125 CRIMINOLOGIA NO LIMITE DA POBREZA V Mostra de Pesquisa da PósGraduação Apresentador1 Marco Antonio de Abreu Scapini, Ricardo Timm de Souza1 (orientador) 1 Faculdade de Direito, Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais, mestrado, PUCRS. Resumo Criminologia no limite da pobreza: estas palavras ainda não formam uma proposição, tampouco um discurso. Mas se jogamos com elas poderemos construir o sentido deste texto. Pensar o seu limite não seria já uma forma de superar o próprio do limite? A superação do limite foi a questão enunciada por Derrida em relação ao discurso filosófico. Segundo Derrida, este discurso se ateve sempre a controlar o limite, “acreditou dominar a margem do seu volume e a pensar o seu outro”1. Tal afirmação nos coloca diante do que está realmente em jogo, a pretensão de realização do mesmo e a responsabilidade de colocar a pergunta diante da margem que não é sua. Por que? Porque ensina o filósofo argelino que “o impossível já aconteceu”2 . Aqui, portanto, para nós está o epicentro daquilo que da o que pensar, pois o impossível aconteceu tanto na totalidade do sendo como na história dos fatos. Mas ao mesmo tempo, nos coloca diante de uma contradição performativa, como pode o impossível acontecer? Pois aconteceu. Em outras palavras: Auschwitz aconteceu. Este acontecimento é o próprio argumento do que está sendo proposto. Nada mais, talvez, precisasse ser dito, o argumento já está dado. Mas, ao mesmo tempo, tudo precisa ser dito, apesar da impossibilidade de se falar sobre o acontecido. Nesse sentido, Benjamin faz referência a pobreza de experiência que se instaura com a primeira grande guerra. Os combatentes voltam silenciosos do campo de batalha, sem nada para transmitir. Assim, afirma 1 DERRIDA, JACQUES. Margens da filosofia. Trad. Joaquim Torres Costa e Antonio M. Magalhaes. pp. 11-12. Id. Violência e metafísica – ensaio sobre o pensamento de Emanuel Levinas. In: Escritura e a diferença. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 112 Trad. Maria Beatriz Marques Nizza da Silva, Pedro Leite Lopes e Pérola de Carvalho. 2 V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 126 Benjamin que “uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem3”. Confessa, aqui, uma nova barbárie, confirmando a tese de Freud, também trabalhada por Adorno, de que a civilização origina e fortalece o que é anticivilizatório4. Trata-se, em Auschwitz, do evento-limite que desconstrói a possibilidade de representação. Segundo Seligmann-Silva “esse evento-limite, é a catástrofe, por excelência, da Humanidade e que já se transformou no definiens do nosso século. Reorganiza toda a reflexão sobre o real e sobre a possibilidade de sua representação5”. Eis a pertinência da reflexão, também, ao pensamento criminológico, a dimensão real - do existente – da violência se reorganiza. O que permitiu tal evento-limite foi a primazia da técnica, a partir do que Adorno denomina de consciência coisificada6. Daí porque afirma o imperativo de que Auschwitz não se repita. Nesse sentido, a reflexão sobre o sentido de Humano se impõe, segundo Silva Filho “o que está em jogo a partir de Auschwitz não é ser bom ou ser mal, mas ser humano7”. A colocação destas dimensões, re-pensando a catástrofe se dá, por vivermos quotidianamente em uma loucura por justiça, como assinala Derrida8. A proposição ética como fundamento primeiro é a condição de re-formulação das relações humanas. Conforme expõe Ricardo Timm de Souza “ética é o fundamento de todas as especificidades do viver, em suas mais complexas relações e derivações, das ciências e da tecnológica, da história das comunidades e da própria filosofia9”. Ainda há tempo e, portanto, esperança. 3 BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In. Magia, técnica e arte: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio PauloRouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 115. 4 Cf. FREUD, Sigmund. O mal-estar na Civilização. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997.; e ADORNO, Theodor. Educação após Aushwitz. In Educação e Emancipação. Trad. Wolfgang Leo Mar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. 5 SELIGMANN-SILVA, Marcio. A história como trauma. In. Catástrofe e representação: ensaios. Arthur Nestrowski e Marcio Seligmann-Silva (orgs.) São Paulo: Escuta, 2000, p. 75. 6 ADORNO, Theodor. Educação após Auschwitz. p. 130. 7 SILVA FILHO, José Carlos Moreira. O anjo da história e a memória das vítimas: o caso da ditadura militar no Brasil.Justiça e Memória: por uma crítica ética da violência. Castor M. M. Bartolomé Ruiz (org). São Leopoldo: Unisinos, 2009, p. 122. 8 DERRIDA, Jacques. Força de Lei. São Paulo Martins Fontes, 2007. 9 SOUZA, Ricardo Timm. Ética como filosofia primeira: Uma introdução à ética contemporânea. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2004, p. 20. V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 127 Referências ADORNO, Theodor. Educação após Aushwitz. In Educação e Emancipação. Trad. Wolfgang Leo Mar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995; DERRIDA, Jacques. Força de Lei. São Paulo Martins Fontes, 2007; _______; Margens da filosofia. Trad. Joaquim Torres Costa e Antonio M. Magalhaes; _______; Violência e metafísica – ensaio sobre o pensamento de Emanuel Levinas. In: Escritura e a diferença. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. Trad. Maria Beatriz Marques Nizza da Silva, Pedro Leite Lopes e Pérola de Carvalho; FREUD, Sigmund. O mal-estar na Civilização. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997; SELIGMANN-SILVA, Marcio. A história como trauma. In. Catástrofe e representação: ensaios. Arthur Nestrowski e Marcio Seligmann-Silva (orgs.) São Paulo: Escuta, 2000; SILVA FILHO, José Carlos Moreira. O anjo da história e a memória das vítimas: o caso da ditadura militar no Brasil.Justiça e Memória: por uma crítica ética da violência. Castor M. M. Bartolomé Ruiz (org). São Leopoldo: Unisinos, 2009; SOUZA, Ricardo Timm. Ética como filosofia primeira: Uma introdução à ética contemporânea. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2004. V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010