UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
ESTIGMA SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE PORTADORES DE HANSENÍASE DO
MUNICÍPIO DE CAJAZEIRAS – PB
JOÃO PESSOA
ABRIL/2008
POLLIANNA MARYS DE SOUZA E SILVA
ESTIGMA SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE PORTADORES DE HANSENÍASE DO
MUNICÍPIO DE CAJAZEIRAS – PB
Dissertação apresentada a Banca Examinadora como
requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em
Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba –
UFPB.
JOÃO PESSOA
ABRIL/2008
S586e Silva, Pollianna Marys de Souza e.
Estigma social: um estudo sobre portadores de Hanseníase do Município de
Cajazeiras-PB / Pollianna Marys de Souza e Silva. - - João Pessoa: UFPB, 2009.
88f. : il.
Orientadora: Giacomina Magliano de Morais.
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA.
1.Assistência Social. 2 Estigma Social- Portadores de Hanseníase. 3.
Hanseníase- Preconceito. 4. .Hanseníase - Discriminação
UFPB/BC
CDU: 36(043)
POLLIANNA MARYS DE SOUZA E SILVA
ESTIGMA SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE PORTADORES DE HANSENÍASE DO
MUNICÍPIO DE CAJAZEIRAS – PB
Aprovado em: 14/04/2008
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profª. Drª. Giacomina Magliano de Morais
Orientadora
____________________________________________________
Prof°. Dr. Marconi José Pimentel Pequeno
Examinador Interno
____________________________________________________
Profª. Drª. Clélia Albino Simpson
Examinadora Externa
Deslocado, Obra do Artista Francisco Panachão.
Aos pacientes de Hanseníase do Município de Cajazeiras – PB. DEDICO.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, Margarida de Souza e Silva, pelo apoio educacional durante minha
vida.
À minha orientadora, Profª. Drª. Giacomina Magliano de Morais, pela paciência e dedicação
para comigo durante a realização deste trabalho.
Ao meu grande amigo e examinador desta banca, Prof°. Dr. Marconi José Pimentel Pequeno,
pelas horas trabalhadas comigo no msn ou pessoalmente, por acreditar no meu potencial e
sempre me apoiar. Sem ele eu não teria terminado este trabalho!
À grande estudiosa desta área e examinadora desta banca, Profª. Drª. Clélia Albino Simpson,
pela contribuição no início e finalização deste trabalho.
À Coordenadora da Pós – Graduação, Profª. Drª. Maria Aparecida Ramos de Menezes, pelo
incentivo durante minha passagem pelo curso. Obrigada também pelo apoio na publicação de
meus artigos.
À figura impar que conheci durante minha pesquisa, coordenadora médica da ONG LRA, Drª.
Astrid Rodrigues Navas Zamora, pelo material emprestado e pelas dúvidas tiradas com tanto
conhecimento que só uma especialista na área podia ter. Também pela participação no meu
projeto de extensão desenvolvido na FSM.
À Coordenadora do Programa Municipal de Prevenção e Controle de Hanseníase – Cajazeiras –
PB, Enfermeira e Profª. Maria Mônica Paulino, pela ajuda na busca dos pacientes e pela
parceria no meu projeto de extensão.
À Coordenadora do Curso de Fisioterapia da Faculdade Santa Maria – FSM, Fisioterapeuta e
Profª. Adriana Gomes Magalhães, pela compreensão quando tive que me ausentar do trabalho
para concluir esta dissertação.
Ao Coordenador de Fisioterapia do Hospital Universitário Lauro Wanderley – HULW,
Fisioterapeuta e Prof°. Carlos Eduardo Porto, também pela compreensão quando tive que me
ausentar do trabalho para concluir esta dissertação.
À minha ex – professora, ex – orientadora e agora amiga, Fisioterapeuta e Profª. Roselene
Fereira de Alencar, pelo incentivo para que eu seguisse a carreira acadêmica e pela parceria
nas publicações de trabalhos.
À minha amiga desde a graduação, Fisioterapeuta Elisangela Vilar de Assis, pela companhia até
nas horas de trabalhar e estudar.
Às minhas amigas desde a época de adolescência, Ana Paula Lima Silva e Vanessa Pessoa
Chaves, por estarem sempre comigo nas horas tristes e felizes de minha vida.
As minhas ex – professoras, ex – preceptoras e amigas, Maria Lucrécia Gouveia e Ana Paula de
Jesus Tomé Pereira, pelos ensinamentos transmitidos durante o trabalho voluntário no HULW e
hoje como colegas de trabalho.
Aos meus colegas de curso, Jamilton Alves Farias e José Gláucio Ferreira de Figueiredo...Eita
por tanta coisa! Mas principalmente por terem sido meus companheiros de diversão durante as
horas de estudar, pesquisar, estudar...
Ao meu parceiro de disciplinas, Fisioterapeuta e Prof°. Ubiraídys de Andrade Isidório, pela
companhia durante o trabalho e durante as horas de lazer desfrutadas em Cajazeiras.
Aos meus colegas de trabalho da FSM, professores Maria Filomena Nóbrega Spinelli, Gigliola
Marcos Bernardo Pinon, Dimitri Taurino Guedes e Wellington de Souza Leiros, pelo
acolhimento durante a adaptação de trabalhar e morar em outra cidade.
A minha pequena sobrinha Lívia, por me fazer feliz durante muitos instantes!
“A maré da vida trouxe este monstro invisível que me persegue, noite e
dia, reduzindo-me a farrapo humano. Quando o quis afastar, esmagoume as mãos, quando quis correr, ceifou-me as pernas... Cercou-me os
caminhos, mas sempre encontrei uma brecha por onde passar com o que
me resta e, ainda que eu seja neste mar de sofrimento apenas uma
concha no fundo, farei desta dor uma pérola para o mundo. Não quero
gritar, não amaldiçoarei quem me humilhou, ou teve pena de mim. Meus
amigos são a minha força. E a luz de Deus cobre-me de graça e me
enriquece de amor e fé, por isso me sinto completo, mesmo faltando-me
tudo [...]”.
(Lino Vilhacha, ex-portador de Hanseníase).
SILVA, Pollianna Marys de Souza e. Estigma Social: um estudo sobre portadores de hanseníase
do município de Cajazeiras – PB. 83 f. Dissertação de Conclusão do Mestrado em Serviço Social.
Universidade Federal da Paraíba – UFPB. João Pessoa – PB. 2008.
Antes da descoberta da Poliquimioterapia – PQT, o tratamento adotado pra combater a
hanseníase era o modelo isolacionista. Durante muito tempo famílias foram separadas e pessoas
retiradas do seu convívio social, colocadas em leprosários ou colônias longe das cidades. Esse
modelo de tratamento ajudou o desenvolvimento do estigma social relacionado à doença, do
preconceito e da discriminação por parte da sociedade para com os portadores e suas famílias. O
objetivo desse trabalho é investigar sobre o estigma social do ponto de vista dos portadores de
hanseníase do município de Cajazeiras – PB. A pesquisa desenvolvida tem característica
empírica, exploratória e quantitativa-qualitativa, realizada em duas etapas (observação
participativa e aplicação de questionários). Os sujeitos da pesquisa foram 25 portadores
cadastrados no Programa Municipal de Controle e Eliminação da Hanseníase. Tais pessoas eram
pacientes do Programa de Saúde da Família – PSF, da Clínica Escola Integrada da Faculdade
Santa Maria – FSM e da Policlínica Municipal, de ambos os sexos e com diagnóstico confirmado
de hanseníase. Desses 25 pacientes, 12 eram do sexo masculino e 13 do sexo feminino; em
relação à idade não houve predomínio relevante da doença em nenhuma faixa etária específica,
quanto à profissão/ocupação todos os entrevistados possuem profissões/ocupações cuja renda é
igual ou inferior a um salário mínimo - agricultor(a) e doméstica/do lar; de acordo com a
localização das habitações, 21 moram na zona urbana e apenas 04 na zona rural; em relação ao
tempo de aparecimento dos primeiros sinais e o diagnóstico de hanseníase, a média de tempo
mais freqüente foi entre 01 – 06 meses, porém 05 entrevistados só tiveram o diagnóstico de
hanseníase após 02 anos do aparecimento do primeiro sinal da doença 16 entrevistados tiveram o
diagnóstico apenas clínico, enquanto 09 deles tiveram que se submeter a baciloscopia; quanto ao
tempo de tratamento que os pacientes pesquisados estão fazendo uso da PQT, foi observado que
03 entrevistados tiveram alta por cura; de acordo com a opinião deles a respeito do tratamento
PQT, apenas 05 disseram achar o tratamento ruim ou razoável, enquanto 20 o consideraram bom
ou ótimo, apesar de alguns destacarem as reações adversas; quanto a quem sabe a respeito da
doença, 01 paciente afirmou que apenas o(a) esposo(a) sabia sobre a doença, 05 que apenas a
família, 15 que a família e os amigos e 05 que a família, amigos, colegas (trabalho e/ou escola).
A questão acerca se eles sofreram alguma atitude de preconceito e/ou discriminação, 06
indivíduos afirmaram que sim. O número reduzido de casos, ainda que seja inaceitável, revela
que houve avanços no que se refere à compreensão da doença, suas representações sociais e a
postura das pessoas que entram em contato direto ou indireto com os seus portadores. Ainda que
o caso do município de Cajazeiras não nos permite afirmar que a diminuição dos casos de
preconceito e discriminação é uma tendência verificada em todo país, podemos pelo menos
considerar que, particularmente naquela cidade, a incidência do fenômeno é bem menor do que as
pessoas comumente imaginam quando pensam na doença e nos maus tratos sociais sofridos por
seus portadores.
Palavras – Chave: Hanseníase; Estigma Social; Preconceito/Discriminação.
SILVA, Pollianna Marys de Souza e. Social Stigma: a study of leprosy patients in the city of
Cajazeiras - PB. 83 f. Dissertation Completion of the Masters in Social Work. Federal University
of Paraíba – UFPB. João Pessoa – PB. 2008.
Before the Discovery of Poliquimioterapy – PQT the treatment used to combat leprosy was the
model isolationist. For a long time families were separated and people removed from its social
coexistence, or placed in leprosy colonies far from the cities. This model of treatment helped the
development of the social stigma related to the disease of prejudice and discrimination by the
society to the carriers and their families. The aim of this work is to investigate the social stigma
from the point of view of bearers of the city of leprosy Cajazeiras – PB. The search feature has
developed empirical, exploratory and quantitative-qualitative held in two stages (participatory
observation and application of questionnaires). The research subjects were 25 carriers registed in
the Program Hall of Control and Elimination of Leprosy – Cajazeiras – PB. These people were
patients of the Family Health Program – FHP, the clinical School of the Faculty Santa Maria –
FSM and Polyclinic Hall, of both genders and with a confirmed diagnosis of leprosy. Of these 25
patients, 12 were male and 13 female, in relation to age was not relevant prevalence of the
disease in any particular age group; as to the profession/occupation have interviewed all
professions/occupations whose income is less than or equal to a minimum wage (farmer and
domestic), according to the location of housing, 21 live in the urban area and only 04 live in the
rural area; in relation to the time of appearance of the first signs and diagnosis of leprosy, the
average time was most common among 01 to 06 months, but only 05 interviewed has a diagnosis
of leprosy after 02 years of the appearance of the first sign of the disease and 16 were interviewed
the only clinical diagnosis, while 09 of them had to submit to smear; as to the time of treatment
that patients are searched using the PQT, it was observed that 03 were interviewed by high cure;
agree with the view of them with regard to the treatment PQT, only 05 said finding the bad
treatment or reasonable, while 20 o considered good or great, despite some deploy the adverse
reactions; about the disease, 05 only the family, 15 that family and friends and 05 knew about
suffered any attitude of prejudice and/or discrimination, 06 individuals said that yes. The small
number of cases, although it is unacceptable, shows that there were advances with regard to the
understanding of the disease, its social representation and attitude of the people who come into
direct contact with their carriers. Although the cases of the city of Cajazeiras not allow us to say
that the decline in cases of prejudice and discrimination is a trend throughout country, we can at
least consider that, especially in that city, the incidence of the phenomenon is much lower than
people commonly imagine when we think about the disease and social mistreatment suffered by
the patients.
Key – Words: Leprosy; Social Stigma; Prejudice/Discrimination.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: O uso de sino era obrigátorio para os leprosos na Idade Média.......................... 19
Figura 02: Fotomicrografia de Mycobacterium leprae (aumentada em 95.000 vezes),
Organismo Causador da Hanseníase...................................................................................... 29
Figura 03: Fotomicrografia de Mycobacterium leprae (Pequenos Bastonetes Vermelhos), o
Agente Causador da Hanseníase............................................................................................. 29
Figura 04: MHI...................................................................................................................... 33
Figura 05: MHT..................................................................................................................... 33
Figura 06: MHV.................................................................................................................... 34
Figura 07: MHD.................................................................................................................... 35
Figura 08: Reação Tipo I ou Reversa.................................................................................... 36
Figura 09: Reação Tipo II ou Eritema Nodoso Hansênico – ENH....................................... 36
Figura 10: Mapa de Densidade de Casos – Hanseníase........................................................ 53
Gráfico 01: Evolução dos Coeficientes de Prevalência e Detecção no Brasil, Período de
1995 a 2005............................................................................................................................ 30
Gráfico 02: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com o Gênero.............................. 60
Gráfico 03: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Faixa Etária....................... 61
Gráfico 04: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Localização das
Habitações.............................................................................................................................. 62
Gráfico 05: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Forma de Diagnóstico da
Hanseníase.............................................................................................................................. 62
Gráfico 06: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com o Tempo de Permanência no
Tratamento.............................................................................................................................. 63
Gráfico 07: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Opinião Sobre o Tratamento
PQT......................................................................................................................................... 64
Gráfico 08: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Ocorrência de
Preconceito/Discriminação..................................................................................................... 65
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 12
2 HISTÓRICO DA DOENÇA E DO TRATAMENTO DA HANSENÍASE........................ 16
3 A DOENÇA PROPRIAMENTE DITA: A HANSENÍASE DE HOJE.............................. 28
3.1 Definições e Classificação....................................................................................................... 28
3.2 Epidemiologia.......................................................................................................................... 30
3.3 Características e Formas Clínicas......................................................................................... 32
3.4 Reações Hansênicas................................................................................................................ 35
4 A HANSENÍASE E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS.............................................. 37
4.1 A Imagem Corporal Como Fator de Exclusão Social..........................................................42
5 HANSENÍASE E ESTIGMA SOCIAL.................................................................................. 45
6 A HANSENÍASE NO MUNICÍPIO DE CAJAZEIRAS...................................................... 52
6.1 O Município de Cajazeiras e a Saúde Pública..................................................................... 52
6.2 Cajazeiras, um Município Hiperendêmico........................................................................... 54
7 ELEMENTOS DA METODOLOGIA................................................................................... 56
7.1 Caracterização da Pesquisa................................................................................................... 56
7.2 Etapas da Pesquisa................................................................................................................. 57
7.3 Sujeitos, Procedimentos e Instrumento de Coleta de Dados.............................................. 58
8 DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESUTADOS............................................................. 59
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 68
REFERÊNCIAS........................................................................................................................... 72
APÊNDICES................................................................................................................................ 79
12
1 INTRODUÇÃO
“Como uma cascavel que se enrosca,
A cidade dos lázaros dormia...
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!
Mordia-me a obsessão má de que havia,
Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!
[...]”.
(Os Doentes, Augusto dos Anjos).
A hanseníase é uma doença infecto – contagiosa de poder incapacitante devido ao
comprometimento dos nervos periféricos que causa deformidades capazes de promover
desinserção social, além de afetar a estética corporal e facial.
Os pacientes de hanseníase não morrem por esta doença, mas ficam mais sujeitos a
desenvolverem incapacidades físicas, na sua grande maioria, típicas da
desigualdade do acesso à assistência médica e a humanização do atendimento na
saúde; é desnecessário ressaltar que as crianças com deficiências físicas não têm um
desenvolvimento social que lhes permita competir no mercado de trabalho em
comparação à criança não portadora de deficiência [...] essas incapacidades são
responsáveis pela exclusão de uma parcela significativa de indivíduos do mercado
de trabalho, do convívio social e da participação cidadã na comunidade. Estas
mesmas incapacidades são as que mantêm o ciclo de medo e fuga ao diagnóstico na
fase inicial e tratamento adequado, mantendo um número de casos ocultos na
comunidade, alimentando a manutenção da cadeia de transmissão da doença
(ANDRADE, 2006, p. 20).
Mesmo com o desenvolvimento da ciência a favor do tratamento da hanseníase, por
intermédio da descoberta e utilização da Poliquimioterapia – PQT, o Brasil ainda é um país
que apresenta um número elevado de casos, tornando a hanseníase um problema de saúde
pública brasileira. Para a ex-coordenadora do Programa Nacional de Controle e Eliminação da
Hanseníase - PNCEH, Rosa Castalia, as principais dificuldades para o controle da doença são
a centralização das ações de controle e o preconceito e desinformação a respeito da doença:
Há poucos locais adequados ao tratamento em cada estado e a maioria dos
municípios não possui centros de tratamento adequado. O desconhecimento por
parte da população e dos serviços de saúde sobre os sintomas das doenças é
também um agravante. E a isto se somam o estigma e o preconceito
13
comportamental, que levam os doentes a não procurarem tratamento adequado
(ÉPOCA, 2007).
Antes da descoberta da PQT, o tratamento adotado para combater a hanseníase era o
modelo isolacionista. Durante muito tempo famílias foram separadas e pessoas retiradas do
seu convívio social, colocadas em leprosários ou colônias longe das cidades. Esse modelo de
tratamento ajudou o desenvolvimento do estigma social relacionado à doença, do preconceito
e da discriminação por parte da sociedade para com os portadores e suas famílias. Tão
importante quanto o número elevado de casos, é esse estigma social. E mesmo sendo um dos
objetivos do PNCEH, o combate desse estigma, é possível ainda observar, no âmbito da
sociedade, preconceito e discriminação com os portadores e suas famílias. Propõe-se com essa
pesquisa responder as seguintes questões: qual a origem desse estigma, visto que a hanseníase
tem 100% de cura e que após o início da PQT o portador não mais transmite a doença? E
quais as repercussões desse estigma na vida social dos portadores?
Dentre as doenças infecto – contagiosas, a hanseníase é a principal causa de
incapacidade física permanente decorrente de lesão nervosa periférica. O diagnóstico precoce,
o tratamento oportuno dos casos e a prevenção das complicações e das reações1 podem evitar
ou minimizar o aparecimento das deformidades responsáveis pela incapacidade (OMS, 2005).
Para a Organização Mundial de Saúde – OMS (2005, p. 02) “a doença e as deformidades a ela
associadas são responsáveis pelo estigma social e pela discriminação contra os pacientes e
suas famílias em muitas sociedades”.
Esta enfermidade constitui-se como um sério problema de saúde pública no Brasil
devido não apenas ao número elevado de casos, mas também ao seu potencial incapacitante,
visto que nesta patologia ocorre o comprometimento dos nervos periféricos, desencadeando
alterações funcionais, como perda sensitiva (1º – térmica, 2º – dolorosa e 3º – tátil) e motora.
Conforme Aquino et al. (2003) estas incapacidades são responsáveis pelo estigma e
discriminação dos doentes, além de interferir na vida social e no trabalho, proporcionando
perdas econômicas e problemas psicológicos.
Segundo Feliciano; Kovacs (1997) a associação de incapacidade funcional, preconceito
social e sofrimento humano que sempre acompanharam a hanseníase explicam o motivo pelo
qual esta doença é tão temida pela sociedade. Esta imagem social negativa afeta a avaliação e
1
Reações Tipo I ou Reversas: novas lesões dermatológicas e alterações de cor e edema nas lesões antigas devido
ao fato dos antígenos do bacilo reagirem com os linfócitos T, provocando uma mudança na imunidade celular.
São vistas nas formas tuberculóide e dimorfa, representada principalmente por dor e/ou espessamento dos nervos
(neurites). Reação Tipo II ou Eritema Nodoso Hansênico: nódulos vermelhos dolorosos, febre, dores articulares,
dor e espessamento dos nervos e mal estar generalizado devido à imunidade humoral mediada por anticorpos.
Ocorrem nos virchowianos e dimorfos virchowianos (BRASIL, 2005a; COSTA et al., 2005).
14
as medidas eficazes para sua prevenção e tratamento, repercutindo também na efetividade das
ações desenvolvidas a fim de conseguir sua eliminação. Como demonstra Claro (1995) o
preconceito e a ignorância existentes em torno da hanseníase proporcionam o ocultamento da
doença pelo doente, inclusive recusa ao tratamento médico. Os referidos autores demonstram,
pois, como o fenômeno do preconceito e os atos de discriminação podem interferir no
tratamento e, sobretudo, criar condições para que a doença mantenha-se presente no ambiente
social. A linha de argumentação que os mesmos adotam serve de base para a nossa
abordagem sobre a relação entre hanseníase, o problema do estigma e a formas de
discriminação ou preconceito que podem acompanhar tal enfermidade.
Mesmo com todo empenho dos atores envolvidos no PNCEH no Município de
Cajazeiras – PB, ainda prevalece o estigma social relacionado à hanseníase, sendo os
portadores constantemente submetidos a discriminações e preconceitos por parte da
sociedade. O objetivo desse trabalho é investigar sobre o estigma social do ponto de vista dos
portadores de hanseníase do Município de Cajazeiras – PB, sendo sua importância observada
na necessidade de ouvir os atores mais relevantes – os portadores – e contribuir na elaboração
de políticas públicas que venham a combater o estigma social e eliminar o preconceito e
discriminação para com os portadores de hanseníase.
O interesse por este tema surgiu durante o curso de bacharelado em Fisioterapia,
realizado no Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. A partir daí começamos a
despertar para o problema da hanseníase e, em particular, para o papel que o fisioterapeuta
pode exercer na prevenção e no tratamento da referida patologia. Procuramos ler mais a
respeito da doença, fato este que nos levou a desenvolver um projeto de pesquisa sobre o
estigma social e as discriminações e preconceitos ligados à doença, o qual foi realizado sob a
forma dessa dissertação que ora apresentamos.
O referido trabalho apresenta inicialmente, em seu primeiro capítulo, um histórico da
doença e do tratamento da hanseníase. Em seguida, no segundo capítulo, mostramos como a
doença é concebida nos dias de hoje, suas definições, classificações, aspectos
epidemiológicos, características e forma clínicas. Feita essa abordagem preliminar sobre a
natureza e configuração da hanseníase, passamos a tratar, no terceiro capítulo, das
representações sociais da doença e dos elementos que lhe estão associados, como a questão do
corpo e da imagem que este assume nas sociedades contemporâneas. De posse desses
pressupostos teóricos, tratamos, no quarto capítulo, da questão do estigma social e das
práticas que, geralmente, estão ligadas ao fenômeno: o preconceito e a discriminação. Em
seguida, apresentamos, no quinto capítulo, o modo como a doença tem se revelado no
15
Município de Cajazeiras – PB, destacando, particularmente, o alto índice endêmico
constatado naquela localidade. Logo após, apresentamos, no sexto capítulo, os elementos da
metodologia e os procedimentos que foram adotados para colher, interpretar, sistematizar e
expor os dados que constituem o cerne da nossa pesquisa. Finalmente, no sétimo capítulo,
realizamos a análise, a discussão do material coletado e apresentamos os resultados dos dados
obtidos acerca do estigma social e de sua repercussão sobre os portadores de hanseníase do
Município de Cajazeiras – PB.
16
2 HISTÓRICO DA DOENÇA E DO TRATAMENTO DA HANSENÍASE
“[...] Era feliz. O cão [...] E ele era como um roto, ignóbil assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às galés: Se se punha a ganir,
chorando o seu destino, Os exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame, criados brutais davamlhe pontapés. Corroera-lhe o corpo a negra lepra infame. Quando
exibia ao sol as podridões obscenas, Poisava-lhe no dorso o
causticante enxame Das moscas das gangrenas [...]”.
(Fiel, Guerra Junqueiro).
Segundo Nascimento (2001) antes do aparecimento do homem sobre a terra já existiam
doenças. E se estas têm história, a da hanseníase é longa e marcada pelo medo, sofrimento,
rejeição, segregação social e isolamento daqueles que tiveram a infelicidade de ser
acometidos por ela.
A hanseníase é uma das doenças mais antigas da história da humanidade. As primeiras
referências confirmadas dessa doença foram encontradas na Índia e no Egito, datadas do
século VII a.C. (FROHN, 1933 apud CUNHA, 2002). No antigo testamento, Levítico –
Capítulo 13, podemos constatar a descrição detalhada dos sinais e sintomas, os cuidados em
relação aos doentes, bem como a segregação a qual eram submetidos os portadores de
hanseníase:
o homem, quando na pele de sua carne houver inchação, ou pústula, ou empola
branca, que estiver na pele de sua carne como praga de lepra [...] Todos os dias em
que a praga estiver nele, será imundo, imundo será, habitará só, a sua habitação será
fora do arraial (SCHREIBER; MATHYS, 1991, p. 81).
Segundo Garmus (1983 apud CUNHA, 2002), não se pode comprovar que a lepra do
antigo testamento2 se tratava da hanseníase existente nos dias de hoje. Para Koelbing (1972
apud CUNHA, 2002) a doença era confundida com outras doenças dermatológicas existentes
na época, como a elefantíase e a sífilis. Até o século 14, o nome lepra tanto significava lesões
provocadas por queimaduras, escamações, escabiose, câncer de pele, lupus, escarlatina,
eczemas, sífilis, quanto à própria lepra (CUNHA, 2002, p. 236).
2
De acordo com Miranda (1999) na Bíblia encontraremos a seguinte concepção para a palavra lepra: tsara’at,
derivado do hebraico sãra, que significa ser ferido por Deus.
17
Nessa época, a doença estava relacionada a pecados cometidos pelos portadores. “A
lepra também é a prova corporal do pecado: a corrupção da carne manifesta a da alma”
(SCHMITT, 1990 apud CUNHA, 2002, p. 237). Por conseguinte, o diagnóstico era feito por
sacerdotes, que combatiam a doença através de sacrifícios, purificações e rituais
(CHUORAQUI, 1978 apud CUNHA, 2002). Para Cunha (2002) os médicos da antiguidade
tinham uma posição passiva diante da hanseníase, visto que, suspeitando da incurabilidade da
doença, procuravam apenas aliviar os sintomas, sem, contudo interferir na resposta do próprio
organismo e também sem buscar soluções para os problemas de diagnóstico e tratamento.
Na Idade Média, a hanseníase foi documentada nos manuscritos médicos, na literatura e
na arte, através de quadros, pinturas e esculturas. Para os médicos medievais, as principais
causas da disseminação da doença eram fatores como as más condições de higiene,
alimentação e moradia, associados à hereditariedade, ao contágio e ao clima. Conforme
D’Haucourt (1994 apud CUNHA, 2002) esses fatores se desenvolviam no rápido crescimento
da população no pouco espaço físico das cidades medievais, favorecendo a subnutrição, a
penúria, a promiscuidade e o aparecimento e desenvolvimento de várias doenças, inclusive a
hanseníase.
Desde esse período a hanseníase tem relevância na saúde pública, quando representou a
grande praga, a sombra sob todos os dias da humanidade medieval. “O medo de todas as
outras doenças juntas dificilmente se pode comparar ao terror da lepra. Nem mesmo a Peste
Negra no século XIV, ou o aparecimento da sífilis ao final do século XV produziram tanto
pavor” (ROBEN, 1994 apud NUNES, 2004, p. 20). Esta característica estigmatizante da
doença é assim descrita pelo filosofo francês Michel Foucault (1987):
na Idade Média, o leproso era alguém que, logo que descoberto, era expulso do
espaço comum, posto fora dos muros da cidade, exilado em um lugar confuso onde
ia misturar sua lepra à lepra dos outros. O mecanismo da exclusão era o mecanismo
do exílio, da purificação do espaço urbano. Medicalizar alguém era mandá-lo para
fora e, por conseguinte, purificar os outros. A medicina era uma medicina de
exclusão.
Historicamente, convém ressaltar, “a doença chegou à Europa trazida pelos exércitos
persas e, posteriormente, romanos, sarracenos e cruzados, difundindo-se pelas expedições de
Alexandre, o Grande. Através dos portugueses e espanhóis, alcançou o Ocidente” (COSTA et
al., 2005). O movimento das Cruzadas é também considerado fator de disseminação da
hanseníase na Europa medieval (ROSEN, 1994 apud CUNHA, 2002, p. 236). Muitos
cruzados encontravam-se infectados pela doença, ou por aquilo que, naquela época, era
considerado como hanseníase. Frohn (1933 apud CUNHA, 2002, p. 237) ressalta que as
18
Cruzadas se estenderam e permaneceram décadas no Oriente Médio, que na época estava
infestado pela doença. Ao retornarem às suas casas, certamente os cruzados teriam levado a
hanseníase até o mais remoto povoado, contribuindo, desta forma, para a disseminação da
doença.
Santo Hildegardo, um abade alemão, foi o primeiro a escrever sobre as formas clínicas
(“ulcerosa”, “rubra” e “alba”) e o tratamento da hanseníase, tendo como mérito o fato de ter
diferenciado essa enfermidade de outras patologias, como a escabiose, escorbuto, sífilis e
descamações e ulcerações dermatológicas de etiologias diversas. O tratamento consistia na
utilização de pomadas e longos banhos de suor por vários dias, banhos em sangue de cavalo e
emplastos de terra e sangue (FROHN, 1933 apud CUNHA, 2002). Conforme indica Cunha
(2002), na idade média, o sangue era muito utilizado no tratamento da hanseníase, pois
representava fator de força e saúde.
Na tentativa de minimizar o sofrimento dos hansenianos, os europeus buscavam os
mais diversificados tratamentos, mesmo antes da descoberta da doença ou de
medicamentos específicos [...] O alívio dos sinais e sintomas apresentados pelos
doentes era feito principalmente com ungüentos, pomadas e cataplasmas
diretamente sobre os nódulos e ulcerações características da doença, além de
banhos com diversas ervas (CUNHA, 2002, p. 239).
A partir do século XVII, na Europa, foram construídos os primeiros leprosários,
geralmente sob responsabilidade de religiosos, que eram pequenos hospitais ou casa para os
hansenianos. Conforme Virchow (1860 apud CUNHA, 2002) os leprosários espalharam-se
com a cultura cristã da igreja e dos mosteiros. Ainda de acordo com Cunha (2002, p. 238)
“para ingressar nos leprosários, os doentes precisavam de uma autorização da Igreja e de um
‘atestado médico’3 que comprovasse a doença, além de fazer uma doação de todos os seus
bens e rendas ao hospital”.
Após o III Concílio de Latrão (1179), o isolamento passou a ser mais intenso e todos os
pacientes para transitarem nas cidades deveriam ser identificados através do uso de
vestimentas que tornassem possível seu imediato reconhecimento. Essa vestimenta
compunha-se de um manto, uma túnica com a figura de São Lázaro bordada, um chapéu de
abas largas e bermudões de cor escura. Os portadores complementavam a vestimenta usando
luvas e carregando na mão, ou preso a um cordão junto ao corpo, um corno (trompa ou buzina
3
Os atestados médicos continham os seguintes enunciados: “está leproso do mal que dizem ser do Sr, São
Lázaro e é servir a Deus acolhê-lo na dita ordem”, “mal contagioso que se pega”, “é da ordem do Sr. São Lázaro,
deve-se separá-lo dos que estão sãos”, “tem uma das quatro espécies do Sr. São Lázaro que é lepra”, “É lepra,
enfermidade incurável, contagiosa, que se pega” ou “manifestos princípios de lepra” (FAES, 1966 apud
CUNHA, 2002, p. 238).
19
rudimentar, de uso pastoril) ou uma matraca de madeira (Figura 01) (FROHN, 1933 apud
CUNHA, 2002).
Figura 01: O Uso de Sino era Obrigátorio Para os
Leprosos na Idade Média (WIKIPÉDIA, 2006).
Em 1873, o bacilo causador da hanseníase, o Mycobacterium leprae ou Bacilo de
Hansen, foi descrito pela primeira vez pelo cientista norueguês Gerhard Henrick Amauer
Hansen (29 de Julho de 1841-12 de Fevereiro de 1912), médico assistente do Hospital
Lungegaard - Noruega. De 1870-1874 Hansen realizou pesquisas sobre a hanseníase e,
finalmente, ao examinar as células leprosas encontradas nos nódulos formados na pele de um
doente, ele percebeu a presença de pequeninos bastonetes que é a forma que o bacilo possui
visto no microscópio (Figuras 03-04, p. 35). Como tinha fortes suspeitas desde o início de
sua pesquisa que a doença era transmitida por um agente infeccioso, ele apresentou um
relatório de atividades à Sociedade Médica de Christiania, em 1874 – Noruega, ratificando
que a hanseníase não possuía vínculo com as teorias hereditárias ou miasmáticas (MACIEL,
2004).
Na 1ª Conferência Internacional de Leprologia, realizada em Berlim em 1897, Hansen,
desconhecendo como se dava a transmissão da doença, propôs o isolamento como medida
fundamental e fez recomendações sobre a conduta que deveria ser adotada para os doentes:
1) O isolamento dos doentes em sua própria casa, contribuirá para um combate
mais eficaz à doença. 2) Onde existem muitos pobres hansenianos, o isolamento
feito apenas em casa não será suficiente. Nestes casos, o governo terá de tomar
providências e isolá-los, assim como responsabilizar-se pelo cuidado e tratamento
destes. 3) Cada caso dever ser examinado individualmente e então se decidir pelo
isolamento facultativo ou obrigatório (1897 apud CUNHA, 2002, p. 239).
Na época, a experiência norueguesa de combate à doença, caracterizada por notificação
obrigatória, isolamento e vigilância epidemiológica, tudo acompanhado por um forte aparato
20
legal, tornou-se exemplo mundial de política eficaz no combate à hanseníase. Desse modo, o
isolamento dos doentes passou a ser embasado na comprovação científica do contágio e não
mais apenas no preconceito. A sociedade, em nome da ciência e da saúde pública, decretou o
exílio das pessoas com hanseníase.
Segundo Araújo (1956 apud VASCONCELLOS, 2002) a hanseníase foi introduzida no
Brasil pelos colonizadores europeus com os portugueses de Açores. Mas a expansão e o
crescimento da doença foram influenciados pelo tráfico negreiro (COSTA et al., 2005;
YAMANOUCHI, 1993 apud VASCONCELLOS, 2002). O tratamento empregado, desde a
época da colonização, era baseado em plantas medicinais, banhos com águas termais, banhos
de lama, sangrias, choques elétricos, alimentação específica e até picadas de cobras, com
influência da medicina indígena, depois dos jesuítas e africanos. Os portugueses introduziram
um pequeno número de medicamentos importados que compunham a “caixa de botica”, mas a
quantidade era extremamente limitada e a falta de medicamentos passou a ser um grande
empecilho para a prática da medicina portuguesa em terras coloniais (SANTOS FILHO, 1960
apud CUNHA, 2002). Não havendo uma normatização quanto ao tratamento e conduta em
relação aos doentes.
No final do Século XVIII todo o tratamento passou a ser executado nos Lazaretos ou
Santas Casas de Misericórdia, com uma finalidade mais assistencialista que curativa –
estratégia de controle baseada no confinamento ou afastamento do doente. Essa iniciativa
deve-se ao fato de que as autoridades médicas tinham se convencido da transmissibilidade da
doença (BRASIL, 2003a; BRASIL, 2003b; CUNHA, 2002).
Com a chegada da Família Real no Brasil, surge a polícia médica com o objetivo de
vigiar e controlar o aparecimento de epidemias, intervindo nas condições de vida e saúde da
população brasileira. Tratava-se de um controle – profilaxia no sentido de vigiar as cidades, as
instalações de minas e cemitérios. Mas com a mudança da sede do governo português para o
Brasil, ocorreu a abertura dos portos e o surgimento da Vigilância Sanitária dos Portos
(BRASIL, 2003a; BRASIL, 2003b).
Com relação ao diagnóstico e tratamento da hanseníase no Brasil, médicos e estudiosos
no assunto encontrava-se em permanentes pesquisas e suas descobertas contribuíram para o
avanço da medicina no que diz respeito à doença. Em 1831, o médico Joaquim Cândido
Soares de Meirelles apresentou em Paris um quadro comparativo entre a elefantíase dos
gregos e dos árabes e a hanseníase. A diferença fundamental apontada pelo médico se referia
à forma e aspecto das manchas apresentadas pelos doentes. Mais tarde, ele descreveu a
sensibilidade periférica nos hansenianos de forma detalhada, contribuindo dessa forma para
21
um diagnóstico diferencial com várias outras doenças que também foram confundidas com
hanseníase na Antigüidade. “Esta insensibilidade é tal que o doente corta-se com um canivete,
aplica um ferro em brasas, cauteriza, sem a menor consciência. Esta insensibilidade se
circunscreve, de sorte que é abaixo, acima, lateralmente. Fora, a sensibilidade é perfeita”
(CÂNDIDO, 1845 apud CUNHA, 2002, p. 240).
Em 1890 foram criadas no Brasil as Inspetorias de Saúde Pública, responsáveis por
repassarem às províncias as medidas governamentais, entre elas: impedir o casamento ente os
portadores de hanseníase; retirar as crianças do meio familiar de doentes; proibir o
aleitamento materno a crianças de mães e amas de leite portadoras da doença; tornar
obrigatório a notificação de qualquer caso suspeito às autoridades sanitárias e criar um
registro estatístico da doença no Brasil (CUNHA, 2002).
Nessa época os portadores brasileiros ainda viviam como os portadores europeus da
Idade Média. Sobreviviam das esmolas recolhidas nas ruas ou de doações de religiosos. Eram
tratados por alguns governantes como caso de polícia, usava-se até de violência para
afugentá-los das cidades, mantendo-os por muito tempo em contato com a população mais
carente e deficiente em termos de saúde pública, contribuindo assim para uma maior
transmissão da doença. “Isso os colocava na mesma situação social que os miseráveis,
desempregados, prostitutas e criminosos” (CUNHA, 2002, p. 241).
Em 1903 Oswaldo Cruz assumiu a Diretoria Geral de Saúde Pública e a hanseníase
passou a ter maior atenção do poder público e fazer parte dos programas de combates às
doenças transmissíveis. No ano seguinte, em 1904, entrava em vigor o Regulamento Sanitário
da União, determinando que além da hanseníase ser uma doença de notificação compulsória,
colocava os portadores sobre o domínio do poder público (CUNHA, 2002).
A década de 20 foi marcada pela maior atuação do Governo Federal no tratamento da
hanseníase, por meio da criação do Departamento Nacional de Saúde Pública e no
reconhecimento da doença como uma enfermidade de notificação compulsória (SANTOS,
2003). Nesse sentido ressalta a seguinte afirmação:
é fato que a manutenção dos abrigos e hospitais dos lázaros ficou por um longo
período a cargo das ordens religiosas. Desde o Império, as autoridades declaravam
que não tinham como arcar sozinhas com as despesas, acionando entidades
particulares na manutenção e criação de abrigos (SANTOS, 2003, p. 421).
A origem de alguns destes hospitais no Brasil data do inicio do século XX, quando os
portadores de hanseníase das classes populares sem assistência médica pública ou privada,
buscavam instalar-se nos arredores das vilas e cidades, sobretudo nas áreas rurais dos estados
22
brasileiros. Em geral, sustentavam-se de doações e esmolas das populações vizinhas, onde
entre intenções caridosas estava presente também o milenar rechaço aos portadores desta
enfermidade (ANTUNES, 1991 apud FONTOURA; BARCELOS; BORGES, 2003).
Em 1920, o Departamento Nacional de Saúde Pública criou a primeira política pública
brasileira que veio a normatizar o controle da doença no país, a Inspetoria de Lepra e Doenças
Venéreas, que tinha como atividade principal a divulgação sobre a situação real da doença no
país, cuja coordenação foi entregue a Eduardo Rabello (NEVES, 2002; SANTOS, 2003). “De
acordo com o modelo de saúde pública vigente, as ações eram voltadas para [...] proteger a
sociedade da transmissão das doenças. [...] O Estado deveria desempenhar uma ação
saneadora por meio do isolamento compulsório nos hospitais asilo – colônia”
(VASCONCELLOS, 2002, p. 05).
Nessa época, surgiram algumas associações e sociedades beneficentes que trataram de
arrecadar recursos para a construção de instalações permanentes para os hansenianos. A partir
da década de 1930, a parceria entre essas instituições e os órgãos públicos federais, estaduais
e municipais, desencadeou a construção de hospitais-colônias em vários estados do Brasil
(FONTOURA; BARCELOS; BORGES, 2003).
A criação do Ministério da Educação e Saúde, após a Revolução de 30, possibilitou
a adoção de um modelo de controle da doença a nível nacional, o chamado "modelo
tripé". Esta significou uma prática amparada na existência de três itens
fundamentais e que se complementam: o leprosário, o dispensário e o preventório.
Cada um destes tinha seu papel e agia diretamente sobre o que se acreditava estar
amparada a cadeia epidemiológica da doença: o infectado (no leprosário), o
comunicante (no dispensário) e os filhos dos infectados (no preventório). Assim, se
acreditava na possibilidade de eliminação da doença em pouco tempo. No entanto,
percebeu-se que os índices de cura não eram os esperados, assim como o número de
casos que só aumentava por conta da busca ativa dos mesmos (MACIEL, 2007).
A década de 30 foi caracterizada por uma maior participação da sociedade no tratamento
da hanseníase, através de Organizações Não Governamentais – ONGs. No Governo de
Getúlio Vargas foi criado o Serviço Nacional de Lepra baseado no tripé “Leprosário,
Preventório e Dispensário” (VASCONCELLOS, 2002).
Até a década de 50, no Brasil, existiam duas formas de tratamento: o isolamento
compulsório ou não, e o óleo de chaulmoogra4. Porém nenhuma das formas mencionadas agia
diretamente sobre o bacilo e sim sobre os efeitos da doença já instalada no paciente
(MACIEL, 2004).
4
Medicamento fitoterápico, em forma de óleo (banho e compressas nas feridas) ou injeções, utilizado nos
pacientes para minimizar o sofrimento causado pela doença. Sua eficácia não foi comprovada, mas representou a
forma menos agressiva de tratamento e que apresentou menores complicações nos pacientes e, por esta razão, era
consenso entre os médicos (MACIEL, 2004; MACIEL et al., 2002).
23
Após a 2ª Guerra Mundial, essas formas de tratamento foram questionadas com os
avanços da indústria químico – farmacêutica, os exames laboratoriais e a descoberta de
agentes etiológicos de varias doenças. Em 1958, no 7º Congresso Internacional de Leprologia,
foi ratificado que a forma de contágio da hanseníase não era hereditária e havia possibilidades
de cura com os antibióticos e sulfas (MACIEL, 2004).
Em 1959, no Governo de Juscelino Kubitschek, com o advento da quimioterapia
sulfônica, foi criada a Campanha Nacional de Lepra (VASCONCELLOS, 2002).
A década de 60 foi marcada pela extinção da Campanha Nacional da Lepra e
municipalização dos serviços de saúde com conseqüente extensão da cobertura das ações de
controle da hanseníase. “O foco de atenção à hanseníase por meio do leprosário, preventório,
dispensário passou para o ambulatório, dispensário e unidade polivalente de saúde (posto de
higiene e centro de saúde), enfatizando também as atividades profiláticas do exame de
contatos” (BRASIL, 1963 apud VASCONCELLOS, 2002, p. 06).
O isolamento, questionado desde o início da década de 1920, através da descoberta, por
pesquisa quantitativa e de laboratório, que seu uso não diminuía o número de casos e de
denúncias de familiares, vizinhos ou pessoas que não tinham laços familiares com o doente,
foi empregado oficialmente até 07 de maio de 1962, quando se publica o Decreto no 968,
mantendo um regime de transição semi – aberto até meados da década de 70 (MACIEL,
2004). Durante esta década a OMS recomendou o emprego da PQT5 no Brasil e,
paralelamente a isto, começou um movimento com o intuito de minimizar o preconceito e o
estigma contidos no termo lepra e seus derivados. Assim, em 14 de maio de 1976, foi
aprovado o Decreto no. 165 com o qual a doença teve seu nome alterado oficialmente para
hanseníase (MACIEL, 2004; MACIEL, 2007)6.
Em 1975 foi criada a Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária – DNDS e o Sistema
Nacional de Vigilância Epidemiológica – Lei Federal n° 6.259, regulamentada pelo Decreto
n° 78.231. Esta Lei institui a notificação compulsória de casos e/ou óbitos de 14 doenças para
5
“Os paucibacilares recebem uma dose mensal de rifampicina de 600 mg e dapsona de 100 mg, uma vez ao mês
na unidade de saúde (dose supervisionada) e levam o restante da cartela para auto-administração de um
comprimido de dapsona por dia por 30 dias. A duração do tratamento é de seis meses. Para os multibacilares a
dose supervisionada consta de rifampicina 600 mg, associada a clofazimina 300 mg e dapsona 100 mg; o
restante da cartela para auto-administração de um comprimido diário de 100 mg de clofazimina e 1 comprimido
diário de l00 mg de dapsona. A duração do tratamento é de 12 meses. Após ter completado o tempo de
tratamento, com regularidade, o paciente recebe alta e é considerado curado” (GALLO, 2007b).
6
No entanto, apenas em 29 de maio de 1995, foi aprovada a Lei Federal nº. 9.010 que determina: Art. 1º. O
termo lepra e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da
Administração Centralizada da União e dos Estados – membros (FONTOURA; BARCELOS; BORGES, 2003;
VASCONCELLOS, 2002).
24
o todo o território nacional, entre as quais, hanseníase (BRASIL, 2003b; VASCONCELLOS,
2002).
Na década de 80, com o término de uma ditadura de 20 anos que durou o regime militar
e a busca da democracia, assim como a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde deu
início ao movimento de reforma sanitária brasileira, recuperando os direitos dos cidadãos, foi
também o momento em que se perguntou o que fazer com os pacientes que ficaram décadas
internados e isolados. Os leprosários tiveram o seu papel redefinido e muitos foram
transformados em hospitais gerais. Como forma de assegurar os direitos dos pacientes como
cidadãos brasileiros foi criado em 06 de junho de 1981 o Movimento de Reintegração das
Pessoas Atingidas pela Hanseníase – MORHAN (MACIEL, 2004; MACIEL, 2007).
O MORHAN, originário de uma organização de deficientes físicos, foi inicialmente
denominado Movimento de Reintegração do Hanseniano. Hoje o movimento é integrado por
pacientes e ex-pacientes, além de diversos profissionais. O MORHAN está organizado a partir
de: uma coordenação nacional, seis coordenações regionais, várias coordenações estaduais e
núcleos em muitas regiões brasileiras.
A Reforma Sanitária surgiu de um movimento social formado com o intuito de discutir
as bases que norteariam a reestruturação da saúde no Brasil. Este movimento representou um
longo processo de lutas e organização popular que teve participação conjunta de profissionais
de saúde, dirigentes sindicais e de órgãos públicos, intelectuais, parlamentares e de
representantes de diversos movimentos sociais através de instituições, grupos e movimentos,
entre eles o MORHAN (BRASIL, 2002).
A proposta de democratização da saúde no Brasil, oriunda desse movimento constituiu a
base da proposta do novo sistema de saúde debatido pela Assembléia Nacional Constituinte
de 1987. No ano seguinte, em 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa
do Brasil, consagrando o ideário da universalidade das políticas sociais. A partir desse
momento foi criado o Sistema Único de Saúde – SUS, com o propósito de garantir a saúde
como um dever do Estado e direito de todos os cidadãos brasileiros (NUNES, 2005).
A década de 80 também foi caracterizada por uma maior capacitação dos profissionais
em prevenção e tratamento de incapacidades (Curso de Hansenologia e Curso Nacional de
Dermatologia Sanitária) e da estruturação dos Centros de Referência de Reabilitação Física e
Social, foram realizadas articulações com o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico – CNPq e com a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP
visando o aumento de pesquisas na área (VASCONCELLOS, 2002).
25
Em 1991 a DNDS foi substituída pela Coordenação Nacional de Dermatologia Sanitária
– CNDS (VASCONCELLOS, 2002).
O SUS, além de outras ações e serviços, desenvolve programas estratégicos para
algumas doenças e populações de risco, entre eles, o PNCEH, que surgiu no Brasil após a sua
participação na 44a Assembléia Mundial de Saúde, promovida pela OMS em maio de 1991.
Nessa Assembléia, o Brasil comprometeu-se a eliminar a hanseníase até o final de 2000. No
entanto, essa meta não foi atingida, e em 1999, numa reunião realizada pela OMS na Costa do
Marfim, o Brasil assume um novo compromisso: eliminar a hanseníase até o final de 2005
(BRASIL, 2000).
[...] conceito de eliminação deve ser construído a partir do conjunto de atividades
complementares tais como: eliminar é resultante direto de tratar adequadamente e
curar os casos. Eliminar a hanseníase enquanto problema de saúde publica está
intimamente ligada a diagnosticar mais cedo possível e não permitir que os casos
cheguem a desenvolver uma incapacidade física. Eliminar é não deixar que as
crianças adoeçam porque convivem com uma pessoa sem tratamento. Eliminar a
hanseníase como problema de saúde publica é não produzir indivíduos que serão
fatalmente discriminados pela sociedade! (ANDRADE, 2006, p. 22).
Trata-se de um conjunto de ações descentralizadas sob a responsabilidade da Secretaria
de Vigilância em Saúde e do Departamento de Vigilância Epidemiológica em parceria com
Centros de Referencia Nacional (como o Laboratório de Hanseníase da Fiocruz), secretarias
estaduais e municipais de Saúde, OPAS, OMS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde –
CONASS, Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS,
MORHAN e diversas organizações não-governamentais, com o objetivo de alcançar a
eliminação7 da hanseníase como um problema de saúde pública até o final de 2005, tendo
“[...] como eixo principal a descentralização das ações de controle8 da doença, ampliando e
universalizando o acesso dos portadores ao diagnóstico precoce e ao tratamento” (BRASIL,
2005b, p. 117; GALLO, 2007b).
Em novembro de 1999 diversos países se uniram durante a 3ª Conferência Internacional
de Eliminação da Lepra – Abidjan – Costa do Marfim e formaram a Aliança Global para
7
De acordo com a OMS (2005) para manter os serviços de hanseníase durante muitos anos se faz necessário
passar do enfoque de eliminação baseado em campanhas para um processo de longo prazo de sustentação de
serviços integrados e de alta qualidade de controle da doença, que vai muito além da detecção de casos e do
tratamento com PQT, deve inclui prevenção de incapacidades e reabilitação, compromisso político e participação
dos serviços gerais de atenção à saúde.
8
O controle da hanseníase significa a redução da incidência, prevalência, morbidade e mortalidade a um nível
localmente aceitável. As atividades de controle da doença incluem diagnóstico, PQT, aconselhamento do
paciente e da família, educação comunitária, prevenção de incapacidades e deficiências e reabilitação das
seqüelas (OMS, 2005).
26
Eliminação da Hanseníase com a meta de alcançar uma maior redução da carga da doença e
prover acesso a serviços de controle de qualidade para todas as comunidades afetadas,
seguindo os princípios de equidade e justiça social9. Em nível mundial a aliança é formada
pela OMS, Nippon Foundation, Fundação Novartis e Internacional Federation of the AntiLeprosy Associations – ILEP. No Brasil a aliança é formada pelo CONASEMS, MS,
Secretarias Estaduais de Saúde, MORHAN, OMS, OPAS e Fundação Novartis para
Desenvolvimento Sustentável (VELLOSO; ANDRADE, 2002 apud NUNES, 2005; OMS,
2005).
Em 2000, a Área Técnica de Dermatologia Sanitária incorporou-se ao Departamento de
Atenção Básica da Secretária de Políticas de Saúde do MS, com o objetivo de utilizar as
equipes do Programa de Saúde da Família – PSF e do Programa de Agentes Comunitários de
Saúde – PACS para atingir a universalização da cobertura das ações de controle da hanseníase
no Brasil, ou seja, integrar as ações de diagnóstico e tratamento da doença na atenção básica
(BRASIL, 2000). Nesse contexto ressalta-se o discurso da ex-coordenadora do PNCEH, Rosa
Castalia (ÉPOCA, 2005):
com o [...] SUS tendo estados e municípios como gestores da sua rede básica de
saúde, é fundamental que todos assumam as ações de diagnóstico e tratamento da
doença. Sem isto, não é possível atingir a meta [...]. Isto significa que as equipes do
[...] PSF, [...] PACS e todas as Unidades do SUS passam a integrar a rede de
atendimento ao paciente, facilitando o acesso universal ao diagnóstico e ao
tratamento.
Atualmente, a Secretaria de Vigilância em Saúde lançou o Plano Nacional de
Eliminação da Hanseníase em Nível Municipal 2006 – 2010. O plano pretende fortalecer as
ações de vigilância epidemiológica da doença para alcançar baixos níveis endêmicos até 2010,
assegurando que as atividades de controle estejam disponíveis e accessíveis a todos os
indivíduos nos serviços de saúde (atenção básica, média e alta complexidade) mais próximos
de suas residências. A missão deste plano é “contribuir com os estados e municípios para o
alcance e a manutenção da meta de eliminação da hanseníase enquanto problema de saúde
pública [...] com acompanhamento da ocorrência de casos novos” de forma que cada
município desenvolva o plano de forma padronizada, respeitando a realidade local (BRASIL,
2006, p. 10).
9
Trabalhar com equidade e justiça social significa que os portadores de hanseníase devem ser tratados pelos
serviços de saúde como qualquer outro paciente, respeito para privacidade e sigilo, advocacia e informação junto
à população como forma de reduzir o estigma e preconceito/discriminação e inclusão em toda regulamentação
governamental, visando aos deficientes garantias de direitos (por exemplo, pensão por incapacidade) (OMS,
2005).
27
Existe ainda o tratamento fisioterapêutico que compreende a cinesioterapia para prevenir
ou minimizar as incapacidades tão discutidas neste capítulo, sendo esta a técnica mais
indicada na prevenção e tratamento das contraturas e deformidades, fatores desencadeantes de
incapacidades, que nos membros inferiores prejudicam a bipedestação e a deambulação. O
tratamento fisioterapêutico dos episódios reacionais constitui-se em uma das principais
prioridades no manejo do paciente com hanseníase (GILLIS, 2000 apud GUERRA et al.,
2004).
Em 2007 foi aprovado o Projeto de Lei nº 206/2006 (de 21 de setembro de 2007), do
Senador Tião Viana, que dispõe sobre a concessão de pensão vitalícia às pessoas atingidas
pela hanseníase que foram submetidos a isolamento e internação compulsória em hospitais –
colônias (PLS 206/2006).
Por fim, conforme analisa Ferreira (2002 apud NUNES, 2005, p. 26),
centenas de milhares de pessoas curaram-se da doença, e um número semelhante de
incapacidades físicas foi evitado graças ao trabalho de muitos profissionais; porém,
o ritmo de transmissão do bacilo não se reduziu, e a hanseníase persiste como uma
das grandes endemias nacionais. Embora se estabeleçam metas otimistas, a situação
atual não permite vislumbrar o êxito das intervenções dos órgãos sanitários e o
desaparecimento da doença como problema de saúde pública.
28
3 A DOENÇA PROPRIAMENTE DITA: A HANSENÍASE HOJE
“[...] Morrer é triste, mas mais triste é morrer em meio a um lento
desfazer-se das carnes, depois de uma silenciosa invasão de um
inimigo que penetra por toda parte, pouco a pouco, destruindo todas
as características mais nobres do rosto e do corpo [...]”.
(Ernesto Bertarelli).
3.1 Definições e Classificação
A hanseníase, que no passado já teve muitos sinônimos como lepra, morféia, elefantíase
dos gregos, mal de São Lazaro10, gafeira, coteno, macuteno, camunhengue, mal ou doença de
Hansen, é uma doença infecto-contagiosa, de evolução crônica (lenta), curável (após
tratamento que pode durar de seis meses a dois anos, quando não interrompido), cujo bacilo
ataca a pele e os nervos periféricos (autônomo, sensitivo e motor), podendo causar
incapacidades físicas que, sem tratamento adequado, evoluem para deformidades (AQUINO
et al., 2003; BRASIL, 2005a).
O Mycobacterium leprae é um parasita intracelular, álcool – ácido resistente e gram –
positivo, que tem afinidade pelas células de Schwann e pele. O período de incubação é em
média de três a cinco dias. Após sua entrada no organismo humano, caso não ocorra sua
destruição, esse irá se disseminar para outros tecidos. As vias aéreas superiores (secreções
nasais e saliva) são a principal porta de entrada e de eliminação do bacilo. A pele machucada,
eventualmente serve como porta de entrada da infecção. As secreções orgânicas (secreção
vaginal, suor, esperma e leite materno) eliminam o bacilo, mas não disseminam a infecção
(Figuras 02 e 03) (ARAÚJO, 2003).
10
A palavra lepra resultou da tradução para o grego-latino da palavra "Tsara-Ath", um termo Hebraico que
significa degradação. Esse termo era utilizado há mais de 6000 anos durante a época da construção das pirâmides
de Gisé, antigo Egito, quando mais de 150 mil escravos foram levados ao deserto para a construção. Pelas
condições de trabalho da época, proliferaram nessas pessoas diversas doenças, principalmente as doenças de
pele. Os escravos começaram a perceber que aqueles que adoeciam não mais voltavam, estavam sendo mortos. A
partir de então, todos que adoeciam fugiam das pirâmides com medo da morte. Podemos observar esse fenômeno
de fuga em muitos relatos, principalmente na Bíblia (A Jornada..., 2007). Os medievais também acreditavam na
existência de seres misteriosos que habitavam os céus e que provocavam as doenças ou a saúde. Então, muitos
santos eram invocados a proteger as pessoas das diversas doenças, que, por sua vez, recebiam nomes de santos.
Assim, a hanseníase recebeu o nome de “mal de São Lázaro” (CUNHA, 2002).
29
Figura 02: Fotomicrografia de Mycobacterium
leprae (Aumentada em 95.000 Vezes), Organismo
Causador da Hanseníase (GALLO, 2007b).
Figura 03: Fotomicrografia de Mycobacterium
leprae (Pequenos Bastonetes Vermelhos), o Agente
Causador da Hanseníase (GALLO, 2007a).
A maioria das pessoas destrói o bacilo e não adoece por possuir uma imunidade natural,
enigma até hoje não desvendado. Entre os que têm resistência ao bacilo, alguns podem
desenvolver a forma paucibacilar – PB por abrigar um número pequeno destes, insuficientes
para infectar outras pessoas e alguns casos podem até curar-se espontaneamente. Um número
menor de pessoas não apresenta resistência ao bacilo e eles se multiplicam no organismo, é a
forma multibacilar – MB (MACIEL, 2004). A hanseníase é então classificada pela
Organização Mundial de Saúde-OMS como PB ou MB. Os indivíduos PB apresentam menos
de cinco lesões de pele e/ou apenas um tronco nervoso comprometido e os MB apresentam
cinco ou mais lesões de pele e/ou mais de um tronco nervoso comprometido (BRASIL,
2005a).
30
3.2 Epidemiologia
A prevalência de hanseníase (casos em registros – em tratamento) tem diminuído no
mundo e em alguns países esta se torna cada vez mais rara, mas existem 09 países
considerados endêmicos pela OMS (Angola, Brasil, República Central Africana, República
Demográfica do Congo, Índia, Madagascar, Moçambique, Nepal e República Unida da
Tanzânia), cuja meta de eliminação de 1 em cada 10.000 habitantes não foi possível até o
início de 2004. O Brasil ocupa o segundo lugar em número de casos e possui índice de
detecção considerado alto (ARAÚJO, 2003; OMS, 2005).
Em dezembro de 2005, o MS registrou 27.313 casos no Brasil, o que dá um coeficiente
de prevalência de 1,48 caso por 10 mil habitantes. No Gráfico 01 é possível observar que o
coeficiente de prevalência de 1994 – 2005 diminuiu no Brasil, porém o de detecção foi
praticamente mantido.
Gráfico 01: Evolução dos Coeficientes de Prevalência e Detecção no
Brasil, Período de 1995 a 2005 (PNCEH apud BRASIL, 2006, p. 06).
As regiões norte, nordeste e centro-oeste possuem altas taxas de prevalência e apenas
dois Estados, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, alcançaram a eliminação da doença, ou
seja, a prevalência de menos de 1 caso por 10.000 habitantes. A Paraíba é considerado como
31
um Estado cuja eliminação da hanseníase poderá ocorrer em curto prazo (Estado cuja
prevalência é de 1 a 5 casos por 10.000 habitantes) (BRASIL, 2000; GALLO, 2007a)11.
Ainda em 2005, foram diagnosticados 38.140 novos casos, o que dá um coeficiente de
detecção (casos novos registrados) de 2,09 para 10 mil habitantes. A maior concentração de
casos está nas regiões Norte e Centro – Oeste, tornando estas duas regiões hiperendêmicas
(Quadro 01) (GALLO, 2007a).
Quadro 01: Prevalência e Detecção da Hanseníase 2005, por Região.
(SINAN/DATASUS/MS apud BRASIL, 2006, p. 07).
A hanseníase afeta mais as pessoas com situação social desfavorável, o que é facilmente
demonstrado pelas regiões geográficas onde se tem maior prevalência de casos: pobres e com
precárias condições de nutrição, higiene, habitação e saneamento. Nesse contexto ressalta-se a
descrição histórica de Queiroz; Puntel (1998 apud NUNES, 2005), quando chama atenção
para o fato que a hanseníase prevaleceu no norte da Europa até o século XIII, declinando
gradativamente até sua extinção, com a melhoria das condições sócio-econômicas e de vida,
11
Na Paraíba a prevalência corresponde a 665 pacientes e a incidência 922 casos novos, sendo 520 PB, 390 MB
e 12 ignorados (NDS/CVS/SES – PB, 2006).
32
alimentação, condições sanitárias e controle populacional, o que não ocorreu na maioria dos
países tropicais e subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil.
Reconhece se que a unidade fundamental no estudo da reprodução social, o
domicílio, espaço onde a família vive, também é a menor unidade espacial onde se
realiza o processo de transmissão do parasito. Estudos mostram que a maioria dos
hansenianos se concentra nos grupos marginalizados da produção social,
deslocados para regiões em que a exclusão social é mais acentuada, diferenciandose pelo trabalho que realizam. Chama atenção um maior acometimento da doença
em jovens e mulheres decorrente da mobilização/urbanização com maior exposição
(ANDRADE, 2006, p. 23).
Um estudo realizado por Helene; Salum (2002), os quais avaliaram 105 famílias de
hansenianos no município de São Paulo, no ano de 1996, revelou que apenas 10,5% da
amostra compõem o estrato superior (famílias com formas de trabalhar e de viver estáveis),
enquanto que 41,0% pertencem ao estrato intermediário (famílias com forma de trabalhar
estáveis e de viver instáveis, ou vice-versa) e 48,6% o estrato inferior (famílias com formas de
trabalhar e de viver instáveis). Foi observado ainda que as famílias habitavam locais
insalubres (contato com esgoto a céu aberto e outros poluentes) e a grande parte dos membros
procedia das regiões norte e nordeste do país.
3.3 Características e Formas Clínicas
Esta doença apresenta quatro formas clínicas que expressam a resposta imunológica
específica dos indivíduos ao bacilo (reação do sistema imunológico frente à doença), cujas
características clínicas refletem a relação entre o parasita e o hospedeiro: hanseníase
indeterminada – HI (forma inicial), tuberculóide – HT (pólo de maior resistência da
imunidade celular-boa resposta do hospedeiro), virchowiana – HV (pólo de menor resistência
da imunidade celular – proliferação silenciosa do bacilo) e dimorfa – HD (faixa intermediária
ou borderline) (ARAÚJO, 2003; COSTA et al., 2005; OMS, 2005).
A HI é a primeira manifestação clínica da hanseníase e surge após um período de
incubação que varia de dois a cinco anos. Esta forma apresenta lesões de pele em pequeno
número que se caracteriza por manchas com alteração da sensibilidade ou por áreas de
33
hipoestesia na pele. Não há dano de troncos nervosos e a pesquisa de bacilo álcool ácido
resistente – BAAR – baciloscopia revela-se negativa 12 (Figura 04).
Figura 04: MHI (SERAFINI, 2007).
A forma HT apresenta reduzidas lesões de pele, bem delimitadas em forma de placa ou
anulares e de distribuição assimétrica. Há comprometimento precoce e grave dos troncos
nervosos. A baciloscopia resulta negativa (Figura 05).
Figura 05: MHT (SERAFINI, 2007).
12
A baciloscopia é um exame complementar para o diagnóstico de hanseníase. É de baixo custo e fácil execução,
colhe se o material a ser examinado, raspado de tecido dérmico dos lóbulos das orelhas, cotovelos e nas lesões
suspeitas (ARAÚJO, 2003).
34
A HV manifesta-se em pessoas que apresentam imunidade celular diminuída para o
Mycobacterium leprae. Existe comprometimento dos troncos nervosos que acarreta
deficiências funcionais e seqüelas tardias (paralisia facial periférica unilateral ou bilateral e
exposição da córnea devido à paralisia do ramo orbicular do nervo zigomático, mão em garra,
mão caída, pé caído e garra de artelhos). Sua evolução crônica caracteriza-se pela infiltração
progressiva e difusa da pele, principalmente da fase e dos membros, mucosas das vias aéreas
superiores, causando congestão nasal e epistaxe, olhos, pavilhões auriculares, testículos,
nervos, linfonodos, fígado e baço. Ocorre ainda rarefação de pelos dos membros, cílios e
supercílios (madarose). A infiltração da face e dos pavilhões auriculares associados a
madarose e manutenção dos cabelos, forma o quadro denominado “fáceis leoninas”. Esta
forma apresenta baciloscopia positiva e os casos não tratados representam importante foco
infeccioso (Figura 06).
Figura 06: MHV (SERAFINI, 2007).
A forma HD se caracteriza por instabilidade imunológica, o que acarreta grandes
modificações em suas formas clínicas (hanseníase dimorfa-tuberculóide – HDT, dimorfadimorfa – HDD e dimorfa-virchowiana – HDV). As lesões da pele revelam-se numerosas e
compreendem placas e manchas. As lesões neurais são precoces, assimétricas e levam a
35
incapacidades físicas. A pesquisa de BAAR pode ser negativa ou positiva com índice basilar
variável (Figura 07).
Figura 07: MHD (SERAFINI, 2007).
3.4 Reações Hansênicas
Reações são períodos de inflamação aguda no curso de uma doença crônica – no caso da
hanseníase – reações hansênicas – afetam a pele e os nervos, podendo também afetar os
gânglios. As reações hansênicas são desenvolvidas a partir de fatores desencadeantes como:
infecção intercorrente, vacinação, gravidez, puerpério, medicamento iodado, estresse físico e
mental (ARAÚJO, 2003; SAUNDERSON, 2005).
Os tipos de reações hansênicas mais importantes são: reação tipo I ou reversa e tipo II
ou eritema nodoso hansênico – ENH. A reação tipo I é causada pelo aumento da atividade do
sistema imunológico contra o bacilo da hanseníase, ou mesmo contra os restos de bacilos
mortos, conduzindo a um processo inflamatório agudo em qualquer área do corpo que ainda
tenha bacilos (Figura 08). As características mais comuns são: lesões de pele, geralmente não
dolorosas, mas desconfortáveis, edema de membros e de face, eritema, calor e
hipersensibilidade dos nervos – neurites. As neurites são comprometimentos neurais que
evoluem com dor (espontânea ou a palpação) e alteração da função neural autônoma, sensitiva
e/ou motora, acompanhada ou não de espessamento dos nervos. Sem tratamento seus efeitos
36
sobre os nervos podem levar a danos permanentes da função neural. Os músculos das
pálpebras podem ser afetados, determinando dificuldade no fechamento dos olhos. A reação
tipo II ocorre quando um grande número de bacilos é morto e gradualmente decomposto, as
proteínas destes bacilos provocam uma reação imunológica em todos os tecidos do organismo
– reação sistêmica, com exceção do sistema nervoso central – SNC. As características mais
comuns deste tipo de reação são: nódulos subcutâneos que podem inflamar e evoluir
dolorosos e vermelhos, mal – estar geral, febre e artralgia (Figura 09). Nesta reação pode
ocorrer inflamação da íris – irite (SAUNDERSON, 2002).
Figura 08: Reação Tipo I ou Reversa
(OPROMOLLA; URA, 2002).
Figura 09: Reação Tipo II ou Eritema Nodoso
Hansênico – ENH (HANSENÍASE, 2001).
37
4 A HANSENÍASE E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
“Por mais de vinte anos um duque de Alba permaneceu deitado em
sua cama. Entre a imundície de seus detritos e a lepra de um amor
desgraçado, via o sol sair e se pôr, via, como uma tumba a mais, a
noite. O ar fétido que respirava vinha misturado com a fragrância da
flor de cidra de sua amada. Nobremente invejamos este duque de
Alba, tão feliz, nós, em idade assolada pela tecnocracia e pela
desconfiança. Este duque de Alba tinha um só pensamento, uma
idéia, mas era sua. Ele ia dissipando o pensamento, e ao mesmo
tempo enriquecia. Mas nós, em várias camas, com imundície e
milhões de lepras, entre planos e simulações, já não sofremos nada.
O que nos permitem é tomar comprimidos e calar”.
(Um Duque de Alba, Virgilio Piñera).
As representações sociais traduzem sempre juízos de valor. Elas envolvem concepções
sobre o real, possuindo, ainda, uma dinâmica própria. Elas definem a visão de mundo de um
individuo ou de um grupo acerca de um fato, de um evento, de um fenômeno. Trata-se, pois,
de figurações mentais apreendidas pela via da socialização, ou seja, da convivência social.
Cada sociedade seleciona os elementos que servirão de base para o julgamento e o
enquadramento de situações, fatos, realidades, segundo a noção de “normalidade” ou
“anormalidade”. Com isso, são introduzidos valores e regras de conduta que orientarão as
formas de ação e interação dos indivíduos no espaço social. Estes parâmetros servem da
mesma forma, como critério de medida para julgar o que se afigura adequado ou danoso à
vida social. Assim “qualquer elemento que não coincida com as definições culturalmente
postuladas, se converte em um perigo” (ROMERO – SALAZAR et al., 1995, p. 535, tradução
nossa). Nesse sentido, a representação tanto pode servir de elemento que congrega e une os
indivíduos em torno de visões comuns, como também pode se revelar como um instrumento
que desagrega ou cria estranheza e preconceito entre os membros de uma sociedade.
Convém, pois, reconhecer que a representação é um fenômeno complexo cujos
contornos se revelam de múltiplas formas no espaço social. Não obstante suas múltiplas
dimensões, o que parece certo, é fato de que as representações sociais implicam crenças,
valores, comportamentos, cujas repercussões determinam o modus vivendi de inúmeros
indivíduos, servindo assim de critério de orientação para as crenças que se formam e também
de “força motriz” que engendra comportamentos nos sujeitos. A representação se manifesta
38
geralmente focalizando um aspecto positivo ou negativo de uma realidade, razão pela qual ela
é um dado fundamental para a compreensão de certos aspectos ou fenômeno da realidade. No
caso da hanseníase, há de se destacar que o principal foco da representação é o corpo, ou seja,
o corpo aparece como morada da imperfeição, da deformação, da anomalia.
O corpo é o lócus primordial da hanseníase. Eis por que é sobre ele que a maior parte
das representações ligadas à doença recai. O problema é que, como sabemos, nossa cultura
baseia-se, dentre outros fatores, na valorização acerbada do corpo belo, harmônico, saudável.
O culto ao corpo e às suas formas perfeitas fomenta a consciência narcisista do nosso tempo.
A valorização do corpo perfeito – e se possível imaculado – contribui ainda mais para ampliar
a representação negativa que o corpo do portador de hanseníase assume atualmente. O fato é
que a imagem do corpo e sua representação têm infelizmente se constituído como fator de
exclusão social.
Alem da incapacidade ao trabalho causada pelas deformidades, acontece também a
exclusão social derivada da representação social assumida pela doença. Tal representação,
aliás, gerou práticas confinatórias muito correntes até épocas recentes. Isso porque “os
elementos constitutivos desta representação geraram um marco em que se reproduzem
também o processo geral de inabilitação social das pessoas que portam tal enfermidade”
(ROMERO – SALAZAR et al., 1995, p. 535, tradução nossa). O fato é que a representação
negativa assumida pela doença ainda hoje condiciona e mobiliza comportamentos de
refratários da parte de quem entra em contato com o doente. A atitude do outro em face da
enfermidade muitas vezes define as condições de possibilidade de seu tratamento e cura, na
medida em que o olhar do outro pode facilitar ou obstacular as iniciativas do enfermo em
relação ao enfrentamento do problema.
A representação social da hanseníase molda, pois, a própria concepção que o doente tem
do referido mal. Nesse sentido, as crenças estão na origem das atitudes, visto que a
compreensão do problema engendra as iniciativas visando o seu combate ou então a fuga de
enfrentamento do problema. Historicamente, como sabemos, a doença e a representação que
ela assumiu acabou por marginalizar a pessoa afetada dificultando sobremaneira o processo
de tratamento e cura. Além disso, a carga negativa que acompanha o doente determinou não
apenas seu modo de ser no mundo, mas também a maneira como ele se apresenta face aos
demais. Ou seja, o individuo muitas vezes tenta ocultar os sinais, manchas e deformidades do
seu corpo com a ajuda de roupas ou outras indumentárias com o fim de esconder suas
mazelas. As condutas encobridoras revelam que o individuo tem a “necessidade de manejar a
tensão resultante de seu encontro com os outros” (ROMERO – SALAZAR et al, 1995, p. 536,
39
tradução nossa). O papel social do individuo é, portanto, restringido e decorre muitas vezes de
uma segregação compulsiva. Reduzido a uma categoria não-humana (ou a algo que se lhe
assemelha). O individuo muitas vezes se sente culpado por sua enfermidade. Aqui a vítima
carrega consigo a culpa pela doença, situação que revela um duplo sofrimento imposto à
pessoa acometida.
A pessoa afetada reproduz a imagem negativa da doença, sendo ao mesmo tempo sujeito
– disseminador da representação que ela assumiu. O estereotipo é assim reproduzido por
aqueles que se afiguram vítimas dele. Como resultado, têm-se indivíduos desconfiados,
deprimidos, receosos, hostis, ansiosos. A representação negativa da doença gera, ademais,
inúmeros problemas reputados psicológicos o que, tão somente, contribui para tornar o
tratamento ainda mais difícil e o doente debilitado. O temor de ser rechaçado por outras
pessoas ou por membros da família gera no indivíduo uma conduta de auto – exclusão,
comprometendo não apenas sua vida social, mas, também, em muitos casos, a sua atividade
produtiva.
Há de se destacar que o peso assumido pelas crenças é também fomentado pela
antiguidade da enfermidade e o estereotipo de impureza que a acompanha. O confinamento a
que foi submetido os enfermos até uma época recente ajudou também a forjar a imagem
aterradora que, em muitos casos, ainda acompanha a doença. O medo de ser rechaçado e a
autopunição se congregam para tornar a hanseníase uma enfermidade que não apenas atinge o
indivíduo em seu aspecto corporal, mas também o afeta em sua dimensão psicológica.
A representação se afigura também como um obstáculo ao tratamento. Isso se configura
como um grande problema às iniciativas terapêuticas - “o problema da aderência ao
tratamento da hanseníase está intimamente ligado ao controle da endemia, visto que o
individuo infectado contagiante representa a fonte de transmissão do bacilo que é o agente
etiológico da enfermidade” (BAKIRTZIEF, 1996, p. 497).
A representação social interfere no tratamento o que contribui para aumentar a cadeia de
infecção. Nesse sentido, o peso assumido pelas crenças e valores ligados à representação gera
efeitos práticos extremamente importantes à avaliação do grau de endemicidade assumido
pela doença no interior de determinadas sociedades. Apesar de ser avaliada em sua dimensão
comumente negativa, a representação social pode, em contrapartida, fornecer informações
acerca de como o individuo deve orientar a sua ação de modo a aderir ao tratamento prescrito.
Em outras palavras, ela pode servir de guia de conduta e induzir no individuo o desejo de
superar o mal que o acomete. A imagem da doença, por mais deletéria que possa ser e se
40
revelar no meio social, é ainda capaz de encorajar o sujeito a fugir do espectro negativo que
paira sobre a doença.
A escassez de informações e o baixo nível educacional ainda vividos por cidadãos de
paises em desenvolvimento contribuem também para fortalecer tais representações. As
condições sociais e econômicas em que vivem a maior parte dos seus portadores dificultam o
combate ao mal e a imagem perniciosa que o acompanha.
Segundo Oliveira; Romanelli (1998, p. 54),
o impacto provocado pela doença, sem duvida, interfere no cotidiano dos
indivíduos que representam a hanseníase como uma ameaça constante da incerteza
do sucesso do tratamento, pois a condição do doente já é, por ‘pré-conceito’,
marcada por sofrimento, abandono, deformidade e problemas psicossociais que
inevitavelmente acabam por ocorrer, agora por preconceito de ordem social.
Todos esses elementos revelam a amplitude das repercussões causadas por tal
enfermidade e, sobretudo, as dificuldades em se conduzir uma terapêutica eficaz.
Convém também destacar os desconfortos gerados pela alteração da aparência
decorrente da doença e do tratamento que lhe é aplicado. Com efeito, a aparecia anômala –
segundo os padrões socialmente instituídos – gera especulações, curiosidade e juízos de
caráter preconceituoso em quem julga. Essa reação também afeta a adesão do individuo ao
tratamento, visto que eles passam a evitar situações que possam gerar olhares curiosos ou
suscitar explicações sobre seus sinais corporais. Deve-se ainda salientar que a preocupação
com a aparência atinge ambos os sexos, porém esse sentimento foi mais acentuado entre as
mulheres (OLIVEIRA; ROMANELLI, 1998). As mulheres demonstram preocupação quanto
à estética e medo de deformidades, sentindo-se feias e com vergonha de sua transformação,
preferindo ocultar seu problema com desculpas, ou simplesmente se escondendo (OLIVEIRA;
ROMANELLI, 1998).
Tal fenômeno é ainda justificado pelo fato de que na nossa cultura há uma tendência a
interligar os padrões de beleza aos padrões morais, de modo que o feio ou deformado é
comumente associado ao mau, enquanto o belo suscita a idéia do bom. Além das repercussões
sociais tangíveis, a hanseníase cria inúmeros problemas de relacionamento afetivo,
interferindo ainda na vida sexual dos enfermos. Assim, “a instabilidade emocional dos
pacientes desencadeia um estado de crise, provocando tensões e, consequentemente,
modificações
físicas,
psicológicas
e
sociais,
resultando
na
desestabilização
dos
relacionamentos familiar e social” (OLIVEIRA; ROMANELLI, 1998, p. 56). A imagem
perniciosa da doença pode não apenas gerar rejeição das mulheres por parte de seus
companheiros, como arrefecer o ímpeto sexual destas em virtude da auto-rejeicão e do medo
41
de suscitar aversão no parceiro. O medo de contagio dos parceiros ou a rejeição pela
aparência estética que acompanham a enfermidade tendem a provocar ainda mais uma
diminuição da auto-estima da mulher e aumento do medo de serem abandonadas. Para tais
autores, os efeitos biológicos provocados pela doença são diferentes, de acordo com o gênero,
ainda que em ambos os casos o sofrimento esteja comumente presente. Porém, no caso
masculino há um elemento a ser considerado no que concerne aos cuidados recebidos, isso
porque “os homens contam com a ajuda das esposas ou das mães, já que, conforme as
representações acerca do gênero feminino, cabem às mulheres a capacidade e habilidade para
cuidar dos doentes” (OLIVEIRA; ROMANELLI, 1998, p. 57)13.
As representações sociais da hanseníase se constituem, pois, como uma das vias
essências para se entender suas formas de aparição e disseminação, na medida em que ela
também nos permite avaliar o grau de informação, instrução e condição socioeconômica dos
indivíduos que integram uma determinada sociedade. A historia social da doença, ademais
revela, como bem indicam Helene; Salum (2002), que os portadores reproduzem-se em
situações precárias de trabalho e vida ou então sob a égide da exclusão social. Com efeito, a
hanseníase é uma doença que traz consigo inúmeros significados simbólicos que traduzem
não apenas situações de exclusão, vergonha, estigma, mas também revelam algo sobre as
condições de vida dos seus portadores.
A hanseníase passa também a ser associada a uma vida marcada por vícios e maus
hábitos. Além disso, ela pode revelar, como demonstram Queiroz; Puntel (1997, p. 77), a
consciência culpada do individuo. Isso porque, dizem os autores:
atribui-se ao individuo em questão uma negligência de ordem moral e, por isso, o
fator envolve alguma culpa individual pela doença. O destino, a vontade de Deus
ou simplesmente as condições herdadas geneticamente também aparecem com este
sentido de culpa, uma vez que no passado o próprio indivíduo ou algum
antepassado seu concorreram para causar o problema.
Tais idéias revelam que o modo como a doença se faz representar transcendo a
dimensão puramente biológica, para se transformar num fenômeno que tem implicações
psicológicas, morais, filosóficas e até religiosas, já que o mal é por muitos associado a
impureza e ao pecado. É evidente que tais representações têm efeitos diferentes segundo o
13
Para os autores, apesar de a doença impedir que as pessoas vivam situações comuns, “a hanseníase mobiliza
representações diferentes entre os gêneros masculino e feminino e nos diferentes grupos sociais em que estão
inseridos os portadores da moléstia” (OLIVEIRA; ROMANELLI, 1998, p. 58). As mulheres estudadas, segundo
os mesmos, mostraram-se mais preocupadas com a aparência física e incorporam ao seu sofrimento culpas e
autopunições, revelando ainda medo de perderem o seu espaço dentro da família, alem de serem rejeitadas e
abandonadas pelos parceiros. Ainda que isso não deixe de ocorrer no caso dos indivíduos enfermos do sexo
masculino, essa tendência ficou bem mais evidente no comportamento das mulheres atingidas pela enfermidade
42
nível socioeconômico ou educacional do indivíduo. Os poucos indivíduos portadores que
pertencer às camadas mais instruídas e economicamente favorecidas da população tendem a
adotar uma postura diferente em relação à noção de culpa, bem como no que concerne à
concepção da doença (QUEIROZ; PUNTEL, 1997). O fato é que a representação negativa
tende a influenciar de forma mais radical e nociva às pessoas desfavorecidas, pois as mesmas
geralmente possuem menos acesso a informação e, conseqüentemente, tendem a ser mais
influenciadas pelas representações negativas que a doença assumiu ao longo do tempo.
4.1 A Imagem Corporal Como Fator de Exclusão Social
O Século XX, nas Sociedades Ocidentais, é considerado por muitos como o “Século do
Corpo”. Este é concebido como uma “suprema máquina”. Porém, o mesmo corpo que é
enaltecido em seu vigor e potencialidade, se revela limitado e insuficiente para fazer frente às
exigências que o quotidiano das sociedades industrializadas lhe exige. O fato é que esse
paradoxo traduz também as várias dimensões que caracterizam o modus vivendi das
sociedades modernas. O corpo é também uma instância que comunica os estados de espírito
dos indivíduos.
De fato, a comunicação corporal se manifesta por meio da emissão de sinais que
revelam o seu interesse, desinteresse, cansaço, atenção, empatia, prazer e dor. A visibilidade
da comunicação corporal transforma o corpo num “cartão de visita”, em um conjunto de
dados que permitem ao individuo fazer um juízo de valor acerca do estado de saúde, do
humor ou da aparência do seu semelhante. A expressividade da comunicação corporal revela
que o corpo pode ir além da linguagem verbal, se revelando como fonte de múltiplas
significações (STOER; MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004). O corpo se revela, ainda, por
meio da imagem que cada um tem de si mesmo.
A imagem corporal é definida como o conceito e a percepção que cada pessoa tem do
seu corpo. O significado de imagem corporal está intimamente relacionado à outras noções
como auto – conceito, auto – estima, auto – imagem, conceito corporal e esquema corporal.
Esta imagem pode ser modificada por iniciativa própria ou por fatores externos, por alterações
rápidas – cirurgias estéticas, traumatismos, tatuagens, piercings, perda ou ganho de peso, etc.
– ou por ações lentas – envelhecimento, deficiência, etc (SANTOS; SAWAIA, 2000; STOER;
43
MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004). O corpo também esta na origem do ideal de perfeição
que habita a imaginação humana.
O corpo ideal é algo perseguido por inúmeras pessoas. Porém, acerca do que significa
um corpo ideal, sabemos que cada sociedade formula seus padrões estéticos segundo os
valores, idéias e crenças predominantes em cada época, bem como de acordo com as
influências da subjetividade na re-elaboração e re-significação dos mesmos, ou seja, de
acordo com a visão que cada sujeito adota para construir a sua própria imagem corporal
(JODELET, 1985 apud SANTOS; SAWAIA, 2000). Esses fatos podem ser explicados por
algumas modificações que ocorrem no processo histórico de concepção e valorização do
corpo.
A transição do mundo “tradicional” ou “antigo” para o mundo “moderno” desencadeou
o aumento da utilização da racionalidade como instrumento para entender e controlar o
mundo. Essa transformação das sociedades tradicionais em modernas (já se fala em
emergência das sociedades pós-modernas) só foi possível graças ao desenvolvimento do
capitalismo e ao progresso das ciências (SCHWARTMAN, 2004). Essas mudanças estão na
origem do processo de globalização. Conforme descreve Kurz (1998) a globalização e o
avanço do capitalismo forjaram uma nova realidade – social, econômica, política, cultura e
ecológica – cujos desdobramentos ainda se afiguram difusos. Entres os problemas trazidos por
essa nova realidade e mencionados pelo autor, encontram-se a coisificação e a objetivação
das relações sociais. Um dos aspectos desse fenômeno consiste na exclusão dos indivíduos14.
Diante desta perspectiva capitalista, a sociedade foi se impregnando de valores e
normas, caracterizados pelo consumismo e pela massificação corporal, transformando o corpo
em um instrumento, um objeto, uma máquina a serviço de uma ideologia para “produzir” e
“consumir”. Não mais existem desejos, emoções e sentimentos humanos. O corpo então foi
marcado pela capacidade de produzir (BERT, 1995 apud RESSEL; DIAS; GUALDA, 2004).
Sendo assim, os deficientes físicos fazem parte de uma sociedade de risco, definida por
Beck (1994 apud STOER; MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004, p. 23) como “uma fase de
desenvolvimento da sociedade moderna nos quais os riscos sociais, políticos, econômicos e
individuais cada vez mais tendem a escapar às instituições de monitorização e proteção na
sociedade industrial”, tornando os indivíduos vulneráveis a uma forma de exclusão social
marcadas pela invasão das sociedades por relações sociais globalizadas e baseadas na
14
A sociedade moderna tende a transformar as pessoas em indivíduos abstratos através do princípio geral do
valor. Nesse sentido, ressaltamos a afirmação de Schwartman (2004, p. 97), “as sociedades modernas de
mercado estariam baseadas em valores de desempenho pessoal e em relações sociais fundadas na convergência
de interesses mútuos”.
44
distribuição diferenciada do poder, ou seja, de um lado o dominado, que possui o corpo,
vendido e explorado como força de trabalho pelo o outro lado – o dominador (LUCERO,
1995; COUTO, 1995 apud RESSEL; DIAS; GUALDA, 2004).
Para Stoer; Magalhães; Rodrigues (2004, p. 42) “o corpo é um lugar de exclusão e de
inclusão social”, existindo diferentes fatores a partir dos quais o corpo pode ser visto como
um sinal de pertença e de aceitação ou recusa. Uns fatores, em grande parte, são
desencadeados e controlados pela pessoa - como o uso do vestuário - e a impressão de
identidades corporais - como os piercings e as tatuagens. Outros dizem respeito a condições
dificilmente alteráveis - como a deficiência e a idade.
[...] Pelo corpo passaram, e passam as marcas que determinam a
categorização e a valorização desigual das pessoas. No corpo não só
seguiram e se reproduziram os caminhos da exclusão, mas também foram
criadas formas particulares, por vezes discretas e capciosas, de exclusão
(STOER; MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004, p. 33).
O corpo pode ser, portanto, alvo de exclusão social15, além de, muitas vezes, traduzir o
lugar (posto, função, papel) que o individuo ocupa na sociedade. Eis por que o mesmo é
também concebido e revelado segundo as representações que dele se fazem, muitas das quais
estão na origem dos estigmas, como é o caso particular da hanseníase. Por isso, convém
compreender os outros elementos que constituem as representações do corpo de tais doentes e
quais as suas repercussões sobre o estigma que acompanha tal doença.
15
Os excluídos são de fato os “desfiliados” que povoam as periferias, caracterizados por terem perdido o
trabalho e o isolamente social. Para René Lenoir (1974 apud CASTEL; WANDERLEY; BELFIORE –
WANDERLEY, 1997, p. 27) “os excluídos são todos aqueles – deficientes físicos e mentais, velhos inválidos,
‘desadaptados sociais’ – que manifestam uma incapacidade de viver como todo mundo”.
45
5 HANSENÍASE E ESTIGMA SOCIAL
“Amarradas nas margens do caminho/o cutelo/feriu sem piedade/Por
que tardaram os anjos?/O que restou de ti/da pureza que existiu/e
para onde irás/Teresa de Jesus/Vingar a ofensa de teu povo
quiseste/vingar a tua ofensa/da profundidade,/mas a aura espalhouse em ti/como a doença da lepra a fuligem da fornalha do auto-defé/contamina (profana) o ar da tranqüila Ávila/e água purificadora
não há”.
(A Aura Pervadiu, Shulamit Halevi).
O termo estigma foi criado pelos gregos “para se referirem a sinais corporais com quais
se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem
os apresentava [...] uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser evitada;
especialmente em lugares públicos”. Atualmente, o termo é mais relacionado à desgraça do
que a evidência corporal dos sinais (GOFFMAN, 1982, p. 11).
Goffman (1982, p. 14), menciona três tipos diferentes de estigma: (1) “abominações do
corpo – as várias deformidades físicas”; (2) “as culpas de caráter individual, percebidas como
vontade fraca [...], por exemplo, [...] prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo,
desemprego, tentativas de suicídio [...]” e (3) “estigmas tribais de raça, nação e religião”. E a
hanseníase se afigura em pelo menos um tipo: a doença diz respeito às abominações do corpo,
e aqui colocadas, por exemplo, as manifestações dermatológicas e neurológicas mencionadas
anteriormente, e a alteração na coloração da pele observada nos pacientes que fazem uso da
PQT (reação cutânea adversa).
Observa-se na sociedade moderna um preconceito – discriminação para com algumas
doenças, inclusive a hanseníase. Para Sontag (1984, p. 07) “a doença é o lado sombrio da
vida, uma espécie de cidadania mais onerosa. Todas as pessoas vivas têm dupla cidadania,
uma no reino da saúde e outra no reino da doença”.
Ainda conforme Sontag (1984, p. 10) a doença em si desperta certos tipos de pavores,
sendo as contagiosas encaradas como um mistério e temida de modo muito agudo: “o contato
com uma pessoa acometida por doença tida como misteriosa malignidade afigura-se
inevitavelmente como uma transgressão ou, pior, como violação de um tabu”. Segundo a
crença antiga, as doenças eram castigos divinos, e para um enfermo curar-se deveria ser
46
purificado espiritualmente por um sacerdote. Os doentes que não fossem curados eram
considerados amaldiçoados.
De acordo com Martins (1994), na antiguidade, sempre que surgia alguma doença
"estranha", que não podia ser curada pelos meios domésticos comuns, supunha-se que a causa
era sobrenatural, enviada por demônios, por feiticeiros ou pelos deuses. Em qualquer caso,
acreditava-se que essas doenças estavam associadas também a algum tipo de infração
cometida pelo doente ou por alguém de sua família. Essa infração poderia ter sido algum tipo
de pecado ou ofensa a um ser sobrenatural, ou algum comportamento errôneo para com outras
pessoas – uma transgressão social ou moral. Para determinar o tipo exato de doença, o
curandeiro precisava fazer com que o doente procurasse se lembrar de todo tipo de falta
cometida, que pudesse ter desencadeado a doença como castigo.
Todas as doenças, por serem um obstáculo em nosso caminho, nos perturbam
profundamente. Quase sempre, tocamos a vida sem pensar no corpo, apenas
utilizando-o para chegar onde queremos. Entretanto, quando adoecemos, só
pensamos na cabeça que dói ou naquela indisposição no estomago. Sentimo-nos à
mercê de forças além do nosso controle. As doenças infecciosas têm um aspecto
ainda mais perturbador: às vezes, contraímos a doença de outra pessoa. Isso pode
transformar o medo da doença em medo do outro. Na reação a esse medo, os seres
humanos têm sido incrivelmente corajosos e cruéis (FARREL, 2003 apud
PROENÇA, 2005, p. 30).
No antigo Japão, por exemplo, a “lepra” era considerada como impureza, poluição e
manifestação do pecado. Os doentes não podiam ser purificados através dos rituais, enquanto
a doença permanecesse. O estigma social envolvia não apenas o doente, mas toda sua família
e seu clã. Na Índia a hanseníase era considerada a pior das doenças, uma punição aos pecados
por ações cometidas na vida anterior e presente (CLARO, 1995 apud NUNES, 2005).
Como conseqüência do histórico da doença e do tratamento – discutido anteriormente,
foi construído certo pavor em torno da hanseníase, fazendo com que até hoje permaneça este
estigma diante do mais simples contato com o portador e às suas possíveis conseqüências –
lesões ulcerativas na pele e deformidades nos membros. Conforme afirma Claro (1995 apud
NUNES, 2005) essa patologia é envolta por muitos tabus e crenças de natureza simbólica –
conjunto de imagens e idéias – desde tempos remotos e, ainda hoje, apesar dos avanços
científicos no diagnóstico precoce e no tratamento com cura completa, conserva-se a imagem
que fizeram dela uma das doenças mais temidas em todos os tempos, lançando-a “para o lado
mais obscuro da sociedade” (MACIEL, 2004, p. 02).
No caso da hanseníase, o estigma social vai muito além do medo da doença e do
paciente, é criada uma situação denominada por muitos estudiosos de “leproestigma”. Este
fenômeno leva a manutenção da enfermidade por trazer dificuldades para o seu diagnóstico e
47
tratamento. A maioria dos casos notificados ainda são formas avançadas da doença, o que
permite deduzir que o diagnóstico e tratamento estão sendo realizados tardiamente.
Descoberta a bactéria, tornou-se infame qualquer associação da doença a motivos
religiosos. Porém, a antiga lepra ainda era motivo de preconceito e medo, pois não existia a
cura e suas seqüelas deformavam o corpo do infectado. Com o surgimento de medicamentos
para o controle da moléstia e o aprimoramento do conceito de saúde pública, era cada vez
mais ilógico renegar e amaldiçoar uma doença, mas o imaginário coletivo do início do século
XX era constituído de superstições e crendices.
Formiga (apud A JORNADA..., 2007) em seu artigo Mancha Anestésica Social define
hanseníase como uma “doença infecciosa relativamente benigna, pouco contagiosa, não letal”
e lepra como uma “doença social grave em torno de um núcleo físico relativamente pouco
importante”. Por esse motivo, “ainda hoje um paciente não pode chegar, num serviço de
saúde, e dizer tranquilamente: ‘eu tenho uma mancha anestésica’, porque carregamos uma
mancha anestésica social (ignorância) que contribui efetivamente para a desagregação da
personalidade do paciente”.
A representação social do portador de hanseníase traz, pois, consigo uma enorme carga
de estigma. Ao mesmo tempo a “estigmatização”
16
do doente enseja diversas formas de
preconceito e discriminação, dos quais falaremos a seguir. Estes fenômenos geram ainda
vergonha, ostracismo e sofrimento em seus portadores. É comum que diante disso o individuo
procure fugir do convívio social ou então ocultar com roupas as marcas ou sinais deixados
pela doença – “auto – estigmatização”. Este fato gera tensão no individuo, o que pode
contribuir para tornar ainda mais grave a enfermidade. O estigma da hanseníase restringe,
pois, a exposição e o papel sociais do individuo, já que o torna prisioneiro do olhar do outro
ao ser alvo, de forma real ou imaginaria, do julgamento. Essa segregação, muitas vezes
voluntária, acarreta em muitos casos a “morte social17” do individuo. Assim, além de muitas
vezes o incapacitar para o trabalho, em razão das lesões, a hanseníase traz consigo o estigma
que tende a gerar o autoconfinamento do individuo ainda que o mesmo se sinta apto para o
trabalho e para a vida social. Essas crenças enfunadas sobre a doença têm gerado atitudes
discriminatórias que ampliam o sofrimento do individuo, podendo, ainda contribuir para
16
Definida por Claro (1995 apud NUNES, 2005, p. 15) “como uma técnica de controle social sobre o indivíduo
desviante, transferindo o foco de atenção do ato em si para o autor e definindo-o publicamente como aceitável e
repreensível”.
17
O estigma da lepra, então, pode ser assumido como o processo mediante o qual se restringe o papel social do
individuo a partir do momento do diagnóstico. Tal processo, que provocava, até poucos anos, uma segregação
compulsiva, continua representando a morte social e o ingresso do individuo na categoria de não – humano
(ROMERO – SALAZAR, 1995, p. 536, tradução nossa).
48
piorar o quadro da enfermidade. O comportamento do individuo portador tanto quanto
daquele que o avalia tende a ser moldado por valores sócio-culturais fundados em idéias
preconcebidas.
Como se não bastasse o caráter deletério da representação negativa que a doença
assume, a estigmatização muitas vezes está aliada à idéia de que o doente é também culpado
pela sua doença. Com isso, o portador passa também a se culpar por um mal com o que se
julga responsável, ou seja, ele passa a criar sua própria representação da doença, se
colocando, ainda, como agente causador do mal que o atinge. Essa engrenagem perversa
contribui para ampliar o sofrimento do doente que, além de excluído, passa a também se ver
como responsável, em ultima instância, pela doença. Esses elementos tendem a interferir no
tratamento, fortalecendo, ainda, o isolamento social do enfermo. O sujeito portador tende a
encobrir ou mascarar sua doença dificultando com isso as primeiras ações de diagnóstico e
tratamento da mesma. A condição de estigmatizado faz com que o individuo evite se expor
ao olhar do outro e busque o confinamento como forma de fugir ao julgamento negativo que
acompanha a avaliação da doença.
Portanto, o estigma ligado à hanseníase é também acompanhado de limitação funcional,
exclusão social e sofrimento humano. A imagem social negativa compromete as medidas
visando a prevenção e o tratamento da referida enfermidade. Eis por que a hanseníase tende a
acarretar mudanças radicais na vida do paciente. O impacto causado pela doença atinge o
cotidiano dos indivíduos cuja realidade já é marcada por abandono, deformidades e problemas
psicossociais. Os pacientes manifestam desconforto em decorrência da alteração da sua
aparência, pois ela se faz acompanhar de uma representação já estigmatizada da doença. O
estigma está, pois, na origem das descriminações e preconceitos que acompanham a doença.
O preconceito e discriminação se constituem como importantes fatores de exclusão e
sofrimento dos portadores de hanseníase. Esses fenômenos são alimentados pelo estigma que,
como já mostramos, acompanha historicamente a doença. A hanseníase, além dos males
físicos que provoca, desencadeia em seu portador medo, tristeza, vergonha. A discriminação
tende não somente a interferir no tratamento, como também a fragilizar ainda mais a pessoa
que irá alimentar o receio de ser atingida por atos discricionários e preconceituosos por parte
de familiares, amigos ou desconhecidos. A estranheza e o afastamento das pessoas conduzem
o paciente a sofrer a angústia da solidão e a se sentir apartado da vida. O estigma ligado à
hanseníase diz respeito à negação da integridade física do paciente e a sua aparência física,
por isso ela pode, em alguns casos, a ser atenuada ou mesmo suprimida se os sinais da doença
desaparecem. Assim, “embora a hanseníase seja uma doença que, uma vez tratada, apresenta
49
chances significativas de cura e não apresenta contagio, em função do preconceito cultural,
apesar dos esforços dos profissionais de saúde, ainda persiste uma situação de estigma em
relação à doença” (NUNES, 2005, p. 52). Lutar contra a persistência do estigma é um dos
maiores desafios a serem enfrentados pelos enfermos e também pelos responsáveis pelo seu
combate e tratamento.
O medo de rejeição social amplia ainda mais o sofrimento dos seus portadores, pois gera
atitudes de encobrimento e dissimulação da doença. Esse fato também interfere no
envolvimento do enfermo com sua própria cura. A vergonha e a desmoralização estão
presentes no plano concreto da existência do portador, o que tão-somente contribui para tornar
ainda mais penosa sua situação. O sofrimento psíquico é, pois, mais um sintoma causado pelo
estigma e pelas atitudes discricionárias e preconceituosas que ele suscita. Como conseqüência
disso, ocorrem, freqüentemente, casos de ansiedade, tristeza e depressão associados à doença.
Neste cenário de dor e sofrimento também estão presentes o sentimento de culpa e a
impotência diante de uma doença que traz consigo algo mais do que mutilações, marcas
corporais e desconforto físico. O impacto emocional intenso cria no paciente até mesmo
comportamentos “auto – estigmatizantes” em que ele atribui a si mesmo características
negativas, como se ele devesse também se punir pela doença que o acomete. O sofrimento
mental potencializa, nesse sentido, os efeitos somáticos da doença dificultando, ainda mais, as
suas possibilidades de cura. O impacto do estigma sobre a realidade do doente é avaliado
como um dos fatores que mais dificultam o seu enfrentamento e, numa escala maior, o
combate à sua transmissão. Eis por que o estigma que acompanha a hanseníase deve ser
analisado como um fator psicossocial de extrema importância à compreensão de sua natureza
e formas de manifestação.
O sofrimento social e o impacto causado na vida cotidiano do paciente fazem com que o
estigma seja também um elemento a ser levado em conta pelas políticas públicas de combate à
doença. Disso se infere que as ações educativas devem se impor como um instrumento
fundamental para o correto enfrentamento do problema. Assim, convém não apenas instruir
ou informar as pessoas acerca das formas de evitar o contágio e a transmissão da hanseníase,
mas também dotá-las da capacidade de assumir uma postura diferente diante do enfermo. Isso
significa ensina-las a adotar uma nova postura em face do fenômeno. Aliás, algumas
iniciativas simples como a eliminação dos termos “lepra”, “leproso”, “leprosa”, demonstram
como isso pode contribuir para arrefecer o estigma que acompanha a enfermidade
(OLIVEIRA et al., 2003). Ainda que os termos antigos sejam empregados por alguns
indivíduos (muitos dos quais os utilizam como forma de manifestar seus preconceitos), parece
50
evidente que sua substituição por termos como “hanseníase”, “portador de hanseníase”
contribui para atenuar o estigma e, por conseguinte, diminuir os casos de preconceito e
discriminação. Apesar disso, não há como negar que a representação tradicional da doença é
ainda muito presente na mentalidade das pessoas e isso dificulta enormemente a mudança dos
(pré)conceitos e julgamentos que elas possuem da doença. Eis por que, mesmo após a adoção
da nova nomenclatura, ocorrida oficialmente em 1995, o velho estigma continua latente na
cabeça das pessoas, ainda que elas utilizem os novos termos quando se referem à doença
(OLIVEIRA et al., 2003). Isso se explica não apenas pelo fato de que tal mudança de termos
deve ser sistemática e intensamente promovida pelos canais de comunicação e Órgãos
Públicos, mas também porque a tarefa de mudar os esquemas tradicionais de pensamento que
nutrem as mentalidades se mostra sempre difícil numa sociedade em que a escolaridade das
pessoas ainda se mantém num patamar baixo. Como demonstram os supracitados autores,
essas mudanças, para ocorrerem efetivamente, precisam ser acompanhadas de modificações
nos parâmetros educacionais e culturais das populações e seus resultados somente poderão ser
verificados a médio e longo prazo. O fato é que o contexto cultural favorece a manutenção do
estigma, cuja evolução também ocorre em razão das representações sociais que o
acompanham, afinal “é somente no interior de um determinado contexto social e cultural que
as representações adquirem sentido e significado” (QUEIROZ; CARRASCO, 1995, p. 479).
As representações sociais, portanto, envolvem valores, concepções de mundo, intenções e
outros fatores relativos ao mundo cultural no interior do qual o indivíduo vive. Trata-se, pois,
de um fenômeno complexo cuja amplitude é difícil avaliar, haja vista que envolve
componentes sociais, culturais, psíquicos e existenciais.
Disso se pode concluir que algumas das representações sociais ligadas à hanseníase
alimentam estigmas e estereótipos, como aquele que associa a enfermidade à condição de
pobreza ou miséria do enfermo. Há ainda estigmas decorrentes da noção de que o doente goza
de uma espécie de impureza ou de deficiência orgânica inata. As representações simbólicas
ligadas à doença tornam ainda mais forte o estigma que a acompanha. A fim de fugir a essa
imagem social, muitos doentes, como vimos, acabam por se confinar em seu próprio drama,
excluindo-se voluntariamente do convívio social. É certo que a maneira como o individuo
reage ao diagnóstico de hanseníase depende em larga medida da sua condição
socioeconômica e do seu nível de escolaridade, mas não deixa de ser correto também afirmar
que a sombra do estigma é susceptível de atingir a todos, causando à sua existência todas
aquelas conseqüências negativas sobre as quais nós já nos referimos.
51
Após apresentar todos os contornos biológicos, sociais e culturais que envolvem o
problema, podemos agora analisar particularmente o modo como à referida doença se
manifesta num contexto particular: o Município de Cajazeiras, localizado no sertão paraibano,
que se constitui como uma das áreas de maior incidência da doença no Estado.
52
6 A HANSENÍASE NO MUNICÍPIO DE CAJAZEIRAS
“Desperta, humana criatura! Desperta do letargo em que vives há
milênios, adormecida! Desperta e luta! É mister que vivas dentro da
vida, sentindo dela as vibrações sutis e perquirindo suas multiformes
manifestações; afasta de ti o germe da descrença. Cultiva a mimosa
planta da esperança. Aspira, da cálida e suave flor da caridade, o
mágico perfume. Busca a luz! Avante! O caminho é a fé! Ama!...Ama
os seres, as coisas, o Universo. Desperta, criatura adormecida!
Desperta e luta! Busca descobrir-te! Sonda os arcanos de tua
consciência. Esta é a voz que, dentro de ti, cicia-te a verdade,
aplacando dores e dúvidas, esclarecendo enganos de teu ser confuso.
Desperta, criatura! Ama a Jesus. Ele é o caminho da verdade e da
vida! Ama o Universo, os seres e as coisas que o povoam! Ama-te e
vive para o sublime amor, realizando, assim o ideal do Cristo!”.
(Exortação, Amazonas Hércules, ex-portador de hanseníase).
Vimos no Capítulo 02 que a Paraíba tem uma prevalência de hanseníase considerada
muito alta e que isto também ocorre em quase todos os Estados da Região Nordeste. No
referido Estado, os Municípios que mais se destacam com um grande número de doentes são:
João Pessoa, Campina Grande, Bayeux, Santa Rita e Cajazeiras.
6.1 O Município de Cajazeiras e a Saúde Pública
O Município de Cajazeiras – PB, onde se concentrou nosso estudo, localiza-se no Sertão
Paraibano. De acordo com o IBGE sua população é de 57.259 habitantes. Segundo os dados
do Plano Municipal de Saúde 2005 – 2007, o Município de Cajazeiras possui 08 Postos de
Saúde e apenas uma Policlínica. Os Ambulatórios especializados somam 14, sendo este
também o número de Unidades de Saúde da Família – USF. Há apenas uma Unidade de
Vigilância Epidemiológica e um Núcleo de Atenção Psicossocial. Ainda sobre a rede de
assistência de saúde, o referido documento informa que existem 03 Hospitais e 13 Clínicas
53
Privadas. O número de leitos destinados à população é de 195, e desse total apenas 133 estão
disponíveis para os usuários do SUS (SMS – CAJAZEIRAS – PB, 2006).
O diagnóstico traçado no Plano Municipal de Saúde de Cajazeiras – PB indica que há
muitos problemas a serem enfrentados no que concerne à saúde da população. Dentre os
principais problemas assinalados, destacam-se: a insuficiência do saneamento básico (apenas
35,04% dos domicílios estão ligados à rede de esgotos); o elevado grau de mortalidade
infantil e de doenças relacionadas à desnutrição, sobretudo na zona rural; o número elevado
de casos de dengue e doenças de Chagas; a falta de equipamentos especializados nas unidades
de saúde e a incidência de novos casos de tuberculose e hanseníase (SMS – CAJAZEIRAS –
PB, 2006).
No mapa abaixo (Figura 10) é possível observar a alta densidade de casos de hanseníase
no Município de Cajazeiras durante os anos de 2001 – 2006.
Figura 10: Mapa de Densidade de Casos – Hanseníase (PROJETO GIS/GPS, 2007).
54
6.2 Cajazeiras, um Município Hiperendêmico
O Município de Cajazeiras é considerado hiperendêmico pelos critérios científicos de
avaliação da hanseníase. Em 2006, a incidência de casos novos de hanseníase foi de
14,7/10.000 habitantes (85 portadores – 50 PB e 35 MB)18 e uma prevalência de 12,5/10.000
habitantes (72 portadores), o que representa uma taxa muito acima da média do Estado da
Paraíba. Comprovando a existência de elevada incidência da doença em menores de 15 anos,
o que serve para ilustrar o grau atingido pela doença naquela cidade (SMS – CAJAZEIRAS –
PB, 2006).
Os Órgãos de Saúde Pública federais, estaduais e municipais vêm tentando também
sensibilizar outros segmentos da sociedade, principalmente os mais envolvidos com a
infância, como as Escolas e a Pastoral da Criança, a fim de que essas instâncias participem
também das iniciativas de combate à hanseníase. As ações de vigilância e controle mais
utilizadas no combate a hanseníase são: o diagnóstico precoce, o exame e o controle dos
comunicantes, a vacinação com BCG, a busca de casos em abandono, o tratamento adequado
dos pacientes e, finalmente, a cura. Atualmente em Cajazeiras, em virtude da descentralização
das estratégias para o combate da doença levadas a efeito pelo PSF, quase todos os médicos e
enfermeiras que compõem as equipes são capacitados para desenvolver as ações de
diagnóstico, tratamento e controle da doença. Esta descentralização foi bastante benéfica para
a população, já que este novo modelo de assistência tem aproximado e melhorado o acesso
das pessoas aos serviços de saúde (SMS – CAJAZEIRAS – PB, 2006).
Preocupada com a situação hiperendêmica do referido Município, a professora e
também coordenadora do Programa Municipal, Maria Mônica Paulino do Nascimento, criou
em 2006 o projeto de extensão “Caminhando Para a Eliminação da Hanseníase”, cujo objetivo
geral consiste em ampliar o número de multiplicadores envolvidos no processo de eliminação
da enfermidade, através da inserção de discentes em trabalhos comunitários. Visa-se, com
isso, planejar, organizar, executar e avaliar diversas atividades em educação e vigilância em
saúde, principalmente através da visita domiciliar. Este projeto é desenvolvido com os alunos
de enfermagem da Faculdade Santa Maria – FSM.
18
Destes 85 casos novos, 10 já foram diagnosticados com algum grau de incapacidade (sendo 08 com Grau I e
02 com Grau II). O grau de incapacidade é determinado a partir da avaliação neurológica dos olhos, mãos e pés.
O resultado final é expresso em valores que variam entre 0 e II, sendo os graus I e II considerados como
incapacidades (SMS – CAJAZEIRAS – PB, 2006).
55
Apesar disso, há ainda muito a se fazer para tornar a população acompanhada e
participativa na assistência sanitária, porque como os próprios indicadores sanitários e sociais
indicam o referido município ainda apresenta graves problemas de saúde pública.
56
7 ELEMENTOS DA METODOLOGIA
“Olha, já nem sei de meus dedos/roídos de desejos, tocava-te a
camisa,/desapertava um botão,/adivinhava-te o peito cor de trigo,/de
pombo bravo, dizia eu,/o verão quase no fim,/o vento nos pinheiros, a
chuva,/pressentia-se nos flancos,/a noite, não tardaria a noite,/eu
amava o amor, essa lepra”.
(Que o amor não seja mais essa lepra, Eugénio de Andrade).
7.1 Caracterização da Pesquisa
A pesquisa desenvolvida tem característica empírica e exploratória. Empírica porque
permite uma observação sistemática dos processos que constituem a realidade explorada e a
análise dos elementos concretos que caracterizam os fenômenos estudados através do
tratamento dos vários aspectos da realidade factual, com o objetivo de coletar e analisar os
dados que constituem a experiência dos sujeitos concretos e do mundo no qual eles se
inserem. A pesquisa é exploratória porque tem por objetivo conhecer a variável de estudo tal
como se apresenta ao pesquisador, seu significado e o contexto onde se insere. Seu valor
baseia-se no pressuposto de que o comportamento humano é melhor compreendido no
contexto social em que ocorre. Assim, a pesquisa exploratória proporciona “[...] maior
familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses”
(GIL, 2002, p. 41), visto que este trabalho não pretende descrever ou explicar o estigma social
dos portadores de hanseníase, mas investigar suas causas e repercussões individuais e sociais.
Trata-se também de uma pesquisa de caráter quanti-qualitativo, consistindo na produção
de conhecimento de natureza construtivo – interpretativa, em que se procura desvelar o
sentido das expressões e as singularidades dos sujeitos estudados. Nesse sentido, a
investigação funda-se não no acúmulo de dados obtidos, mas no sentido que estes assumem a
57
partir da interpretação que lhe é conferida pelo pesquisador. Nessa perspectiva, o processo de
construção do significado depende da interação pesquisador – pesquisado, do reconhecimento
dos elementos subjetivos manifestos e da capacidade de interpretar os dados factuais do
discurso em busca de um sentido que nem sempre se revela explicitamente nos fatos, atitudes
e palavras (MINAYO, 1999).
7.2 Etapas da Pesquisa
Realizamos nosso estudo em duas etapas (observação participativa e aplicação de
questionários), as quais apresentavam finalidades e procedimentos próprios. Cada etapa
apoiou-se nos resultados obtidos na fase anterior do processo de investigação. Assim, em
janeiro de 2007, realizamos um experimento – piloto no Hospital de Doenças Infecto –
Contagiosas Dr. Clementino Fraga, localizado no Município de João Pessoa – PB. De início
recorremos aos dados registrados no livro de ocorrências do setor de ambulatório. De posse
dessas informações preliminares, aplicamos, a titulo de simulação, e com o acordo e
aquiescência dos pesquisados, um questionário com perguntas estruturadas, a fim de avaliar a
pertinência das questões formuladas. A partir da aplicação dos questionários e do contado
mantido com os pacientes do ambulatório, ampliamos o número de questões e aprimoramos
outras. O resultado desse experimento inicial serviu para tornar mais efetivo e completo o
questionário que seria aplicado posteriormente no Município de Cajazeiras – PB.
Assim, de acordo com a natureza exploratória da investigação, ocorreu o esforço de
harmonização do trabalho de coleta de dados de forma coordenada com o percurso
subseqüente. Procuramos elaborar perguntas que não suscitassem respostas para o que se tem
em mente, ou seja, a neutralidade do questionamento impediu que o mesmo se tornasse
sugestivo ou estimulassem as respostas que se gostaria de ouvir. De acordo com a dinâmica
das entrevistas, e tendo em vista a necessidade de colher novos dados necessários à
compreensão do problema, realizamos alguns ajustes nos questionários de modo a adaptá-lo
aos fins visados no estudo.
58
Por fim, a referida pesquisa foi aplicada aos 25 pacientes escolhidos aleatoriamente e
diagnosticados como portadores de hanseníase no Município de Cajazeiras – PB.
7.3 Sujeitos, Procedimentos e Instrumento de Coleta de Dados
Os sujeitos da pesquisa foram 25 portadores cadastrados no Programa Municipal de
Controle e Eliminação da Hanseníase – Cajazeiras – PB. Tais pessoas eram pacientes do PSF,
da Clínica Escola Integrada da Faculdade Santa Maria – FSM e da Policlínica Municipal, de
ambos os sexos e com diagnóstico confirmado de hanseníase. O procedimento consistiu em
identificar aqueles que, dentro desse universo, sofreram alguma forma de preconceito ou
discriminação através da aplicação de um questionário (Apêndice A).
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da
Saúde – CCS da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Para a realização da coleta de
dados foi solicitada a aquiescência de cada sujeito investigado mediante a utilização de um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Apêndice B), tal como preconiza
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
59
8 DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
“[...] Mas como quisessem me correr eu falava olhando a dor e a
maceração dos corpos/-Não temas, povo escravo! A mim me morreu
a alma mais do que o filho e me assaltou a indiferença mais do que a
lepra/A mim se fez pó a carne mais do que o trigo e se sufocou a
poesia mais do que a vaca magra/Mas é preciso! para que surja a
Exaltada, a branca e sereníssima Ariana/A que é a lepra e a saúde, o
pó e o trigo, a poesia e a vaca magra/Ariana a mulher - a mãe, a
filha, a esposa, a noiva a bem-amada!/E à medida que o nome de
Ariana ressoava como um grito de clarim nas faces paradas/As
crianças se erguiam, os cegos olhavam, os paralíticos andavam
medrosamente/E nos campos dourados ondulando ao vento, as vacas
mugiam para o céu claro/E um só clamor saía de todos os peitos e
vibrava em todos os lábios/-Ariana!/E uma só música se estendia
sobre as terras e sobre os rios/-Ariana!/E um só entendimento
iluminava o pensamento dos poetas/-Ariana![...]”
(Ariana, a mulher, Vinícius de Moraes).
Após a análise e discussão dos dados obtidos na aplicação dos questionários, chegou-se
aos seguintes resultados:
Dos 25 portadores de hanseníase que participaram da pesquisa, 12 eram do sexo
masculino e 13 do sexo feminino (Gráfico 02). Oliveira; Romanelli (1998 apud NUNES,
2005) acreditam que existam certas diferenças na hanseníase relacionadas ao sexo, e que elas
possuem um aspecto tanto biológico quanto sócio – culturais, pois as mulheres enfrentam
risco duplo, além de sofrerem a “estigmatização”, possuem geralmente um status social
inferior. Os autores concluíram que os efeitos da hanseníase nas mulheres podem contribuir
para agravar a sensação de decadência própria a doença, na medida em que põe em risco seu
espaço, seja dentro da família ou no trabalho. Ademais, o não cumprimento das suas funções
dentro da família, gerado pela “incapacidade” de fazer face às ocupações doméstica e ao
cuidado com os filhos, amplia o desgaste emocional e a sensação de que foram “podadas” dos
atributos de “mulher competente” e “capazes de realizarem as tarefas que lhes são atribuídas”,
tanto dentro como fora do ambiente familiar.
60
48%
52%
MASCULINO
FEMININO
Gráfico 02: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com o Gênero.
Em relação à idade, não houve predomínio relevante da doença em nenhuma faixa etária
específica, demonstrando, com efeito, que o poder de contágio da doença atinge crianças,
adolescentes, adultos e idosos na mesma proporção, como mostra a Tabela 01. Os dados
apresentados nesta tabela apresentam um alto coeficiente de variação (44,06%) – uma grande
dispersão em torno da média de 43,10 anos que não é representativa desta distribuição de
dados ou que a ocorrência de hanseníase não se concentra em torno de 43 anos, mas se
distribui por todas as idades com dois picos de concentração: a faixa de 21 – 30 anos e a faixa
de 51 – 60 anos. Estas duas classes de valores extremos têm influência sobre a média que fica
assim intermediariamente entre estas classes (Gráfico 03).
Tabela 01: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Faixa Etária.
FAIXA ETÁRIA
N
PERCENTAGEM (%)
11 – 20 anos
3
12
21 – 30 anos
6
24
31 – 40 anos
2
8
41 – 50 anos
4
16
51 – 60 anos
5
20
61 – 70 anos
3
12
71 – 80 anos
2
8
Total
25
100
61
Gráfico 03: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Faixa Etária.
Quanto à profissão/ocupação foi possível observar a relação de correspondência entre o
desenvolvimento de hanseníase e o baixo nível sócio – econômico, na medida em que todos
os entrevistados possuem profissões/ocupações, cuja renda é igual ou inferior a um salário
mínimo, como é o caso das atividades de agricultor(a) e doméstica/do lar. Assim, tais
resultados estão compatíveis com aqueles encontrados no estudo realizado por Aquino et al.
(2003) na Amazônia do Maranhão, o qual revelou que 76,3% de um total de 207 participantes
tinham rendimentos inferiores a um salário mínimo e 58,5% eram agricultores ou
domésticas/do lar.
De acordo com a localização das habitações dos indivíduos pesquisados, 21 residem na
zona urbana e apenas 04 residem na zona rural (Gráfico 04). Conforme indicam
Yamamouchi; Caron; Shiwaku (1993 apud HINRICHEN, 2004) a distribuição de casos de
hanseníase no Brasil ocorre de forma desigual, sendo que o maior nível de incidência está
concentrado no meio urbano.
62
16%
ZONA URBANA
ZONA RURAL
84%
Gráfico 04: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Localização das Habitações.
Em relação ao tempo de aparecimento dos primeiros sinais e o diagnóstico de
hanseníase, foi possível observar um retardo no diagnóstico da doença, mediante o fato que a
média de tempo mais freqüente foi entre 01 – 06 meses, porém 05 entrevistados só tiveram o
diagnóstico de hanseníase após 02 anos do aparecimento do primeiro sinal da doença. Foi
possível observar ainda que 16 entrevistados tiveram o diagnóstico apenas clínico, enquanto
09 deles tiveram que se submeter à baciloscopia para confirmação da doença e início da PQT
(Gráfico 05). Acerca do diagnóstico, convém ressaltar que a hanseníase é diagnosticada
através do exame clínico, momento em que se busca os sinais dermatoneurológicos da doença
(lesões de pele com alteração da sensibilidade, acometimento de nervos com espessamento
neural e baciloscopia positiva) (BRASIL, 2002). Segundo Andrade (2006) o Brasil em 2005
comemorou avanços importantes na acessibilidade dos pacientes ao tratamento, expressos por
um aumento próximo de 50% da cobertura de serviços de saúde voltados para a hanseníase.
Essa estratégia tem sido possível graças aos avanços na simplificação do método de
diagnóstico (80% dos casos da doença o diagnóstico é clínico, sem necessidade de exames
complementares).
36%
CLÍNICO
LABORATORIAL
64%
Gráfico 05: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Forma de
Diagnóstico da Hanseníase.
63
Quanto ao tempo de tratamento que os entrevistados pesquisados estão fazendo uso da
PQT, foi observado que 03 entrevistados tiveram alta por cura, definida pelo MS (BRASIL,
2002) como a alta dada após a administração do número de doses preconizadas pelo esquema
terapêutico, ou seja, esquema PB: 06 doses mensais supervisionadas de rifampicina (em até
09 meses) mais sulfona auto – administrada; esquema MB: 12 doses mensais supervisionadas
de rifampicina (em até 18 meses), mais sulfona auto-administrada e a clofazimina auto –
administrada e supervisionada (Tabela 02).
Tabela 02: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com o Tempo de
Permanência no Tratamento.
PERMANÊNCIA
N
PERCENTAGEM (%)
Entre 01-06 Meses
5
20
Entre 07-12 Meses
12
48
Acima de 01 Ano
3
12
Alta
3
12
Recidiva
2
8
Total
25
100
O tempo de permanência no tratamento teve média igual a 11,9 meses, com coeficiente
de variação altíssimo (60,01%), o que indica que a maior parte dos casos se concentra em
torno na faixa de 07 a 12 meses e um menor número de casos estão distribuídos pelas outras
faixas conforme pode se constatar no Gráfico 06.
Gráfico 06: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com o Tempo de
Permanência no Tratamento.
64
Os indivíduos pesquisados foram indagados acerca de qual a opinião deles a respeito do
tratamento PQT. Apenas 05 disseram achar o tratamento ruim ou razoável, enquanto 20 o
consideraram bom ou ótimo, apesar de alguns destacarem as reações adversas (Gráfico 07).
De acordo com o MS (BRASIL, 2002) os efeitos colaterais da rifampicina, clofazimina e
dapsona são: cutâneos (rubor de face e pescoço, prurido, ressecamento da pele, alteração na
coloração da pele, suor e dermatite esfoliativa); gastrointestinais (diminuição ou perda de
apetite, náuseas, vômitos, diarréias, diminuição da peristalse e dor abdominal); hepáticos
(mal-estar e icterícia); hematopoéticos (trombocitopenia, púrpuras ou sangramentos anormais
– epistaxes, hemorragias gengivais e uterinas) e hemolíticos (anemia, tremores, febre,
cefaléia, choque, cianose, dispnéia, taquicardia, fadiga, desmaio e anorexia).
8%
12%
8%
RUIM
RAZOAVEL
BOM
OTIMO
72%
Gráfico 07: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Opinião
Sobre o Tratamento PQT.
No referido estudo, também perguntou-se aos indivíduos pesquisados sobre quem sabe
a respeito da doença. Das opções que existe no questionário, 01 indivíduo afirmou que apenas
o(a) esposo(a) sabia sobre a doença. Enquanto isso, 05 dentre eles afirmaram que apenas a
família tinha tomado conhecimento do fato. Houve ainda 15 indivíduos que afirmaram que a
família e os amigos sabiam do ocorrido. Finalmente, 05 indivíduos disseram que, além da
família, os amigos e os colegas (trabalho e/ou escola) estavam cientes do que se passava com
eles. Os indivíduos cujas famílias e amigos sabiam a respeito da doença sempre deixavam
bem claro que apenas os mais íntimos conheciam o fato, pois receavam serem tratados mal.
Segundo Queiroz; Carrasco (1995) essa atitude de preservação, de silêncio diante da doença
ocorre porque uma vez que o indivíduo é estereotipado com uma marca que o reduz a uma
condição inferior ao padrão mínimo atribuído às condições humanas, restaria a ele duas
possibilidades: se adequar ao papel marginal a ele designado ou tentar encobrir as marcas que
caracterizam o estereótipo “estigmatizante”.
65
A questão acerca se eles sofreram alguma atitude de preconceito e/ou discriminação, 06
indivíduos afirmaram que sim, ou seja, que foram submetidos a algum tipo de
preconceito/discriminação pela família, amigos, colegas ou patrões (Gráfico 08). O fato
ocorreu em varias situações e lugares, em sua própria casa ou na de amigos durante uma
reunião – conversa, no trabalho ou no sitio onde mora.
24%
SIM
NÃO
76%
Gráfico 08: Número de Sujeitos Pesquisados de Acordo com a Ocorrência de
Preconceito/Discriminação.
Quando se perguntou aos 06 portadores de hanseníase que afirmaram ter sido vitimas de
preconceitos ou discriminação sobre quando e em que situação o fato ocorreu, as respostas
revelam que, de fato, o fenômeno se constitui como um componente pernicioso a causar ainda
mais sofrimento em suas vítimas. Um deles (Portador F.R.A.) afirmou ter sofrido
preconceito/discriminação dos seus amigos por causa das manchas deixadas em sua pele pela
doença. Ora, sabemos que as manchas deixadas pela hanseníase se impõem como um dos
principais fatores que desencadeiam atitudes de discriminação e preconceito. No caso
particular desse entrevistado, a doença é vista como um problema que se agrava ainda mais
por causa da atitude das outras pessoas que não aceitam conviver com os doentes. O indivíduo
portador de hanseníase apresenta-se “estigmatizado”, o que o coloca “na situação de indivíduo
que está inabilitado para a aceitação social plena” por possuir “um traço que pode-se impor à
atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros
atributos seus” (GOFFMAN, 1982, p. 07-14).
As histórias são bem parecidas e nos revelam o constante estigma social sofrido pelos
portadores. Outra paciente (Portadora F.V.S.) nem mesmo apresentou manchas, mas foi
evitada
apenas
pelo
fato
de
ser
portadora
da
doença.
Essa
atitude
de
discriminação/preconceito se constitui como uma realidade na vida de portadores de
66
hanseníase em todo o país. Segundo Romero – Salazar et al. (1995, p. 537, tradução nossa)
“cada sociedade seleciona os atributos que constituirão o conceito de normalidade e, por
oposição, define a noção de desvio. Assim, qualquer elemento que não coincida com as
definições culturalmente postuladas, se converte em um perigo”.
O Portador F. L. sofreu uma atitude “estigmatizante” por parte da própria mulher, a
qual afirmava ter sido traída pelo marido, pois julgava que a hanseníase se constituía como
uma doença sexualmente transmissível. Nesse caso, a falta de informação acerca da doença
pode se constituir como um importante fator de estigma social que a doença suscita. Assim,
em pleno Século XXI, com todo o desenvolvimento alcançado pela tecnologia e pela
informação, ainda observamos a desinformação e ignorância, como revela o caso
supramencionado. Essa atitude desconhece o fato de que a hanseníase é uma doença
bacteriana, transmitida pelas vias aéreas e não mais transmissível após o inicio da PQT. Em
um estudo realizado por Queiroz; Carrasco (1995), em Campinas – SP, 85% da população
pesquisada (de um total de 34 famílias – 45 portadores e 164 comunicantes) não entendem as
informações prestadas pelos profissionais de saúde ou a consideram insuficientes para
explicar as dúvidas.
Há ainda o caso da Portadora C.S.S. que foi demitida por causa da doença, após ter
sido impedida de ter contato com a criança que cuidava. Eis mais um evidencia de como as
atitudes das pessoas são geradas pelo estigma que acompanha a doença. No estudo
mencionado acima (QUEIROZ; CARRASCO, 1995) as entrevistas mostraram que os doentes
que não se preocupavam em preservar sua imagem social sofreram um processo de
degradação, exclusão, ou no caso do trabalho, demissão.
A Portadora L.B.S. possuía uma das mãos em garra e manchas por todo o corpo. Ela
nos revelou que a família de seu marido falecido a tratava mal, a humilhava, de modo que,
para fugir dos maus tratos ela saiu de casa e foi morar com os filhos em outro domicilio sem
nenhum amparo financeiro. No estudo de Queiroz; Carrasco (1995) os doentes que
apresentavam sinais da doença mais visíveis como manchas no corpo ou deformidades físicas
encontravam-se numa situação de estigma ainda mais pronunciado.
Por fim a Portadora N.V.A. afirmou que nunca havia sido vítima de um ato de
preconceito ou discriminação, porém, contraditoriamente, mencionou que seus vizinhos
sempre que a viam passando falavam baixinho, como se estivessem comentado algo sobre sua
doença. Ela apresentou mudança da coloração da pele por causa da PQT, o que a fez acreditar
ser o motivo dos sussurros. Já havíamos mencionado essa mudança de coloração associada à
PQT. Sendo esta motivo de inconvenientes para os pacientes e falta de adesão ao tratamento.
67
Para o MS (2004 apud PINTO NETO, 2004) as alterações observadas na pele dos pacientes
pela PQT podem ser consideradas como um marcador social que os identificam como
portadores de hanseníase.
Esses resultados revelam que a ocorrência de preconceitos e discriminação, embora
ainda atinja quase 25% dos sujeitos pesquisados, tem se tornado menos intensa e presente na
vida dos portadores de hanseníase do que comumente se imagina. Isso pode revelar que há
uma nova forma da população julgar tais doentes ou ainda um avanço na mentalidade das
pessoas em relação à doença em geral, e aos seus portadores, em particular. Esse resultado
revela que as campanhas educativas e os tratamentos adequados podem não apenas fazer
avançar
os
processos
terapêuticos,
mas
também
arrefecer
a
preconceito/discriminação que historicamente está associada à referida doença.
carga
de
68
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Há bem pouco nascestes e já te vais...
Nem eu nem tua mãe te deu um beijo
Como é triste o destino que praguejo:
Ter um filho e vê-lo órfão tendo os pais.
Não nos verás...não te veremos mais.
E na dor não verá o teu gracejo
Quem te esperava no maior festejo
Entre alegrias que se tornam em ais.
Meu pobre filho, pra maior tormento
Nem se quer repousaste um só momento
No teu bercinho que enfeitei de flores.
Ó dor que desespera e dá vertigem!
Tua mãe, vejo-a louca como a virgem
Quando a Jesus buscava entre os doutores”.
(Meu Filho, Vila Belisário Pena).
Durante nosso percurso de revisão bibliográfica, pudemos constatar que a hanseníase é
uma doença de múltiplas faces. Ao longo da história, os pacientes contaminados foram
geralmente vítimas de discriminações/preconceitos. Durante séculos a palavra “leproso”
passou a ser sinônimo de proscrito. Isso revela que a maior parte do sofrimento das pessoas
infectadas advém, sobretudo, do tratamento excludente que lhe é reservado pelos demais
indivíduos.
Hoje, não obstante o fato de a doença poder ser tratada e curada, um obstáculo que se
oferece ao seu portador concerne à marca de vergonha que lhe é associada. Muitas são ainda
as evidências encontradas na nossa realidade que revelam a situação de rejeição a que são
submetidos certos portadores de hanseníase. Alguns indivíduos são constantemente
discriminados por vizinhos, amigos, patrões, familiares e, até mesmo, por profissionais da
saúde que desconhecem as verdades sobre a doença. Acredita-se que o estigma se mantém por
falta de informações e que o preconceito aparece como um dos maiores desafios a serem
enfrentados pelo doente. Essa situação torna-se ainda mais grave porque, como vimos no
Capítulo 04, o qual trata da hanseníase, do estigma social e das várias formas de
69
“estigmatização” do doente, tal fenômeno acentua o isolamento e gera outras complicações
psicológicas que tendem a dificultar o tratamento de tais pacientes. Além disso, o problema
acaba se acentuando em virtude também da ausência de políticas de saúde publica que atuem
não apenas combatendo a doença em si mesma, mas também que incidam sobre as
repercussões causadas pelo estigma na vida dos seus portadores. No nosso país, a marca do
estigma continua a acompanhar a doença, ainda que de forma menos freqüente em relação ao
passado. Todavia, mesmo considerando que sua incidência tem decrescido é correto supor que
a manifestação do estigma gera sérios problemas nos portadores da doença, tais como:
ostracismo e exclusão sociais, consciência culpada, rejeição e autopunição, agravamento da
doença, interrupção de tratamentos, dores e sofrimentos psicológicos, angústia existencial,
sentimento de inferioridade, dentre outros fenômenos negativos.
Mesmo que o número de indivíduos que assumem ter sido vitimas de
discriminação/preconceito esteja em decréscimo, como foi possível inferir após a aplicação
dos questionários, há ainda que se lutar contra a força do estigma que acompanha a doença.
Sabemos que no Brasil há ainda um longo caminho a ser percorrido no que se refere ao
combate a tal doença. Da mesma forma, é certo que as Instituições ou Órgãos de Saúde, sejam
eles públicos ou privados, nem sempre estão preparados para enfrentar ou tratar a dor e o
sofrimento psicológico nos indivíduos que atingem os portadores de hanseníase. Assim, sem
um Sistema de Saúde eficaz que possa instaurar mecanismos preventivos e curativos eficazes
para atender toda a população potencialmente vulnerável e, sobretudo, que seja capaz de
preparar a sociedade para aceitar os seus portadores e tratá-los com dignidade, os indivíduos
atingidos por tal doença têm seu sofrimento potencializado e as esperanças de cura
diminuídas, pois, como foi mostrado, a “estigmatização” e a rejeição que a acompanham
interferem profundamente no processo terapêutico, sendo, muitas vezes, um fator que
contribui para sua disseminação no meio social.
De maneira mais pontual, é necessário que várias ações sejam simultaneamente
empreendidas de forma sincronizada nas esferas federal, estadual e municipal. A OMS, por
exemplo, preconiza algumas medidas que devem nortear as ações dos Órgãos de Saúde
Pública em suas campanhas de combate à hanseníase, como é o caso do Guia Para o Controle
da Hanseníase: cadernos de atenção básica (2000). Algumas dessas iniciativas dizem respeito
à identificação, por meio do diagnóstico precoce, e ao monitoramento dos casos novos; à
realização de ações específicas de vigilância epidemiológica; ao envolvimento de outros
segmentos da sociedade civil nas políticas sanitárias (igreja, ONGs, sindicatos, escolas,
família); ao favorecimento do acesso da população à informação; à realização de campanhas
70
de conscientização sobre a hanseníase, a fim de também diminuir o estigma e a discriminação
contra os seus portadores; à capacitação dos profissionais da saúde, dos psicólogos, dos
assistentes sociais e de todos aqueles que lidam diretamente com o doente; finalmente,
convém facilitar a descentralização do diagnóstico, controle e tratamento.
Vimos que o Brasil apresenta um dos maiores índices endêmico de hanseníase do
mundo, com cerca de 45.000 casos anuais. As ações de diagnóstico e o tratamento oportuno
se afiguram como as únicas vias para dificultar o avanço da doença. Além do problema
gerado pelo longo tempo de incubação da doença, tem-se que destacar o fato de que sua
proliferação é também potencializada em razão do grande número de pessoas infectadas em
regiões distantes do país ou que possuem dificuldades de acesso aos serviços de saúde. A
magnitude assumida pelo problema levou o Conselho Federal de Medicina a exarar a
Resolução n. 1763 – 05, destinada a disciplinar a ação dos operadores de saúde em face da
amplitude endêmica atingida pela doença. Neste documento podemos identificar uma série de
ações prescritas visando a prevenção, diagnóstico e tratamento dos pacientes portadores de
hanseníase. Há também indicações referentes ao procedimento dos agentes de saúde no que se
refere ao respeito e preservação da dignidade dos pacientes enfermos.
Medidas como estas ajudam a atenuar os graves problemas que historicamente
acompanham a doença. Particularmente no trabalho que desenvolvemos foi possível
demonstrar que o índice de pessoas que afirmam ter sofrido algum tipo de preconceito ou
discriminação parece ficar aquém da expectativa do senso comum, uma vez que os casos
declaradamente manifestos de portadores que dizem ter sofrido discriminação é seguramente
inferior àquilo que normalmente se imagina quando se pensa a relação hanseníase – estigma –
discriminação – preconceito. Assim, no que concerne aos casos analisados no Município de
Cajazeiras – PB, constatou-se uma pequena incidência de situações de preconceito ou
discriminação declaradas pelos portadores. Esse fato revela que a informação, o combate ao
preconceito, as campanhas de conscientização podem ser elementos decisivos para mudar as
mentalidades e, sobretudo, gerar comportamentos menos discricionários por parte da
população em relação aos doentes, como indicam os dados colhidos e apresentados na nossa
pesquisa, cujo resultado revela que dos 25 doentes pesquisados, apenas 04, ou seja, 16% do
total, dizem ter sofrido algum tipo de discriminação ou preconceito devido à sua condição de
enfermo.
O número reduzido de casos, ainda que seja inaceitável, revela que houve avanços no
que se refere à compreensão da doença, suas representações sociais e a postura das pessoas
que entram em contato direto ou indireto com os seus portadores. Ainda que o caso do
71
Município de Cajazeiras – PB não nos permita afirmar que a diminuição dos casos de
discriminação/preconceito é uma tendência verificada em todo país, podemos pelo menos
considerar que, particularmente, naquela cidade, a incidência do fenômeno é bem menor do
que as pessoas comumente imaginam quando pensam na doença e nos maus tratos sociais
sofridos por seus portadores.
72
REFERÊNCIAS
“Há uma rua onde vendem só carne
E há uma rua onde vendem só roupas e perfumes.
E há dias onde vejo só aleijados e cegos
E aqueles cobertos de lepra,
E aqueles com lábios retorcidos.
Aqui eles constroem uma casa e ali destroem
Aqui eles cavam a terra
E ali cavam os céus
Aqui eles sentam-se e ali eles andam
Aqui eles odeiam e ali eles amam [...]”
(Amor de Jerusalém, Yehuda Amichai).
A
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TEM
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em:
80
APÊNDICES
“Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?[...]
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo [...]
Procurem por toda a parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã”.
(Estrela da Manhã, Manuel Bandeira).
81
APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
QUESTIONÁRIO
IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Data de Nascimento:
Idade:
Sexo:
Feminino
Masculino
Estado Civil:
Profissão/Ocupação:
Endereço:
Telefone:
QUESTÕES NORTEADORAS
1) Entre os primeiros sinais da doença e o diagnóstico quanto tempo se passou?
2) O diagnóstico foi clínico ou laboratorial?
3) Ha quanto tempo o(a) Sr(a) esta em tratamento?
82
4) O que acha do tratamento que tem recebido?
Ruim
Razoável
Bom
Ótimo
5) Quem sabe a respeito da doença?
Esposo(a) (apenas)
Pais (apenas)
Família
Amigos
Trabalho (colegas)
6) O Sr(a) já sofreu algum tipo de preconceito ou discriminação por causa da doença?
Sim
Não
7) Se sim, quando e em que situação ocorreu?
83
APÊNDICE B
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Esta pesquisa é sobre Estigma Social: um estudo sobre portadores de hanseníase do
município de Cajazeiras – PB e está sendo desenvolvida por Pollianna Marys de Souza e
Silva, aluna do Mestrado do Programa de Pós – Graduação em Serviço Social do Centro de
Ciências Humanas Letras e Artes – CCHLA da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, sob
a orientação da Profª Drª Giacomina Magliano de Morais.
O objetivo desse trabalho é investigar sobre o estigma social do ponto de vista dos
portadores de hanseníase do Município de Cajazeiras – PB, sendo sua importância observada
na necessidade de ouvir os atores mais relevantes – os portadores – para contribuir na
elaboração de políticas públicas que venham a combater definitivamente o estigma social e
eliminar todo preconceito e discriminação para com os portadores de hanseníase.
A sua participação na pesquisa é voluntária e, portanto, o(a) sr(a) não é obrigado(a) a
fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo pesquisador. Caso
decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não
sofrerá nenhum dano, nem haverá modificação na assistência que vem recebendo na
instituição.
Solicito sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos
científicos de áreas afins e publicar em revista científica. Por ocasião da publicação dos
resultados, seu nome será mantido em sigilo.
O pesquisador estará a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere
necessário em qualquer etapa da pesquisa.
84
Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu
consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que
receberei uma cópia desse documento.
_____________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
_____________________________________
Assinatura da Pesquisadora Responsável
Pesquisadora Responsável:
Pollianna Marys de Souza e Silva
Endereço Residencial: Av. Gov. Argemiro de Figueiredo – 2940 – Ed. Rio Guaporé – Apt.: 405 –
Bessa – João Pessoa – PB. E-mail: [email protected]. Telefone: (83) 3246-6576.
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Estigma social: um estudo sobre portadores de Hanseníase