32 CONCEPÇÕES DE SAÚDE E DE ATIVIDADE FÍSICA RELACIONADA À SAÚDE NAS REPRESENTAÇÕES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA PRATICANTES DE EXERCÍCIOS FÍSICOS REGULARES DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE ADAPTADO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. Lilanne de Fátima Lins Ribeiro Graduanda em Licenciatura em Educação Física Orientador: Prof. Ms. Gilmar Mercês de Jesus Universidade Estadual de Feira de Santana RESUMO Na literatura, pouco se discute a relação entre saúde e deficiência. Sabe-se que, historicamente, essa relação fora explicada de diversas maneiras. O olhar sobre a deficiência tem mudado, bem como sua relação com a saúde, que outrora atrelada apenas ao conceito de ausência de doença, passa a ser compreendida como um processo multi fatorial. Daí a importância de correlacioná-las a partir dos novos olhares. 1 INTRODUÇÃO Têm sido documentado recentemente pesquisas que discutam saúde no enfoque de saúde coletiva. No entanto, ainda são escassos trabalhos que retratem questões de pessoas portadoras de deficiências. Na literatura, pouco se discute a relação entre saúde e deficiência. Sabe-se que, historicamente, essa relação fora explicada de diversas maneiras. Em diversos momentos históricos, observam-se formas distintas de se entender a saúde. (FARINATTI; FERREIRA, 2006). Da mesma forma, os conceitos sobre os portadores de deficiências passaram por várias mudanças, no decorrer da história (CARVALHO; ROCHA; SILVA, 2006), tendo, contudo, uma íntima relação com o que se entendia por saúde. Nas novas construções sobre o entendimento de saúde, ainda é pouco discutida a sua relação com pessoas deficientes, e a concepção que esse grupo social tem acerca da mesma. No que se refere à relação entre atividade física e saúde acha-se, na literatura, pesquisas que comprovam os efeitos benéficos que estes podem proporcionar (ANTUNES et al., 2006; TOMÉ; VALENTINI, 2006). No entanto, alguns poucos trabalhos, como exemplo o de Coyle e Santiago (1995) citado por Mello et al., (2005), têm surgido na tentativa de analisar os possíveis efeitos saudáveis que as atividades físicas regulares podem proporcionar aos deficientes. Entendendo que a saúde é um processo sob influência de fatores biológicos psicológicos, sociais, educacionais, culturais e políticos e não uma causalidade, surge a problemática desse projeto: quais as concepções de saúde e de atividade física relacionada à saúde nas representações de pessoas com deficiência praticantes de exercícios físicos regulares do Núcleo de Educação Física e Esporte Adaptado (NEFEA) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)? Diante disso, o proposto trabalho traz como objetivo geral tal problemática e como específico, descrever as concepções de saúde e de atividade física relacionada à saúde dos sujeitos pesquisados. 2 REFERENCIAL TEÓRICO A partir de um olhar epistemológico, conceituar saúde tem sido uma tarefa difícil desde a Grécia antiga. Numa perspectiva histórica e geral, Farinatti e Ferreira (2006), discorrendo acerca da evolução das concepções de saúde, afirmam que esta pode ser entendida da seguinte forma: a) visão mágico-religiosa do processo de saúde-doença em que as doenças advinham de forças sobrenaturais, como forma de punição em decorrência à desobediência de condutas, b) como um estado de ausência de doenças, que perpetuou desde a Era de Hipócrates (460-337 a.C) até a Organização Mundial De Saúde (OMS) a partir de 1947, classificar como c) completo estado de bem estar físico, mental e social. Nos séculos XVII e XVIII, os avanços científicos nas ciências biológicas permitem a descoberta de doenças originadas por germes, revigorando ainda mais o conceito de saúde como a ANAIS DO 10º SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNEB CAMPUS II – DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO Disponível em: www.dedc2.uneb.br 33 ausência de doença (WESTPHAL, 2007, in: CAMPOS, 2007). A primeira tentativa de mudança de definir saúde como a ausência de doença se deu com a (OMS), ao afirmar que “a saúde traduz um estado completo de bem estar físico, mental e social, não consistindo apenas na ausência de doenças ou enfermidades” (WHO, 1947, p.1, apud FARINATTI e FERREIRA, 2006, p. 47). No entanto, o conceito da OMS também tem sido alvo de muitas críticas, onde a saúde não deve ser considerada como um estado e sim um processo para se alcançar objetivos individuais e/ou comunitários no âmbito social, biológico e psicológico (FARINATTI; FERREIRA, 2006). Avançando sobre o entendimento da concepção de saúde, criou-se um conceito mais amplo – a Carta de Ottawa – em 1986, na I Conferência Internacional de Promoção de Saúde, no Canadá. O documento supracitado diz que o completo bem-estar alcançado é determinado por fatores biológicos, sociais, econômicos, culturais, educacionais, ambientais e políticos (WESTPHAL, 2007). Assim, a saúde é conhecida cada vez e pelo tanto que se vive. Trata-se de decidir, a partir de possibilidades postas, quais objetivos almejarem, através de oportunidades de escolha, que num entendimento mais subjetivo da carta de Ottawa, poderia estar relacionado com possibilidades de integração social e capacidade para participar da vida social. 2.1 Saúde e deficiência. De acordo com a antiga concepção de saúde, separando a saúde “normal”- ausência de doenças - da “anormal” – enfermidades – os grupos humanos que pertenciam à “anormalidade”, e aqui em especial nos referimos às pessoas portadoras de necessidades especiais, passaram a viver à margem da sociedade. Na antiguidade clássica, em sociedades escravistas romanas e gregas, a valorização do corpo perfeito fez com que pessoas “defeituosas” fossem eliminadas do convívio social (CARVALHO; ROCHA; SILVA, 2006). Alguns pensadores filosóficos da Antiguidade Clássica, a exemplo de Platão (428-348 a.C) e Sêneca (4 a.C), citados por Silva (1986 apud CARVALHO;ROCHA;SILVA 2006) acreditavam ser a deficiência uma monstruosidade e que para esta o melhor era a morte. O primeiro defendia que deveria deixar morrer os indivíduos com corpo mal organizado. E Sêneca afirmava que deveriam afogar os deficientes para se distinguir as coisas inúteis das saudáveis. No entanto, para uma melhor compreensão em relação à deficiência, devem ser considerados todos os períodos históricos. Períodos considerados por Carvalho, Rocha e Silva (2006), como abandono ou extermínio; institucionalização; integração e inclusão. Na etapa de extermínio ou abandono – considerado também como momento de separação (MARQUES; MOURA e CASTRO; SILVA, 2001), são levadas em consideração a Era Primitiva e a Antiguidade, na primeira, como o indivíduo deveria procurar subsídios que garantissem a sua sobrevivência a partir do que a natureza lhe proporcionava aqueles que não tinham condições de fazê lo, eram deixados para trás. Na segunda, em cidades como Esparta, que vivia da guerra, via esses sujeitos imperfeitos como um “peso”, promovendo o extermínio. Para o período da Idade Média existem divergências na visão de outros autores (MARQUES; MOURA E CASTRO; SILVA, 2001), no trato com a deficiência. Eles afirmam que nesse momento, chamado de etapa de proteção, com o movimento reformista da Igreja, a morte foi substituída pela segregação, havendo a criação de asilos e hospitais que recolhiam os deficientes. Já para Carvalho, Rocha e Silva (2006), nesse momento, os reformistas mantinham os mesmos procedimentos que não iam de encontro ao novo período histórico, evidenciado pelo desprezo que Martinho Lutero (1483 – 1546) nutria por esse grupo social (CARVALHO; ROCHA e SILVA, 2006). Para Carvalho, Rocha e Silva (2006) a segregação ocorreu na sociedade moderna (século XVI e XVIII), período que chamaram de institucionalização. Diferentemente, Marques, Moura e Castro e Silva (2001), colocam que nesse período, com as idéias iluministas, houve já uma emancipação (nome dado a esta etapa por eles), passando a observar a deficiência com novos olhos. Já o século XX é considerado como o momento da Integração, que defende uma ação de normalizar os deficientes, modificando-os com necessidades educacionais especiais, para que assemelhassem o máximo possível aos outros cidadãos, e então ser inseridos e integrados ao convívio social (BRASIL, 2000, p.16 apud CARVALHO; ROCHA e SILVA, 2006, p.49). No entanto, este paradigma passou a ser criticado devido a sua proposta de querer cessar as diferenças. E o questionamento não é que se deva acabar, mas sim que a sociedade deva se organizar ANAIS DO 10º SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNEB CAMPUS II – DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO Disponível em: www.dedc2.uneb.br 34 de forma que todos possam viver coletivamente. Surge então a mais nova etapa, a da Inclusão. Dessa forma, passam a ganhar relevância novos entendimentos acerca do modo de encarar os deficientes, a respeito da relação entre deficiência, desenvolvimento e aprendizado (CARVALHO; ROCHA; SILVA 2006). Uma das vertentes que tem pensado esse trinômio é baseada na idéia de que qualquer desenvolvimento humano é adquirido através de suas relações e experiências de vida. Abordagem essa oferecida pela psicologia soviética que defende uma abordagem sócio-psicológica. Sendo assim, fatores sociais, políticos e econômicos seriam determinantes na aprendizagem, e na construção da personalidade, uma vez que, como afirma Vigotsky (1997) citado por Carvalho; Rocha e Silva (2006) o defeito por si só não decide o destino da personalidade, senão as conseqüências sociais e sua realização sócio-psicológica. 2.2 Atividade Física, Deficiência e Saúde. É pensando também numa melhora dos fatores sociais e psicológicos dos indivíduos, que alguns estudos têm se preocupado em analisar os benefícios que a atividade física pode vir a contribuir para a saúde dos indivíduos. (ANTUNES et al., 2006; TOMÉ; VALENTINI, 2006; MATSUDO, MATSUDO; BARROS NETO, 2000). Na verdade a prática de tais atividades, bem como os efeitos destas na aptidão física (MATSUDO; MATSUDO; BARROS NETO, 2000; OLIVEIRA FILHO; SALLES, SALVETTI 2005) sempre existiu desde a Era Primitiva, com a realização da caça, pesca etc. E, atualmente, o exercício físico tem sido reconhecido cientificamente, como de grande valor para uma sociedade que se apresenta com alto grau de índices de estresse, ansiedade e sedentarismo (Antunes et al., 2006; Tomé e Valentin, 2006). No entanto, essas questões são pouco discutidas no que se refere às pessoas com deficiência. Coyle e Santiago (1995 apud MELO et al., 2005), por exemplo, pesquisaram os efeitos que o exercício físico (no caso mais específico o exercício aeróbico) promoveria aos deficientes físicos, e concluíram que houve mudanças significativas na aptidão física e nos sintomas de depressão dos indivíduos. Considerando os efeitos psicológicos da prática de atividades físicas, muitos são os parâmetros de análise. No estudo de Tomé e Valentin (2006), os resultados encontrados corroboram com outros já existentes (citados pelos mesmos), no tocante à diminuição da ansiedade e agressividade, quando comparados aos indivíduos hipocinéticos. Estima-se também que os efeitos psicológicos positivos adquiridos são sensações de capacidade e eficácia, o amento das interações sociais e o fortalecimento do auto-conceito e auto-estima. Além disso, há indícios de que haja também uma melhora da função cognitiva (aprendizado, informação, percepção, memória, raciocínio) (ANTUNES et al., 2006). Como já fora dito, se a concepção de saúde interpretada pelo tanto que se vive e o desenvolvimento humano também é adquirido pelas nossas experiências, não se pode ter uma visão fragmentada do homem, mas sim de uma forma holística, entendendo que o seu equilíbrio advém das inter-relações de fatores que permeiam a vida de forma individual e coletiva. Dessa forma, conceitos devem ser construídos através de possibilidades impostas e oportunidades de escolha. 3 METODOLOGIA Este estudo de caso terá um cunho exploratório de abordagem qualitativa (MINAYO, 2004). A amostragem será realizada com 40 pessoas com deficiência praticantes de exercícios físicos regulares do NEFEA da UEFS na cidade de Feira de Santana – Bahia. Na coleta de dados será utilizado como instrumento uma entrevista com roteiro não estruturado composto por 05 questões (Quadro 1). Para análise dos dados será utilizado o método de Análise de Conteúdo ( BARDIN, 1977 apud TRIVIÑOS, 1987) que é estruturada em três etapas: pré-análise; descrição analítica e interpretação final. Nesse estudo serão respeitadas as normas do conselho nacional de saúde, através da Resolução 196/96, para pesquisa com seres humanos. Quadro 1 01. O que você entende por saúde; 02. Comente/fale sobre a sua saúde; 03. O que você faz para melhorar a sua saúde; ANAIS DO 10º SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNEB CAMPUS II – DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO Disponível em: www.dedc2.uneb.br 35 04. Você acha que a atividade física tem alguma relação com a saúde; 05. O que mudou na sua saúde depois da prática da atividade física; 4 REFERÊNCIAS ANTUNES, Hanna K. M. et al. Exercício físico e função cognitiva: uma revisão. Rev. Bras. Med. Esporte, Niterói, v.12, n.2, mar./abr. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbme/v12n2/v12n2a11.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2008. CARVALHO, Alfredo Roberto de; ROCHA, Jomar Vieira da; SILVA, Vera Lúcia Ruiz. Pessoa com deficiência na história: modelos de tratamento e compreensão. In: CARVALHO, Alfredo Roberto de. et al. Pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Cascavel, PR: EDUNIOESTE, 2006, p.15-56. FARINATTI, P. de T. Veras; FERREIRA, Marcos Santos. Saúde, promoção da saúde e educação física: Conceitos, princípios e aplicações. Rio de Janeiro: EdEURJ, 2006. MATSUDO, S. M.; MATSUDO, V. K. R.; BARROS NETO, T. L. Efeitos benéficos da atividade física e saúde mental durante o processo de envelhecimento. Rev. Bras. Ativ. Fis. Saúde. V.5, n.2, abr./jun. 2000. Disponível em: <http://bases.bireme.br>. Acesso em 12 mar. 2008. MELLO, Marco Túlio de. et al. O exercício físico e os aspectos psicobiológicos. Rev. Bras. Med. Esporte, Niterói, v. 11, n.3, mai./jun. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbme/v11n3/a10v11n3.pdf. Acesso em: 18 fev. 2008 MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 2004. TOMÉ, Tiago Hoff; VALENTINI, Nadia Cristina. Benefícios da atividade física sistemática em parâmetros psicológicos do praticante: um estudo sobre ansiedade e agressividade. Rev. educ. fis., Maringá, v.17, n.2, jul./dez. 2006. Disponível em: <http://bases.bireme.br>. Acesso em: 26 fev. 2008. TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação: o positivismo, a fenomenologia, o marxismo. São Paulo: Atlas, 1987. WESTPHAL, Márcia Faria. Promoção de Saúde e Prevenção de Doenças. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2006, p.635-667. Endereço Autora: Lilanne de Fátima Lins Ribeiro Endereço: Rua Palmerindo, n. 45, Cond. Luís Eduardo Prisco Viana, Bl. H, Apt. 303, Bairro Conceição I. Endereço eletrônico: [email protected] Tel. para contato: ( 75) 8807-6690 ANAIS DO 10º SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNEB CAMPUS II – DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO Disponível em: www.dedc2.uneb.br