SÃO LUÍS: ELEIÇÕES 2008 NA CAPITAL MARANHENSE. PEÇAS NOVAS PARA UM VELHO JOGO Arleth Santos Borges Professora do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão – UFMA As eleições de 2008 em São Luís (MA) se inscrevem na teia de eventos políticos que desde 2003 tem se configurado como processo de crise e ruptura no interior do grupo comandado pela família Sarney, o mais forte na política local desde meados dos anos 1960. Na capital do estado, porém, o domínio desse grupo só existiu enquanto foram proibidas as eleições diretas1, pois desde que estas foram restabelecidas, em 1985, o grupo sarneysta tem perdido as eleições. Essas derrotas vêm reforçando o epíteto de “ilha rebelde”, imputado a São Luís em 1951 quando esta capital se rebelou contra a posse do governador eleito pelo grupo político comandado pelo então senador e principal chefe político local, Vitorino Freire, do PSD2. Essa tradição oposicionista de São Luís, reforçada pela derrota do grupo Sarney na disputa para o Governo do Estado em 2006, foi um elemento de grande destaque no processo eleitoral de 2008, compondo a estratégia plebiscitária recorrentemente adotada pelos grupos políticos de oposição nos pleitos maranhenses. A despeito do grande número de partidos e candidatos presentes na disputa eleitoral, tal estratégia opera a simplificação das forças em disputa que, por este expediente, são reduzidas a dois grandes campos, os quais, mesmo não sendo homogêneos, apresentam-se como se o fossem. Um destes campos corresponde ao grupo constituído pela família Sarney e seus 1 Doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). O Art. 4º do Ato Institucional nº 3, decretado pelo General Castelo Branco em 05 de fevereiro de 1966, determina que “serão nomeados pelos Governadores de Estado, os Prefeitos dos Municípios das Capitais mediante prévio assentimento da Assembléia Legislativa ao nome proposto”. Em maio de 1985 a Emenda Constitucional nº 25/85 reintroduz as eleições diretas para prefeito. 2 Esta e todas as demais siglas partidárias mencionadas neste artigo estão relacionadas, com sua completa denominação, no Anexo1. aliados, vinculados aos partidos DEM, PMDB, PV e outros; o segundo campo, denominado de oposição, é representado por partidos, segmentos organizados ou personalidades que se autodefinem não proativamente, mas pela reação e oposição ao chamado sarneysmo, reunindo de modo mais permanente o PDT e o PT (e de modo mais circunstancial o PCdoB e PSB), forças não partidárias ligadas a movimentos sociais e Igreja, além de outros partidos ou personalidades que, por variadas razões, encontrem-se na oposição. O esquema plebiscitário é acionado pelos oposicionistas e supõe que todas as forças políticas relevantes se alinharão num ou noutro destes pólos, escapando ao magnetismo dos mesmos apenas os partidos de extrema esquerda, os quais, no entanto, não têm tido força para inviabilizar a lógica plebiscitária. Em 2008, cada um desses grupos entrou na disputa com fragilidades e potencialidades, compondo um cenário de incerteza, indispensável a qualquer disputa que se pretenda democrática. O grupo Sarney apresenta-se com trunfos acumulados em décadas de experiência político-administrativa e ocupação de posições importantes, que se desdobram em notáveis recursos de poder, tais como: dinheiro, suportes midiáticos de grande alcance, popularidade/visibilidade e, sobretudo, inserções na esfera governamental (estadual e federal) que lhes favorece o acesso a recursos e instâncias decisórias, ampliando seu papel redistributivo, ou seja, sua capacidade de distribuir benefícios coletivos e seletivos. A questão era saber se esse arsenal de trunfos materiais, políticos e simbólicos seria acionado para a disputa de prefeito da capital, até então pouco privilegiada pelo grupo desde a sua emblemática derrota de 19853. Os oposicionistas, por sua vez, mobilizavam em seu favor a retórica antisarneysta, que apontava esse grupo como responsável pelos péssimos indicadores sócioeconômicos do estado; contavam com a presença de lideranças partidárias à frente do governo estadual e da Prefeitura de São Luís, Jackson Lago e Tadeu Palácio, ambos do PDT; tinham um partido da oposição (PDT) governando a capital há praticamente duas décadas; e reverberavam o clima de confiança remanescente da vitória sobre Roseana Sarney na disputa para o governo estadual em 2006. Trunfos políticos a serem convertidos em ganhos eleitorais. Em face disso, seria razoável admitir que, tanto para os sarneystas como para os oposicionistas, a disputa de 2008 pelo governo da capital – principal núcleo de poder político e econômico do estado - ganhasse maior relevo. Para os primeiros, havia a necessidade de recomposição das bases de apoio e poder, sob tensões e fraturas desde 20034, aproveitando-se, inclusive, do desgaste recentemente sofrido pelo governador e ex-governador que foram, direta ou indiretamente, envolvidos em operação anti-corrupção 3 Nessa eleição (1985), o candidato sarneysta, Jaime Santana, apresentado como “força total”, perdeu a eleição para Gardênia Ribeiro Gonçalves, auto-representada como “nome de flor” que “vai tratar São Luís com amor”. Os slogans de cada candidato podem ser tomados como sinalizadores do volume de recursos e do poder atribuído a cada um dos grupos em disputa, no caso: sarneystas versus oposicionistas. 4 Nesse ano (2003), houve a ruptura do governador José Reinaldo Tavares com a família Sarney, sendo o primeiro acompanhado por vários deputados e lideranças municipais. Em 2006, aconteceu a derrota de Roseana Sarney para Jackson Lago na disputa para o governo estadual. 2 conduzida pela polícia federal5. Para os oposicionistas, interessava consolidar a vitória de 2006 e permanecer no comando político da capital. Para realizar seu propósito, o projeto oposicionista incluía a reedição da chamada “Frente de Libertação do Maranhão”, que seria o espaço de unificação dos partidos, movimentos e personalidades de oposição em torno de uma candidatura única. Esta Frente seria o meio privilegiado pelo qual a eleição em São Luís poderia ser transformada numa espécie de plebiscito Sarney/anti-Sarney. Em 2006, essa estratégia foi cuidadosamente preparada, mas só foi efetivada no segundo turno devido às restrições impostas pela lei da verticalização das alianças partidárias6, que obrigava a reedição das alianças nacionais no plano estadual. Já em 2008, malgrado a confiança no êxito da estratégia frentista e num contexto em que não haveria eleição federal, os partidos oposicionistas se dividiram em três candidaturas que disputaram entre si e com outras cinco, alinhadas ao sarneysmo, e mais duas de partidos de extrema esquerda. Com este quadro de fortes concorrências inter e intrapartidárias, São Luís foi a capital que apresentou maior número de candidatos a prefeito nas eleições de 2008. Candidatos, Partidos e Coligações Os dez candidatos que se apresentaram à disputa para o Executivo Municipal de São Luís em 2008 foram: Quadro 1: Candidatos, Partidos e Coligações nas Eleições de 2008 em São Luís-MA Candidato Partido Partidos Coligados Nome da Coligação (Slogan) João Castelo PSDB PSDB / PSB / PTC São Luís merece mais Agora Vai Flávio Dino PCdoB PCdoB / PT Unidade Popular São Luís quer muito mais Clodomir Paz PDT PDT/ PMN/ PCB/ PSL /PRP /PSDC /PR/ PHS / PTN/ PPS São Luís não pode parar Prefeito Presente 5 O governador Jackson Lago foi envolvido na “Operação Navalha” da Polícia Federal, em razão da acusação de que dois sobrinhos seus, com cargos no governo estadual, teriam sido flagrados recebendo propina da construtora Gautama. Também foi envolvido nessa operação o ex-sarneysta e então padrinho político de Lago, José Reinaldo Tavares, ex-governador, que chegou a ser algemado e preso ante as câmeras de TV. 6 Resolução nº 20.993, publicada em 26 de fevereiro de 2002 pelo Tribunal Superior Eleitoral, que determina: "Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado ou do Distrito Federal senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual ou distrital com partido que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato/a à eleição presidencial". 3 A força das Comunidades Segurança das Comunidades Diga sim para São Luís São Luís sob nova direção Raimundo Cutrim DEM DEM / PTdoB / PRTB Gastão Vieira PMDB PMDB /PSC Waldir Maranhão PP PP / PV Cleber Verde PRB NÃO FEZ COLIGAÇÃO Welbson Madeira PSTU NÃO FEZ COLIGAÇÃO Pedro Fernandes PTB NÃO FEZ COLIGAÇÃO Paulo Rios PSOL NÃO FEZ COLIGAÇÃO São Luís: progresso sustentável Fonte: TSE / Eleições 2008 O primeiro aspecto que esses dados apontam é o grande número de candidaturas, decorrente de dois motivos interligados: a derrota do projeto frentista em prol de estratégias particularistas de partidos e candidatos, e as dificuldades de construir acordos sobre alianças dentro dos próprios partidos e destes entre si. A opção pelo fortalecimento de siglas e lideranças partidárias em detrimento da reedição da “Frente de Libertação”7, teve a ver com a possibilidade, nada remota, de realização de segundo turno, fato que estimula a utilização do primeiro turno para a divulgação de nomes e idéias partidárias, deixando as alianças estratégicas para o segundo turno. A “Frente” não se viabilizou porque os partidos potencialmente integrantes, apoiandose em trunfos e interesses específicos, disputavam a liderança da chapa pluripartidária a ser lançada; outros sequer conseguiam chegar a um acordo interno quanto à estratégia e o nome do melhor candidato. O PSDB se reivindicava portador do nome mais competitivo (o do ex-governador João Castelo); o PDT encontrava-se internamente dividido, mas contava em suas fileiras com o prefeito da cidade e o governador do estado; o PT tinha o status de partido do presidente da República, àquela altura com extraordinária popularidade, mas estava duplamente dividido entre ter ou não ter candidatura própria e, na hipótese de não tê-la, divergia sobre qual poderia ser o aliado preferencial (PCdoB ou PDT); em seu favor, o PT dispunha de grande tempo no horário gratuito de propaganda eleitoral no rádio e TV – condição de viabilidade das pretensões de candidatura do 7 Em 2006, os partidos inicialmente engajados na Frente de Libertação do Maranhão eram o PSB, PDT, PSDB, PPS, PT, PAN, PL, PCB, PMN e PCdoB, unidos pela pré-candidatura do ex-prefeito Jackson Lago (PDT) ao Governo do Estado, e a do deputado federal João Castelo (PSDB) ao Senado da República. Com a regra da verticalização adotada naquele pleito esse projeto foi inviabilizado, visto que PT, PSDB e PDT lançaram candidatos a presidente e o PSDB coligou-se ao PFL que, no Maranhão era o partido da candidatura de Roseana Sarney. Por isso, naquela ocasião, a Frente de Libertação do Maranhão desdobrouse em três candidaturas: Jackson Lago, pelo PDT; Aderson Lago, pelo PSDB; e Edson Vidigal, pelo PSB/PT. 4 PCdoB. Sequer os partidos de extrema esquerda conseguiram se unificar em uma chapa, sendo lançados candidatos do PSOL, do PSTU e, por pouco, o PCO não lançaria mais uma candidatura, inviabilizada apenas por irregularidades na documentação legal. A estratégia de lançar candidaturas através de coligação foi a opção da maioria dos partidos e candidatos, interessados em maximizar o “tamanho do palanque”, isto é, o número de apoiadores de destaque, o trabalho de “corpo-a-corpo” junto aos eleitores, o tempo disponível para a propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV e, conseqüentemente, o número de votos8. Ideologicamente, a única coligação de traços, teoricamente, mais homogêneos foi a coligação PCdoB/PT9. Existem diferenças significativas quanto ao tamanho das coligações, sendo a maior de todas a do partido do governo, tanto estadual como municipal (o PDT); mas há um traço invariante em todas elas: a presença de pelo menos um grande partido nacional, no caso, o PT, o PSDB, o PMDB, o PDT e o DEM. Dos 26 partidos participantes do pleito, apenas quatro – um de médio porte (PTB) e três de pequeno porte (PRB, PSTU e PSOL) – optaram pela candidatura própria, apresentando-se sozinhos no primeiro turno. Para os que fizeram coligações, observa-se a partir dos nomes com que estas foram batizadas que, via de regra, a ênfase das mensagens não incide sobre partidos ou ideologias, mas sobre questões da cidade. Daí os slogans carregados de ufanismo e reverências a São Luís e suas possibilidades e necessidades de avanços. Tal estratégia é ilustrativa do aspecto denegatório da política, pelo qual a mesma é justificada não por interesses particulares dos postulantes aos cargos ou das organizações partidárias, mas pelo discurso de compromissos com a comunidade e disposição para servir, ainda que ao custo do sacrifício pessoal10. Acrescente-se a isso que o número total de candidaturas, embora grande, não chegou a ser inédito em São Luís, visto que foi o mesmo de 1992, ano da primeira eleição após a instituição do segundo turno nos grandes colégios eleitorais em que nenhum dos candidatos a cargos executivos obtivesse a maioria absoluta dos votos. Perfil dos Candidatos Vasta literatura, tanto de viés institucionalista quanto etnográfico, tem salientado que uma disputa eleitoral não pode ser explicada apenas pela racionalidade instrumental do eleitor, supostamente bem informado e ideologicamente orientado. Tais questões têm a sua importância, mas ao lado delas há outras também significativas, relacionadas às motivações, nem sempre racionais, do eleitor e ao capital social e político estrategicamente acionados pelos agentes em disputa. A idade do candidato, por 8 Para o aprofundamento sobre os significados e experiências de coligações eleitorais no Brasil, ver o trabalho organizado por Krause e Schmitt (2005). 9 Conforme classificação ideológica dos partidos políticos brasileiros proposta por Figueiredo e Limongi (1999). 10 A propósito de representações generosas e heróicas que políticos profissionais elaboram para referir-se à suas atitudes e trajetórias, ver Kushnir (2000). 5 exemplo, quando elevada, pode ser apresentada ao eleitor como marca de experiência e maturidade, mas pode também, quando pequena, ser acionada como sinal de renovação e vitalidade. Diplomas e títulos universitários geralmente são apresentados como indicadores de competência, status intelectual e inserção em meios acadêmicos; a assunção prévia de cargos eletivos ou administrativos é apontada como sinônimo de experiência e trânsito entre as elites dirigentes, ou seja, conhecimento e acesso às estruturas de poder. De modo mais ou menos explícito, elementos como estes povoaram o cenário da disputa eleitoral em São Luís em 2008. Outros elementos trazidos à tona, não por iniciativa dos candidatos, mas por exigências da instituição eleitoral, referem-se à situação patrimonial dos postulantes a cargos eletivos e à previsão de gastos na campanha. Com a publicização da primeira informação, a autoridade legal visa instaurar efeitos dissuasivos em relação ao enriquecimento (ilícito) com a atividade política; com a segunda medida, o objetivo é conter a generalizada tendência de transformação das eleições em simples disputa de poder econômico, razão pela qual os dispositivos legais procuram manter o processo tanto de gastos como de prestação de contas dentro de limites legais, previamente fixados. O Quadro 2 apresenta uma síntese da situação dos candidatos relativamente a estes pontos. Quadro 2: Perfil ocupacional, experiência político-administrativa e condição sócio-econômica dos candidatos a prefeito de São Luís em 2008 Candidato / Ocupação Idade / Declarada (Ano do 1º mandato) João Castelo, Advogado 70 (1979) Mandatos Eletivos Principais Cargos Anteriores Governador Senador Deputado Federal (3 mandatos) Presidente Banco da 6.363.437,00 7.900.000,00 Amazônia - BASA Presidente da Empresa Maranhense de Administração Portuária – EMAP Secretário Executivo 733.748,00 2.500.000,00 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ Juiz Federal Presidente Associção Nacional dos Juízes Federais – ANJUFE Flávio Dino, Advogado Deputado 40 Federal (2006) (1º mandato) Clodomir Paz, 63 (1986) Engenheiro Deputado Diretor das Centrais Estadual Elétricas do MA (03 mandatos) CEMAR Secretário Estadual de Minas e Energia 6 Patrimônio (R$) * Previsão de Gastos (limite) 1.702.794,00 6.000.000,00 Secretário Municipal de Assuntos Políticos Raimundo Cutrim, 53 (2006) Deputado Deputado (estadual) Estadual (1º mandato) Cleber Verde, 36 (1998) Servidor público federal Vereador (1mandato) Deputado Estadual (1º mandato) Gastão Vieira, 62 (1987) Deputado (federal) Deputado Estadual (2 mandatos) Deputado Federal (4 mandatos) Welbson Madeira, 38 Pedro Fernandes, 59 (1993) Professor universitário Deputado Vereador São Luís (1 mandato) Deputado Federal (3 mandatos) Waldir Maranhão, 53 (2006) Paulo Rios, 46 Médico Deputado Veterinário Federal (1º mandato) Historiador / Professor Universitário Delegado da Polícia 527.456,00 Federal Secretário/Gerente Estadual de Segurança Pública Diretor regional do 735.000,00 INSS 3.500.000,00 Secretário Estadual de Planejamento Secretário Estadual de Educação 441.599,00 1.500.000,00 Dirigente sindical 15.000,00 30.000,00 Presidente da 982.657,00 Companhia de Limpeza Urbana de São Luís - COLISEU Secretário Municipal de Obras e Transporte Secretário Municipal de Infraestrutura. Reitor da 450.000,00 Universidade Estadual do Maranhão – UEMA Dirigente sindical 357.000, 4.000.000,00 6.000.000, 2.000.000, 100.000, - * Informações Declaradas ao Tribunal Regional Eleitoral Fontes: TSE; Jornal Folha de São Paulo/Eleições 2008/Perfil dos Candidatos São Luís-MA, disponível em (http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2008/eleicoes) Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, veiculado em São Luís no período de 19/08/2008 a 02/10/2008. Câmara dos Deputados / Dados Biográficos; e materiais informativos dos candidatos. Em relação à idade dos candidatos, observa-se uma variação significativa com extremos localizados em 70 e 36 anos. Quase todos os concorrentes já exerceram mandatos eletivos, sendo deputado federal o cargo de maior incidência e vereador o de 7 menor incidência11, havendo um candidato (João Castelo) que já ocupou três cargos diferentes (governador, senador e deputado federal), enquanto outros ainda não exerceram mandatos eletivos. Por outro lado, o exercício de atividades administrativas anteriores, em cargos de confiança, é quase uma regra, pois só ficam de fora os dois candidatos da extrema esquerda, que são, entretanto, professores de universidades públicas, e o ex-juiz federal, cujas funções também apresentam inconteste caráter público, mas este, a exemplo dos dois anteriores não chegaram a esses cargos por indicação ou confiança particular de algum político, mas por critério burocrático, ou seja, por direito obtido através de concurso público. A situação patrimonial dos candidatos situa-se em patamares médio-alto e alto e registra diferenças profundas, confirmando-se, porém, a regra de que os mais competitivos foram os detentores de maior patrimônio. Na mesma linha, as previsões de gastos na campanha eleitoral seguem o ritmo maior ou menor do patrimônio de cada candidato; por outro lado, também acompanham a tendência de elevado e progressivo encarecimento das campanhas, apesar de todas as medidas preventivas fixadas em lei. Considerando esses gastos declarados pelos candidatos, o desempenho de Flávio Dino não nega, mas foge um pouco ao padrão de proporcionalidade direta entre poder econômico e competitividade eleitoral. Cumpre registrar que, nesse universo muito heterogêneo, a campanha acabou polarizada entre candidatos de situações bastante diferenciadas – João Castelo e Flávio Dino – que só têm em comum o fato de serem ambos, advogados. Castelo é o candidato mais velho e Dino, um dos mais jovens; o primeiro tem larga experiência em cargos eletivos e administrativos, enquanto o segundo está iniciando seu primeiro mandato; um é o mais rico de todos e o outro tem patrimônio mediano; o primeiro tem trajetória políticopartidária mais de centro-direita, enquanto o segundo localiza-se mais à esquerda; João Castelo sempre esteve mais próximo de esferas governamentais, enquanto o Flávio Dino tem um histórico de vinculações com setores organizados da sociedade civil. Tais elementos impõem a relativização do alcance eleitoral destes aqui denominados trunfos sócio-econômicos e políticos, afinal nenhum destes elementos, incluindo o poder econômico, mostrou-se suficiente ou decisivo para a vitória nas urnas. A importância de atributos sócio-econômicos, tempo na política, experiências político-administrativas, vinculações partidárias etc., só se define como tal no contexto efetivo de cada disputa. A Disputa Retórica Os processos eleitorais são constitutivos da moderna democracia representativa e têm atravessado várias modificações ao longo do tempo, assimilando características e necessidades dos diferentes contextos políticos e culturais, as transformações políticopartidárias e os processos de especialização da atividade política (MANIN, 1995). Uma das mudanças de maior destaque relaciona-se às novas formas de sociabilidade, marcadamente influenciada pela comunicação midiática e, junto com isso, a emergência de novas configurações políticas e técnicas eleitorais. 11 Tais evidências estão de acordo com as conclusões de Grill (2007) que, em pesquisas sobre as bancadas maranhenses de deputados federais, constatou haver nesse estado um padrão de ingresso na política pelo alto, ou seja, por cargos federais e não por aqueles de âmbito local, como vereador ou prefeito. 8 Argumentando no sentido de que na contemporaneidade as relações entre comunicação e política são muito estreitas, Rubim (2001), citando Alejandro Alonso, refere-se às eleições como um “foro comunicativo” no qual todos os seus atores são convocados a empreender um admirável investimento em comunicação, através de estratégias, dispositivos e instrumentos bastante variados, dentro de um esforço de comunicar idéias e propostas, convencer, sensibilizar e emocionar, mobilizando mentes e corações, em disputa pelo poder político na sociedade. Também destaca que esse embate é orientado por normas (formais e informais, acrescente-se) e é realizado em ambiente público. Além disso, sendo a eleição uma espécie de jogo em que a competição pode tornar-se muito intensa, o processo em que se desenvolve supõe permanente diálogo não apenas entre candidatos e eleitores, mas também dos candidatos entre si. Nesse sentido, as estratégias de auto-representação, a construção da imagem do adversário, a interpretação do mundo presente e do mundo futuro (atual situação da cidade e propostas a serem implementadas) e a política de alianças adquirem grande importância tanto para o encaminhamento do processo eleitoral como para o resultado da campanha. O Quadro 3 sintetiza o acionamento e os significados de alguns desses elementos na disputa de São Luís em 2008, a partir do discurso dos próprios candidatos, enunciado em materiais de propaganda, entrevistas e no horário gratuito de propaganda eleitoral. Quadro 3: Construção da imagem, desconstrução do oponente e propostas de governo dos Candidatos Candidato Auto-imagem Aliados Identificação e Principais Desconstrução do Propostas de Oponente Governo* João Castelo Experiente / Roberto Rocha (dep. Flávio Dino Moderno / fed.); Pinto da apresentado como Realizador de Itamaraty (dep. fed. e inexperiente, grandes obras - as proprietário de radiola comunista, maiores da cidade. de reggae); Aécio sarneysta e inimigo Amigo dos Jovens. Neves (gov. de MG); dos mais velhos e Vítima de ataques Alberto Franco, das Igrejas. e injustiças. Edvaldo Holanda e Afonso Manoel (dep. estaduais); Telma Pinheiro (sec. estad. das cidades, responsável pelas obras do PAC em São Luís); Aldionor Salgado (exvereador); exmilitantes de esquerda e do movimento estudantil 9 Transformar São Luís num canteiro de obras: Hospital de Urgência Médica; programa Palafita Zero; novo anel viário; creches em todos os bairros; livros e uniformes gratuitos para alunos da rede municipal; ampliação da frota de ônibus; distribuição de alimentos a preços populares; etc. na época da greve pela meia passagem) Flávio Dino Novo. Aliado de Lula; ministros; Lula. Moderno. lideranças nacionais Preparado: do PT (Ricardo conhece as leis e Berzoini) e do PCdoB os caminhos para (Renato Rabelo); obter recursos. Helena Heluy Trajetória de luta (deputada estadual); por justiça e de artistas e intelectuais êxitos profissionais locais; militantes de movimentos sociais e do PT. Clodomir Paz Cleber Verde Fazer em São Luís o João Castelo que Lula está fazendo apontado como sem acesso ao no Brasil (PAC São governo federal, Luís) impositor de falso debate (alusão a questões religiosas e aspectos da vida privada do candidato); velho, no sentido de ultrapassado, e sem experiência democrática. Experiente na Tadeu Palácio João Castelo (de Continuidade ao administração governo Tadeu (prefeito). Pastores quem tentou municipal; deputados estaduais impugnar a candi- Palácio, com conhecedor do incrementos nas áreas – Graça Paz datura no TRE) que tem que ser (esposa), Pavão apresentado como de saúde, transporte e feito. Honesto e educação Filho, Elisiane Gama. violento, pelas competente para agressões fazer as mudanças praticadas contra que São Luís os estudantes na precisa. greve de 1979; inimigo dos funcionários públicos, devido à demissão de centenas destes na gestão de sua mulher como prefeita; mau gestor e descumpridor de leis trabalhistas (vide os vários processos de dívidas trabalhistas a que responde e a situação falimentar de suas empresas). Origem humilde e Aposentados, Implantação de sucesso político: militares, feirantes, Hospitais do coração e de feirante da do diabético. Unidades estudantes. Cohab, professor móveis de saúde. e vereador a depuCreches alternativas. tado federal. Em Brasília, “aprendeu onde estão os recursos”. 10 Raimundo Corajoso; Grupo Sarney Independente; Cutrim Segmento policial “Entrei para a política pela porta da frente, não precisei de dinheiro público para me eleger”. Sabe como funciona o governo. Gastão Vieira Competência. Honestidade. Força política. Experiência. Acesso privilegiado ao governo federal: um dos vice-líderes do presidente Lula na Câmara Histórico de militância na Esquerda e nos movimentos sociais. Roseana Sarney (senadora e exgovernadora); ministros, do MDB, com destaque a Edson Lobão (exsenador e exgovernador do Estado). Castelo - acusado Segurança pública de ter endividado o para São Luís. estado e levado suas empresas à falência. Flávio Dino chamado de comunista engravatado que mora em Brasília e agora se veste com a barba de Lula. Revolução lenta em João Castelo, apresentado como São Luís, através da sem acesso ao educação. governo federal em razão de seu partido, o PSDB, ser a principal força de oposição ao presidente Lula. Os 8 Candidatos do Concursos Públicos. Militantes de MoviGrupo Sarney, Melhoria dos mentos Sociais. equipamentos e Intelectuais. todos tratados serviços públicos. Brincantes do Bumba- como representantes ou Combate à meu-boi. herdeiros da terceirização de oligarquia. serviços públicos. Experiente, por Oferta gratuita de Pedro O candidato não produtos essenciais Fernandes que já passou por elegeu um vários cargos adversário direto, para os mais pobres: públicos. 100% de pão, internet, curso de mas teve grande comparecimento inglês e cursinho prérepercussão o na Câmara dos prejuízo que teria vestibular. Transporte Deputados. causado a Flávio coletivo urbano Dino por ter apre- (ônibus) com ar condicionado. sentado recurso que inviabilizou o debate entre os candidatos no 1° turno, com transmissão pela TV Globo, e para o qual Dino fizera ampla convocação. Origem simples. Familiares. Jornalista Integração do Waldir transporte Maranhão Orgulho de ser e empresária do ramo professor metropolitano. Metrô. de entretenimento Horto-florestal (Dulce Brito). Welbson Madeira 11 Paulo Rios Militante de esquerda Flávio Dino, apontado como mais um candidato de Sarney, de práticas eleitoreiras e antidemocráticas como as alianças eleitorais com prefeitos “ficha suja” e financiamentos por parte de empresários e representantes da política tradicional. Programa de obras públicas emergenciais. Participação nas lutas sociais. Combate ao nepotismo. Valorização da cultura popular e política de acessibilidade Fontes: Propaganda Eleitoral Gratuita veiculada pela televisão; materiais de campanha dos candidatos; entrevistas divulgadas na mídia local e/ou jornal Folha de São Paulo; e dados do TSE. A visão apresentada no Quadro 3 sobre as auto-representações dos candidatos evidencia a valorização da chamada “experiência”, o que denota reconhecimento da arena política como um campo que requer competências específicas e profissionais (distintas do amadorismo). Essa experiência freqüentemente é traduzida como “conhecer os caminhos”, os quais logo são especificados como “das pedras”, para sinalizar que não se trata de caminhos fáceis, auto-evidentes ou acessíveis a principiantes ou outsiders. João Castelo, Clodomir Paz, Raimundo Cutrim, Gastão Vieira, Pedro Fernandes e Waldir Maranhão tiveram prévias experiências administrativas e de gestão pública (por eleição ou indicação para cargos de confiança) e as acionaram com o propósito de dar consistência e confiabilidade aos seus discursos e propostas12. Também ocorre que a experiência ou expertise e mesmo o prestígio reivindicado pelo candidato possa estar referido não a ele próprio, mas a apoiadores detentores de alguma notoriedade, registrando-se, nesses casos esforços de transposição de trunfos e capitais de uma esfera para outra esfera ou de um agente para outro13. O quanto esta passagem ou transferência pode ser operacionalizada e com que grau de eficácia é questão a ser observada em cada situação concreta, mas essa possibilidade é um dos elementos que dá sentido à política de alianças empreendida pelos candidatos. Esta política, para além da conformação de campos ideológicos ou composição de maiorias numéricas, cumpre o papel de ungir o candidato com as qualidades, legitimidade e confiabilidade creditadas aos seus notáveis aliados e apoiadores. Todos os candidatos participantes do pleito de 2008 em São Luís empenharam-se em ter aliados notáveis, embora o conteúdo dessa notoriedade possua significados os mais diversos. 12 A respeito da política como uma esfera ou campo de saberes e práticas especializadas, ver Bourdieu (1989). Para uma análise desta questão aplicada ao caso brasileiro, ver Bezerra (1999). 13 Bourdieu, 1989, com atenção especial aos conceitos de instituição e investidura. 12 Um elemento de notoriedade dos mais acionados foi o pertencimento a instâncias da administração pública, observando a hierarquia que marca os níveis federal, estadual e municipal, apesar de tratar-se de eleição municipal. Assim, revelou-se crucial para todos os candidatos tornar evidente a sua proximidade com o presidente Lula, não escapando a essa estratégia sequer o candidato do PSDB, que usou o seu horário de propaganda eleitoral para apresentar um vídeo em que o presidente, em reunião com prefeitos de todo o país, afirmava a isonomia de tratamento a todos os eleitos, independentemente de diferenciações partidárias ou regionais. Na mesma direção, a vinda a São Luís, do governador Aécio Neves, de Minas Gerais, para dar apoio ao candidato João Castelo (PSDB) atendia a uma dupla função: explicitar o apoio de um governador com expressiva liderança nacional e dar o testemunho de que ser governante por um partido de oposição não significa abandono por parte do presidente Lula. Flávio Dino (PCdoB) trouxe ao seu programa eleitoral depoimentos de apoio do presidente Lula e participação de vários ministros, medida também adotada por Gastão Vieira (PMDB). Também foi intensa a presença de senadores, deputados, secretários de governo estadual e municipal nos palanques eletrônicos de São Luís. Artistas e profissionais liberais de maior visibilidade, dirigentes de movimentos sociais e “representantes” de manifestações culturais (do bumba-meu-boi ao marafolia, passando pelo reggae) também foram amplamente requisitados por candidatos de todos os matizes ideológicos, sendo Raimundo Cutrim (DEM) o mais resistente à utilização da propaganda feita por terceiros. No processo de construção da imagem do candidato, também é comum que a ausência de experiências político-administrativas próprias seja mitigada por capitais sociais como diplomas, prêmios e experiência profissional ou política em espaços não estatais. O candidato Flávio Dino, um dos mais novos na disputa e sem experiência administrativa, freqüentemente chamava atenção para seus títulos acadêmicos, sua experiência como juiz – que lhe conferiam o status sempre muito valorizado de “conhecedor das leis” – e também destacava seu ativismo político em entidade representativa dos juízes e suas inserções junto a movimentos organizados da sociedade civil. Esta é uma via pela qual a própria trajetória individual pode ser valorizada (ou desvalorizada) pelos agentes políticos em disputa. Outra forma de compensar a falta de experiência e de tirar proveito da pouca idade (em geral, associada à inexperiência e à insensatez) é dada pela afirmação como “novo”, “moderno”, “avançado” e diferente da situação presente, presumidamente insatisfatória ou passível de aperfeiçoamentos. Tal estratégia foi utilizada por Flávio Dino contra João Castelo, quando o primeiro questionava a experiência do segundo com o argumento de que esta teria ocorrido em um contexto autoritário (da ditadura militar), o qual a população brasileira estava decidida a superar. Na mesma linha, mas em direção ideológica diferente, os candidatos Welbson Madeira e Paulo Rios não reputam importância significativa à experiência em instituições caracterizadas como “capitalistas”, “burguesas” e de orientação “neoliberal”. A grande experiência por estes reconhecida e valorizada é aquela vivenciada nas chamadas lutas sociais e organizações populares. Ainda no plano das auto-representações, o Quadro aponta o acionamento da estratégia de vitimização. Esta foi utilizada principalmente por João Castelo, paradoxalmente, o candidato mais forte segundo as pesquisas de opinião e em recursos 13 materiais e midiáticos. À medida que a disputa ia se tornando mais intensa, Castelo incorporava o lugar de vitima de “ataques caluniosos” e “invasão de privacidade”, devido às acusações desferidas principalmente por Clodomir Paz, relativamente a perseguições de funcionários públicos durante o governo de sua esposa, desrespeito aos direitos trabalhistas dos seus empregados e incapacidade administrativa que teria levado à falência de suas próprias empresas, entre outras denúncias. De Flávio Dino, Castelo retrucava a denúncia considerada injusta de ter agido com violência contra os estudantes durante o seu governo, em 1979; também se dizia “acusado” de “velho”, argumentando que a defesa do “novo”, insistentemente colocada pelos seu principal adversário, baseava-se em idade e, como tal exprimia um preconceito contra as pessoas mais velhas14. Interessante aspecto dessa estratégia de vitimização (que supõe um outro, como algoz) é que as denúncias mais severas raramente são assumidas de modo explícito pelos concorrentes diretos; em geral, elas aparecem em falas de apoiadores, (supostos) testemunhas de fatos, personalidades respeitadas (apresentadas como isentas e desinteressadas na disputa política, como estudiosos do assunto). No limite, as denúncias são narradas por jornalistas apresentadores dos programas dos candidatos no rádio e TV, mas nunca sem estes dizerem antes que “fazem isso a contragosto e apenas para restabelecer a verdade”, vez que o patrono do programa seria “mais interessado em discutir propostas de governo”. No caso da eleição de São Luís, foi comum que os comentários mais agressivos dirigidos aos concorrentes aparecessem como se estivessem fora dos programas dos candidatos e sem autoria clara. Igual estratégia foi adotada para os impressos apócrifos amplamente distribuídos durante a campanha. A indicação de adversários principais, também presente no Quadro 3, aponta para uma dinâmica eleitoral bastante competitiva, revelando-se isso na sinalização de candidatos mais alvejados como adversários por maior número de concorrentes – caso de João Castelo, que foi sistematicamente contestado (embora nem sempre de forma explícita) por Clodomir Paz, Flávio Dino, Gastão Vieira e Raimundo Cutrim. Welbson Madeira fez críticas generalizadas a todos os concorrentes, enquanto Clodomir Paz e Paulo Rios elegeram um adversário principal – João Castelo e Flávio Dino, respectivamente. Também houve candidatos que, não despontando entre os favoritos, centraram suas campanhas em si mesmos, valendo-se dos recursos midiáticos para projetar seu próprio nome e trajetória (Cleber Verde, Pedro Fernandes e Waldir Maranhão). Ainda no Quadro 3, as informações sobre principais aliados e sobre propostas de governo apontam que articulações com a política nacional tiveram forte presença e influência na disputa em São Luís, sendo patentes em três tipos de situações: 1) as declarações de afinidade ou proximidade de todos (inclusive do candidato pelo PSDB) com o presidente Lula, numa expectativa de beneficiar-se da grande popularidade do 14 No segundo turno, em debate entre os candidatos promovido pela TV Globo, esta questão adquiriu seu ponto culminante com a declaração de João Castelo de que “não sabia por que Flávio Dino era contra as pessoas idosas e criticava os velhos”. Este respondeu que sua crítica nada tinha a ver com idade, mas com métodos políticos, argumentando que sua oposição era dirigida não às pessoas mais velhas, mas à velha política do período autoritário. 14 mesmo; 2) a estratégia dos candidatos de oposição a Castelo (principalmente Flávio Dino e Gastão Vieira) de trazerem para o plano local a principal disputa político-partidária do país (PT x PSDB), expressas inclusive nos apoios de ministros petistas a Flávio Dino e do governador Aécio Neves para João Castelo; e, finalmente, 3) a articulação nacional/local, presente na reafirmação da centralidade dos recursos federais para a política local, confirmada pelas muitas propostas de governo ancoradas em programas federais. A disputa pela construção de imagens e de sentidos para a campanha e seus desdobramentos mobilizou várias técnicas, entre as quais se destacam os comícios, o “corpo-a-corpo” e o chamado palanque eletrônico, ou seja, a exposição midiática, com todos os elementos que ela requer (tecnologia, recursos financeiros, maquiagem, comunicação de slogans, mais do que comunicação e idéias, etc.). Hoje, é cada vez mais comum encontrarmos na literatura especializada em eleições a afirmação de que a exposição midiática é decisiva para o êxito de uma candidatura, especialmente em pleitos majoritários e de eleitorado disperso. Juntando essa tecnologia à consciência da necessidade de esclarecimento do eleitor quanto ao perfil de candidatos e partidos, existe no Brasil o horário gratuito de propaganda eleitoral, através do qual todos os candidatos dispõem de acesso aos canais de rádio e TV em tempo proporcional ao tamanho de suas bancadas na Câmara Federal. Esses espaços de inserção midiática são bastante disputados e valorizados quando das composições de chapas e alianças. Nas eleições de 2008, em São Luís, o acesso dos candidatos ao rádio e TV ficou assim distribuído: Quadro 4 Tempo de acesso dos Candidatos ao Rádio e Televisão Candidato Tempo disponível João Castelo 4’20” Flávio Dino 4’16” Clodomir Paz 4’16” Raimundo Cutrim 3’34’’ Cleber Verde 3’12’’ Gastão Vieira 2’47’’ Welbson Madeira 1’42’’ Pedro Fernandes 1’00’’ Waldir Maranhão 58” Paulo Rios 54” Fonte: TRE-MA 15 Os números apontam clara desigualdade no tempo de acesso dos candidatos ao rádio e TV, com equilíbrio apenas nas situações extremas, tanto os de maior como os de menor tempo. A Tabela 1, com a associação entre tempo de acesso e resultados eleitorais (primeiro turno) é ilustrativa da correlação diretamente proporcional entre tempo de exposição na mídia e desempenho nas urnas. Tabela 1 % de Tempo de Acesso ao Rádio e TV e % de Votos Obtidos Candidato João Castelo Tempo total de expo- Votação Recebida sição no rádio e TV (%) (%) 16,8 43,12 Flávio Dino 16,6 34,28 Clodomir Paz 16,6 9,46 Raimundo Cutrim 13,4 4,51 Cleber Verde 12,5 3,89 Gastão Vieira 9,9 1,95 Welbson Madeira 5,7 1,05 Pedro Fernandes 4,0 0,82 Waldir Maranhão 2,3 0,54 Paulo Rios 2,2 0,37 Fonte: TRE-MA Embora a votação de cada candidato tenha obedecido rigorosamente à sua posição na distribuição de tempo no rádio e TV, essa causalidade não pode ser interpretada como absoluta, como bem o demonstra o caso do candidato Clodomir Paz, que, mesmo dispondo de tempo igual ao segundo colocado e praticamente igual ao primeiro, não obteve um terço da votação recebida pelos demais. Isto significa que a exposição midiática durante o horário gratuito de propaganda eleitoral é condição necessária, mas não suficiente para explicar o desempenho eleitoral de um candidato. Muitos outros fatores interferem nesse resultado. Um dos principais usos do tempo de propaganda eleitoral destina-se à divulgação de resultados de pesquisas de opinião, seja para realçá-los, quando são favoráveis ao candidato, seja para questioná-los ou mitigá-los, quando são desfavoráveis. No pleito de 2008, basicamente dois institutos fizeram acompanhamento sistemático das preferências do eleitorado ludovicense, o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública) e a Escutec, empresa de atuação mais no âmbito da região Nordeste e estado do Amapá. As Tabelas 16 2 e 3 apresentam os resultados dos dois institutos de pesquisa, respectivamente, acrescentando a cada um a diferença em relação aos resultados oficiais. Tabela 2 Pesquisas Eleitorais – IBOPE Candidato Datas de Realização das Pesquisas Diferença em relação aos resultados oficiais 13-15/8 23-25/8 14-16/9 01-02/10 João Castelo 47 51 45 46 +2,8 Flávio Dino 4 7 16 24 -13,7 Clodomir Paz 11 8 8 5 -4,4 Raimundo Cutrim 4 5 3 4 -0,51 Cleber Verde 7 4 3 3 -0,89 Gastão Vieira 1 1 3 3 +1,05 Welbson Madeira 1 - 1 2 +0,95 Pedro Fernandes 1 2 1 - -0,82 Waldir Maranhão - - 1 - -0,54 Paulo Rios - 1 - 1 +0,23 Fontes: Jornal O Estado do Maranhão, edições de 16/08/2008, 28/08/08, 19/09/2008 e 04/10/2008; TSE / Eleições 2008 / Resultados (www.tse.gov.br) Tabela 3 Pesquisas Eleitorais Escutec Candidato Datas de Realização das Pesquisas 19-22/8 17-19/8 24-26/9 Diferença em relação aos resultados oficiais João Castelo 49,1 43,6 44,7 +1,58 Flávio Dino 8,1 21,8 27,8 - 6,48 Clodomir Paz 12,4 10,5 7,1 - 2,36 Raimundo Cutrim 4,5 4,1 3,6 - 0,91 Cleber Verde 6,5 3,2 3,7 - 0,19 17 GastãoVieira 1,1 3,5 3,7 + 1,75 Welbson Madeira 0,8 0,9 0,4 - 0,65 Pedro Fernandes 1,2 2.0 0,9 + 0,07 Waldir Maranhão 0,1 2,0 0,4 - 0,1 Paulo Rios 0,2 0,4 0,4 + 0,03 Fontes: 1) Jornal O Estado do Maranhão, edições de 24/08/2008 e 19/09/08; 2) TSE / Eleições 2008 / Resultados (www.tse.gov.br) e 3) Site do Instituto Escutec (www.escutec.com.br) Os números, especialmente os da comparação entre prognósticos e resultados oficiais, apontam que em ambos os institutos os resultados do último levantamento aproximam-se dos resultados finais, exceto para o candidato Flávio Dino, cuja força foi bastante subdimensionada, sobretudo pelo IBOPE, que, no cômputo geral, errou mais apesar da Escutec ter feito a sua última aferição em tempo mais remoto (24 de setembro), quando a do IBOPE foi em 02 de outubro. Ao fim do primeiro turno, a votação obtida por cada candidato foi a seguinte: Tabela 4 Resultados Oficiais do 1º Turno das Eleições para Prefeito de São Luís, 2008 Votação Candidato Nº % JOÃO CASTELO 210.629 43,12 FLÁVIO DINO 167.436 34,28 CLODOMIR PAZ 46.199 9,46 RAIMUNDO CUTRIM 22.054 4,51 CLEBER VERDE 19.013 3,89 GASTÃO VIEIRA 9.508 1,95 WELBSON MADEIRA 5.135 1,05 PEDRO FERNANDES 4.020 0,82 WALDIR MARANHAO 2.644 0,54 PAULO RIOS 1.825 0,37 Fonte: TSE 18 Com estes resultados, João Castelo (PSDB) supera a sua histórica faixa de votação em eleições para o Executivo ludovicense, a qual, em três tentativas anteriores, não ultrapassara a casa dos 30%. Muitos fatores concorrem para este desempenho, sendo os mais destacados: a sua popularidade, obtida com os cargos e campanhas anteriores; o apoio de secretários estaduais lotados em estratégicos cargos do governo, como a Secretaria das Cidades; o apoio de alguns setores do PDT, apesar deste possuir candidatura própria; e o uso eficiente do marketing eleitoral, desenvolvido por Duda Mendonça, um dos mais renomados e bem-sucedidos publicitários do país na área eleitoral. O desenrolar da campanha e seus resultados destacam como surpreendente a performance de Flávio Dino, deputado federal em primeiro mandato, que passou de 4% das intenções de voto no início da campanha para 34% dos votos, fator decisivo para a realização de segundo turno. Também chama a atenção o fraquíssimo desempenho dos quatro candidatos vinculados ao grupo Sarney (Gastão Vieira, Raimundo Cutrim, Waldir Maranhão e Pedro Fernandes) que, juntos, só obtiveram 7,8% dos votos. Ressalte-se que ao longo da campanha, a denominação de sarneysta figurava como uma das maiores ofensas imputáveis a um candidato, rivalizando apenas com a “acusação” de não ser amigo ou aliado do presidente Lula. A ênfase na referência (negativa) à família Sarney corrobora a tendência já apontada de plebiscitarização das eleições no Maranhão, ainda que a disputa se passe entre dois candidatos que se reivindicam como oposicionistas. Os partidos de extrema esquerda que participaram do pleito de 2008 lançando candidaturas (PSTU e PSOL) se mantiveram praticamente no mesmo patamar de votos da última eleição (anterior à formação do PSOL), quando o PSTU obteve 8.031 votos, enquanto nesta de 2008, totalizaram 6.960. 2º Turno em São Luís: João Castelo (PSDB) X Flávio Dino (PCdoB) Para esta análise do desempenho dos candidatos que chegaram ao segundo turno em São Luís, os aspectos preliminarmente selecionados para uma observação mais atenta foram: a trajetória política e partidária dos candidatos; a força eleitoral de cada um, particularmente em São Luís; as estratégias de campanha e política de alianças; e, finalmente, os resultados eleitorais. Trajetória Político-Partidária e Força Eleitoral dos Candidatos João Castelo Ribeiro Gonçalves é filho de desembargador, bacharel em Direito e entrou no mundo político atuando como assistente de gabinete do prefeito de São Luís (1954-55), mas em 1956 passou a exercer carreira técnica no Banco do Estado da Amazônia – BASA, no qual chegou a presidente por indicação dos generais-presidentes Costa e Silva e Médici. Inicia sua carreira política como deputado federal, eleito em 1971 e reeleito em 1974. Em fins de 1978, como candidato da ARENA, é eleito indiretamente para o cargo de governador, exercido no período de 1979 a 1982. Seu ingresso na 19 política se deu através do senador José Sarney (ARENA), ao qual se manteve ligado até 1985, embora já em 1984, quando ambos já eram do PDS, tenham surgido os primeiros conflitos significativos, decorrentes de Castelo persistir no apoio à candidatura presidencial de Paulo Maluf (PDS), enquanto Sarney já articulava a mudança rumo à criação da Frente Liberal, que apoiaria a candidatura emedebista de Tancredo Neves e a dele próprio como vice. Em 1985, a ruptura foi consolidada em razão de conflitos relacionados às eleições em São Luís, quando a esposa de João Castelo, Gardênia Ribeiro Gonçalves, foi eleita prefeita, contra o candidato do grupo Sarney. Como governador, Castelo notabilizou-se pela construção de obras de grande porte concentradas principalmente na capital, programa de distribuição de alimentos a preços populares, e pela violência com que enfrentou os conflitos sociais, destacando-se a “Greve da Meia Passagem”, em 1979, e as lutas pela terra deflagradas em numerosas áreas da zona rural maranhense e periferia de São Luís. Foi eleito senador em 1982, quando ainda era integrante do grupo Sarney, permanecendo nesse cargo entre 1983-1991. Em 1999 retorna à Câmara Federal. Partidariamente, além da ARENA e do PDS, já foi filiado ao PRN (liderado por Fernando Collor de Mello), PPR/PPB (liderado por Paulo Maluf) e PSDB, seu partido atual. Antes da candidatura a prefeito, em 2008, estava sem mandato e ocupava, por indicação do governador Jackson Lago, o cargo de presidente da Empresa Maranhense de Administração Portuária - EMAP, órgão de grande importância econômica no estado. Disputou, sem êxito, três campanhas para prefeito de São Luís (1996, 2000 e 2004), mas tem conservado razoável força eleitoral no estado e na capital, como se pode ver nos dados da última campanha de que participou (deputado federal, 1998) e das campanhas específicas na capital. A Tabela 5 apresenta os resultados nos seis municípios onde teve melhor desempenho em 1998, reunindo elementos que possibilitam ponderar o peso da capital no seu eleitorado. Adicionalmente, a Tabela 6 apresenta resultados eleitorais das suas campanhas para a Prefeitura de São Luís. Tabela 5 Votação de João Castelo na Eleição para Deputado Federal de 1998 Município Nº Votos Votos do Município Votos do Candidato São Luís 52.384 16,93 % 54,26 % Caxias 7.269 17,61 % 7,52 % Codó 5.427 20,71 % 5,62 % Coroatá 2.767 21,33 % 2,86 % Paço do Lumiar 2.490 20,12 % 2,57 % 20 Itapecuru-Mirim 2.428 25,74 % 2,51 % Fonte: TSE As informações anteriormente apontadas sobre os cargos eletivos já conquistados por João Castelo (apesar da eleição para governador ter sido indireta) sinalizam que o mesmo possui consolidada força eleitoral no estado. Em 1998, ele elegeu-se deputado federal com a maior votação do estado: 99.535 votos. A Tabela 1 mostra que sua força eleitoral se concentra majoritariamente na capital (São Luís), embora em outros municípios (Caxias e Codó) atinja as maiores faixas do total de votos da localidade, como é o caso de Itapecuru-Mirim, onde Castelo, mesmo obtendo ali apenas 2,5% dos votos que recebeu, arrebanhou ¼ dos votos válidos de todo o município. Tabela 6 Desempenho de João Castelo em Eleições para Prefeito de São Luís: coligações partidárias e votos Ano / Coligação Nº Votos % Principal Adversário 2008 (PSDB / PSB / PTC) 271.014 210.629 55,84 (2º turno) 43,12 (1° turno) Flávio Dino (PCdoB) NÃO ELEITO (44%) 2004 (PSDB / PL / PV) 148.450 33,59 Tadeu Palácio (PDT) ELEITO (50,2%) 2000 (PSDB / PL) 111.457 30,56 Jackson Lago (PDT) ELEITO (53,2%) 111.311 36,71 (1° turno) 1996 (PPB ) Jackson Lago (PDT) ELEITO (57% - 2° turno) (48% - 1º turno) Fonte: TSE Os dados da Tabela 2 apontam, antes de tudo, a firme determinação de João Castelo em ser prefeito de São Luís, confirmada por quatro candidaturas sucessivas; além disso, mostram que, nas três disputas, Castelo fora derrotado pelo PDT. Observa-se que sua votação se mantém dentro de uma faixa que concentra aproximadamente um terço do eleitorado, independentemente de coligação – aliás, seu melhor desempenho foi em 1996, quando o seu partido (PPB) saiu sozinho. Neste pleito, contudo, Castelo contou com dois apoios de grande peso material e simbólico: o apoio da então prefeita Conceição Andrade (PSB) e a presença de Juarez Medeiros (PSB) em sua chapa, como candidato a vice-prefeito, ele que é um ex-militante estudantil, integrante do Comando da Greve pela Meia Passagem, evento no qual o então governador João Castelo é acusado 21 de ter agido com extremada violência e autoritarismo. Sua presença na chapa foi representada como a pacificação entre Castelo e os estudantes. Flávio Dino de Castro e Costa (PCdoB) foi o candidato que disputou com João Castelo o segundo turno das eleições de 2008 em São Luís. Filho de advogado, exdeputado estadual e ex-prefeito, iniciou sua incursão no mundo político participando de movimentos estudantis e do Partido dos Trabalhadores15. Flávio Dino é advogado, ex-juiz federal, ex-presidente da ANJUFEE e ex-secretário executivo do Conselho Nacional de Justiça. Atuou como advogado trabalhista de sindicatos de várias categorias e, com a sua aprovação, ainda muito jovem, para juiz federal, encerrou a militância partidária, passando a atuar na Associação Nacional dos Juízes Federais – ANJUFEE, entidade representativa dos juízes federais a partir da qual conquistou grande visibilidade junto aos seus pares e a um público mais amplo, envolvido com o debate sobre a reforma do poder judiciário. Em 2006, após doze anos de magistratura, pediu exoneração do cargo e engajouse em atividades político-partidárias, filiando-se ao PCdoB. Neste mesmo ano, candidatou-se a deputado federal e, com apoio irrestrito do então governador, José Reinaldo Tavares e de prefeitos municipais a este ligados, foi eleito com expressiva votação, obtendo o lugar de 4º mais votado. A Tabela 7 apresenta os resultados da primeira e única eleição disputada por Flávio Dino, com informações sobre os seis municípios onde obteve maior número de votos. Tabela 7 Desempenho de Flávio Dino em Eleição para Deputado Federal, 2006 Município Nº Votos Votos do Município Votos do Candidato São Luís 25.433 5,45 % 20,57% Caxias 20.825 32,1 % 16,84% Tuntun 8.801 48,18 % 7,12% São Domingos 7.006 5,45 % 5,66% Pindaré 4.646 32,4 % 3,75 % Santa Luzia do Paruá 3.812 35,05 % 3,08 % Fonte: TSE 15 Apesar de, no Brasil, as heranças familiares terem sido decisivas e continuarem sendo importantes para a construção de carreira política, Flávio Dino não apostou numa tradição política familiar com a qual buscasse estabelecer laços de continuidade (tipo linha sucessória) ou base de legitimidade. Tal escolha se faz compreensível, até pelo propósito de escapar à adjetivação de sarneysta comumente impingida ao seu pai devido às suas relações deveras estreitas com o grupo comandado pela família Sarney. A ambiência política na própria família tem sido acionada por Flávio Dino de modo muito seletivo e, em geral, para sugerir uma antiga e reiterada familiaridade com temas políticos e com os problemas/desafios do Maranhão. A esse respeito ver Barros Filho (2007) 22 Os números apontam votação expressiva nestes seis municípios, sendo a capital (São Luís) aquele de melhor resultado. Destaca-se, além disso, a magnitude da votação nos demais municípios, principalmente Tuntun, Santa Luzia do Paruá, Pindaré e Caxias, onde Flávio Dino recebeu votação, no primeiro caso, de quase metade dos eleitores do município e, nos demais ultrapassou um terço dos votos. Tratando-se de um candidato que enfrentava sua primeira disputa eleitoral, sem grande popularidade, era considerado “de fora” e sem tradições familiares nesses municípios, a explicação para tais resultados só pode ter bases externas, no caso, o apoio do governador e das redes de apoiadores locais, comandadas pelos prefeitos municipais, em moldes certamente centralizadores a julgar pela elevada uniformidade das preferências eleitorais. Para a análise da força eleitoral de Flávio Dino em São Luís, os números apontam que em sua estréia obteve o apoio significativo de 5% do eleitorado, num universo de 167 candidatos a deputado federal (embora nem todos fizessem campanha em São Luís). Tal resultado ganha significado ainda maior por conta de ser esta a sua primeira campanha eleitoral, não ser oriundo de família com influência sobre o governo ou a política municipal e até porque, como candidato, fez pouca campanha em São Luís (onde já possuía ao menos uma inserção junto aos chamados operadores do direito e nos meios sindical e estudantil), priorizando outros municípios onde não possuía qualquer inserção. Estratégias de Campanha e Política de Alianças No segundo turno, a dinâmica da disputa eleitoral tornou-se mais intensa, mas o debate programático perdeu força, desenvolvendo-se mais uma espécie de gincana em busca do apoio dos candidatos derrotados no primeiro turno e de seu espólio eleitoral; da busca de apoiadores ilustres, de militantes e eleitores que haviam abraçado outras candidaturas no primeiro turno; gincana de quem tem mais “volume de campanha”, expresso pelo número de bandeiras (fixadas ou carregadas, geralmente por pessoas contratadas), maiores carreatas, mais adesivos em carros, jingles mais irresistíveis e mais estruturas de som. Nesta fase, a campanha, além de mais ostensiva, adquiriu níveis de especialização ainda maiores, com estratégias e materiais de campanha especiais para cada segmento (juventude, evangélicos, mulheres, entre outros). Ao lado disso, recrudesceu a boataria que, clandestinamente, levantava acusações de ordem política, religiosa, sexual ou familiar sobre os candidatos, sendo Flávio Dino o mais atingido por esse tipo de intervenção. Entre os apoiadores, pré-conceitos e conceitos sobre os candidatos já estavam muito consolidados, conforme se dá em cidades pequenas em que a preferência eleitoral ganha contornos acríticos de adesão, pertencimento (PALMEIRA, 1995); o desafio que se impunha era o de conquistar os 9% de eleitores que votaram em Clodomir Paz, os 4,5% que votaram em Raimundo Cutrim, os 3,8% de Cleber Verde e de todos os demais candidatos, assim como dos eleitores que votaram em branco (2,4%), os que votaram nulo (3,2%) e os que se abstiveram de votar (18%). Esse intento foi parcialmente realizado em relação aos votos nulos e brancos, que diminuíram no segundo turno; já o não comparecimento, este aumentou, conforme será discutido adiante. 23 Para atingir a meta de completar os votos que faltavam para a vitória (7% para Castelo e 16% para Flávio Dino), os candidatos lançaram mão das mais diversas estratégias, incluindo o uso de pesquisas eleitorais. No curto espaço de quinze dias que transcorrem entre o primeiro e o segundo turno, o IBOPE realizou uma pesquisa e um prognóstico16, cujos resultados estão na Tabela 8, juntamente com os resultados finais da eleição. Tabela 8 Pesquisa, Prognóstico e Resultados do Segundo Turno das Eleições de São Luís, 2008 Candidato João Castelo Flávio Dino Brancos / Nulos Não Sabe/Não Respondeu IBOPE 1617/10/08 IBOPE 26/10/08 (prognóstico*) Resultado Oficial 54% 38% 3% 59% 41% - 55,84% 44,16% 3,7% Diferença (entre o prognóstico IBOPE e os resultados) + 3,16% -3,16% - - - - 5% Fontes: Jornal O Estado do Maranhão, edições de 18/10/2008 e 26/10/2008. TSE / Eleições 2008 / Resultados, disponível em www.tse.gov.br . Juntamente com o então denominado (e supervalorizado) “volume de campanha” e a propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV, agora com tempos rigorosamente iguais, as pesquisas de opinião condicionam a dinâmica da disputa eleitoral com maior força. Os números da Tabela 8 mostram que, mais uma vez, a preferência do eleitorado, segundo o IBOPE, foi superdimensionada em relação a João Castelo e subdimensionada em relação a Flávio Dino, embora com diferenças menores que as verificadas no 1º turno e compatíveis com a margem de erro. Os resultados oficiais confirmaram a vitória de João Castelo, e o ponto central para explicá-la diz respeito ao realinhamento das forças e lideranças políticas, particularmente os grandes eleitores, ou seja, aqueles que têm capacidade material ou simbólica para atrair para as suas posições coletivos de eleitores sob sua influência ou controle. No presente contexto essa categoria é representada principalmente pelos candidatos que tiveram grande votação no primeiro turno das eleições, caso principal de Clodomir Paz, do PDT, que obteve quase 10% dos votos. 16 A noção de “prognósticos” é explicitada no próprio jornal que o publicou (O Estado do Maranhão, 26/10/2008, p. 1 e 3) como sendo “estimativas estabelecidas com base na movimentação do eleitorado e não têm rigor científico”. Não obstante, o mesmo foi registrado no TRE e publicado em primeira página do jornal de maior circulação na cidade, o que o torna perfeitamente equiparável às pesquisas, cuja publicação cumpre o papel, antes de tudo, de influenciar as preferências dos eleitores mediante criação de ambientes favoráveis/desfavoráveis aos candidatos. 24 Como já apontado, o então denominado “volume de campanha” foi uma estratégia amplamente acionada pelos dois candidatos, mas com resultados de tal modo equilibrado que não era possível a nenhum dos concorrentes sentir-se, por antecipação, vitorioso, pois, apesar do favoritismo de Castelo (primeiro colocado tanto no primeiro turno como nas pesquisas realizadas no segundo turno), Flávio Dino operava com três trunfos poderosos, que mantinham a incerteza do pleito: o apoio de Lula (agora mais explícito, inclusive com a vinda da principal ministra, Dilma Rousseff, para o comício de encerramento da sua campanha); a rejeição a Castelo, muito superior à sua17; e o fato de que, desde o início da campanha crescera ininterruptamente, passando de 4% das intenções de votos para 34% de votos no primeiro turno, enquanto seu concorrente, além de não vencer no primeiro turno, como anunciado, experimentara algumas oscilações na sua popularidade. Nesse quadro, o elemento que promoveu o desequilíbrio das forças concorrentes e possibilitou a vitória de Castelo foi o realinhamento das forças políticas, mais precisamente o apoio recebido do PDT e do seu candidato, Clodomir Paz (seu crítico mais ferrenho), que obteve 9,4% dos votos. Cleber Verde, candidato que obteve a quinta colocação no primeiro turno, com 3,8% dos votos também engajou-se na campanha de João Castelo. Por outro lado, Flávio Dino recebeu apoio apenas do prefeito de São Luís, do PDT e principal articulador da campanha de Clodomir Paz, e do candidato colocado em sexto lugar, Gastão Vieira, que obteve apenas 1,9% dos votos. Tais apoios tiveram efeitos no mínimo contraditórios, pois a presença do prefeito no palanque de Flávio Dino arrefecia a crítica que este fazia à situação presente da cidade, retratada como carente de cuidados e de gestão competente, além da própria impopularidade do prefeito, à época registrada em pesquisa de opinião18 . Em relação a Gastão Vieira, o efeito colateral ameaçava ser ainda maior, pois além da sua baixíssima votação no primeiro turno, foi o candidato mais explicitamente identificado com o grupo Sarney, tendo, inclusive, a senadora Roseana pedido votos para ele durante o programa eleitoral no rádio e TV. Embora Gastão Vieira tenha manifestado que sua decisão era pessoal e não tenha participado dos eventos de campanha de Flávio Dino, sua adesão foi recepcionada pelos apoiadores do seu concorrente como sendo a confirmação da “acusação” de que Flávio Dino era vinculado ao grupo Sarney – uma das principais questões do debate político ao longo da campanha e, de modo mais intenso, à medida em que este candidato ia se tornando mais competitivo. Mesmo que essa questão tenha sido classificada por Flávio Dino como um “falso debate”, “por ser inverídica e alheia à gestão da cidade”, esta foi convertida no principal item da agenda eleitoral do segundo turno, ensejando, inclusive, ampla gama de publicações apócrifas e denúncias policiais que mostram que uma campanha se desenvolve para além das regras eleitorais e até da urbanidade. Ilustra isso o fato de que Flávio Dino iniciou o segundo turno conclamando o seu adversário e a 17 Citando dados de pesquisa do IBOPE, o jornal O Estado do Maranhão, edição de 05/10/2008, p.3, afirma que: nas últimas semanas, a rejeição dos eleitores ao candidato João Castelo passou de 11% no início de agosto para 25% no último levantamento [04/10], um aumento de 14 pontos percentuais, enquanto o candidato Flávio Dino tem o menor índice de rejeição e seu eleitorado crescera em 20 pontos percentuais. A pesquisa completa está publicada no Jornal O Estado do Maranhão, edição de 04/10/2008, p.3. 18 Em pesquisa de opinião sobre a administração do prefeito Tadeu Palácio, realizada em 18/10/2008, a maioria dos entrevistados (53,9%) avaliaram como “Ruim” (22,8%) ou “Péssima” (31,1%). Disponível em www.escutec.combr 25 própria Justiça eleitoral ao estabelecimento de um “pacto por eleições limpas” (Jornal Pequeno, 07/10/2008)19. Um aspecto de grande destaque no segundo turno em São Luís foram os números da chamada alienação eleitoral, referente aos votos brancos, nulos e ao não comparecimento às seções eleitorais20. Ressalte-se que o uso desta denominação para referir-se a tais preferências e comportamentos do eleitor tem sido muito questionável, pois o mesmo não distingue a não participação do que seria uma forma de participar, negando, afinal, que esses comportamentos tanto podem significar indiferença, como não se sentir representado pelas alternativas apresentadas e por isso negá-las. Assim, uma adequada explicação do significado dessas escolhas não pode ser construída “a grosso”, de modo generalizante, mas apenas mediante estudos específicos. Os números deste fenômeno nas eleições ludovicenses de 2008, assim como o da última eleição municipal, estão apresentados na Tabela 9. Tabela 9 “Alienação” Eleitoral nas Eleições de 2008 e 2004 em São Luís Eleição 2° Turno 2008 1° Turno 2008 Eleição Anterior (2004) Eleitorado 636.914 636.914 568.398 Votos Nulos 1,5% (9.811) 3,2% (20.359) 4,0% Votos em Branco 0,98% (6.232) 2,4% (12.962) 1,5% Abstenção 21,2% (135.555) 18,0% (115.130) 17,6% Indicadores Fonte: TSE A apreciação desses números indica que os votos nulos e brancos não se configuram como novidade, visto estarem próximos daqueles registrados na última eleição, havendo, inclusive, certo decréscimo no 2º turno de 2008. Já o não comparecimento, bastante elevado, foi acima do pleito anterior. Por falta de pesquisas 19 Nesta mesma edição do jornal (p.3), a indignação do candidato Flávio Dino com os rumos da campanha em São Luís é colocada nos seguintes termos: “Sobre a onda de boatos, [Dino] criticou o fato de integrantes do grupo adversário ‘plantarem’ matérias em veículos nacionais [Jornal Bom dia Brasil, da TV Globo] como forma de dar credibilidade a fatos inexistentes. “Chegaram ao absurdo de dizer que o presidente Lula gravou mensagem para mim para atender a um pedido do ex-presidente Sarney”, exemplificou. Ressalte-se que também João Castelo se declarou ofendido com o que classificou de “acusações levianas, injustas e mentirosas”, que sofreu durante a campanha [da parte do candidato Flávio Dino]” (Jornal Pequeno, 27/10/2008, p. 3) 20 A respeito dessa temática, ver Lima Júnior, 1993 26 junto aos eleitores absenteístas, não é possível apontar com rigor as causas deste comportamento, mas é plausível que, entre estas, apareçam elementos variados, como: impedimentos pessoais (casos de viagem, hospitalização, etc.); erros no cadastro de eleitores; comodidade; ceticismo quanto a resultados positivos desta participação; protesto contra o sistema político de modo geral ou contra o leque de candidatos; a não obrigatoriedade de voto para alguns (maiores de 70 anos e menores de 18 anos); opção por um feriado prolongado, visto que a segunda-feira posterior à eleição seria feriado, entre outros motivos. Conclusões inconclusas As eleições de 2008 em São Luís trouxeram à tona, além de uma dinâmica muito competitiva, candidatos de perfis biográficos e políticos bastante distintos. A eleição recolocou no palco da capital do estado as polarizações e disputas sarneysmo versus oposicionismo, ainda que nenhum dos candidatos assumisse tal vinculação ao grupo político liderado pelo senador do Amapá. Nesse sentido, o fraco desempenho de todos os candidatos assumidamente vinculados a esse grupo, acabou revitalizando a idéia de ilha rebelde, atualmente interpretada como anti-Sarney, conforme vem se confirmando pelo continuado governo do PDT e, agora, de seu principal aliado, o PSDB. Um elemento perturbador da lógica plebiscitária dos processos eleitorais e da hegemonia pedetista na capital do Maranhão foi a candidatura de Flávio Dino, que surge como liderança forte e alternativa até mesmo à aliança em torno da qual se constituiu a Frente de Libertação do Maranhão, que em 2006 elegeu Jackson Lago governador e em 2008 foi, majoritariamente, favorável a João Castelo. Outro aspecto de grande destaque nesse processo eleitoral é a combinação de elementos legais e ilegais, pessoais e institucionais, mercantis e ideológicos se articulando de formas previsíveis e imprevisíveis na trama político-eleitoral. Embora a eleição de São Luís se passe numa ilha, o processo aqui desenvolvido é ilustrativo do crescente processo de profissionalização e mercantilização das disputas eleitorais em detrimento dos esforços de mobilização ideológica do eleitorado. Isto significa que as eleições de 2008 seguiram figurino tradicional em relação às técnicas eleitorais, ao status quo das elites governantes e ao lugar de São Luís nas disputas políticas estaduais: o de ilha rebelde ao sarneysmo. Por outro lado, estas eleições trouxeram novos personagens ao primeiro plano da cena política, sendo Flávio Dino o mais destacado, mas o próprio Castelo também se fortalece na política local, como prefeito e por ter vencido a sua própria tradição de derrotas em são Luís. Outra novidade é que essa eleição interrompeu o longo domínio pedetista na capital, embora tenha se viabilizado com o decisivo apoio desse partido. 27 Bibliografia: ABREU, Alzira Alves et al. (coord). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós 1930. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2001. BARROS FILHO, José. A Tradição Engajada: Origens eleitorais no percurso de um agente. Dissertação de Mestrado, UFMA/ Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais. São Luís, 2007. BEZERRA, Marcos Otávio. 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Do “Maranhão Novo” ao “Novo Tempo”: a trajetória da oligarquia Sarney no Maranhão. UFMA. São Luís, 1997, mimeo. FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999. FIGUEIREDO, Rubens (org.). Marketing político e persuasão eleitoral. São Paulo: Editora Konrad Adenauer, 2000. GONÇALVES, Maria de Fátima Costa. A Reinvenção do Maranhão Dinástico. São Luís: UFMA/PROIN-CS, 2000. GRILL, Igor G. Processos, condicionantes e bases sociais da especialização política no Rio Grande do Sul e no Maranhão in ANPOCS /31º Encontro Anual. Caxambu, 2007. 28 KUSHNIR, Karina. O Cotidiano da Política. Rio de Janeiro: Zahar. KRAUSE, Silvana e SCHMITT, Rogério. (orgs.). Partidos e Coligações Eleitorais no Brasil. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005. LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil de Lima de. Democracia e Instituições Políticas no Brasil dos anos 80. São Paulo: Loyola, 1993. 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Períodos: 19 de Agosto a 02 de Outubro de 2008 e 13-24 de Outubro de 2008. 29 ANEXO 1 RELAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS MENCIONADOS NESTE ARTIGO DEM – DEMOCRATAS PCB - PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO PCdoB - PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL PCO - PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA PDT - PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA PHS - PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE PMDB - PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO PMN - PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL PP - PARTIDO PROGRESSISTA PPS - PARTIDO POPULAR SOCIALISTA PR - PARTIDO DA REPÚBLICA PRB - PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO PRP - PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA PRTB - PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO PSB - PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO PSC - PARTIDO SOCIAL CRISTÃO PSD – PARTIDO DEMOCRÁTICO SOCIAL PSDB - PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA PSDC - PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA CRISTÃO PSL - PARTIDO SOCIAL LIBERAL PSOL - PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE PSTU - PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES UNIFICADO (ANTIGO PRT) PT - PARTIDO DOS TRABALHADORES PTB - PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO PTC - PARTIDO TRABALHISTA CRISTÃO PTdoB - PARTIDO TRABALHISTA DO BRASIL PTN - PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL PV - PARTIDO VERDE 30