Livro de actas do XI Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente Certificação Ambiental e Responsabilização Social nas Organizações 20 e 21 de Maio de 2011 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Campo Grande, 376 Lisboa Organização 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa Eduardo J. Silva; Marco A. Estrela ISQ Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, nº 33, Taguspark – Oeiras 3 2740-120 Porto Salvo Tel.: 214 429 005 Email: [email protected] / [email protected] Artigo apresentado no XI CNEA – Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente, subordinado ao tema “Certificação Ambiental e Responsabilização Social nas Organizações”, que decorreu na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia (Lisboa), nos dias 20 e 21 de Maio de 2011. Citar como: Silva, E. e Estrela, M. (2011). Alternativas para a Valorização de Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos – A Reutilização de Componentes Electrónicos Segundo uma Abordagem de Avaliação de Ciclo de Vida. XI CNEA – Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente. Lisboa. www.apea.pt Silva, E. e Estrela, M. SUMÁRIO Na última década a União Europeia tem vindo a adoptar diversas políticas e regulamentos legislativos com vista a prevenir os impactes ambientais, sociais e económicos dos fluxos de resíduos. Ciente da pressão exercida sobre os recursos minerais e naturais, causados fundamentalmente pelo actual crescimento populacional e presentes padrões de consumo, os Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE) não foram excepção, muito por estarem associados a processos produtivos que carecem de uma utilização intensiva de materiais. Por este motivo, estes resíduos são considerados como uma fonte valiosa de matérias-primas secundárias, se tratados adequadamente. No entanto, apesar de muitas soluções tecnológicas estarem já disponíveis e em implementação, na maioria dos casos os objectivos ambientais e sociais assumidos não são cumpridos. Segundo os estudos mais recentes, a Europa produz 10,3 milhões de toneladas de REEE por ano, cerca de um quarto do total mundial, valor que está previsto aumentar para 12,3 milhões de toneladas por ano até 2020. Estes valores comprovam o potencial de recuperação de matérias-primas secundárias neste tipo de resíduos. Tendo em vista esta oportunidade e com uma perspectiva inovadora, surgiu o projecto ELECTROVALUE que se propôs a desenvolver e melhorar o mercado de valorização de REEE, através da recuperação e reutilização de componentes electrónicos. Este projecto, co-financiado pelo programa europeu LIFE, visa prestar apoio e melhorar a competitividade das empresas nacionais deste sector, através da adopção de processos de gestão sustentável de resíduos, materiais e tecnologias e da integração de conceitos como Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) e valorização do fim-de-vida. Com os objectivos de: (1) estabelecer uma base científica para avaliar os potenciais impactes ambientais da reutilização de componentes electrónicos, utilizando metodologias de ACV; (2) avaliar os efeitos dos componentes electrónicos em fim-de-vida, e (3) identificar as lacunas de dados existentes ou de outras áreas potenciais para futuras investigações; este artigo apresenta os resultados obtidos por este projecto, nomeadamente no que respeita à ACV efectuada no âmbito da determinação dos benefícios ambientais decorrentes da reutilização de componentes electrónicos. Seguindo a metodologia constante na norma ISO 14040, analisaram-se os impactes ambientais relativos tanto aos consumos materiais, energéticos e de outros recursos, como também aos subprodutos, emissões gasosas, efluentes e resíduos resultantes dos processo envolvidos no ciclo de vida destes componentes electrónicos. Para tal foram utilizadas categorias de impacte aceites pela comunidade científica, nomeadamente através do UNEP/SETAC Life-cycle Initiative. Por fim, os resultados obtidos foram ainda alvos de uma comparação com um cenário representando a situação actual, de forma a identificar os reais benefícios ambientais relacionados com esta recuperação e reutilização de componentes electrónicos. PALAVRAS-CHAVE: Avaliação de Ciclo de Vida (ACV); Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE); Componentes Eléctricos e Electrónicos; Reutilização. www.apea.pt 4 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa ABREVIATURAS ACV Avaliação de Ciclo de Vida AICV Avaliação dos Impactes do Ciclo de Vida CEE Componentes Eléctricos e Electrónicos Ecoindicator 99 Método de avaliação de impactes do ciclo de vida desenvolvido pela PRé Consultants Ecoinvent 2.2 Base de dados para avaliação de ciclo de vida desenvolvido pelo Swiss Centre for Life Cycle Inventories EEE Equipamento Eléctrico e Electrónico PCI Placa de Circuito Impresso PME Pequenas e Médias Empresas REEE Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos SETAC Society for Environmental Toxicology and Chemistry UNEP United Nations Environmental Programme 5 www.apea.pt Silva, E. e Estrela, M. INTRODUÇÃO De acordo com o Sexto Programa Comunitário de Acção em matéria de Ambiente, a qualidade de vida e a prosperidade a longo prazo dependem de um ambiente saudável e de um elevado nível de protecção ambiental. Verifica-se, no entanto, que o presente crescimento populacional, acompanhado pelos padrões de consumo actuais, constitui uma forte ameaça a um ambiente saudável, pois coloca a maioria dos recursos naturais e minerais sob elevada pressão. É por isso imperativo adoptar políticas e normas ambientais exigentes de forma a diminuir a influência, ou mesmo dissociar, o crescimento económico da degradação ambiental, nomeadamente incentivando padrões de consumo mais sustentáveis. Ciente desta problemática, na última década a União Europeia tem vindo a adoptar diversas políticas e regulamentos legislativos com vista a prevenir os impactes ambientais, sociais e económicos associados aos diferentes fluxos de resíduos. Os Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE) não foram excepção, muito por estarem associados a processos produtivos que carecem de uma utilização intensiva de diferentes materiais. Por este motivo, estes resíduos são considerados como uma fonte valiosa de matériasprimas secundárias, se tratados adequadamente. No entanto, e apesar de muitas soluções tecnológicas estarem já disponíveis e em implementação, na maioria dos casos os objectivos ambientais e sociais assumidos não são totalmente cumpridos. Segundo os estudos mais recentes, a Europa produz 10,3 milhões de toneladas de REEE por ano, cerca de um quarto do total mundial, estando prevista esta quantidade aumentar para 12,3 milhões de toneladas por ano até 2020 (KUEHR 2007). Adicionalmente, apenas 25% dos aparelhos domésticos de médio porte e 40% dos grandes electrodomésticos recolhidos são encaminhados para processos de reciclagem (KUEHR 2007). Considerando que a utilização de matérias-primas virgens na produção destes equipamentos está ainda próxima dos 100%, estes valores comprovam não só a amplitude da influência do fluxo de REEE no ambiente, como o potencial de recuperação de matérias-primas secundárias neste tipo de resíduos. Por outro lado, numa perspectiva económica, a recente implementação da directiva Europeia que restringe a utilização de algumas substâncias, como o chumbo, o cádmio ou o mercúrio, trouxe preocupações adicionais relacionadas com a disponibilidade de componentes no mercado. Esta questão tornou-se bastante relevante para as PME deste sector, nas quais a produção é normalmente focada em pequenas séries de diferentes produtos, levando a atrasos na entrega dos mesmos, e consequentes problemas financeiros. Na verdade, independentemente da vertente ambiental associada à extracção e tratamento adequado dos materiais perigosos presentes nos REEE, actualmente o principal motor do mercado de reciclagem de REEE está relacionado com a recuperação de metais valiosos (e.g. ouro, cobre, níquel). Com este objectivo, inúmeros processos para a recuperação destes metais têm sido desenvolvidos tornando a reciclagem de REEE uma alternativa comercial rentável. No entanto, tal como referido no roteiro ELFNET (PEARCE 2007), existe a percepção de que muito poderá ainda ser feito neste sector, nomeadamente, a recuperação de alguns dos componentes mais onerosos, a recuperação de outro tipo de materiais, a evolução das tecnologias existentes e o desenvolvimento de novos conceitos de design, através de técnicas de montagens com módulos reutilizáveis, bem como de normas para a reutilização, rotulagem e garantias. www.apea.pt 6 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa Isto significa que a melhoria dos processos de recolha e tratamento de REEE, com vista a aumentar a reutilização e reciclagem dos seus materiais constituintes, muitos dos quais escassos, e alcançar uma redução consistente e efectiva do consumo de matérias-primas, é possível e imprescindível, passando certamente todo este processo pela preparação destes equipamentos desde a sua produção, através da aplicação de metodologias de concepção ecológica. Considerando esta oportunidade, surgiu o projecto ELECTROVALUE que se propôs a desenvolver e melhorar o mercado de valorização de REEE, através da recuperação e reutilização de componentes eléctricos e electrónicos (CEE). Este projecto, co-financiado pelo programa europeu LIFE, visa analisar qualitativamente a viabilidade e fiabilidade da reutilização destes CEE através da realização de diversos ensaios que avaliem a sua integridade, tempo de vida restante, degradação e garantias. Como principal objectivo, este projecto pretende prestar apoio e melhorar a competitividade das empresas nacionais deste sector, através da adopção de processos de gestão sustentável de materiais, tecnologias e resíduos, e da integração de conceitos como Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) e valorização do fim-de-vida. Neste sentido, este artigo apresenta os resultados obtidos por este projecto, nomeadamente no que respeita à Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) efectuada no âmbito da determinação dos benefícios ambientais decorrentes da reutilização de CEE. Os seus objectivos são: (1) estabelecer uma base científica para avaliar os potenciais impactes ambientais da reutilização de componentes electrónicos, utilizando metodologias de ACV; (2) avaliar os efeitos dos CEE em fim-de-vida, e (3) identificar as lacunas de dados existentes ou de outras áreas potenciais para futuras investigações. 7 www.apea.pt Silva, E. e Estrela, M. METODOLOGIA Tendo em conta a quantidade de CEE existentes no mercado, bem como a impossibilidade de abranger todos num único estudo, optou-se por se seleccionar os componentes que apresentavam maior valor acrescentado. A identificação destes componentes, resultante de uma das tarefas precedentes do projecto ELECTROVALUE, foi baseada nos CEE necessários para a construção de uma Placa de Circuito Impresso (PCI), a ser incorporada num moedeiro que temporiza a utilização de um empilhador. A unidade funcional escolhida para este estudo foi então esta PCI, criada especificamente para este projecto, contendo os componentes e suas respectivas quantidades conforme apresentado na tabela 1. Tipo de CEE Número de CEE presentes na PCI Fusíveis 2 Suportes de fusíveis 2 Conversores 1 Relés 1 Circuitos Integrados 2 Fichas IDC 6 Condensadores 6 Resistências 21 Transístores 7 Diodos 2 Mostrador numérico 4 Barretes de pinos simples 1 Cristais 1 Blocos terminais de aperto 5 8 Tabela 1 – Tipologia e quantidade de CEE presentes na PCI em estudo Relativamente ao sistema de produto, que corresponde às etapas do ciclo de vida tidas em conta no âmbito deste estudo, tentou-se ser o mais abrangente possível, tendo sempre em conta a disponibilidade e a existência de dados com qualidade suficiente para cada uma destas etapas. O sistema do produto deste estudo inicia-se então com a etapa de extracção e/ou aquisição de matérias-primas, que inclui todas as actividades relacionadas com processos extractivos e de perfuração para extrair da natureza os materiais necessários à produção dos CEE. Na sequência desta etapa de extracção e/ou aquisição, existe uma sucessão de operações que transformam estes materiais, ainda num estado de matéria-prima, em materiais utilizáveis industrialmente. Todas estas operações fazem parte da etapa processamento de materiais. A etapa seguinte do ciclo de vida representa o fabrico dos CEE. Esta etapa inclui uma série de vários processos que, de uma forma geral, corresponde ao agrupamento dos diferentes materiais dando origem ao produto final, neste caso, os CEE. A esta fase, segue-se a etapa de utilização que é referente à aplicação dos CEE na indústria eléctrica e electrónica, nomeadamente a montagem dos CEE nas PCI por processos de soldadura manual, de refluxo ou por onda. Por este motivo, e de acordo com a unidade funcional definida, www.apea.pt 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa tanto a solda necessária para a aplicação dos CEE como a PCI propriamente dita, foram tidas em conta no âmbito deste estudo. Após a produção da PCI, com os respectivos CEE instalados, esta é incorporada no moedeiro, em conjunto com diversos outros tipos de materiais. A próxima etapa é geralmente associada ao consumo de energia por parte do equipamento com vista a realizar os fins para os quais foi criado, representando assim a fase de utilização do equipamento eléctrico e electrónico (EEE). Nesta fase ocorrem igualmente actividades de manutenção do equipamento. Dada a impossibilidade de prever a energia consumida durante o tempo de vida do empilhador, e nomeadamente do moedeiro em que está inserida a PCI, as quantidades exactas e proveniências dos restantes materiais que o compõem, e a ocorrência destas actividades de manutenção, estas duas etapas não foram tidas em conta no âmbito desta ACV. Por fim, quando o detentor do EEE tem a intenção de se desfazer do mesmo, sucede-se a próxima etapa do ciclo de vida, chamada fim-de-vida. Isto significa que o EEE se tornou obsoleto ou cumpriu a finalidade para que foi concebido, e em conformidade com a consciência do proprietário pode seguir dois diferentes rumos. A eliminação de REEE, apesar de ser fortemente não recomendada devido aos impactes sobre o ambiente e a saúde pública associados, representa ainda uma grande fatia do mercado. Por outro lado, os sistemas de recolha foram constituídos especificamente para gerir e valorizar os REEE, a fim de reduzir ou mesmo evitar estes impactes. Tendo em conta o âmbito deste estudo, uma vez que procedendo à eliminação do REEE a reutilização dos CEE se torna impossível, apenas se considerou a possibilidade do EEE ser encaminhado para valorização através de um sistema de recolha e gestão, nomeadamente para reciclagem. Nesta etapa de fim-de-vida surge igualmente a principal diferença entre os dois cenários que são comparados neste estudo. No cenário A, que na verdade representa a situação actual, os REEE chegam à entidade recicladora, onde são classificados de acordo com o tipo de equipamento e colocados em processos específicos para a separação de seus materiais constituintes. Tendo em conta as características destes materiais, vários tipos de processos são utilizados nesta separação, entre eles, processos mecânicos, físicos, magnéticos, sensoriais e de separação manual. Normalmente os materiais mais fáceis de recuperar são separados nas instalações da entidade recicladora. No entanto, os materiais em que separação é mais difícil, nomeadamente os presentes nas PCI e respectivos CEE, são enviados para outras empresas com processos de separação específicos. Finalmente, após estes processos de separação, os materiais recuperados podem ser usados novamente, evitando a extracção de matérias-primas da natureza e os seus impactes associados. Por outro lado, no cenário B, foi introduzida uma nova etapa relacionada com a separação dos CEE das PCI, que corresponde a um processo manual de desoldagem. Posteriormente, e antes de serem enviados para reutilização, os CEE passam por um processo de certificação a fim de garantir a sua qualidade e viabilidade. Desta forma, se estiverem em conformidade com os requisitos qualitativos, os CEE reentram no ciclo de vida durante a etapa de aplicação, procedendo-se assim à sua reutilização. Caso não exista conformidade com estes requisitos, os CEE seguem o curso actual já explicado no cenário A. www.apea.pt 9 Silva, E. e Estrela, M. A figura seguinte apresenta uma representação esquemática dos dois cenários em comparação neste estudo, anteriormente explicados. Figura 1 – Representação esquemática da abordagem conceptual dos dois cenários em comparação neste estudo (onde x = 25%, 50% ou 75%) Conforme se pode constatar pela figura 1, foi considerada a produção de duas PCI em ambos os cenários. Esta abordagem, que nos parece ser cientificamente mais correcta, está fundamentalmente relacionada com o facto de se ter considerado que para existir uma reutilização dos CEE, estes terão de passar por uma fase de utilização prévia e que, obviamente, algures no seu ciclo de vida, estes terão de ser produzidos. Assim, no cenário B, a abordagem adoptada teve em conta a produção de uma primeira PCI, semelhante à do cenário A, sendo que todos os seus CEE são novos. Posteriormente, na etapa de fim-de-vida, que corresponde ao final de vida do EEE no qual a PCI está incorporada, incluiu-se a etapa de recuperação dos CEE de forma a serem encaminhados para reutilização. Esta reutilização diz respeito à incorporação dos CEE numa segunda PCI. Relativamente ao cenário A, e em comparação com este cenário B, ambas as PCI produzidas contêm CEE novos que, no final de vida do EEE no qual a PCI está incorporada, são encaminhados para reciclagem. Para tornar os resultados deste artigo mais consistentes, foram atribuídas diferentes percentagens de recuperação aos CEE de forma a simular a quantidade de componentes que se encontram em conformidade com os requisitos de qualidade. Desta forma, foram construídos três cenários assumindo 25%, 50% e 75% de reutilização de CEE. Em cada cenário, o valor percentual refere-se aos componentes que entram na empresa de reciclagem e que podem ser enviados para reutilização. Os restantes, uma vez que não se encontram em conformidade com os requisitos de qualidade, são encaminhados para reciclagem, seguindo o rumo actual do cenário A. De referir ainda que, uma vez os processos de triagem e desoldagem das PCI e CEE serem exclusivamente baseados em técnicas manuais, associadas a um consumo reduzido de energia, assumiu-se que estas www.apea.pt 10 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa actividades não irão afectar os resultados da ACV, e por isso não foram tidos em consideração durante o estudo. Tendo em conta estes dois cenários apresentados, procedeu-se então à determinação e análise dos impactes associados, através da realização de uma ACV. A metodologia de ACV encontra-se amplamente descrita em diversos livros (e.g. GUINÉ 2004) e artigos científicos (e.g. FINNVEDEN 2009) tendo esta por base, na maioria dos casos, a norma ISO 14040 (ISO 2006). Para a realização desta ACV, este estudo utilizou o software SimaPro 7.2.4 (PRÉ CONSULTANTS 2010), um software específico para a ACV e comercialmente disponível. No que respeita aos dados utilizados, estes foram obtidos através da base de dados Ecoinvent 2.2 (FRISCHKNECHT 2007), associada ao software referido, sendo referentes a cada um dos tipos de CEE presentes na tabela 1, e representando valores médios para os mesmos. Relativamente aos procedimentos de alocação, foram consideradas diferentes abordagens para a reciclagem e reutilização. Dada a impossibilidade em determinar a utilização dos materiais reciclados, foi considerada uma alocação em circuito aberto para a reciclagem. Isto significa que os materiais reciclados são utilizados em sistemas de outros produtos que não o aqui apresentado. Apesar disso, todos os processos de reciclagem foram considerados como parte deste sistema de produto. Quanto ao processo de reutilização, assumiu-se que os CEE serão facilmente reintroduzidos no mercado, principalmente devido a sua mais valia económica, bem como ao cumprimento dos requisitos de qualidade. Desta forma, e tendo em conta o ciclo de vida apresentado, os CEE são reintroduzidos na etapa de montagem da PCI, tornando possível a aplicação de uma alocação em circuito fechado. Por fim, para a Avaliação de Impactes do Ciclo de Vida (AICV) foi utilizado o método Ecoindicator 99 (GOEDKOOP e SPRIENSMA 2001), também incluído no software SimaPro 7.4.2. Este método permite analisar os impactes ambientais relativos tanto aos consumos materiais, energéticos e de outros recursos, como também aos subprodutos, emissões gasosas, efluentes e resíduos resultantes dos processos envolvidos no ciclo de vida destes CEE. Todas as categorias de impacte analisadas são aceites pela comunidade científica, nomeadamente pela UNEP/SETAC Life-cycle Initiative. www.apea.pt 11 Silva, E. e Estrela, M. RESULTADOS E DISCUSSÃO Tendo em conta os resultados de alguns estudos já realizados, com o objectivo de determinar as mais valias ambientais associadas aos processos de reciclagem de REEE (e.g. ANDREOLA 2007, HISCHIER 2010, SCHARNHORST 2008), o principal objectivo deste estudo está relacionado com a identificação dos benefícios ambientais associados à reutilização de CEE neste tipo de resíduos. De acordo com a metodologia explicada, e após a introdução dos dados referentes a cada cenário no software com base na unidade funcional, efectuaram-se os cálculos para determinar os impactes ambientais associados a cada um dos cenários em estudo. As figuras 2 e 3 apresentam os resultados obtidos. Conforme se pode comprovar pela figura 2, que apresenta os resultados dos impactes ambientais dissociados por categorias de dano, os cenários representantes da reutilização de CEE (Cenários B) apresentam um decréscimo dos impactes ambientais globais face ao cenário actual, no qual todos os CEE são encaminhados para reciclagem (Cenário A). Verifica-se ainda que este decréscimo é mais acentuado, de cerca 12%, 24% e 36%, conforme a percentagem de CEE reutilizados aumenta, de 25%, 50% e 75%, respectivamente. Apesar deste decréscimo dos impactes globais, a categoria de dano relacionada com os efeitos na saúde humana, manifesta ainda valores consideráveis mesmo nos cenários em que se pondera a reutilização de CEE. De acordo com o modelo de avaliação de impactes utilizado, os cálculos efectuados para determinar os impactes relacionados com esta categoria assentam no princípio de que todos os seres humanos, no presente e no futuro, não deverão estar sujeitos a deficiências, mortes prematuras ou doenças transmitidas ambientalmente (GOEDKOOP e SPRIENSMA 2001). Desta forma os impactes relacionados com esta categoria dizem respeito tanto à exposição humana a substâncias prejudiciais para a saúde, durante uma ou várias das etapas do ciclo de vida, como à emissão destas substâncias para o ambiente, provocando alterações nos ecossistemas, biodiversidade ou clima, que afectam igualmente a qualidade de vida e prosperidade humana. 30 25 Pt 20 15 10 5 0 Cenário A Cenário B - 25% Saúde Humana Cenário B - 50% Ecossistemas Cenário B - 75% Recursos Figura 2 – Comparação dos impactes ambientais dos cenários A e B por categoria de dano. www.apea.pt 12 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa Para avaliar quais as etapas do ciclo de vida e que produtos influenciam estes resultados, procedeu-se à desagregação dos valores apresentados para cada categoria de dano, em categorias de impacte, conforme apresentado na figura 3. 20 18 16 14 Pt 12 10 8 6 4 2 0 Cenário A Substâncias cancerígenas Radiação Uso do Solo Cenário B - 25% Compostos orgânicos Depleção de Ozono Minerais Cenário B - 50% Compostos inorgânicos Ecotoxicidade Combustíveis fósseis Cenário B - 75% Alterações Climáticas Acidificação/Eutrofização Figura 3 – Comparação dos potenciais impactes ambientais dos diferentes cenários por categoria de impacte. De acordo com a figura 3, constata-se que a categoria à qual estão associados os maiores impactes está relacionada com a exposição humana e emissão para o ambiente de substâncias cancerígenas. Estes valores, em conjunto com os impactes associados igualmente à exposição humana e emissão para o ambiente de compostos inorgânicos, corroboram os resultados e as conclusões obtidas anteriormente. Nesta figura chama-se ainda a atenção para a influência dos impactes relacionados com o consumo de combustíveis fósseis nos cenários em estudo, que representa a segunda categoria associada a maiores valores de impacte. Tendo em conta as características das diferentes etapas consideradas nos ciclo de vida em estudo, a etapa que mais contribui para estes resultados refere-se à produção dos CEE, e respectiva extracção dos materiais que os compõem, a qual está associada directa ou indirectamente a um maior consumo energético e à emissão de uma maior quantidade de substâncias. Considerando o cenário actual (cenário A), a influência desta etapa nos impactes verificados ao longo do ciclo de vida é superior a 95%, significando que 95% dos impactes verificados ocorrem nas etapas antecedentes à produção dos CEE, inclusive. Esta contribuição decresce ligeiramente quando a reutilização é considerada, chegando a 92% no cenário B no qual 75% dos componentes são reutilizados. A figura 4 apresenta estes resultados. www.apea.pt 13 Silva, E. e Estrela, M. 30 25 Pt 20 15 10 5 0 Cenário A Produção de CEE Cenário B - 25% Produção de PCI Cenário B - 50% Cenário B - 75% Montagem Fim-de-vida Figura 4 – Contribuição das diferentes etapas do ciclo de vida para os impactes ambientais do ciclo de vida. Estes resultados permitem ainda verificar que a influência da etapa de fim-de-vida nos impactes ambientais do ciclo de vida de uma PCI, é quase nula (cerca de 0,1% em todos os cenários). Por este motivo, e tendo em conta que a única diferença existente entre os dois cenários é a reutilização dos CEE na segunda PCI produzida, os impactes ambientais associados ao cenário A são superiores devido à ocorrência das etapas de produção dos CEE e extracção dos seus materiais constituintes na produção desta segunda PCI. Concluise por isso que a reutilização de CEE conduz a uma redução dos impactes ambientais no ciclo de vida de uma PCI, de forma indirecta, uma vez que esta redução se verifica devido à não ocorrência de outras etapas, reduzindo ou mesmo evitando os impactes ambientais a elas associados. 14 Esta conclusão é ainda corroborada pela diminuição registada no consumo de matérias-primas associada ao cenário B, conforme apresentado na figura 5. 2500 2000 g 1500 1000 500 0 Cenário A Cenário B - 25% Cenário B - 50% Cenário B - 75% Figura 5 – Consumo total de matérias-primas nos diferentes cenários estudados. Cruzando estes valores com os apresentados na figura 2, referente aos impactes ambientais associados a cada cenário, a redução existente no consumo de matérias-primas é muito similar à redução dos impactes ambientais, sendo por isso o factor que mais contribui para estes resultados. Por fim, e no sentido de analisar os resultados na perspectiva do consumidor, estudou-se igualmente o efeito da reutilização de CEE na produção de apenas uma PCI. Esta abordagem teve por base a premissa de que o www.apea.pt 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa consumidor da PCI, neste estudo, o utilizador do empilhador no qual a PCI com CEE reutilizados está incorporada, tem apenas influência nos impactes ambientais associados ao ciclo de vida da segunda PCI produzida, nomeadamente, através da adopção de opções de compra sustentáveis. Assim, o ciclo de vida estudado inicia-se numa fase em que não existe forma de evitar os impactes ambientais registados durante o ciclo de vida da primeira PCI, uma vez que já ocorreram, podendo o consumidor, no entanto, optar pela compra de um empilhador com CEE novos, ou por um outro empilhador com CEE reutilizados. A figura 6 apresenta os resultados desta abordagem. 16 14 12 Pt 10 8 6 4 2 0 Cenário A Saúde Humana Cenário B - 25% Cenário B - 50% Ecossistemas Cenário B - 75% Recursos Figura 6 – Comparação dos impactes ambientais dos cenários A e B por categoria de dano na produção de apenas uma placa. Conforme se pode constatar, a redução dos impactes ambientais associada aos dois cenários é significativamente superior face à metodologia anterior, facto que, como se viu, é exclusivamente devido à não contabilização da produção dos componentes reutilizados no cenário B. Nesta abordagem as reduções verificadas face ao cenário A, são de 23%, 47% e 71%, para o cenário B com percentagens de reutilização de 25%, 50% e 75%, respectivamente. Através destes valores, e assumindo que os EEE representantes dos dois cenários são idênticos, pode concluir-se que um consumidor que opte pela compra de um EEE, com CEE reutilizados, pode reduzir significativamente os impactes ambientais associados à etapa do ciclo de vida do EEE na qual tem influência. www.apea.pt 15 Silva, E. e Estrela, M. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo realizado permite concluir que a reutilização de CEE apresenta benefícios ambientais quando comparada com a sua reciclagem, principalmente devido ao facto de se evitar as etapas do ciclo de vida que registam maiores consumos de matérias-primas. No entanto, apesar desta redução dos impactes globais, a categoria de dano associada aos efeitos deste tipo de produtos na saúde humana apresenta ainda valores de impacte significativos, sendo estes maioritariamente devidos à emissão ou exposição humana a substâncias cancerígenas e compostos inorgânicos prejudiciais para a saúde. De qualquer forma, e do ponto de vista estritamente ambiental, um consumidor que opte por um EEE que contenha CEE reutilizados, pode reduzir significativamente os impactes ambientais associados nas etapas do ciclo de vida do EEE. Esta redução é feita principalmente de forma indirecta através do favorecimento de práticas e acções sustentáveis, em detrimento de opções menos correctas ambientalmente. No entanto, e apesar de não serem consideradas neste estudo, existem outras questões primordiais que devem ser tidas em conta quando se considera a reutilização de CEE. Estas questões estão relacionadas fundamentalmente com a fiabilidade, integridade, tempo de vida restante, degradação e garantias dos próprios CEE que, na falta de especificações normativas que regulamentem esta reutilização, tornam difícil alcançar níveis de confiança aceitáveis para os consumidores. 16 www.apea.pt 20 e 21 de Maio de 2011 ULHT, Lisboa REFERÊNCIAS ANDREOLA F, BARBIERI L, CORRADI A, FERRARI AM, LANCELLOTTI I, NERI P (2007) – Recycling of EOL CRT Glass into Ceramic Glaze Formulations and Its Environmental Impact by LCA Approach. Int J LCA 12 (6) 448–454 FINNVEDEN G, et al. (2009) – Recent Developments in Life Cycle Assessment. Journal of Environmental Management, 91:1-21. GOEDKOOP M, SPRIENSMA R. (2001) – The Eco-indicator 99 – A damage oriented method for Life Cycle Impact Assessment. Methodology Report. Pré Consultants, Amersfoort, The Netherlands. GUINÉ J B, et al. (2004) – Handbook of Life Cycle Assessment – Operational Guide to the ISO Standards. Kluwer Academic Publishers, New York, USA. HISCHIER R, BAUDIN I. (2010) – LCA study of a plasma television device. Int J LCA 15:428-438. ISO (2006) ISO 14040 International Standard. In: Environmental management – life cycle assessment – principles and framework. International Organisation for Standardization, Geneva, Swiss. KUEHR R, et al. (2007) – 2008 Review of Directive 2002/96 on Waste Electrical and Electronic Equipment (WEEE) – Final Report. United Nations University, Contract No: 07010401/2006/442493/ETU/G4 ENV.G.4/ETU/2006/0032, Bonn, Germany. PEARCE J (2007) - ELFNET – Roadmap European Electronic Interconnection Version 1. European Lead Free Soldering Network, Hertfordshire, UK. PRÉ CONSULTANTS (2010) – SimaPro 7.2.4. Amersfoort, The Netherlands. SCHARNHORST W (2008) – Life Cycle Assessment in the Telecommunication Industry: A Review. Int J LCA 13 (1) 75–86 AGRADECIMENTOS Este artigo surge em resultado do projecto ELECTROVALUE: “Electric and Electronic Eco-assembly Alternatives for the Valorisation of the End-of-life Products in the Recycling Market”, co-financiado pela Comissão Europeia através do programa LIFE. Contracto n.º LIFE07 ENV/P/000639. www.apea.pt 17