FOTOGRAFIAS FEITAS POR DEFICIENTES VISUAIS
O início
“Todos os fotógrafos precisam de um quarto escuro, devem revelar seus filmes em uma sala escura,” fala o fotógrafo
cego esloveno Evgen Bavcar, “e toda a minha vida é uma sala escura, eu sou uma sala escura, usando uma máquina
por onde entra a luz. Por que não poderia fazer fotos? Isso não é uma provocação e sim um desejo interior de fazer
imagens.”
Motivados por esse mesmo desejo interior de fazer imagens, de registrar os aspetos mais marcantes da vida como
todos nós fazemos, os próprios usuários do Espaço Braille da biblioteca do Centro Universitário Senac chegaram aos
seus professores de informática no começo deste ano para solicitar um curso novo, inesperado e até irônico à primeira
vista: um curso de fotografia para deficientes visuais.
O que é o projeto?
Fruto desta solicitação, Alfabetização Visual é um projeto de fotografia participativa com jovens e adultos deficientes
visuais onde os alunos aprendem a usar a fotografia como meio de expressão criativa e inclusão social, comunicando
suas percepções sobre o mundo e despertando consciência no público vidente sobre a realidade da comunidade cega.
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Quando começou e em que contexto?
O curso com deficientes visuais se tornou realidade em abril de 2008 como parte do projeto coordenado pelo professor
João Kulcsár. Alfabetização Visual tem por objetivo capacitar alunos do Bacharelado em Fotografia do Centro
Universitário Senac para ensinar fotografia em projetos sociais de maneira sempre refletiva, consciente e crítica.
Atuando como educadores na prática de um determinado projeto social, os alunos voluntários aprendem a preparar,
conduzir e avaliar uma aula, ampliando, ao mesmo tempo, suas visões sobre as possibilidades da fotografia ao conhecer
novas realidades e novos olhares. “Minha expectativa é enxergar a fotografia não apenas com os olhos”, disse Cláudia,
uma educadora do projeto na primeira aula do ano.
Onde está sendo realizado?
As aulas de fotografia para deficientes visuais, planejadas e ministradas pelos educadores acontecem semanalmente
no Centro Universitário Senac em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, além de saídas fotográficas em diversos
lugares da cidade, entre eles o Mercado Municipal e a Bienal de São Paulo.
Ao longo do ano, os educadores e professores também participaram de várias orientações - no Museu do Diálogo, em
Campinas, na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no próprio Espaço Braille da Biblioteca do Centro Universitário Senac
– Campus Santo Amaro – para aprender sobre numerosos aspectos relacionados a como trabalhar com deficientes
visuais, desde a mobilidade até a leitura da imagem.
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Quem envolve?
• Os alunos, jovens e adultos com graus variados de deficiência visual
• Os educadores, alunos voluntários do curso de bacharelado em fotografia
• Os supervisores, docentes do Senac, das áreas de Fotografia, Audiovisual e Design
• Funcionários do Espaço Braille da biblioteca do Centro Universitário Senac
Já no segundo módulo, “Sentidos,” dedicamos cada aula à exploração de um sentido diferente, aproveitando a
linguagem dos outros sentidos, bem presentes no dia a dia dos alunos, como meio de expressar idéias e sentimentos
e mostrar a realidade dos deficientes visuais de forma fiel. “A gente vê as coisas,” comentou Marina, uma aluna, “mas
de um jeito diferente”. Através da aproximação do tato, da audição, do paladar e do olfato, os alunos conseguiram
compor imagens que comunicassem seus olhares originais de uma maneira ao mesmo tempo visual e emocional.
“Como a gente não tem a orientação visual, a gente tem que expressar um olhar de dentro,” explica João Batista, um
aluno do curso. “A fotografia é antes de tudo imaginar a imagem na cabeça, e depois fazer o click.”
Quais são os objetivos do projeto?
O projeto tem como objetivo estimular a reflexão, a imaginação e a participação dos alunos, desenvolvendo sempre a
auto-estima e abrindo novos canais de comunicação e expressão entre os deficientes visuais e o público vidente.
Uma outra parte fundamental do projeto consiste no registro escrito e fotográfico das aulas e atividades do curso, que
tem como fim a produção de um guia e um site que podem servir como referências para outros educadores e artistas
interessados em realizar projetos de fotografia participativa com deficientes visuais.
Como funciona?
“A gente só escuta pessoas que não acreditam em nós, que perguntam, ‘Cego tirando foto? Que é isso?’” Débora, uma
aluna do curso, comentou durante a aula. A pergunta, que chega sem falta a todos os alunos e educadores do projeto,
pode vir em várias formas mas sempre é a mesma: Como é que alguém que não enxerga consegue fazer uma foto?
Finalmente, no coração do projeto, procuramos situar nossas atividades no contexto de um processo maior de trabalhar
e lutar por um mundo que promove, nas palavras do Bavcar, “a aceitação de todos que olham de outro modo”.
Prof. João Kulcsár
No final, não existe uma única resposta à essa pergunta famosa, senão múltiplas respostas que a gente foi e ainda vai
conhecendo, e as fotos dos alunos, provas imagéticas e tangíveis do fato de conseguir.
Durante todo o curso, que foi dividido no primeiro ano em três módulos com os temas de “Manuseio,” “Sentidos,”
e “Ensaio Fotográfico,” nossa metodologia principal tem sido uma de prática participativa. No primeiro módulo,
desenvolvemos junto com os alunos técnicas de distanciamento, enquadramento e composição que envolvem uma
interação espacial e corporal tanto com o sujeito da foto quanto com a máquina fotográfica. Enfocamos também
nas técnicas de autonomia, de aprender a expressar verbalmente a intenção interior da imagem, e de saber fazer as
perguntas adequadas para atingir sua realização fotográfica.
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João Batista Maia da Silva
Sabores Picantes - Lembrança
de Futebol, 2008
João Batista Maia da Silva
Acessibilidade - No Meio da Calçada Tinha um Buraco, 2008
“Fotografei a rua porque a rua para mim é um lugar tanto de coisas boas quanto de coisas ruins. É uma aventura para
o deficiente.”
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João Batista Maia da Silva
Frutas - Coma com os Olhos, 2008
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João Batista Maia da Silva
Visão - Um Olhar Diferente, 2008
“A bengala é como fosse o olho da gente. Esse jarro é muito bonito, mas é um obstáculo na rua para quem não
enxerga. Nas minhas fotos tento passar a questão da acessibilidade: o metrô, os buracos na rua, os orelhões, o
cotidiano do qual o deficiente participa, a acessibilidade e também a dificuldade que ele enfrenta todo dia.”
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Adriano Ferreira da Silva
Futuro do Brasil, 2008
“Tirei uma foto de um grupo de
crianças porque as crianças são o
futuro do Brasil... tremi um pouco
mas mesmo assim, quem vê a foto
vê o que eu queria passar.”
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Adriano Ferreira da Silva
Infância, Brincando na Terra,
2008
“O que eu tento passar nas minhas
fotos é como era minha vida antes e
como está sendo agora. Mostro a
infância, as conquistas, a minha
própria superação.
Quero mostrar que eu posso.
Marcou muito a foto dos pés
que lembra minha infância. Foi uma
infância muito pobre mais muito
divertido também, é uma coisa que
você vive e leva com você para
sempre.”
Adriano Ferreira da Silva
Cheiros e Texturas Desconhecidas 01, 2008
Adriano Ferreira da Silva
Cheiros e Texturas Desconhecidas 02, 2008
Adriano Ferreira da Silva
Cheiros e Texturas Desconhecidas 03, 2008
“Ir no Mercadão foi uma coisa de descoberta muito
grande. Novos cheiros, novas texturas. Usei muito o
tato, o olfato, até o paladar no momento que o rapaz
deu uma fruta para experimentar. Eu sempre quis ir lá
mas nunca tinha oportunidade. Só de olhar para a foto,
a pessoa vai saber que a fruta é gostosa, vai sentir
isso, vai viver o momento. É isso que eu queria passar.”
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Adriano Ferreira da Silva
Passado, 2008
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Marco Aurélio Oton
Um Doce Sorriso, 2008
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Marco Aurélio Oton
Também Passeamos!, 2008
“Acompanhei uma colega deficiente visual no dia que ela foi doar sangue. Mostrei ela no caminho ao hospital, no
metrô, na rua, o encontro dela com um orelhão... Queria mostrar como é duro ter a boa vontade mas não ter a
acessibilidade necessária.”
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Marco Aurélio Oton
Brincando com as Formas, 2008
Marco Aurélio Oton
Temperos Fortes, Cores Suaves,
2008
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Gabriel Rocha de Oliveira
Gasparzinho, 2008
“ A foto da sombra é uma foto
sobre a visão. Na primeira
foto que tirei, saí pela metade,
então coloquei minhas
mãos em cima da cabeça
e saí inteiro.”
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Gabriel Rocha de Oliveira
Filha da Maçã e da Pêra, 2008
Gabriel Rocha de Oliveira
Mexerica Adulta, 2008
Gabriel Rocha de Oliveira
A Barraca da Alegria, 2008
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Henrique Issao Aoki
O Som da Guitarra, 2008
“Quero ter uma guitarra. Gosto muito do som dela
quando tocada. Acho que um dia vou ter uma. Quero
fazer cursos e sair tocando pelas ruas. Queria mostrar
o som dela e como é que ela é. Quando a pessoa vir a
foto, acho que vai pensar no som dela.”
Henrique Issao Aoki
O Barulho do Martelo, 2008
Henrique Issao Aoki
A grade para o corredor, 2008
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Henrique Issao Aoki
A Saída para Aventura, 2008
“Gosto de tirar coisas do meu cotidiano.”
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Henrique Issao Aoki
A Fruta Estranha, 2008
“Minha intenção era mostrar como
é que são as frutas, as texturas,
os cheiros. E queria ver também
como ficavam as frutas de todos os
ângulos, de cima, de baixo, do lado,
para ver se ficava bom ou ruim.
Essa acho que ficou boa.”
Marina Massayo Yogui Yonashiro
“Queria fazer um trabalho sobre a inclusão.”
Henrique Issao Aoki
Sabor Forte, 2008
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Marina Massayo Yogui Yonashiro
Nosso Brasil, 2008
“No mercado, resolvi fazer um ensaio
sobre as cores. Queria mostrar todas as
cores diferentes que não esperava.”
Marina Massayo Yogui Yonashiro
Repassando Conhecimento, 2008
“A gente vê as mesmas coisas de um jeito diferente.”
Marina Massayo Yogui Yonashiro
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Sivanildo Lima
Percepção Divertida, 2008
Sivanildo Lima
Sonho Distante, 2008
“Nesta foto, o caderno representa a inclusão. Queria mostrar que estava tão próximo mas tão distante ao mesmo
tempo. Durante muitos anos não encontrei esse caderno... até três anos atrás, quando descobri o método braille e me
alfabetizei. Quero mostrar que eu não sou um coitado, que sou um ser humano igual a você.”
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Sivanildo Lima
Guiado pelo Olfato, 2008
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João Batista Maia da Silva
Bienal, 2008
Sivanildo Lima
Trilha de Obstáculos, 2008
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Henrique Issao Aoki
Bienal, 2008
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Marco Aurélio Oton
Bienal, 2008
Marco Aurélio Oton
Bienal, 2008
Gabriel Rocha de Oliveira
Bienal, 2008
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Adriano Ferreira da Silva
Bienal, 2008
“Resumindo tudo, é a superação.
Toda foto para mim é uma
superação. Quero que minhas
fotos transmitam que eu estou
descobrindo novas coisas.”
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João Batista Maia da Silva
Bienal, 2008
“Para a foto ter um impacto, tem que usar um ângulo diferente, um olhar diferente.”
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Adriano Ferreira da Silva
Auto-retrato, light painting, 2008
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Henrique Issao Aoki
“H” de Homem, light painting, 2008
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Gabriel Rocha de Oliveira
Marco Aurélio, light painting, 2008
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João Batista Maia da Silva
Adriano, light painting, 2008
“Quis passar a noção que todo mundo tem uma áurea, um anjo do seu lado.”
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Gabriel Rocha de Oliveira
Auto-retrato, light painting, 2008
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João Batista Maia da Silva
Auto-retrato, light painting, 2008
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Marco Aurélio Oton
Auto-retrato, light painting, 2008
“Para mim, fotografar é voltar no tempo quando eu enxergava. Com a descrição das outras pessoas, acabo tendo
várias imagens de muitos ângulos diferentes, e essa memória visual volta a trabalhar. Volto a ver o mundo e de certa
forma, volto a integrar a sociedade.”
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SENAC – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO REGIONAL
Presidente
Abram Szajman
Efetivos
Akira Kido
Alberto Weberman
Argemiro de Barros Araújo
Arlette Cângero de Paula Campos
Elisete Berchiol da Silva Iwai
Garabed Kenchian
Haroldo Silveira Piccina
José Camargo Hernandes
José Carlos Buchala Moreira
José Domingues Vinhal
Luiz Antonio de Medeiros Neto
Pedro Zidoi Sdoia
Rubens Torres Medrano
Ruy Pedro de Moraes Nazarian
Wilson Hiroshi Tanaka
Suplentes
Antonio Henrique Medeiros Duarte
Arnaldo Augusto Ciquielo Borges
Atílio Carlos Daneze
Frednes Correa Leite
Gener Silva
George Assad Chahade
José Antonio Scomparin
Ludgero Migliavacca
Luiz Armando Lippel Braga
Luciola Rodrigues Jaime
Mariza Medeiros Scaranci
Michel Jorge Saad
Oswaldo Bandini
Roberto Arutim
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REPRESENTANTES NO
CONSELHO NACIONAL
Efetivos
Abram Szajman
Marcio Olívio Fernandes da Costa
Marco Aurélio Sprovieri Rodrigues
Suplentes
Dario Miguel Pedro
Edson Gaglianone
Felícia Aparecida de Souza Areias
DIRETOR REGIONAL
Luiz Francisco de Assis Salgado
SUPERINTENDENTE ADMINISTRATIVO
Darcio Sayad Maia
SUPERINTENDENTE DE OPERAÇÕES
Lucila Mara Sbrana Sciotti
SUPERINTENDENTE UNIVERSITÁRIO E DE
DESENVOLVIMENTO
Luiz Carlos Dourado
Centro Universitário Senac
Curso, exposição e catálogo
Reitor: Sidney Zaganin Latorre
Diretor de Graduação: Eduardo Mazzaferro Ehlers
Diretora de Pós-graduação e Pesquisa: Flávia Feitosa Santana
Diretora de Extensão: Márcia Cavalheiro Rodrigues de Almeida
Diretor Administrativo: Esmeraldo Batista de Oliveira
Diretora de Registro Acadêmico: Izabela Ottoni de S. M. Piquet Guimarães
Diretora de Bibliotecas: Jeane dos Reis Passos
Diretora de Avaliação Institucional: Maria Inês Santos
Curador: João Kulcsár
Curador assistente: Fernanda Romero
Produção: Claudia El Bayeh
Produção: Antonio Carlos Cardoso
Bolsista Comissão Fulbright: Gabriela O´Leary
Bolsista extensão: Julie Campanholi
Diretoria de Extensão
Diretora de Extensão: Márcia Cavalheiro Rodrigues de Almeida
Coordenadora de Eventos: Isabella Limões
Equipe de eventos: Thais Aline de Queiroz e Patrícia de Carvalho Raguzzani
UNIVERSIDADE DE HARVARD
Graduate School of Education
Wendy Luttrell
CEBE – Centro de Estudos Brasil-Estados Unidos
Coordenador: João Kulcsár
Professores:
Antonio Carlos Cardoso, João Kulcsár, Fernanda Romero, Nanci Barbosa,
Paula Palhares, e Paulo Rossi
Educadores (alunos do Bacharelado em Fotografia do Centro
Universitário Senac):
Anna Clara Monteiro Hokama, Carla Paraizo, Cauê Landre Godinho,
Claudia Ferrari El Bayeh, Douglas Ozaki Nassif, Edvania Ferreira da Silva,
Gabriela O’Leary, João Paulo Borges Ribeiro, Juliana Mingoti Silva, Julie
Anne Campanholi, Lizabete Guerreiro, Maria Luna Souza, Paula Thebas
Nogueira Pacheco, Raquel Tanaka Yoshiura
Alunos:
Adriano Ferreira da Silva, Andre Nascimento, Clodoaldo Teixeira, Débora
Tomiolo, Gabriel Rocha de Oliveira, Henrique Issao Aoki, Hiroshi Yano,
João Batista Maia da Silva, Marco Aurélio Oton, Marina Massayo Yogui
Yonashiro, Sivanildo Lima
Agradecimentos:
Margarete de Oliveira (Pinacoteca do Estado), Espaço Braille da
Biblioteca do Centro Universitário Senac - Campus Santo Amaro: Jeane
dos Reis Passo, André Luiz Nascimento Gomes, Lúcio Fabio da Silva
Feitosa, Ricardo Quintão Vieira, Walquira Melo de Carvalho.
Centro Universitário Senac
São Paulo, Brasil
Novembro de 2008
www.sp.senac.br
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Realização
Apoio
Curadoria
João Kulcsár
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