UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO MESTRADO – ARQUITETURA E URBANISMO Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS PROGRAMÁTICOS EM TERRITÓRIOS QUE PROVOQUEM ARQUITETURAS DO ACONTECIMENTO Linha Moderno de pesquisa: e Urbanismo Contemporâneo: Representação e Intervenção. Junho – 2013 Simone Sousa Silva O SER E O OUTRO: AGENCIAMENTOS PROGRAMÁTICOS EM TERRITÓRIOS QUE PROVOQUEM ARQUITETURAS DO ACONTECIMENTO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UPM - Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora Profa. Dra. Eunice Helena Sguizzardi Abascal Área de concentração: Projeto de Arquitetura e Urbanismo Linha de pesquisa: Urbanismo Moderno e Contemporâneo: Representação e Intervenção 3 S586a Silva, Simone Sousa. Agenciamentos programáticos em territórios que provoquem arquiteturas do acontecimento. / Simone Sousa Silva – 2013. 113 f.: il.; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 109-113. 1. Infraestrutura. 2. Urbanismo. 3. Agenciamentos programáticos. I. Título. CDD 711.4 4 Dedicatória Em memória de minha tia Maria José. À minha mãe e ao João Paulo 5 AGRADECIMENTOS Agradeço especialmente a minha orientadora, Eunice Abascal, que foi uma grande amiga, presente de forma decisiva neste período, será inesquecível em minha vida e formação, por sua compreensão, apoio, ensinamentos. Agradeço aos membros da banca, por suas contribuições. Ao prof. Nelson Brissac, por despertar em mim o desejo de olhar para as cidades e por isso, escolher a arquitetura como parte de minha vida. Ao prof. Igor Guatelli, por me fazer acreditar que é possível projetar arquitetura conceitual e com ela novos mundos. À CAPES pela bolsa concedida que muito contribuiu para que se realizasse a pesquisa. Agradeço ao prof. Dorival Campos Rossi, que orientou meus primeiros passos em direção à realização de um trabalho conceitual em arquitetura e mudou a rota. Agradeço ao João Paulo, pela paciência em minhas horas de desespero, pelo apoio, companheirismo e amor, por fazer parte de minha vida, mesmo quando me ausentei em virtude dos estudos. Agradeço também aos amigos e familiares que são importantes em minha vida, em especial as minhas amadas tias e aos amigos que participaram deste processo, representados pelo Dawerson, Carolina Nery, Bruno Dias, Renata, Gláucia, Silvana, aos meus alunos. Ao Téo, pela alegria! 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................................11 1. POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES ENTRE FILOSOFIA E ARQUITETURA.................................................................................................................................20 1.1. As articulações entre a Filosofia e a Arquitetura: Traçando o Por vir...........................................................................................................................................................21 1.1.1. Valorização da Condição Espacial pela Desfuncionalização da Linguagem..............................25 1.1.2. Novas Tecnologias Promovendo Novas Possibilidades Plásticas..............................................27 1.2. Cartografias do Desejo.................................................................................................................37 1.2.1. A Aldeia Global e as Experimentações Projetuais na Segunda Metade do Século XX..............39 2. FORÇAS CONCEITUAIS E PROJETUAIS: MATERIALIZAÇÕES.............................................49 2.1. A Força do Trabalho Conceitual...................................................................................................50 2.1.1. Reflexões sobre as Inscrições Materiais.....................................................................................52 2.1.2. Viaduto Spittelau e a Inscrição Suplementar de Zaha Hadid: Criação de Novas Dinâmicas Urbanas................................................................................................................................................54 2.3. Parque de La Villete, Les Folies: Sobreposições e Dissociações....................................................58 3. ARQUITETURA COMO SUPORTE INFRAESTRUTURAL........................................................62 3.1. O Processo Infraestrutural............................................................................................................63 3.1.1. Mobilidade e Desenvolvimento Urbano.....................................................................................68 3.2. Estações Metroviárias e as ações que podem provocar.................................................................71 4. Análise dos Casos.................................................................................................................77 4.1. O Caso da Estação Sé e a Reconfiguração da Praça.....................................................................78 4.2. Estações de Metrô: Instauração de Não- Lugares?.......................................................................88 4.2.1. O Caso da Estação Sumaré.......................................................................................................91 4.2.2. O Caso da Estação Tamanduateí...............................................................................................100 4.2.3. A Integração Física..................................................................................................................104 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................107 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................................109 7 RESUMO Nesta pesquisa, busca-se estudar as mudanças sofridas nas últimas décadas pela cidade, pelos espaços públicos, em permanente publicação, ao colocar-se aberto à alteridade e pela arquitetura em consequência de fatores como a globalização, a terceira revolução urbana, o desenvolvimento tecnológico; provocando a investigação por outras experiências projetuais em um espaço urbano que conta com a justaposição de dissociados territórios e tensões entre situações. A caracterização da mobilidade urbana e as interações entre o usuário do metrô da cidade de São Paulo com as obras de arte instaladas e os espaços das estações, o projeto arte cidade e seus processos de mediação que partem da premissa da importância da promoção de micropolíticas urbanas que se formam se desfazem pelo movimento de contágio e com a própria arquitetura a partir de um colocar-se para, um suporte de incremento infraestrutural, ser que se constrói e se fortalece com articulações, com um além de si próprio a ser fortalecido pelo público, ou seja, a cidade e seus habitantes, observando sua dimensão urbana. Este trabalho tem por objetivo dissertar sobre categorias de produção do espaço urbano contemporâneo e seus resultados pragmáticos, centrando-se em evento, disjunção e ressignificação. Como método optou-se pela seleção de algumas Estações do metroviário de São Paulo, entre eles, as estações Sé, Tamanduateí e Sumaré, cujos espaços adquirem outras significações a partir da multiplicidade da experiência espacial, o que se evidencia pela articulação com outros suportes, tais como o Projeto Arte no Metrô. Procura-se entender essas espacialidades como chave para uma compreensão das relações entre dimensões arquitetônica e urbana, e as questões que se refletem por sua característica de articuladores urbanos. Numa análise transdisciplinar sob a luz de experiências do enfrentamento urbano, desenvolvidos por alguns autores, filósofos, urbanistas e sociólogos, considerando seus conflitos, possibilidades, agenciamentos, conceito desenvolvido por Gilles Deleuze e Félix Guatari (1997) o que corresponde a uma geografia das relações, dá consistência e une elementos heterogêneos e suas relações, trabalhando em simbiose, mas sempre pressupondo territórios. A cidade sempre esteve ligada às formas de manifestação pública, de modo que o desaparecimento do ambiente público faz desaparecer também a vida urbana. Para Flusser (1983), São Paulo não é uma verdadeira cidade, pois falta-lhe, ao lado do espaço privado 8 (oikos) e do político (agora), a dimensão cultural, pois na síntese dessas três determinações consiste a vida urbana. A arte urbana constitui uma forma de comunicação pública, catalisadora de participação ativa e confronto discursivo, uma importante realização na produção deste ambiente; a arquitetura deve colocar-se como prática crítica, como força produtiva de interação e favorecer o desenvolvimento de novas formas de espaço público e vivências. Palavras-chave: Infraestrutura, Urbanismo, Agenciamentos Programáticos. 9 ABSTRACT This research seeks to study the changes undergone in recent decades the city, the public spaces in permanent publication, to put yourself open to otherness and architecture as a result of factors such as globalization, the third urban revolution, technological development, leading to investigation by other experiences projetuais in an urban space that relies on the justaposition of dissociated territory and tensions between situations. The characterization of urban mobility and interactions between users of the subway in São Paulo with the artwork installed and the space station, the city and its art design processes of mediation that have assumed the importance of promoting micro urban formed disintegrate the movement of contagion and the architecture itself from one place to an increase infrastructural support, be that builds and strengthens with joints, with a beyond himself to be strengthened by the public , ie, the city and its inhabitants, noting its urban dimension. This paper aims to elaborate on the production categories contemporary urban space and its pragmatic results, focusing on event, disjunction and reframing. The method was chosen selection of some of the subway stations of São Paulo, between them, the stations Cathedral Tamanduateí and Sumaré, whose spaces acquire other meanings from the multitude of spatial experience, as evidenced by the interaction with other media, such as the Underground Art Project. It seeks to understand these spatialities as key to an understanding of the relationships between architectural and urban dimensions, and issues that are reflected by its characteristic urban articulators In disciplinary analysis in the light of experience of confronting urban, developed by some authors, philosophers, sociologists and planners considering its conflicts, possibilities, assemblages, a concept developed by Gilles Deleuze and Félix Guatari (1999) which corresponds to a geography of relations , gives consistency and unite heterogeneous elements and their relationships, working symbiosis, but always assuming territories. The city has always been linked to forms of public expression, so that the disappearance of the public environment is also disappearing urban life. For Flusser (1983), São Paulo is not a real city, it lacks, next to the private (oikos) and the politician (now), the cultural dimension, as in the synthesis of these three determinations is urban life. Urban art is a form of public communication, catalyst active and confrontational discourse, an important achievement in producing this environment; the architecture should stand as critical 10 practice, as a productive force of interaction and foster the development of new forms of space public and experiences. Keywords: Infrastructure, Urbanism, Programmatic joints. 11 INTRODUÇÃO As interlocuções entre filosofia e arquitetura manifestaram estas articulações através de obras como “Aestheticcs” de Hegel, onde a arquitetura é pensada de forma estética, o conceito de espaço e a plástica do século XX apresentado na conferência, “Construir, Habitar, Pensar”, realizada por Heidegger em 1951. Recentemente, Jacques Derrida e Deleuze, filósofos pós-estruturalistas, provocaram deslocamentos dos sentidos estabelecidos para abrir caminho a novas possibilidades para o exercício do pensamento crítico e das relações sociais, frutos de uma cultura que carece de outras maneiras de percepção do mundo; Dessa maneira, a cidade, nossa matéria de estudo, passa a ser interpretada como palimpsesto de experiências geradoras de múltiplos significados singulares. Tais deslocamentos nas estruturas estáveis do pensamento, no caso da arquitetura, por exemplo, dos pressupostos teóricos que prescrevem um fazer arquitetônico, com sentidos e significados cristalizados por paradigmas históricos então representados em alguns pares ideais como programa-uso, espaço-função, forma-função, contexto- identidade. Esse pensamento histórico tradicional acaba excluindo características do pensamento e da cultura das cidades, como complexidade, mediação, diferença, privilegia efeitos imagéticos, esvaziam qualquer enfrentamento das complexidades das cidades atuais. A partir de um posicionamento transdisciplinar, adotado para relacionar conceitos advindos da filosofia e da arquitetura, procura-se investigar a premência de uma arquitetura calcada na força de estratégias espaciais que ao serem acionadas possibilitem combinações programáticas com aparição de situações inusitadas, para isso, precisa-se ativar a potência do lugar. Trata-se de um processo de acolhimento do desejo de potência e produção do imprevisível para que despertem a intensidade do lugar, ou seja, em intervenções urbanas que potencializem tensões programáticas, produzindo movimentos de desterritorializações e reterritorializações, em conexões extrínsecas, fora da sua natureza, por exemplo, em uma arquitetura suporte, baseada em oposições e não em hierarquias opressivas que rechaçam o imprevisível, Derrida (2001) fala em uma oni-potência-outra, ao contrário de um usuário contemplativo, os acontecimentos seriam estimulados por esta absoluta potência de alteridade, 12 em locais que dependeriam da atuação do público para que sejam momentaneamente programados. Intervenções, suportes que produzem o inteiramente outro no lugar em que são instaladas em função do desejo de atuação e ocupação do usuário ativo, criador. Estas intervenções devem estimular interrogações e são estruturas de hospitalidade incondicional. Os espaços vazios, os interstícios urbanos, têm se tornado peças estratégicas no processo de acolhimento do outro, do desejo de potência e produção do inusual. As estratégias de projetação crítica da tradição de um lugar, com as descodificações de pressupostos teóricos, pode produzir uma transgressão dos sentidos do lugar, com uma força diferencial conceitual e transformadora. A questão irá examinar o espaço, lugar de imprevistas habitabilidades, e seus devires urbanos e arquitetônicos, buscamos o lugar do acontecimento, do evento, do imprevisível. Estas instabilidades e indefinições no espaço surgem como crítica ao espaço regido por prescrições e determinações formal-compositivas tidas como harmônicas e ao desejo de manterem-se invioláveis ao tempo. A arquitetura funda o espaço da morada, e assim, contribui na estruturação de lógicas territoriais, ao ativar este espaço, iremos desta maneira, inquirir a matéria como agenciadora de situações que serão ativadas com uma ação neste espaço e não somente como objeto a ser contemplado, já que de fato, dificilmente o é. De fato, a arquitetura em sua inscrição material vincula-se às artes, pois se liga ao campo dos afectos e abre a possibilidade da liberação de forças vitais e garante atuação criativa no espaço, aproxima-se de um campo de experimentações, já que a pluralidade de lógicas espaciais exige diversas formas de abordagem do assunto. Gilles Deleuze e Félix Guattari, em suas interpretações sobre alguns conceitos de Bergson e Espinosa, trabalham principalmente com o conceito de afeto, um movimento essencial entre partículas que compõem um corpo. Segundo Spinoza, nós somos fabricados como autômatos espirituais, desta forma, há o tempo todo ideias que se sucedem em nós, e de acordo com essa sucessão de ideias, nossa potência de agir ou nossa força de existir é aumentada ou é 13 diminuída de uma maneira contínua, sobre uma linha contínua, e é isso que nós chamamos afeto (affectus) e de força de existir, potência de afetar e ser afetado. O afecto é inumano porque não se identificaria à pulsão nem ao sentimento; é pensamento, uma potência plástica, nós, temos a potência de inventar novos afectos. “O affectus é, portanto a variação contínua da força de existir de alguém, na medida em que essa variação é determinada pelas ideias que ele tem. Porém, ainda uma vez, "determinada" não quer dizer que a variação se reduza às ideias que ele tem, uma vez que a ideia que eu tenho só dá conta de sua consequência, a saber, que ela aumente minha potência de agir ou ao contrário a diminua em relação à ideia que eu tinha imediatamente antes, e não se trata de uma comparação, trata-se de uma espécie de deslizamento, de queda ou de elevação da potência de agir,” (DELEUZE, 1978). Estes estudos concentrar-se-ão no processo de interação-tensão, sujeito-objeto, através do uso dos suportes infraestruturais, para o exame destas relações, pois em sua condição flexível, adaptam-se às imprevisibilidades refletindo em agenciamentos. A arquitetura suporte, aberta a contaminações e deslocamentos, sem que origem e finalidade estejam ligadas, possibilita as ações imprevistas e a suplementaridade espaço-funcional? Para a análise utilizamos os conceitos de filósofos pós-estruturalistas, como “Khôra”, proveniente do conceito de Platão, trabalhado em livro de mesmo nome por Derrida (1992), o de Entre, de Derrida (1967), o de “Agenciamento” de Deleuze (1980), o de “Virtualização” também de Deleuze (1998) e o de “Disjunção”, do arquiteto Bernard Tschumi (1994). Estes conceitos vão de encontro a uma arquitetura preocupada em gerar emergências, revelar potenciais latentes. O conceito de agenciamento maquínico, trabalhado por Deleuze e Guattari (1997), em Mil Platôs, diz respeito aos procedimentos de desterritorialização de elementos e de suas relações de alteridade a ideia de arquitetura como em um estado de devir, contrariando a ideia de estabilidade. O conceito de Khôra, para Derrida (1992), seria um receptáculo, onde interpretações externas deixariam marcas de suas interpretações e apesar disso, Khôra, jamais se deixaria atingir ou esgotar-se por tais interpretações, seria capaz de adquirir as mais diversas formas e ao mesmo tempo permanecer em sua condição original. 14 Tais conceitos traduzem o modo com o qual buscamos analisar os espaços infraestruturais em arquitetura, pois não há submissão do significado a verdades pré- estabelecidas. O conceito do entre, incorporado à arquitetura abre a possibilidade de questionar a transitividade ou intransitividade da arquitetura, até que ponto o desenho pode determinar usos e funções dos espaços, provendo-os de significados e importância de um e outro através de sua configuração formal. Este conceito é um ponto de inflexão, uma estratégia arquitetural advinda da filosofia, com potencial transformador. A arquitetura do evento, assim denominada por Derrida e trabalhada pelos desconstrucionistas, abre-se para pensarmos algo considerado como não compreensivo ou mesmo, inclassificável, por não ser adequado aos padrões vigentes em arquitetura. Esta arquitetura que buscou interlocuções com a filosofia pós-estruturalista, caracterizou-se por problematizações do existente e passaram a considerar em suas práticas de projetação os devires históricos, ou o que não é comumente aceito, escolhendo como instrumento de efetivação para sua ação, o espaço e suas potencialidades. Estes arquitetos adotam a postura na qual o vir a ser substitui o ser dogmático dos modernistas racionalistas, garantindo uma arquitetura dos eventos no espaço. Em oposição a uma realidade centrada, Deleuze e Guattari (1995) falam de uma realidade rizomática, múltipla, não significante, heterogênea, constituída de coexistências e platôs em constantes deslocamentos, jamais estáveis. Com isso, busca-se uma desmontagem, desterritorialização de uma arquitetura que ao contrário de preocupar-se em ser algo, esteja mais preocupada em vir a ser. Este trabalho é uma discussão da produção do espaço urbano contemporâneo como instauração de vivências provocadas pela articulação entre cidade e espaços infraestruturais, livres de pré-configurações, como estes vêm adquirindo uma concepção de projetação cada vez mais próxima de estratégias que fundam o acontecimento, o devir. Em que medida o modo de projetar e processar em nosso caso, arquiteturas, espaços e intervenções, implica em uma nova pragmática, novas formas de pensar e planejar a relação com os sentidos e significados é o que nos motiva a investigação. 15 Embasados nestes conceitos que perpassam de maneira transdiciplinar a filosofia e a arquitetura, nos detemos em modelos binários sancionados pela arquitetura moderna, com postulados universais, como o programa/uso, espaço/função, contexto/identidade, para traçar construções mentais e projetuais que atravessam devires arquitetônicos e urbanos para a atualização em lugares do “acontecimento” que marcam habitabilidades, inscrições momentâneas, instáveis, que chegam sem ser anunciados. A partir da segunda metade do século XX, as tecnologias da inteligência passaram a compor a ferramenta projetual dos objetos de design e arquitetura; portanto, as alterações nos sistemas de produção implicam em uma revisão nos sistemas de representação, derivando, como discute Dorival Rossi (2003), em outra noção de projeto, processo e produto de objetos e signos, que por terem adquirido a dimensão da interatividade com a tecnologia agora são sensíveis e reagentes ao comando do usuário e às relações com estes novos ambientes. Segundo Pierre Lévy (1996), vivemos em um movimento geral de virtualização, a essência de todas as transformações em curso, que afeta desde os corpos, o funcionamento econômico, o exercício da inteligência e não somente a informatização ou a comunicação. Atinge a constituição do “nós”, ao contarmos com comunidades, empresas, democracias virtuais, tratase de uma mutação que ultrapassa qualquer processo de informatização, ela apresenta-se como o movimento do devir- outro, heterogênese do humano. As coisas só possuem limites bem definidos no real. A virtualização trata do deslocamento do ser para a questão, é algo que “põe em causa a identidade clássica, o pensamento apoiado em definições, determinações, exclusões, inclusões e terceiros excluídos. Por isso a virtualização é sempre heterogênese, devir outro, processo de acolhimento da alteridade”. (LÉVY, 1996, p.25) A cultura digital inaugurou um novo campo de relações, o da dimensão virtual da linguagem, como arquitetos convêm questionar até que ponto os objetos de arquitetura se tornaram sensíveis, não por sua dimensão tecnológica apenas, mas principalmente pela inclusão de novas lógicas, já que põem em jogo novos processos de criação, o processo de transformação de um modo de ser em outro, movimento que buscamos investigar. Quando pensamos acerca da criatividade, de juízos abductivos para estes produtos de design e arquitetura, frutos de novos processos e projetos, não se pode determinar um percurso linear e 16 discreto desse juízo: a função interativa da linguagem, adquirida no uso das novas tecnologias em nosso cotidiano, produz mudanças de pensamento e comportamento. O conceito de homogêneo foi superado pelo de hiperdiversidade, assim, o espaço óptico se transmuta em háptico, tático, sensível a nossa interlocução, reagente. Neste sentido, a experiência humana passa a interagir com a não humana, ou seja, a experiência humana deixa de ser global porque passa a ser confrontada com forças que não seguem as mesmas leis do corpo e do cérebro humanos; tem experimentado a interlocução com forças e objetos inanimados que, por força de seu projeto de design, adquirem algumas das dimensões humanas, especialmente a capacidade de comunicação e resposta, como diz Francastel em Arte e Técnica nos séculos XIX e XX (1963). Quando operamos a linguagem estabelecemos parâmetros lógicos de inteligência, portanto, segundo o pensamento de filósofos pós-estruturalistas, como situações arquitetônicas e urbanas são capazes de deslocar sentidos historicamente aceitos e compreendidos, para abrirmos espaços aos questionamentos e às deslimitações do objeto arquitetônico favorecendo os processos de mediação com a cidade e de potencialização de micropolíticas urbanas produzidas a partir de rastros, a presença desativada, tecendo as relações de proxemia e diastemia, baseadas em proximidade e fusão ou em contaminações por irradiação, ou seja, pela superação daquilo que parece ser da natureza ou próprio do objeto, algo territorial, pela hibridização ou hiperdiversidade, como tratamos acima. Quando falamos em arquitetura e urbanismo não podemos deixar de falar nos corpos que transitam e habitam as nossas cidades contemporâneas, que adquiriram novas velocidades e conquistaram novos espaços, também superaram o que parece ser exclusivamente de sua natureza. Lança-se ao exterior e reverte a exterioridade técnica ou a alteridade biológica em subjetividade concreta. Segundo Pierre Lévy, essa virtualização é analisável apenas como mudança de identidade, passagem de uma solução particular a uma problemática geral, a virtualização do corpo é uma heterogênese do humano. “Meu corpo pessoal é a atualização temporária de enorme hipercorpo híbrido, social e tecnobiológico”. Com as transformações em nossos paradigmas de pensamento, nossas ações no espaço, também sofreram mudanças, gerando novos processos e novas percepções, que podemos observar em conceitos como o de corpomídia, proposto por Greiner e Katz (2005), no que diz 17 respeito aos processos comunicativos envolvidos na relação do corpo com o ambiente, nos sugere que o processo evolutivo seleciona informações por contaminação para a constituição do corpo. Assim como a arquitetura, estabelecem uma articulação, um encontro, entre o que chega a adição e o já existente, um ser com que se fortalece ao formar-se com presenças além dele próprio. Não é uma série estática de representações, neste sentido a comunicação não pode ser restrita a significados, pois nem tudo o que comunica opera em sistemas de mensagens já codificadas. Há comunicação de estados e vínculos de sentidos que modificam os corpos. Esses processos têm lugar no tempo real de mudanças que ainda estão por vir no ambiente, quem dá início ao processo é o sentido do movimento. É o movimento que faz do corpo um corpomídia. “Porém, o que chega a partir da miríade quase infinita de situações espaciais e soluções formais criada pela diafanidade da arquitetura é algo a ser discutido em nosso tempo; tempo em que as condições mínimas do homem político composto pelo ser –com, o ser em comunicação, o estar concomitante e o espaço compartilhado, associadas à acentuação das incertezas, da imprevisibilidade dos acontecimentos e seus desdobramentos incontroláveis-o porvir do qual nos fala Jacques Derrida, fazem parte da agenda do dia e se tornam desafios a serem enfrentados.” (GUATELLI, 2012) Portanto, buscamos em algumas estações do metroviário de São Paulo e nas situações que constroem na cidade, uma intersecção entre infraestruturas e composições estético/ artísticas, potencializando relações agenciadoras de condições a serem ativadas por ações no espaço, que interfiram nos modos de existência daí resultantes. “Porém, talvez a arquitetura seja mais do que isso. A arquitetura é um suporte que permite a expressão artística não apenas a quem a concebe, mas também a quem recebe e a usa. Ela abre a possibilidade da liberação de forças vitais (élan) por quem vai usá-la onde quer que essas forças estejam represadas, pois dá condições de uma atuação criativa no espaço; o exercício deixa de ser apenas visual para transformar-se em fonte fecunda de experimentações. Podemos dizer que a experiência estética arquitetônica é capaz de atravessar vários campos da atividade humana”. (GUATELLI, 2012) A partir da segunda metade do séc. XX passamos a questionar a ideia de metanarrativa (Lyotard, 2002). Tanto na arte quanto na arquitetura, buscamos formas de engajar o indivíduo sob pontos de vista menos restritivos. A teoria da Arquitetura buscou apropriar-se de análises narrativas de outras disciplinas, traduzindo-as em práticas espaciais que convidam o indivíduo a completar o edifício com sua própria estória (JAMESON, 1998). Traduziam-se em espaços 18 que propunham ao usuário a experimentação de diferentes percepções e ações. Ao apresentar uma camada dinâmica, manipulada através de uma interface, apresenta uma nova relação entre indivíduo e edifício, sujeito e espaço, corpo e ambiente, neste jogo, incomensurável da arquitetura e das artes, o primeiro só é completo através da interação com o segundo. Neste período vimos o surgimento de novas formas industrial, cultural e social que por serem revolucionárias e flexíveis no espaço e no tempo, levaram a novas formas de pensar e representar o mundo (HARVEY, 1989). Nossa percepção do espaço e do tempo se alterou, assim como passamos a pensar e perceber o espaço construído de maneira diferente. Essas novas formas trouxeram à arquitetura e ao urbanismo, a necessidade de constante mudança e inovação, surge à dimensão da informação. O conceito de duração, caro às novas configurações espaciais e ao novo encadeamento histórico da dimensão da informação, trata de um movimento que é condição para se penetrar numa realidade imanente e criadora; o de devir, movimento que é da ordem do imperceptível, atua em dupla direção e que faz a constituição do espaço oscilar entre a linha, a partícula e o imaterial. "Devir é nunca imitar, nem fazer como, nem se conformar a um modelo, seja de justiça ou de verdade. Não há um termo do qual se parta, nem um ao qual se chegue ou ao qual se deva chegar. Tampouco dois termos intercambiantes. A pergunta 'o que você devém? ' é particularmente estúpida. Pois à medida que alguém se transforma, aquilo em que ele se transforma muda tanto quanto ele próprio. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, de núpcias entre dois reinos." (DELEUZE, Conversações.) Analisaremos arquiteturas que potencializem agenciamentos. Enfocando em intervenções urbanísticas contemporâneas e modernas, que se caracterizam pelo surgimento de novas matrizes teóricas. Determinam o debate sobre os processos de produção do espaço construído e não construído, do espaço simbólico, do projeto em escala urbana, as relações entre arte e cidade e seu papel nas intervenções atuais. Abordam ainda, temas ligados ao estudo e análise crítica das transformações da cidade contemporânea. Espaços públicos são em geral, lugares de transição, sobretudo espaços de publicação, de um ser com e um ser em si mesmo em processo, da constituição incondicional da alteridade, encontraria, na arquitetura edificada, um aliado na defesa dessa abertura ao outro, das vibrações dos sentidos dados e da contestação ao estabelecido? 19 Em oposição a uma realidade homogênea, Deleuze e Guattari (1995) falam de uma realidade rizomática, heterogênea, não significante, a-conclusiva, constituída de coexixtências em constantes deslocamentos em função das possibilidades de articulação. No pensamento deleuziano, um rizoma é um campo de intensidades que não começa e nem conclui, está no meio, entre as coisas, por isto analisamos nosso objeto de estudo sobre esta vertente, buscando no ato de projetação ativar o pensamento crítico, rizomático, intermezzo. Buscamos olhar para a arquitetura com o potencial de um vir a ser. Portanto, em um primeiro momento a pesquisa corresponde ao projeto, às hipóteses do trabalho em função do problema colocado, à base filosófica e metodológica do raciocínio, definem-se os princípios rizomáticos da arquitetura e do urbanismo, da arte e da cidade. Em um segundo momento, os instrumentos de prospecção e avaliação para verificar a validade das hipóteses, tomando as Estações Sé, Tamanduateí e Sumaré do metroviário de São Paulo como objeto deste estudo. 20 Capítulo1 POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES ENTRE A FILOSOFIA E A ARQUITETURA 21 1.1. As articulações entre a Filosofia e a Arquitetura: Traçando o Por vir Jacques Derrida, procura em seus escritos, especialmente os que tratam do logocentrismo, em quais sentidos conceitos filosóficos podem ser incorporados em outras atividades; podemos ver o discurso pós-estruturalista presente nas mais diversas áreas. Em entrevista à Eva Meyer (1988), denominada “Escrever é um modo de morar”, citada por Igor Guatelli em sua tese de doutoramento (2005), o filósofo busca uma maneira de relacionar arquitetura, filosofia e escrita. Para Derrida, cada linguagem sugere uma disposição no espaço e dele se aproxima, comparando-se à abertura de um caminho a ser criado. Entretanto as linguagens não podem determinar os caminhos que partem do edifício, “que são criados a partir de sua materialização/espacialização, que não sabemos onde nos levarão, mas que sempre gravarão sua passagem na forma de escrever do arquiteto”, diz Derrida, recorrendo a Heidegger, ainda, nos fala que, “seria interessante recordar que no início a arquitetura não era uma arte de representação, enquanto a pintura, o desenho e a escultura sempre puderam imitar algo cuja existência supõe. Na arquitetura existe a imitação de (riscos) do gravado, da ação de riscar, na forma de planta, elevação, croqui e que podem ser associados à escrita”. (GUATELLI, 2005, p. 31.). Segundo seu pensamento, em arquitetura, os objetos/edifícios, são assim como para a literatura, acontecimentos estéticos e de leitura, mas como nos lembra Guatelli (2005), não trata-se de lê-los, no sentido de entendidos, mas sentidos, através das linguagens adotas e traduzidas em formas. Ao utilizar de linguagens, os autores não deveriam ter como premissa o estabelecimento de verdades, mas a criação de um lugar onde o leitor/usuário pode abrigar-se, sentir, e, criar seus próprios significados, advindos de suas interpretações. Na tese de Igor Guatelli (2005), há uma menção em especial ao pensamento de Barthes que considero interessante às analogias entre a arquitetura, o texto e a filosofia e que são similares ao que Deleuze e Guattari desenvolvem sobre a linguagem em os Mil Platôs; em Le plaisir Du texte, Barthes fala em perdas ocasionadas quando um texto possui um sistema fixo de representação, como um sistema centrado, constituído por significados pré-determinados. O autor comenta também sobre a necessidade de: 22 “(...) textos em estado de significantes, da multiplicidade de significados, intransitivos, um lugar de constantes deslocamentos e rupturas, das diferenças, das contradições e ambiguidades, dos fragmentos, atópico(...) texto de gozo: é aquele que coloca em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até a um certo vazio), que faz vacilar as plataformas históricas culturais e psicológicas do leitor, a consistência de seus gestos, de seus valores e de suas crenças, coloca em crise sua relação com a linguagem” (GUATELLI, 2005, p. 32) Há esforços históricos no sentido de compreender a arquitetura e o desenho em arquitetura aos textos, como manifestos de pensamentos, como no caso do movimento moderno, com posições claramente dogmáticas, totalizadoras ou como pregador de questionamentos e desestabilizador de sentidos. Para Derrida (1967), um signo pode conter múltiplos significados, em arquitetura, nos edifícios entendidos como signos linguísticos, quase sempre buscou-se associá-los a significados, garantindo um único sentido entre forma e valor de uso. Formas específicas em arquitetura passaram em um determinado momento a ser associadas a uma função e a um significado. Ao pensar em diagramas para associá-los à arquitetura, Eisenman, em Diagram Diaries (1999), afirmou que o substrato da forma, pudesse ser deslocado dos pressupostos programáticos, para preservar assim, a singularidade dos objetos, separando-os de verdades pré-estabelecidas, “significaria um processo que poderia deslocar a forma de suas relações assumidas anteriormente com uma função, significado e estética, sem, ao mesmo tempo, necessariamente negar a presença dessas condições”. (EISENMAN, 1999, p.27 apud GUATELLI, 2005, p. 34). Eisenman classifica o diagrama como algo original da escrita arquitetônica, entende a linhatraço como forma de representação arquitetural, como uma escrita, a linha-traço expressa em um espaço plástico e não discursivo capaz de revelar estruturas latentes, com desenhos não pré-estabelecidos, contrário aos discursos em que resume-se a um instrumento de ilustração e materialização de sentenças organizadas. Para Eisenman (1999), há a história de uma arquitetura de traços, de linhas invisíveis, diagramas que tornam-se visíveis através de significados. É traço de uma condição intermediária (a linha-traço ou o texto-traço). O diagrama pode ser material e cultura histórica não traduzida em discursos acabados, em significados previamente estabelecidos e estáveis, mas é um material em estado de latência, capaz de ser manipulado para desta forma, adquirir 23 os mais diversos sentidos e significados, são o que o arquiteto denomina por diagramas de instabilidade. Eisenman, Derrida, Deleuze, Barthes, entre outros, falam do poder figural, inserido em um espaço textual, não se trata do texto legível, mas do escriptível, como nos diz Guatelli (2005) a linha em sua forma linha-letra ou linha-traço, vista em seu estado significante, instável, em que a divisão figura-fundo seria desfeita, possibilitando múltiplas leituras. Os diagramas de instabilidade, considerados enquanto escritas de pura presença, que não constroem-se a partir de referências contextuais e representações históricas, mas sim, como um receptáculo aberto às mais diversas interpretações, distante de significações apriorísticas, apresentam infinitas possibilidades de inscrever marcas. “Eisenman, ainda em Diagram Diaries(1999, p.23) afirma que o diagrama arquitetural deve ser concebido como uma série de superfícies ou camadas constantemente em regeneração e, ao mesmo tempo, capazes de reter múltiplas séries de traços (...) entendido como um estrato de traços superpostos, oferece a possibilidade de uma abertura do visível em direção ao articulável, para o que está no interior do visível”. (GUATELLI, 2005, p. 37) O diagrama arquitetural é o espaço da escrita arquitetônica quer seja baseada em valores estáveis, quer seja numa escrita instável, capaz de produzir desenhos para além de seu próprio significado ou objetos que se constituem para além do que é visto, mas na possibilidade de sua constante representação crítica. O ato ordenador com regras e prescrições normativas do projeto arquitetônico presente no exercício de projetação dos racionalistas modernos é incongruente com o pensamento crítico ativado pelos questionamentos das estruturas estáveis do pensamento realizado pelos filósofos pós-estruturalistas e que ecoou nas reflexões sobre a arquitetura e o urbanismo contemporâneos, onde o projeto é capaz de significar e ressignificar repetidamente. A possibilidade de um não condicionamento do uso do interior em função de um significado proveniente da forma exterior, nos mostra o quanto é delicado o controle de destinações espaciais, aqui os significados são significantes postos em relação com outros significantes, como nos diz Bennington (1996), ou seja, em outras palavras, as manifestações geradas a partir de diferentes apropriações, em condição de ser algo além do que é. A relação interior e exterior deixa de ser amparada na ideia de totalidade e conduzida pela lógica de composição que contempla um dentro e um fora e passa a representar um suporte de 24 suposições ainda porvir para a montagem de situações e apropriações dinâmicas, em um espaço aberto a questionamentos, não falamos em forma-matéria, mas encontramos a força de projetual de nossas questões em arquitetura na matéria-forma. A instabilidade nos textos dos filósofos pós-estruturalistas como Derrida e Deleuze, poderiam ser alcançadas nas contaminações do discurso, também os espaços residuais presentes nas cidades estariam abertos aos processos de apropriação, e aí podermos já traçar um paralelo entre as questões apresentadas pela filosofia e a arquitetura que propomos e buscamos ao analisar os espaços suportes. Os textos Derridianos, são suportes de suposições e apresentam traço (Derridiano) que expressa um significante em constante significar, aberto aos mais diversos registros, possibilita a enunciação do outro, pois são menos assertivos e mais reflexivos ao mesmo tempo em que buscam a desestabilização da linguagem. Tanto códigos linguísticos ou estéticos-arquitetônicos, cedem espaço aos acontecimentos, para Derrida as presenças ausentes, traduzem-se no que não mais está dentro e fora do texto, em arquitetura as circunstâncias espaciais, programáticas, manipuladas podem sugerir a montagem de situações espaciais e o surgimento de acontecimentos. No processo de engendramento de um dentro e um fora em arquitetura, o espaço gerado ganha força de outras significações, os interstícios, passam a ser entendidos como um entre coisas o que reside no processo de desarticulação do que aparenta ter um grau de definição, nestes espaços ao considerarmos que acompanham o “traço” como elemento de ligação no momento em que articulam e montam situações espaciais a partir de um programa, enfraquecem processos identitários e representações e valorizam a alteridade. Escolhemos para nosso estudo, estações de metrô que em suas inscrições materiais enquanto espaços infraestruturais possibilitam a emergência dos acontecimentos, mas a força destes processos encontra-se no elemento articulador, o entre um ponto e outro, a linha de deslocamento fortalece as duas pontas e cria lugares, o espaço gerado é mais importante que a forma-matéria, pois são heterogêneos, múltiplos e não hierarquizados. 25 1.1.1. Valorização da Condição Espacial pela Desfuncionalização da Linguagem A arquitetura desconstrutivista ou desconstrucionista explora uma escrita instável, responsável por romper com valores históricos, primeiro, em nível formal, mas com consequências espaciais como a descontinuidade, instabilidade, desequilíbrio, planos fraturados e linhas diagonais, com o intuito de questionar, desestabilizar os sentidos e desenvolver um método de pensar através dos projetos e aí, nestas experimentações espaciais e na averiguação crítica, encontramos voz semelhante às questões que buscamos trazer com a arquitetura infraestrutural. Os arquitetos Peter Eisenman e Bernard Tschumi, são para estudiosos como Jencks (1996), os que mais se aproximam do discurso de Jacques Derrida, por exemplo, no projeto para o parque La Villete, intitulado Choral Works, puderam aplicar conceitos desenvolvidos por Derrida como os de lugar-não lugar, território; não trabalham com concepções pré-definidas, mas com estratégias projetuais. Procuram propostas que contaminem os códigos, disseminem os conceitos e desta maneira, atinjam uma ausência absoluta que lhes garantirá uma fuga da representação. Para Eisenman, não somente o desconstrucionismo, mas o procedimento que pode estar presente nas estratégias de projetação, “refere-se a algo que diz respeito à natureza indeterminada das coisas, como um processo de questionamento onde tudo está sob suspeita (...) não mais havendo uma relação direta entre signo e significado (...) o objeto está em completa flutuação”. (GUATELLI, 2005, p.76) A questão que se levanta é o repúdio a qualquer tipo de representação que significações apriorísticas vindas com pensamentos dominantes que se impuseram, no sentido de eliminar a possibilidade de manifestação do outro. Isto quer dizer, u ma tentativa de contraposição ao preceito que se impôs de que o exterior necessariamente deve representar o interior, que a forma seguiria a função do edifício, ocorrendo uma correspondência direta, exterior/ interior, forma/função, pares que fundamentaram um processo de funcionalização da linguagem pelo Movimento Moderno. Derrida considera a linguagem como um sistema de diferenças, onde um significante pode manifestar diversos significados; em seu pensamento, o interior ou o espaço significante (conceito de entre), existe independentemente do exterior, do significado dado, o exterior 26 seria o acidental, não previsto, onde diversos significados poderiam acessar o interior, a conjunção do espaço estaria justamente numa relação entre o objeto externo e a experiência interna. Essa defesa por uma linguagem capaz de significar e ressignificar, viria em contraposição ao que separa interior e exterior e ao que eliminaria a possibilidade de potencialização de uma condição espacial entre e de um não condicionamento e direcionamento de apropriação e uso do interior em função de significados advindos da forma exterior, pois o que acontece é a mistura de ambos, com a ocorrência de apropriações dinâmicas, tanto na escrita, quanto na arquitetura. A desfuncionalização da linguagem passa por uma contaminação da forma e esvaziamento de seus signos, junto à valorização da condição espacial entre, através do entrelaçamento de interior e exterior, ou seja, a neutralidade buscada estaria vinculada a intenção de esvaziamento dos sentidos dados a priori e não à ausência de forma, à desmaterialização, incentivando o surgimento de sentidos múltiplos e simultâneos, não há a necessidade do significante vir acompanhado de um significado, ou do significar constante para o significado. “(...) a valorização do entre, das ausências e não das presenças, ou dos significantes, daquilo que poderia significar em detrimento dos significados apriorísticos ou de um significado último que fosse a verdade do objeto, abrindo espaço para o acidente, o arbitrário, o imprevisto (...)” . (GUATELLI, 2005, p. 83) Tanto na escrita, quanto na arquitetura, pensa-se em um primeiro momento que tudo seja tomado como traço num processo de desfuncionalização da linguagem, considerando-o como aquele que propicia a enunciação do outro a partir do existente, capazes de significar, adquirir um significado, voltar a ser traço e ressignificar. O que buscamos em nossa investigação é uma condição que permaneça em estado significante, considerando os significados que vierem, já que são as manifestações das diversas apropriações dos espaços que estudaremos, sempre aberta alteridade, ao vir a ser e aos registros externos. 27 1.1.2. Novas Tecnologias Promovendo Novas Possibilidades Plásticas As cidades são sobreposições de histórias, culturas, formas urbanas e arquitetônicas, que organizam nossas referências culturais e críticas com o ambiente natural e condicionam nossa fruição cotidiana. A arquitetura é o meio responsável pelo qual o homem transmite as informações que lhe permitem organizar o território em que vivem. Para se realizar como extrato cultural, segundo Fábio Duarte (1999), a técnica, que sempre foi considerada intermediária entre as intenções e o objeto construído adquire autonomia com a Revolução Industrial. Ainda, segundo Duarte (1999), a técnica é uma operação mental, possibilita a interação entre o homem e a obra, a evolução para a tecnologia produz o desenvolvimento da cultura humana, pois os instrumentos tecnológicos trazem mesmo inativos, suas potencialidades. Na transformação da técnica em tecnologia, a indústria e o comércio foram consequências do progresso que gerou o aumento da população urbana e a mudança na configuração das grandes cidades. Detectamos neste processo as mudanças territoriais e também as mudanças temporais, onde não mais caberiam equilíbrios estáveis, o ritmo das transformações passaria a ser cada vez mais rápido e profundo. “Giulio Carlo Argan identifica que foi com essa explosão das cidades ligada aos avanços tecnológicos que se originou um campo específico na arquitetura, que englobava não só questões formais e técnicas, mas a complexidade de relações entre os homens e a sociedade que ocorria nas cidades, que agora apresentavam a necessidade de ser planejadas. Esse campo é o urbanismo, que serviu ao mesmo tempo como síntese de inquietações e propulsor de propostas da arquitetura moderna”. (DUARTE, 1999) Neste período, os primeiros projetos urbanos em cidades industriais surgem, o plano do barão Haussmann para Paris, com abertura de bulevares e vias com fins de incrementação do fluxo urbano, o Eixample de Idelfonso Cerdá para Barcelona, responsável pela ampliação da cidade em blocos ordenados com largas vias de circulação, linhas de bonde e introdução de técnicas higienistas nos planos. As tecnologias possuem suas próprias lógicas que condicionam produtos e o meio onde se inserem, com isso trazendo novas configurações para as cidades. 28 O comércio em larga escala, propiciou o desenvolvimento das linhas férreas para o transporte dos produtos. Ferrovias necessitavam de estações de parada e galpões, fazendo com que os trens metropolitanos subterrâneos também favorecessem a criação de novos tipos de edificações nas cidades. Joseph Paxton construiu em 1851, o Palácio de Cristal, proporcionando novas potencialidades estéticas a partir de possibilidades tecnológicas, como placas de vidros e segmentos metálicos pré-fabricados que se inseriram nos espaços do cotidiano urbano. A partir de 1865, com tecnologia e desenho semelhantes à Galeria Vittorio Emanuelle II, galerias/ruas espalharam-se por Paris, Nápoles, Bruxelas. Otto Wagner utilizou esta tecnologia de estruturas metálicas e placas de vidro cobrindo grandes vãos na estação Karlplatz de metrô em Viena. “Desse mesmo período são algumas estações de metrô construídas em Paris por Hector Guimard, estas com linhas claramente art nouveau, sendo que Otto Wagner já prenunciava em seus projetos uma racionalização formal que seria vigente na arquitetura moderna”. (DUARTE, 1999) As possibilidades plásticas dadas pelas novas tecnologias propiciaram também uma criatividade plástica dos novos meios. Um novo pensamento para as cidades frente às novas tecnologias deu origem ao movimento moderno, que buscou a transformação das cidades em seus aspectos sociais, estruturais, ideológicos e estéticos, propunham-se construir globalmente as cidades, os arquitetos modernos projetaram as interações máquina/cidade, como nos assegura Fábio Duarte (1999). Também partimos para a construção de nossa investigação da cultura advinda com as tecnologias digitais que produziu não apenas uma mudança espacial em nossas cidades, com a “crise das matrizes espaciais”, mas como prevemos também ideológica, social e especialmente lógica, novas lógicas de pensamento são promovidas e com isso, novas experimentações projetuais emergiram na segunda metade do século XX. Os filósofos pós-estruturalistas, neste período, passam a contestar as verdades históricas em diversos campos do conhecimento, propondo deslocamentos dos sentidos preestabelecidos e abrindo novas possibilidades, desta forma, nos parece deveras coerente à escolha por tal referencial teórico para uma construção crítica do fazer arquitetural e da análise das dinâmicas sociais contemporâneas. 29 Os meios de comunicação de massa difundidos nos anos 60, falando em tecnologias da informação, fizeram de Marshall Mcluhan o teórico que prognosticou um mundo retribalizado por meios eletrônicos. Arquitetos atentos aos meios tele-tecnológicos propuseram novas possibilidades espaciais. Buckminster Füller propôs geodésicas, com o fim de transformar as características dos relacionamentos entre os homens e ambientes, o grupo Archigram projetou as cidades instantâneas, que “aportariam e desapareceriam sem deixar rastros físicos, apenas conexões informacionais”, como nos diz Fábio Duarte (1999). Um período em que nos deparamos com novas formas de produção industrial, cultural e social, que por serem revolucionárias e flexíveis no espaço e no tempo, levaram a novas formas de representar e perceber o mundo (HARVEY, 1989). Nossa percepção do espaço e do tempo foi alterada com o surgimento da dimensão da informação e com isso passamos a pensar o espaço construído de maneira diferente, o que trouxe à arquitetura e ao espaço urbano e a necessidade de mudança. Segundo Duarte (1996), o universo das tecnologias eletrônicas e digitais se torna o novo território de projetação e construção de propostas arquitetônicas. Mas procuraremos outros territórios de projetação, tão cambiantes quanto os digitais, frutos de uma mesma revolução dos meios de representação e das estruturas do pensamento, mas que se inscrevem em situações em que “des-limitam”, que abrem espaço/forma, propondo projetos não acabados em permanente reconstrução, como defende Igor Guatelli (2005), em constantes processos de virtualização. O deslocamento no estatuto do saber no qual a sociedade ocidental passou na segunda metade do século XX refere-se ao seu ingresso na cultura pós- moderna e na era pós- industrial. O período determinado como pós-moderno como o dissemos, caracteriza-se pelo deslocamento em diversas áreas do conhecimento, para nós especialmente nos conceitos de espaço/tempo. O modo de produção capitalista tem como mote a constate mudança das práticas e processos de produção, exigindo uma constante atualização de nosso aparato conceitual, influindo na organização de nosso cotidiano, segundo Harvey (1996). 30 Novos modos de produção, flexíveis espacialmente e temporalmente, em contraposição ao modo fordista altera nossa percepção e representação a respeito destas dimensões, produzindo o que Fábio Duarte denominou de “crise das matrizes espaciais”. Este novo modo de produção trouxe consigo novas configurações urbanas, influenciadas pelo pensamento pós-moderno, ao produzir impactos em nossa percepção e também no ambiente construído, em uma população crescentemente urbana, precisamos considerar tais impactos sobre as práticas sociais. “(...) o ambiente construído constitui em elemento complexo de experiência urbana que há muito é um cadinho vital para se forjarem novas sensibilidades culturais”. (HARVEY, 1996) Práticas sociais não são diretamente determinadas pelo espaço construído, adaptamos usos contemporâneos a formas antigas. A cidade possui um constante fluxo de usos e processos e por essa condição que apresenta, já não há como lidar com situações pré-determinadas. “Percebemos as noções de tempo e espaço na pós- modernidade como comprimidas” (HARVEY, 1996). Esta condição é resultante de uma crise de representação que se iniciou com a primeira crise de acumulação capitalista de 1846 e que a partir de então, ocasionou mudanças culturais. O espaço deixou de ser visto como absoluto e as conexões com terras distantes passaram a ser comumente percebidas. A ideia de uma rede global em que acontecimentos em um local podem ter efeitos em outros passou a vigorar, influenciando a experiência individual e trazendo mudanças para os sistemas de representação existentes (HARVEY, 1996). É preciso assegurar que falamos nas mudanças dos sistemas representacionais, porque essas transformações abriram espaços para novas sensibilidades e novas possibilidades de projetação. O avanço técnico influenciou a crise de representação em 1846 com o uso em grande escala de técnicas de representação mecânica, levando à disseminação de informações, arte e cultura para parcelas cada vez maiores da população. (HARVEY, 1996). A rede global de distribuição das informações foi chave para uma percebida diminuição das dimensões temporais e espaciais; o acesso textual à informação progrediu e permitiu que artefatos cada vez mais complexos pudessem ser distribuídos globalmente, transformando as residências em nódulos terminais de uma série de serviços, produtos e artigos informacionais. 31 As crises de representação parecem ser próprias ao modo funcional do capitalismo, sendo sempre precedidas ou contemporâneas a uma crise de superacumulação (HARVEY, 1996). As pressões por inovação, a constante procura por novos mercados e a flexibilidade do capital no espaço e no tempo estão constantemente desafiando o nosso aparato perceptivo. As crises de representação do espaço e do tempo nos levam a conceber novas maneiras de pensar e sentir. (HARVEY, 1996) “O estatuto atual do espaço e do tempo coloca em questão as próprias dimensões materiais, desafiando as noções de próximo e distante” (VIRILIO, 1993). Esta crise das dimensões afeta como representamos e percebemos o mundo, colocando em conflito o espaço material percebido, o que nos traz uma questão importante, já que a arquitetura é um instrumento de medida, como nos diz Paul Virilio (1993). Bauman (2001) apresenta a fluidez como uma metáfora para a contemporaneidade. “Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço e nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões claras, mas neutralizam o impacto e, por tanto, diminuem a significação do tempo”. Associada a “leveza” à mobilidade e a inconstância, no pensamento de Bauman é o que leva à construção de “liquidez”, enquanto figura de linguagem à pós-modernidade, “(...) sabemos pela prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos movemos. Essas são razões para considerar “fluidez” ou “liquidez” como metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase, nova de muitas maneiras na história da modernidade”. Ao mesmo tempo questiona se a modernidade não foi fluida desde sua concepção, “(...) Se o “espírito” era “moderno”, ele o era na medida em que estava determinado que a realidade deveria ser emancipada da “mão morta” de sua própria história- e isso só poderia ser feito derretendo os sólidos ( isto é, por definição, dissolvendo o que quer que persistisse no tempo e fosse ifenso a sua passagem ou imune a seu fluxo)”. (BAUMAN, 2001) Com esta citação de Bauman (2001), buscamos referendar a escritura, que nos assegura que as mudanças nos novos meios de representação nos trouxeram, ou seja, modificaram nosso estatuto conceitual e perceptivo, afetaram a busca do saber, condensaram as dimensões de espaço/tempo e nos levaram a conceber novas maneiras de pensar e sentir, deslocamentos próprios do desenvolvimento do capitalismo, mas que neste momento colocam em conflito o espaço material percebido, o que nos traz a questão da arquitetura enquanto inscrição 32 material, que ao contrário não perde sua força projetual, pois possui a potencialidade de desajustar o sentido dado ao ressignificar o objeto. E ao contrário do que defende Paul Virilio (1993), a virtualização, dinâmica própria da filosofia deleuziana, não é uma desrealização, mas “criação de pensamento que procede por virtualização” (ALLIEZ, 1996) e um dos vetores de criação de realidade. Os estudos monográficos de Deleuze, sobre o pensamento de Hume, Bergson, Nietzsche, Kant, Espinosa, Leibniz, propõem uma gênese de sua filosofia, que não tem outra questão que não a do pensamento, uma filosofia do acontecimento. Portanto, como pretende Paul Virilio (1993), a virtualização não se contenta em aniquilar o tempo ou o espaço, ela inventa qualitativamente novas espacialidades. Resta-nos buscar estratégias de reativação de um rastro urbano, um vazio, um interstício de algo que construa dinâmicas capazes de provocar reações. Portanto, o objetivo da pesquisa, que se deixe claro, não se atém à digitalização da informação, à linguagem Virtual, mas à Virtualização da Linguagem tal quais os pressupostos definidos em Deleuze. “O Design Virtual (a arquitetura se insere neste conceito) instaura a Virtualização da Linguagem- diferença e repetição, duração e precisão- e suas relações se estendem a fronteiras de todas as linguagens, transpassando a própria semiosfera.” (ROSSI, 2003). “A virtualização constitui justamente a essência, ou a ponta fina da mutação em curso. (...) Ela se apresenta como o movimento mesmo do “devir-outro”. (LÉVY, 1996) Trata-se de transformações de um modo de ser em outro, como já mencionamos neste trabalho, assim como o processo de desterritorialização e outros fenômenos espaço-temporais e seguindo os pressupostos teóricos de Gilles Deleuze, não se limita ao território das tecnologias eletrônicas e digitais, mas constitui uma filosofia do acontecimento, “quanto à prática e à realidade dessa filosofia que não tem de resto outra questão que não a do pensamento e das imagens do pensamento que as animam”. (ALLIEZ, 1996) “A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência”. (LÉVY, 1996) O virtual é um complexo problemático, um complexo de situações que acompanha um acontecimento e exige uma resolução, reorganiza uma problemática que receberá diversas 33 interpretações e será chamada de processo de atualização. “Por outro lado, o virtual constitui a entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó de tensões, de coerções e de projetos que o animam , as questões que o movem, são uma parte essencial de sua determinação”. (LÉVY, 1996) Já a atualização é criação de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças como nos diz Pierre Lévy (1996), é uma produção de qualidades novas e transformação de ideias, um devir que alimenta de volta o virtual. (LÉVY, 1996) Em arquitetura, a atualização de um projeto em situação de utilização desencadeia conflitos, desbloqueia situações, desqualifica certas competências, instaura uma nova dinâmica, micropolíticas urbanas se formam e se desfazem e instauram uma condição frágil para o surgimento da alteridade, como concebe Deleuze, configura o movimento do devir-outro, enfim a atualização responde ao virtual, à problematização. Sobre a filosofia Deleuziana, como diria Roberto Machado citado por Éric Alliez, “Mais do que anunciar um novo pensamento, ela é uma suma de pensamentos que relaciona por expressarem, em maior ou menor grau a diferença”. A filosofia Deleuziana é por excelência concepção do Virtual, “que em nada se assemelha a pura e simples ausência de existência”, como diz Pierre Lévy. Porém em como as situações urbanas que proporcionamos com nossos projetos, que serão aqui examinadas, a adição, o suplemento, deforma o existente e propicia que uma situação ou objeto potencializado em seu ser, adquira a possibilidade de um vir a ser, fazendo com que venha a fazer parte de uma nova condição espaço/ temporal. O além da obra, o além da existência que se compõem com o que já pertencia ao território e posiciona-se com o outro, trazendo a emergência da alteridade, hibridizada, fundida a algo além dela. Foulcault diz que Deleuze opera seu pensamento ao dispor filosofias em devir, constitui um Pensamento- Acontecimento, a criação de um pensamento que procede por virtualização, um movimento de “problematização” da história da filosofia sob o nome de desterritorialização, como indica Pierre Lévy,” se virtualizar consiste antes de tudo em transformar a atualidade inicial em caso particular de uma problemática mais geral. (...) Isso fazendo, a virtualização fluidifica as distinções instituídas, aumenta os graus de liberdade, cava um vazio motor”. (LÉVY, 1996) 34 Como se Deleuze levasse o pensamento à potência de “flutuantes nós de acontecimentos em interface recíproca e reciprocamente envolvidos num único e mesmo plano de imanência. (...) criação problematizante que coincide com a emergência do novo, que não tem por sujeito senão o virtual, cujo ato não é senão um complemento ou um produto”. (ALLIEZ, 1996) O plano de imanência funciona como um crivo no pensamento, um movimento infinito que vem a nós como algo pensável, não sendo algo transcendental, pois é justamente o contrário, pois não precede o que o preenche, mas se constitui como algo problematizável. Em nosso caso, enquanto arquitetos e urbanistas o plano de imanência funcionaria como a situação com a qual nos deparamos e de onde extraímos questões responsáveis por uma experiência reflexiva e de elaboração conceitual além do senso comum para uma ação de projetação, por exemplo. Se realização é a ocorrência de um estado pré-definido, a atualização é a solução exigida por um complexo problemático, em nosso caso, resposta à justaposição de dissociados territórios, forças disjuntivas e permanentes tensões entre situações. Já a virtualização é a dinâmica do movimento, o processo que constitui os movimentos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização presentes no plano de imanência. “A virtualização pode ser definida como o movimento inverso da atualização. Consiste em uma passagem do atual ao virtual, em uma “elevação à potência” da entidade considerada. A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular”. (LÉVY, 1996) Se tomarmos o projeto de Zaha Hadid em Viena, inicialmente destinado à habitação social, sobre um viaduto de Otto Wagner de um ramal férreo desativado, transformado em ciclovia que se prolonga ao longo de um canal do rio Danúbio que corta a cidade e a estação de metrô spittelau, nos deparamos com o processo de virtualização, uma atualidade redefinida para responder a uma questão particular, sobre uma quase-ausência, o viaduto, Hadid insere inscrições que o ressignificam e o reforçam, entretanto, restituído em potência conectora territorial, o ramal férreo re-significado transforma-se em ciclovia, as três linhas infraestruturais urbanas, as três linhas de força, ou seja, viaduto por onde passa a ciclovia, o 35 metrô e o rio, passam a fazer parte de uma nova condição espaço-temporal, como o disse Lévy, mutação de identidade, não se trata mais do viaduto apenas ou do projeto de habitação, mas da hibridização, superação do que parece ser próprio de algo, deslocamento do objeto que ao se definir por sua atualidade(solução), encontra a sua consistência num campo problemático, é sobre o território do deslocamento, da passagem e ligação,que anuncia-se um território de articulação e permanência. A virtualização é um dos principais vetores de criação de realidade, porém o virtual, com muita frequência “não está presente”, segundo Pierre Lévy (1996). Seus elementos são nômades, o viaduto que se torna ciclovia, contém o metrô, desloca, ao mesmo tempo adiciona o lugar da permanência, o abrigar, habitar, mas também o local da passagem possibilita a articulação entre situações, o fortalecimento da linha conectora que em sua existência reduzida localmente gera urbanidade ao conectar as duas pontas, como nos diz Guatelli, uma organização que se atualiza numa pluralidade de versões. Uma condição incessante em direção à alteridade, rumo aos deslocamentos que se traduzem em novas funções, em novas possibilidades espaciais, são apresentadas nestas experiências de projetação no qual encontramos sua analogia em conceitos como o de hospitalidade de Derrida. Derrida nos diz: “A hospitalidade precede a propriedade” e escreve que em última instância o que permanece no aparelho psíquico é a pulsão de propriedade, para além do princípio de prazer ou do princípio de realidade, representando um ideal de busca de estabilidade, “retenção de energia em um reservatório que estruturaria o sujeito, dando-lhe identidade e preservando-o da recaída ou retorno ao estado inercial, característico do inorgânico, estado equivalente à morte”. (CARVALHO, 2005) Consciência e propriedade se equivalem na função de proteger o aparelho psíquico dos estímulos vindos do exterior. O suplemento desconstrutor para o movimento que lança o sujeito para a constituição de seu domínio interno é o conceito de exapropriação, duplo movimento da subjetividade em direção ao sentido na busca por apropriá-lo, mas ao mesmo tempo desejando que continue estrangeiro, que permanece onde só há alteridade. 36 “Se houvesse a possibilidade de reapropriação total do sentido, exaustivamente e sem vestígio, não haveria sentido. Por isso há esse movimento de apropriação finita, passageira e precária, definindo-se como exapropriação”. (CARVALHO, 2005) Derrida realiza a síntese do paradoxo, ao aproximar o prefixo “ex” da uma base que indica o movimento de delimitação, algo se destitui no momento em que se instaura e ao mesmo tempo constitui a formulação da convivência com a angústia, de onde surge a estranheza. “A experiência com o outro é da ordem de uma ultrapassagem do conhecimento pelo logos. Ou se está no logos ou se está na experiência: A experiência do outro (do infinito) é irredutível, ela é, portanto a experiência por excelência. (...) Nada pode, portanto abalar tão profundamente o logos- grego- a filosofia- quanto essa irrupção do totalmente outro”. (CARVALHO, 2005) Tudo se constrói com a constatação de que há uma separação infinita como condição inicial para a hospitalidade. O sujeito encontra-se diante da escolha que o precedeu, implicando nela a capacidade de acolhimento. Ter aceitado o sim do outro, é a condição para a experiência do a-dieu, jogo de expressão que Derrida estabelece com o adeus. “O a-dieu implica a experiência da invocação ao infinito e a busca do que não está mais outrora, não está mais aqui, mas ali, mais adiante, de uma extensão da subjetividade na direção de uma aproximação com esse rosto que se anuncia como chegante, mesmo que seja disjunto de toda simetria do contato e de toda reciprocidade que existe (...). A experiência da aproximação implica a interrupção da simetria e da comensuralidade”. (CARVALHO, 2005) Derrida disse que um mínimo de idealidade é necessário para preservar uma identidade, mas para prosseguir desestabilizando, essa é uma condição. Paragens do eu, que se dirigem ao que advém e que pode chegar pela fronteira. O acolhedor é acolhido pela visitação do outro. Sua propriedade se despossui porque se torna hóspede de uma visitação. Experiência de passagem para a experiência do sujeito. Alguns autores como Michel Serres levantam questões com relação à filosofia heideggeriana do “ser-aí”, do alemão filosófico clássico, Dasein, que significa existência, no que diz respeito à presença na era da informatização e das redes digitais, embora etimologicamente a palavra “existir vem precisamente do latim sistere, estar colocado e do prefixo ex, fora de. Existir é estar presente ou abandonar uma presença? Dasein ou existência? Tudo se passa como se o alemão sublinhasse a atualização (a solução) e o latim a virtualização”. (LÉVY, 1996) 37 A virtualização faz com que um objeto ou situação se torne “não presente”, se desterritorializam, momentaneamente separam-se do espaço físico ou geográfico para o campo de problematizações, porém não são totalmente independentes do espaço/ tempo de referência, uma vez que devem se inserir em suportes físicos e se atualizar aqui ou alhures, ela inventa velocidades qualitativamente novas, espaço/ tempo mutantes. O viaduto de Otto Wagner, momentaneamente se desterritorializa ao abandonar o espaço geográfico para ocupar o espaço das problematizações e atualiza-se ao abrigar o conjunto habitacional, desabilita sua função de linha conectora e de deslocamento, diríamos que assume um estado de não presença para inscrever o território de permanência, onde se reterritorializa primeiramente com uma nova qualidade e novamente se reterritorializa na ciclovia e no metrô como linha de deslocamento. Além da desterritorialização, outro caráter da virtualização, a passagem do interior ao exterior, e vice-versa, o efeito Moebius, declina-se em vários registros que produzem reações na arquitetura, das relações entre público e privado, subjetivo e objetivo, mapa e território. A subjetividade e a significação abrem novos meios de interação e possibilitam uma enorme quantidade de tipos de espacialidade e duração. Por exemplo, um novo tipo de transporte modifica o sistema de proximidades, ou seja, o espaço pertinente para as comunidades humanas. Quando se constrói uma rede ferroviária aproximam-se algumas cidades conectadas pelos trilhos, outras não conectadas são afastadas, criam-se vários sistemas de proximidade e espaços práticos coexistem. O aumento da comunicação e generalização dos transportes rápidos participa do mesmo movimento de virtualização da sociedade, da “mesma tensão em sair da presença”. (LÉVY, 1996). A revolução dos transportes metamorfoseou o espaço. Cada novo agenciamento, acrescenta um espaço/tempo, uma cartografia especial em que as durações se interferem e se respondem. A virtualização, passagem à problemática, deslocamento do ser para a questão, é algo que interroga a identidade clássica. Por isso é sempre heterogênea, devir outro, processo de acolhimento da alteridade. 38 1.2. Cartografias do Desejo Procuramos considerar novas práticas semióticas advindas da escrita e do projeto arquitetônico, forjadas na abertura, em relações de proxemia, proximidade e fusão e diastemia, relações baseadas em contaminações, produzindo hibridizações. O conhecimento da etimologia da palavra design, projeto, portanto arquitetura é importante para deslocarmos os sentidos preestabelecidos e abrirmos potencialidades novas. A etimologia nos informa acerca do simbolismo e evolução de uma palavra, nos dando o referencial sobre o discurso ao qual se vincula como diz Michel Foucault, compreendendo assim, mais um paradigma aos já existentes. “A primeira coisa que nos vem à mente quando pensamos na palavra Design, seria projeto, como uma forma de estabelecer alguma diferença entre Arte e Design, questão amplamente discutida ao longo do século XX.” (ROSSI, 2003). Quando nos referimos a uma palavra diversos conceitos encontram-se conectados. “Encontramos como noção de drawing o ato ou o instante do desenho, o processo de decidibilidade por alguma coisa dentre muitas escolhas. A arte ou técnica de representação de um objeto ou linhas (outilining) de uma figura, plano, ou esboço, enquanto draft, do inglês medievo, draght, do Inglês antigo, Dragan, o ato de desenhar a trama e, além disso, a quantidade “de fios” do desenho, esboços preliminares, esquemas, e o “drawing out”. Design, do Francês medievo designer, do Latim medieval designare ( de+ signare) significa diagrama, criação, invenção, constructo, forma, “frame”, intenção, significação, invenção, propósito, indício, sinal, achar meios para, projeto. Por sua vez, a palavra projeto (Project) partícula modificada do francês medieval projeter, do inglês antigo porjeter (do latim porro, do Grego pro, que significa para frente, adiante+ jeter, atirar, lançar, arremessar, do latim projectus. Enfim, a correlação da palavra design ao étimo projeto é muito mais próxima e concernente da palavra design, deriva-se a palavra desígnio (do Português, intenção, projeto) e desire (do Francês medievo desirer, do latim desiderare, de + sider- , sidus (heavenly body), desejo.” (ROSSI, 2003) Portanto, a ideia de projeto encontra-se no que a mente produz e lança, falamos aqui sobre o por vir, procurando desta forma, não comprometer com nossas operações em favor de uma linearidade do processo, ao buscarmos erroneamente similares como base para o lançamento de um projeto recaindo sobre o mesmo paradigma com a falsa impressão que criamos linguagem, quando o caminho ainda é o mesmo, já que a qualidade destas intervenções não é de âmbito estrutural, operamos com os mesmos paradigmas, gerando, falsamente, novos sintagmas. 39 A noção de projeto como projectil lança o desafio de pensá-los numa sociedade em que caminham rumo aos vários passados firmados. Macluhan diz que, “o passado foi embora naquela direção. Quando confrontados com uma situação inteiramente nova, tendemos a ligarnos aos objetos ao sabor do passado mais recente. Olhamos o presente através de um espelho retrovisor. Caminhamos de costas em direção ao futuro.” (apud ROSSI, 2003). 1.2.1 A Aldeia Global e as Experimentações Projetuais na Segunda Metade do Século XX A concepção de mundo que temos para MacLuhan está ligada ao uso e aprimoramento da tecnologia sobre nossas formas de conhecimento, transformam nossas percepções, tendo em um primeiro momento uma ordenação lógica linear, da ordenação de fatos e eventos, com isso teríamos perdido a capacidade de conexões criativas de modo a abrangermos aspectos além da predominância de nosso campo visual. Nossa compreensão do mundo se daria pela divisão e compartimentalização de eventos e percepções, entretanto, cada evento poderia nos provocar diferentemente de acordo com os estímulos que dariam aos nossos órgãos sensoriais. Ainda nos diz que a palavra impressa além de privilegiar um de nossos sentidos, a visão, foi responsável pelo fortalecimento das identidades nacionais, logo acentuado pela criação da máquina a vapor e das malhas ferroviárias, a palavra escrita ganha um meio de transporte territorial para suportar sua difusão. MacLuhan cita que os investimentos dos jornais foram responsáveis em grande parte pela construção da malha ferroviária inglesa. O binômio escrita, estrada de ferro, foi responsável pelo fortalecimento dos Estados no século XVIII. Com o surgimento da tecnologia radiofônica, as cidades ganhavam a possibilidade de que suas características ímpares, a diferenciação local de grupos fosse reacendida ao contrário das homogeneizações nacionalizantes, adquiriam dimensões intercontinentais e recebiam influências, inaugurando a dimensão elétrica das cidades e proporcionando uma multiplicidade informacional. Para Fábio Duarte, o revolucionário meio de informação que transformaria definitivamente as concepções espaciais, políticas e temporais no mundo, seria a primeira transmissão televisiva. A tão citada frase o “meio é a mensagem”, sintetiza o pensamento de MacLuhan, para quem o meio é um conjunto complexo de eventos que influencia e age sobre populações inteiras. O caráter tecnológico dos meios possui maior força do que as informações veiculadas por eles. 40 Para ele a “aldeia global” seria a ligação informacional do mundo através de redes de circuitos elétricos, constituída por meios de informação à distância, um mundo fragmentado que daria lugar a um universo orgânico onde todos os eventos se relacionariam tecnologicamente. A dinâmica lógica dos novos meios de comunicação redireciona as novas propostas arquitetônicas. O universo informacional descolado do territorial interferia diretamente nas cidades, referências culturais diversas homogeneizavam estruturas urbanas aptas às novas transmissões de informação que ordenam o mundo. Apontamos algumas propostas e projetos de intervenções arquitetônicas e urbanísticas a partir de uma mudança de paradigmas proveniente do uso de novas tecnologias em meados do século XX e que modificaram nossas formas de conhecimento, para chegarmos até as ideias de Gilles Deleuze, Félix Guattari e Jacques Derrida e as interlocuções que construíram entre seu pensamento e os recursos que abriram para um ato de projetação crítica, através do deslocamento dos sentidos preestabelecidos, das verdades históricas, junto às alterações dos sistemas de produção, que implicaram em revisões das noções de projeto, processo e produto de objetos e signos. Algumas destas reflexões e propostas estão ligadas a amplificação dos territórios da arquitetura que irão desde a força do objeto arquitetônico inscrita nas estratégias espaciais esboçadas, até a criação de ambientes que dependem cada vez menos de suportes físicos e se insere topologicamente no mundo todo entre os nós e redes digitais que o englobam e não se encontra em lugar nenhum, talvez aqui ou ali, mediada por uma máquina. A arquitetura na era digital é a extração de formas apresentadas pelas hipóteses criadas nas interfaces homem/ máquina/ espaço. Mas ambas têm correspondências com as questões de Jacques Derrida e de Gilles Deleuze. Fábio Duarte cita que a partir dos anos 60, o arquiteto Kisho Kurokawa, propõe no Japão o movimento metabolista, baseando o planejamento das cidades em crescimentos orgânicos, espaciais e temporais. De acordo com atividades e expansões das estruturas urbanas, adquiria outro papel numa superestutura urbana, metáfora arquitetônica para a interligação global dos meios de comunicação. Um entrelaçamento de sistemas informacionais que configura o 41 universo onde se inseria a arquitetura, os módulos trocando informações, comporiam as novas paisagens das cidades. Projetos arquitetônicos e urbanos não se definiam em áreas métricas, mas em processo, os ciclos temporais e espaciais em constante evolução urbana global, eram informacionalmente interpenetrados estruturando-se via meios globais de informação, com módulos espaciais ligados e definidos pelo tempo. Por exemplo, uma casa teria um módulo de um ano e os espaços sociais, módulos de 25 a 625 anos, entretanto aos metabolistas escapou que os avanços tecnológicos , quando consideramos hoje, por exemplo, as redes digitais de informação, onde as interações se dão em tempo real, sem consideração aos espaços geográficos e métricos, ao pensarmos em módulos metabolistas teríamos várias cósmopoles, definida em 100.000 km em relação ao seu desenvolvimento espacial. Kurokawa considerava as cápsulas como a revolta individual à massificação urbana. Estas ideias arquitetônicas são regidas pelas teletecnologias, onde fatos locais reconfiguram aspectos globais, como nos diz Fábio Duarte e prossegue com a pesquisa de outras experiências. Para o arquiteto americano Richard Buckminster Füller, o que era fundamental em suas considerações eram os aspectos organizacionais sinergéticos dos elementos físicos e energéticos do universo. O primeiro ponto de mudança em relação á produção artística é o deslocamento do objeto para o processo, que entendem o universo como elementos em operação, considerando a inclusão ao invés da exclusão. “É nesse sentido que se baseia a ideia- chave de Füller, a sinergia. Em um lugar da compartimentalização por ele denunciada deveríamos estar atentos às passagens do sistema global do universo, que seriam circularmente interligadas e ordenadas topologicamente numa estrutura geodésicareferente à forma da Terra, mas estruturada no elemento mínimo da ordenação da natureza, o tetraedro. A topologia como a definição de padrões de “interligação estrutural das constelações de eventos”. (Füller, 1985, apud Duarte, 1999) Füller propõe que pensássemos também na poluição informacional, armazenada em nossos cérebros ou incorporada ao ambiente a fim de minimizá-las para maximizar as potencialidades dos meios, pensamentos e territórios. 42 “Considera que a palavra sinergia é a única que dá o sentido do “comportamento dos sistemas totais não previstos pelos comportamentos separadamente observados de quaisquer das partes isoladas do sistema ou de quaisquer subconjuntos das partes dos sistemas.” (FÜLLER, 1985, apud, DUARTE, 1999) Essa concepção de entendimento e ação no mundo que Füller trabalha em seus projetos arquitetônicos. Os estudos de Füller para a construção de sua geodésica partiram de trabalhos com formas triangulares e tetraédricas, que combinadas formavam esferas, com esses projetos encontrou a forma sintética de suas concepções sinergéticas de compreensão e ação no mundo. O projeto mais significativo da equipe de Füller foi a geodésica construída para o Pavilhão Americano na Expo 67 em Montreal, assim que inaugurada a feira, caractrizou-se como a transformação arquitetônica contemporânea. Seu pensamento sinergético discorria sobre a totalidade que só seria compreendida se levássemos em consideração a relação entre elementos e como o conjunto pode transformar a interação com o ambiente. Füller pretendia mudar o ambiente, o que possibilitaria o surgimento de um novo homem integrado com seu ambiente, global. O desenvolvimento de tecnologias de informação deu aos arquitetos uma visão global de seu território de ação e produziu uma estética própria. À princípio o grupo Archigram com suas ideias buscava criar uma “modesta moléstia” (DUARTE, 1999), sua constituição se deu ao se aproximarem para discutir arquitetura contemporânea,descrito assim pelo próprio Peter Cook. “Resolveram criar uma revista, nos anos 60. O nome veio da ideia da urgência das informações: mais simples e rápido que um jornal, como um “aerograma” ou “telegrama”: ARCHI (tecture) GRAM.” (DUARTE, 1999). Souberam traduzir seus projetos em linguagem gráfica contemporânea, com bricolagens retroalimentando o meio, a linguagem usada e as mensagens, buscavam discutir a arquitetura naquele momento. 43 “O arquiteto Hans Hollein, em texto sobre o impacto do Archigram para a arquitetura na época, escreve que o estilo internacional moldado pelos modernistas estava estagnado, que seus dogmas tinham sido formulados havia muito tempo e não se adequavam à multiplicidade e variabilidade das transformações que ocorriam no mundo- e claro, nas cidades. Era hora de discutir ideias em vez de objetos, “Konzeptie” ao invés de “Rezeptie”. (HOLLEN, 1989, apud DUARTE, 1999) O pensamento sobre as cidades deveria se dar com o rompimento de barreiras rígidas e imóveis, utilizaram a linguagem dos HQs com o intuito de contruir um novo olhar e novas concepções sobre o meio urbano, já apontavam para diferenças nas necessidades e objetivos que deveriam ser vistos globalmente de maneira quase individual, pois os homens que moviam as cidades o fariam por ideais próprios aos seu microcosmo, buscou-se a ruptura com a estandardização, um dos paradigmas do modernismo. A ruptura com a ideia de standard na sociedade de massas identificava o Archigram com discussões de Le Corbusier e Jean Prouvé, como com Füller e os metabolistas japoneses. Living City foi o primeiro projeto que reuniu todo o grupo em uma exposição onde tridimensionalizaram pela primeira vez suas reflexões, de forma imagética e espacial sobre a multiplicidade, maleabilidade e efemeridade dos ambientes urbanos, desintegrando-se após o evento e produzindo uma corrente de informações que contagiavam os próprios trabalhos do grupo e de outros arquitetos, coerente com as discussões e postura que apresentavam. O Plug- in- City, trabalho de Peter Cook, ligado ao Plug-in-Capsule de Chalk e com a ideia dos edifícios expandíveis. Investigava o que aconteceria todo o ambiente urbano pudesse ser programado e estruturado para que estivesse em constantes mutações arquitetônicas. No projeto Instant City o grupo trabalhou com a escala urbana, uma metrópole dinâmica, conectada e criando uma rede de informações que cobririam uma malha de cidades que se conectariam no momento em que o evento ocorresse. Havia uma preocupação do grupo em utilizar os conhecimentos tecnológicos existentes e aplicá-los às situações reais neste projeto, mapearam as atividades e utilidades urbanas existentes nesses lugares de forma que pudessem ser integrados ao sistema informacional urbano a ser criado, com o intuito de ser um sistema complementar, articulador e dinamizador de um processo urbano. Fábio Duarte o aponta como uma metametrópole: a metalinguagem da metrópole contemporânea. 44 Ao final, com o Instant City, o Archigram chegou quase à imaterialidade, transformavam-se no design de suas ideias, de estruturas de informação. Os meios tecnológicos, cada vez mais presentes em nossas cidades, não podem, ser desconsiderados por nós, arquitetos e construtores em nosso ambiente urbano, já que apontam novas possibilidades. A cidade de Groningen, na Holanda, vem sendo local de experimentações de projetos urbanos e arquitetônicos. Daniel Libeskind reuniu profissionais de diversas áreas que trabalham ideias de acessos e limites nas cidades contemporâneas e o projeto das Video Folies, que se constituiu na construção de pavilhões onde as pessoas usufruíssem da exibição de vídeos e que os edifícios fossem objeto de reflexões sobre a lógica própria das imagens assistidas. Em 1990, como parte da exposição deconstrutivista realizada por Philiph Johnson no MoMa em Nova York, Peter Einsenman, Rem Koolhaas, Zaha Hadid, Coop Himmelblau e Bernard Tschumi, se depararam com a proposta de discutir a imaterialidade das imagens eletrônicas concretizando-se na materialidade arquitetônica, tendo em vista novas concepções estéticas das imagens, os organizadores queriam discutir o contexto dessa arte em espaços públicos, questionaram se os vídeos trariam uma reconcepção do espaço urbano. Do século XIX para o século XX, os meios de produção e representação tiveram papel transformador na arquitetura. Os sistemas de transportes trouxeram a ideia de movimento e a intenção de que a obra fosse apreendida pelo deslocamento. Assim, era necessária a determinação de percursos, imagens em movimento. Bernard Tschumi descreve seu projeto “Les Folies”, para o Parque de La Villette dizendo: “Em suas disrupção e disjunção, em suas características de fragmentação e dissociação, as circunstâncias culturais de hoje sugerem a necessidade de descartar categorias estabelecidas de significado e contextualismo histórico (...) o projeto rejeita o contexto, encorajando a intertextualidade”. (TSCHUMI, 1994 apud GUATELLI, 2012). O percurso entre os prédios existentes passa a ser mais importante que os edifícios, os intervalos preenchidos pela movimentação de pessoas em direção à cidade da Música, Ciência e Tecnologia, do Zenith e do Grande Halle, como diz Gatelli (2012). 45 Sua estratégia de sobreposição de linhas e pontos, ou seja, percursos e folies, são distribuídos em uma matriz cartesiana. Com a intenção de desestabilizar, os pares conceituais utilizados na arquitetura, forma/função, programa/contexto, programa/significado, síntese/harmonia, como defende Guatelli (2012), usa estratégias como sobreposição e fragmentação, “(o que implica que em nenhum momento uma parte pode tornar-se uma síntese do todo ou uma totalidade autossuficiente), intencionando a rejeição da ideia de síntese em favor da ideia de dissociação e análise disjuntiva do edificado, sobretudo quanto aos binômios forma-uso, forma-função, signosignificado.” (GUATELLI, 2012). Seu objeto é pulverizado pelo parque, as Folies podem abrigar e significar os mais diversos usos, para que reproduzam a dinâmica urbana. “Tschumi desloca, assim, a questão da arquitetura, naquele momento: no lugar de ambientes grandiosos e que têm a presença formal como principal questão, propõe uma arquitetura de espaçamentos programáticos de programas intercambiáveis no espaço e no tempo, onde as ações imprevistas que ali ocorrem e ocorreriam incessantemente seriam camadas de significações por vir de um território esvaziado quanto aos seus significados e sentidos apriorísticos”. (GUATELLI, 2012) Esses pontos de intensidade que são as Folies, representam articulações entre os espaços e as edificações, são responsáveis pelos acontecimentos não previstos. Para a dispersão da multidão pelo parque que se concentrava nos edifícios, a estratégia seria a interação dessa multidão dispersa, com o intuito de desestratificar o espaço e o povoar mais uniformemente, ocorre o desmantelamento de qualquer sentido hierárquico ou de qualquer tentativa de construção de um discurso totalizador. “Esse aparente paradoxo, a dissociação tomando lugar em um espaço de reagrupamento, faz parte da estratégia para a desestabilização desses pares de conceito. Para Tschumi, o projeto atacou diretamente a relação de causa e efeito, forma e função, forma e programa, substituindo essas oposições por novos conceitos de contiguidade e sobreposições. A proximidade das sempre programadas e reprogramadas Folies dos grandes equipamentos promovedores de multidão seria a possibilidade de geração de tensões, fundamental para o advento do inesperado”. (GUATELLI, 2012) Derrida desenvolve a superposição de textos que se interpenetram e se articulam pela argumentação, com isso objetiva a desconstrução, a abertura para os questionamentos e o pensamento, criando condições do porvir. 46 As Folies, concebidas como infraestruturas, “construções abertas e sem usos predefinidos” (GUATELLI, 2012) são potencializadoras de acontecimentos por sua própria condição, a relação entre os edifícios do parque seria delicado sem as Folies, “o deslocamento é tensionado passa a ser constantemente interrompido por “acasos”, sobretudo em um nível tátil sensorial, por esses objetos de condição indefinida, imprevisível, que se oferecem as mais diversas apropriações e conjecturas”. (GUATELLI, 2012) Peter Einsenman projetou para Groningen a Video Folie, “The Pattern of Electron Beam, e mesmo antes da exposição deconstrutivista para o MoMa em 1988, já possuía fortes contatos com a filosofia de Jacques Derrida, e sua relação com as discussões entre arquitetura e as tecnologias contemporâneas da imagem foram motivo de exposição em 1985, intitulada Les Immatériaux, duas propostas se destacam, “Visitas Simuladas”, um ônibus onde as janelas eram monitores de vídeo e “Profundidade Simulada”, conjunto de três hologramas, demonstram um questionamento do arquiteto frente às imagens contemporâneas de representação. O projeto que desenvolveu para o concurso para o Parque La Villette, denominado Choral, assumidamente é uma referência aos conceitos desenvolvidos pela filosofia de Derrida em seu livro Khôra (1995), onde discute as noções de Timeu de Platão sobre o receptáculo de qualidades cambiantes, que recebe inesgotáveis interpretações, toma-lhes as formas e as esvanece sem vestígios, khôra não é isso nem aquilo, mas ao mesmo tempo ambos. “Não promete nem ameaça ninguém. Permanece estrangeiro à pessoa, nomeando somente a iminência, e ainda uma iminência estrangeira ao mito, ao tempo e à história de toda promessa e de todas as ameaças possíveis”. (DERRIDA, 1995) Com o conceito de dobras de Deleuze, Einsenman construiu novas relações entre opostos clássicos, como horizontal/vertical, fundo/figura, interior/exterior. De forma sintética, para Deleuze as dobras são construções labirínticas múltiplas. Não são constituições de volumes e planos tendo como paradigmas os eixos x, y e z, podem existir pontos x, y, z, dispersos em um corpo elástico dividido em fragmentos menores, redivididos, compondo um espaço topológico, sem referências ontológicas e eixos geométricos, não formam uma geometria estática, mas um fluxo espacial, temporal e material. 47 No projeto de Einsenmam para o Centro de Artes da Emory University, foram aplicados princípios harmônicos da música para redesenhar condições topológicas, criando deformações/ transformações no edifício. Sua VideoFolie está inserida em seu trabalho que partilha do conceito das “dobras”, elétrons atravessam a tela da esquerda para a direita, compondo a imagem. “O projeto é baseado no zigue-zague entre os movimentos horizontais e verticais, e o visitante do pavilhão segue esses percursos como que assumindo o papel dos elétrons, nunca com um ponto estático de orientação, mas aludindo aos movimentos da eletricidade para formar imagens de vídeo”. (DUARTE, 1999) “Khôra nos chega, e como o nome. E quando um nome vem, rapidamente diz mais que o nome, o outro nome e o outro, simplesmente, do qual anuncia justamente a irrupção” (DERRIDA, 1995). Khôra não é isso ou aquilo, mas pode anunciar ou apresentar isso e aquilo. Lugar, localização ou território, Khôra não propõe um fechamento de significados, mas sua mutabilidade, apta a todas as possibilidades sem se tornar nenhuma delas, rompe com os significados incontestes, deixando livre outras construções sígnicas. Derrida rompe com significações apriorísticas de objetos ou palavras, para a efetividade de signo-possibilidades. Em “A escritura e a diferença”, descola o signo do eixo significante/significado que o aprisiona e o abre como elemento sem significações prévias, onde não há significado intrínseco, primeiro, mas permite a geração de outros significantes e significados com aproximação e/ou atrito entre eles. Já Peirce rompe com a relação dicotômica signo/objeto, propõe que tal relação se dê por um processo interpretante, que pode acontecer diversas vezes, garantindo que capturemos várias facetas de um mesmo objeto e seus signos, dinamizando suas potencialidades de diversidades de estímulos. Nos projetos de arquitetura, as intervenções estudadas, os objetos e signos, em um momento estão substituindo um objeto, ora sendo ele próprio objeto de substituição de outro signo. Para Peirce, o signo é uma construção mental entre significantes e significações, de forma que todo significante, para se valer de uma intelecção, passa por operações de significação. Rompe com uma relação unívoca de um objeto ou significante com um significado, deste 48 modo, a força da atividade interpretante de seu pensamento não busca a exclusão de significados, mas elevá-los, gerando novas e infinitas cadeias. Em Arquitetura essas elevações de significados dos signos são possibilitadas por deslocamentos, desdobramentos de discursos formais e significadores, como o ato organizador do projeto arquitetônico com suas regras e normas em desdobramentos entre as naturezas das linguagens espaciais, filosóficas, científicas e artísticas que constroem a arquitetura e o urbanismo, potencializando o porvir. Einsenman, na interlocução de sua arquitetura com conceitos oriundos da filosofia, trabalha com a ideia de Dobras em Deleuze. Deleuze explica sobre o barroco em Leibniz que as dobras são um corpo flexível, com partes coerentes que formam uma dobra, que são divididas ao infinito que sempre conservam certa coesão, são oscilações que apontem para singularidades que emergem de um mesmo corpo. É um momento específico no espaço e no tempo, pontos de um mapeamento de relações diferenciais nômades e sem distâncias geométricas definidas, um deslocamento dos espaços que leva ao conceito de Khôra, receptáculo que possibilita inúmeras situações. Inúmeras possibilidades em um labirinto de dobras sobre/entre dobras que apontam ao “espírito da matéria”; e como diz Deleuze, a matéria-dobra é a matéria- tempo. 49 Capítulo 2 FORÇAS CONCEITUAIS E PROJETUAIS: MATERIALIZAÇÕES 50 2.1. A Força do Trabalho Conceitual Como argumentamos no primeiro capítulo, sobre a relação transdisciplinar que estabelecemos entre filosofia, texto e arquitetura, para a construção de nossa investigação, essas matérias em um primeiro momento, aparentemente distintas, mas que concatenadas fazem desse processo surgir um espaço onde não há mais um discurso hierárquico, não existe a autoridade de um texto sobre outros; os centros, localizados numa única área, deslocam-se para zonas intermediárias, para um espaço entre os textos e a relação que instituem. Com os conceitos de entre e rizoma, oriundos do pensamento dos filósofos Derrida, Deleuze e Guattari, respectivamente, não temos a prevalência da hierarquia, do discurso dominante, abrem espaço ao objeto híbrido, a uma estrutura não centrada, aberta à ambivalência dos sentidos. Sobressai o intersticial, o entre, compondo um lugar aberto às experimentações, ao evento, à criação, permanecendo sempre em processo, sempre por vir, são deslocamentos constantes e pluralidade de significados e sentidos, possibilitados pela interceptação de textos ou objetos diferentes no gênero e nos objetivos, estimulando o desenvolvimento do saber, pelas transgressões dos sentidos que opera, pelos devires que surgem dos cruzamentos das linguagens, isto se refere tanto ao espaço imaterial, relativo ao cruzamento dos textos, quanto ao material, no tocante às situações proporcionadas pela arquitetura. A forma, linguagem utilizada pela arquitetura, representação de uma ideia, adquire sentido e significado, ao contrário do que muitos arquitetos querem crer, a partir das mais diversas apropriações que motiva, constituindo com este posicionamento uma arquitetura do espaço, composta por espaços entres, não determinados, residuais, intersticiais; neste sentido, o significante não precisa manter uma relação causal, não necessita estar representado por um significado. Buscamos aqui, a desregulamentação, a disjunção e o deslocamento entre significante e significado, entre forma e função, para possibilitar o advento do entre espaços, que está em constante processo, transgredindo valores históricos arquitetônicos para, desta forma, surgir outras possibilidades de projetação e de ocupação dos lugares. O programa sempre fez parte do processo arquitetural, que se vinculava aos valores de uma determinada época, mas não se traduzia em formas ideais, era flexível o suficiente para dissociar-se do conteúdo, verdadeiro evento, pois serve aos diversos usos e manifestações e 51 apenas com o advento do funcionalismo e a busca por uma correspondência entre formafunção, resultante de um novo ideário e com ele uma nova linguagem, a flexibilidade, as possibilidades de manipulação e intervenção foram reduzidas; produto deste ideário manifesto pelo movimento moderno, o desejo do arquiteto por controle e definição, junto às concepções que correspondem forma ao conteúdo, ou imposições entre significantes propostos e significados surgidos, procura impedir o surgimento de eventos, acontecimentos, mas ao contrário, o rompimento com o originalmente proposto, constantemente eclode, pois apropriações não conseguem ser pré-determinadas. A força do fazer arquitetônico atual está atrelada às questões relativas ao espaço, enquanto meio interativo, composto por eventos, acontecimentos imprevistos, produzindo rotinas e lógicas diversas, suporte de suposições. A imagem do lugar baseada na relação espaço-uso é substituída pela relação espaço-tempo, as imagens dos lugares vão se alterando em virtude de ações que ocorrem nesses lugares, sempre em processo. Espaço segundo o qual, como pontuou Igor Guatelli, se “daria a possibilidade de ocorrência do virtual, ou seja, a realidade da qual ainda não possuímos o conceito”, para Deleuze ou ainda, “onde se criaria a possibilidade de chegada de algo que não nos deixaria os mesmos, segundo Derrida. Ou seja, nos espaços não pré-configurados, nos entres, que teríamos condição para o devir, para a constituição do acontecimento, resultante também de uma desregulamentação da arquitetura baseada na ligação causal entre forma e função, abrindo espaço ao não desenho (não intencional), capaz de absorver os registros deixados sem eleger um único como adequado e em seguida voltar a condição de significante, à espera de novas intervenções. Relação clara com o conceito de Khôra, estabelecido por Derrida, região ou receptáculo que ganharia forma a partir de interpretações externas, deixando impressões e mesmo assim, não se deixaria atingir ou esgotar, mas seria capaz de adquirir diversas formas e permanecer em sua condição original, assim seria também a condição entre na arquitetura, em que os espaços assimilariam às diferentes solicitações, sem se exaurir e retomar a condição inicial. O espaço intermediário, infra-arquitetural está aberto às significações entre os espaços definidos, que são catalisadores das ações dos usuários, dos acontecimentos inesperados que rompem, mas transitórios, permanecem sempre em processo, em que o programa, mutável é 52 sempre solicitado e conformado por diversas manifestações; como khôra, em estado de significante, à espera de eventos para a prática do conflito, em que nos distanciaríamos do que somos para abrir espaço ao outro. Ao possibilitar o entre, o arquiteto estaria contribuindo para a instalação de uma atitude questionadora, estimulando outras formulações, além do habitual; um fazer arquitetural relacionado ao pensar, ao refletir crítico, momento necessário nesse processo de rompimento com a realidade que nos é apresentada, abrindo a possibilidade da diferença, do processo de diferenciação, através da experiência do espaço e, da possibilidade do contato com o outro, entendendo-o como aquilo em que estamos nos tornando, mas ainda não consciente; a condição entre, não sugere nem presença ou ausência absolutos, mas produção de diferenças e alteridade. O conceito de entre, rompe com a cultura funcionalista do movimento moderno, entretanto não é desprovido de função, pois abriga o outro ao anteriormente imaginado, apenas não está atrelado a permanências e não há uma forma adequada para contê-lo. 2.1.1 Reflexões sobre as inscrições materiais As cidades convivem em movimentos de conflito e ruptura e por isso exigem novas experimentações projetuais dada a sua complexidade, há forças territoriais em permanente tensão entre situações. Por isso, buscamos a arquitetura em sua relação para com, ser que se fortalece e se constitui em articulações, partindo da importância da constituição de micropolíticas urbanas, produzindo-se por misturas em relações de contágio e proximidade, superando o que parece ser da natureza de algo além dela própria para posicionar-se quase fundir-se com o outro. As inscrições territoriais, condição material da própria arquitetura, reforçariam ou resignificariam um quase ausente, alterando sua dinâmica e estabelecendo relações com a adição, o que chega e o existente, produzindo o encontro ou o acontecimento, resultando em novas combinações entre infraestruturas e supraestruturas e criando condições complementares e suplementares, por exemplo, através da arte pública ou da própria urbanidade da arquitetura. Pensaremos o programa em arquitetura como uma estratégia capaz de gerar uma condição suplementar e não de fixar sentidos e significados para essa arquitetura, construções de 53 dinâmicas que provoquem reações; segundo Edward Soja (1989) o espaço deve ser entendido em sua materialidade e em suas formas de organização e produção social. Buscamos com esta investigação, que um objeto seja potencializado em seu ser, adquirindo novas possibilidades de um vir a ser, no momento em que uma inscrição suplementar no território deforma esse ser existente e abre espaço para um suporte em interação permanente com as pessoas, intensificando sua importância urbana; inserido em um movimento constante de desterritorializações e reterritorializações, sempre ressignificado. “Retomando a ideia de matrizes espaciais parte da inter-relação dos conceitos de espaço, território e lugar, tem-se que a desterritorialização pode ser sintetizada como o processo que ocorre na organização de uma porção do espaço, pela inserção ou transformação de técnicas, ideias ou objetos, alterando o regime de influências de fixos e fluxos. Esse processo é um dos responsáveis pelas crises e redefinições das matrizes espaciais, podendo afetar diretamente os objetos e as ações do espaço, bem como a hierarquia de valores que determinam a identidade de um lugar ou o regime de influências de um território”. (DUARTE, 2002) Dentro das intersecções que fizemos com conceitos advindos da filosofia, para que o objeto seja potencializado, buscamos o entre, o intervalo, o lugar dos eventos constituídos por uma arquitetura que produz através destes, espaços autônomos, onde há um mínimo de intervenção, com um máximo de acontecimentos espontâneos. Em intervenções que podem ser programáticos funcionais ou formais, traremos dois exemplos que utilizam estratégias de projetação destes intervalos no espaço arquitetônico com distintas características. Intenta-se que arquitetura seja materialização de conceitos, que se encontram nas estratégias de projetação potencializados nos programas, edifícios, implantações e na importância do suplementar, daquilo que vem a mais, fazendo com que o projeto seja um meio para a ocorrência de eventos imprevistos; certezas estáveis são trocadas pela noção de desagregação da estabilidade dessas arquiteturas. Os dois projetos escolhidos como referências aos estudos que serão realizados com os objetos escolhidos, são: O Parque de La Villette, do arquiteto Bernard Tschumi e o Viaduto Spittelau, da arquiteta Zaha Hadid. 54 2.2. Viaduto Spittelau e a Inscrição Suplementar de Zaha Hadid: Criação de Novas Dinâmicas Urbanas Como nos diz Igor Guatelli (2005), o espaço público é o espaço da permanente publicação, de um colocar-se infinito, em processo. Faz parte da arquitetura sua ação de colocar-se em presença do público, e desta forma se compor com algo além de si mesma. Os sistemas urbanos atuais exigem novas experiências de projetação, pois são complexos e compostos de rupturas e indefinições, justaposição de dissociados territórios que constituem permanentes tensões entre situações diferenciadas. O projeto que será apresentado, da arquiteta Zaha Hadid, de 1994, localizado na cidade de Viena, produz o que Guatelli (2005) chama de deslimitação do objeto arquitetônico e analisa os possíveis processos de mediação e amálgama com a cidade que este projeto de arquitetura, objeto deslimitado, pode produzir. Vista do conjunto projetado por Zaha Hadid sobre o viaduto Spitellau, desenhado por Otto Wagner. Foto: Igor Guatelli Uma das estratégias de projetação entende que o espaço urbano constitui-se de micropolíticas que se formam e desfazem-se e é capaz de produzir diferenças pela mistura, por isso o objeto 55 arquitetônico para ativar estes lugares e para gerar urbanidade efetiva um colocar-se para, ao constituir um suporte de incremento infraestrutural que se constrói a partir de articulações, com algo além de si a ser fortalecido pela ação do público. A arquitetura entendida como um querer ser algo além dela, conectando-se com o outro em um processo de encadeamentos espaciais, partindo da noção de alteridade, ao posicionar-se com o outro, possibilitaria a emergência de novos sentidos, ao permitir que marcas e inscrições a contaminem. Localizado ao Norte de Viena, sobre a estação de metrô Spittelau e o viaduto, projeto do arquiteto Otto Wagner de um ramal férreo desativado, o edifício de Zaha Hadid, previsto para ser habitação social, passou a habitação de estudantes, por estar ao lado de uma Universidade. Sob os arcos do viaduto há a previsão de se instalarem restaurantes, lojas, bicicletário. Hadid insere inscrições que ressignificam o lugar, a presença quase ausente do viaduto desativado, como observa Guatelli em Arquitetura do Entre Lugares (2010), trata-se de um desenvolvimento mútuo, entre o edifício, a adição, aquilo que chega e o viaduto desativado, constitui um ser com, fortalecido por esta relação com o outro. Vista do conjunto projetado por Zaha Hadid sobre o viaduto Spitellau, desenhado por Otto Wagner. Foto: Igor Guatelli 56 O antigo ramal férreo possui sua característica de linha conectora fortalecida ao ser ressignificada quando adquire a função de ciclovia que se prolonga pelo rio Danúbio liga a cidade e é articulado tanto com o edifício que se coloca para com ela, a linha conectora, e a estação de metrô, através de seu projeto, adição suplementar, Hadid desajusta o sentido anteriormente firmado, altera a dinâmica daquele território. O viaduto adquire a condição de um vir a ser no momento em que uma inscrição suplementar, chega e deforma o ser existente. O projeto de Hadid possui três blocos de apartamentos em estruturas independentes da estrutura do viaduto, conecta-se com o canal do rio Danúbio através de deques em dois níveis, junto aos arcos do viaduto e outro na cota do metrô, um suporte de pura potência territorial urbana, onde há uma permanente situação de interação entre pessoas. Deck inferior de acesso ao metrô. Foto: Igor Guatelli 57 O programa adicional traz outras possibilidades de existência para as linhas infraestruturais urbanas, sobre o território do deslocamento, a adição, a inscrição material, insere no território a articulação e a permanência, contamina-se com o viaduto Spittelau, e contribui para sua formação suplementar, de superação, o projeto cria um novo sistema ao compor-se com o viaduto, o metrô e o rio. Vista desde o canal mostrando os três blocos com os decks inferior e superior. Foto: Igor Guatelli O viaduto passa a ser um suporte fundamental aos blocos habitacionais, deixa de ser apenas uma infraestrutura, ao mesmo tempo os edifícios passam a ser uma demarcação na passagem pelo viaduto e não apenas pontos no território. Simultaneamente concentração e dispersão, ponto e linha, “a potência ainda por vir desse projeto está em sua capacidade de proporcionar mobilização e mobilidade”. (GUATELLI, 2010, p.73) O projeto de Zaha Hadid se liga a uma linha urbana, potencializando sua importância e constituindo um sistema, onde tornam-se aptos a provocar o indeterminado, o acontecimento, através de seu programa adicional inscrito que produz urbanidade onde anteriormente em nível local, a linha conectora tinha sua urbanidade reduzida, embora cumpra seu papel articulador na macroescala. O programa aqui é pensado como um agenciamento de elementos potencializadores de tensão, situações montadas para transformarem-se em liberadores de acontecimento. 58 2.3. Parque de La Villete, Les Folies: Sobreposições e Dissociações. Bernard Tschumi (1998), diz ser seu projeto, Les Folies para o parque La Villete, o maior edifício descontínuo e o primeiro a trabalhar com conceitos de sobreposição e dissociação. O destaque se dá para as relações entre os edifícios, para os percursos, ocupados pelas pessoas que ali circulam em direção aos edifícios presentes no parque. Tschumi projeta sobre o parque, por meio de uma sobreposição de linhas, que corresponderiam à circulação, pontos, os edifícios e superfícies, topografia, pisos e pavimentos. Pelo parque percebem-se estruturas vermelhas que chamou de Les Folies. Com a intenção de desestabilizar os pares teóricos, forma- função, programa-contexto, estrutura-significado, utiliza-se de sistemas de sobreposição e fragmentação, na prática, uma parte não pode ser a síntese do todo, rejeitando a ideia de síntese em favor da disjunção, como vemos na oposição dos pares, forma-uso, forma-função, signo-significado, assim o próprio objeto de Tschumi é explodido em unidades menores e fragmentado pelo parque. As Folies são módulos vermelhos de dez metros, projetados sem função pré-determinada, podem abrigar e significar diversos usos, mutáveis, de modo a reproduzir as dinâmicas das cidades. As Folies. Foto: coisasdaarquitetura.wordpress.com 59 Tschumi propõe uma arquitetura de espaçamentos programáticos, de programas que permutam-se e em que as ações que ali ocorreriam seriam possibilidades de significações por vir, pontos de pura intensidade, pois tratam-se de articulações entre espaço e edificações as atividades e seu uso por parte do público, produziriam os eventos. Para o arquiteto, na movimentação das pessoas pelo espaço, entre as Folies, estruturas que promoveriam o evento, por seus usos diversos, potencializariam também os edifícios existentes e seriam responsáveis por manifestações imprevistas, instaurariam o evento e desestratificariam o espaço para uma ocupação uniforme do parque. As unidades dissociadas no espaço estariam articuladas por um plano cartesiano imaginário, essa estratégia procura desestabilizar pares de conceitos. A proximidade das Folies dos edifícios onde se dariam grandes eventos, criariam tensões que possibilitariam o inesperado. O projeto de Tschumi, tomando como referência o conceito de entre de Derrida, cria um espaço sem significados apriorísticos, mas aberto a significações e ressignificações, capaz de registrar impressões externas e logo voltar à situação original. As Folies, pensadas como infraestruturas, utilizam-se de polos catalisadores de pessoas, são quatro dispersos nas extremidades do parque, as cidades da música, da ciência e tecnologia, o grande Halle, local multimídia, e o Zenith, sala de espetáculos. Fonte: japaraomoleskine.com 60 Locais de aglomeração, mas estagnados, estes edifícios, articulam-se com as Folies, já que estas estruturas garantem a conexão entre eles e são potencializadoras de acontecimentos entre os prédios. Na filosofia Derrida se utiliza da superposição dos textos, interpretando um texto dentro de outro, articulados pela argumentação, possibilitando a abertura aos questionamentos, condições que elege como necessárias ao porvir e cria assim, um lugar, um entre que sugere diversas maneiras de compreensão pelo leitor que passa a ser criador também, cria suas marcas interpretativas. Ao projetar um espaço por camadas justapostas, cada uma representando um sistema, porém articulados pelo plano cartesiano imaginário, Tschumi, promove em arquitetura, uma região entre, com diversas possibilidades de interpretação, aí chamamos atenção às referências e correspondências entre filosofia e arquitetura. O arquiteto Bernard Tschumi, desenvolve como já o mencionamos, conceito de violência da arquitetura, onde todo ato, promovido pelos espaços arquitetônicos, produzem um encontro de corpos, ora o corpo viola o espaço, ora o espaço viola o corpo, é um encontro entre potências de afeto. “Entrar num edifício pode ser um ato delicado, mas ele viola o equilíbrio de uma geometria precisamente ordenada. Os corpos esculpem todos os tipos de espaços novos e inesperados através de movimentos fluidos ou errantes. A arquitetura, então, é apenas um organismo engajado em constante troca com os usuários cujos corpos avançam contra regras cuidadosamente estabelecidas pelo pensamento arquitetural. (...) Cada porta implica um movimento de atravessar a sua estrutura. Cada espaço arquitetural implica e deseja a presença intrusiva que o habitará.” (TSCHUMI, 1999). Para Tschumi, quando um corpo atravessa um espaço, articula uma duração e constitui um híbrido de matéria e memória, despertando nossa percepção diante do surgimento de um desequilíbrio. 61 Parque de La Villete. Vista das camadas justapostas. Fonte: coisasdaarquitetura.wordpress.com 62 Capítulo 3 ARQUITETURA COMO SUPORTE INFRAESTRUTURAL 63 3.1. O Processo Infraestrutural Acerca do suporte Derrida diz que, assim como Khôra, é lugar e receptáculo, diferença, intervalo e interstício, ainda fala que deve manter-se heterogêneo a tudo o que recebe, amorfo, para tomar sobre si todas as formas. Para Derrida, khôra, seria o receptáculo do que chega sem ser anunciado, por isso constitui uma ameaça ao estabelecido. Comparando o subjétil na definição derridiana e os suportes infraestruturais, são espaços flexíveis e ao mesmo tempo, indispensáveis na construção, organização, funcionamento tanto na arquitetura quanto no urbanismo; são apropriados de diferentes formas, favorecendo o surgimento de eventos inesperados, capazes de absorver e registrar, assim como khôra, manifestações e usos e logo, voltar à condição infraestrutural, de suporte. Há estruturas capazes de absorver significados diversos e diferentes do projetado pelo autor, como infraestruturas que são ocultadas por edifícios ou lugares urbanos, já que são consideradas, em sua maioria como elementos articuladores entre pontos distantes. As infraestruturas vêm sendo encaradas como elementos potencializadores de eventos, sem que sejam direcionados a maneiras pré-determinadas de usos, exatamente por não se tratarem de espaços dominantes ou possuírem uma forma determinada, ajustam-se às diversas apropriações e manifestações. A possibilidade de combinações entre os espaços dominantes, motivadores de ocupação e os infraestruturais, intensificadores de usos, justifica a existência e garante a vitalidade dos dois espaços, embora as infraestruturas arquitetônicas ao contrário de edifícios ou lugares, não possuam uma percepção e apropriação imediatas, esta característica garante a criação por parte dos usuários. O processo infraestrutural passa pela valorização dos intervalos, dos interstícios, trabalha a relação entre um mundo materializado, estável e o campo das impermanências, possibilita o surgimento de eventos e converte-se numa estratégia projetual, intencional. A arquitetura lida com questões culturais, sociais e técnicas, mas não deve ignorar àquelas relacionadas ao significado, neste sentido o conceito de entre para os espaços infraestruturais, seria o elemento articulador de situações, absorvendo enquanto suporte diversos significados. 64 O entre como um espaço infraestrutural é articulador. Assim temos uma condição dinâmica de diferenciação, tomando diversas configurações, espaços são articulados por contaminações, onde o interior revela sua força projetual no exterior, por exemplo; dentro e fora da estrutura ao mesmo tempo, coloca-se entre ser um complemento e um suplemento à arquitetura, como já foi citado é o que faz Zaha Hadid em seu projeto em Viena, o conjunto de blocos de apartamentos sobre uma estação de metrô spittelau e um viaduto (projeto do arquiteto Otto Wagner) e de um ramal férreo desativado, hoje transformado em uma ciclovia (que se prolonga ao longo de um canal do rio Danúbio, atravessando a cidade), segundo Guatelli, o programa adicional inscrito, que será o conjunto de apartamentos, fortalece uma situação ao trazer outras possibilidades de existência para as três linhas infraestruturais urbanas: o viaduto, o metrô e o rio. Essas linhas de força infraestruturais passam a fazer parte de uma nova condição espaço temporais, o programa é uma estratégia de reativação de um elemento urbano que até então não era usado, poderíamos dizer que não era visto, percebido, em nível local tem sua existência reduzida, incapaz de gerar urbanidade, mas em sua dimensão global, com a articulação criada, infra e supraestruturas, favorecem a invenção de outra situação, um por vir urbano. O exterior é o que vem de fora, constituindo uma condição suplementar, não chegaria para completar algo, mas para desestabilizar os sentidos tidos como adequados ao suporte. Com essa arquitetura, resultante de um deslocamento das verdades históricas, tomada como descontrucionista e seguidora de preceitos advindos da filosofia pós-estruturalista, pensada com conceitos, desviou-se o interesse para os intervalos, os vazios, isto significa que o espaço não é mais secundário à forma; o espaço entre as formas constitui o lugar para as ações não previstas, geradora de conflitos que resultam em novas relações, onde função e forma são enriquecidas, como condições para o porvir, as possibilidades de atividades, são possibilidades programáticas, originárias das intervenções e do movimento dos usuários no espaço, por isso nunca completamente terminado, mas aberto às diversas manipulações do público. Procuramos questionar como o programa, nessas arquiteturas pode se constituir, já esteve quase sempre vinculado às definições idealizadoras e totalizantes, que determinavam usos adequados. O programa passa a ser compreendido como programação de situações geradoras de acontecimentos, ativando o suporte e o lugar urbano enquanto a articulação garante a força 65 projetual desses elementos, utilizando-se muitas vezes de um mínimo efeito programático para obter um máximo efeito urbano. O mínimo programático é uma estratégia para um processo de ativação e ocupação de espaços urbanos, ocorrem em suportes urbanos que serão atingidos por um movimento de desterritorialização para logo se reterritorializarem. François Ascher (2011) em seu livro, Os novos princípios do urbanismo, publicado em 2001, elabora o conceito de “neourbanismo”, advindo do processo detectado e denominado por ele na obra, como a “terceira revolução urbana moderna”, uma nova etapa de modernização das sociedades ocidentais, fruto do impacto causado pelas chamadas, tecnologias da inteligência, que produziram efeitos como o da conexão planetária e geram novas formas de pensar e agir, assim questiona e atualiza categorias que estavam contidas nas concepções das cidades. Investiga neste processo, o da concepção de seu pensamento, como criar cidades justas, que funcionem e sejam atrativas para a sociedade hipertextual, participante do capitalismo cognitivo. O urbanismo moderno determinava planos de longo prazo para as cidades aplicando diretrizes de organização espaciais definidas através dos planos diretores. Como na sociedade e nas cidades contemporâneas não há como controlar o futuro, o conceito de “neourbanismo” é definido justamente por não corroborar deste princípio, mas por elaborar múltiplos projetos de natureza variada, dispõe de uma gestão estratégica para sua implementação conjunta, leva em consideração desdobramentos e mudanças. “Articula de forma inovadora as oscilações, o curto e o longo prazo, a pequena e a grande escala, os interesses gerais e particulares. É, ao mesmo tempo, estratégico, pragmático e com senso de oportunidade.” (ASCHER, 2011). Nesta nova concepção de urbanismo o projeto não é “somente um desígnio acompanhado de um desenho” (ASCHER, 20011), mas é responsável por revelar potencialidades e limitações. Ele (o neourbanismo) substitui essa linearidade, diagnóstico, a identificação das necessidades e a elaboração eventual dos cenários, a definição de programa, o projeto, a realização e a gestão, por um processo heurístico, interativo, incremental e recorrente: “através de ações que servem simultaneamente para elaborar e provar hipóteses, com realizações parciais que reinformam o projeto e permitem procedimentos mais cautelosos e duráveis, pelas avaliações 66 que integram o feedback e que traduzem na redefinição dos elementos estratégicos.” (ASCHER, 2001). O neourbanismo, segundo Ascher (2001) não busca simplificar realidades complicadas e se esforça, antes de tudo, em dar conta de territórios e situações complexas. Seu desempenho é obtido pela variedade, flexibilidade e capacidade de reação. O neourbanismo deve combinar possibilidades de conceber espaços múltiplos de n dimensões sociais e funcionais, hiperespaços que articulem o real e o virtual, repelindo estratégias conservadoras e advogando em favor de ações experimentais. Ascher (2001) afirma que, a sociedade hipertexto, composta de multipertinências, de mobilidades e de territórios sociais de geometria variável, confronta o neourbanismo com uma diversidade de interesses e com uma complexidade de desafios que dificilmente podem se materializar em interesses coletivos estáveis e aceitos por todos. O urbanismo moderno com sua ideologia funcionalista esforçou-se por generalizar suas concepções globais para as cidades. “O neourbanismo, por outro lado, admite a complexidade e deve propor uma variedade de formas e ambientes arquitetônicos e urbanos a uma sociedade cada vez mais diferenciada na sua composição, nas suas práticas e gostos. Confrontando com uma cidade cada vez mais móvel, nas quais os atores ampliam a sua capacidade de escolha de localização, o neourbanismo deve seduzir. Esforça-se em propor um tipo de urbanismo à la carte, que oferece combinações variadas de qualidades urbanas.”(ASCHER, 2001) O neourbanismo enfrenta grupos sociais diversificados, territórios social e espacialmente heterogêneos. Necessita de novas formas de concepção e realização das decisões públicas. O neourbanismo que se esboça, trata-se menos de fazer planos do que de aplicar dispositivos que os elaborem, é um urbanismo reflexivo, onde o conhecimento e a ação são produzidos antes, durante e depois da ação, torna-se, plenamente, um instrumento de conhecimento e negociação; é um urbanismo multissensorial, que enriquece a urbanidade do lugar. Há pouco espaço para o inesperado em arquitetura, para a imaginação social, mas nesta arquitetura que privilegia os espaços entre, os interstícios, busca-se o seu enriquecimento e do sujeito que a usa, introduzindo-o em um processo de questionamentos de crenças e valores, em favor da aceitação do outro. 67 Também o sujeito é levado a refletir e à desestabilização, pois seu sistema de crenças é questionado, assim pode transgredir, estaria porvir, assim como os espaços infraestruturais, esses espaços livres de pré-configurações, instáveis, não constituídos, estabelecendo articulações com os espaços estáveis, dominantes; esse homem, da mesma forma que a arquitetura, está sempre em processo, abandona suas posições iniciais, deslocando-se a outros pontos, resultado das diversas apropriações do espaço que constituem a passagem de um sujeito passivo para um ativo, devido ao exercício da reflexão e da capacidade de exercer sua liberdade. O entre espaço em arquitetura, estabelece um campo rico à construção da subjetividade do usuário e apesar de ser um gesto intencional de projetação, não determina uma finalidade, nem intenta previsibilidades quanto a sua efetivação. Como diz Bernard Tschumi (1999), na arquitetura, o que se deve interessar é sua capacidade de servir e agir como recipiente. Esse momento de instabilidade e desequilíbrio da chamada “Era da cultura”, da terceira revolução urbana, foi explorado por Fábio Duarte no que ele chamou de “crise das matrizes espaciais”. Duarte classifica o espaço em três categorias: o espaço conforme postulado enquanto grandeza absoluta; o território desenhado pela geografia e delimitando as fronteiras; e o lugar, marcado pela cultura enquanto espaço do cotidiano; e nos coloca o problema de que hoje vivenciamos a crise dessas matrizes, a dissolução dos limites precisos dessas categorias do espaço, e, por consequência, uma transformação nas formas de percepção do indivíduo. Fábio Duarte revela ainda que a crise dessas matrizes começa com a emergência da tecnologia e com a constituição de um espaço global que tende à desterritorialização. “Os veículos tecnológicos atingiram o limite do tempo extensivo, reduzindo as distâncias no tempo que permitiam a apreensão da procura, ao contrário, reconhecer nesse próprio desequilíbrio emergente uma nova possibilidade para o processo de criação na arquitetura” (Duarte, 2002). Criamos categorias espaciais especialmente em relação ao tempo em arquitetura, mas que hoje, derivados de novos processos culturais, estão fragilizadas. Investigaremos relações envolvidas entre agenciamentos, fruto da mistura, do contágio entre elementos heterogêneos, que ao interagirem levam a um movimento contínuo de territorializações, desterritorializações e reterritorializações, ou seja, todo estado territorializado, estável, pode ser reterritorializado por situações que o desestabilizam e o impelem a ser outro em um movimento escorregadio e 68 efetivo, afetivo, de devires, constituição de máquinas desejantes entre arquitetura e urbanismo, arte e cidade. “O sentido do espaço só existe a partir da experiência do ‘eu’; portanto, o sentido do espaço da arquitetura não está no interior da abstração do espaço, no interior da arquitetura, na relação utilitária entre o cheio e o vazio, e tampouco nas entranhas das paredes. Qualquer sentido que se possa atribuir está fora dele, muito além de sua superfície. Está no interior de quem o vivencia, está nas pessoas que nele se deslocam constantemente. Curiosamente transportamos o sentido do espaço para qualquer lugar aonde formos. O espaço não é como crê a maioria dos arquitetos, uma realidade rígida e válida para todos. Ele em si é tão plástico e imaterial como o próprio tempo, variando com os indivíduos, com os povos, com as épocas, e, principalmente, com os pontos de vistas. Não existe um espaço objetivo e autônomo do ser humano. Existem diferentes maneiras de perceber e compreender esse espaço ‘bruto’, lá fora, sem significação, à espera de minha chegada.” (FUÃO, 2004). 3.1.1. Mobilidade e Desenvolvimento Urbano A globalização e o processo de metapolização das cidades se sustentam das tecnologias de transporte e de comunicação e alimentam seu crescimento, em nada essas tecnologias enfraquecem a concentração metropolitana ou substituem as cidades reais por virtuais. Os meios de transporte presenciais e os contatos diretos continuam sendo os meios de comunicação privilegiados; a acessibilidade e a possibilidade do encontro são mais do que nunca, riquezas urbanas, como assegura Ascher (2010). No entanto, as telecomunicações contribuem para uma modificação dos sistemas de mobilidade urbana, de bens e de pessoas e cria novas estruturas espaciais, por exemplo, o comércio digital substitui parte da mobilidade física pelo transporte de informações, porém não encerra o comércio tradicional o recompõe. O uso de meios de transporte rápido, como o metroviário ou as ferrovias, junto as tecnologias de informação e comunicação, afetam o centro geométrico das cidades, que deixa de ser o lugar mais acessível em favor de multicentralidades. A terceira revolução urbana não gera uma cidade imóvel, digital, mas uma cidade que se move e se comunica, exigindo decisões de deslocamentos, animada por eventos e na qual a qualidade dos lugares mobilizará sentidos e atuações. 69 O desenvolvimento de meios de transporte e telecomunicações abre para os indivíduos vínculos entre espaço e tempo: “a distâncias físicas não se traduzem mais em tempos fixos de deslocamentos, mas mudam conforme os modos de transporte e comunicação e segundo as horas”. (ASCHER, 2010, p. 68) Segundo Ascher (2010) os cidadãos podem arbitrar em um ritmo crescente entre uma mudança de local (deslocamento) e uma mudança temporal (dessincronização). As ferramentas que permitem modificar o tempo e o lugar das atividades humanas constituem uma das principais características da nova revolução urbana. Técnicas de dessincronização e ressincronização, de deslocamento e substituição são cada vez mais solicitadas no cotidiano dos cidadãos das cidades contemporâneas. Com isso, vemos que necessidades de comunicação, deslocamentos de bens e pessoas, enfim, infraestruturas junto ao desenvolvimento urbano e socioeconômico sempre estiveram enlaçadas e esta relação aumenta e se revigora é o que observamos nas cidades e em especial na cidade de São Paulo, onde os objetos de pesquisa deste estudo concentram-se. A economia da cidade de São Paulo, ou seja, todo o seu parque industrial, desde o princípio beneficiou-se do sistema urbanístico e de infraestrutura para se desenvolver, atendiam a uma lógica incipiente que era a do café, em um primeiro momento. A rede ferroviária oferecia vantagens de infraestrutura, a São Paulo Railway (1867), ao interligar a capital do Estado, ao litoral e interior. A situação geográfica da cidade foi estratégica para que se tornasse polo industrial, além do recurso hídrico disponível do rio Tietê que assegurava a operacionalização de máquinas e a geração de energia. As fábricas concentraram-se nos terrenos baratos e de topografia suave das várzeas do Tamanduateí e do Tietê acompanhando o traçado da linha férrea, conformou também a ocupação pelas moradias operárias dos bairros da Lapa, Água Branca, Barra Funda, Bom Retiro, Brás, Pari, Belenzinho, Tatuapé, Mooca e Ipiranga, assim, condicionaram o povoamento para novas direções. Na década de 40, o sistema rodoviário passou a suprir a obsolescência do sistema ferroviário e desta forma, Anchieta, Dutra e Anhanguera, recebem as novas indústrias, entretanto, não excluem por completo a localização fabril junto às várzeas com a construção das marginais 70 junto aos rios, nesta logística, passaram a compor eixos de articulação das rodovias com bairros e distritos industriais. A dimensão metropolitana foi assumida nas intervenções que buscavam sanar problemas oriundos de um crescimento espraiado e periférico. Surgiram propostas de planejamento urbano anterior à oficialização da rede básica de metrô da cidade de São Paulo em 1968. O Programa de Melhoramentos Públicos (1950) de Robert Moses previa a circulação com maior atenção para o aumento do transporte público. Os planos posteriores contemplavam desde uma reorganização do espaço físico até a racionalização e eficiência da rede de transportes coletivos. O raciocínio é pela busca de um urbanismo que ampare o desenvolvimento com o tema recorrente da urbanização. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (1971), com caráter regulamentador do espaço em vigor por quase duas décadas, verteu grande parte dos investimentos às obras viárias de incentivos á indústria automobilística. A Lei Geral de Zoneamento (1972) obteve na Zona de Usos Especiais (Z8) base legal para planos de reurbanização das áreas entorno das estações de metrô na década de 70. Ao longo dos anos 60 e 70, a cidade passou a dispersar-se em suas atividades produtivas, juntamente uniformizaram-se os problemas de escassez de infraestrutura e ganhou notoriedade os problemas referentes à aglomeração urbana, como acessibilidade, áreas de expansão e do transporte público. Durante a década de 70, o sistema metroviário pouco influenciou a formação de núcleos urbanos, já que inicialmente foi implementado na consolidada malha urbana, desta forma perseguiu o crescimento urbano, atravessando o território para atender à demanda de um transporte rápido e de alta capacidade. O primeiro metropolitano de São Paulo teve o primeiro trecho da Linha Norte/ Sul em operação a partir de 1975. A primeira versão de transporte subterrâneo em Londres já havia surgido em 1863, na época um aglomerado de habitantes de mais de cinco milhões de habitantes, entretanto, a primeira metade do século XX foi marcada pela expansão dos transportes individuais em decorrência da produção automobilística. 71 Diante dos inúmeros problemas urbanos causados pela intensa produção automobilística, associado ao espraiamento da ocupação, intensificou-se a demanda por transporte coletivo público. A implantação do metrô então passou a ser uma solução para o transporte urbano, a despeito de análises negativas, constatações sobre o impacto positivo do metrô nas cidades, trouxeram não apenas um satisfatório desempenho no transporte público, também ressaltou sua melhor capacidade de preservar centros urbanos, servindo como elemento de requalificação. Diríamos que melhor do que requalificar, compõe favoravelmente, ou possui a capacidade para colocar-se com a cidade e gerar a reativação de sistemas urbanos que em nível local possam ter suas capacidades reduzidas. 3.2. Estações Metroviárias e as Ações que podem Provocar A estação é o principal componente de uma infraestrutura de transporte, pois é dela que se dá o acesso aos usuários, além de seu poder de provocar reações e interferências por intermédio das articulações que cria. Spit & Bertolini (1998) definem estas estruturas, segundo Natália de Carvalho como: “(...) É um nó: um ponto de acesso a trens e, cada vez mais, a outros sistemas de transporte; e, ao mesmo tempo, é um lugar: uma específica seção da cidade com concentração de infraestruturas, mas também com uma diversificada coleção de edifícios e espaços abertos”. (SPIT & BERTOLINI, 1998, p.09, Apud, Macedo, p. 62). A percepção das estações vinculadas aos conceitos de nó e lugar colocavam as estruturas em uma posição ativa, reagente com o espaço urbano é também estruturante de toda uma rede ou sistema socioeconômico, já que conecta espaços urbanos, atividades e pessoas. As estações quando implantadas, incorporam e atuam em parte da cidade, tornando-se um lugar de onde expandem sua área de influência. Compreendidas com a linha que conjugam, é neste percurso que geram seus efeitos, inclusive negativos, como é o caso da especulação imobiliária, da expectativa de alteração de uso e ocupação do solo. 72 A evolução das metrópoles contemporâneas tem demandado novas tecnologias que acabam por facilitar a mobilidade nas cidades, procurando ajustar-se ao espaço público, disponível para todos, como local reconhecidamente de criação e comunicação social. A segunda Linha do metroviário de São Paulo, o trecho Leste/Oeste, entra em operação em 1979, servindo uma região de alta densidade populacional, e não consegue suprir à demanda, neste momento a instituição recorre a vários tipos de campanhas como estratégia de aproximação com o público, tendo por objetivo amenizar estes problemas. Entre estas campanhas, a Ação Cultural, iniciada em 1970, se caracterizou por eventos transitórios de cunho artístico-cultural, como por exemplo, eventos musicais, exposições itinerantes e foi oficializada em 1986 na época da implantação do projeto Arte no Metrô. Atualmente o projeto Arte no Metrô possui mais de cem obras de arte implantadas nesses espaços, entre painéis, murais, esculturas e outras obras permanentes, uma trajetória de trinta e nove anos (1974-2013) em que este projeto vem sofrendo transformações conceituais concomitantemente às mudanças ocorridas nos projetos dos espaços arquitetônicos das estações. Na primeira linha, Norte/Sul, os espaços arquitetônicos não tinham sido projetados para comportar obras de arte, o foco estava nas questões técnico-operacionais que visavam a total eficiência no funcionamento do sistema. A arte, enquanto suplemento, programa adicional a ser inscrito ao metrô, adota a lógica das transformações ocorridas projetualmente nos espaços infraestruturais, advindas das mudanças conceituais de projetação e da própria arte, supra-estrutura, implantada neste contexto e em permanente metamorfose. Na relação entre arte e espaço público, permeiam o terreno no qual a arte urbana se instaura com maior ou menor força e significação. Participando assim, do processo de produção simbólica do espaço urbano, a arte urbana, compreendida no plano das relações sociais e agenciamentos, não pode ser estetizada, mostra os conflitos, contradições e relações de poder que constituem o espaço. 73 “Nesse contexto, processos de estetização, tratados como recursos de estratégias econômicas, têm sido desenvolvidos em vários planos da realidade material, urbana e social. Do ponto de vista urbano, têm sido associados às disputas pelas diferentes formas de capital cultural estimuladas pela competição entre as cidades. Tal competição- espelhando aquela que ocorre entre as empresas à busca de localidades sempre mais vantajosas –põe em relevo a dotação estética e infraestrutural dos lugares, atentando ao potencial das suas particularidades históricas, artísticas e culturais”. (HARVEY, 1993) Associa-se a questões de identidade social e urbana, de gênero e expressões culturais que possam vir a ocorrer, às condições de democracia. A arte urbana como prática crítica, pode potencializar a ideia de tornar a cidade disponível para todos os grupos sociais e com relação aos propósitos estéticos, o desafio a códigos de representação dominantes, a introdução de novas linguagens e a redefinição de novos valores e outras possibilidades de apropriação e usufruto dos espaços urbanos físicos e simbólicos. Percorre vias de interrogação sobre a cidade e sobre como tem sido socialmente construída, representada e experienciada. Em um primeiro momento a concepção do partido arquitetônico, onde a obra de arte se faz ausente, visto que os projetos arquitetônicos, imbuídos de características da modernidade, visavam tão somente à eficiência do conforto e da funcionalidade para a rápida passagem dos usuários por estes espaços. Neste momento foi observado, ainda, que o artista plástico era chamado para com sua obra dissimular, uma necessidade técnica da arquitetura tendo muitas vezes que fazer propostas em situações críticas quanto à liberdade de escolha ou problemas com inusitados suportes, como foram os exemplos emblemáticos vivenciados pelas artistas plásticas Renina Katz, na estação Sé e posteriormente Maria Bonomi na estação Luz. Num segundo momento, a obra de arte comparece somente após a conclusão da arquitetura e mostra que em alguns casos a sua presença é inadequada ou até invisível; num terceiro momento, em que há mudanças na postura do arquiteto do projeto, entre estes, Roberto Macfadden, ao pensar e prever, desde o início, espaços para posterior inclusão de obras de arte; ainda neste terceiro momento, um caso mais exemplar, surge com uma feliz conjunção de posturas do arquiteto João Batista Martinez Correia e da artista plástica Amélia Toledo para a produção simultânea de arquitetura e da obra de arte ocorrida recentemente na experiência com a estação Arcoverde no Rio de Janeiro. Também podemos citar o caso da Estação Sumaré em São Paulo, projeto do arquiteto Roberto Loeb com as obras de Alex Fleming. 74 O projeto Arte no Metrô, como tentativa de aproximação da empresa com o público, propiciou um novo enfoque para esta questão envolvendo novas relações de interação entre a criação de espaços públicos e sua dinâmica de uso pelo habitante da cidade. Neste contexto, a interação entre Arte/Usuário permite reflexões sobre os possíveis caminhos para que sua ocorrência, mesmo que não seja de maneira ideal, ofereça estímulos que minimizem os obstáculos que impedem a comunicação com a obra de arte através de suas linguagens e possibilidades de se manifestar como arte pública. A transformação do uso do espaço urbano gerada pela modernidade modifica o comportamento dos usuários da cidade, cujo objetivo é chegar ao final do trajeto, que é o seu destino, pois “o durante” é passageiro e não importa, por ser opaco e desfocado. A paisagem passa rapidamente através da janela do seu carro, do trem do metrô ou de outros meios de transporte, modificando a percepção das relações tempo-espaço, causando uma espécie de vertigem das linhas de fuga, como Virílio denomina a sensação de duplicação das linhas de fuga no ajuste do olhar, quando se está em grande velocidade. (VIRÍLIO. 2005, p.111) A cidade passa a ter a dinâmica de uma máquina, criando solicitações que não são mais características do comportamento humano, nem de sua escala e sim, características de uma sociedade que entra num processo que Augé chama de supermodernidade, organizada pela superabundância de fatos, por superabundância espacial e pela individualização das referências. A dimensão do mundo da supermodernidade não é exatamente a dimensão que conhecemos, pois o espaço construído não é apenas o espaço físico, mas também os efeitos que afetam a consciência do tempo e do espaço, assim como a percepção do meio. A conformação inicial dos espaços arquitetônicos foram complementados com a posterior colocação de obras de arte que fazem parte do projeto Arte no Metrô. Este projeto surgiu em decorrência de necessidades de solução de conflitos gerados por usuários da linha Leste/Oeste. Uma primeira apreensão das obras, quando foram instaladas com um caráter mais funcional, faz com que os usuários apresentem uma postura de assimilação utilitária ou de não reconhecimento de sua existência. 75 Neste espaço funcional das estações de metrô cuja modernidade se impõe através do projeto arquitetônico e onde os usuários atravessam tais espaços sem o contemplarem, os artistas se defrontam com um desafio de fazerem visíveis as suas obras. Há mais de cem obras, distribuídas em várias estações do metropolitano de São Paulo. A Estação Sé, pioneira na implantação de arte, interna e externamente aos seus espaços é um importante ponto nodal, cruzamento das principais linhas: azul, Norte/Sul e vermelha, Leste/Oeste comporta um enfoque mais demorado pelas suas características. Como se dá a apropriação dos espaços e serviços do metrô pela população, há um impacto coletivo, sociopolítico. Hoje o metrô faz parte do que Augé (2005) chama de supermodernidade, definida e caracterizada por três itens que fazem parte do tempo contemporâneo advindo das intensas transformações ocorridas durante o século XX, que são o excesso de tempo, o excesso de espaço e o excesso de referências individuais. O excesso de tempo é gerado pela diminuição do distanciamento necessário para assimilar os acontecimentos históricos, levando-nos a uma percepção acelerada através dos meios de comunicação de massa e digital. O excesso de espaço muda a escala, pois o transporte ultrarrápido nos transporta em pouco tempo a qualquer parte do mundo, e a comunicação em rede nos mantém conectados aos lugares mais remotos da face da terra e do espaço. (AUGÉ. 2005, p 34) Os parâmetros da modernidade e da supermodernidade podem auxiliar no entendimento do período em que se implantou o metropolitano na cidade de São Paulo, a arquitetura e o ambiente que condicionaram a conduta dos usuários e a sua percepção do entorno. O metropolitano de São Paulo iniciou comercialmente a operação em 1974, introduzindo os usuários da cidade a uma nova era de tecnologia da velocidade. Esse processo transforma a paisagem urbana, criando vazios à espera de valorização estimulados pela especulação imobiliária e a expulsão da população de baixa renda para periferias mais distantes, ao mesmo tempo em que reformula os espaços urbanos em torno das estações de metrô, como praças, comércio, serviços e outros equipamentos públicos, inclusive de integração com outros meios de transporte como trens, ônibus e automóveis. 76 Um breve histórico das decisões que nortearam a implantação da rede metroviária para a cidade de São Paulo permite compreender e situar diferentes perfis e demandas de usuários em função das regiões que se organizam por classes sociais sinalizando reflexos na definição e escolha de critérios. A linha Norte/Sul se contrapôs à linha Leste/Oeste caracterizada, segundo estudos, pela necessidade de atender a um maior contingente populacional de trabalhadores. Entretanto, a implantação da Leste/ Oeste exigia acordos institucionais com as ferrovias estaduais e federais, o que requeria negociações mais complexas e mais demoradas. Essas premissas apontaram como primeira opção a linha Norte/Sul (1975), chamada de linha azul, e a segunda, linha Leste/Oeste (1978), vermelha, tendo a Estação Sé, como ponto de conexão das duas linhas. A linha verde (1991), primeira linha não radial liga Vila Madalena à Vila Prudente, unindo os espigões das avenidas Paulista e Dr. Arnaldo, eixo econômico e financeiro e polo de cultura com os bairros da região sudeste e próximos à Via Anchieta, atingindo a região de Sapopemba. Este traçado comporta o maior complexo hospitalar da cidade de São Paulo, que pela importância e excelência abrange extensão estadual e nacional. A linha verde ainda se conecta com as estações Paraíso e Ana Rosa da linha azul; e a linha lilás (2002) que liga Capão Redondo à estação Santa Cruz da linha azul, ainda não concluída totalmente. A linha 4 - amarela (em execução) conectará a região do Morumbi à Estação da Luz. Articulará a futura linha 7 - celeste à linha 2 - verde, à linha 3 - vermelha e aos ônibus urbanos provenientes de Taboão da Serra e eixo Francisco Morato e aos bairros V. Sonia, Butantã e Pinheiros. A construção da Linha Leste /Oeste, que entra em operação a partir de 1979, produziu renovação urbana, acarretando desapropriações, consistiu na demolição de áreas deterioradas, canalização de córregos, construção de viadutos entre outras operações. Passa a entrar em operação com a linha Sé-Brás, seu fluxo se dá em direção contrária à Linha Norte/Sul. O Terminal Tietê é inaugurado em 1982 e intensifica a demanda da infraestrutura metropolitana. O metrô de São Paulo busca uma aproximação com o usuário através da implantação do programa Arte no Metrô como suporte. 77 Capítulo 4 ANÁLISE DOS CASOS 78 4.1. O CASO DA ESTAÇÃO SÉ E A RECONFIGURAÇÃO DA PRAÇA. A Praça da Sé, espaço público por excelência, local de significativas manifestações, passou durante os anos 70 por um processo de reconfiguração e intervenção visual. Contrariando o projeto, o local passou a ser cada vez mais degradado, e com a implantação do metrô em seu subterrâneo, pensou-se que a situação poderia ser revertida. O que pesquisadores verificaram, como a museóloga, Radha Abramo, foi que a Estação da Sé, desencadeou o processo de agravamento da situação. A praça imensa e os respiradouros do metrô causaram a poluição visual do local. Para o projeto de reestruturação, foi proposto o museu das esculturas, foram instaladas 15 esculturas na praça e uma no interior da estação, em 78 foram instalados dois murais na estação: Colcha de Retalhos de Cláudio Tozzi e Sem Título de Renina Katz. Os espelhos d’água e as cascatas, construídos em escala reduzida, não se integram ao conjunto. Platôs, escadas impedem o cruzamento de maneira mais acessível. Como diz Lucrecia Ferrara, “o espaço foi projetado para a escala do monumento e não do uso”. Os elementos, as obras artísticas e mesmo os componentes da praça, não proporcionaram um uso adequado aos usuários que contribuísse social e culturalmente para a diversidade do público. O projeto não condiz com o uso para lazer, manifestações cívicas, circulação ou informação para a população. A ilegibilidade do espaço, a poluição visual e por fim, o usuário como elemento catalisador, passa a ser questionado neste contexto do projeto, pois o deixa de ser, na medida em que ignora seus elementos, que encontra dificuldade em seu uso. Seguindo o que já acontecia em estações do mundo inteiro, amplos espaços de mezaninos, jardins internos e externos, corredores de acesso às plataformas e plataformas de embarque e desembarque, ou seja, esses elementos infraestruturais, sem prefigurações, que aceitam qualquer uso, passaram a serem entendidas como espaços propícios às intervenções, ao surgimento dos eventos, registram tais solicitações, mas a qualquer momento voltam a sua condição infraestrutural. 79 A inserção da arte aconteceu com a introdução de apresentações de música e de algumas obras plásticas, os usuários responderem positivamente o que resultou no projeto Arte no Metrô, idealizado pela historiadora e museóloga, Radhá Abramo, tomou forma com a inauguração da estação Sé em 1978, mas só tomou força em 1988. Portanto, apesar do Projeto Arte no Metrô não ser nosso objeto de estudo, mas no caso das estações, arte, arquitetura e infraestrutura estão conceitualmente imbricadas na fundação do metrô em São Paulo. O significado da arte urbana e sua concretização no domínio público se dão em meio a espaços permeados por conflitos. Marcio Glycério Freitas, um dos coordenadores do projeto Arte no Metrô, afirma que entre as primeiras iniciativas para amenizar a descontinuidade criada entre a Praça da Sé e a estação subterrânea que se descobriu “a monumentalidade das estações e a adequação da arquitetura para conter obras de arte”. Em seu texto reforça a ideia de estreitar relações com os usuários através da arte, A arte aliada à técnica poderia valorizar a arquitetura e levar aos espaços áridos do metrô maior qualidade de vida. A escala monumental da Praça produz o que observamos como microterritorialidades e micropolíticas, criou-se grupos que se encontram em localidades estratégicas, são aqueles destinados à venda de drogas, moradores de rua que unem-se para dormirem com mais segurança em outros pontos. Ao mesmo tempo, há espaço para as pessoas que desejam apenas sentar-se e permanecer na praça, realizar atividades esportivas, enfim, dinâmicas peculiares acontecem também pela descontinuidade entre o espaço e a estação, diríamos que movimentos de instauração de lugares e não lugares são continuamente produzidos, aqui e alhures. A estação Sé, assim como a praça, possui uma escala monumental, a arte enquanto suporte segundo o depoimento de um dos coordenadores do Projeto Arte no Metrô, procurou amenizar esta descontinuidade, que constatamos ao vermos no interior do metropolitano em muitos pontos, espaços subutilizados. Entretanto, há uma tentativa de gerar urbanidade quando ocorre a inserção da claraboia e a integração do ambiente subterrâneo com o entorno que se dá nestas aberturas para a penetração da luz natural. 80 Estação Sé, sombra em movimento da queda d’água. Foto: Wellington Nagano Fonte: Foto da Autora 81 Fonte: Foto da Autora Fonte: Foto da Autora 82 Fonte: Foto da Autora Estação Marechal Deodoro. Fonte: skyscrapercity.com 83 Estação Marechal Deodoro. Fonte: Metrô Na estação Marechal Deodoro, acontece algo semelhante, grandes vãos são abertos para a entrada de Luz natural, onde encontra-se um projeto paisagístico e obras de arte, mas não há articulação alguma com a cidade, já que este espaço é inacessível e toda a estação encontra-se cercada por grades. 84 Estação Sé. Fonte: Metrô 85 Estação Sé. Fonte: Metrô 86 Estação Sé. Fonte: Metrô 87 Fotos: Praça da Sé. Fonte: Ewely Branco Sandrin 88 4.2. Estações de Metrô: Instauração de Não Lugares? O conceito de lugar ocupa uma posição fundamental nas reflexões sobre a arquitetura, recentemente devido aos avanços tecnológicas, reflexões estas, mais afeitas à ideia de aldeia global desenvolvida por MacLuhan que precipitam o homem para uma cultura do lugar sem lugar. “O lugar é o espaço habitado e a garantia de coerência e ligação entre as coisas e o mundo. É através do lugar que a realidade é alcançada e é por meio da realidade que o lugar é mantido. O ser do lugar está na qualidade de ser causa, isto é, de não ser inerte ou passivo, o lugar é causa de, e não causado por”. (SIMÃO, 2011) A identidade humana e a liberdade estão ligadas ao pertencer a um lugar e a arquitetura seria a concretização do seu habitar. A hospitalidade em sentido Derridiano é infinita, incondicional, experiência do acolhimento ao estrangeiro, movimento do pensamento aberto e voltado ao impossível ou ao outro, à iminência do que vem e acontece. No pensamento derridiano a hospitalidade é sempre uma coisa desconhecida, não é do domínio do saber tornado programa de ação, mas do domínio da invenção, do pensar e este já é paradoxalmente o agir, responder em ato, “para quem hospitalidade e responsabilidade incondicionais são o verso e o reverso de uma mesma atitude”. (BERNARDO, 2005) Já Marc Augé (1994), defende que os lugares são identitários, históricos, um espaço que não se configura como relacional, identitário ou histórico, constituirá um não lugar. Lugares e não lugares seriam polaridades fugidias, o primeiro nunca é totalmente apagado e o segundo não se realiza totalmente. “Os não lugares, contudo, são a medida da época; (...), as vias férreas, ferroviárias, rodoviárias e os domicílios móveis considerados “meios de transporte”, os aeroportos (...), enfim redes a cabo ou sem fio, que mobilizam o espaço extraterrestre para uma comunicação tão estranha que muitas vezes só põe o indivíduo em contato com uma outra imagem de si mesmo”. (AUGÉ, 1994) Augé segue com a definição de Michel de Certeau, “Ele não opõe, por sua vez, os “lugares” aos “espaços”, como os lugares aos não lugares. O espaço para ele é um lugar praticado, “um cruzamento de forças motrizes”: são os passantes que transformam em espaço a rua geometricamente definida pelo urbanismo como lugar”. 89 Para Michel de Certeau, praticar o espaço é a experiência de no lugar, ser outro e passar ao outro, experiência da diferenciação e do reconhecimento de si. Porém como diz Augé (1994), se espaço for a consideração da prática dos lugares, existem espaços onde o indivíduo é a penas espectador, sem que a natureza deste o importe de fato. Do ponto de vista dos artistas e do Projeto Arte no Metrô, Regina Silveira, por exemplo, define os espaços das estações como “secos e limpos”, passagens “despersonalizadas para trânsito rápido”, “olhares indiferentes”, características interpretadas como um “desafio para os artistas” (SILVEIRA, 2012). Para Amélia Toledo, “são um campo de percurso de pedestres e ao mesmo tempo estágios desse percurso. Locais de pedestres que convivem com o piso, com as paredes, com o teto” (TOLEDO, 2012). Carlos Fajardo, em referência ao livro de Michel de Certeau, “Invenção do Cotidiano”, entende que lugares como metrô, estações de trem, “são o que a gente pode dizer que é o espaço é um lugar praticado”, assim a rua geometricamente definida por um urbanismo, é transformada em espaço pelos pedestres” (FAJARDO, 2012). Para Waldemar Zaidler, em entrevista, não se tratam de espaços de passagem e nem de não lugares. “A questão do espaço não é uma questão inerente ao espaço. É uma troca e que envolve o ser vivente naquele espaço. A ontologia do espaço é dividida com o ser que nele vive. O espaço de passagem está muito mais ligado a uma questão da ambiência, que é revelada neste espaço, e a ambiência depende de quem tá ali. Então qualquer espaço é espaço de passagem e nenhum espaço é espaço de passagem”. (ZAIDLER, 2012) Os artistas, Regina Silveira, Amélia Toledo, Carlos Fajardo e Waldemar Zaidler, concederam estes depoimentos à pesquisadora, Ewely Branco Sandrin em 2012. No espaço que configura a Praça da Sé, por sua monumentalidade, assim como, na estação, inscrição material do metroviário na cidade, observa-se que de fato, como afirma Lucrécia Ferrara, “o espaço foi projetado para a escala do monumento e não do uso”, não há uma prática efetiva do espaço, nem ao menos o reconhecimento de si, pela própria ilegibilidade do lugar. Portanto, também não há geração de urbanidade; pois o indivíduo é apenas espectador e o que buscamos é a prática do espaço, a sua tomada pelo usuário para as mais diversas manifestações. 90 De fato, o metrô é uma linha de deslocamento, mas sua força projetual pode ativar lugares, tanto nos pontos que liga em escala urbana, quanto em escala local, devido às possibilidades de apropriação que pode gerar; é o caso da estação Sumaré, aonde a estação e a linha de deslocamento do metrô que chega e compõe-se com o viaduto, promovem diferenciados usos, inclusive permanências, prática de esportes na estrutura, o viaduto, e não apenas translado. São estas arquiteturas infraestruturais que provocam o acontecimento que buscamos como referências de projetos que deslocam, desestabilizam para gerar conflito e criação. 91 4.2.1. O caso da Estação Sumaré A maior parte dos espaços em arquitetura encontra-se pré-configurada em programas que refletem culturas e valores rereferentes a uma época. Ao contrário, os espaços infraestruturais, como já o dissemos, funcionam momentaneamente dissociados de forma e conteúdo. A Estação Sumaré suporte adicional, o programa inscrito no já existente, passa por um processo de mutação de suas funções, pontas de desterritorializações e reterritorializações, ou seja, o viaduto da Av. Doutor Arnaldo que compõe com a estrutura metroviária, e desta maneira, potencializa usos diversos para si, como a prática de esportes, como o rope jump, por exemplo. Capazes de superar aquilo que parece ser da natureza do objeto ou território para que a partir desta condição frágil se estabeleça um movimento de contaminação suplementar, uma condição hibridizada, assim discutem-se possibilidades de “des-limitação” do objeto arquitetônico e de mediação com a cidade. A infraestrutura, sempre ocultada, passa a desempenhar um importante papel formal, funcional e simbólico da própria arquitetura e da cidade, flexíveis quanto às possibilidades de ocupação, esses suportes vazios estruturam e organizam o funcionamento dos espaços principais. O espaço metropolitano é constituído por uma justaposição de territórios em permanentes tensões e articulações, agenciamentos que garantem a condição de um poderoso suplemento, constituindo uma ameaça ao estabelecido. O programa adicional inscrito em uma condição arquitetônica ou urbana produz uma nova racionalidade que se permite contaminar por outra intuição de espaço, um meio interativo, constituído por eventos. Daí justifica-se a abordagem da averiguação em consoante com o pensamento filosófico pósestruturalista, responsável pelos deslocamentos de verdades históricas, tecendo portando, uma crítica aos sentidos e significados aceitos como princípios arquitetônicos incontestes. A arquitetura enquanto inscrição material possui a potencialidade de desajustar o sentido dado ao ressignificar um lugar. Resta-nos buscar estratégias de reativação urbana, de algo que construa dinâmicas capazes de provocar reações. 92 A virtualização é um dos vetores de criação de realidade, uma filosofia do acontecimento. A virtualização não se contenta em aniquilar o tempo ou o espaço, ela inventa qualitativamente novas espacialidades, produz contaminações constitutivas. O virtual é um complexo problemático, um complexo de situações que acompanha um acontecimento e exige uma resolução, reorganiza uma problemática que receberá diversas interpretações e será chamada de processo de atualização. “Por outro lado, o virtual constitui a entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó de tensões, de coerções e de projetos que o animam , as questões que o movem, são uma parte essencial de sua determinação”. (LÉVY, 1996, p. 16) Em arquitetura, a atualização de um projeto em situação de utilização desencadeia conflitos, desbloqueia situações, desqualifica certas competências, instaura uma nova dinâmica, micropolíticas urbanas se formam e se desfazem e instauram uma condição frágil para o surgimento da alteridade, configura o movimento do devir-outro, enfim a atualização responde ao virtual, à problematização, mais do que anunciar um novo pensamento, ela é uma suma de pensamentos que relaciona por expressarem, em maior ou menor grau a diferença. Proporcionamos situações urbanas, que denominamos agenciamentos programáticos ao articular elementos heterogêneos que ao interagirem, produzem pontas de desterritorializações e reterritorializações em territorialidades aparentemente estáveis, é o caso do estudo que fazemos, com a adição das estações de metrô, interferências e reações são provocadas, com isso, capacidades urbanas antes reduzidas, por intermédio dessa articulação, formam um microecossistema em permanente influência com a cidade, geramos outras situações, um porvir urbano, essas localidades se fortalecem. Ao deformar o existente propiciamos que uma situação ou objeto potencializado em seu ser (um local na cidade, um viaduto, como o Doutor Arnaldo, que citamos) adquira a possibilidade de um “vir a ser”, fazendo com que venha a fazer parte de uma nova condição espaço-temporal. Algo como um para além da obra, além da existência, que se compõem com o que já pertencia ao território, à pré-existência, e posiciona-se com o outro, trazendo a emergência da alteridade, hibridizada, fundida a algo para além dela. Se tomarmos o projeto da estação de metrô Sumaré em São Paulo, sob o viaduto da Avenida Doutor Arnaldo que atravessa Avenida Sumaré, compondo com o viaduto, sua estrutura é 93 independente, adição, poderoso suplemento que fortaleceu tanto a avenida quanto o próprio viaduto, que também é uma linha de deslocamento na cidade. Fortalecimento dos dois eixos, tanto o transversal, no qual o viaduto e a própria linha do metrô encontram-se, rotação do eixo da linha verde e da composição do metroviário, tradicionalmente implantado longitudinalmente na cidade, fortalecimento também do eixo longitudinal composto pela avenida, pela própria arquitetura da estação com sua visibilidade, volta-se para a cidade e vice-versa, em seus vidros temperados e contemplados com outra adição, as obras de Alex Fleming, O corpo e a identidade, obras que integram a instalação da Estação Sumaré do Metrô de São Paulo que remetem a fotos de documentos burocráticos culturalmente revivificadas por textos literários de escritores brasileiros. Fonte: Foto da autora Seus elementos geram uma percepção mutante: o viaduto compõe-se com o metrô, deslocam os sentidos dados, ao mesmo tempo em que adicionam o lugar da permanência, o abrigar, habitar, com o uso da estrutura (o viaduto), o uso da localidade facilitado pela linha metroviária, à contemplação da Avenida Sumaré possibilitada pela visibilidade da Estação em seus espaços constituídos por vidros temperados e da obra de Alex Fleming que leva a 94 construção de um olhar sobre a nossa própria identidade, constitui também o local da passagem e da articulação entre situações, o fortalecimento da linha conectora que em sua existência reduzida localmente gera urbanidade ao conectar as duas pontas (as extremidades da Linha Verde do metrô), uma organização que se atualiza numa pluralidade de versões. O viaduto, momentaneamente se “desterritorializa”, ao abandonar o espaço geográfico para ocupar o espaço das problematizações e atualizar-se, ao abrigar a Estação Metroviária, desabilita sua função de linha conectora e de deslocamento, diríamos que assume um estado de não presença para inscrever o território de permanência, onde se re-territorializa primeiramente com uma nova qualidade e novamente se verifica o mesmo processo no metrô enquanto linha de deslocamento. Fonte: Felipe Golfeto 95 Fonte: blogspot. Viaduto da Avenida Doutor Arnaldo visto da Avenida Sumaré Fonte: http://blagus.blogspot.com.br/2009/07/vida-de-ponte.html No parapeito do viaduto Doutor Arnaldo para saltar, os esportistas denominam esta prática de “rope jump” A expansão da comunicação e generalização dos transportes rápidos participa do mesmo movimento de virtualização da sociedade, da “mesma tensão em sair da presença” (LÉVY, 1996, p. 23). A revolução dos transportes metamorfoseou o espaço e cada novo agenciamento, 96 acrescenta um espaço-tempo, uma cartografia especial, em que as durações se interferem e se respondem. A força dos projetos encontra-se, em um sentido deleuziano, nas situações que pode gerar pelos agenciamentos programáticos, ou seja, estratégias de montagem dos suportes que podem proporcionar articulações de maneira não programada e situações instáveis com relação aos usos. Uma situação definida por um “entre ser uma coisa e outra”, produzido na “articulação do definido em direção ao indefinido” (GUATELLI, 2012, p. 23). Ou seja, permite que a partir de algo existente, emane o outro, o novo, nesse processo, provocado pela troca construída entre os projetos, um ser- com, que se fortalece ao constituir-se com algo além dele próprio, corroboram para que reforcem e re-signifiquem os objetos, o espaço. A força destas intervenções, como o dissemos, encontra-se além delas, está no que produzem, em um primeiro momento, no deslocamento dos significados associados aos projetos considerados, que propicia manifestações geradas com as diversas apropriações. Segundo Guatelli “a dimensão infraestrutural da arquitetura representa a possibilidade do desprendimento de pontas da cadeia previamente montada em direção a encadeamentos outros” (GUATELLI, 2012, p. 106). A função infraestrutural nas cidades sempre foi o de articular dois pontos distantes, sem participar das dinâmicas sociais locais, entretanto observamos que um processo de mudança vem se estruturando, as infraestruturas passam a ser compreendidas como projetos intencionais potencializadores de acontecimentos, ou seja, ao facilitar o aparecimento de manifestações imprevistas, que seriam os eventos, a prática infraestrutural toma a condição de estratégia técnica, é articuladora e sem condicionar formas ajustadas a uma única função, mas abertas as diferentes possibilidades de apropriação, transformam-se em arranjos que asseguram o vigor das cidades. Espaços dominantes motivariam a ocupação desses espaços infraestruturais, estes, forças de significação, por sua flexibilidade de apropriação, seriam intensificadores de usos também dos espaços dominantes, os objetos, a arquitetura edificada ou os lugares que muitas vezes são ativados enquanto tal, por essas infraestruturas. A estação Jardim São Paulo, localizada na zona Norte da cidade, por exemplo, possui um acesso em diferentes níveis ao jardim, propiciando lugares ventilados e luminosos, pois a 97 estação está localizada em um fundo de vale, e suas plataformas de embarque alcançam a cota de dez metros abaixo da terra. As águas pluviais foram canalizadas através de um tubo de concreto armado protendido que como um canal elevado cruza transversalmente a estação. Alguns pontos organizam a cidade em torno dele e essas decisões técnicas acabam por responder a uma instalação humana A lógica das estações projeta uma ideia na horizontal e vertical e como mencionam os arquitetos Abílio Guerra e Cristina Jorge Camacho, “pode chegar a ser útil e fascinante porque começar a descrever algumas estações é praticamente narrar algumas partes da cidade; ambas as histórias são inseparáveis” (2000, e PP. 2). Na Linha 1- Azul, os arquitetos tiraram partido das interações entre o terreno e a construção subterrânea, relação que pode ser observada nos elementos estruturais das estações. Com a inserção da claraboia no centro da Estação Sé, o paradigma de isolamento subterrâneo das estações é superado. Estação Marechal Deodoro, obra G.Guanaes Estação Sé.Foto: Cristiano Mascaro 98 Aberturas maiores voltadas à superfície, platôs, insuflam à ocupação desses espaços, para que sejam usados das mais diferentes maneiras. Estação São Bento Segundo o arquiteto Ivan Piccoli (SANTOS, 2000, p. 60-63) a arquitetura foi o elemento que provocou a busca por novos conceitos e novas tecnologias de construção das estações no trecho sob a Av. Paulista, a forma curva resultante do método NATM, túnel mineiro adotado como sistema construtivo resultante de novas técnicas de escavação do solo, foi determinante para execução das plataformas. A redução dos impactos no ambiente pode ser conferida nas coberturas dos acessos às Estações, através do uso de materiais translúcidos, a presença do metrô é marcada com o mínimo de interferência na paisagem. O arquiteto Abílio Guerra cita um exemplo bastante interessante e emblemático do quanto a lógica das infraestruturas estão imbricadas com a das cidades. No bairro do Chiado, numa posição estratégica, uma estação de metrô levava a alguns armazéns e através de um túnel se ligava com outra via importante. A Estação, ‘Baixa-Chiado”, revestida de azulejos brancos e dourados, aproveitam sistemas de iluminação indireta para disseminar a luz, obra de Ângelo de Sousa, que proporciona um deslocamento subterrâneo que emerge abaixo dos sótãos de um velho edifício. “Siza, neste projeto viu que não havia nada que pudesse substituir o trabalho do tempo: o que o tempo cria, nós não podemos projetar. Agora o tempo pertence ao metrô” (GUERRA; CAMACHO, 2000.). O que observamos nestes projetos, em especial o caso da Estação Sumaré que compõe com o viaduto Doutor Arnaldo e das demais Estações do Metroviário de São Paulo mencionadas, 99 Estação Sé, Marechal Deodoro, São Bento e Jardim São Paulo, é o quanto a lógica das Infraestruturas, espaços livres de pré-configurações, estão entrelaçadas com a cidade, sua força de projetação encontra-se nas dinâmicas e situações montadas. São situações que contemplam questões relativas ao espaço, que ao reativar sistemas urbanos que em nível local possuem sua existência reduzida, geram urbanidade, ao promover interações e acontecimentos imprevistos, que produzem outras rotinas e lógicas. 100 4.2.2. O Caso da Estação Tamanduateí A estação Tamanduateí integra as vias da CPTM com as vias do metrô, a estação está situada entre a Rua Guaramiranga e a Avenida Presidente Wilson. Em seu entorno está o Central Plaza Shopping a Leste, galpões industriais a Oeste e ao Sul e o viaduto Grande São Paulo ao Norte. A estação Possui um mezanino compartilhado, entre as plataformas elevadas do metrô e as plataformas da CPTM, na superfície. Organiza-se da seguinte maneira: Térreo- Acesso à passarela de transposição pela Guaramiranga de um lado e a Presidente Wilson de outro. Segundo nível- intermediário: salas operacionais do metrô e da CPTM. Terceiro nível- mezanino: Hall de distribuição do metrô e da CPTM. Quarto nível- Plataformas do metrô. Corte Longitudinal da Estação Tamanduateí. Fonte: Metrô 101 Imagem aérea da Tamanduateí. Fonte: Metrô Os ambientes foram construídos sob as vias do metrô, com exceção da passarela de transposição que se destaca em paralelo ao mezanino, ligada a ele por duas passarelas secundárias transversais à primeira, passarelas, escadas rolantes, são protegidas por pórticos de concreto armado. 102 Vista aérea da estação Tamanduateí.Fonte: coisasdaarquitetura.wordpress.com Vista aérea da estação Tamanduateí. Fonte: coisasdaarquitetura.wordpress.com 103 Fotos Estação Tamanduateí. Fonte: Metrô. 104 Exceto pela passarela de transposição, a estação está dividida em duas partes, de um lado, as áreas do metrô e do outro, as áreas da CPTM, o mezanino é o único espaço compartilhado. O acesso às plataformas da CPTM é feito a partir de dois conjuntos de escadas fixas e rolantes, um de cada lado do mezanino. A plataforma Nordeste da CPTM servirá à futura linha do expresso ABC, prevista no plano de expansão da rede. As plataformas do metrô são acessadas por dois conjuntos de escadas fixas e rolantes que sobem ao nível superior em uma estrutura de concreto que sobressai. As plataformas laterais servem às duas vias. O fechamento é feito em vidro e fixado aos pórticos metálicos. Corte Transversal da Estação Tamanduateí. Fonte: Metrô 4.2.3 A integração Física O mezanino compartilhado da Estação Tamanduateí está situado sob as vias do metrô. Atravessa transversalmente as vias da CPTM. A transferência gratuita dos passageiros é feita longitudinalmente no mezanino. O Projeto O cruzamento da linha do metrô se dá sobre a ferrovia na superfície em uma região onde há predominância de galpões industriais, onde a estrutura é compartilhada. O mezanino único sob as vias do metrô e transversal às linhas da ferrovia na superfície. As circulações prevalecem em sentido longitudinal e transversal. 105 A passarela de transposição livre da ferrovia, separada do mezanino, conduz os passageiros por passarelas secundárias. Proporcionando melhor organização espacial do fluxo e facilidade de orientação, o dimensionamento do mezanino e das passarelas não apresenta áreas ociosas. A transferência gratuita é facilitada pelo mezanino integrado, isto facilita o fluxo dos passageiros. Implantação do mezanino integrado na estação Tamanduateí. Fonte: A separação institucional do metrô e da CPTM aparece nos elementos construtivos, tipos diferentes de coberturas nas plataformas, elementos de vedação vermelhos para a CPTM e brancos para o metrô e estruturas de concreto aparente com formas diferentes no fechamento das escadas que levam às plataformas. 106 Podemos dizer que apenas destes pontos de vista, construtivos desde o posicionamento das estruturas de circulação até o uso de cores para uma maior legibilidade do espaço, já nos trazem novos elementos para análise das estações de metrô. Enquanto a Sé principia uma articulação com a cidade e com os usuários, mas ainda cria estes espaços vazios, devido às escalas monumentais e pela falta de legilibilidade, que a fizeram gerar a necessidade de um suporte programático adicional, como é o caso do Projeto Arte no Metrô, para uma aproximação e melhor uso infraestrutural do espaço por parte dos usuários, a estação Sumaré garante a primazia da arquitetura quando propõe uma estrutura que tece conexões variadas com a cidade, pela potencialização de infraestruturas distintas, pela geração de urbanidade e inventividade nos usos criados e pelo vínculo com a obra que exerce um impacto inusual, de igualdade identitária, com os usuários do metroviário e com os habitantes da cidade que trafegam pela Avenida Sumaré, somos todos nós, estamos nos enxergando em nossas estruturas urbanas. A estação Tamanduateí, com este caráter de conexão com a cidade e visibilidade, articula territórios, onde há uma presente tensão entre situações. A favela da Vila Prudente à Heliópolis, conectadas, posiciona-se com outros elementos da região, trazem outras possibilidades de existência, linha conectora que desloca e liga, reativa um sistema urbano, há a invenção de um porvir urbano. 107 CONSIDERAÇÕES FINAIS 108 Ao contrário de uma arquitetura que induz a determinados usos pelas relações entre forma e função, advindos dos idealismos modernos, a arquitetura infraestrutural, aberta ao acontecimento e à apropriação inesperada, inusual que só os usuários e as dinâmicas que a cidade gera podem provocar, favorecem o livre pensar e as ações emancipadoras, as ações sociais são fortalecidas devido a fragilização de sentidos. Segundo Deleuze (1987), os corpos são definidos por sua capacidade de interagir com outros corpos, assim como a arquitetura em sua inscrição material se insere no mundo, interatuando. Os agenciamentos programáticos, articulando diversas situações em constante tensão, juntando elementos heterogêneos, que nesta relação produzem cadeias de desterritorializações e reterritorializações em territorialidades aparentemente estáveis, conduzindo a imaginação um campo fértil, a possibilidade da escolha, à produção de novas ideias e ao porvir. Possibilitando o surgimento de um campo de possibilidades pelo enfraquecimento das verdades absolutas, teríamos assim, uma arquitetura de perfil difuso, em que os espaços vazios, expectantes, nos incentivariam a uma experiência inconclusa, heterogênea. Constituiremos espaços de hospitalidade incondicional, de uma arquitetura que não institui um domínio, mas abre-se a novas humanidades possíveis. Projetar com o pensamento voltado para programações espaciais é pensar em práticas sociais com potencial para eclodir nesses suportes arquitetônicos, despertando a intensidade do lugar. Esses espaços Infraestruturais que entendemos aqui como espaços suportes, seriam capazes de registrar os eventos que os marcariam sem, no entanto, adquirir sentidos adequados permanecendo continuamente em processo, onde o programa será continuamente solicitado e moldado por ações. Pensamos, nestas relações entre arquitetura, cidade e homens, o fazer coletivo, em como são apreendidas as qualidades do espaço e dos objetos não condicionados aos pragmatismos, mas sob a perspectiva de quem vivencia os espaços, privilegiando em nossa investigação outras estratégias de construção da cidade. 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, Radhá. A filosofia do projeto Arte no Metrô. In: Companhia do Metropolitano de São Paulo. Arte no Metrô. São Paulo: Alter Market, 1994. ABRAMO, Radhá. Praça da Sé, Cidade Universitária, Metrô. In: Seminários de Arte Pública (I) SESC. São Paulo: SESC, 1995. ALLIEZ, Éric. Deleuze Filosofia Virtual (Trad. Heloísa B. S. Rocha). São Paulo: Ed. 34, 1996. ALLIEZ, Éric. 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