O TRUAMA COMO FORÇA MATRIZ DA OBRA DE MAYA ANGELOU 1 Juliana de Oliveira Ferreira. 2 Márcio Pizarro Noronha Resumo: O seguinte trabalho está centrado na produção artística de Maya Angelou, no contexto teórico e estético, numa perspectiva do realismo traumático de Hal Foster. Recorrendo a obra “Eu sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola”, objetivo é analisar as diferentes linguagens da artista, onde a mesma estabeleceu formas narrativas para seu sofrimento. Destacando as relações arte-psicanálise, com o interesse em traçar uma perspectiva de pesquisa engajada no tratamento da situação cultural, étnica, política e diaspórica, e a noção de trauma individual como advento da história subjetivada. Palavras chave: Maya Angelou, trauma, diáspórica. Trauma, palavra originária do grego que tem como significado ferida. Para a psicanálise o trauma se da com o encontro com o sexual. Para Freud os traumas estão nos sintomas. Tal fato se faz presente nas experiências da infância e não na atualidade dos fatos. O seguinte texto não se trata de um trabalho de psicanálise, mas sim de um acontecimento traumático de uma mulher negra Norte Americana. Há uma ambiguidade na situação universal do negro, que se resolve, entretanto, na sua existência concreta. É assim que, de certo modo, ele se assemelha ao Judeu. Contra os obstáculos alegados acima apelamos para uma evidência: onde quer que vá, um negro permanece um negro. Frantz Fanon, Pele negra, máscaras brancas O objeto deste estudo consiste em analisar, interpretar e compreender manuscritos, livros, diários, correspondências e outros materiais que integram o processo de criação de artistas modernos e contemporâneos (Costa, 2008; Derrida, 2001; Levy, 2009; Noronha, 2007a; Noronha, 2007b; Noronha, Luz, Lucas e Cardoso, 2009; Roudinesco, 2006; Seligmann-Silva, 2006). Nesta pesquisa, serão analisadas e interpretadas obras da produção bibliográfica e cênica (dança, música, cena) de Maya 1 2 Bolsista PIBIC-AF (UFG\FEFD). E-mail [email protected] Orientador. UFG\FEFD . E-mail [email protected] Angelou, recorrendo aos textos originais em inglês, traduções de suas obras para o português e outras línguas e as obras cênicas disponibilizadas através de vídeos na web (Angelou, 1996; Angelou, 2010). Assim, objetiva estudar (analisar, interpretar e compreender) a produção bibliográfica e cênica de Maya Angelou, com ênfase para os seguintes aspectos: o caráter da multiartista e as diferentes linguagens exploradas. Esta pesquisa se insere nos estudos de História da Arte e História da dança, relações interartística, e transmidiais entre a dança, as demais artes e as mídias. Como produção acadêmica sua relevância se encontra em ser estudo de caráter intercultural, revelando ainda os temas da história e da cultura do ponto de vista de uma artista afro-americana. Objetivará, no decorrer da pesquisa, o desenvolvimento de uma produção artística, estabelecendo as relações entre a pesquisa teórica e histórica com o campo da pesquisa poética, em poéticas do corpo e formas de encenação. O foco nas relações arte-psicanálise tem, neste momento, o interesse em traçar uma perspectiva de pesquisa engajada no tratamento da situação cultural-étnica-política diaspórica e a noção de trauma individual como advento da história subjetivada. Numa perspectiva geral da metodologia de abordagem de Foster (2010:25-55), o autor propõe o entendimento de que artes e artistas que assumiram funções autoreferenciais (autobiográficas) associadas aos interesses da tradição popular do thruth telling contar a verdade no domínio da ficção/fabulação artística geram uma estética, a do “Realismo traumático” oferecendo seu corpo, sua história e sua experiência como lugares para a inscrição social, não somente pelo realismo extremo apresentado na produção artística contemporânea bem como as relações deste com uma estética do choque, da abjeção e da idéia de uma ação que se torna obra no tempo , aproximando-se assim do conceito de performance. Segundo Foster, a noção de subjetividade em choque a repetição compulsiva reposiciona o papel na persona. Levando a repetição ao papel da perda do significado, aliviando o sintoma do peso do indivíduo. Quando se vê uma imagem medonha repetidamente, ela não tem realmente um afeito. Essa é a função da repetição. Para Freud repetir um evento traumático (nas ações, nos sonhos, nas imagens) de forma a integrá-lo à economia psíquica, que é uma ordem simbólica. As repetições não são restaurados nesse sentido, não se trata do controle sobre o trauma, mas uma libertação paciente por meio do luto, onde sugere uma fixação obsessiva do objeto da melancolia. Reproduzindo os efeitos traumáticos e produzindo o mesmo. Nessas repetições, ocorre uma série de coisas contraditórias ao mesmo tempo: uma evasão do significado traumático e uma abertura em sua direção, uma defesa contra os afetos traumáticos e sua produção. O seu corpo se mostra com marcas que renegam a espoliação histórica, violência, dores, fragmentação, separação física e cultural, mutilações, rejeição, abandonos e mortes. Nesta perspectiva, não é um entre natural e dado, mas é uma elaboração sociocultural e linguística, formadora de relações de poder (SANTIAGO,2012, p. 121) Enfatizam-se elementos da história dos sentidos (e das sensibilidades), da afetividade e do sexual. Estes elementos configuram-se e recombinam-se nos modos como os sujeitos fazem sua aparição nas relações sociais, recorrendo à categorias da cultura e das relações de poder, da descrição do sujeito e da subjetividade. Revelam-se assim, os modos de operar e influenciar o sujeito e suas obras a partir do encontro com o campo do Real em seus aspectos traumáticos e de uma história traumática da subjetividade. Isto ocorre justo onde há a entrega da linguagem, mas também uma cobrança do entendimento de todos os sistemas culturais e de codificações. Tal cobrança se dá de forma colonizada, sendo uma cúmplice da operação simbólica dos fatos. A busca dos processos de sensação-percepção e de criação da artista será analisada no viés de suas identificações, revelando impulsos – traumáticos - que estimularam Maya em suas criações, bem como as suas relações com o publico para os quais direcionou suas obras literárias, fonográficas e artísticas. A obra “Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola” (Angelou, 1996) descreve de forma memorial a história da poeta, militante, artista, num exemplo desta história traumática do processo criativo. Suas abras enfatizam o entrecruzamento entre os conflitos pessoais, políticos e raciais. Conflitos estes que a transformaram e multiplicaram seus modos sociais de identificação bem como seus processos de criação multidirecionados, fazendo da sua experiência o trabalho de uma multiartista (interartista e artista multimídia). Nestes trabalhos que serão investigados durante o processo de pesquisa investigar-se-á os modos como a artista traduz e relata o racismo como um mecanismo de segregação, e impede o direito de espaço. Esta obra também relata sua vida, desde a primeira infância, e sua adolescência, as transformações do corpo e as diferentes transformações dos estados do corpo e de sua consciência étnica e cultural. Nos seus textos encontramos situações diversas em que Maya questiona todo o tempo sua estética corporal, pensando o corpo como sendo um lugar onde o gênero e a sexualidade foram colocados em questão. Carta a minha filha” (tradução de 2010). Nelas continuaremos a observar os aspectos da relação entre os planos da experiência existencial e da criação, enfocando a noção de trauma e a transformação de seus conteúdos e formas em elementos da criação. Neste domínio também iremos considerar a relevância do papel social ocupado por esta artista na sociedade norte-americana, no contexto da reflexão sobre a cultura afro-americana, traçando as relações entre a experiência vital e os processos coletivos vividos por mulheres negras nos EUA. Em grande parte a pesquisa ocorrerá através do suporte das artes do corpo, da cena, da mídia impressa e gravada incluindo aí também os grupos associados a esta artista nas redes sociais. Há também o elemento que denominamos no projeto de “processo de arquivamento do si mesmo” no modo como um artista não apenas conta a sua história, mas reconstitui a sua história de forma espacializada, ocupando lugares físicos e lugares virtuais. Um trabalho em forma de instalação já foi realizado, fazendo uma releitura do livro “Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola“ , num formato acadêmico de estudo comparativo com a artista afro-americana Coco Fusco (2005), na disciplina de História da Arte do curso de Dança. O objetivo é também dar movimento à obra através da realização de uma performance, associando teoria e história da arte à crítica poética e social e à produção poética corporal propriamente dita. Referências ANGELOU, Maya. Eu sei por que o pássaro canta na gaiola. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996. Carta a minha filha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. FOSTER,Hal. Iluminações Cegas. Crítica Cultural.Volume 5 – Número 1, 2010. Disponível em: <http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0501/050102.pdf> Acesso em: 26 de set.2013. FUSCO, Coco. I Like Gils in Uniform. Performance Bare Life Study (SP, 2005). COSTA, Luiz Claudio. Registro e arquivo na arte, disponibilidade, modos e transferências fantasmáticas de escrituras. Florianópolis: 17º. Encontro da ANPAP, 2008. DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. LEVY, David. A identidade Narrativa. Conhecer o si mesmo é narrar sua história. In: Revista Filosofia. Vol 11. São Paulo: Duetto, 2009. NORONHA, Márcio Pizarro. Do FORT-DA da arte ao corpo-obra. É possível uma estética da clínica? Haverá um corpo-obra? In: Revista Conexão, v.6 nº 1 Jan/Jun. 2007. Interartes e Dança: uma pequena história entre o háptico e ascinestesia. In: ENGRUPE – DANÇA – Encontro de grupos de Pesquisa em Dança. São Paulo: UNESP, 2007. Publicação em CD-ROM e em DVD. NORONHA, Marcio Pizarro; LUZ, Aline; LUCAS, Núbia; CARDOSO, Sylnier. Arquivo, Arte, História.Trânsitos do arquivo na História Contemporânea e a problemática em torno dos arquivos de artista. Boletim do Museu Histórico. Jataí, 2009. ROUDINESCO, Elisabeth. A análise e o arquivo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. SELIGMANN- SILVA, Márcio (org). Palavra e imagem, memória e escritura. Chapecó: Argos, 2006.