AN se sentia e como foi o processo
de relaxamento. AN relatou o seguinte:
“Peguei a cor branca que significa para mim pureza, transparência e foi muito gostoso; estou
fazendo em casa, porque me sinto muito bem. Quando não faço em casa, faço o relaxamento de
frente para o mar, sentada num banco do calçadão da praia.” (sic)
VE disse:
“Me senti bem durante o relaxamento e escolhi também a cor branca, porque é uma cor que me
lembra a água que tudo limpa.” (sic)
Depois de falarem sobre suas sensações e percepções durante o processo de relaxamento a
pesquisadora começou a contar a história do “Barba Azul”, contada na oficina anterior, e, pediu
que continuassem a contação da história de onde ela havia parado.
AN continuou da parte onde eles casaram até o momento em que a esposa do Barba Azul ia
usar a chave proibida.
VE continuou a história e deu ênfase à “desobediência da esposa” dizendo:
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“Ela abre o que não é permitido e ela paga o preço pela desobediência, a mesma coisa
aconteceu a João Batista, por causa da verdade perdeu a cabeça! A vida dela ficou por um fio!”
(sic).
AN continuou a história dizendo:
“No caso dela aparece um pelotão para ajuda-la, são pessoas que Deus coloca em nosso
caminho!” (sic)
A pesquisadora pediu que cada uma fosse a esposa e o Barba Azul para dialogarem livremente,
revezando entre si seus papeis.
AN iniciou sendo o Barba Azul e falou a VE que foi a esposa:
“Vou viajar, mexa em tudo menos nessa pequena chave” (sic)
VE: “Por que não posso usá-la? Você não confia em mim?” (sic)
AN: “É meu segredo! Você é minha mulher e me deve obediência, eu mando em você!” (sic)
VE: “Mas nós somos casados e somos um só!” (sic)
AN: “Você pensa assim, eu não! Eu mando em você! Você é minha esposa!” (sic)
VE: “Então viaja tranquilo e vamos ver o que acontece!” (sic)
Houve risos entre as mulheres, pois VE falou de uma maneira engraçada e sarcástica com o
Barba Azul (seu marido).
AN e VE falaram da curiosidade das irmãs no conto.
AN falou:
“Imagina a alegria das irmãs abrindo tantas portas, não há um limite para descobrir, abrir as
portas!” (sic)
VE falou da força que ela encontrou nas irmãs para abrir as portas.
A pesquisadora lançou uma reflexão para AN e VE:
“Se a esposa do Barba Azul não abrisse a porta, vocês acham que ela mais tarde, de outra
forma, correria o mesmo risco de morrer? Ou foi culpa dela a ira que o marido teve contra ela ao
ponto de querer mata-la”?
VE disse:
“No fundo ela foi culpada, porque afrontou o marido, deixando ele furioso”! (sic)
AN comentou:
“Ela seria submissa, mas seria feliz, se obedecesse ao marido!” (sic)
A pesquisadora lançou nova pergunta para reflexão:
“Mas, sendo submissa ela seria ela mesma, será que seria feliz ou a vida dela seria uma
ilusão”? (sic)
AN respondeu:
238
“É uma fantasia que ela traz desde solteira, iludida não viu o que ele era”! Mesmo as irmãs
falando o que sentiam sobre ele!”(sic)
Nesse momento a fala de AN refletiu o seu primeiro casamento, em que as pessoas da família a
alertavam sobre quem era realmente o homem que ela iria se casar. Um marido que também
exigia a submissão de AN, que não a respeitava como esposa e nem como mulher, exigindo
dela uma dedicação extrema nos serviços domésticos e até de cuidados aos animais da
propriedade onde moravam.
A pesquisadora lançou nova reflexão:
“Como lidar com o Barba Azul dentro de nós, que nos seduz para que não evoluamos enquanto
mulher? Por exemplo, quando uma voz dentro de nós diz que é melhor, mais seguro e
confortável que fiquemos em casa, deixando as atividades que nos competem e nos fazem cada
vez mais sábias, um ser humano melhor, e que nos dá sentido à vida”? (sic)
AN respondeu:
“Nós somos guerreiras, a gente tem que lutar e passar por cima dessa voz, para alcançar
nossos objetivos, afinal somos mais fortes que os homens”! (sic)
A pesquisadora disse:
“Talvez essa força é da nossa natureza, peguemos a gestação e a maternidade como
comparação, todo os nossos órgãos se movimentam, abrindo caminho para acolher a criança
que geramos em nosso ventre, nosso organismo é flexível, para isso e para a cura, o bem estar!
Também como feminino que somos temos maior flexibilidade em lidar com as situações,
percebendo com mais sensibilidade a sutiliza das coisas. Essa natureza feminina nos torna mais
abertas e mais sensíveis às mudanças, e, para ver no sofrimento, até de uma doença grave, um
sentido maior que a dor física e de nossa alma. Experimentamos isso em nossa natureza
feminina de gerar e de proCriar”! (sic)
VE comentou:
“O medo que a maioria dos homens sente até de fazer um preventivo. Imagina passar o que
estamos passando.” (sic)
Aqui estava se referindo a quimioterapia e todo o tratamento do câncer.
A pesquisadora comentou também sobre a fragilidade da maioria das mulheres em receber
cuidados e ajuda; foram acostumadas e educadas, em sua grande maioria, para servir a família
e muitas vezes foram incapazes de se deixarem ser servidas e cuidadas. Precisavam ser fortes
o tempo inteiro, mas eram apenas seres humanos, e, como tal, mereceriam atenção, respeito e
cuidados, como qualquer outra pessoa da família.
VE falou:
“A mulher foi feita da costela de Adão e não de seus pés para ser pisoteada, deve caminhar ao
lado do marido, decidindo os dois juntos sobre as coisas da família. Mas Maria é o exemplo a
ser seguido, mulher forte que aceitou a missão que Deus lhe deu com obediência; mesmo
sabendo que iria enfrentar o mundo; permaneceu na crucificação do filho sem medo, até Pedro
temeu aquele momento, mas ela estava firme até o fim. Diferente de Eva que se deixou levar
pela tentação, Maria não! Por isso nós mulheres temos que saber contornar as coisas na família,
ser fortes. Lá em casa é tudo conversado, mas acaba caindo na minha mão, até o pagamento
dele eu que fico, compro as coisas que precisamos, ele não compra nem um botijão de gás, as
coisas acabam saindo do meu jeito!” (sic)
A pesquisadora pediu que as mulheres trocassem de papeis, que AN fosse a esposa e VE
Barba Azul.
239
VE perguntou:
“Por que você não me obedeceu”? (sic)
AN respondeu:
“Porque minhas irmãs disseram que era para eu abrir!”
VE: “Você vai pagar”!
AN: “Tudo bem! Mas qual é o preço?” (sic)
VE: “É a morte, você vai morrer!” (sic)
AN: “Mas eu não vou morrer!” (sic)
VE: “Eu vou te destruir!” (sic)
AN: “Eu posso ter sido infiel, mas descobri algo pior de ti! Você não vai me perdoar?!” (sic)
VE: “Não perdoo!” (sic)
AN: “Então me dê quinze minutos! Me perdoa?” (sic)
VE: “Não perdoo!” (sic)
AN: “Então eu estou pronta, mas meus irmãos estão chegando!” (sic)
VE: “Estou com medo!” (sic)
AN: “Sinto-me amparada pelos meus irmãos!” (sic)
A pesquisadora perguntou às mulheres como estavam se sentindo em relação ao apoio da
família durante o tratamento da saúde.
AN respondeu:
“Quando soube avisei a minha família no Rio Grande do Sul, meus quatro irmãos, minha avó e
tias. Ficaram assustados com a notícia do câncer, pois todo mundo que fala em câncer já pensa
em morte. Um irmão mais novo meu veio morar em Itapema e quando me viu careca, tomou um
susto. Mas quando voltou para o Rio Grande falou para minha família, que não esquentassem a
cabeça porque eu estava muito bem. Queriam vir cuidar de mim, mas não deixei, pedi que
viessem passar férias para passear, que meu marido estava cuidando muito bem de mim. Um
irmão até raspou o cabelo para ser solidário a mim naquele momento difícil.” (sic)
VE disse:
“Eu ainda estou na fase que outros me ajudam! Meu cabelo está começando a cair e quem está
sentindo muito isso é o meu filho mais novo, o de vinte um anos, justamente o mais desligado.”
(sic)
Foi sugerido que ela cortasse o cabelo para vender antes que ele caísse.
VE comentou seguinte:
“Eu uso cabelo comprido desde sempre, a mãe minha nunca cortou os cabelos, é uma tradição
de família as mulheres terem cabelos compridos. Está sendo pior para mim, perder os cabelos,
do que a mama. Não me imagino sem cabelos! Meu cabelo cresceu depois de um ano e meio de
vida e nunca mais cortei.” (sic)
240
A pesquisadora lançou pergunta para que VE refletisse sobre esse sentimento de perda:
“Você foi um bebê careca e depois seu cabelo cresceu, não é? Então chegou o momento de
renovar de nascer de novo para crescer ainda mais agora, como mulher e ser humano. Se
despir do cabelo é se despir da vaidade! Seria importante tomar a figura de Maria como exemplo
de força, para superar essa perda e sabendo que é uma situação provisória, por um bem maior,
a saúde, e, mais que isso, um novo sentido e uma nova mulher renascendo em ti, mais madura,
mais forte, e, por isso, mais bonita! Importante se olhar no espelho sem os cabelos, para
perceber nessa mulher o que tem de mais valioso, que não é sua aparência, mas sua essência
espiritual que tudo pode! Se olhando no espelho, no fundo dos olhos, perceba o que Deus quer
de ti nessa nova jornada, nesse novo renascimento. Pergunte a si mesma qual o sentido desse
cabelo que se vai para um novo renascer!” (sic)
AN comentou que não se sentiu assim, que até cortou o cabelo antes que ele começasse a cair
e vendeu-os ao cabelereiro que os cortou. E continuou:
“Quando me olhava no espelho ria de minha transformação, me chamava de bolacha
“traquinas”. Cada dia era uma nova fisionomia, um dia sem cílio, outro sem sobrancelhas até
que caiu todo o pelo do meu corpo. Mas, mesmo assim, eu gostava do que via, usava meus
turbantes e às vezes saia sem eles com a careca de fora.” (sic)
AN terminou seu comentário rindo.
A pesquisadora comentou que fez um ano que AN perdeu os cabelos e eles já estavam de volta,
mas agora um novo cabelo. Pediu que VE pensasse em Maria como uma borboleta que
também já foi lagarta antes, também podíamos olhar para AN como exemplo de superação,
aproveitando esse momento para se conhecer a fundo e ver um sentido nesse sofrimento.
Quando se tivesse uma situação, que não se pudesse mudar, deveria escolher a melhor
maneira de encará-la, e, a melhor maneira, era achando um sentido maior naquilo que se
estivesse vivendo.
Depois que passasse por isso e passaria rápido, olharia para traz e veria o quanto se tornara
melhor depois de tudo isso, e, poderia ajudar a comunidade onde trabalhava, com mais essa
experiência de vida. Além disso, seria um exemplo real para quem estivesse na mesma
situação, com mais capacidade, e, até autoridade, para auxiliar quem precisasse.
Nesse momento VE se emocionou e conseguiu refletir e compreender a mensagem do que se
estava dizendo a ela. Apesar da dor e tristeza, sorriu comunicando que ia encarar como uma
renovação e um crescimento essa perda do cabelo.
A pesquisadora perguntou qual a mensagem do conto para cada uma das mulheres.
VE disse:
“A ajuda dos irmãos. Se eles não chegassem ela não teria sido salva. Sempre tem alguém para
nos ajudar, que nem no meu caso, vem oração, é vocês, minha família. A gente com câncer se
sente como se estivesse sozinha no meio do mar, largada; tem que nadar, mas sempre tem
gente para ajudar. Deus também nos ajuda, botando as pessoas certas no nosso caminho, Deus
é quem cura. O médico é usado, quando fiz a quimioterapia pensei que o vermelho é o sangue
de Jesus e que ele tem poder de cura, lembrei que falamos sobre a importância de imaginar a
quimio me curando! Peço a Deus que me ajude também a não mostrar abatimento para as
pessoas, principalmente para meu filho.” (sic)
A pesquisadora falou para que VE:
“Encerra esse ciclo “vida-morte-vida” do conto da mulher esqueleto, através dos teus cabelos, se
sentires vontade de chorar, se tranca no quarto e chora toda lágrima ou raiva pela perda dos
cabelos, e, fecha esse ciclo fazendo simbolicamente o funeral dos teus cabelos, como uma
241
passagem para outro patamar da vida, tudo é preciso morrer para renascer. Libera o cabelo em
prol de tua saúde e amadurecimento.” (sic)
VE sorriu e emocionada acenou positivamente com a cabeça.
AN falou da mensagem deixada a ela pelo conto:
“Nada é por acaso. As pessoas surgem para nos ajudar nesse processo. No momento em que
termina estamos no barco para daí ajudar o outro que agora está precisando. Passamos por
transformações e no momento que passamos, temos que estar a postos para ajudar o outro que
está passando o momento difícil. Vi gente dizendo que não precisava mais fazer quimio, pois a
graviola estava substituindo, falei para as mulheres que não deviam largar o tratamento e podia
falar isso, porque era uma sobrevivente do câncer com a quimioterapia.” (sic)
A pesquisadora complementou dizendo que se deveriam associar as coisas boas no tratamento,
desde o trabalho espiritual com orações, ou frequentando a igreja ou seita, que gostasse ou que
tivesse fé, um relaxamento que aprendeu a fazer, uma alimentação mais saudável, um lazer
agradável, enfim, tudo o que viesse somar à alegria de viver, e, jamais abandonar o tratamento
médico.
Ambas as mulheres concordaram.
Após os diálogos iniciou-se a pintura, sempre se lembrando da necessidade de se soltarem das
racionalizações, julgamentos e que deixassem a espontaneidade direcionar o processo pictórico.
Também foi pedido às mulheres que escolhessem cada uma um lenço da cor mais agradável
para aquele momento, e, que se enleassem neles durante o processo de criação pictórica.
AN escolheu o lenço roxo, e, quando perguntada sobre o significado do roxo, disse que era
“saúde”, enquanto VE escolheu o branco, porque era “sinal de paz com Deus e símbolo da água,
que tudo purifica”.
AN iniciou sua pintura parecendo pintar uma figura humana, mas pintou um círculo amarelo
como uma cabeça encaixada numa linha vertical verde, e em seguida, começou a pintar pétalas
vermelhas em volta do círculo amarelo e acabou finalizando-a numa flor erguida sobre uma base
verde. Depois fez uma borboleta colorida, com as asas azuis e pontos verdes e vermelhos
enfeitando suas asas, com antenas amarelas e corpo marrom avermelhado, sobrevoando a flor.
VE pintou uma linha azul que atravessava a folha de uma ponta a outra com quatro figuras
humanas azuis caminhando sobre ela. A linha tinha um formato em “v”, ou seja, no meio uma
depressão com algumas pequenas saliências, que lembravam pedras, e, acima dessa linha,
algo amarelo, o qual lembrava um sol, porém como se ele estivesse emitindo algo de dentro
dele.
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
A pesquisadora pediu que VE falasse sobre sua pintura e ela disse:
“Pintei um caminho com alguns obstáculos, mostrando que estou na caminhada. Também quis
fazer minha família, mas fiz somente eu na frente, meus dois filhos e meu marido no caminho
comigo, porque eles moram comigo, estão mais próximos. Em cima quis fazer um pássaro, o
Espírito Santo como uma pomba, que nos conduz pelas veredas da vida, o nome de meu
trabalho é “Fé e esperança”.” (sic)
AN disse:
“Eu pintei uma borboleta colorida, porque sofre uma transformação, com suas cores vivas para
mostrar essa transformação e uma flor que é a alegria. O nome do trabalho é “Transformação e
evolução”.” (sic)
Em seguida, a pesquisadora dispôs as pinturas de cada uma na ordem em que foram criadas
242
nas oficinas, para que cada uma observasse a sua produção até o momento atual.
AN admirada falou:
“Nossa! Como são coloridos os meus trabalhos!” (sic)
VE achou que os dela ficaram legais.
A pesquisadora deu um retorno sobre a evolução dos trabalhos de pintura, fazendo as
intervenções arteterapêuticas para que pudessem refletir sobre seu processo no todo e a
evolução deles em cada oficina, fazendo uma comparação com a própria evolução delas, ambas
concordaram e se emocionaram com alegria pelas observações feitas.
Depois foi perguntado pela pesquisadora às mulheres sobre a contribuição da arteterapia nesse
processo de tratamento do câncer.
AN falou:
“A arteterapia me ajudou no resgate do meu “eu”, nesse processo de evolução, perceber que
tenho capacidade de ir muito mais além e de envolver outras pessoas também nesse processo;
até o meu marido comentou essa semana feliz, porque eu tinha comprado um sapato bonito e
moderno, eu percebo em mim uma nova mulher. Minha amiga de trabalho lá do Sul, dizia que se
eu continuasse no meu trabalho seria como meus patrões um “Hitler”, eu pensava jamais serei
como eles. Hoje vejo como era parecida com eles, vivia como uma máquina trabalhava treze
horas por dia, por uma empresa que nem era minha, eu não precisava me sujeitar àquilo.” (sic)
VE se emocionou ao falar:
“A arteterapia me ajudou muito nesse processo do câncer, cai parece de paraquedas tendo que
lutar; às vezes quando quero me entristecer, lembro do que falamos aqui e isso me ajuda
bastante, é bem positivo pra gente que está nesse processo de tratamento do câncer, porque a
gente precisa de uma ajuda para sair disso.” (sic)
E foi encerrada a oficina com a despedida.
Acolhimento Amoroso de Despedida:
A despedida aconteceu com agradecimentos, abraços carinhosos e alegres entre o grupo e o
desejo de uma boa semana, com a combinação de que todas mentalizariam coisas positivas
para VE na quinta-feira próxima, quando faria sua segunda sessão de quimioterapia. O que ela
agradeceu feliz.
Considerações Finais:
Os objetivos da oficina foram alcançados, as reflexões feitas durante o processo arteterapêutico
resultaram no desabafo e na externalização de medos e tristezas, como também, na interação e
diálogos que possibilitaram a ressignificação desses sentimentos para ações concretas de
escolhas com sentido profundo para a vida das participantes.
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OFICINA Nº09
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 17/05/2013
Hora: 10h: 00min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher Criativa
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido no perdão e compreensão da
raiva.
Cuidando do Ambiente:
Na preparação do ambiente foi utilizada música de fundo com a fragrância de Mirra, participaram
a pesquisadora e sua auxiliar. Houve uma boa e harmoniosa ressonância entre as participantes,
portanto, o ambiente assim como as pessoas estavam em sintonia com a proposta do trabalho.
Em seguida, no centro da sala foi preparado um círculo formado por um pano branco contornado
pelos lenços coloridos utilizados na dança e no centro foi disposto um pequeno caldeirão de
barro, com cristais, vela perfumada e incenso, com uma almofada, para a prática do sentido do
perdão e da compreensão da raiva sentida.
Acolhimento do Ser:
Foi aberta a sala para a acolhida das mulheres e compareceu apenas AN.
VE havia feito sua segunda sessão de quimioterapia na tarde do dia anterior e não estava bem
para vir até a Univali, estava com enjoos.
No momento da acolhida, foi possível perceber que AN chegou tranquila, conversando sobre
suas experiências vivenciadas durante a semana.
Cuidando do Ser nas Vivências:
AN foi convidada a relaxar ao som da música de fundo; o relaxamento foi dirigido de maneira a
energizar com alegria, tranquilidade e muita saúde para cada parte do corpo, inclusive os órgãos
internos, por meio de uma cor escolhida pela participante.
AN revelou que teve facilidade para relaxar e fazer todo o processo induzido pela pesquisadora
e se sentiu muito bem; imaginou uma luz azul, depois na coluna vertebral mesclava o amarelo e
o verde; segundo ela, o azul no decorrer do processo foi sumindo.
Após o relaxamento foi dada a possibilidade de AN ler o conto “O Urso da Meia Lua” contado por
Estés (1994, p. 431), o que aceitou com alegria.
A história inicia falando de uma mulher que morava numa casa perfumada por pinheiros,
aguardando a chegada do marido que passara muitos anos na guerra.
Ele chegou com o pior dos humores e se recusou a entrar em casa, ficando na floresta dia e
noite, acostumado a dormir em cima de pedras.
A mulher preparou comidas muito especiais para seu marido e carinhosamente levou um belo e
apetitoso prato de comida até ele.
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O marido chutou longe o prato de comida. Ela desesperada com o marido naquela situação, foi
atrás de uma curandeira que morava numa gruta fora da aldeia.
Chegando até ela contou o ocorrido e pediu à curandeira uma poção que o fizesse voltar a ser
gentil e carinhoso e a curandeira disse que poderia ajuda-la, mas faltava um ingrediente que a
mulher deverá pegar. Era um pelo da meia lua do pescoço de um urso do alto da montanha.
A mulher concordou e saiu feliz porque o seu caso teria solução. Subiu as montanhas
agradecendo cada obstáculo que a ela se impunha até que chegou no alto da montanha, branca
de neve, procurou o urso negro dia e noite e não o achou.
Ela procurou abrigo numa caverna rasa que deixava parte de seu corpo de fora. Mesmo com a
bolsa cheia de alimento, tampou-a com folhas, recusando-se a comer e adormeceu.
Na manhã seguinte ela viu o rastro de um grande urso deixado na neve e logo o avistou. Ele era
enorme e faminto. A mulher preparou um prato de comida e colocou no lado de fora da toca, e
voltava correndo para dentro dela.
Ele sentiu o cheiro e comeu toda a comida.
No outro dia ela preparou outro prato e colocou no meio do caminho entre eles e não voltou para
seu esconderijo. O urso veio ao encontro da comida e viu um par de pequenos pés humanos e
sobre as suas duas patas se ergueu e rugiu que estremeceu até os ossos da mulher. Ela
conseguiu ver o vermelho do céu da boca dele. Mas resistiu e ali ficou.
Primeiramente o urso quis devorá-la, mas pensou que não iria fazê-lo, porque ela o havia
alimentado. Ela pediu um pelo de seu pescoço e ele concordou em dá-lo, mas alertou-a que
pegasse o pelo, saísse correndo dali e nunca mais voltasse. Assim foi feito.
Ao chegar com o pelo do urso diante da curandeira ela o apreciou e viu que era realmente do
pescoço do urso negro da montanha e ateou-o no fogo de seu caldeirão.
A mulher não acreditou e ficou indignada. A curandeira disse que não era pra ela se preocupar e
perguntou se ela se lembrava de tudo que sentiu, de tudo que passou e de tudo o que teve que
fazer na escalada da montanha, na conquista da confiança do urso e etc.. A mulher disse que se
lembrava.
A curandeira com um sorriso meigo mandou a mulher para casa dizendo que com esse novo
conhecimento adquirido, conseguiria resolver seus problemas com o marido.
Reflexão amorosa-terapêutica:
Após a leitura do conto a pesquisadora pediu que AN comentasse o que lhe chamou mais
atenção no conto.
AN falou:
“A mulher do conto amava tanto o marido que fez comidas e pratos elaborados, não foi feijão
com arroz do dia-a-dia, fez comidas diferentes, ela se preparou para a chegada dele! Mas não
foi como ela esperava. A gente vai aprendendo com os problemas da vida! Ela ficou com pena
do marido quando ele jogou sua comida, porque o problema dele era muito maior que o dela.
Afinal, ele veio de uma guerra, estava sofrido, não tinha cabeça para romantismo, ela estava em
casa em sua cama quentinha” (sic)
A pesquisadora perguntou a AN sobre, o que sentiu a mulher dele, ao receber sua agressividade
em vez de carinho, e, como se dava essa relação nos dias de hoje:
“Eu levei para outro lado a agressividade do marido, nós temos aquele instinto selvagem dentro
de nós, e o homem veio traumatizado, ele veio da guerra e ela estava toda romântica. Os
homens de hoje em dia não vem dessa guerra, mas lutam contra o stress do trabalho e a mulher
também. Só que o homem é mais razão, e a mulher mais emoção, igual aquele ditado que diz
245
que a mulher vem de Vênus e o homem de Marte. Ás vezes aqueles homens que trabalham em
construção, por exemplo, chegam cansados e querem o carinho da mulher que já está
estressada e vice-versa, às vezes é a mulher que quer o carinho do homem e ele está
estressado.” (sic)
A pesquisadora perguntou sobre o que seria para AN aquela subida à montanha para pegar o
pelo do urso. AN comentou:
Nós praticamos coisas por um período para chegar num objetivo e amadurecemos, nos
tornamos melhores. A subida dela fez com que ela encarasse o instinto selvagem do urso. O
casulo dela foi a gruta pequena que mal dava para ela cobrir o corpo, mas ela conseguiu, porque
depois de enfrentar aquele urso selvagem, os problemas que ela tinha que enfrentar com o
marido eram pequenos.” (sic)
A pesquisadora pediu que AN falasse um pouco o que percebeu sobre a curandeira e como ela
se manifestava. AN continuou falando sobre suas percepções do conto:
“A curandeira é alguém mais madura, que já passou por várias coisas na vida, pode ser até que
já tinha passado o que a mulher do conto estava vivendo.” (sic)
Questionou a pesquisadora: “E a curandeira que está dentro de ti como se manifesta em tua
vida?”(sic)
AN respondeu:
“Durante o conto quando o marido derrubou a comida que a mulher tinha feito esperando ele,
me fez lembrar quando estava casada com meu primeiro marido. Ele chegava duas três horas
da manhã dos rodeios, bêbado, muitas vezes já estava dormindo. Ele me acordava para eu
fazer janta pra ele. Algumas vezes eu fiz, mas depois ficava pensando que ele trabalhava no
pesado, mas o cansaço dele passava deitando, dormindo, mas eu não estava cansada e
estressada porque meu trabalho na prefeitura de atender o público cansava o mental, então
tinha que sair um pouco da rotina para desestressar. Mas ele não saia comigo. Depois de um
tempo não fazia mais comida de madrugada, cheguei a tirar férias e sair sozinha para passear,
foi a minha curandeira! Aí me distanciando, percebi como era usada e desrespeitada, ele tinha
um monte de mulher na rua, era materialista. Hoje vejo como aquele mundo tá distante do meu.
A balança estava desequilibrada. Se tivesse lá talvez hoje estivesse morta, com certeza!” (sic)
AN continuou falando:
“Nessa época tinha picos de pressão alta. Lembro que comentei com uma mulher que servia
cafezinho e ela dizia, minha filha faz o salgado pra ele e leva ele pra cama dormir que no outro
dia tudo já passou. Ficava indignada com ela por me ensinar a ser submissa como ela, que
triste, que vida é essa! Nesse momento foi a minha curandeira que veio e me mostrou que aquilo
não era relacionamento e aí tirei férias sozinha e mudei foi a melhor coisa! Hoje a gente tem
condições de ensinar através da nossa história, que a gente não precisa ficar doente, temos que
nos observar para poder se curar e para evoluir.” (sic)
Depois dessa fala a pesquisadora pediu que AN dissesse a mensagem do conto para ela.
AN: “Mesmo que a gente considere nosso problema grandioso “urso feroz” podemos enfrentalos e superá-los porque podemos contar com a intuição de nossa curandeira interna.” (sic)
A pesquisadora nesse momento pediu à AN que se sentasse na almofada no centro da sala, e,
ao som de um mantra indiano, evocando sua curandeira interna, fosse escrevendo na folha
dada, tudo o que a fez odiar, ter raiva, mágoa, tristeza, qualquer sentimento ruim, negativo,
fosse ali escrito.
Após a escrita no papel desses sentimentos, com a sua curandeira interna ateasse fogo no
papel para que se dissipasse e fossem transmutadas todas essas energias, que se sentisse
limpa e leve, com sentimento de compreensão, deixando tudo isso do lado de fora e não mais
246
guardado dentro de si mesma.
AN manteve-se concentrada durante o processo, demonstrando alegria em deixar esses
sentimentos fora de si. Depois dançou com um lenço de onça cinza para sua curandeira,
agradecendo por sua atuação e por ajuda-la em sua caminhada.
Em seguida, foi pedido que ela pintasse com espontaneidade, deixando que o processo pictórico
ocorresse de maneira natural sem racionalizações. AN pintou um caldeirão marrom no centro da
folha, com fogo embaixo dele pintado em vermelho e fumaça amarela saindo de cima da boca
do caldeirão. No canto da folha pintou uma caverna marrom com uma entrada bem pequena.
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
No momento do círculo de cuidado integral AN observou sua pintura e começou a significa-la
dizendo:
“Pintei um caldeirão marrom porque não consigo ver um caldeirão claro, sempre é escuro por
causa do fogo; o caldeirão pra mim é algo que já está em ebulição, coisas que ficarão para traz,
os problemas foram queimados, por que estão saindo na fumaça amarela sendo transformados
e se dissipando. A separação é um processo de luto você sofre mas sai diferente, mais forte.
A caverna fiz marrom, poderia ter um verdinho, mas agora vejo que representei o casulo onde
me encontrava, quando estamos no casulo ficamos num lugar sozinha e apertado como essa
caverna, nada cresce, é morte. Queria até fazer um caminho dela até o caldeirão porque da
caverna vem o caldeirão que é a saída do casulo. Hoje posso dizer que já tirei o pijama, voltei a
ser AN, aquela mulher de antes.
Eu e Júlio fomos numa festa de aniversário e ano passado foi tudo sério, parece que ninguém ria
porque eu tinha descoberto o câncer. Esse ano foi diferente, rimos, brincamos, eu também estou
diferente; as pessoas me acharam bonita, me elogiaram, meu marido ficou feliz e eu também. O
nome do meu trabalho é “reciclagem”.”(sic)
Sobre a cor do lenço escolhido e das luzes do relaxamento AN falou:
“Escolhi o lenço de estampa de bicho para dançar porque me lembrou “o selvagem”. No
relaxamento para luz azul não sei dar significado, não consigo fazer uma leitura do azul; mas o
amarelo para mim é vida e o verde é a esperança.” (sic)
AN continuou falando:
“Eu ao saber do câncer vi que tinha que encarar e resolvi encarar com bom humor, claro passei
por sofrimentos fiquei no casulo, hoje estou bem, mas não quero atropelar nada, me controlo. As
pessoas percebem que já sou outra. Quero ir devagar com meu relacionamento com JÚ, ele foi
meu cúmplice, me deu muito carinho até agora cuidando de mim, mas não devo nada pra ele,
porque é uma troca, também faço bem pra ele. Vamos viajar dia 29 de julho provavelmente para
Argentina. Lá pra janeiro do ano que vem vou fazer a reconstrução de minha mama e ao meu
trabalho não sei se volto depois da perícia, vai depender deles me aceitarem e de eu aceitar o
horário, ou se mudo de emprego. Já estou fazendo ajudando a fazer algumas impugnações
naquele trabalho da ONG.” (sic)
Para encerrar a oficina a pesquisadora perguntou a AN qual a mensagem que a pintura lhe
trazia:
“Queria a fumaça do caldeirão mais dourada, porque é a luz que reluz, mais valorosa, porque foi
feita a reciclagem.” (sic)
A pesquisadora combinou com AN de fazer uma pequena confraternização na última oficina, e
sugeriu que depois de encerrado o ciclo das oficinas, que mantivesse suas meditações, a
contemplação do mar, os relaxamentos, a dança, as leituras, seus artesanatos; deixando
sempre um tempo para se reciclar, principalmente se voltar a trabalhar fora de casa.
AN concordou e sorriu dizendo:
247
“Jamais vou voltar a ser a “maquininha” de antes! Sou uma nova mulher!” (sic)
Assim encerrou-se mais uma oficina de arteterapia.
Acolhimento Amoroso de Despedida:
Durante o encerramento foram trocados abraços afetuosos e combinado o próximo encontro. A
pesquisadora ficou de manter contato com VE, saber como passou depois da quimioterapia,
informando às demais participantes sobre ela.
Considerações Finais:
Essa oficina atingiu seu objetivo, pois AN refletiu sobre algumas situações de sua vida
reciclando os sentimentos negativos guardados e observando as mudanças que já lhe
ocorreram e que ainda deseja que ocorram nessa nova fase.
OFICINA Nº10
Local: Unidade de Saúde Comunitária da Univali
Data: 24/05/2013
Hora: 10h: 00min
Participantes: Pesquisadora, Auxiliar, AN, VE.
DESCRIÇÃO DA SESSÃO:
Tema: A Mulher Criativa
Objetivo:
Possibilitar o processo de autoconhecimento e a busca de sentido no perdão e compreensão da
raiva.
Cuidando do Ambiente:
Na preparação do ambiente foi utilizada música de fundo e a fragrância de Mirra, participaram a
pesquisadora e sua auxiliar. Houve uma boa e harmoniosa ressonância entre as participantes,
portanto, o ambiente, assim como as pessoas, estava em sintonia com a proposta do trabalho.
Em seguida, em um canto da sala foi preparado um círculo formado por um pano branco
contornado pelos lenços coloridos utilizados na dança e em seu centro foram dispostos vários
objetos como: bichinho de pelúcia, caixa de remédio, anjo, rosário, flores, vela acesa e apagada
aromatizadas, grampo de roupas, tesoura, caminhão de ferro, avião de madeira, batom,
panelinha, cartas de baralho, cartão de crédito, chaveiro, regador em miniatura que continha a
palavra felicidade, maraca, bola com peixe dentro imitando um aquário, uma pérola dentro de
uma maletinha plástica, lixa de unha, miniatura de carrinho de bebê em vidro, uma coruja, um
coração vermelho, um lenço rosa, um vasinho marrom.
Também foi organizado, assim como em todas as demais oficinas, o círculo de cadeiras e a
mesa para a criação pictórica.
Além destes ambientes foi organizada uma mesa para o coquetel e celebração com as mulheres
no sentido de comemorar o encerramento da pesquisa e presenteá-las, cada qual com
pequenas lembranças específicas, que simbolizavam cada uma delas e suas vivências
arteterapêuticas; os quais poderão contribuir nos momentos de tristeza e desânimo para o
soerguimento e resignificação desses momentos.
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Acolhimento do Ser:
Foi aberta a sala para a acolhida das mulheres e compareceram AN e VE.
VE chegou com alguns minutos de atraso em função de sua locomoção até a Univali.
No momento da acolhida, foi possível perceber que AN chegou tranquila, conversando sobre
suas experiências vivenciadas durante a semana e VE chegou sorrindo com um lenço branco na
cabeça, sendo elogiada por todas as pessoas presentes, pois ficou uma mulher mais exuberante
e bela com seu rosto exposto. O que fez muito bem a ela, afinal na última participação declarou
estar muito triste em perder os cabelos.
Cuidando do Ser nas Vivências:
Reflexão amorosa-terapêutica:
A pesquisadora iniciou falando do conto do “Urso da meia lua” (Estés, 1994, p. 431) trabalhado
na última oficina, do ponto em que o marido chega da guerra e exterioriza toda sua raiva de
maneira agressiva contra a comida que sua mulher preparou com tanto carinho, perguntando a
AN, em que momentos e por que motivos suas raivas se exteriorizavam em seu cotidiano, AN
comentou:
“Acho que a raiva desencadeia quando não sabemos administrar algo, os nossos sonhos
frustrados, quando nós deixamos o nosso instinto falar mais alto. A gente até consegue perdoar,
mas o perdão acontece de forma lenta, tem que acontecer algo pra nós nos tocarmos”. (sic)
A pesquisadora trouxe os quatro estágios do perdão, sugerido por Estés (1994, p. 458)
explicando-os: 1. Deixar passar, 2. Controlar-se, 3. Esquecer, 4. Perdoar.
A raiva é um sentimento que pode ser resignificada por quem sente, pois reprimindo-a ou
remoendo-a, torna-se um fel, um ácido que corrói a pessoa e a vida de quem a sente.
Escolhendo a melhor maneira de trabalhar essas emoções e sentimentos no cotidiano,
resignificando-os, torna-se possível o perdão e, consequentemente, o alívio de muitas dores e
sofrimentos.
AN comentou durante a reflexão do estágio um do perdão de “deixar passar a raiva”:
“Nós não esperamos ela passar e nem trabalhamos ela dentro de nós, isso vira uma bola de
neve que vai aumentando cada vez mais”. (sic)
No estágio dois “controlar-se” AN falou:
“Surge fatos novos na vida da gente, mas a gente não deixa a raiva sair do pensamento porque
fica naquela ideia fixa.” (sic)
No estágio do “esquecer-se e perdoar”, a pesquisadora falou da importância do perdão e AN
concordou e disse:
“Isso acontece também no relacionamento homem-mulher, eu passei por isso no primeiro
casamento, tu ficas naquela ideia fixa da raiva. Eu acho que fiz esse processo, aquela raiva eu
já esqueci e daí, perdoei. No nosso último encontro eu não senti nada quando vi ele, até fez bem
para o meu eu, porque ele sim ficou mexido, chegou até a colocar a mão na minha perna e dizer
que desejava a minha felicidade emocionado, que era pra eu me cuidar e ficar bem. Senti que
ele engoliu a lágrima, acho também que ele tava com saudade da bruxa aqui”. (sic)
AN concluiu falando:
“Me senti feliz naquele momento porque vi que o cordão foi cortado”! (sic)
A pesquisadora lembrou AN da prática passada feita com a pira de barro perguntando como
estava se sentindo. AN firmou o seguinte:
“Bem! Acredito que já estou nesse processo, coloquei ali todo o desapego da rotina agitada que
tinha antes, a forma agressiva que tratava minhas colegas de trabalho do mesmo jeito como era
cobrada pelos meus superiores. Acho que hoje seria mais tolerante, hoje tenho outro ponto de
vista em relação a vida, não precisa ser daquele jeito! Depois da queima dos papeis no
249
caldeirão, não sei desencadeou alguma coisa porque não senti raiva, me sinto mais light.
Mesmo com essa instabilidade do trabalho que estou vivendo, não sei se volto, se vão me
aceitar ou se devo mudar radicalmente e partir para fazer outra coisa. Hoje isso não me
incomoda, antes Deus me livre, eu estaria perdida, nervosa, ansiosa. Eu agora vivo o hoje, e,
não me preocupo mais com o amanhã”! (sic)
Ainda comentou:
“Não sei se vou encarar um desafio novo, eu preciso me analisar, em outras épocas estaria
arrancando os cabelos para resolver isso logo! Se surgir algum trabalho eu sei que vai ser
tranquilo, hoje não me cobro mais como antes! Na época eu tinha vontade de pegar o mundo,
hoje não!”(sic)
A pesquisadora afirmou que foram épocas diferentes, que no passado ela estava se sentindo
sozinha e tinha que dar conta de se sustentar, de se manter, era natural sua preocupação com o
trabalho. Atualmente estava vivenciando uma época diferente, depois de tantas perdas e
“mortes” era uma mulher melhor estruturada emocionalmente e mais madura para enfrentar a
vida.
AN concordou e se emocionou lembrando que seu atual marido sempre a apoiava em suas
decisões e escolhas e que lhe dava um suporte emocional muito importante, que agora ela
estava vendo e vivendo a vida de outra maneira, de forma mais cuidadosa consigo mesmo e
com as pessoas que lhe rodeia.
Nesse momento VE chegou e foi acolhida pelo grupo com alegria. Ela usava um lenço branco na
cabeça, estava alegre também em rever o grupo e contou:
“Vendi parte do meu cabelo por R$50,00, porque a outra parte caiu, devia ir antes aí podia
ganhar mais! São tudo fases, agora em junho ainda tenho as vermelhas que são fortes, mas
depois vou pra branca e sei que vou me sentir melhor! Teu cabelo como cresceu né AN, quando
te vi a primeira vez era baixinho e crespinho, mas agora tá pesando e tá mais liso”. (sic)
AN respondeu que passava tão rápido que nem acreditava quando olhava o cabelo no espelho.
A pesquisadora parabenizou VE pela atitude de ir cortar e vender o cabelo e elogiou a nova
aparência de VE, pois ficou mais jovem e mais bonita com o lenço e sem os cabelos.
VE falou alegre sorrindo:
“É, todo mundo que me vê fala isso! Que bom!” (sic)
A pesquisadora introduziu e situou VE na discussão e perguntou a ela os mesmos
questionamentos sobre a raiva e perdão feitos para AN, e, VE respondeu:
“É muito difícil lidar com a raiva no dia-a-dia, mas perder o controle até que nem tanto, mas pra
mim uma das coisas que me faz perder o controle é quando alguém faz pra meus filhos. A gente
até pode brigar com eles, falar deles, mas não quer que ninguém faça isso. Também quando um
filho te magoa dói mais! É igual o amor de Deus por nós ele sabe dos nossos defeitos, mas ama
a gente, se ele só olhasse para os nossos defeitos, o que seria de nós! Ele tá sempre
valorizando o ser humano. A mãe tem sempre que ter o controle”. (sic)
A pesquisadora falou do perdão, que muitas vezes as pessoas diziam que perdoaram, mas não
conseguiam nem falar sobre o assunto que diziam ter perdoado. Também recordou com AN os
quatro estágios do perdão e salientou, que na maioria das vezes, a pessoa que desencadeou a
raiva no outro, também é uma vítima na situação.
VE comentou:
“Vejo muito isso na minha igreja, quando vou visitar as pessoas. Elas pensam que perdoaram,
mas não! Quando falam sobre o assunto a gente vê ainda a raiva delas”.(sic)
VE contou um acontecimento muito importante em sua vida sobre a raiva e o perdão. Segue
abaixo:
250
“Meu marido era alcoólatra, bebia por causa de uma mulher lá que ele teve na vida dele!
Durante 12 anos do nosso casamento ele bebeu. Eu tinha vontade de bater a cabeça dele na
parede até estourar! Ninguém sabia, a gente escondia até de minha mãe, naquela época Deus
me livre de mulher que se separava, eu não podia separar! Todo dia depois de almoçar, eu
deixava os pratos em cima da mesa, nem tampava, e saia para os fundo do quintal, nessa época
eu morava no sítio e lá atrás da casa tinha uma caneleira, uma árvore grande. Eu me ajoelha va
e pedia ao Senhor que me desse força e que mudasse ele. Naquele tempo a ele trabalhava lá
pra São Paulo e ficava 50 dias fora. Então quando ele saia nós combinava a data que ele ia me
ligar, aí eu ia no centro da cidade na telefônica esperar a ligação dele. Eu com 5 filhos pequenos
e ele nem aí, não mandava dinheiro, só bebia, não ligava pra nada! Quando ele tava em casa
era um inferno! Nunca me bateu, mas falava coisas, inventava coisas de mim, me acusava de
coisas que eu não fazia. Sempre orei para entender essas coisas! Aí comecei a orar para ver ele
com outros olhos, porque tinha muita raiva! Aí sim vi ele como uma vítima também, que ele
estava um trapo de ser humano e pela oração ele teve a cura. Então o perdão é uma questão de
tempo, é ver que eu sou vítima, mas o outro também é! Mas para alcançar a graça temos que
estar em estado de graça e trabalhar a raiva em nossos corações. A mulher geralmente acusa o
marido, mas ela também tem que ver o lado dela na briga, na confusão. Deus tem que estar
sempre presente e depois de esfriar a cabeça, porque de cabeça quente. Tenho uma vizinha
que tem 11 anos que tá com depressão e não enxerga a mágoa que carrega porque o marido
cantou a amiga dela. Ela tá lá doente”!(sic)
A pesquisadora salientou a importância de utilizar a fé, o criador, orações, o que mais se
afinizasse com cada uma, para resolver essas situações, pois assim a mulher se sentia mais
fortalecida e não se sentia frágil e sozinha nessas lutas que a vida apresentava. Perguntou a VE
o significado que ela extraiu dessa experiência de 12 anos com o marido alcóolatra. Ela
respondeu:
“É maravilhoso depois de 32 anos de casamento, vê que ele se tornou um novo homem,
preocupado comigo e com os filhos, honesto e trabalhador e não colocou, mas um gole de
bebida na boca, nem champanhe. Eu tinha que passar por tudo isso para entender que aquilo foi
que me levou para Deus. Hoje eu vivo melhor e vejo Deus em tudo. Hoje ele é um belo de um
pai, mas tudo isso eu encontrei em Deus através desse sofrimento. Se não vai pelo amor, vai
pela dor”!(sic)
A pesquisadora falou sobre o resgate que VE fez com seu marido, morrendo um para nascer um
novo; e também AN que se separou do primeiro marido, mas conseguiu atrair para si um bom
companheiro, resultado da experiência vivida com o primeiro marido.
AN falou:
“Tudo isso que passei, foi como se eu tivesse ganhado na loteria, não deu certo meu primeiro
casamento, mas hoje tenho um marido que me trata bem e me faz feliz! Até comentou essa
semana sobre umas panelas, que havia comprado e que a “porcaria da ex-mulher dele tinha
ficado” Eu gostei de saber que eu não era uma porcaria! Aos poucos ele tá se abrindo
comigo”!(sic)
A pesquisadora falou dos “descansos” encontrados a beira dos caminhos e rodovias, que eram
cruzes que marcavam as mortes naqueles locais. Depois da explicação sobre os descansos,
convidou AN e VE a traçarem uma linha cronológica em que poderiam pensar suas vidas desde
o nascimento até o momento presente, colocando cruzes nos pontos de suas vidas que tinham
acontecido mortes como: perdas, traições, frustrações, sonhos não realizados, caminhos
trocados, desistências e mortes de pessoas ou coisas queridas, também aquilo que pressentiam
poder morrer e etc..
Depois de colocadas as cruzes na linha cronológica pelas mulheres a pesquisadora pediu que
abençoassem cada momento daquele. Feito esse processo, que significassem o aprendizado
sobre aquele momento e perdoassem. Por último pediu que sepultassem cada momento
marcado pelas cruzes.
Em seguida, foram escolher um objeto que representasse a si mesmas, depois outro que
representasse as suas vidas e por último suas metas.
251
Ambas participaram das práticas de forma concentradas dando sentido a cada passo pedido.
Após a escolha dos objetos e organizados eles num espaço para cada uma delas na mesa,
criaram suas expressões pictóricas, representando na pintura os sonhos e metas que tinham
para suas vidas.
Durante a pintura, ambas falaram sobre o efeito da quimioterapia na antecipação da
menopausa. VE também comentou sobre sua pintura o seguinte:
“Quando pinto, quero fazer um monte coisas, mas não consigo fazer tudo”. (sic)
Espaço e Movimento para a Saúde Integral:
A pesquisadora começou a falar com AN para depois com VE dando maior tempo para ela
refletir sobre as coisas que gostaria de pintar e não pintou e das que pintou.
AN pintou uma planta com cinco flores vermelhas e miolos amarelos com caules verdes e sem
folhas, e, do lado esquerdo uma chama grande amarela que saia do chão verde como a planta
com flores.
AN falou sobre sua pintura o seguinte:
“A pintura retrata bem o que escolhi de objetos, eu me sinto assim colorida e cheia de energia. A
chama para mim é energia, luz, fé. Que eu permaneça a mesma coisa de agora, sabendo
administrar as coisas. Eu entendo que evoluí, que fui buscar o “pelo branco do urso da meia lua”
e hoje estou melhor do que no passado”. (sic)
A pesquisadora afirmou que quando fizemos esse processo de evolução, mesmo que tenhamos
experiências parecidas, não seremos mais as mesmas e reagiremos diferente do passado, com
mais maturidade, sabendo administrar melhor essas situações.
AN concordou e disse:
“É consegui fazer a escalada da montanha, hoje estou melhor que no passado”. (sic)
A pesquisadora perguntou sobre o significado de cada símbolo para AN e ela falou:
“Eu escolhi a vela acesa para me representar, porque o fogo mantém viva a fé é a energia a
força que move. A palavra felicidade daquele regador foi que me chamou a atenção, pois, vejo a
minha vida assim com felicidade, é uma força de regar e transbordar de felicidade. A flor
representa a minha meta de não deixar a peteca cair, mantendo tudo florido. Vou sendo e
fazendo a vida cada vez melhor!
Depois sobre o significado da prática das cruzes AN disse:
“Eu fiz a linha da minha vida com datas dos acontecimentos que mais me marcaram. Por isso
coloquei no início a data de meu nascimento e depois 1994 que foi o ano em que casei e foi uma
morte, porque deixei de ser menina, os ciclos da “vida-morte-vida”, para receber uma carga
muito grande, reponsabilidades grandes. Depois o ano de 1995 foram as mortes de meus pais;
2001 a perda de meu trabalho que não estava preparada; 2006 deixo de ser “Amélia”, ela morre
e daí fui estudar e investi no meu lado profissional; em 2008 término de meu casamento, uma
fase difícil; em 2009 morre a fase de liberdade, fazer tudo o que dá na cabeça, deixo de ser
solteira porque encontro JÚ; 2010 cortei o vínculo com o trabalho que tanto tinha almejado e vim
embora com JÚ para Santa Catarina, tudo ficou pra trás: cultura, família e etc.; 2012 a
mastectomia e a morte do câncer e deixei uma pequena cruz em aberto que representa outras
coisas que ainda morrerão, pode ser até a morte de minha avó, sei que vou sentir, mas será
outro novo momento em família, porque sei que vou ter que dar muita força para meus irmãos
pois eles sentirão mais a falta dela. O nome de minha pintura é “Vida”.
VE pintou uma linha reta de um lado a outro da folha na cor amarela e colocou um risco azul na
vertical saindo da linha amarela em direção ao alto e do mesmo tamanho duas pessoas na cor
vermelha, com duas flores vermelhas com caules azuis sem folhas, ao longo dessa linha haviam
252
pequenas saliências entre as pessoas e as flores.
VE significou sua pintura dizendo:
“No caminho eu coloquei eu e meu esposo, ele na frente porque é o homem da casa. O risco
azul que fiz no início da linha era para ser uma flor, mas não quis fazer e ficou assim como um
ponto de partida. No caminho coloquei alguns obstáculos, mas sempre vai brotando a vida que é
o significado da flor. O nome da minha pintura é “Caminho de fé”. O vermelho do nosso corpo na
pintura é um colorido, sinal de vida, a cor amarela do caminho é porque é um caminho de luz”.
(sic)
A pesquisadora perguntou a VE o que ela gostaria de ter pintado que acabou não fazendo e ela
respondeu:
“Gostaria de colocar você que está me ajudando, vocês duas também, minha família, o doutor
Jorge. No fundo ele sabe o que faz, quando diz pra gente tirar a mama a gente acha que não,
conheço uma que teimou tirou só o tumor e depois morreu do câncer de mama. Os médicos
também são guiados por Deus, eu rezo no caminho da consulta, no ônibus, para ele saber o que
está fazendo comigo, decidir coisas certas no meu tratamento, a decisão dele seja Deus através
dele. O corpo vai uma hora e o que sobre é só o nosso espírito, então to convivendo bem sem a
mama, não quero botar outra, deixa assim não nasci com elas e ela já deu de mama para quem
eu precisava!” (sic)
A pesquisadora comentou que é muito cedo para decidir sobre isso, que no decorrer do
processo ela poderia mudar de ideia, e, se isso acontecesse Deus seria o primeiro a se alegrar
pelo fato de ela querer se sentir melhor, não somente pela vaidade, mas pelo equilíbrio corporal,
pois a mama que fica, acaba pesando mais um lado do corpo.
AN falou:
“É verdade eu também dizia que não queria a reconstrução da mama, mas agora quero e vou
fazer, quero me sentir melhor, até pelo meu corpo, pensa tirei um quilo e duzentos gramas de
mama, imagine o outro lado com esse peso sozinho”! (sic)
Sobre o significado dos objetos escolhidos por VE ela significou-os dizendo:
“A vela acesa eu escolhi porque é a vida, onde tá a vida e eu também preciso ser a luz para
muitas pessoas. Eu preciso ser essa luz aonde eu vou, a luz não é minha, mas “Daquele” que se
manifesta. A flor, representa a minha vida, peguei aquela que tava um pouquinho murcha porque
é igual a gente no tratamento do câncer, pela fase que to passando, é uma flor que mesmo
murcha tem vida. O crucifixo nesse pequeno rosário mostra que aqui houve a morte de Jesus,
nós estamos nessa fase de vida e morte. Por exemplo sábado, domingo e segunda foi dia
abreviado, terça é que fiquei melhor. Então o terço pra mim é esta fé nos dias de sombra eu
preciso me manter em segurança, então através da oração eu consigo, pra Deus tudo é
possível, pra medicina pode ser o fim, mas se para Deus é o começo, assim será”!(sic)
A pesquisadora pediu que VE falasse um pouco sobre a prática dos descansos com cruzes e ela
disse:
“Coloquei as minhas idades na linha da minha vida e comecei a colocar cruz nos meus 16 anos,
porque foi quando me casei, batalhei, batalhei, saí da onde eu morava tive que me desapegar;
28 anos foi a “morte” do meu marido que bebia, porque depois ele se tornou outro homem;45
anos tive um problema de saúde, quase enfartei ninguém nem eu sei o que aconteceu, mas
tenho certeza que fui curada pelas orações, fiquei cinco dias na UTI do hospital, tive uma cura;
50 anos tive a notícia do câncer, a gente toma um susto porque jamais pensa que com a gente
vai acontecer isso, só com os outros! Mas essa cruz é a morte do câncer em nome de Jesus! 51
anos eu faço dia 06 de julho então coloquei uma cruz para alguma coisa que precisa ser matado
em mim”. (sic)
Depois desses momentos de reflexões e significações foram apresentadas todas as expressões
pictóricas delas na sequência em que foram por elas pintadas, para que observassem a
evolução do processo. A pesquisadora também pontuou alguns detalhes simbólicos dos
avanços de ambas no processo arteterapêutico.
VE identificou a diferença entre o penúltimo caminho e o último, pintados por ela, que o
253
penúltimo estava mais íngreme e o último mais fácil de ser percorrido. Também lamentou não ter
participado de todas as oficinas oferecidas.
AN disse:
“Quando fui convidada para as oficinas nem criei expectativas, até pensei vai passar rápido e
hoje sei que vai deixar saudade”!(sic)
A pesquisadora ponderou o quanto todas as participantes evoluíram, inclusive a própria
pesquisadora e que estava dando como lembrança desses momentos de arteterapia, uma caixa
para cada uma delas com objetos que tinham uma significação simbólica especial para cada
uma delas especificamente, e, a letra de uma música chamada “Pro lado de cá” para refletirem e
se alegrarem nos momentos de tristeza ou desânimo, sempre que precisassem.
AN também deu de presente para cada pessoa do grupo uma boneca de pano criada por ela.
Por último cada mulher foi convidada a escrever o que percebeu sobre as práticas
arteterapêuticas no cuidado da saúde delas, desconsiderando o afeto que sentisse pela
pesquisadora, que fossem muito sinceras naquilo que escrevessem.
AN escreveu:
“A arteterapia contribuiu para um melhor entendimento da evolução de fases ocorridas durante a
vida e ao mesmo tempo é injeção de ânimo para mostrar que o percurso modificado traz e faz
com que eu possa contribuir e melhorar a vida de outras pessoas, transmitindo luz, energia e
felicidade. Beijokas no coração de vocês”!(sic)
VE escreveu:
“A arte terapia trouce para mim muitos pontos positivo como amizade e tambem como ajuda
nesta fase da vida muito obrigada por eu te conhecer agradeço a Deus por voceis existirem”.
(sic)
Em seguida foi servida a comida e os chás e sucos do coquetel preparado para celebrar mais
um ciclo que se encerra transformando as mulheres participantes desse processo. Também foi
colocado pela pesquisadora que a arteterapia não se encerraria ali naquele momento, pois as
maiores mudanças iriam se manifestar e ser identificadas por elas no decorrer do tempo, em
experiências da vida delas.
Acolhimento Amoroso de Despedida:
Durante o encerramento foram trocados abraços afetuosos, agradecimentos; ficou combinado
que do início até meados de julho combinariam um café para conversarem e se reencontrarem.
A pesquisadora se colocou à disposição de AN e VE sempre que necessitarem de ajuda.
Considerações Finais:
Essa oficina atingiu seu objetivo, pois AN e VE refletiram sobre as raivas, perdas e mortes em
suas vidas, abençoando, resignificando e perdoando, para sepultar os sentimentos negativos
guardados, e, observando as mudanças e evoluções que lhes ocorreram no decorrer do
processo arteterapêutico, como também as metas que têm para realizarem nessa nova fase de
suas vidas.
254
APÊNDICE D – FOTOS DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA
Foto 1 – A pesquisadora e as participantes no momento da Reflexão amorosa sobre o conto de
fada
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
Foto 2 – Escrevendo a linha do tempo
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
255
Foto 3 – Linha do tempo de AN
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
Foto 4 – Linha do tempo de VE
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
256
Foto 5 – Objetos para escolher: representação de si mesmo e de sua vida
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
Foto 6 - AN escolhendo os objetos que representam a si mesma e sua vida
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
257
Foto 7 - VE escolhendo os objetos que representam a si mesma e sua vida
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
Foto 8 - A pesquisadora e as participantes no momento da criação pictórica
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
258
Foto 9 – Algumas expressões pictóricas das participantes
Fonte: Dados da Pesquisa (Prática arteterapêutica da oficina nº10)
Foto 10 - Escrita de AN sobre seu processo arteterapêutico
Fonte: Escrita feita por AN após o encerramento da última sessão de arteterapia
259
Foto 11 - Escrita de VE sobre seu processo arteterapêutico
Fonte: Escrita feita por VE após o encerramento da última sessão de arteterapia
Foto 12 - Professora orientadora Maria Glória e a Pesquisadora Karla
Fonte: Foto tirada antes da confraternização e encerramento com as participantes da
pesquisa na oficina nº 10
260
Foto 13 - A pesquisadora Karla com sua auxiliar Áurea
Fonte: Foto tirada antes da confraternização e encerramento com as participantes da
pesquisa na oficina nº 10
261
Foto 14 - Confraternização com as participantes da pesquisa
Fonte: Foto de encerramento das 10 oficinas
262
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) a participar, como voluntário, em uma
pesquisa. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar
fazer parte do estudo, deverá rubricar todas as folhas e assinar ao final deste
documento, com as folhas rubricadas pelo pesquisador, e assinadas pelo mesmo,
na última página, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do
pesquisador responsável. Em caso de recusa, você não será penalizado (a) de
forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: A Percepção da Mulher Mastectomizada Sobre a Contribuição
da Arteterapia no Cuidado à Saúde Integral.
Professora Responsável: Prof. Dra. Maria Gloria Dittrich
Telefone para contato: (47) 33663210
Pesquisadora: Karla Simone da Silva Espindola
Telefones para contato: (47) 8807-7222
O presente projeto tem como objetivo investigar a percepção da mulher
mastectomizada sobre a contribuição da arteterapia no cuidado à saúde integral,
tendo em vista à humanização da saúde e à elevação dos conhecimentos
científicos.
Durante o primeiro encontro será explicado o projeto, bem como as práticas
arteterapêuticas
que
serão
desenvolvidas.
Antes
do
início
das
práticas
arteterapêuticas e após perguntar se você aceita e deseja participar da pesquisa,
será preenchida uma ficha onde constará os seus dados de identificação como:
nome, endereço, telefone para eventuais necessidades de contato.
Em seguida, será apresentado e entregue a você um cronograma para o
atendimento de arteterapia em grupo.
A parte prática da pesquisa consistirá em 20 oficinas de arteterapia, que
acontecerão uma vez por semana, com duas horas de duração, totalizando uma
263
carga horária de 40 horas, na Associação Amor Próprio, situada à Rua Brusque, nº
329, centro do município de Itajaí/SC.
Você em seu processo arteterapêutico será a fonte de coleta de dados que a
pesquisadora utilizará para compreender a percepção da mulher mastectomizada
sobre a arteterapia no cuidado à saúde integral.
As oficinas de arteterapia proporcionarão momentos de relaxamento,
reflexão crítica sobre os temas abordados, diálogos, criação de expressões
corporais, pictóricas, escritas e interação entre o grupo por meio de ideias,
sentimentos, músicas, dança, dramatização de contos de fada, que orientados pela
pesquisadora no processo arteterapêutico, possibilitarão a autonomia, o bem estar e
a autoconfiança no restabelecimento da saúde integral de quem participa.
Se necessário, e se você concordar poderá ser realizado outro encontro,
antes das oficinas de arteterapia, a fim de esclarecer dúvidas e/ou finalizar assuntos
deixados em aberto no primeiro encontro.
Quanto aos aspectos éticos, a pesquisadora informa que:
•
Os dados pessoais da participante serão mantidos em sigilo, garantindo seu
anonimato, e o resultado apenas mostrará os possíveis benefícios atingidos
pela pesquisa;
•
A aceitação não implica que seja obrigada a participar da pesquisa até seu
final. A qualquer momento poderá interromper sua participação, bastando,
para isto, comunicar o pesquisador;
•
A participação é voluntária, não terá direito à remuneração;
•
Esta pesquisa é de cunho acadêmico e não visa uma intervenção imediata,
nem tampouco causará constrangimento de ordem psíquica, política, social e
religiosa.
•
Se a participante tiver alguma reclamação do ponto de vista ético, poderá
contatar com o responsável desta pesquisa;
•
Os resultados serão divulgados na apresentação da pesquisa perante defesa
para uma banca examinadora, de forma pública, que será marcada
oportunamente na coordenação do Programa de Mestrado Profissional em
Saúde e Gestão do Trabalho, como também, por meio de publicações
264
científicas em que a identidade da participante será mantida em sigilo, usando
na pesquisa um pseudônimo ou nome fictício.
•
Ao final da pesquisa, a devolutiva dos resultados ocorrerá por meio de uma
cópia impressa de um relatório que será entregue à coordenadora do projeto
Mãos de Vida, na Unidade Básica de Saúde da UNIVALI, no Campus de
Itajaí.
•
Para participar dessa pesquisa, você deverá assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (a seguir) rubricando todas as páginas.
Esse termo determina que aceita participar da pesquisa como voluntária e
pode desistir de fazê-lo se não se sentir à vontade, sem que sofra qualquer
punição.
Nome da pesquisadora: Karla Simone da Silva Espindola
Assinatura da pesquisadora: _________________________________________
CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO
Eu,_________________________________________________________________
____RG:______________________CPF:__________________________________
_______________
abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente
informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como
os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que
posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve à qualquer
penalidade ou interrupção de meu acompanhamento/assistência/tratamento.
Local e data: _______________________________________________________________
Nome: ____________________________________________________________________
Assinatura do Sujeito ou Responsável: __________________________________________
Telefone para contato: _______________________________________________________
265
ANEXO B – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
266
ANEXO C – TERMO DE UTILIZAÇÃO DE DADOS PARA COLETA DE DADOS DA
PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS
Declaro que conheço e cumprirei os requisitos da Res. CNS 196/96 e suas
complementares no desenvolvimento do projeto de pesquisa, A Percepção da
Mulher Mastectomizada Sobre a Contribuição da Arteterapia no Cuidado à
Saúde Integral, assim como afirmo que, os dados descritos no protocolo serão
obtidos em absoluto sigilo e utilizados apenas para os fins especificados no
protocolo aprovado pelo Comitê de Ética.
Professora orientadora:
Maria Glória Dittrich
_______________________________
Assinatura:
Mestranda:
Karla Simone da Silva Espindola
________________________________
Assinatura:
Itajaí, _____, ______, ____________.