0
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS –
MESTRADO EM ARTES VISUAIS
ESTUDOS TEÓRICOS NAS ARTES VISUAIS DO NORDESTE
SIMONE TRINDADE VICENTE DA SILVA
REFERENCIALIDADE E REPRESENTAÇÃO:
UM RESGATE DO MODO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO
NAS PENCAS DE BALANGANDÃS A PARTIR DA COLEÇÃO
MUSEU CARLOS COSTA PINTO
Salvador
2005
1
SIMONE TRINDADE VICENTE DA SILVA
REFERENCIALIDADE E
REPRES ENTAÇÃO:
UM RESGATE DO MODO DE CONSTRUÇÃO DE
SENTIDO NAS PENCAS DE BALANGANDÃS A PARTIR
DA COLEÇÃO MUSEU CARLOS COSTA PINTO
Dis s er t a çã o a p r es en t a d a a o Cu r s o d e Mes t r a d o em
Ar t es Vis u a is d a Un iver s id a d e Fed er a l d a Ba h ia ,
com o r equ is ito p a r cia l p a r a ob t en çã o d o gr a u d e
Mestre em Artes Visuais.
Orientador: Prof. Dr. Cid Ney Ávila Macedo
Co-or ien t a d or a : Pr ofa . Dr a . Ma r ia Helen a M. O.
Flexor
SALVADOR
2005
2
__________________________________________________________________________________
S686 SILVA, Simone Trindade Vicente da
Referencialidade e representação: um resgate do modo de
construção de sentido nas pencas de balangandãs a partir da coleção
Museu Carlos Costa Pinto / Simone Trindade Vicente da Silva. Salvador: S.T.V.Silva, 2005. 230f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Cid Ney Ávila Macedo
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de
Belas Artes, 2005.
1. Adorno – jóias. 2.Ourivesaria. 3. Balangandãs – negras.
4. Salvador – séc. XVIII e XIX. 5. Semiótica. I. Macedo, Cid Ney Ávila.
II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes. III. Título.
CDU : 391.7 (814.2)
__________________________________________________________________________________
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Escola de Belas Artes
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
Estudos Teóricos nas Artes Visuais do Nordeste
SIMONE TRINDADE VICENTE DA SILVA
REFERENCIALIDADE E REPRESENTAÇÃO: UM RESGATE
DO MODO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NAS PENCAS
DE BALANGANDÃS A PARTIR DA COLEÇÃO MUSEU
CARLOS COSTA PINTO
Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Artes Visuais.
Salvador, 07 de junho de 2005
Acusamos recebimento de cópia da dissertação:
CID NEY ÁVILA MACEDO _____________________________________________
Orientador. Doutor em Comunicação e Semiótica, PUC-SP
Universidade Salvador - UNIFACS
MARIA HELENA MATUE O. FLEXOR ___________________________________
Co-orientadora. Doutora em História Social, USP
Universidade Católica do Salvador - UCSAL
MÔNICA RODRIGUES DA COSTA ______________________________________
Doutora em Comunicação e Semiótica, PUC-SP
Faculdades Jorge Amado - FJA
4
A
Terezinha, minha mãe, pelo apoio e incentivo.
Aníbal, meu marido, pela infinita compreensão e companheirismo.
Felipe Augusto e Ana Carolina, meus filhos, pelo tempo roubado.
5
AGRADECIMENTOS
Ao Pr of. Cid Ávila , p ela con fia n ça , a p oio con tín u o, d ed ica çã o e or ien ta çã o
segura
À Profª Maria Helena Flexor pela atenção, precisão e preciosas informações
A quatro decisivas influências: Prof. Dr. Eduardo França Paiva, Prof. Dr. Luiz
Alberto Ribeiro Freire, Afrânio Simões e Dilberto de Assis
À historiadora Profª Drª Mary Karasch pela gentileza e atenção
À Profª Dra. Viga Gordilho e ao Prof. Dr. Luis Nicolau Parés pela contribuição
durante a primeira exposição pública deste trabalho
Ao Prof. Dr. Jefferson Bacelar, que participou do meu Exame de Qualificação
À Banca E xaminadora pela disponibilidade e contribuição
À Profª Maria Ignez Cortes de Oliveira, pelas preciosas informações
Às d ir et or a s d o Mu s eu
Ca r los Cos t a Pin t o: Mer ced es Ros a , qu e m e
con t a m in ou com s u a p a ixã o p ela p r a t a , e Bá r b a r a Ca r va lh o d os S a n t os , p ela
compreensão
À equipe do Museu Carlos Costa Pinto, minhas colegas, pelo apoio
Aos colega s m es t r a n d os , em es p ecia l a J u cia r a Ba r b os a , Rob s on Ba r b os a ,
Walter Mariano e Raimundo Áquila
Ao Mestrado, em especial a Maria Taciana Costa Pinto de Almeida
Aos professores, em especial ao Prof. Dr. Eugênio de Ávila Lins
Aos fu n cion á r ios d a Un iver s id a d e Fed er a l d a Ba h ia , es p ecia lm en t e d a s
b ib liot eca s d a E s cola d e Bela s Ar t es , Cen t r a l, Fa cu ld a d e d e Filos ofia e
Ciên cia s Hu m a n a s , Cen t r o d e E studos Afro-Orientais e Fa cu ld a d e d e
Educação
À S r a . Ma r ia J os é Velos o d a Cos t a S a n t os , Bib liot ecá r ia / Docu m en t a lis ta d a
Seção d e Mem ór ia e Ar qu ivo d o Mu s eu Na cion a l/ UFRJ , p ela p r ecios a
atenção e presteza
Aos fu n cion á r ios d a Bib liot eca Pú b lica d o E s t a d o d a Ba h ia , Ar qu ivo Pú b lico
d o E s t a d o d a Ba h ia , Ar qu ivo Mu n icip a l d e S a lva d or , Fu n d a çã o Instituto
Fem in in o d a Ba h ia , Ga b in et e Por t u gu ês d e Leit u r a , Mu s eu Tem p os t a l,
6
Dir et or ia d e Mu s eu s - DIMUS , In s t it u to Geogr á fico e His tór ico d a Ba h ia e
Museu de Arte da Bahia
Ao S r . An t on io Am a r o d a s Neves , d ir et or d o Mu s eu d a S ocied a d e Ma r t in s
Sarmento, em Guimarães – Portugal
A Aníbal Gondim, autor da capa desta dissertação
À b ib liot ecá r ia Led a Ma r ia Ra m os Cos t a , d a E s cola d e Bela s Ar t es – UFBA,
que gentilmente elaborou a ficha catalográfica
À tradutora Mollie Cerqueira, que prestemente realizou o abstract
7
As r es p os ta s qu e b u s ca m os , m es m o s em s a b er , os
ca m in h os qu e t r ilh a m os , qu a s e s em p r e er r a n t es ,
a p on t a m p a r a a lgo: u m p on t o m a is ou m en os
indefinido, muito ou pouco além de nós.
Lúcia Santaella (1994, p.127)
8
RESUMO
O p r es en te t r a b a lh o aborda, a t r a vés d a a n á lis e s em iót ica e h is tór ica , o
p r oces s o p a r t icu la r d e p r od u çã o d e s en t id o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s
dentro do contexto sócio-cultural de Salvador setecentista e oitocentista.
A p es qu is a d es en volveu -s e a p a r t ir d o estudo d a s 2 7 p en ca s d e b a la n ga n d ã s
em p r a t a , p er t en cen t es à coleçã o d o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o, o m a ior
a cer vo exis t en t e em m u s eu s . For a m con s u lt a d a s fon t es p r im á r ia s ,
s ecu n d á r ia s e d ocu m en t a çã o icon ogr á fica qu e in d ica r a m a p r es en ça d es t es
ob jetos a r t ís t icos n os s écu los XVIII e XIX, com o a d er eços m ís ticos , em s u a
m a ior ia con feccion a d os em p r a t a , s en d o u s a d os p or a lgu m a s n egr a s e
m u la t a s b a ia n a s n a cin t u r a , em oca s iões fes t iva s . S u a com p os içã o r evela a
exis t ên cia d e d iver s os elem en t os m á gicos (a m u let os e ta lis m ã s ), qu e
remetem a várias tradições religiosas.
Palavras-ch a ve: b a la n ga n d ã s , s em iót ica , n egr a s , jóia s , ou r ives a r ia , Ba h ia ,
séculos XVIII e XIX.
9
ABSTRACT
The work presented here examines, through semiotic and historical analysis,
t h e s in gu la r s ign ifica n ce a n d p r od u ct ion of clu s t er s of ch a r m s t er m ed
balangandãs, wit h in t h e s ocio-cu ltu r a l con t ext of S a lva d or , Ba h ia in t h e
s even t een a n d eigh teen h u n d r ed s . Th e r es ea r ch is a n ou t gr owth of t h e s tu d y
of twenty-seven silver sets of balangandãs that comprise the collection of the
Ca r los Cos t a Pin t o Mu s eu m , t h e la r ges t s in gle m u s eu m collect ion of t h es e
fa s cin a t in g p ieces . Th e r es ea r ch m et h od ology u s ed in th is s u r vey in clu d es
con s u lt in g p r im a r y a n d s econ d a r y s ou r ces , in a d d it ion t o icon ogr a p h ic
d ocu m en ta t ion t h a t in d ica t es t h e p r es en ce of t h es e a r t is t ic ob ject s in t h e
eigh t een t h a n d n in eteen t h cen tu r ies . Cr a ft ed p r im a r ily fr om s ilver a n d u s ed
b y Ba h ia n Negr o a n d Cr eole wom en , balangandãs wer e wor n a r ou n d t h e
wa is t , es p ecia lly on fes t ive occa s ion , a n d wer e b elieved t o b r in g lu ck or h old
m ys t ic p ower s . Th e com p os ition of ea ch p iece r evea ls d iver s e m a gica l
elem en t s , s u ch a s a m u let s a n d t a lis m a n s , d er ivin g fr om d iver s e r eligiou s
traditions.
Key wor d s : balangandãs, s em iot ics , Negr oes , J ewelr y, gold s m it h in g a n d
silversmithing, Bahia, eighteenth and nineteenth century.
10
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
12
INTRODUÇÃO
19
1. O CONTEXTO SIMBÓLICO DAS PENCAS DE BALANGANDÃS
34
1.1. SALVADOR NOS SÉCULOS XVIII e XIX
34
1.2. A POPULAÇÃO NEGRA
36
1.3. IDENTIDADES ÉTNICAS
41
1.4. MODOS DE VESTIR
47
1.5.O USO DE SIGNOS MÁGICOS
66
2. O SIGNO EM SI: A COLEÇÃO MUSEU CARLOS COSTA PINTO
75
2.1.BREVE HISTÓRICO
75
2.2. AS PENCAS DE BALANGANDÃS
77
2.2.1. A CORRENTE
80
2.2.2. A NAVE
81
2.2.3. ELEMENTOS PENDENTES
94
2.2.3.1. FIGA
96
2.2.3.2. COCO DE ÁGUA
101
2.2.3.3. CHAVE
102
2.2.3.4. MOEDAS
105
2.2.3.5. CILINDRO
106
2.2.3.6. ROMÃ
108
2.2.3.7. CACHO DE UVAS
112
2.2.3.8. PEIXE
115
2.2.3.9. DENTE
116
2.2.3.10. ELEMENTOS CURIOSOS
119
2.2.3.11. A QUESTÃO DOS EX-VOTOS
121
2.2.3.12. OS DEMAIS ELEMENTOS PENDENTES
124
11
3. A CONSTRUÇÃO DO SIGNO
127
3.1. ETIMOLOGIA
127
3.2. DEFINIÇÕES
130
3.3. INDÍCIOS DO USO
139
3.4. ORIGEM DAS PENCAS DE BALANGANDÃS
157
3.5. ANTECEDENTES MORFOLÓGICOS
160
3.6. QUEM CONFECCIONAVA E COMERCIALIZAVA AS PENCAS DE
174
BALANGANDÃS?
3.7. O DESUSO DO SIGNO
177
CONCLUSÃO
179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
182
APÊNDICE A - Gráficos de incidência de corrente e composição
199
da nave
APÊNDICE B – Fichas de identificação das pencas de
balangandãs
203
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O signo em Peirce
25
Figura 2 - Esquema do processo comunicativo
28
Figura 3 - Esquema das funções de linguagem de Jakobson
28
Figura 4 - Vista da Bahia – Passeio Público de Salvador
34
Figura 5 - Vendedora de quitutes e carregador
39
Figura 6 – Sapataria
39
Figura 7 - Um funcionário do governo com sua família e escravos
40
Figura 8 - Escravas de diferentes nações
42
Figura 9 - Retrato de Ana de Jesus Moniz Viana
50
Figura 10 - Baiana
50
Figura 11 - Mercadora e carregadora de água
53
Figura 12 - Vendedora de gravuras: Bahia
53
Figura 13 - Tradicionais costumes portugueses até o séc. XIX
53
Figura 14 - Vendedeira negra em Portugal
53
Figura 15 - Representação de mulher cafre
54
Figura 16 - Habitantes da Guiné
54
Figura 17 – Etíopes (detalhe)
54
Figura 18 - Fazendeiros kanarese (Índia)
54
Figura 19 – Banha de cabelos (sic) bem cheirosa
55
Figura 20 - Mulher negra
57
Figura 21 - Aquarela de Carlos Julião
57
Figura 22 - Baiana
58
Figura 23 - Vendedora
58
Figura 24 - Família pobre recolhendo o produto do trabalho de velha
59
escrava carregadora de água
Figura 25 - Fatos vianenses de “domingar” e de “luxar”
60
Figura 26 - Roupa de “ouvir o sermão de festa” de lavradeira rica de
60
Meadela
Figura 27 - Grupo de Lavradeiras de Oliveira de Azeméis
61
13
Figura 28 - Traje de beca – Creoulas da Bahia
61
Figura 29 - Roupa de baiana. Holliday dress – Traje de feriado
61
Figura 30 - Traje de crioula. Holliday dress –Traje de feriado
62
Figura 31 - Traje de beca. Retrato de baiana
62
Figura 32 – Série As Damas da Boa Morte
64
Figura 33 – Jóias de crioula em ouro
65
Figura 34 - Crioula
65
Figura 35 – O Cirurgião negro
68
Figura 36 – O vendedor de arruda
73
Figura 37 – Negra da Bahia usando amuleto
74
Figura 38 – Retrato de Anna Maria Monteiro
74
Figura 39 – Museu Carlos Costa Pinto
75
Figura 40 - Vitrine das pencas de balangandãs
77
Figura 41 - Baiana
78
Figura 42 – Penca de balangandãs
78
Figura 43 - Partes de uma penca de balangandãs
79
Figura 44 - Nave de uma penca de balangandãs
79
Figura 45 - Corrente de penca de balangandãs
80
Figura 46 - Corrente de penca de balangandãs, com figa pendente
80
Figura 47 - Nave da penca de balangandãs 2256.XII.064
81
Figura 48 - Nave da penca de balangandãs 2264.XII.072
81
Figura 49 - Exemplares de naves com argolas de suspensão
82
Figura 50 - Nave simples, abertura à sinistra
83
Figura 51 - Nave dupla da penca de balangandãs 2249.XII.057
83
Figura 52 - Classificação tipológica das naves
84
Figura 53 - Frontão partido
85
Figura 54 - Estrutura compositiva de uma penca de balangandãs
85
Figura 55 - Nave de penca de balangandãs do tipo 1
86
Figura 56 - Divino Espírito Santo em prata
86
Figura 57 - Nave de penca de balangandãs do tipo 2
87
Figura 58 - Andor processional de São Francisco Xavier
87
Figura 59 - Nave do tipo 3
87
Figura 60 - Nave do tipo 4
88
14
Figura 61 - Nave do tipo 1
88
Figura 62 - Nave do tipo 2
88
Figura 63 - Nave do tipo 5
89
Figura 64 - Nossa Senhora da Fartura
89
Figura 65 - Nave do tipo 6
89
Figura 66 - Altar do Consistório da Irmandade do Santíssimo
90
Sacramento da antiga Sé da Bahia.
Figura 67 - Nave do tipo 7
91
Figura 68 - Bandeja de espevitadeira em prata
91
Figura 69 - Borboletas de pencas de balangandãs
91
Figura 70 - Penca de balangandãs 2258.XII.066. Detalhe de marca de
92
ensaiador do séc.XVIII
Figura 71 - Contraste da prata de ensaiador da Bahia, séc. XVIII
92
Figura 72 - Penca de balangandãs 2247.XII.055. Detalhe de marcas de
92
ensaiador da Bahia Imperial
Figura 73 - Contraste da prata de ensaiador da Bahia Imperial
92
Figura 74 - Figas em marfim, madeira e prata
97
Figura 75 - Figas em madeira, prata e coral
97
Figura 76 - Figas em madeira
97
Figura 77 - Figas em prata
97
Figura 78 - Mano cornuta em marfim.
97
Figura 79 – O fruto: figo
99
Figura 80– Interior de um figo
99
Figura 81 – Cocos de água em prata e coco e prata
102
Figura 82 – Cocos de água em prata
102
Figura 83 – Coco de água em prata cinzelado
102
Figura 84 – Chaves em prata
103
Figura 85 – Cofre e chave de cofre em prata
103
Figura 86 – Chave em prata (detalhe)
103
Figura 87 – Chave em prata (detalhe)
103
Figura 88 - Figa em prata
104
Figura 89 - Figa em prata
104
Figura 90 – A entrega das chaves a Pedro (detalhe)
104
15
Figura 91 - Moedas em prata
106
Figura 92 - Moeda em prata
106
Figura 93 – Cilindros em prata, madeira e conta
107
Figura 94 – Cilindros em conta, madeira e ágata
107
Figura 95 – Cilindro em prata com parte móvel
107
Figura 96 - Cilindro em madeira e coral
107
Figura 97 – O fruto da romã
109
Figura 98 – Interior de uma romã
109
Figura 99 – Romã de penca de balangandãs
109
Figura 100 – Romã em marfim
110
Figura 101 – Romã em marfim
110
Figura 102 - Chão em mosaico com 3 romãs
110
Figura 103 – Moeda cunhada em Jerusalém em 67d.C.
110
Figura 104 – Relevo com cacho de uvas e 3 romãs
111
Figura 105 – Madona com menino e seis anjos
111
Figura 106 – A Virgem com menino e São João
111
Figura 107 – Madonna de Dreyfus
111
Figura 108 – Nossa Senhora da Fartura
111
Figura 109 - Romã em prata
112
Figura 110 – Paliteiro em prata com decoração vegetal
112
Figura 111 – Cacho de uvas em prata
113
Figura 112 – O fruto: Cacho de uvas
113
Figura 113 – Videira sobre cipreste em jardim Assírio
114
Figura 114 – Oferendas de romãs, uvas e flores.
114
Figura 115 – Detalhe de obra de talha com decoração com cachos de
115
uvas
Figura 116 – Brincos portugueses em ouro, pérolas e turquesa
115
Figura 117 - Peixes em prata chapados
115
Figura 118 - Peixe em prata em volume
115
Figura 119 – Peixes e âncora
116
Figura 120 – Mosaico da Igreja da Multiplicação dos pães e peixes
116
Figura 121 – Dentes
117
Figura 122 – Dente (detalhe)
117
16
Figura 123 – Dente em prata
118
Figura 124 – Dente em prata
118
Figura 125 -
118
Santa Apolônia
Figura 126 - Torquês e dentes (atributo de imagem) em cobre prateado
118
Figura 127 - Elemento em formato de rosácea, em prata
119
Figura 128 - Jóias masculinas valencianas (cadeia de relógio e
119
abotoadura)
Figura 129 - Vinaigrette em prata
120
Figura 130 - Foto das marcas de contrataria inglesas
120
Figura 131 - Detalhes da v in a igre tte
120
Figura 132 – Os denominados ex-votos em prata
121
Figura 133 – Os denominados ex-votos em prata
121
Figura 134 – Ex-votos em madeira
121
Figura 135 – Olhos de Santa Luzia em prata
122
Figura 136 – Oferenda votiva em prata
122
Figura 137 – Santa Luzia
122
Figura 138 – Pé de cabra em prata
124
Figura 139 – Joalheria popular portuguesa: pé de cabra em ouro
124
Figura 140 – Animais em prata
125
Figura 141 - Chifre de besouro
125
Figura 142 – Frutas em prata
126
Figura 143 – Pandeiro em prata
126
Figura 144 – Miniatura de machado em prata
126
Figura 145 - Nossa Senhora da Conceição em prata dourada
126
Figura 146 – Pentagrama e crescente lunar em prata
126
Figura 147 – Conta verde escura encastoada de prata
126
Figura 148 – Correntão de crioula em ouro
132
Figura 149 – Elemento da penca de balangandãs 2252.XII.060
135
Figura 150 – Elemento da penca de balangandãs 2252.XII.060
135
Figura 151 – Balangandãs em prata
135
Figura 152 –Balangandãs, metal prateado, osso, pedra e madeira
135
Figura 153 – Amuletos
135
Figura 154 - Detalhes de objetos simbólicos dos fios-de contas
136
17
Figura 155 – Diferentes modos de colocar o torso
138
Figura 156 – Mulher negra (detalhe)
138
Figura 157 – Prancha da Bahia e detalhes
138
Figura 158 – Penca - Detalhe
139
Figura 159 – Balangandãs em prata
139
Figura 160 – Penca de balangandãs em prata
139
Figura 161 – Mulher negra
140
Figura 162 – Negras de ganho
141
Figura 163 – Vendedora de doces
145
Figura 164 - Negro e negra da Bahia
146
Figura 165 - Festa de N. Sra. do Rosário, padroeira dos negros
146
(detalhe)
Figura 166 - Negras livres vivendo de suas atividades
147
Figura 167 - Enterro de uma negra
147
Figura 168 - Padaria
148
Figura 169 - Pedintes
148
Figura 170 – Negra tatuada vendendo cajus (detalhe)
149
Figura 171 - Mulata. Jean-Baptiste Grenier
150
Figura 172 - Negra no mercado
151
Figura 173 – Uma crioula da Bahia
152
Figura 174 - Crioula
153
Figura 175 - Retrato de baiana
154
Figura 176 – Rainha Nzinga com seu séqüito
159
Figura 177 - Amuletos africanos
161
Figura 178 – Bastões com pingentes
161
Figura 179 - Ferramenta de Ogum
161
Figura 180 – Oxum, com ibá na cintura
162
Figura 181 – Ibá de Oxum
163
Figura 182 – Segurança.
163
Figura 183 – Estilos de roupa de homens e mulheres da Costa do
164
Ouro, séc.XVII
Figura 184 - Mulata da Costa da Costa do Ouro
166
18
Figura 185 – Mulher de Lima, Peru, com “cadenilla” (“châtelaine”)
167
colonial de prata
Figura 186 – Chatelaine em prata
168
Figura 187 – Penca de chaves
169
Figura 188 – Vendedora com chave pendente da cintura
169
Figura 189 - Desenhos de cambulhadas portuguesas
170
Figura 190 – Cambulhada de 9 amuletos
170
Figura 191 – Cambulhada de Valencia, Espanha
171
Figura 192 – Retrato de Menino
172
Figura 193 – Cimaruta em prata
173
Figura 194 – Cimarutas portuguesas
173
Figura 195 – Arruda
173
Figura 196 – Mulheres negras do Rio de Janeiro
176
19
INTRODUÇÃO
“Nominantur singularia, sed universalia significantur”
Jean de Salisbury1
É d ifícil p r ecis a r qu a n d o a cu r ios id a d e p a s s a a s er in qu iet a çã o e
configura-s e com o ob jeto d e p es qu is a . O cer t o é qu e, a p ós 1 4 a n os d e
trabalho museológico no Setor de Conservação, Documentação e Pesquisa do
Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o, a s 2 7 p en ca s d e b a la n ga n d ã s em p r a t a , d a t a d a s
d os s écu los XVIII e XIX, p a s s a r a m a s er a lgo m a is qu e n ú m er os , fich a s d e
id en t ifica çã o, ob jet os exp os t os qu e en ca n t a m e in tr iga m o p ú b lico vis it a n t e
por seu exotismo.
Um a in flu ên cia d et er m in a n t e p a r a a exis t ên cia d es s e t r a b a lh o foi o
Pr of. Dr . E d u a r d o Fr a n ça Pa iva , p r ofes s or d e His tór ia d a Un iver s id a de
Fed er a l d e Min a s Ger a is - UFMG. E m 1 9 9 7 , in d o a o Mu s eu Ca r los Cos t a
Pinto, ele solicitou informações sobre algumas peças do acervo, as chamadas
jóia s d e cr iou la s . Rea liza n d o u m a vis ita or ien t a d a com ele foi p os s ível
p er ceb er o qu a n t o es s a coleçã o, e em es p ecia l a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s ,
p od em s er es t r a n h os p a r a u m n ã o b a ia n o. E le es t a va fin a liza n d o o s eu livr o
Es cra v id ã o e
u n iv ers o cu ltu ra l n a
colôn ia : Min a s
Gera is , 1 7 1 6 -1789.
Intrigava-o a s in gu la r id a d e d es s a s p eça s , vis t o qu e a s n egr a s em Min a s
Gerais u s a va m o m es m o t ip o d e jóia s qu e a s s en h or a s b r a n ca s . Mu it os
qu es t ion a m en t os fora m feit os . Nes s e en con t r o d elin eou -s e a p r ob lem á t ica d a
presente investigação.
Ambiciosamente nasceu este projeto de pesquisa. Havia um universo a
s er exp lora d o, u m a s ér ie d e p er s p ect iva s d e a n á lis e. E xis t em p ou cos
t r a b a lh os es p ecíficos e m u it a r ep et içã o s ob r e o tem a . Com a s p r im eir a s
leit u r a s , a lgu m a s p er gu n t a s logo a flor a r a m . Qu em u s a va a p en ca d e
b a la n ga n d ã s ? Qu a l o p er íod o d e u s o? S ã o r ea lm en t e p eça s exclu s iva s d a
Bahia? São trabalhos dos negros malês? Eram de uso diário ou festivo? Mas,
a p er gu n ta cen t r a l er a , e é, qu a l o s en t id o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s e n o
1
Os s in gu la r es s e n om eia m , m a s os u n iver s a is s ign ifica m . Cit a çã o fa vor it a d e Peir ce,
r et ir a d a d o Metalogicus d o p a d r e in glês J ea n d e S a lis b u r y (1 1 1 5 -1180), t r a t a d o em d efes a
da lógica e da filosofia (JAKOBSON, 1969, p.116).
20
qu e con s tit u i a s u a s in gu la r id a d e a r t ís t ica . For m a liza d a s p a r a o p r ojet o d e
p es qu is a ,
es s a s
in d a ga ções
t or n a r a m -se
o
s egu in t e
ob jet ivo
ger a l:
d et er m in a r o p r oces s o p a r t icu la r d e p r od u çã o d e s en t id o d a s p en ca s d e
b a la n ga n d ã s , en qu a n t o s ign os es t ét icos , in s er id o n o con texto s ócio-cultural
d a Ba h ia s et ecen tis t a e oitocen tis t a , s ob u m a p er s p ect iva d e a n á lis e
semiótica e histórica.
Des d e o in ício, d ecid iu -s e con s id er a r o ob jeto d e p es qu is a d en t r o d o
s eu con t ext o h is t ór ico d e p r od u çã o e u s o, n o ca s o a Ba h ia d os s écu los XVIII
e XIX, n u m a b u s ca d o s en tid o a t u a lm en t e p er d id o. Hoje, es s es ob jet os ,
p r es en t es em coleções p a r t icu la r es e exp os t os em m u s eu s , es t ã o es va zia d os
d o s eu s en t id o or igin a l, d is ta n cia d os d e s u a fu n cion a lid a d e on t ológica ,
con s tit u in d o m er os t es t em u n h os h is t óricos . Foi d es ca r t a d o o es t u d o n os
m old es d a s leit u r a s e in fer ên cia s a t u a is s ob r e es s es ob jetos , fartamente
a lim en t a d a s
p ela
im a gin a çã o
e
cr ia t ivid a d e
p op u la r .
Nã o
for a m
con s id er a d a s , t a m b ém , a s n ova s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , a s qu e s ã o
p r od u zid a s , ou m elh or , r ep r od u zid a s em m et a l, d e d ifer en t es t a m a n h os ,
t ip ologia s (com o b r och es , p en d en t es d e cola r es , ob jet os d ecor a t ivos ) e
comercializados como objetos de baianidade para turistas.
Defin id os o ob jet o (os 2 7 exem p la r es d a coleçã o d e p en ca s d e
balangandãs em prata do Museu Carlos Costa Pinto), o recorte tempo-espaço
(Salvador, séculos XVIII e XIX) e o objetivo (investigar a produção de sentido),
foi p r ecis o, en t ã o, op t a r p or u m m ét od o e p or u m in s t r u m en t a l t eór ico qu e
d es s em s u p or t e a es s a in ves tiga çã o, qu e n or t ea s s e s u a leitu r a . O m ét od o d e
p es qu is a a d ot a d o foi o a n a lít ico-com p a r a t ivo com o for m a d e, a t r a vés d e
confr on t a çã o en t r e o ob jeto d e es t u d o e r ep r es en t a ções s im ila r es , r a s t r ea r
in flu ên cia s
cu ltu r a is ,
a n a lis a r
os
p er cu r s os ,
es t a b elecer
s em elh a n ça s
t em á t ica s e m or fológica s . Con s id er a n d o-s e a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s com o
s ign os es tét icos e d e id en t id a d e cu lt u r a l, foi es colh id o com o m od elo t eór ico
d e a n á lis e a S em iót ica Vis u a l d e ext r a çã o p eir cea n a , t en d o com o a p or t e a
His tór ia Nova , a An tr op ologia Cu lt u r a l e a His t ór ia d a Ar t e. Por t a n t o, es s e é
u m es t u d o a licer ça d o em u m a t r ía d e: Ar t e, S em iótica e His t ór ia . A Ar t e é a
m a t er ia liza çã o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s . A His t ór ia r efer en cia o recor t e
21
tempo-es p a ço: S a lva d or n os s écu los XVIII e XIX, o con t ext o. E a S em iót ica
peirceana é a linha mestra, a condutora da leitura, o enfoque deste trabalho.
Por que e como utilizar a Semiótica peirceana?
Tod a filia çã o t eór ica é u m a es colh a . A S em iót ica foi u m a op çã o
d ecor r en t e d e u m a coer ên cia m et od ológica e ep is t êm ica qu e s e coa d u n a m
com os ob jet ivos d es s e t r a b a lh o. Um fa t or p r op ício foi a exp er iên cia
p r ofis s ion a l em u m es p a ço m u s eológico, on d e s e p er s egu e in ca n s a velm en t e
t or n a r o ob jet o exp os t o com u n ica t ivo a o p ú b lico, a p a r t ir d o t r a b a lh o d o
m u s eólogo d ocu m en ta lis t a , p ois s egu n d o Fer n a n d a d e Ca m a r go-Mor o (1 9 8 6 ,
p. 14),
a es t e com p et e in icia r u m a et a p a d a d ecod ifica çã o d o ob jet o,
m anipulando-o,
id en t ifica n d o-o,
d ocu m en t a n d o-o
exa u s t iva m en t e, con s er va n d o-o, p r op or cion a n d o-lh e u m a
exis t ên cia con cr et a , ta n gível, is to é, r ea l e s egu r a , fa zen d o o
passado tornar-se acessível através da documentação.
O qu e s e vis a é n ã o p er d er a p er s p ect iva d o ob jet o m u s ea l, t od o o
con h ecim en t o d eve s er ger a d o a p a r t ir d ele. Bu s ca n d o s em p r e m a n t er es s a
fid elid a d e a o ob jeto, ou m elh or , a o s ign o, a d ot ou -s e a S em iót ica p eir cea n a
nesta pesquisa conforme será explicitado a seguir.
A S em iót ica p eir cea n a t eve com o cr ia d or o n or t e-a m er ica n o Ch a r les
S a n d er s
Peir ce
(Ca m b r id ge-Ma s s a ch u s s et s ,
10/ 09/ 1839
–
Milford-
Pen s ilvâ n ia , 1 9 / 0 4 / 1 9 1 4 ). For m a d o em qu ím ica , ele foi a n tes d e t u d o u m
lógico e u m filós ofo. A s u a cla s s ifica çã o d a s ciên cia s 2 foi r ea liza d a “com o
genuíno p r op ós ito d e b u s ca r a gen era lid a d e e com p r een d er o m u n d o”
(S E BE OK, 1 9 9 1 , p .4 ). A S em iót ica é p a r t e cen t r a l d e s u a im en s a ob r a , “a
es p in h a d or s a l d e u m a a r qu it et u r a filos ófica d a qu a l ela é in s ep a r á vel”
(S ANTAE LLA, 1 9 9 4 a , p .1 5 4 ). E le é con s id er a d o o m a is im p or t a n t e d os
fu n d a d or es d a m od er n a S em iót ica (NÖTH, 1 9 9 5 , p .6 0 ). Ap es a r d e n ã o t er
fin a liza d o ou p u b lica d o u m ú n ico livr o, ele d eixou a lgu n s en s a ios em
2
A cla s s ifica çã o d a s ciên cia s ou d os s a b eres d e Peir ce foi ela b or a d a s egu n d o u m p r in cíp io
d e rela çã o en t re a s ciên cia s , or d en a d a s s egu n d o u m a a b s t r a çã o d ecres cen te. As s im , a
p r im eir a gr a n d e d ivis ã o es t a b eleceu 2 gr a n d es r a m os : a s ciên cia s teorét ica s e a s ciên cia s
p r á t ica s . As p r im eir a s d es d ob r a m -s e em ciên cia s d a in ves t iga çã o ou d a d es cob er ta e em
ciên cia s d a s is tem a t iza çã o. As ciên cia s d a in ves t iga çã o s u b d ivid em -s e em Ma tem á t ica ,
Filos ofia e ciên cia s es p ecia is ou id ios cop ia . Den t r o d a Filos ofia p eir cea n a s it u a -s e a
fenomenologia e a Semiótica ou Lógica (PALO, 1998, p.167; IBRI, 1991, p.3-4; PIRES, 1999).
22
periódicos e milhares de manuscritos existentes na Universidade de Harvard.
Gr a n d e p a r t e d es t e m a t er ia l é in éd it a . As d u a s m a is im p or t a n t es s ér ies d e
p u b lica ções s ã o Collected Pa p ers of Ch a rles S a n d ers Pe irce (1931-5 8 ) e
Writin gs of Ch a rles S . Pe irce (1982-99)3 . Ap en a s u m a p equ en a p a r t e d e s u a
ob r a foi p u b lica d a n o Br a s il. Da í a even t u a l p r es en ça n es s a d is s er t a çã o d e
citações indiretas (apud) de Peirce indicadas pelos estudiosos consultados.
O vocá b u lo S em iótica or igin a -s e d o gr ego semeion, qu e s ign ifica s ign o.
S egu n d o Lú cia S a n t a ella 4 (1 9 8 3 , p .1 3 ), a S em iót ica “é a ciên cia qu e t em p or
ob jeto d e in ves tiga çã o t od a s a s lin gu a gen s p os s íveis , ou s eja , qu e t em p or
ob jeto o exa m e d os m od os d e con s tit u içã o d e t od o e qu a lqu er fen ôm en o
com o fen ôm en o d e p r od u çã o d e s ign ifica çã o e s en t id o”. Fen ôm en o s er ia o
qu e s e a p r een d e, “t u d o a qu ilo, qu a lqu er cois a , qu e a p a r ece à p er cep çã o e à
m en t e” (idem, 2 0 0 2 , p .7 ), ou s eja , p en s a m en t o 5 m a n ifes t o em d ifer en t es
n íveis d e con s ciên cia 6 . Com
r ela çã o a es s a s for m a s d e a p r een s ã o e
com p r een s ã o d o m u n d o p elo s er h u m a n o 7 , Peir ce es t a b eleceu a s t r ês
ca t egor ia s
u n iver s a is
d os
fen ôm en os
ou
ca t egor ia s
fa n er os cóp ica s 8 :
p r im eir id a d e, s ecu n d id a d e e ter ceir id a d e. A p r im eir id a d e evoca a id éia d e
p r im eir o,
3
or igin a lid a d e,
a ca s o,
qu a lid a d e
de
s en tim en t o
(t a lid a d e 9 ),
Os Collecte d Pa p ers of Ch a rles S . Pe irce s ã o com p os t os p or 4 .0 0 0 m a n u s cr it os , p u b lica d os
de forma seriada entre 1931-35 e 1958, em 8 volumes, pela Harvard University. A referência
u s u a l a es s a ob r a é CP (Collected Pa p ers ), s ep a r a çã o p or vír gu la , n ú m er o a r á b ico in d ica n d o
o volu m e d a p u b lica çã o (d e 1 a 8 ) s egu id o p or p on t o e n ú m er o s equ en cia l d o p a r á gr a fo. Os
W ritin gs of Ch a rles S . Peirce for a m p u b lica d os em 6 volu m es , en t re 1 9 8 2 e 1 9 9 9 , p ela
In d ia n a Un iver s it y. A s u a r eferên cia s egu e o m es m o es qu em a d os Collecte d Pa p ers , s en d o
precedida da inicial W (IBRI, 1992, p.XIII-XIV).
4 A s em iot icis t a Pr ofª Dr ª Lú cia S a n t a ella (PUC-S P) é u m a d a s m a is p r oem in en tes
pesquisadoras da Semiótica peirceana no Brasil.
5 Pa r a Peir ce “qu a lqu er cois a qu e es teja p res en te à m en te, s eja ela d e u m a n a t u reza s im ila r
a fr a s es ver b a is , a im a gen s , a d ia gr a m a s d e rela ções d e qu a is qu er es p écies , a rea ções ou a
sentimentos, isso deve ser considerado como pensamento” (SANTAELLA, 2001, p.55).
6 S egu n d o Peir ce (CP, 1 .3 7 7 apud IBRI, 1 9 9 2 , p .1 3 -14), “a s ver d a d eir a s ca t egor ia s d a
consciência são: primeira, sentimento, a consciência que pode ser incluída com um instante
de tem p o, con s ciên cia p a s s iva d e qu a lid a d e, s em r econ h ecim en t o ou a n á lis e; s egu n d a ,
con s ciên cia d e in ter r u p çã o n o ca m p o d a con s ciên cia , s en t id o d e res is tên cia , d e u m fa t o
exter n o, d e a lgu m a ou t r a cois a ; ter ceir a , con s ciên cia s in tét ica , liga çã o com o tem p o, s entido
de aprendizagem, pensamento”.
7 A teor ia p eir cea n a n ã o é a n t r op ocên t r ica , en t ret a n t o, con s id er a n d o-s e o foco d es te
trabalho, será abordada segundo essa perspectiva.
8 E s s a s ca t egor ia s t a m b ém for a m d en om in a d a s p or Peir ce d e cen o-p it a gór ica s (ceno, d o
grego kainós, n ovo; n ova s p it a gór ica s ), n u m a a lu s ã o à teor ia d a com p os içã o m a tem á t ica d o
u n iver s o d o filós ofo grego Pit á gor a s (s éc. VI a .C), p or s erem m elh or d efin id a s em ter m os d e
números (MONROY, 2001).
9 Ta lid a d e (Suchness) é u m n eologis m o cr ia d o p or Peir ce p a r a d es ign a r “a qu ilo qu e fa z com
qu e a lgo s eja o qu e é, ir r ep et ível” (S ANTAE LLA, 1 9 9 4 a , p .1 1 6 ), qu a lid a d e a b s olu t a ,
23
potencialidade, um estado de consciência de mera possibilidade, “sentimento
flu t u a n t e e d es en ca r n a d o” (idem, 1 9 9 4 a , p .1 1 5 ), u m a com u n h ã o com o
a b s olu to im ed ia t o (o continuum10). Nu m a d im en s ã o eid ét ica 11, r efer e-s e à s
con d ições la t en t es , con text u a is , n o s en t id o lato, qu e p od em p r op icia r a
exis t ên cia d e u m fen ôm en o s in gu la r . A p r im eir id a d e é u m a experiência
m on á d ica (u n a , or igin a l), p ois , s egu n d o Peir ce (CP, 1 .3 0 6 apud IBRI, 1 9 9 2 ,
p .7 6 ), u m “s en t im en t o é s im p les m en t e u m a qu a lid a d e d e con s ciên cia
im ed ia t a ”. A s ecu n d id a d e t r a z u m a id éia d e s egu n d o, d e d ía d e, d u a lid a d e,
r ela çã o, a lt er id a d e. É a m a n ifes t a çã o d e u m fen ôm en o s in gu la r , s u a
ocor r ên cia a t u a n o n ível en er gét ico, d o exis t en te, d a a çã o qu e ger a u m a
r ea çã o. E s t á p r es en t e n a op os içã o, n o con flit o, n a d ú vid a , n a d ep en d ên cia ,
n o a qu i e a gor a . E a t er ceir id a d e r ep or t a -s e à t r ía d e, m ed ia çã o, a o con ceito
de
s ign o.
É
uma
t en d ên cia
a o d evir ,
à
gen er a lid a d e,
con t in u id a d e,
r egu la r id a d e, lei, cr es cim en t o, evolu çã o, t r a n s u a çã o 12, in t eligên cia , t em p o
(S ANTAE LLA, 1 9 9 4 a , p .1 1 5 ). E s t a b elece-s e n o p en s a m en t o lógico, n o
r a cion a l. Com o exem p lo d es ta s t r ês ca t egor ia s em p r oces s o, p od e-s e cit a r
es s a p r es en t e d is s er t a çã o d e m es t r a d o. Du r a n t e a n os ela foi u m a m er a
p os s ib ilid a d e (p r im eir id a d e), a o com eça r a es cr it a d o t ext o ela s e t or n ou u m
fa t o, u m a ocor r ên cia (s ecu n d id a d e) con figu r a d a a p a r t ir d e gen er a liza ções e
inferências (terceiridade).
As ca t egor ia s fa n er os cóp ica s s ã o a b a s e es t r u t u r a l d e tod a a t eor ia
p eir cea n a ,
or ien t a n d o
d es d ob r a m en t os .
Essa
a
su a
lógica
cla s s ifica çã o
t er n á r ia
das
d et er m in a
ciên cia s
p r oces s os
e
s eu s
lógicos
s equ en cia is , in t er -r ela cion a d os e in t er d ep en d en t es , s egu n d o s u a or d en a çã o
em u m a cr es cen t e n u m ér ica (o p r im eir o exis t e s em o s egu n d o, o s egu n d o
n eces s it a d o p r im eir o e o t er ceir o n ã o exis t e s em o p r im eir o e o s egu n d o),
or igin á r ia , “qu a lid a d e ta l qu a l é, em s i m es m a , s em rela çã o com n en h u m a ou t r a cois a ”
(idem, 2001, p.211).
10 “A definição peirceana seria: continuum é alguma coisa infinitamente divisível cujas partes
têm u m lim ite com u m ” (IBRI, 1 9 9 2 , p .6 6 ). O con ceit o p eir cea n o d e continuum insere-s e n a
s u a Dou t r in a d a Con t in u id a d e ou S in equ is m o, b a s e d a s u a Met a fís ica . S egu n d o Peir ce (CP,
6.170 apud IBRI, 1 9 9 2 , p .6 5 ), “u m ver d a d eir o continuum é a lgu m a cois a cu ja s
possibilidades de determinação nenhuma multidão de individuais pode exaurir”. Peirce nega
a d u a lid a d e en t re m en te e m a tér ia (S ANTAE LA, 2 0 0 4 , p .2 1 1 ), con ceb en d o o u n iver s o com o
um continuum infinito, união de tudo o que existe, coalescência.
11 Referente à essência das coisas (HOUAISS, 2001).
12 Transuação é um neologismo peirceano para designar translação (transmissão), tradução
(JORGE, 1998, p.3).
24
com p on d o u m es qu em a lógico d e ob s er va çã o. As ca t egor ia s fa n er os cóp ica s
são a s ca r a ct er ís t ica s , os t ip os , os m od os d e s er d e t od o fen ôm en o,
exp er iên cia , p en s a m en t o. E “tod o p en s a m en t o con h ecível é p en s a m en t o em
s ign os , ext er n a lizá vel em s ign os ” (S ANTAE LLA, 2 0 0 4 b , p .4 3 ). É a con d içã o
h u m a n a , m a r ca d a p ela in com p let u d e, p or u m is ola m en to on t ológico qu e
cla m a p or in t er a çã o, im p os s ível s em m ed ia çã o, qu e d et er m in a “a p a s s a gem
de fâneron a o s ign o (...), a r ed u çã o d o in fin it o d o continuum a o fin it o
continuum d e s u a a tu a liza çã o” (PALO, 1 9 9 8 , p .5 6 ). O s er h u m a n o com o u m a
p a r t e d o continuum, con ect a d o a ele, p or s er p a r t e es t á con d en a d o a n u n ca
s er o t od o em s u a p len it u d e, a p er ceb er a p en a s a s p ect os d es t e, a s er o t od o
en qu a n t o
fr a gm en t o,
numa
lim it a çã o
s ígn ica .
Tod o
fen ôm en o
só
é
apreendido através de signos. Segundo Bense (2003, p.50),
n enh u m a
r ela çã o
con s ciên cia -m u n d o
é
im ed ia t a .
A
con s ciên cia a ge e o m u n d o é ela b or a d o. E n t r e m u n d o e
con s ciên cia in t er p õem -s e os “m eios ” [s ign os ] d a a çã o e d a
ela b or a çã o. Pois n en h u m m u n d o, m a t er ia l a lgu m , en t r a , com o
t a l, n a a git a çã o d a con s ciên cia , n a r eflexã o, n a a b s t r a çã o, n a
seleção, na representação. Tem que ser “mediado”.
Des t a form a , a Lógica ou S em iót ica n a s ce, en qu a n t o t eor ia ger a l d os
s ign os , d a Fen om en ologia , p ois é n ela qu e s e con s t r ói13. Tod o o p r oces s o
cogn it ivo, com u n ica t ivo, é m ed ia d o p elos s ign os .
A s u a con cep çã o e
en t en d im en t o d o s eu fu n cion a m en t o p os s ib ilit a qu e a S em iót ica s ir va com o
“u m m a p a lógico qu e t r a ça a s lin h a s d os d ifer en t es a s p ect os a t r a vés d os
quais uma análise deve ser conduzida” (SANTAELLA, 2002, p.6).
O conceito peirceano de signo é :
a qu ilo qu e, s ob cer t o a s p ecto ou m od o, r ep r es en t a a lgo p a r a
a lgu ém . Dir ige-s e a a lgu ém , is t o é, cr ia , n a m en t e d es s a
p es s oa , u m s ign o equ iva len t e, ou t a lvez, u m s ign o m a is
d es en volvid o. Ao s ign o a s s im cr ia d o d en om in o interpretante do
p r im eir o s ign o. O s ign o r ep r es en t a a lgu m a cois a , s eu objeto.
Rep r es en t a es s e ob jeto n ã o em t od os os s eu s a s p ect os , m a s
com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei
fundamento do representâmen (PEIRCE, 1990, p.46).
13
“A lógica ...com o ciên cia n or m a t iva [E s tét ica , É t ica , Lógica ou S em iót ica ], d eve-s e fu n d a r
na Fenomenologia” (PEIRCE apud IBRI, 1992, p.20).
25
O s ign o, n a ver d a d e, é u m p r oces s o. Des t a for m a , o s ign o é con ceb id o
como uma tríade (três registros lógicos interdependentes e indissociáveis que
for m a m u m a s ó u n id a d e): o s ign o ou r ep r es en t a m en (a r ep r es en t a çã o), o
ob jeto (o qu e o s ign o r ep r es en t a ) e o in t er p r et a n t e (o efeit o in ter p r et a t ivo, “o
algo para alguém”), demonstrada na representação gráfica seguinte.
Interpretante
Representamen
Objeto
Fig.1 – O signo em Peirce
As r ela ções en t r e es s es elem en t os ger a m t r ês r ela ções s ígn ica s :
s ign ifica çã o, ob jetiva çã o e in t er p r et a çã o. A s ign ifica çã o, r egid a p ela t eor ia
d a s p ot en cia lid a d es e lim it es d e s ign ifica çã o, r efer e-s e à n a tu r eza d o s ign o
em
s i, a o qu e lh e d á fu n d a m en t o p a r a fu n cion a r com o s ign o, s u a
p ot en cia lid a d e s ígn ica . E s s a ca p a cit a çã o b a s eia -s e n a n oçã o d e qu a lid a d e
(primeiridade) e determina três modos de constituição do signo. Esses podem
s er qu a li-s ign o (qu a n d o s e fu n d a m en t a n a t a lid a d e, qu a lid a d e in ter n a ,
in t r ín s eca , a b s t r a t iva ), s in -signo (qu a n d o s e a p óia n a exis t ên cia , qu a lid a d e
r ela t iva , en ca r n a d a , con cr etiva ) ou legi-s ign o (qu a n d o s e fir m a n a lei,
qu a lid a d e im p u t a d a , con ven cion a l, colet iva ). As s im , a p er cep çã o d e u m
b r ilh o, d e u m a lu z reflet id a , é u m a m er a qu a lid a d e (qu a li-s ign o), a o vin cu la r
esse brilho a um existente particular como um pingente de prata ela se torna
uma qualidade encarnada (sin-signo), sendo o brilho prateado comum a toda
jóia confeccionada em prata (legi-signo).
A ob jetiva çã o é a r ela çã o s ign o-ob jeto, a r efer en cia lid a d e, com o o s ign o
s e r efer e, r ep r es en t a o ob jet o, com o é d eter m in a d o p or es s e. S egu n d o Peir ce
(MS 339D apud SANTAELLA, 2000, p.38), “o objeto tem duas faces. O Objeto
Din â m ico é o Ob jet o Rea l [...]. O Ob jet o Im ed ia t o é o Ob jet o a p r es en t a d o n o
S ign o”. E s s a d ivis ã o d ecor r e d o ca r á t er vicá r io, s u b s t it u tivo d o s ign o, qu e
com o r ep r es en t a çã o n u n ca p od e s er o p r óp r io ob jeto, a p en a s r efer ir -s e a ele.
O ob jeto d in â m ico é o ob jeto em s u a t ot a lid a d e, com p let u d e in a ces s ível, e o
26
ob jeto im ed ia t o s e con fu n d e com o p r óp r io s ign o, é com o o ob jet o d in â m ico é
r ep r es en t a d o p elo s ign o. Com r ela çã o a o ob jeto, t r ês t r ía d es s e or igin a m ,
u m a p a r a com o ob jet o im ed ia t o (qu a n to à s u a ocor r ên cia ) e d u a s p a r a com
o ob jet o d in â m ico (qu a n t o à s u a n a t u r eza e m od o d e r ep r es en t a çã o). Des t a s ,
im p or t a
s ob r em a n eir a
n es t e
es t u d o
es t a
ú lt im a
r ela çã o
s ign o-objeto
d in â m ico qu e d et er m in a t r ês for m a s , a s p ect os d e r ep r es en t a çã o: o ícon e
(r ep r es en t a çã o b a s ea d a n a qu a lid a d e, n a s u ges t ã o p or s em elh a n ça ), o ín d ice
(r ep r es en t a çã o b a s ea d a
na
r ela çã o,
uma
in d ica çã o p or
con t igu id a d e,
con exã o d in â m ica ) e o s ím b olo (r ep r es en t a çã o p or con ven çã o, r es p a ld a d a
n u m a lei, h á b it o, cr en ça , n a colet ivid a d e). As s im , u m a fot ogr a fia é u m ín d ice
d o exis t en t e qu e r ep r es en t a (p ois h ou ve u m a con t igü id a d e fís ica qu e
ga r a n t iu o r egis t r o fot ogr á fico), p os s u i qu a lid a d es , s em elh a n ça s d a qu ilo qu e
registrou e pode ser incluída na categoria de um tipo de representação regida
por convenções (postura, enquadramento, tema...).
A in ter p r et a çã o, r ela çã o s ign o-in t er p r et a n t e, d es ign a os efeitos s ob r e o
in t ér p r et e, ger a n d o vá r ia s cla s s ifica ções . S egu n d o S a n t a ella (2 0 0 0 , p .8 2 -87
e p .9 4 -9 5 ), a s s im com o o ob jet o, o in ter p r et a n t e é d ivid id o, p od en d o s er
im ed ia t o (d es ign a n d o efeitos p ot en cia is : h ip ot ét ico, ca t egórico e r ela t ivo),
d in â m ico (d es ign a n d o efeitos
r ea lm en t e p r od u zid os
na
m en t e d e u m
in t ér p r et e) e in t er p r et a n t e fin a l (efeit os p len os , con tu d o in a t in gíveis a p en a s
con s id er a d os
en qu a n t o id ea is , a b s t r a t os , u m a
t en d ên cia ). Aqu i s er ã o
con s id er a d os os efeit os or igin a d os d a r ela çã o en t r e s ign o-interpretante
d in â m ico, n u m a s it u a çã o exis t en cia l. E s s es s ã o: in t er p r et a n t e em ocion a l
(b a s ea d o n a p r im eir id a d e, n a qu a lid a d e d e s en t im en t o, ger a n d o efeit os
s en s ór ios e em ocion a is ), in t er p r et a n t e en er gét ico (b a s ea d o n a s ecu n d id a d e,
em ju ízos p er cep t ivos leva n d o a efeit os r ea t ivos ) e in ter p r et a n t e lógico
(b a s ea d o
na
t er ceir id a d e,
no
con h ecim en t o
das
leis ,
d os
h á b it os ,
p os s ib ilit a n d o in fer ên cia s lógica s qu e d ep en d em d o r ep er t ór io d o in t ér p r et e).
Há u m vín cu lo d et er m in a n t e en t r e s ign ifica çã o, ob jet iva çã o e in t er p r et a çã o.
E s s a s com b in a ções p os s íveis exp r es s a m a d in â m ica d os s ign os or d en a d a
p ela s ca t egor ia s fa n er os cóp ica s . S a n t a ella (2 0 0 1 , p .5 3 ) a ler t a p a r a qu e “a
t ip ologia
d eve
s er
u sada
para
en r iqu ecer
o
en t en d im en t o
do
s ign o
27
p r ecis a m en t e a o a n a lis á -lo em t er m os d a s vá r ia s d im en s ões qu e a t ip ologia
fornece”.
Tod a a n á lis e é or ien ta d a p elo m od o d e ob s er va çã o d o s ign o, vis t o qu e,
o s ign o é p lu r a l, p olis s êm ico. O p on t o d e vis t a , o en foqu e, b a s ea d o n o
con t ext o, exp er iên cia cola t er a l com o ob jeto d in â m ico e r ep er t ór io d o
in t ér p r et e, ger a d ifer en t es in ter p r et a n t es . O ca r á t er vicá r io d o s ign o e a
lim it a çã o s ígn ica h u m a n a fa zem com qu e o ob jeto d in â m ico, d a d a à s u a
n a t u r eza d e com p let u d e, n u n ca s eja a t in gid o, es t eja ir r em ed ia velm en t e
p er d id o, em b or a s eja a vid a m en t e b u s ca d o, a s s im com o o in ter p r et a n t e fin a l,
p ois o s ign o n u n ca es got a r á o ob jeto. Nes s e p a r a d oxo r es id e a in ca n s á vel
b u s ca h u m a n a p elo con h ecim en t o, p ela on is ciên cia , qu e ger a m ú lt ip la s
leit u r a s . A cla s s ifica çã o s em iót ica exp os t a s er ve com o u m in s t r u m en t o
t eór ico lógico p a r a a r ea liza çã o d e u m a p os s ível leitu r a . Con for m e S a n t a ella
(2000, p.102),
a s t r icotom ia s p eir cea n a s d evem s er u s a d a s com o fer r a m en t a s
a n a lít ica s p or m eio d a s qu a is t r ês a s p ect os d ifer en t es d a
s em ios e p od em s er d is t in gu id os . E s s a s d is tin ções s ã o s em p r e
a p r oxim a t iva s e d ep en d en t es d o p on t o d e vis t a qu e o a n a lis t a
assume diante do signo.
As s im , a S em iót ica s er á u t iliza d a n es s a d is s er t a çã o n a a n á lis e d o
p r oces s o com u n ica tivo ger a d o p ela s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , en qu a n t o
s ign os es tét icos , n o con t ext o d os s écu los XVIII e XIX, d e s u a con s tr u çã o
(em is s ã o), u s o (veicu la çã o) à a çã o com o s ign o d e id en t id a d e cu lt u r a l
(recepção).
Considerando-s e a a r t e com o lin gu a gem , s egu n d o Ca la b r es e (1 9 8 6 ,
p.52),
a s em iót ica d a s a r t es n a s ce d a id éia d e qu e u m a ob r a
s ign ifiqu e a p a r t ir d e u m a es t r u tu r a com u n ica t iva in t er n a , e
qu e é s u a t a r efa r evelá -la . A s em iót ica d a a r t e p a r t e d o
p r es s u p os to d e qu e t a n t o a qu a lid a d e es t ética com o o ju ízo d e
va lor s ob r e a s ob r a s s ó p od em n a s cer d o ob jet o m a ter ia l qu e
a s p r óp r ia s ob r a s s ã o. Com efeit o, u m a ob r a p os s u i u m
u n iver s o d e s ign ifica d os s ecu n d á r ios qu e d ep en d em d a
codificação do gosto, da estratificação das leituras, da intenção
d o a r t is t a , n u m a p a la vr a , d a s u a in s er çã o n u m cir cu it o d o
saber.
28
Des s a for m a , é n eces s á r io r ela cion a r o con ceit o p eir cea n o d e s ign o a os
m od elos d e com u n ica çã o. O m od elo d e com u n ica çã o d e S h a n n on -Weaver
(fig.2 )
d es ign a
os
s egu in tes
elem en t os
fu n d a m en t a is
do
p r oces s o
com u n ica tivo: r em et en t e ou em is s or (qu em en via a m en s a gem ), d es t in a t á r io
ou r ecep t or (qu em r eceb e a m en s a gem ), m en s a gem (o qu e é com u n ica d o, o
enunciado), contexto ou referente (a que se refere a mensagem, o conteúdo, o
ob jeto d a m en s a gem ), cód igo 14 (a lín gu a , con ju n to d e s ign os e s u a s in t a xe, o
qu e t or n a a m en s a gem com u n icá vel), e ca n a l ou con t a t o (con exã o en t r e
emissor e receptor).
Contexto
Remetente ou Emissor --------------------Mensagem ------------------ Receptor ou Destinatário
Contato ou canal
Código
Fig.2 – Esquema do processo comunicativo (JAKOBSON, 1969, p.123)
A p a r t ir d es s e m od elo, o lin gü is t a r u s s o Rom a n J a k ob s on 15(1969,
p.122-1 2 9 ) d es en volveu a s u a t eor ia d a s fu n ções d e lin gu a gen s (fig.3 ).
S egu n d o ele, ca d a elem en t o, a ên fa s e em ca d a u m d eles , d et er m in a u m a
fu n çã o d e lin gu a gem p r ed om in a n t e. S ã o ela s : fu n çã o em ot iva ou exp r es s iva
(cen t r a d a n o em is s or , n a s u b jet ivid a d e); fu n çã o r efer en cia l (d es t a ca o
referente, a objetividade); função poética (a mensagem é o foco); função fática
(a ên fa s e é d a d a a o ca n a l); fu n çã o m et a lin gü ís tica (o d es t a qu e é o cód igo) e
função conativa ( o interesse é o receptor).
Referencial
Emotiva ------------------------------- Poética --------------------------------- Conativa
Fática
Metalingüística
Fig.3 – Esquema das funções de linguagem de Jakobson (1969, p.129)
14
“é o cód igo qu e a s s egu r a a com u n ica çã o en t re u m em is s or e u m recep t or ”(FE RRARA,
1 9 9 7 , p .6 ) e, p or t a n t o, r ege a con s t ru çã o d a m en s a gem , vis t o qu e “o s ign ifica d o é uma
r es u lt a n te d e u m m od o d e rep res en ta çã o, é con s eqü ên cia e vem em b u t id o n o p r óp r io m od o
de representação: uma íntima e indissociável aliança significante-significado” (idem, p.7)
15 Rom a n J a k ob s on (Mos cou , 1 8 9 6 -Bos t on , 1 9 8 2 ) foi u m d os fu n d a d ores d o Cír cu lo
Lin gü ís t ico d e Mos cou (1 9 1 5 -2 0 ), gên es e d os for m a lis t a s r u s s os , e d o Cír cu lo Lin gü ís t ico d e
Pr a ga (1 9 2 6 ). E m igr ou p a r a a Tch ek os lová qu ia e d ep ois p a r a os E s t a d os Un id os . S u a teor ia
linguística, com ênfase na semântica, dialoga com a Semiótica peirceana (JAKOBSON, 1969,
p.7-13).
29
A ên fa s e d o p r es en te t r a b a lh o es t á n a s fu n ções p oét ica e r efer en cia l,
dada
à
n a t u r eza
a r t ís t ica
d o ob jeto d e es t u d o e a o ob jet ivo d es t a
in ves tiga çã o, con for m e já exp os t o. Pa r a a leit u r a d o p r oces s o com u n ica t ivo
d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , o p r oces s o d e p r od u çã o d e s en tid o, o r ot eir o a
s er s egu id o é d a m a t er ia lid a d e s ígn ica , à r efer en cia lid a d e a t é os efeit os
interpretativos, ou seja, através das relações sígnicas.
A SIGNIFICAÇÃO – O “SIGNO EM SI”
Nes s e p r im eir o n ível es t a b elece-s e u m a leit u r a for m a l, m or fológica e
s in t á t ica d o t em a . Aqu i é a p r ecia d o o s ign o em s i, a s u a es t r u t u r a fís ica , a
for m a , o vis ível, a im a n ên cia qu e o t or n a com p r een s ível. A for m a fa la a os
sentidos, à percepção, ela materializa possibilidades de interpretação, origina
o en u n cia d o. Ru d olf Ar n h eim (1 9 7 1 , p .1 3 1 ) a ler t a p a r a qu e “a s for m a s
p er cep t u a is e p ictór ica s n ã o s ã o a p en a s a t r a d u çã o d os p r od u t os d o
p en s a m en t o, m a s o s a n gu e e a ca r n e d o p r óp r io p en s a m en t o”. E s s a a n á lis e,
es s en cia lm en t e d es cr it iva , com p r een d e os s egu in t es a s p ect os : m a t ér ia (s )p r im a (s ), t écn ica s d e execu çã o, for m a t o, com p os içã o, colora çã o, volu m e,
s olid ez,
m a s s a / p es o,
lu m in os id a d e,
t ext u r a ,
s on or id a d e,
p r op or çã o,
m ovim en to, r it m o, et c. “Os elem en t os vis u a is s ã o m a n ip u la d os com ên fa s e
ca m b iá vel p ela s t écn ica s d e com u n ica çã o vis u a l, n u m a r es p os t a d iret a a o
ca r á t er d o qu e es t á s en d o con ceb id o e a o ob jet ivo d a m en s a gem ” (DONDIS ,
1991, p.23).
Por m eio d es s a a n á lis e, ob jetivou -s e es t a b elecer u m a p os s ível s in t a xe
en t r e
os
elem en t os
ou
léxicos
d en t r o
das
p en ca s
de
b a la n ga n d ã s .
Considerando-s e qu e elem en tos is ola d os en u n cia d os ju n tos n ã o con s tit u em
u m d is cu rs o, p a r t iu -s e d a p r em is s a d a exis tên cia d e u m a or ien t a çã o d e
s en t id o n a r eu n iã o d os elem en tos , p ois “a r ep r es en t a çã o fin a l é s em p r e u m a
es colh a r ea liza d a n u m con ju n t o d e es colh a s p os s íveis ” (ANDRADE , 1 9 9 4 ,
p .4 ). E s s a or ien t a çã o p od e s er in d ica d a p ela r egu la r id a d e n a in cid ên cia d e
algu n s elem en t os , ver ifica d a a t r a vés d e u m leva n t a m en t o qu a n t it a t ivo d e
ca d a u m d eles e cor r ela çã o n o u n iver s o d os 2 7 exem p la r es es t u d a d os . Além
d is s o, d ia n t e d a im p os s ib ilid a d e d e es t a b elecer -s e a a u t or ia d e t od a s a s
30
p eça s , p ois a m a ior ia n ã o t r a z m a r ca s , efetuou-s e a p es qu is a d a s m a r ca s d e
en s a ia d or es e ou r ives id en tifica d os . Qu a n t o à con fecçã o, for a m es t u d a d a s a s
t écn ica s d e joa lh er ia e ca r a ct er ís t ica s d a p r in cip a l m a t ér ia -p r im a : a p r a t a ,
bem como os estilos encontrados.
Ain d a n o a s p ect o for m a l, es t a b eleceu-s e u m a a n á lis e com p a r a t iva d a s
p en ca s d e b a la n ga n d ã s , s in gu la r p eça d e ou r ives a r ia b a ia n a , r ela cion a n d oa s a antigas e tradicionais jóias mágicas.
A OBJETIVAÇÃO – A RELAÇÃO SIGNO OBJETO
“O s ign o es t ét ico, com o qu a lqu er s ign o, n ã o t r a z em s i o p r ivilégio d e
p r es cin d ir d e u m r efer en t e, d e u m ob jeto d o qu a l ele fa z s ign o e o
r ep r es en t a ” (MACE DO, 1 9 9 6 , p .1 1 2 ). A r efer en cia lid a d e, a r ela çã o s ign oob jeto, é m a r ca d a p ela con text u a liza çã o. As qu es t ões a qu i s ã o com o a
m en s a gem é r ep r es en t a d a , com o s e in s er e n a con cep çã o d e u m d et er m in a d o
con t ext o
e
com o
s eu s
elem en t os
in t er a gem .
Requ er ,
p or t a n t o,
uma
a b or d a gem a t r a vés d a h is t ór ia d a a r t e e d a s m en t a lid a d es . S egu n d o
Gom b r ich (1 9 8 6 , p .7 8 ), “a for m a d e u m a r ep r es en t a çã o n ã o p od e es t a r
d ivor cia d a d a s u a fin a lid a d e e d a s exigên cia s d a s ocied a d e n a qu a l a
lin gu a gem vis u a l d a d a t em cu r s o”. A r ela çã o d e r ep r es en t a çã o s ó é p os s ível
d e s er en ten d id a d en t r o d e u m con t exto. Por is s o, r econ s tr u ir -s e o qu e foi
denominado Con tex to s im b ólico d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , p os s ib ilit a
m a p ea r o t em p o-es p a ço e a s cr en ça s d a ép oca . Des t a for m a , é p os s ível
id en t ifica r os elem en t os e vin cu lá -los à s t r a d ições cu lt u r a is e a r t ís t ica s à s
quais pertencem.
“A a r t e, d a m es m a for m a qu e a s d em a is a t ivid a d es cr ia t iva s d o
h om em , é r eflexo e r efr a çã o d e s eu t em p o e d a s cir cu n s t â n cia s m a t er ia is ,
m or a is , e econ ôm ica s , s ocia is e es p ir it u a is qu e o en volvem ” (OLIVE IRA,
1987, p.65). Considerando-se que todo signo cultural é social e ideológico, “o
s en t id o” d o s ign o “é t ot a lm en t e d et er m in a d o p or s eu con text o. De fa t o, h á
t a n t a s s ign ifica ções p os s íveis qu a n t os con t extos p os s íveis ” (BAKHTIN, 1 9 9 9 ,
31
p.106)16. Por t a n t o, t r a b a lh a n d o com u m r ecor t e es p ecífico, S a lva d or n os
s écu los XVIII e XIX, é im p r es cin d ível r ea liza r u m a con t ext u a liza çã o h is tór ica
p a r a t en t a r a p on t a r o s ign o em s eu con t ext o. A r efer en cia lid a d e, n o ca s o d os
s ím b olos , com o a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , é u m a con s t r u çã o cu lt u r a l d a í “o
signo e a situação social em que se insere estão indissoluvelmente ligados. O
s ign o n ã o p od e s er s ep a r a d o d a s it u a çã o s ocia l s em ver a lt er a d a s u a
natureza semiótica” (idem, p.62).
Além d a con t ext u a liza çã o h is t ór ica , u m a ou t r a r efer ên cia in icia l
im p or t a n t e a s er con s id er a d a é a a n á lis e et im ológica , a n om in a çã o d o s ign o.
A et im ologia é u m a eficien t e fer r a m en t a p a r a r a s t r ea r a or igem , exp a n s ã o e
s em â n t ica d os a r t efa t os , p ois “a s d en om in a ções n ã o s ã o ca s u a is . E la s
ca r r ega m
s ign ifica d os ”
(S ANTAE LLA,
1994b,
p .3 0 ).
Ou t r o
vín cu lo
d et er m in a n t e é a id eologia . Nes t e ca s o es p ecífico d ois fa t or es s ã o r eleva n t es :
a es t r u t u r a d a s ocied a d e e s u a s cr en ça s . A es t r u t u r a d a s ocied a d e es t u d a d a
p od e s er d es cr it a a t r a vés d a p es qu is a h is t ór ica , m a s o qu e lh e con fer e vid a é
a
id eologia .
Con s id er a n d o-s e
a
n a t u r eza
p er ifér ica ,
“m a r gin a l” e
de
r eligios id a d e p op u la r d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , h á u m a a p r oxim a çã o com
o m ét od o in d iciá r io d o h is t or ia d or Ca r lo Gin zb u rg n a p es qu is a e a n á lis e
h is t ór ica . Gin zb u r g tr a b a lh ou , n a It á lia , com a m icr o-h is tór ia , en foca n d o a s
h er es ia s e con figu r a ções cu ltu r a is a lt er n a t iva s , com o a feit iça r ia e cu ltos d e
fer t ilid a d e (o ca s o d os Benandanti). At r a vés d a d ocu m en t a çã o oficia l, ele
r ecolh eu in d ícios p a r a a a n á lis e d e t em a s m a r gin a is , com o é in t en t a d o n es t a
pesquisa.
As p en ca s d e b a la n ga n d ã s t r a zem u m ca r á t er m á gico a o qu a l s e
r efer em , é o va lor a t r ib u íd o a ela s . Ma gia é u m t er m o u t iliza d o a qu i n o
s en t id o d e cr en ça n ã o in s t itu cion a liza d a , m a r ca d a p elo “fetich is m o”17. Ou
s eja , u m a cr en ça em for ça s t r a n s cen d en tes qu e a t u a m n o m u n d o e n a vid a
d os h om en s e a p os s ib ilid a d e d a a çã o h u m a n a in ter fer ir n es s e p r oces s o. A
16
Nes t a cit a çã o e n a p r óxim a u t iliza d a n es s e p a r á gr a fo, Ba k h t in refere-s e es p ecifica m en te à
p a la vr a , a o s ign o ver b a l. S en d o es te u m s ím b olo, a p lica m os s u a con ceit u a çã o a o s ign o, ou
melhor, ao símbolo em geral, no caso, o visual.
17 Nes s a rela çã o, s ign o e ob jet o fu n d em -s e, n u m a a çã o d e t r a n s u b s t a n cia çã o, in cor p or a çã o,
a rep res en t a çã o e o qu e é rep res en t a d o con fu n d em -s e. A a çã o m á gica p r es s u p õe qu e d es d e
a em is s ã o (con s t r u çã o d e a m u letos , t a lis m ã s , en u n cia d os m á gicos ) a t é a r ecep çã o (uso,
efeitos pretendidos) essa premissa seja aceita.
32
m a gia va i d e en con t ro a o ju go d os d eu s es . É u m a fer r a m en t a s im b ólica d e
ação humana, uma tentativa de controle do destino. O antropólogo James G.
Fr a zer , n o livr o O ra m o d e ou ro, p u b lica d o p ela p r im eir a vez em 1 8 9 0 ,
r ea lizou u m m on u m en t a l leva n t a m en t o d e cr en ça s m á gica s d e diversas
p a r t es d o m u n d o. De s eu es t u d o, é p os s ível r ecolh er p r ecios a s r efer ên cia s e
s e a d ot a r a s u a cla s s ifica çã o d e m a gia . Pa r a ele, t od a m a gia é s im p á t ica e
p od e s er d ivid id a em d ois r a m os : m a gia h om eop á t ica (r egid a p ela lei d a
s im ila r id a d e) e m a gia p or con t á gio (r egid a p ela lei d o con t a t o). S egu n d o
Frazer (1982, p.34),
s e a n a lis a rm os os p r in cíp ios lógicos n os qu a is s e b a s eia a
m a gia , p r ova velm en t e con clu ir em os qu e eles s e r es u m em em
d ois : p r im eir o, qu e o s em elh a n t e p r od u z o s em elh a n t e, ou qu e
u m efeit o s e a s s em elh a à s u a ca u s a ; e, s egu n d o, qu e a s cois a s
qu e es t iver a m em con t a t o con t in u a m a a gir u m a s s ob r e a s
ou t r a s , m es m o à d is t â n cia , d ep ois d e cor t a d o o con t a t o fís ico.
Ao p r im eir o p r in cíp io p od em os ch a m a r lei d a s im ila r id a d e, a o
segundo, lei do contato ou contágio.
Nu m a
p er s p ect iva
s em iót ica
da
m a gia ,
es s a
é
uma
r ela çã o
semântica18, r ela çã o s ígn ica d e ob jet iva çã o. Win fr ied Nöt h (1 9 9 6 , p .3 8 ), a
p a r t ir d a cla s s ifica çã o d e Fr a zer , a n a lis ou es s a s d u a s ca t egor ia s com o m a gia
icôn ica e m a gia in d icia l e a cr es cen t ou o qu e d en om in ou m a gia s im b ólica ,
a qu ela qu e “p od e s e b a s ea r em s ign os a r b it r á r ios , e, a lgu m a s vezes , m es m o
em s ign os es p ecia lm en t e cod ifica d os . E s t es s ign os m á gicos s ã o s ím b olos em
sua relação com o objeto”.
A INTERPRETAÇÃO – A RELAÇÃO SIGNO INTERPRETANTE
“Todo entender é um interpretar, e toda interpretação se desenvolve no
m eio d e u m a lin gu a gem qu e p r et en d e d eixa r fa la r o ob jeto e qu e é a o m es m o
t em p o a lin gu a gem p r óp r ia d o s eu in t ér p r et e” (GADAME R, 1 9 9 9 , p .4 6 7 ).
Com o foi exp licit a d o, o r ecor t e d e a n á lis e r efer e-s e à S a lva d or s et ecen tis t a e
oit ocen t is ta , p or t a n t o, a os p os s íveis efeit os in t er p r et a t ivos ca u s a d os p ela s
18
“No s en t id o m a is es t reito, a d im en s ã o s em â n t ica d a s em iótica es t u d a a r ela çã o en t r e o
s ign o e s eu ob jet o. Na d im en s ã o s em â n t ica d a m a gia , a rela çã o en tr e os s ign os qu e
exp res s a m u m con teú d o m á gico e o efeit o p r á tico qu e s u p os t a m en te r es u lt a d a s em ios e
mágica têm que ser analisados” (NÖTH, 1996, p.38).
33
pencas de balangandãs em seu tempo histórico. Para que ocorra esta leitura,
pretende-s e r es ga t a r a m en t a lid a d e d a ép oca , a s in flu ên cia s cu lt u r a is a qu e
p r in cip a lm en t e a s “n egr a s d e r u a ” es t a va m exp os t a s , ves t ígios u s a d os n a
(r e)con s t r u çã o d e u m r ep er t ór io d e leitu r a , con h ecim en t o d e u m a s im b ólica
específica.
Nes t e n ível, p r ocu r a -s e es t a b elecer a es t r a t égia vit a l d e fu n cion a m en t o
d o s ign o, com o e qu em u s a va a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , p or qu a is m otivos
e qu e m en s a gem p r ocu r a va em it ir . E s s a qu es t ã o vin cu la -s e à or igem d a s
p en ca s d e b a la n ga n d ã s e à qu es t ã o id eológica qu e p os s ib ilit a va a s u a
existência.
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Esse trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro, denominado O
con te x to s im b ólico d a s pen ca s d e b a la n ga n d ã s , vis a con t ext u a liza r o ob jet o
d e p es qu is a , s it u a n d o-o n o t em p o e es p a ço, d es cr even d o o cen á r io e tip os d e
p er s on a gen s en volvid os . Pr ocu r a -s e r econ s t r u ir a a m b iên cia qu e t or n ou
p os s ível a exis t ên cia , a a çã o d o s ign o, s er vin d o d e in t r od u çã o a o t em a . No
s egu n d o ca p ít u lo, O s ign o e m s i: a coleçã o d o Mu s eu Ca rlos Cos ta Pin to,
procede-s e à a n á lis e d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s a p a r t ir d os exem p la r es
exis t en t es
n o a cer vo, a
a n á lis e d o s ign o em
s i, r ea liza n d o-s e u m a
desconstrução de seus elementos. Por fim, o último capítulo, A construção do
signo, t em o ob jet ivo d e efet u a r r evis ã o b ib liogr á fica s ob r e o t em a , h is t or ia r a
p r od u çã o en con t r a d a s ob r e o a s s u n t o, leva n t a r r egis t r os icon ogr á ficos e
b ib liogr á ficos qu e in d iqu em o u s o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , in ves t iga r
p os s íveis r ela ções / in flu ên cia s e for m a d e con s t r u çã o, b u s ca n d o r a s t r ea r
in flu ên cia s cu ltu r a is ext er n a s , s eu s p er cu r s os , es t a b elecer s em elh a n ça s
temáticas e morfológicas.
34
1. CONTEXTO SIMBÓLICO DAS PENCAS DE BALANGANDÃS
“Tu d o p a re ce n egro: n egros n a p ra ia , n egros n a cid a d e, n egros n a
p a rte b a ix a , n egros n os b a irros a ltos . Tu d o qu e corre, grita , tra b a lh a ,
tudo que transporta e carrega é negro”
Avé-Lallemant19
1.1. Salvador nos séculos XVIII e XIX
Fig.4 - Vis t a d a Ba h ia – Pa s s eio Pú b lico d e S a lva d or . Ab r a h a m Buvelot
(1814-1 8 8 8 ). Óleo s ob re tela , s éc. XIX. Col. Bea t r iz e Ma rio Pim en t a
Camargo. Fonte: AGUILLAR, 2000c, p. 201
S a lva d or , a t é m ea d os d o s éc. XVIII, foi a s ed e a d m in is t r a t iva , p olít ica ,
econ ôm ica , r eligios a e cu ltu r a l d o Br a s il. Foi a p r im eir a ca p it a l b r a s ileira ,
fu n d a d a , em 1 5 4 9 , p or Th om é d e S ou za , en via d o d a Met r óp ole p or t u gu es a
p a r a s er o 1 º Gover n a d or -Ger a l d o Br a s il Colôn ia . Qu a n d o o Br a s il t ornous e Vice-Rein o (1 7 1 4 ), m a n t eve-s e com o s ed e a t é 1 7 6 3 20. A s u a p r ivilegia d a
p os içã o geogr á fica 21, con s olid ou -a com o o p r in cip a l p or t o com er cia l d o
19
Avé-Lallemant (1961, p.20). Comentário do médico alemão Robert Christian Berthold AvéLallemant (1812-1884), viajante oitocentista, quando esteve na Bahia em 1859.
20 E m 1763, a capital do Brasil foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro (MATTOSO,
1992, p.79).
21 Localiza-se no centro da extensa costa marítima brasileira (LAPA, 1968, p.2).
35
At lâ n t ico S u l22, p a r a d a ob r iga t ór ia d a s n a u s p or t u gu es a s vin d a s d o Or ien t e
ca r r ega d a s com os va lios os e cob iça d os p r od u tos exót icos (es p ecia r ia s ,
p or cela n a , s ed a , et c), em d ir eçã o à E u r op a (LAPA, 1 9 6 8 , p .1 3 9 -4 0 ). O Pa ct o
Colonial23 ga r a n t ia a Por t u ga l o m on op ólio d e com ér cio com a s u a colôn ia
b r a s ileir a . E con om ica m en t e, er a o a çú ca r o p r in cip a l p r od u t o d e exp or t a ção
d o Br a s il, t ã o b em a d a p t a d o a o m a s s a p ê d o Recôn ca vo Ba ia n o. Pa r a
ga r a n t ir es s a p r od u çã o, for a m im p or t a d os , com o m ã o-de-ob r a , es cr a vos
a fr ica n os d es d e o s éc. XVI. Devid o à gr a n d e d em a n d a , o t r á fico d e es cra vos
tornou-se a mais lucrativa atividade econômica até meados do séc. XIX.
É p os s ível ca r a ct er iza r S a lva d or s et ecen t is t a e oit ocen t is t a com o u m a
s ocied a d e s en h or ia l, es cr a vocr a t a , p a t r ia r ca l, viven d o em fu n çã o d o s eu
porto24. Nos ext r em os d es t e qu a d r o es t a va m o s en h or d e en gen h o e o
es cr a vo. A p a r t ir d e cr it ér ios econ ôm icos 25 e d e p r es t ígio s ocia l e p od er ,
Mattoso (1992, p.596-99) traçou uma estratificação social dividida em quatro
gr u p os . No á p ice es t a r ia a elit e d a s ocied a d e b a ia n a en glob a n d o a lt os
fu n cion á r ios d o E s t a d o e d o cler o s ecu la r , os gr a n d es p r op r iet á r ios d e t er r a s
(s en h or es d e en gen h o e p ecu a r is t a s ), gr a n d es n egocia n t es e oficia is m ilit a r es
d e a lt a s p a t en t es . O s egu n d o gr u p o r eu n ir ia fu n cion á r ios d e n ível m éd io d o
E s t a d o e d a Igr eja , oficia is m ilit a r es , a lgu n s com er cia n t es e p r op r iet á r ios
rura is , p r ofis s ion a is lib er a is , p es s oa s qu e vivia m d e r en d a s e m es t r es a r t es ã os em ofícios con s id er a d os n ob r es . O t er ceir o gr u p o s er ia com p os t o
p or fu n cion á r ios p ú b licos e m ilit a r es d e b a ixo es ca lã o, p r ofis s ion a is lib er a is
d e p ou co p r es t ígio (s a n gr a d or es , b a r b eir os , p ilot os d e b a r cos , m ú s icos ),
a r t es ã os e com er cia n t es d a s ru a s (on d e p r ed om in a va m os a lfor r ia d os ). No
qu a r t o gr u p o es t a r ia m os es cr a vos , os m en d igos , os va ga b u n d os e a s
22
Segundo Albuquerque (1999, p.93), “Salvador tornou-se conhecida como o ‘porto do
Brasil’ em documentos coloniais”.
23 O Pa ct o Colon ia l é a ca r a cter ís t ica fu n d a m en ta l d o a n t igo S is tem a Colon ia l. E le é d efin id o
p ela exclu s ivid a d e, m on op ólio com er cia l d a m etr óp ole s ob re a (s ) colôn ia (s ). Des ta for m a ,
“t od a a t ivid a d e econ ôm ica colon ia l s e or ien ta r á s egu n d o os in teres s es d a b u r gu es ia
comercial da Europa” (NOVAIS, 1984, p.49), da produção ao comércio.
24 E , p or t a n t o, “s u jeit a à s flu t u a ções d a s ofer t a s d e u m m er ca d o in ter n a cion a l ca p r ich os o, a
u m a p r od u çã o d e gên eros d e exp or t a çã o s em p r e p reju d ica d a p ela m á qu a lid a d e d os
transportes, a um abastecimento difícil e insuficiente” (MATTOSO, 1997, p.145).
25 Os cr itér ios econ ôm icos d e Ma t tos o b a s eia m -s e n os d a d os s ob r e recu r s os a n u a is d os s ete
gr u p os s ocia is d is t in gu id os p or Vilh en a (1 9 6 9 , v.1 , p .5 5 -5 6 ) n o s éc.XVIII: m a gis t r a d os e
fu n cion á r ios d a s fin a n ça s , cor p or a çã o ecles iá s t ica , cor p or a çã o m ilit a r , cor p o d os
comerciantes, povo nobre, povo dos artesãos e escravos.
36
p r os t it u t a s . Ap es a r d a s d ificu ld a d es econ ôm ica s , lega is e p r econ ceit os
raciais, a m ob ilid a d e s ocia l er a p os s ível, t a n t o h or izon t a l (d en t r o d os gr u p os )
quanto verticalmente (entre grupos). Entretanto, segundo Reis (2003, p.29),
es s a r ela t iva p er m ea b ilid a d e d a es t r u t u r a s ocia l n ã o n os d eve
fa zer es qu ecer o ca r á t er es cr a vis ta d a s ocied a d e b a ia n a , com
m ilh a r es d e s eu s h a b ita n t es n a con d içã o d e p r op r ied a d e lega l
d e ou t r os in d ivíd u os , e em qu e ra cis m o e in t oler â n cia ét n icocu lt u r a l d es em p en h a va m u m p a p el im p or t a n t e n a d efin içã o d e
quem devia obedecer e quem devia mandar.
1.2. A População negra
A m a ior p a r t e d a m ã o-de-ob r a a t iva n o Br a s il, n a s m a is d ifer en t es
a t ivid a d es , er a n egr a .
Na Ba h ia d os s écu los XVIII e XIX, a m a ior ia d a
p op u la çã o er a for m a d a p or n egr os e m u la t os , es cra vos ou livr es . No s écu lo
XVIII correspondiam a 2/3 da população e no primeiro quartel do século XIX
ch ega va m a 3 / 4 (MATTOS O, 1 9 9 2 , p .8 6 ). E les t r a b a lh a va m n a la vou r a ,
execu t a va m t a r efa s d om és t ica s e n a s cid a d es r ea liza va m u m a s ér ie d e
t a r efa s com o n egr os a o ga n h o 26, com er cia liza n d o m er ca d or ia s ou ofer ecen d o
s eu s s er viços n a s r u a s (idem, p .5 3 7 -5 3 8 ). Na ca p it a l, S a lva d or , em 1 8 0 8 os
n egr os e m u la t os com p r een d ia m 7 8 ,3 % d a p op u la çã o, s en d o 4 3 % livr es e
3 5 ,3 % es cr a vos , e em 1 8 7 2 er a m 7 2 ,4 %, s en d o 6 0 ,2 % livr es e 1 2 ,2 %
escravos (idem, 1988, p.22).
26
O es cr a vo a o ga n h o rep r es en t a u m a n ova fa ce d a es cr a vid ã o. “Coloca r n o ga n h o es cr a vos
deveria representar uma grande oportunidade de lucros, pois o senhor, além de livrar-se dos
cu s t os d o s u s ten t o d es te es cr a vo, m u it a s vezes a in d a er a m a n t id o p elo tr a b a lh o d es te n a s
r u a s d a cid a d e. E s te in ves t im en t o fa zia -s e a ces s ível a té p a r a a s fa m ília s p ob r es , qu e t in h a m
esses negros às vezes sua única fonte de renda.
E s s es es cr a vos p a s s a va m o d ia n a s r u a s a lu ga n d o os s eu s s er viços , com a ob r iga çã o d e
en t rega r a os s eu s s en h or es u m a qu a n t ia d iá r ia ou s em a n a l p r ees t a b elecid a . O exced ente
p er ten cia a o es cr a vo, qu e o u t iliza r ia d a m a n eir a qu e m elh or lh e in teres s a s s e, n ã o ob s t a n te
s er es t a s itu a çã o con t r a d it ór ia a o s is tem a es cr a vis t a , qu e p r oib ia a ele (es cr a vo), n a
con d içã o d e p r op r ied a d e, p os s u ir b en s ” (S ILVA, 1 9 8 8 , p .2 1 ). Com r ela çã o a es s a s it u a çã o, o
p r ojet o d e J os é Bon ifá cio d e An d r a d e e S ilva d e 1 8 2 3 , p u b lica d o em 1 8 2 5 , ga r a n t ia , en tre
ou t r os b en efícios a os ca t ivos , “a p r op r ied a d e d o p ecú lio d o es cr a vo, p er m it in d o-lh e h er d a r e
deixar por sua morte o que possuísse” (MORAES, 1986, p.33).
37
Qu a n t o à
p r oced ên cia , os
n egr os
d ivid ia m -s e em
a fr ica n os , os
n a s cid os n a Áfr ica , e em cr iou los , os n a s cid os n o Br a s il27. A con d içã o
ju r íd ica d os n egr os e m u la t os com p r een d ia t r ês ca t egor ia s : es cr a vo, for r o e
livr e. O es cr a vo er a
p r op r ied a d e, b em
m óvel, m ã o-de-ob r a
d os
s eu s
senhores, qu e p od ia m “a lu ga r , em p r es t a r , ven d er , d oa r , a lien a r , lega r ,
hipotecar e dá-lo em usufruto” (MATTOSO, 2001, p.182). Forro ou liberto era
o ex-es cr a vo qu e ob t in h a
a lfor r ia
(m a n u m is s ã o, lib er t a çã o), m ed ia n t e
com p r a d e s u a lib erd a d e (p or ele ou ou tr os ) ou fa vor d e s eu s en h or (a ). Livr e
er a o n a s cid o s ob es s a con d içã o, filh o d e p a i e m ã e livr es ou lib er t os ,
a fr ica n os ou cr iou los 28. Con for m e Ká t ia Ma t t os o (idem, p .1 3 2 ) d es t a ca , “a
m es t iça gem e a m a n u m is s ã o con fer em or igin a lid a d e a o Br a s il d os s écu los
XVII, XVIII e XIX”. Con t u d o, a con d içã o ju r íd ica n ã o a lt er a a s r ela ções d e
p od er e s ob o r egim e es cr a vis t a , n egr os e m es tiços d evia m s em p r e s er
submissos aos brancos.
Além d a d ifer en cia çã o ju r íd ica , qu e im p lica va n u m d et er m in a d o status
s ocia l, h a via a d ifer en cia çã o p ela a t ivid a d e execu t a d a e p ela etn ia . O tip o d e
t r a b a lh o d et er m in a va u m a h ier a r qu ia d e fu n çã o. S egu n d o Oliveir a (1 9 7 9 ,
p.47-5 9 ), os es cr a vos e a m a ior ia d os lib er t os 29 es t a va m d is t r ib u íd os n u m a
ordem ascendente em quatro categorias de trabalho:
1. Oc u paç õ e s
ca r r ega d or es ,
m an u ais
n ão
es t iva d or es ,
qu alific adas .
cop eir os ,
Com p r een d ia m
s er ven t es
e
os
r em a d or es .
S egu n d o S ilva (1 9 8 8 , p .3 4 ), qu a n t o a os ca r r ega d or es 30 (fig.5 ), a s
m a is d es p r ezíveis a t ivid a d es er a m a d e ca r r ega r lixo e excr em en t os
27
E xis t ia m n o Br a s il t a m b ém os es cr a vos vin d os d e Por t u ga l, d it os ca t ivos “d o Rein o, d e
Por t u ga l, Rein ol, e, m a is r a r a m en te, d e Lis b oa e d o Alen tejo” (VE NÂNCIO, 2 0 0 0 , p .2 1 3 ).
E s s es es cr a vos p od ia m s er a fr ica n os ou cr iou los d e Por t u ga l. S u a p res en ça é ín fim a e n ã o
foi identificado qualquer estudo sobre sua existência na Bahia.
28 Ta m b ém era m con s id er a d os livr es os emancipados, qu e era m os a fr ica n os a p r een d id os
em navios negreiros após a proibição do tráfico negreiro (SILVA, 2003, p.157) com a Lei de 7
de n ovem b r o d e 1 8 3 1 (MORAE S , 1 9 8 6 , p .3 4 ) e os in gên u os , filh os d e m u lh er es cr a va ,
nascidos livres a partir da Lei do Ventre Livre de 1871 (REIS, 2001, p.137).
29 Ao lib er t o gera lm en te ca b ia r ea liza r “a s m es m a s ta refa s qu e qu a n d o es cr a vo, com p et in d o
com os d em a is p ela s es ca s s a s ch a n ces oferecid a s ” (OLIVE IRA, 1 9 7 9 , p .7 6 ). Um a ca t egor ia
p r ivilegia d a d e lib er t os , qu a n d o reu n ia p ecú lio s u ficien te, a d qu ir ia es cr a vo(s ) e vivia d a s
r en d a s fr u t o d o t r a b a lh o d es te(s ) com o ga n h a d or es ou a lu ga d os p ois “a vid a d e ca tiveir o
en s in a r a a o lib er t o qu e s er livre era s er s en h or e s er s en h or er a p os s u ir es cr a vos qu e
trabalhavam para si” (idem, p.80).
30 Os carregadores são chamados de Cangueiros por Debret (1940, v.1, p.231)
38
(tigre)31, a t ivid a d e d es ign a d a a os p r is ion eir os e n egr os b oça is 32.
Ha via os ca r r ega d or es d e á gu a , os a gu a d eir os . Os d a Alfâ n d ega ,
qu e
a t u a va m
n os
r em u n er a d os . E
os
a r m a zén s
e
p or to,
qu e t r a n s p or t a va m
er a m
os
p es s oa s
m a is
em
b em
r ed es
e
cadeirinhas eram os de maior status.
2. Ocupações m an u ais s e m i-qualificadas. E n con t r a m -s e n es ta s a
m a ior ia d os es cr a vos d om és t icos (com o s er á vis t o a s egu ir ) e os
ven d ed or es qu e m er ca d eja va m em casa33 e a m b u la n t es 34(fig.5).
Nesse grupo estão em sua maioria mulheres.
3. Oc u paç õ e s m an u ais qu alific adas . E r a m con h ecid os com o ofícios
mecânicos35.
Esse
gr u p o
r ep r es en t a va
uma
mão
de
ob r a
es p ecia liza d a . As p r in cip a is a tivid a d es exer cid a s p elos es cr a vos n o
s écu lo XVIII er a m b a r b eir o, s a p a t eir o (fig.6 ) e a lfa ia t e (FLE XOR,
1 9 7 4 , p .6 0 ). “A s ob r evivên cia d e u m es cr a vo [e d e u m n egr o livr e
ou
lib er t o] es t a va
liga d a
r ep r es en t a r ia p a r a o s eu
à
su a
qu a lifica çã o in d ivid u a l, qu e
p r op r iet á r io m a ior p os s ib ilid a d e d e
obtenção de renda imediata e ao escravo a garantia da manutenção
de sua atividade” (SILVA, 1988, p.34).
4. Oc u paç õ e s n ão manuais. E n glob a va m u m a p equ en ís s im a p a r cela
d os es cr a vos e a elit e d os lib er t os . E r a m os p r op r iet á r ios e
a d m in is t r a d or es d e n egócios p r óp r ios , qu e ia m d a p os s e d e
escravos a roças, tendas de barbeiros e quitandas.
31
Com o n ã o h a via s er viço d e es got a m en t o, os excrem en t os era m t r a n s p or t a d os em barris
denominados tigres para despejo em lugares determinados na cidade.
32 Boça l é o es cr a vo r ecém -ch ega d o d a Áfr ica e d es con h eced or d a lín gu a d o p a ís
(FUNDAÇÃO CULTURAL DO ESTADO DA BAHIA, 1996, p.285)
33 Acrescentou-s e à cla s s ifica çã o or igin a l os ven d ed ores qu e m er ca d eja s s em em ca s a , ou
seja, em estabelecimento fixo, denominados na época de vendeiros.
34 Ch a m a d o t a m b ém d e rega teir os . No livr o Ma r ia Du s á , ed it a d o em 1 9 1 0 , Lin d olfo Roch a
(1980, p.32) cita as “pretas de tabuleiro” vendendo “pão-de-ló e manuê”.
35 S egu n d o o Regu la m en to d e 2 0 d e a gos t o d e 1861, os n egr os (d en om in a d os africanos)
livr es , lib er tos ou es cr a vos p od ia m exer cer os s egu in tes ofícios m ecâ n icos : a b r id or , a r m eir o,
a lfa ia te, a s fa lteir o, b a r b eir o, cr a va d or , ca ld eir eir o, cor on h eir o, cor reeir o, ch a p eleir o,
ca b eleireir o, ch a r u teir o, ca r a p in a , ca r p in teir o, cor d oeir o, ca la fa te, ca lceteir o, ca n teir o,
ca voqu eir o, cu r t id or , d ou r a d or , es p in ga r d eir o, es cu ltor , en t a lh a d or , en ca d ern a d or ,
em p a lh a d or , en vern iza d or , fer r a d or, fer reir o, fu n ileir o, fogu eteir o, la p id á r io, la vr a n te,
la t oeir o, livr eir o, m a r cen eir o, ou r ives , p in tor , p olieir o, p ed r eir o, relojoeir o, s er r a lh eir o,
s ir gu eir o, s u r r a d or , s eleir o, s egeir o, s a p a t eir o, s er r a d or , t in t u reir o, tecelã o, t or n eir o,
t a m a n qu eir o, t a n oeir o, vid r a ceir o (FUNDAÇÃO CULTURAL DO E S TADO DA BAHIA, 1 9 9 6 ,
p.298)
39
Fig.5 - Ven d ed or a d e qu it u tes e ca r r egador.
An ôn im o. Aqu a rela , gu a ch e e t in t a fer r ogá lica , c.
1829. Col.Particular. Fonte: ARAÚJO, 2002. p.42
E vid en t em en t e,
es s a
não
é
uma
Fig.6 - S a p a t a r ia . J . B. Deb ret . 1 8 3 4 -39.
Lit ogr a fia color id a a m ã o. Col. Pa r t icu la r .
Fonte: AGUILAR, 2000b, p.106
cla s s ifica çã o
r ígid a ,
es t á t ica .
Con for m e a d em a n d a , os n egr os execu t a va m a s fu n ções n eces s á r ia s . Os
es cr a vos a gr icu ltor es e cr ia d ores d e a n im a is p od ia m fa zer o t r a n s p or t e d a
p r od u çã o e com er cia liza r a s m er ca d or ia s n a cid a d e. Ta m b ém “u m a es cr a va
podia fazer serviço doméstico, vender comidas e bebidas nas ruas e costurar”
(KARAS CH, 2 0 0 0 , p .2 6 0 )36. A es p ecia liza çã o d o s er viço es cr a vo er a r egr a n a s
fa m ília s a b a s t a d a s qu e con t a va m com u m a gr a n d e qu a n t id a d e d e cr ia d os ,
s ím b olo d e s u a s u p er ior id a d e econ ôm ica . A h ier a r qu ia d es s a cr ia d a gem
d om és t ica (fig.7 ) t in h a n o s eu t op o a figu r a d a s m u ca m a s 37, “a s cr ia d a s
p es s oa is r ica m en t e ves t id a s d os a b a s t a d os ” (idem, p .2 8 6 ). S egu ia -s e a a m a de-leite, a es cr a va qu e a m a m en t a va 38 os filh os d os s eu s s en h or es e m u it a s
vezes os cr ia va m com o a m a s . Acom p a n h a n d o a lin h a fem in in a , qu e é d o
36
O m es m o va lia p a r a os livres e lib er t os , d es d e qu e n ã o p os s u ís s em s eu s p r óp r ios
escravos, o que os colocava em outro status social.
37 “Mu k a m a , em qu im b u n d o, r efere-s e a os es cr a vos d om és ticos d e a m b os os s exos , ca t ivos
do próprio povo ambundo, nas aldeias nativas de Angola. O uso exclusivamente feminino do
s u b s t a n t ivo n a Colôn ia e n o Im p ér io d em on s t r a a es p ecia liza çã o econ ôm ica d a m u lh er
ca t iva n o t ra b a lh o d om és t ico e n o a leit a m en to d os filh os d os s en h ores ” (ALE NCAS TRO,
1 9 9 7 , p .6 3 ). A ver s ã o m a s cu lin a d a s m u ca m a s , qu e n ã o t in h a m , con t u d o, a s u a in flu ên cia ,
era m os cr ia d os ou p a jen s p es s oa is qu e s er via m a os h om en s . Ma r y Ka r a s ch (2 0 0 0 , p .2 8 6 )
r es s a lta os for tes vín cu los exis ten tes en t re os s en h ores e a m u ca m a qu e “d e a n ces t r a lid a d e
não raro mista, a mucama era com frequência meia-irmã, filha ou concubina de seu senhor,
ou a p a ren t a d a d a fa m ília d e a lgu m a ou t r a m a n eir a . E m m u it os la res , es p ecia lm en te s e s eu
s en h or n ã o fos s e ca s a d o, ela s er via d e gover n a n t a ou s u p er vis or a , en ca r rega d a d os ou t r os
es cr a vos . Nes s e ca s o, d evia m u it a s vezes , s u a p os içã o a o fa to d e s er s u a a m a n te (sic) ou
companheira”.
38 As a m a s -de-leite era m fr eqü en tes , u m a vez qu e a a m a m en t a çã o n ã o er a , a té m ea d os d o
século XIX, uma prática comum entre as senhoras brancas (ALENCASTRO, 1997, p.63).
40
in t er es s e d es t a d is s er t a çã o, t em -s e a s cozin h eir a s , cos t u r eira s e la va d eir a s .
E , p or fim , “n o ext r em o in fer ior d a h ier a r qu ia d os cr ia d os d om és t icos
es t a va m a qu eles d es ign a d os p a r a a s t a r efa s m a is s u b a lt er n a s , com o lim p a r ,
ca r r ega r á gu a , s er vir à m es a , a u xilia r n a cozin h a e d es p eja r lixo. E s s es er a m
os m en os es p ecia liza d os , com o os n ovos a fr ica n os , cr ia n ça s ou es cra vos
id os os e en fer m os , qu e n ã o tives s em u m a r ela çã o es p ecia l com s eu s en h or ”
(idem, p.288).
Fig.7 – Um fu n cion á r io d o gover n o com s u a fa m ília e es cr a vos . Jean
Ba p t is te Deb r et . Lit ogra fia color id a a m ã o, 1 8 3 4 -1839. Fonte:
KARASCH, 2000, p.222/223.39
E s p ecifica m en t e com r ela çã o à s m u lh er es n egr a s e m u la t a s , qu er
fos s em es cr a va s ou lib er t a s , a fr ica n a s ou cr iou la s , qu e t r a b a lh a va m n a s
r u a s , ela s exer cia m u m a s ér ie d e a t ivid a d es com er cia is , qu e ia m d es d e a
ven d a d e p r od u t os a lim en t ícios 40 a t é o com ér cio d o p r óp r io cor p o. A
p r os t it u içã o fem in in a er a u m com ér cio exer cid o, t a n t o em t em p o p a r cia l41,
39
E s s a im a gem ilu s t r a a d is p os içã o h ier á r qu ica cos t u m eir a ob s er va d a em icon ogr a fia d a
ép oca n os p a s s eios fa m ilia res : à fren te, o ch efe d a fa m ília s egu id o p ela p r ole (d u a s filh a s ),
em or d em cr es cen te d e id a d e, e es p os a com m a n t ilh a d e ren d a n egr a ; a t r á s a m u ca m a
m u la t a b em ves t id a , a a m a n egr a ca r r ega n d o o b eb ê, u m a ou t r a es cr a va (id en t ifica d a p elo
a r t is t a com o es cr a va d a a m a ), o cr ia d o d o s en h or e d ois joven s es cr a vos , u m em fa s e d e
aprendizado e o outro recém comprado (DEBRET, 1940, t.1, p.126-127).
40 Além d es s es t r a b a lh os , ela s exer cia m t r a d icion a is a t ivid a d es d es t in a d a s à s m u lh eres
como a de parteiras (denominadas na época de aparadeiras).
41 “Os via ja n tes , d e S ch lich t h or s t a Tou s s a in t -S a m s on , rela ta r a m qu e a s m u lh eres n egr a s
qu e era m ven d ed or a s d e r u a ou es cr a va s d om és t ica s d u r a n te o d ia com fr eqü ên cia
41
com o in t egr a l. Tu d o er a ven d id o n a s r u a s 42: leit e, ca fé t or r a d o, ca r vã o,
s a m b u r á , ca p im , m ilh o, ces tos , t ecid os , jóia s , p er fu m e, s a b ã o, lou ça , fr u t a s ,
veget a is ,
a ves ,
b olos ,
p ã o,
s u cos ,
d oces ,
arru da,
et c.
As
m u lh er es
d om in a va m o com ér cio d e a lim en t os . Ma r y Ka r a s ch (2 0 0 0 , p .2 8 5 ), r efer in d ose ao Rio de Janeiro oitocentista, observa que
em p a r t icu la r , o n egócio d e com id a , exceto a ca r n e e o p eixe
ven d id os p or h om en s , p a r ece t er s id o u m a es p ecia lid a d e d a s
m u lh er es a fr ica n a s e b a ia n a s . Qu a n d o ob s er va a s fila s d e
escravos t r a zen d o legu m es e ver d u r a s p a r a a cid a d e, Hor n er
n ot ou qu e a s m u lh er es er a m m a is n u m er os a s qu e os h om en s .
Ou t r a es p ecia lid a d e d ela s er a a ven d a d e qu it u tes , com o
guisados com azeite-de-dendê, peixe frito, carne-seca grelhada,
b a la s , d oces e r efr es cos . Ma s ca tea va m d e p or t a em p or t a e
ven d ia m em r es t a u r a n t es a o a r livr e m on t a d os n os m er ca d os ,
ou perto deles.
1.3. Identidades étnicas
Qu a n t o à et n ia , é p r ecis o con s id er a r a or igem d es s es in d ivíd u os , a s
d ifer en t es t r a d ições qu e ca r r ega va m . O Br a s il foi o d es t in o d e cer ca d e
3 .5 0 0 .0 0 0 a 3 .6 0 0 .0 0 0 43 es cr a vos a fr ica n os en t r e os s écu los XVI e XIX,
a p r oxim a d a m en t e 3 8 % d os ca t ivos t r a n s p or t a d os p a r a o Novo Mu n d o
(MATTOS O, 2 0 0 1 , p .5 3 ). Gr a n d e p a r t e d es t es foi ven d id a p a r a a Ba h ia , em
la r ga es ca la a p a r t ir d e 1 5 4 9 -5044 (NINA RODRIGUE S , 1 9 8 8 , p .1 4 ). E les
p r oced ia m d e d iver s a s r egiões d a Áfr ica e p er t en cia m a d ifer en t es cu ltu r a s ,
ga n h a va m d in h eir o ext r a p or s u a con ta à n oite” (KARAS CH, 2 0 0 0 , p .2 8 6 ). Ta m b ém Vilh en a
(1 9 6 9 , v.1 , p .5 4 ), n o s écu lo XVIII, fa la d a s “m u lh eres d e t a r ifa ”. S egu n d o Décio Fr eit a s
(1 9 8 3 , p .8 2 ) “s en h or a s d a s m a is ilu s t res fa m ília s d e S a lva d or ves t ia m e em b eleza va m s u a s
escravas mais jovens e belas para a prostituição”.
42 Ewbank, 1976, p.78-80
43 S egu n d o J . J . Ar r u d a (1 9 9 6 , p .2 3 8 ) vier a m p a ra o Br a s il, en t re os s écu los XVI e XIX,
3.646.000 escravos africanos.
44 Segundo Pierre Verger (1987, p.10), os cativos africanos foram trazidos para a Bahia em 4
ciclos:
I – Ciclo da Guiné (século XVI)
II – Ciclo de Angola (século XVII)
III – Ciclo da Costa da Mina (século XVIII)
IV – Ciclo Ben in (1 7 7 0 -1 8 5 2 ). Últ im a fa s e – d a ilega lid a d e (s écu lo XIX), t en d o o ú lt im o
desembarque oficial ocorrido em 1852 na Pontilha, Ilha de Itaparica.
42
s en d o p r in cip a lm en te b a n t os e s u d a n es es 45. At é o s écu lo XVII, er a m m a ior ia
os b a n t os , con s t itu íd os p ela s in ú m er a s t r ib os d o gr u p o angola-congolês e d o
gr u p o d a ContraCosta (a m b a s r ep r es en t a d a s , d en t r e ou t r os , p elos a n gola ,
ca s s a n ges , con gos , ca b in d a s , b en gu ela s , m oça m b iqu es ). J á n o fin a l d o
s écu lo XVIII h á u m a m a ior ia d a s cu lt u r a s s u d a n es a s , representadas
p r in cip a lm en t e p elos p ovos yoruba, d a Nigér ia (n a gô; ijêch á ; eu b á , ou eb á ,
k et u , ib a d a n , yeb u ou ijeb u e gr u p os m en or es ); p elos daomeanos (gr u p o ou
ijeb u e gr u p os m en or es ); p elos daomeanos (gr u p o d a Cos t a d o Ou r o, gr u p os
m in a s p r op r ia m en t e d it os : fa n t i e a s h a n t i); p or gr u p os m en or es d a Gâ m b ia ,
d a S er r a Leoa , d a Lib ér ia , d a Cos t a d a Ma la gu et a , d a Cos t a d o Ma r fim ,
d en t r e ou tr os (k r u p a n o, a gn i, zem a , t im in í, et c.) (RAMOS , 1 9 7 9 , p .1 8 6 -87).
Ta m b ém
ch ega r a m
n es s e
p er íod o
as
cu lt u r a s
gu in ea n o-sudanesas
islamizadas, r ep r es en t a d a s em p r im eir o lu ga r p elos peuhl (fu la h , fu la , et c),
mandinga (s olin k e, b a m b a r a ...) e haussá d o n or t e d a Nigér ia ; e p or gru p os
menores como os Tapa, Bornú, Gurunsi, e outros.
Fig.8 - E s cr a va s d e d ifer en tes n a ções 46. J ea n Ba p t is te Deb ret . Lit ogr a fia
colorida a mão, 1834-39. Col. Particular. Fonte: AGUILAR, 2000b, p.92
45
E s s a ter m in ologia b a n t os e s u d a n es es , “u s a d a n o p a s s a d o p or h is t or ia d ores e
a n t r op ólogos p a r a exp lica r m u it a cois a , exp lica m , n a r ea lid a d e, m u it o p ou co” e t a m b ém
“denominações como jeje, nagô, angola etc., também são insuficientes para os africanos”
(RE IS , 1 9 9 6 , p .1 8 ). E s s a cla s s ifica çã o, b a s ea d a n a geop olítica d o tráfico, é cit a d a a qu i
a p en a s com o referen cia l, in d ica n d o a exis tên cia d e u m a d iver s id a d e d e p ovos vin d os p a r a a
Bahia.
46 E s s a s n egr a s d o Rio d e J a n eir o oitocen t is ta s ã o d es cr it a s p or Deb ret (1 9 4 0 , t .1 , p .1 8 7 ) d a
s egu in te form a : “Nº 1 – Reb olo, cr ia d a d e qu a r t o im it a n d o com s u a ca r a p in h a o p en tea d o d e
43
Em
es t u d o s ob r e a
p r oced ên cia
ét n ica
d os
es cr a vos
na
Ba h ia
s et ecen tis ta , Ot t (1 9 8 8 , p .3 3 -5 9 ) ver ificou , a p a r t ir d e in ven t á r ios , a
p r ed om in â n cia em S a lva d or e Recôn ca vo Ba ia n o d e n egr os s u d a n es es
(cit a d os com o d a Gu in é, d a Cos t a , Min a , Na gô, Gêge, Ca la b a r , Ar d a s , d e
Ca ch éu , Ca b o Ver d e, Ben in , Ta p a ) em p r ol d os b a n t o (cit a d os com o An gola ,
Ben gu ela ,
Con go,
Ca b in d a ,
Moça m b iqu e,
Mon jolo,
Ca s s a n ge,
Don go,
Moon go, Qu is s a m a s , Ga n gu ela , S . Tom é, Gu n go, Reb olo). Com r ela çã o a os
n egr os en via d os p a r a o in t er ior d o es t a d o d a Ba h ia , a p a r t ir d os p a s s a p or t es
de escravos, a relação se inverte, a grande maioria é de negros banto (citados
com o An gola , Ben gu ela e Con go) em p r ol d os s u d a n es es (d itos Min a , Na gô e
Gêge). O leva n t a m en t o r ea liza d o p or Oliveir a (1 9 9 5 / 1 9 9 6 , p . 1 7 4 -193),
a t r a vés d os t es t a m en t os d e lib er t os 47 d a Ba h ia n o p er íod o d e 1 7 9 0 a 1 8 9 0 ,
d et ect ou a p r es en ça n a Ba h ia d a s s egu in t es n a ções : Cos t a d a Min a , Gêge,
An gola , Cos t a d a Gu in é, Cos ta d o Les t e, Ben gu ela , Na gô, Agon i, Ca la b a r e
Con go. Ta m b ém a p a r t ir d os a n ú n cios d e es cr a vos fu gid os em jor n a is
b a ia n os oit ocen tis t a s p er ceb e-s e a p r es en ça d e n egr a s d es ign a d a s com o
Angola, Moçambique, Gêge, Nagô, Haussá48, Congo, Calabar, Mina, Cabinda,
Rebolo e Benguela.
Quais foram os efeitos da travessia da calunga grande49?
s u a s en h or a ; Nº 2 – Con go, n egr a livr e, m u lh er d e t r a b a lh a d or n egr o (t r a je d e vis it a ); Nº 3 –
Ca b r a , cr iou la , filh a d e m u la t o e n egr a , cor m a is es cu r a d o qu e o m u la to (t r a je d e vis it a );
Nº4 – Ca b in d a , cr ia d a d e qu a r t o, ves t id a p a r a leva r u m a cr ia n ça à p ia b a t is m a l; Nº 5 –
Cr iou la , es cr a va d e ca s a r ica , d e b a eta n a ca b eça ; Nº 6 – Ca b in d a , cr ia d a d e qu a r to d e u m a
jovem s en h or a r ica ; Nº 7 – Ben gu ela , cr ia d a d e qu a r t o d e u m a ca s a op u len t a ; Nº 8 – Calava,
jovem escrava vendedora de legumes, tatuada com terra amarela, penteada com uma tira de
cr in a b or d a d a , com con t a s e p in gen tes d o m es m o t ip o n os ca b elos ; Nº 9 – Moçambique,
negra livre recém-casada; Nº10 – Mina, primeira escrava de um negociante europeu (favorita
sujeita a chicotadas); Nº11 – Monjola, antiga ama e pagem de casa rica; Nº12 – Mulata, filha
d e b r a n co com n egr a , con cu b in a ‘ten d a e m a n t a n d a ’; Nº 1 3 - Moça m b iqu e, es cr a va em ca s a
d e gen te a b a s t a d a ; Nº 1 4 – Ben gu ela , es cr a va ven d ed or a d e fr u t a s , p en tea d a com vid r ilh os ;
Nº15 – Ca s s a n ge, p r im eir a es cr a va d e u m a r t ífice b r a n co; Nº 1 6 – An gola , n egr a livre
qu it a n teir a ” e a cres cen t a “a s n egr a s m on jola s s ã o m a is p a r t icu la r m en te r evolt a d a s , m a s
com p a r t ilh a m d a a legr ia , d a feceir ice e p r in cip a lm en te d a s en s u a lid a d e qu e ca r a cter iza m os
congos, os rebolos e os benguelas”.
47 Da s ér ie d e m a is d e 3 .0 0 0 t es t a m en t os en t re 1 7 9 0 e 1 8 9 0 , p erten cen tes a os 6 4 livr os d e
Regis t r o d e Tes t a m en t os d a S eçã o J u d iciá r ia d o Ar qu ivo Pú b lico d o E s t a d o d a Ba h ia , cer ca
de 15% são testamentos de ex-escravos.
48 S ã o cit a d os com o “Uca ” (sic). Os h a u s s á s for a m exp or t a d os p a r a a Ba h ia a p a r t ir d o fin a l
do século XVIII devido à revolução social e política na Haussalândia (FREITAS, 1983, p.80).
49 A ca lu n ga gr a n d e é o ocea n o At lâ n t ico. A p a la vr a é d e or igem b a n t o, refere-s e a o m a r , a o
fu n d o d a terr a , a o a b is m o (CAS TRO, 2 0 0 1 , p .1 9 2 ). A t r a ves s ia d a ca lu n ga gr a n d e, a via gem
44
E xt r a íd os d e s u a s n a ções , s ep a r a d os d e s u a s fa m ília s e exp os t os à
a cu lt u r a çã o im p os t a p ela Igr eja Ca t ólica e p or s eu s s en h or es , os n egr os n ã o
se deixaram anular.
Nã o foi s ó n o s is t em a d e b a t iza r os n egr os qu e s e r es u m ia a
p olít ica d e a s s im ila çã o, a o m es m o t em p o d e con tem p or iza çã o
s egu id a n o Br a s il p elos s en h or es d e es cr a vos : con s is t iu
p r in cip a lm en t e em d a r a os n egr os a op or t u n id a d e d e
con s er va r em , à s om b r a d os cos tu m es eu r op eu s e d os r it os e
d ou t r in a s ca t ólicos , for m a s e a ces s ór ios d a cu lt u r a e d a m ít ica
africanas (BASTIDE, 1989, p.163).
Os n egr os r econ s t r u ír a m s u a s id en t id a d es n o n ovo a m b ien t e s egu n d o
‘la ços d e n a çã o’, t a is com o “a r ecom p os içã o d os vín cu los fa m ilia r es , a
es colh a d os p a r ceir os s exu a is , a s r ela ções d e com p a d r io, a com p r a d e
es cr a vos d e or igem a fr ica n a p elos a fr ica n os lib ert os ”, a lém d a s r ela ções
es t a b elecid a s , n o ca s o es p ecífico d a Ba h ia , a t r a vés d a s “ir m a n d a d es , d os
ca n d om b lés , d a s ju n t a s d e a lfor r ia 50 e d os ca n t os d e t r a b a lh o 51” (OLIVE IRA,
1 9 9 5 / 1 9 9 6 , p .1 7 7 ). A s u a or ga n iza çã o qu a n t o à et n ia é p a r t icu la r m en t e
vista nas irmandades negras católicas.
As ir m a n d a d es “r ea gr u p a m h om en s livr es , for r os e es cr a vos d e
a cor d o com s u a s or igen s ét n ica s : Nos s a S en h or a [d o Ros á r io]
d a Ba ixa d os S a p a t eir os , d a Ba h ia , p or exem p lo, s om en t e
a d m it e n egr os a n gola n os ; Nos s o S en h or d a Red en çã o s e
com p õe u n ica m en t e d e geges . Ou t r a s con fr a r ia s s ó a ceit a m
mulatos – os cr iou los . Con t u d o, d es d e o s écu lo XVIII, cr ia m -se
n ova s con fr a r ia s m a is flexíveis e, n o s écu lo XIX, qu a n d o a s
associa ções civis tom a m o lu ga r d a s r eligios a s , a s d is tin ções
ét n ica s
p er d em
p r a t ica m en t e
t od a
su a
im p or t â n cia ”
(MATTOSO, 2001, p.148).
Mas o que é uma Irmandade negra católica e qual a sua função?
a o d es con h ecid o, er a com o u m r it o d e p a s s a gem , o n a s cim en to p a r a u m a n ova vid a , u m a
vida de escravidão.
50 J u n t a s d e a lfor r ia er a m a s s ocia ções d e a ju d a m ú t u a , n a s qu a is a lgu n s es cr a vos a o ga n h o
s e reu n ia m com n egr os livres ou lib er t os , ju n ta n d o s u a s econ om ia s com o ob jet ivo d e
a d qu ir ir a lib er d a d e. S egu n d o Qu er in o (1 9 8 8 , p .1 5 4 ), “ca d a ju n t a es t a va s ob a ch efia d e u m
d eles , o d e m a is r es p eito e con fia n ça , e con s t itu ía m a ca ixa d e em p rés t im os ”. Algu m a s
juntas de alforria eram configuradas como irmandades negras católicas como a Confraria de
Nos s a S en h or a d a S oled a d e Am p a r o d os Des va lid os , fu n d a d a em 1 8 3 2 n a Igr eja d e Nos s a
Senhora do Rosário dos Quinze Mistérios, em Salvador, Bahia (VERGER, 1999, p.218).
51 Con for m e S ilva (1 9 8 8 , p .1 2 3 ), os ca n t os d e t r a b a lh o d es t in a va m -s e a regu la r o t r a b a lh o
d os n egr os n a s r u a s e evit a r con flitos . E r a m or ga n iza d os ter r itor ia lm en te s egu n d o a etn ia e
ocupação, recebendo o nome do local onde os ganhadores se reuniam.
45
S egu n d o a h is t or ia d or a An n a Am élia V. Na s cim en t o, cor p or a ções ,
ir m a n d a d es e con fr a r ia s exis t ia m n a E u r op a ocid en ta l d es d e os s écu los XII e
XIII (2 0 0 0 , p .1 1 ). Na Ba h ia , for m a r a m -s e es s a s a s s ocia ções leiga s d e ca r á t er
a s s is t en cia lis t a , d es d e o s écu lo XVII, com o ob jet ivo d e, em t or n o d e u m a
cer t a in voca çã o, con gr ega r d evot os , zela n d o p or s u a p r ot eçã o la ica e
es p ir it u a l.
S er
de
uma
Ir m a n d a d e
im p lica va
em
um
p er t en cim en t o,
envolvendo direitos e deveres.
As s ocia ções r eligios a s d ot a d a s d e r egr a s es p ecífica s , es s a s
con fr a r ia s exigia m qu e s eu s m em b r os p a ga s s em d ir eit os d e
ent r a d a (jóia s ) e con t r ib u ições m en s a is va r iá veis , ofer ecen d o a
es tes , em con t r a p a r t id a , a o la d o d e ob jet ivos es p ir it u a is ,
a s s is t ên cia d u r a n t e a vid a e n a h or a d a m or t e. Pen s ões ,
en ca r go d e d es p es a s h os p it a la res e d ign a celeb r a çã o d os
fu n er a is er a m a lgu n s d os b en efícios p r evis tos . As s im , a lém d e
con s id er a ções d e or d em r eligios a , p es a va o es p ír it o d e a ju d a
m ú t u a , m u it o im p or t a n t e n u m a cid a d e em qu e a s for t u n a s s e
fa zia m e s e d es fa zia m n o es p a ço d e u m a ger a çã o. Nin gu ém
es t a va livr e d o in for t ú n io. In t egr a r u m a ir m a n d a d e er a p r ova
d e p r u d ên cia e ga r a n t ia d e p er m a n ên cia n o m es m o gr u p o
s ocia l, em ca s o d e em p ob r ecim en t o. As con tr ib u ições p od ia m
s er in ves t im en t o a fu n d o p er d id o, m a s s em p r e r ep r es en t a va m
t a m b ém u m a es p écie d e p ou p a n ça d ia n t e d es s e fu t u r o in cer t o
(MATTOSO, 1992, p.400)
As ir m a n d a d es r eflet ia m a or ga n iza çã o s ocia l e ét n ica d a cid a d e,
tornando visíveis as diferenças entre os grupos.
Nã o s ó os n egr os e p ob r es s e a s s ocia va m a ir m a n d a d es , qu e
fiqu e cla r o. Na ver d a d e, es s a s in s t it u ições r eligios a s leiga s
fazia m p a r t e d a vid a d e qu a s e tod os os gr u p os s ocia is e em
ger a l a s p es s oa s a ela s s e a s s ocia va m d e a cor d o com s u a
con d içã o s ocia l, or igem n a cion a l e cla s s ifica çã o r a cia l. Ha via
ir m a n d a d es d e b r a n cos , m u la t os e n egr os ; d e b r a n cos d a t er r a
e d’além-mar; de negros brasileiros e africanos; de africanos de
d ifer en t es or igen s a fr ica n a s . Com o a va n ça r d o s éc. XIX m u it o
dessa segregação desapareceria ... (REIS, 1997, p.123)
E xis t ia m
em
S a lva d or
as
ir m a n d a d es
for m a d a s
s om en t e
p or
p or t u gu es es (com o a d e Nos s a S en h or a d a Con ceiçã o d a Pr a ia ), p or b r a n cos
nacionais52 (a d a Mã e S a n t ís s im a e S en h or a d a s An gú s t ia s d o Mos t eir o d e
São Bento53), por pardos (Senhor Bom Jesus da Paciência, Nossa Senhora do
52
53
Brancos nacionais são os homens brancos da terra, os nascidos no Brasil.
CAMPOS, 2001, p.151
46
Boqu eir ã o) e p or n egr os . Nes t a s ocor r ia m s u b d ivis ões , s egr ega ções ét n ica s e
sociais,
o qu e vem com p r ova r , s em d ú vid a , a exis t ên cia d e
a n im os id a d e en t r e s eu s com p on en t es d e et n ia s d iver s a s ,
r eflet in d o a qu ela s p er d u r á veis n a s ocied a d e. Hom en s livr es ,
m es m o d e cor , a fa s ta va m os es cr a vos d a s Ir m a n d a d es d e
livr es ; h om en s p r et os er a m con t r a a in clu s ã o n a Ir m a n d a d e
d a qu eles a fr ica n os ch a m a d os d e m a r a for a , fu gin d o a o p er igo
das crenças pagãs (NASCIMENTO, 2000, p.12)
E vid en t em en t e, a s r ela ções en t r e os d iver s os gr u p os , exis ten t es n a
África, eram replicadas no Brasil, e os novos grupamentos eram calcados em
a fin id a d es p r ed om in a n t em en t e cu lt u r a is 54. Oliveir a (1 9 7 9 , p .1 5 6 ) lis tou 3 6
ir m a n d a d es d e h om en s d e cor em S a lva d or oit ocen tis t a , a p a r t ir d os
t es t a m en t os d e lib er t os d o p er íod o. As s im exis t ia m , en t r e ou t r a s , a s
Ir m a n d a d es d e cr iou los (S ã o Ben ed it o, d o Con ven to d e S ã o Fr a n cis co), d e
n egr os jejes d a om ea n os (Nos s o S en h or Bom J es u s d a s Neces s id a d es e
Red en çã o, ca p ela d o Cor p o S a n t o), d e n egr os con go-a n gola (Nos s a S en h or a
d o Ros á r io d a s p or t a s d o Ca r m o), d e n egros jejes e b en gu ela s (Ir m a n d a d e d e
Nos s a S en h or a d o Ros á r io d e J oã o Per eir a ) d e n egr os n a gô-ior u b á (Nos s a
S en h or a d a Boa Mort e d a Igr eja d a Ba r r oqu in h a )55. Ca d a ir m a n d a d e t in h a
u m t r a je (op a s 56 d e cor es d ifer en t es ) e in s ígn ia s qu e d is tin gu ia m os s eu s
m em b r os . Os d a Ir m a n d a d e d o Bom J es u s d a Pa ciên cia ves t ia m “ca p a s
b r a n ca s com
m u ls a r och a
(s ic)57” (Com p r om is s o d a Ir m a n d a d e apud
CAMPOS , 2 0 0 1 , p .2 5 3 ); os d o S en h or Bom J es u s d a s Neces s id a d es e
Red en çã o u s a va m “ca p a b r a n ca e m u r ça r oxa , t en d o p r es a a es t a , p equ en a
cruz de metal branco, à esquerda” (idem, 2001, p.266).
54
No d ecor rer d o s écu lo XIX, Oliveir a (1 9 7 9 , p .1 4 9 ) con s t a tou , a t r a vés d e tes t a m en t os d e
lib er t os , qu e es s a s d ivis ões ét n ica s vã o s e d ilu ir , p ois “in d ivíd u os d e d iver s a s n a ções
declaravam-s e m em b r os d e u m a m es m a ir m a n d a d e” e a té os p a r d os “p a s s a r a m a a ceit a r
negros especialmente se estes possuíssem significativos bens”.
55 VERGER, 2002, p.243
56 Opa é uma espécie de capa usada pelos membros de Irmandades.
57 A gr a fia cor r et a é m u r ça r oxa . Mu r ça é u m a “ves t im en t a d e cor , em for m a d e ca b eçã o,
u s a d a p elos côn egos , em cim a d a s ob r ep elliz” (DICCIONÁRIO p r á t ico illu s t r a d o. Por t o: Lello
& Ir m ã o ed itores , 1 9 4 4 , p .7 6 4 ). Ca b eçã o refere-s e “a p a r te s u p er ior , qu e for m a u m a es p écie
d e gola geralmente la r ga e p en d en te” e t a m b ém “a p a r te s u p erior d a ca m is a d o t r a je t íp ico
das baianas (HOUAISS, 2001).
47
1.4. Modos de vestir
Há p ou cos es t u d os s ob r e a in d u m en t á r ia b r a s ileir a colon ia l e im p er ia l,
p r in cip a lm en t e d a s m u lh er es d a s ca m a d a s n ã o p r ivilegia d a s . Por is s o,
exis t em m u it a s la cu n a s a s er em a in d a in ves tiga d a s . Um a d a s p r in cipais
fon t es con s u lt a d a s for a m os r egis t r os es cr it os e icon ogr á ficos 58. Tod a s a s
m u lh er es n egr a s e m u la t a s , r et r a t a d a s n o Br a s il n os s écu los XVIII e XIX
p or a r t is t a s com o Ca r los J u liã o, J oã o Fr a n cis co Mu zzi, Lea n d r o J oa qu im ,
Deb r et , Ru gen d a s e d es cr it a s p or via ja n t es es t r a n geir os , exp r es s a va m a s
suas diferenças e status sociais através da linguagem do traje.
O t ecid o e a for m a d o ves t id o in d ica va m o m u n d o em qu e vivia
a m u lh er : a s a b a s t a d a s exib ia m s ed a s , velu d os , s er a fin a s ,
ca s s a , filós , d eb r u a d os d e ou r o e p r a t a , m u s s elin a ; a s p ob r es
contentavam-s e com r a xa d e a lgod ã o, b a et a n egr a , p icote,
xa les b a r a t os e p ou ca cois a m a is ; a s es cr a va s es t a va m
lim it a d a s a u m a s a ia d e ch it a , r is ca d o ou zu a r t e, u m a ca m is a
d e ca s s a gr os s a ou ves t id o d e lin h o, ga n ga ou b a et a (ARAÚJO,
1997, p.54)
Pa r a Pr ior i (2 0 0 2 , p .1 9 4 ), a r ou p a , n a s ocied a d e d o Br a s il colon ia l e
imperial, era a configuração de uma cultura de aparências exibida em praça
p ú b lica . O t r a je er a u m a p r á t ica s ign ifica n t e, qu e ob ed ecia a u m cód igo
cu lt u r a l d e s ign os , qu e vis a va a id en t ifica çã o vis u a l d os s eu s u s u á r ios ,
demarcando categorias sócio-econômicas. “Vestir é um ato de diferenciação,
é es s en cia lm en t e u m a t o d e s ign ifica çã o” (idem, 2 0 0 2 , p .1 9 9 ). É u m a
im a gem ela b or a d a a p a r t ir d o t a lh e, t ip os d e t ecid os (s u a p r in cip a l m a t ér ia p r im a ), d ecor a çã o, cor es e a ces s ór ios . A ocu lt a çã o e a va lor iza çã o d e cer t a s
p a r t es d o cor p o (leva n d o a t é m es m o à s u a m od ifica çã o fís ica ) in t egr a m a
sua linguagem, obedecendo à moral e estratégias de sedução de cada época.
Segundo Oliveira (2002, p.129), “a aparência construída pelo traje agrega ao
s eu s er va lor es p os itivos qu e lh e con fer ir ã o cer t a com p et ên cia p a r a m elh or
a gir n o con t ext o em qu e s e in s er e”. Um d es s es a s p ect os é o d a a p r ecia d a
r igid ez con fer id a p ela s r ou p a s d a elit e fem in in a a t r a vés d o u s o d e cor p et es ,
58
Um a d a s p r in cip a is fon tes foi a b r a s ilia n a d a coleçã o Ca s t r o Ma ya d is p on ib iliza d a em
d iver s a s p u b lica ções . As figu r a s d a s n egr a s , qu a n d o n ã o s ã o os elem en t os cen t r a is
r et r a t a d os , com p õem m u it a s d a s vis t a s u r b a n a s d a s cid a d es em p in t u r a s , d es en h os e
gr a vu r a s e d es d e a s egu n d a m et a d e d o s écu lo XIX s ã o r egis t r a d a s n a s fot ogr a fia s . Na
própria fig.4 que abre esse capítulo é possível vê-las em primeiro plano à direita.
48
espartilhos, armações sob as saias, pois “quanto menor a mobilidade, maior
er a a p os içã o s ocia l” (LIMA, 2 0 0 2 , p .5 2 ), vis t o qu e, o t r a b a lh o er a
id en t ifica d o à con d içã o s er vil. Além d e con d icion a m en t os s ócio-cu ltu r a is , o
vestir en volve es colh a s e p os tu r a s cor p or a is con figu r a n d o a s in gu la r id a d e
d e exp r es s ã o d e ca d a in d ivíd u o. A a p a r ên cia , o cor p o ves t id o, é u m
fen ôm en o s ígn ico, qu e p r od u z u m efeit o d e s en tid o, b a s ea d o n a con s t r u çã o
d e u m t ext o s u s ten t a d o p elo cód igo ves t im en t a l, qu e a t u a n a s t r ês
m od a lid a d es d e r efer ên cia s s em iót ica s : icôn ica , in d icia l e s im b ólica , qu e
ju n t a s com p õem u m cor p o s im b ólico/ s em â n t ico, cr ia n d o p r oces s os d e
identidade contextuais. Desta forma, o traje deve ser
ob s er va d o qu a n d o in s er id o em u m d et er m in a d o m eio s ocia l,
on d e s e m a n ifes t a r á com o u m a d a s m a is es p et a cu la r es e
s ign ifica t iva s for m a s d e exp r es s ã o p r es en t e n o p r oces s o
cu lt u r a l. Con figu r a -s e p len a m en t e com o m eio d e m a n ip u la çã o,
p er s u a s ã o, s a n çã o, a çã o ou p er for m a n ce. Con s equ en tem en t e,
a r t icu la d ifer en t es t ip os d e d is cu rs os : p olít ico, p oét ico,
a m or os o, a gr ega d or , h ier á r qu ico, et c. Ta is d is cu rs os s ã o
con s t r u íd os à m ed id a qu e a s ocied a d e va i s e es t r u t u r a n d o, s e
d es en volven d o e exer cen d o a fu n çã o d e con fir m a d or a exter n a
d o s is t em a d e or ga n iza çã o qu e o h om em s ocia l p r ivilegia e o
t r a d u z p or in t er m éd io d a lin gu a gem vis u a l d o t r a je
(CASTILHO, 2002, p.71).
S egu n d o a h is tor ia d or a S ílvia Hu n old La r a (2 0 0 0 a , p .1 7 9 -1 8 0 ), h a via
t od a u m a t r a d içã o legis la t iva p or t u gu es a e d is p os itivos lega is qu e r egia m o
vestuário, p a r a o con t r ole e m a n u t en çã o d a s d is t in ções s ocia is . E n t r et a n t o,
es s a s a n t iga s r egr a s a r es p eit o d os t ecid os e or n a tos , n ã o for a m exp r es s a s
n a s Or d en a ções Ma n u elin a s e Filip in a s 59. For a m a s Ca r t a s Régia s , os
p a r ecer es d o Con s elh o Ult r a m a r in o e a s Pr a gm á t ica s d e 1 6 7 7 e d e 1 7 4 9
que visaram controlar as regras do trajar. Algumas normas eram extensivas
a t od o o m u n d o p or t u gu ês : Por t u ga l e s u a s colôn ia s . Ou t r a s er a m
es p ecífica s , com o a s Ca r t a s Régia s . A p r in cip a l p r ob lem á t ica n o Br a s il er a a
p r eocu p a çã o com o exces s ivo lu xo n o ves t ir d a s n egr a s e m u la ta s 60,
59
As Or d en a ções for a m a s is tem a t iza çã o e u n ifor m iza çã o d a s leis qu e vigor a va m em
Por t u ga l. Tr ês for a m a s Or d en a ções : a s Afon s in a s , p u b lica d a s em 1 4 4 6 ; a s Ma n u elin a s ,
p u b lica d a s d e 1 5 1 2 a 1 5 2 1 ; e a s Filip in a s , p u b lica d a s em 1 6 0 3 e con fir m a d a s em 1 6 4 3
(DICCIONÁRIO p r á t ico illu s t r a d o. Por t o: Lello & Ir m ã o ed it ores , 1 9 4 4 . p .1 6 0 1 ), a p ós o
término da União das Coroas Ibéricas (1580-1640).
60 S ob re a p r oib içã o à s es cr a va s d o u s o d e s ed a ou ob jet os d e lu xo, t r a ta va m a s Ca rtas
Régias de 1696, 1703 e 1709, específicas para o Brasil (LARA, 2000a, p.181).
49
m or m en t e a s es cr a va s (LARA, 2 0 0 0 a , p .1 7 9 ). O ca p ít u lo IX d a Pr a gm á t ica
d e 1 7 4 9 (apud ESCOREL, 2 0 0 0 , p .1 7 1 -172), d ed ica d o a o t r a je d os n egr os e
m u la t os d a s Con qu is t a s , p r oib in d o o u s o d e a r t igos
d e lu xo, revogado
quatro meses depois61, determinava que
Por s er in for m a d o d os gr a n d es in con ven ien t es , qu e r es u lt a m
n a s Con qu is t a s d a lib er d a d e d e t r a ja r em os n egr os , e os
m u la t os , filh os d e n egr o, ou m u la t o, ou d e m ã e n egr a , d a
m es m a s or t e qu e a s p es s oa s b r a n ca s , p r oíb o a os s ob r ed it os ,
ou s eja m d e u m , ou d e ou t r o s exo, a in d a qu e s e a ch em for r os ,
ou nascessem livres, o uso não só de toda a sorte de seda, mas
t a m b ém d e t ecid os d e lã fin os , d e h ola n d a s , es gu iões , e
s em elh a n t es , ou m a is fin os t ecid os d e lin h o, ou d e a lgod ã o; e
m u it o m en os lh es s erá lícit o t r a zer em s ob r e s i or n a t o d e jóia s ,
n em d e ou r o ou p r a t a , p or m ín im o qu e s eja . S e d ep ois d e u m
m ês d a p u b lica çã o d es t a lei n a ca b eça d a Com a r ca , on d e
r es id ir em , t r ou xer em m a is cois a a lgu m a d a s s ob r ed it a s , lh es
s er á con fis ca d a ; e p ela p r im eir a t r a n s gr es s ã o, p a ga r ã o d e m a is
o va lor d o m es m o com is s o em d in h eir o; ou n ã o t en d o com qu e
o s a t is fa ça m , s er ã o a çoit a d os n o lu ga r m a is p ú b lico d a Vila ,
em cu jo d is t r it o r es id irem ; e p ela s egu n d a t ra n s gr es s ã o, a lém
d a s d it a s p en a s , fica r ã o p r es os n a ca d eia p ú b lica , a té s er em
t r a n s p or t a d os em d egred o p a r a a Ilh a d e S . Tom é p or t od a a
sua vida.
Ha via , p or t a n t o, u m a cod ifica çã o vis u a l p r óp r ia d es t in a d a à s n egr a s e
m u la t a s , en t r et a n t o, a lgu m a s d ela s s e ves t ia m com o a s r ica s s en h or a s
brancas, p r ovoca n d o, m u it a s vezes , in qu iet a çã o n a or d em vigen t e 62. Qu a is
n egr a s ves t ia m -s e com lu xo? Pr in cip a lm en t e a s m u ca m a s 63 (em ép oca s
fes t iva s , p or os t en t a çã o d e s eu s s en h or es , con for m e vis t o n a fig.7 ) e
61
(LARA, 2000a, p.181).
Com rela çã o à or d em d o An t igo Regim e n a Fr a n ça , p od e-s e ver es s a in qu iet a çã o n o text o
do capítulo XV, Nobreza, classes de habitantes do État et descrip tion d e la v ille d e Mon tp e llier
fa it e m 1 7 6 8 transcrito por Robert Darnton (1986, p.187-8): “deveria existir um regulamento
exigin d o qu e t od o cr ia d o, d o s exo m a s cu lin o ou fem in in o, u s a s s e u m d is t in t ivo b em vis ível,
n a r ou p a . Por qu e n a d a é m a is im p er t in en te d o qu e ver u m cozin h eir o ou u m ca m a r eir o qu e
en ver ga u m t r a je en feit a d o com ga lões ou ren d a , p õe a es p a d a à cin t a e s e in s in u a em m eio
à m elh or com p a n h ia , n os p a s s eios p ú b licos ; ou ver u m a ca m a reir a ves t id a t ã o
ela b or a d a m en te qu a n t o s u a p a t r oa ; ou en con t r a r cr ia d os d om és t icos d e qu a lqu er t ip o
en feit a d os com o s e fos s em n ob res . Tu d o is s o é r evolt a n te. O es t a d o d os cr ia d os é d e
s er vid ã o, d e ob ed iên cia à s or d en s d e s eu s p a t r ões . Nã o es tã o d es t in a d os à lib er d a d e, a
integrar o corpo social juntamente com os cidadãos.”
63 As s en h or a s exib ia m -s e “com a s s u a s m u la t a s e p r et a s ves t id a s com r ica s s a ia s d e cet im ,
b eca s d e lem is t e fin ís s im o e ca m is a s d e ca m b r a ia ou ca s s a , b or d a d a s d e for m a t a l qu e va le
t rês ou qu a t r o vezes m a is qu e a p eça ; e t a n t o é o ou r o qu e cada uma leva em fivela s ,
p u ls eir a s , cola res ou b r a celetes e b en t in h os qu e, s em h ip ér b ole, b a s ta p a r a com p r a r d u a s
ou t rês n egra s ou m u la ta s com o a qu e o leva ; e t a l con h eço eu qu e n en h u m a d ú vid a s e lh e
oferece em s a ir com 1 5 ou 2 0 a s s im or n a d a s . Pa r a verem a s p r ocis s ões é qu e d e or d in á r io
saem acompanhadas de uma tal comitiva’”(VILHENA, 1969, v.1, p. 54).
62
50
algumas concubinas e prostitutas64 para atrair clientes. Esses trajes e jóias,
próprios65 ou em p r es t a d os d e s u a s s en h or a s 66, s ã o t ip ica m en t e eu r op eu s .
E, sem dúvida, eram cobiçados símbolos de ascensão social. Algumas vezes,
s om en t e a cor d a p ele e o n ã o u s o d e s a p a t os 67 (r es er va d o à s p es s oa s
livr es ), d is t in gu ia m es s a s m u lh er es d a s s en h or a s b r a n ca s (fig. 9 e 1 0 ), e
ou t r a s vezes , d evid o à m es t iça gem 68, n em
is s o. E r a es s e o gr a n d e
inconveniente, a identificação com a condição senhorial.
Fig.9 - Ret ra t o d e An a d e J es u s Mon iz
Via n a . Au t or ign or a d o. Óleo s ob r e tela ,
s éc.XIX. Acervo: Museu de Arte da Bahia69.
64
Fig.10 - Ba ia n a . An ôn im o. Óleo s ob re
tela , c. 1 8 5 0 . Mu s eu Pa u lis t a d a US P.
Fonte: ARAÚJO, 2002. p.134.
A s it u a çã o era t a l qu e, s egu n d o Ca r t a Régia d e 1 7 0 9 , o rei d e Por t u ga l in for m a d o d a
“s olt u r a com qu e a s es cr a va s cos t u m a va m viver e t r a ja r n a s con qu is t a s u lt r amarinas,
andando de noite e incitando com os seus trajes lascivos aos homens” proibiu –lhes o uso de
“s ed a s , n em d e tela s , n em d e ou r o, p a r a qu e a s s im s e lh es t ir e a oca s iã o d e p od erem in cit a r
para os pecados com os adornos custosos de que se vestem” (apud ARAÚJO, 1997, p.57).
65 Conforme demonstram os testamentos de algumas libertas.
66 É o ca s o d a es cr a va Môn ica , ch a m a d a Mã e Qu in h a , qu e u s ou um ves t id o e jóia s
em p res t a d os d e s u a s en h or a p a r a s er fotogr a fa d a em Recife, p or volt a d e 1 8 6 0 , ju n to a o
menino Augusto Gomes Leal, do qual era ama (FERREIRA, 1999, p.171-181).
67 Mu it os via ja n tes , com o E wb a n k (1 9 7 6 , p .2 1 0 ) d es crevem o s a p a t o com o em b lem a d e
lib er d a d e exp os t o com or gu lh o p elos n egr os lib er t os . E s s a exib içã o era p os s ível d a d o a o
com p r im en to d a s s a ia s d a s n egr a s a cim a d a a lt u r a d o t or n ozelo. Qu a n t o à s m u lh eres
b r a n ca s , o sapato era p rop os it a lm en te es con d id o s ob a s s a ia s , con s t it u in d o n o s écu lo XIX
u m ver d a d eir o fet ich e, s en d o a té es te o tem a d o r om a n ce A Pa ta d a Ga z ela , d e J os é d e
Alen ca r , ed ita d o em 1 8 7 0 . J ú lio Da n t a s (1 9 1 6 , p .2 6 6 ) Em A m or e m Portu ga l n o s écu lo XVIII,
ed it a d o em 1 9 1 6 , cit a u m com en t á r io d e Mon tes qu ieu , em 1 7 2 0 , s ob r e os p or t u gu es es qu e
“p er m item a s s u a s es p os a s a p a r ecer em em p ú b lico com os s eios à m os t r a , m a s n ã o
consentem que se lhes veja o tacão [salto do sapato] ou a biqueira dos sapatos”.
68 Os s en h ores b r a n cos n em s em p re era m t ã o b r a n cos e os es cr a vos n em s em p r e era m tã o
negros.
69 Fonte: MUSEU DE ARTE DA BAHIA, 1997, p.66.
51
E como se vestiam geralmente as negras no Brasil?
Com
base
na
codificaçã o
vis u a l
já
exis t en t e
com
r ela çã o
à
in d u m en tá r ia n a m et r óp ole, elem en t os for a m in cor p or a d os e a d a p t a d os ,
fruto do grande intercâmbio cultural proporcionado pela expansão lusitana,
com o p od e s er vis to n o t r a je d a s n egr a s d o Br a s il. Ha via d ifer en t es t r a jes ,
ob ed ecen d o à cod ifica çã o s ócio-econôm ica e es t ét ica vigen t e, va r ia n d o
s egu n d o a
con d içã o ju r íd ica
de su a
u s u á r ia , “a t o s ocia l e fu n çã o
d es em p en h a d a ” (S ILVA apud MOL, 2 0 0 3 , p .7 4 ). Dois
gr a n d es
t ip os
distinguiam-se nas ruas das cidades70: trajes cotidianos de trabalho e trajes
festivos.
O t r a je cot id ia n o d e tr a b a lh o d a s n egr a s d a s r u a s n o Br a s il71 (fig.1 1 e
fig.1 2 ) er a u m a p r ojeçã o d a s r ou p a s d a s ca m p on es a s , ven d ed or a s e cr ia d a s
p or t u gu es a s
(fig.1 3 ).
Afin a l,
os
es cra vos
n egr os
for a m
in t r od u zid os
in icia lm en t e em Por t u ga l, n o s écu lo XV (MARQUE S , 1 9 8 5 , p .2 7 5 ). E m b or a
fos s em a r t igos d e lu xo n a m et r óp ole, d e a ces s o a p ou cos , r ea liza va m u m a
série de funções, concentrando-se nos centros urbanos72. “Essas pessoas de
cor t en d ia m a s e ves t ir com o b r a n cos , a in d a qu e n ã o exis tis s e u m tr a je
ú n ico ca r a ct er ís t ico d os p or t u gu es es , qu e s e d is tin gu ia m en t r e s i con form e
a p os içã o s ocia l, os ofícios e a s r egiões d e or igem ” (E S CORE L, 2 0 0 0 ,
p .2 6 )(fig.1 4 ). E s s a in d u m en t á r ia p or t u gu es a d a s cla s s es t ra b a lh a d or a s foi
com b in a d a
n o Br a s il, p r in cip a lm en te n a
Ba h ia , o gr a n d e p or t o d e
d es em b a r qu e, a elem en t os evoca t ivos d a Áfr ica com o os t u r b a n t es 73 e o
p a n o d a cos t a . Is s o s er ia u m a r ecr ia çã o d a vis u a lid a d e n egr a em t er r a s
70
O en foqu e s er á p a r a a in d u m en tá r ia d a s n egr a s d a s cid a d es , m or m en te p a r a S a lva d or .
E n t ret a n t o, s egu n d o E s corel (2 0 0 0 , p .9 4 ) “a r ou p a d e cor b r a n ca , n o Br a s il, t a m b ém é
a s s ocia d a a o t r a je d os es cr a vos r u r a is , fa b r ica d o com tecid o gr os s eir o s em t in gir , o ú n ico
cu ja p r od u çã o er a a u tor iza d a p elo a lva r á d e D. Ma r ia I. Ma s er a b r a n co p or fa lt a d e cor ,
com o a es top a .” E vid en tem en te, os es cr a vos d om és t icos d a ca s a gr a n d e, em con t a t o d ir eto
com seus senhores, recebiam uma melhor vestimenta.
71 Mu it os via ja n tes fa zem a lu s ã o a o t r a je s u m á r io e n u d ez d a s n egr a s vis t a s n a s r u a s , como
p od e s er p er ceb id o n a fig.1 1 , p os s ivelm en te u m a n egr a es cr a va d e m en or p os içã o, u m a
aguadeira.
72 S egu n d o Ven â n cio (2 0 0 3 , p .8 5 ), em b or a a es tr u t u r a s ócio-econ ôm ica p or t u gu es a fos s e
b a s ea d a n o t r a b a lh o livre, a es cr a vid ã o exis t iu a té o fin a l d o s écu lo XVIII. O es cr a vo n a
E u r op a t in h a u m p r eço eleva d o. E m Por t u ga l p er ten cia m em s u a m a ior ia à s ca m a d a s
intermediárias da sociedade ligadas ao artesanato urbano (idem, p.86).
73 O u s o d os tu r b a n tes foi regis t r a d o p elo cód ex 1 8 8 9 , d e m ea d os d o s éc.XVI, p or t a d o p or
et íop es , fa r ta qu es d a Ar á b ia e p er s a s (BARRE TO e GARCIA, 1 9 ?, p .6 8 -9 ). E m t od a s a s
r ep res en t a ções é a t r ib u t o d os h om en s . Além d e s eu u s o p elos m u lçu m a n os , a s u a p res en ça
na África oriental deve-se ao contato comercial com os árabes e indianos.
52
b r a s ileir a s vis to qu e, a m a ior ia d os gr u p os t r ib a is t r a n s p la n t a d os t in h a ,
a n t es
do
con t a to
com
os
eu r op eu s ,
uma
id en t id a d e
d ifer en t e
qu e
com p r een d ia , en t r e ou t r os , o u s o r es t r it o d os t ecid os . As m u lh er es d e
Angola, Congo e do Reino de Monomopata (atual Zimbábue) usavam apenas
u m a fa ixa com cer ca d e d ois p a lm os em t or n o d a cin t u r a com o u m a s a ia
cu r t a (fig.1 5 ), con h ecid a com o t a n ga 74 (idem, p .4 7 ), s en d o qu e a s ca s a d a s
cob r ia m
o b u s t o (BARRE TO
e GARCIA, 1 9 ?, p .6 7 ). Ger a lm en t e
os
h a b it a n t es d a Gu in é e S er r a Leoa n ã o u s a va m r ou p a s (fig.1 6 ). As et íop es
u s a va m u m a s a ia lon ga e u m p a n o s ob r e os om b r os a s s em elh a n d o-s e a o
sari75 d a s in d ia n a s (fig.1 7 e 1 8 ), excet o p or t r a zer em o b u s t o d es cob er t o. A
p r óp r ia in d u m en t á r ia n a Áfr ica , a p ós o con t a t o com os eu r op eu s e s ob a s
im p os ições p u d ica s d o Cr is t ia n is m o r efer en t es a o cor p o, s ofr eu r eleva n t e
transformação e ressignificação76.
74
No jor n a l O B a h ia n o (1 1 m a r .1 8 3 0 , p .4 ) en con tr a -s e em u m a vis o a s egu in te d es cr içã o:
“Qu em s e qu eixa d e u m a n egr a n ova d e ta n ga p er d id a ”. A t a n ga , u m a t ir a d e p a n o usada
como uma saia curta para se cobrir o sexo, era a primeira roupa recebida pelos africanos de
amb os os gên er os , h om en s e m u lh eres . E r a com ela qu e er a m exp os tos em leilã o os n egr os
recém-ch ega d os (KARAS CH, 2 0 0 0 , p .1 8 9 ). S eu u s o, n o s écu lo XIX, p od e s er vis t o em Deb ret
n a ilu s t r a çã o O m erca d o d e es cra v os d a ru a d o Va lon go (idem, p .2 2 2 / 2 2 3 ) e em Hen r y
Chamberlain na gravura O mercado de escravos (MUSEUS CASTRO MAYA, 1994, p.147).
75 Tr a je n a cion a l d a s m u lh eres in d ia n a s , con s t itu íd o d e u m a lon ga p eça d e p a n o qu e
envolve e cobre todo o corpo (HOUAISS, 2001).
76 “No s écu lo XVII, o p a d r e ca p u ch in h o Ca va zzi (1 9 6 5 :1 6 6 ) n ot a qu e, em b or a n a s regiões
m a is r em ot a s d a Áfr ica Cen t r a l At lâ n t ica a in d a s e a n d a s s e s em i-d es p id o, com o cor p o m a is
en feit a d o d o qu e es con d id o p ela s t a n ga s d e con t a s , con ch a s e m iça n ga s ou os a ven ta is d e
p ele d e a n im a l, n a s banzas [a ld eia s d os ch efes ] d os rein os d o Con go, Ma t a m b a e An gola
n ob res e p leb eu s u s a va m t r a jes d e in s p ir a çã o eu r op éia e t in h a m p len a con s ciên cia d o ves t ir
com o for m a d e d is t in çã o. A cor t e con goles a , cr is t ia n iza d a d es d e o s écu lo XV, p or a cr ed it a r
qu e os t r a jes eu r op eu s era m p or t a d ores d o p od er d o h om em b r a n co, p r ocu r a va cop ia r a
moda lusitana” (ESCOREL, 2000, p.39).
53
Fig.11 - Mercadora e carregadora de água (2 negras,
uma liberta e a outra escrava). Desenho aquarelado,
Bahia, séc. XIX. Col. Lady Maria Callcot, Biblioteca
Nacional – RJ. 77
Fig.13 – Tr a d icion a is cos t u m es p or t u gu es es a té o s éc.
XIX. Prancha de Auguste Racinet.79
77
Fig.12 - Ven d ed or a d e gr a vu r a s :
Bahia (n egr a es cr a va ven d ed or a
ca r r ega n d o m en in o à s cos t a s ).
Desenho aquarelado, séc. XIX.78
Fig.14 – Ven d ed eir a n egr a em
Por t u ga l, s éc. XVI. Fon t e: DIAS ,
1992, p.4080.
Fonte: http://international.loc.gov/cgi-b in/query/r?intldl/ascbrbib:@OR(@field(DOCID+
@lit(ascbr000029)))
78Col. La d y Ca llcot , Bib lioteca Na cion a l – RJ. Fonte: h ttp://international.loc.gov/cgibin/query/r?intldl/ascbrbib:@OR(@field(DOCID+@lit(ascbr000020)))
79 RACINE T, Au gu s te. Th e com p le te cos tu m e h is tory . Ta s ch en , 2 0 0 3 . Dis p on ível em :
http://www.printspast.com/pwap1009010011.htm.
80 Detalhe do painel Nascimento da Virgem. Col. particular de D. Manuel de Sousa Holstein
Beck.
54
Fig.15 - Rep r es en t a çã o d e m u lh er ca fre
d o cod ex 1 8 8 9 d e m ea d os d o s éc.XVI.
Acervo da Biblioteca Casanatense, Roma.
Fonte: BARRETO e GARCIA, 19?, p.67)
Fig.16 – Habitantes d a Gu in é. Ilu s t r a çã o d e Die
Merfart u m Erfaru n g d e Ba lt a s a r S p ren ger ,
1509. Fonte: BARRETO e GARCIA, 19?, p.66)
Fig.17 – E t íop es d o cod ex 1 8 8 9 d e
m ea d os d o s éc.XVI (d eta lh e). Acer vo d a
Bib lioteca Ca s a n a ten s e, Rom a . Fon te:
BARRETO e GARCIA, 19?, p.68)
Fig.18 – Fa zen d eir os k a n a res e (Ín d ia ) d o
cod ex 1 8 8 9 d e m ea d os d o s éc.XVI. Acer vo
d a Bib lioteca Ca s a n a ten s e, Rom a . Fon te:
BARRETO e GARCIA, 19?, p.70)
55
Fig.19 – Ba n h a d e ca b ellos (s ic) b em ch eir os a . J .B. Deb ret . Aqu a rela . Rio d e
Janeiro, 1827. Col. Museus Castro Maya. Fonte: OS MUSEUS, 1996, p.205.
A variação nos trajes de uso cotidiano das negras e mulatas brasileiras
ir ia d ep en d er d o p od er a qu is it ivo 81 e a t ivid a d e exer cid a (fig.1 1 , 1 2 e 1 9 ). As
es cr a va s e m es m o a s lib er t a s d e p equ en o r en d im en t o t r a zia m s em p r e s a ia e
blusa82. O ves t id o er a u m lu xo e s egu n d o Alcâ n t a r a Ma ch a d o (apud MOL,
2 0 0 3 , p .7 3 ) er a p r oib id o à s m u lh er es n egr a s . Os t ecid os m a is cit a d os p a r a
as escravas baianas são os de algodão: chita e riscado (para as saias) e cassa
b or d a d a , b r im , zu a r t e e a lgod ã o a m er ica n o (p a r a a s b lu s a s ). Qu a n t os à s
cores o azul é o mais freqüente para as saias e o branco para as blusas83. No
81
Ta n t o d os s en h ores com o d a s p r óp r ia s u s u á r ia s , u m a vez qu e em a lgu m a s s it u a ções
com o a d e ga n h o, os es cr a vos er a m r es p on s á veis p or s u a s p r óp r ia s n eces s id a d es com o
alimentação e vestuário.
82 Tod a s a s d es cr ições d a in d u m en tá r ia em a n ú n cios d e es cr a va s fu gid a s t r a zem a p res en ça
d e s a ia e b lu s a , b em com o n o a r r ola m en to d e b en s lega d os n os in ven tá r ios d e lib er t a s ,
vestidos não são comuns. A iconografia existente confirma esse costume.
83 S egu n d o os a n ú n cios d e es cr a vos fu gid os con s u lt a d os . Qu a n t o à s cores , a icon ogr a fia
exis ten te refor ça os regis t r os es cr it os . Os tecid os es t a m p a d os e em ou t r a s cores com o a
vermelha eram mais caros (MOL, 2003, p.69-73).
56
qu e s e r efer e a os a ces s ór ios , o p a n o d a cos t a 84 é d efin id or e b a s t a n t e
p r es en t e n os r egis t r os es cr it os e icon ogr á ficos r efer en t es à Ba h ia . Há vá r ia s
m a n eir a s d e s e u s a r o p a n o d a cos t a 85. Além d e s er u s a d o s ob r e a s a ia
(fig.1 1 ) ou p en d en t e s ob r e u m d os om b r os , s er via p a r a ca r r ega r a s cr ia n ça s
p equ en a s à s cos t a s (fig.1 2 e 2 1 ), com o p a n o d it o d e b a m b u r r o 86. Os t or ços ,
geralmente b r a n cos , s ã o r ecor r en t es n a icon ogr a fia d a s es cr a va s . S egu n d o
E s cor el (2 0 0 0 , p .3 0 ), “er a id en t ifica d o com a con d içã o d e s er vid ã o” a s s im
com o “es ta r d es ca lço foi, d es d e Rom a a n t iga , u m d os t r a ços d is t in tivos d o
escravo” (idem, p .9 2 ). Tr a zer a ca b eça cob er t a p or len ços , ch a p éu s 87 e véu s
er a in s ígn ia d e lib erd a d e (BLUTE AU apud MOL, 2 0 0 3 , p .7 4 ). La r a (2 0 0 0 )
indica o uso de chapéus sobre torços ou só torços, pés calçados com meias e
s a p a t os ou ch in ela s com o p er t in en t es à s lib er t a s 88. Um a p r es en ça cu r ios a é
a d a fa ixa n a cin t u ra ou qu a d r is , d en om in a d a em d es en h o s et ecen tis t a d e
Ca r los J u liã o com o “b u n d a à cin t a ”89 (FE RRE Z, 1 9 6 3 , p .3 8 -3 9 ; LARA,
2 0 0 2 b ), u s a d a p or n egr a s e m u la t a s , t a n t o es cr a va s com o lib er t a s . Com o a s
saias e blusas eram desprovidas de bolsos e não era costume o uso de bolsas
84
O p a n o d a cos t a es t á p r es en te n os t r a jes d e t r a b a lh o cotid ia n o e n os t r a jes fes t ivos .
Segundo Torres (1950, f.30-33), seu comprimento é de cerca de 2,0m e largura média de 1,0
a 1 ,4 0 m . Devid o à s u a p equ en a la r gu r a , m u it a s vezes s u a s t ir a s s ã o em en d a d a s .
Ger a lm en te em a lgod ã o, tecid o em tea r m a n u a l, p r im eir a m en te foi im p or t a d o d a cos t a d a
Áfr ica , o qu e p r ova velm en te exp liqu e a s u a d en om in a çã o. No s écu lo XVIII, Vilh en a (1 9 6 9 ,
v.1 , p .6 1 ) in d ica a im p or t a çã o d e p a n os d a cos ta or iu n d os d a Cos t a d a Min a n o va lor d e
4 :8 0 0 $ 0 0 0 (qu a t r o m ilh ões e oit ocen t os m il réis ), cor r es p on d en d o a cerca d e 1 0 % d o va lor
d os es cr a vos im p or t a d os (4 9 0 :3 0 0 $ 0 0 0 – qu a t r ocen tos e n oven t a m ilh ões e t rezen tos m il
réis). Posteriormente foi fabricado no Brasil, sendo o seu colorido uma criação afro-brasileira
gr a ça s à in t r od u çã o d e n ovos cor a n tes . Nos p a n os d a cos t a a fr ica n os m a is a n t igos
p r ed om in a o a zu l, os t on s s ã o s om b r ios e a m or tecid os (TORRE S , 1 9 5 0 , p .8 ). Ta m b ém a
Inglaterra fabricou tecidos à imitação de panos da costa segundo os despachos pela Mesa da
Ab er t u r a d a Alfâ n d ega (Diá rio d a B a h ia , S a lva d or , 0 9 m a io 1 8 3 3 , p .3 ) on d e s e lê qu e for a m
arrolados “ 2 fardos com 56 pessas (sic) de riscados, à imitação dos pannos da Costa”.
85 Heloís a Tor r es (1 9 5 0 , f.4 0 -4 1 ) d eta lh ou a s for m a s d e u s o d o p a n o d a cos t a n o t r a je
festivo, no traje diário, em atividade de trabalho (amarrado nos quadris) e em uso cerimonial
d o cu lt o a orixá m a s cu lin o (a m a r r a d o n a a ltu r a d os s eios ). Na Ba h ia d o s écu lo XIX, Aga s s iz
(1 9 3 8 , p . 1 2 1 ) já d es t a ca r a e d es crevera o u s o d o p a n o d a cos t a p ela s n egr a s , com en ta n d o
qu e “a d ivers id a d e d e exp res s ões qu e ela s s a b em , p or a s s im d izer , t ir a r d a s d ifer en tes
maneiras de usar esse chale é de fato surpreendente”.
86 Bamburro é termo de origem mandinga, significa trazer ao dorso (ESCOREL, 2000, p.133)
87 E s cor el (2 0 0 0 , p .9 2 ) cit a qu e a m u lh er colon ia l n ã o u s a va ch a p éu , qu e era exclu s ivo d a s
prostitutas, entretanto reconhece a freqüência de registros iconográficos de mulheres negras
com chapéus com as quitandeiras com chapéus de palha, como a mercadora da fig.11.
88 Ta m b ém n a Áfr ica , a p ós con t a t o com os eu r op eu s , o u s o d o s a p a t o t or n ou -s e d is t in tivo
h ier á r qu ico. S egu n d o rela t o s eis cen t is t a d o p a d re Ca va zzi (apud E S CORE L, 2 0 0 0 , p .3 9 ), n a
cor te con goles a , cr is t ia n iza d a d es d e o s éc.XV, “s ó à r a in h a e s u a s filh a s era p er m it id o u s a r
s a p a t os , en qu a n to a s d a m a s d a cor te p od ia m ca lça r ch in ela s . Os p leb eu s , em s in a l d e
respeito, deviam andar descalços”.
89 Referência à legenda “moça dançando o lundu de bunda a cinta” sobre a Bahia.
57
p ela s m u lh er es , es s a cin t a s er via p a r a p or t a r ob jet os 90 com o ca ch im b o 91
(fig.20), bolsas de moedas, chave e até amuletos (fig. 21).
Fig.20 – Mu lh er n egr a . Alb er t
E ck h ou t . Óleo s / tela , 1 6 4 1 . Acervo:
National Museum of Denmark92.
Fig.21 – Aqu a rela d e Ca r los J u liã o, s éc. XVIII. Acer vo
Bib lioteca
Na cion a l
–
RJ .
Fon te:
http://200.9.175.172/lc/port/hist_escravidao.html.
Ha ver ia u m a s in gu la r id a d e ca r a ct er ís t ica d o t r a ja r d iá r io d a s n egr a s
b a ia n a s ? Con for m e vis to, d ifer en t es t ip os fr eqü en t a va m a s r u a s . Ma s ,
segundo Debret (1940, t.1, p.222-223),
a n egr a b a ia n a s e r econ h ece fa cilm en t e p elo s eu t u r b a n t e,
b em com o p ela a lt u r a exa ger a d a d a fa ixa d a s a ia ; o r es t o d e
s u a ves tim en t a s e com p õe d e u m a ca m is a d e m u s s elin a
b or d a d a s ob r e a qu a l ela coloca u m a b a et a , cu jo r is ca d o
ca r a ct er iza a fa b r ica çã o b a ia n a 93. A r iqu eza d a ca m is a e a
90
Algu m a s b a ia n a s d e a ca r a jé, a in d a em a t ivid a d e em S a lva d or , cos t u m a m t r a zer u m p a n o
en r ola d o n a cin t u r a , on d e gu a r d a m o d in h eir o d e s eu ga n h o e ret ir a m o t r oco p a r a os
clientes. Possivelmente um resquício do uso dessa cinta.
91 A p a la vr a ca ch im b o or igin a -s e d o id iom a qu im b u n d o kixima, qu e s ign ifica cois a oca
(ALE NCAS TRO, 1 9 9 7 , p .6 2 ). Os ca ch im b os cer â m icos u s a d os p elos a fr ica n os s ã o com p r id os
e m u itos exem p la r es t r a zem d iferen tes d ecor a ções , o qu e s egu n d o Agos t in i (1 9 9 8 ) s u ger em
uma expressão de identidade étnica.
92 BE RLOWICZ, Bá r b a r a e ou t r os . Albert Eck h ou t volta a o B ra s il 1 6 4 4 -2002. Cop en h a gen :
National Museet, 2002. p. 44.
93 E s s a b a et a , tecid o gr os s o d e a lgod ã o (DICCIONÁRIO p r á t ico illu s t r a d o. Por t o: Lello &
Irmão editores, 1944. p.117), seria o pano da costa.
58
qu a n t id a d e d e jóia s d e ou r o s ã o os ob jetos s ob r e os qu a is s e
expande a sua faceirice.
É d ifícil p r ecis a r es s a d ifer en cia çã o, r econ h ecid a n a ép oca , s em
m a ior es
in ves t iga ções .
Con t u d o,
m a is
uma
vez,
d ois
elem en t os
se
d es t a ca m : o t u r b a n t e e o p a n o d a cos t a a lém d o gos t o p elos a d or n os com o
jóias de ouro mesmo em atividades de trabalho diário.
Fig.22 – Baiana. Gravura aquarelada,
séc.XIX. Coleção Particular.
Fonte: AGUILAR, 2000b, p. 255.
Fig.23 – Vendedora. Des en h o a qu a rela d o,
Ba h ia , s éc. XIX. Col. La d y Ma r ia Ca llcot ,
Biblioteca Nacional – RJ94.
A com p a r a çã o d o t r a je d iá r io d a s n egr a s e m u la t a s com a r ou p a d a s
m u lh er es b r a n ca s t r a b a lh a d or a s n o Br a s il é d ificu lt a d a d evid o à fa lt a d e
r efer ên cia s en con t r a d a s . A ú n ica fon t e icon ogr á fica loca liza d a foi for n ecid a
p or Deb r et (fig.2 4 ). E m b or a r ep r es en t e d u a s m u lh er es b r a n ca s p ob r es
trabalhando (t ecen d o r en d a e fia n d o) em a m b ien t e d om és t ico 95, a s s u a s
r ou p a s a s s em elh a m -s e com a d a es cr a va d e p é ju n t o a ela s , p r in cip a lm en t e
com r ela çã o à m u lh er b r a n ca m a is velh a . As p a r t icu la r id a d es d o t r a je d a
n egr a es cr a va s ã o: o t or ço, o p a n o joga d o s ob r e o om b r o e a fa ixa a m a r r a d a
na cintura.
94
95
http://international.loc.gov/cgi-bin/query/D?ascbrbib:25:./temp/~intldl_oBt5:
É preciso considerar as diferenças dos trajes dos ambientes públicos e privados.
59
Fig. 2 4 – Fa m ília p ob re r ecolh en d o o p r od u t o d o t r a b a lh o d e velh a es cr a va
ca r r ega d or a d e á gu a . J ea n -Ba p t is te Deb ret . Aqu a r ela , 1 8 2 7 . Fon te: MUS E US ,
1994, p.117
Qu a n t o à s r ou p a s fes t iva s , exis t e t a m b ém a r ela çã o d os t r a jes d a s
n egr a s
b a ia n a s
com
as
das
t r a b a lh a d or a s
p or t u gu es a s . É vis ível a
s em elh a n ça con ceitu a l (semântica) e form a l (sintática), trocando-s e o xa le
p elo p a n o d a cos t a , en t r e os t r a jes fes t ivos d a s n egr a s b a ia n a s e os d a s
la vr a d eir a s p or t u gu es a s (fig.2 5 a 31) “d e d om in ga r ”, d e “m er ca r ” ou d e “ir à
feir a ” e o d e lu xa r (COS TA e FRE ITAS , 1 9 9 2 , p .2 4 ). A oca s iã o d et er m in a o
t r a ja r e en glob a o u s o d e a d er eços es p ecíficos . E xis tia m d ois t ip os d e t r a jes
cr iou los
96
fes t ivos
u s a d os
p or
a lgu m a s
n egr a s
e
m u la t a s 96,
qu e
É p r ecis o con s id er a r o cu s t o d e u m d es s es t r a jes ela b or a d os , o qu e cer ta m en te n ã o era
aces s ível p a r a t od a s a s n egr a s . Os t ecid os er a m m u it o d is p en d ios os . S egu n d o Mol (2 0 0 3 ,
p .6 9 ), “gr a n d e p a r te d os tecid os er a im p or t a d a d e p a ís es com o a Fr a n ça , In gla ter r a , It á lia ,
Hola n d a e Or ien te d e on d e s e t r a zia a s ed a , o m a d r a s t o e a lgod ã o”. S egu n d o a va liação
r ecolh id a p or ela em in ven t á r ios m in eir os s etecen tis t a s o côva d o (6 6 cm ) d e a zu l fin o ferr ete
va lia 4 $ 0 0 0 (qu a t r o m il r éis ), o côva d o d e velu d o cu s t a va 1 $ 8 0 0 (m il e oit ocen tos r éis ) e
tecid os d e a lgod ã o m a is b a r a t os com o a b a eta t in h a m o p reço d e $ 4 2 0 (qu a t r ocen t os e vin te
r éis ) p od en d o ch ega r a 1 $ 5 5 0 (m il qu in h en tos e cin qü en t a réis ) qu a n d o b a et ilh a ou b a et ã o
es ca r la te. “Os tecid os d e a lgod ã o es t a m p a d o for a m u m d os m a iores n egócios d a ép oca ,
p r in cip a lm en te n o s écu lo XVIII” (FE RRE IRA, 2 0 0 1 , p .1 1 ). S er via m d e m oed a d e t roca n o
t r á fico d e es cr a vos , a b a s tecia m os m er ca d os eu r op eu s e d a s colôn ia s . A in d ú s t r ia d e
es t a m p a r ia p or t u gu es a , d iferen tem en te d a s d em a is gr a n d es n a ções eu r op éia s d a ép oca , s ó
60
d es en volver a m u m a cod ifica çã o vis u a l p r óp r ia : a r ou p a d e b a ia n a e o t r a je
de beca97.
Fig.25 – Fa t os via n en s es d e “d om in ga r ” e d e
“luxar”, margem direita do Lima.
Fonte: COSTA e FREITAS, 1992, p.30
Fig.26 – Rou p a d e “ou vir o s er m ã o
d e fes t a ” d e la vr a d eir a r ica d e
Meadela98. Fonte: idem, p.34
foi im p la n t a d a n a s egu n d a m et a d e d o s éc. XVIII, s en d o qu e já em 1 7 7 7 a s ch it a s
portuguesas eram exportadas para o Brasil (idem, p.17).
97 E s s a s d en om in a ções s ã o u t iliza d a s p or Heloís a Tor r es (1 9 5 0 , f.2 9 ). Ra u l Lod y (1 9 8 8 ,
p.25-2 8 ) a d ot a va os term os t r a je d e cr iou la e t r a je d e b eca , a gor a for m a liza n d o a a m b os
com o t r a jes d e cr iou la (2 0 0 3 , p .2 5 9 -2 6 0 ) os d es ign a com o r ou p a d e b a ia n a , es t a r d e s a ia ou
ves t id a à b a ia n a em con tr a p os içã o à r ou p a d e ga la qu e s er ia o t r a je d e b eca ou b a ia n a d e
beca. Maria Graham registrou o traje de baiana como holliday dress (fig.29 e 30).
98 Mea d ela é p ovoa d o d e Via n a d o Ca s telo, Dis t rit o d e Via n a d o Ca s telo (DICCIONÁRIO
prático illustrado. Porto: Lello & Irmão editores, 1944. p.1566).
61
Fig. 2 7 - Gr u p o d e La vr a d eir a s d e Oliveir a d e Azem éis 99, qu e n o m u lt is s ecu la r
mercado semanal, então ao domingo. Foto tirada no início do Século XX.
Fonte: http://cidacos.servisoft.pt/postais/lavradeiras.htm
Fig.28–Tr a je d e b eca . Cr eou la s d a Ba h ia Br a s il, s éc. XIX. Fon t e: Ar qu ivo Mu s eu Ca r los
Costa Pinto.100
99
Fig.29– Rou p a d e b a ia n a . Holliday
dress (Tr a je d e fer ia d o). Des en h o
a qu a rela d o, s éc. XIX. Col. La d y
Calcott, BN – RJ. 101
Dis t r it o d e Aveir o, a o n or te d e Por tu ga l (DICCIONÁRIO p r á t ico illu s t r a d o. Por t o: Lello &
Irmão editores, 1944. p.1638).
100 A Bib lioteca d a Fu n d a çã o In s t it u to Fem in in o d a Ba h ia p os s u i u m exem p la r d es t a
fotografia com a identificação “Folô e Chiquinha”. Notar a chinela com ponta à mourisca.
101 Fonte: http://international.loc.gov/cgi-bin/query/r?intldl/ascbrbib:@OR(@field(DOCID+
62
O t r a je d e b a ia n a (fig.2 9 e 3 0 ) foi d es cr it o n o s écu lo XIX, em S a lva d or ,
por James Wetherell102 (1972, p.79-80) da seguinte forma:
A p a r t e s u p er ior , a cim a d a s a ia , é feit a d e fin a m u s s elin a , lis a
ou en feit a d a , a lgu m a s vezes t ã o t ra n s p a r en t e qu e m a l ch ega a
d is fa r ça r o cor p o, d a cin t u r a p a r a cim a . A p a r t e qu e cob r e o
b u s t o é b or d a d a com la r ga s r en d a s e p equ en os t u b os ,
lin d a m en t e t r a b a lh a d os , r eu n id os p or m eio d e u m a
a b ot oa d u r a d e ou r o; es t a p a r t e s u p er ior d o ves t id o é s em pre
t ã o folga d a qu e u m d os om b r os d a m u lh er fica qu a s e s em p r e
in t eir a m en t e d es cob er to. A s a ia d o ves tid o é m u it o volu m os a ,
for m a n d o, qu a n d o coloca d a s ob re o s olo, u m cír cu lo com p let o;
s u a or la é b or d a d a com r en d a ou leva u m a r a b es co b r a n co
a p lica d o s ob r e a m es m a ; a s a ia d e b a ixo ta m b ém é b or d a d a
com r en d a s . Os p és , s em m eia s , s ã o en fia d os em p equ en os
s a p a t os qu e cob r em a p on t a d os d ed os e os s a lt os , m u it o a lt os
e pequenos, não alcançam o calcanhar. Os braços são cobertos
d e p u ls eir a s d e cor a l e d e ou ro, et c; o p es coço e o p eit o
ca r r ega d os d e cola r es e a s m ã os d e a n éis (...) Um elega n t e
p a n o d a cos t a é joga d o s ob r e o om b r o. (...) Um gr a n d e len ço d e
r en d a b r a n co ou m u s s elin a d e cor , com u m a or la d e r en d a
b r a n ca ou p r et a , e t r a n s for m a d o d a m a n eir a m a is elega n t e
n u m t u r b a n t e p a r a a ca b eça , e cu r ios os b rin cos com p let a m
es s e ves t u á r io. (...) Um a p equ en a ces t a , u s a d a m a is com o
a d or n o d o qu e com o ob jeto d e u s o, é p or vezes ca r r ega d a n a
cabeça.
@lit(ascbr000026)))
102 E xt rem a m en te ob s er va d or , J a m es Weth erell (1 8 2 2 -58) foi vice-côn s u l in glês h on or á r io
em S a lva d or p or 1 5 a n os , en t re 1 8 4 2 e 1 8 5 7 , d eixa n d o p recios o regis t r o es cr it o s ob r e o
período.
63
Fig.30 – Tr a je d e b a ia n a . Hollid a y d res s –Traje
d e fer ia d o. Des en h o a qu a r ela d o, s éc. XIX. Col.
Lady Calcott, Biblioteca Nacional – RJ.103
Fig.31 – Tr a je d e b eca . Ret r a t o d e
b a ia n a . G.Ga en s ly. Fot ogr a fia (ca r t ã o
p os t a l), d ec. 1 8 8 0 . Col. Pa r t icu la r .
Fonte: ARAÚJO, 2002, p.139.
O t r a je d e b eca 104 er a d e u s o m a is r es t r it o, cer im on ia l, d e s olen id a d es
com o a s p r ocis s ões r eligios a s e a qu a r es m a , en qu a n t o o t r a je d e b a ia n a er a
com o u m t r a je d om in gu eir o, d e ir à m is s a .
O t r a je d e b eca (fig.2 8 e 3 1 )
con s is t ia em t or ço d e s ed a b r a n ca en feit a d o d e fin ís s im o b ico con d izen t e,
qu e p od ia t a m b ém s er em gor gor ã o p r et o; ca m is a s b r a n ca s em t ecid o
fin ís s im o,
p r im or os a m en t e
b or d a d a s ,
de
m a n ga s
cu r t a s ,
d ecot e
a r r ed on d a d o a la r ga d o e p ou co p r ofu n d o; s a ia s d e b eca d e t ecid o p r et o 105
p lis s a d o d e com p r im en t o a t é os tor n ozelos ; a n á gu a s ; len ço d e ca m b r a ia
b or d a d a p os t o n a cin t u r a ; p a n o p r et o, p os s ivelm en t e p a n o d a cos t a , u s a d o
com o xa le; s a p a t in h a s d e p elica b r a n ca com en feit es d e s ed a , d e b iqu eir a
r evir a d a p a r a cim a à m or is ca e s a lt o d e ca r r et el; e u m a p r ofu s ã o d e jóia s
como grossas correntes de ouro no colo, braceletes cobrindo os punhos e os
103
Fonte: http://international.loc.gov/cgi-bin/query/r?intldl/ascbrbib:@OR(@field (DOCID+
@lit))
104 No tes t a m en t o d a t a d o d e 2 6 / 0 5 / 1 8 2 6 , d a a fr ica n a for r a E u gên ia Ma r ia d o S a cr a m en to,
natural da Costa da Mina, no arrolamento de suas roupas há uma referência “a minha Beca
d e velu d o” (APE B, Livr o d e Regis t r o d e Tes t a m en t os n º 1 3 , 1 8 2 6 , fls .6 3 ). Ta m b ém Vilh en a
(1 9 6 9 , p .5 4 ), s ob r e a Ba h ia s etecen t is t a fa z r eferên cia a “m u la t a s , e p reta s ves t id a s com
r ica s s a ia s d e cet im , b eca s d e lem is te fin ís s im o”. E J oã o d a S ilva Ca m p os (2 0 0 1 , p .3 1 3 ), n a
primeira m eta d e d o s éc. XX cit a “As n egr a s , en t ã o, exib ia m s a ia s d e b eca , p lis s a d a s à m ã o!”
como as retratadas na fig.28.
105 Con for m e in d ica d o n a n ot a 8 6 , o t ecid o d a s s a ia s d e b eca p od ia s er velu d o ou lem is te
(pano preto e fino de lã).
64
a n t eb r a ços a t é a a lt u r a d os cot ovelos 106. O u s o d e a ces s ór ios com o o
guarda-ch u va a p a r ece em a lgu m a s r ep r es en t a ções icon ogr á fica s n os t ra jes
fes t ivos , t a n t o p a r a o t r a je d e b eca (fig.2 8 ) com o p a r a o t r a je d e b a ia n a (fig.
29 e 30), sendo visto também em uso pelo grupo de lavradeiras portuguesas
de Oliveira de Azeméis (fig.27).
Con for m e a d es cr içã o d e Ca m p os (2 0 0 1 , p .3 1 3 ) s ob r e a p r ocis s ã o d a
Ir m a n d a d e d e S ã o Ben ed it o, n a p r im eir a m et a d e d o s éc. XX, a r ou p a d e
b eca er a u s a d a p ela s m u lh er es d a s ir m a n d a d es n egr a s , com p on d o os
cor t ejos p r oces s ion a is com a s cor es e in s ígn ia s d e s u a s or d en s . As ú n ica s
m u lh er es a in d a a con s er va r es s a vis u a lid a d e s ã o a s d evot a s d a Ir m a n d a d e
de Nossa Senhora da Boa Morte (fig.32), de Cachoeira, Bahia, que envergam
o traje de beca e as jóias de crioulas durante a festividade de sua padroeira,
realizada anualmente no mês de agosto.
Fig.32 - S ér ie As Da m a s d a Boa Mor te. Ad en or Gon d im . Fot ogr a fia ,
década de 1990. Col. Particular. Fonte: AGUILAR, 2000b, p.505.
106
Des cr içã o s egu n d o fon tes icon ogr á fica s e regis t ros d e QUE RINO, 1 9 8 8 , p .2 2 7 ; CAMPOS,
2001, p.313; LODY, 1988, p.26; AVÉ-LALLEMANT, 1961, p.46; TORRES, 1950, f.20-27.
65
Qu a n t o a os a d er eços , p r óp r ios d os t r a jes fes t ivos , p r in cip a lm en t e n o
t r a je d e b eca (fig.2 8 e 3 1 )107, a m a ior ia d os a u t or es con s u lt a d os ca r a ct er iza
a joa lh er ia cr iou la b a ia n a com o u m a s in gu la r id a d e n o Br a s il. S egu n d o eles ,
u n ica m en te n a Ba h ia h a via jóia s es p ecifica m en t e con feccion a d a s p a r a u s o
das negras e mulatas. Todos os exemplares existentes em Museus108 trazem
sua origem atribuída à Bahia dos séculos XVIII e XIX. Elas diferem das jóias
d a s s en h or a s b r a n ca s 109 qu a n t o à d im en s ã o, p es o, qu a lid a d e d o m a t erial,
for m a t o e d ecor a çã o. As jóia s d e cr iou la s (fig.3 3 e 3 4 ) s ã o d e m a ior es
p r op or ções , em b or a qu a s e s em p r e s eja m oca s , em s u a m a ior ia em ou r o,
p r ofu s a m en t e d ecor a d a s e u s a d a s em qu a n t id a d e (p r ofu s ã o 110 d e cola r es ,
a n éis em t od os os d ed os , m u it a s p u ls eir a s ). Há u m a t ip ologia d a s jóia s d e
cr iou la :
cor r en t ã o
de
cr iou la ,
cola r es
de
a lia n ça
ou
gr ilh ões
(MACHADO,1 9 7 3 , p .8 0 ), p u ls eir a cop o 111, p u ls eir a d e p la ca s , la r gos p en t es ,
a b ot oa d u r a s , b r in cos 112 e a b ot oa d u r a s em r os et a s . No qu e s e r efer e à
d ecor a çã o,
não
t r a zem
elem en t os
a fr ica n os ,
evoca m
figu r a s
gr eco-
romanas113 e eu r op éia s , or n a m en t os fit om or fos , efígie d e D. J oã o VI, D.
Ped r o I e D.Ped r o II. Há m u ito t r a b a lh o em filigr a n a n a s p u ls eir a s e n a s
b ola s d it a s con feit a d a s 114 d os cor r en t ões . E s t e s e a s s em elh a à joa lh a r ia
107
Na figu r a 1 0 , a n egr a u s a cor r en tões d e cr iou la , em b or a s e vis t a com ves t id o d e s en h or a
branca, à moda européia.
108 E xis tem jóia s d e cr iou la s n a s coleções d o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o, Mu s eu d e Ar te d a
Bahia, Fundação Instituto Feminino da Bahia, Museu Histórico Nacional e Museu Imperial.
109 As jóia s d a s s en h or a s b r a n ca s ger a lm en te t r a zem p ed r a r ia e p r im a m p ela d elica d eza , ao
es t ilo d a s elites eu r op éia s d a ép oca . A com p a r a çã o d a s jóia s d e cr iou la s e jóia s d e s en h or a s
b r a n ca s p od e s er vis t a n a s fig.9 e 1 0 . Nã o for a m en con t r a d a s r eferên cia s com r ela çã o à s
jóias usadas pelas mulheres brancas da classe trabalhadora no Brasil.
110 E s s a p r ofu s ã o é ca r a cter ís t ica ta m b ém d a vis u a lid a d e d a s m u lh er es p or t u gu es a s
lavradeiras em trajes festivos (fig.26).
111 Pulseira tipo bracelete cilíndrico que assemelha-se formalmente a um copo.
112 “Os b r in cos , ou m elh or , ‘a s a r gola s ’, com o er a m con h ecid os , er a m gu a r n ecid os d os
m a ter ia is m a is d iver s os : a s á ga t a s r os a d a s d o Pa r a gu a çu , a s t u r qu es a s or ien t a is , a s
cor n a lin a s , os lá p is -la zú li, a t a r t a r u ga , a s a ven tu r in a s , con h ecid a s com o p ed r a -de-orives,
asas de besouro, guarnecidas de ouro, caramujos, etc.”(MACHADO, 1973, p.80)
113 Pr ová vel in flu ên cia d a s es ca va ções d e Her cu la n o e Pom p éia , cid a d es r om a n a s s oter r a d a s
p ela er u p çã o d o vu lcã o Ves ú vio em 7 9 d .C, o gr a n d e a ch a d o a r qu eológico d e m ea d os d o
séc.XVIII, inspirador do estilo Neoclássico (JANSON, 1984, p.559-560).
114 E m Por t u ga l ch a m a m -s e con t a s d e Via n a , cu jo n om e t r a d icion a l é con t a s d e “olh o d e
perdiz” (SOUSA, 1999, p.252).
66
p op u la r p or t u gu es a a in d a exis t en t e n o n or t e d e Por t u ga l. O cor a l ver m elh o
aparece em colares e pulseiras sob a forma de cilindro115.
Fig.33 – J óia s d e cr iou la em ou r o:
cor r en t ã o, p u ls eir a t ip o cop o e p u ls eir a d e
p la ca s . Ba h ia , s éc. XVIII e XIX. Acer vo
Mus eu Ca r los Cos t a Pin t o. Foto: S a u lo
Kainuma.
Fig.34 – Crioula. Lindermann. Fotografia.
Bahia, 1905-1910. Col. Particular. Fonte:
AGUILAR, 2000b, p.144
A fot o foi color iza d a p a r a d es t a ca r o u s o
das jóias de crioulas.
Além d e jóia s , a s n egr a s e m u la t a s u s a va m u m a va r ied a d e d e s ign os
mágicos.
1.5. O uso de signos mágicos
Vin cu la d os ou n ã o a p r á t ica s r eligios a s , com o er a p os s ível a exis t ên cia
e u s o d e s ign os m á gicos n u m a s ocied a d e for ja d a e d om in a d a p ela Igr eja
Católica?
O ca t olicis m o oficia l, d efin id o p ela t eologia e p elo d ir eit o
ca n ôn ico, n u n ca exis t iu . E xis tem s is t em a s con cr et os ,
con s tit u íd os p or u m a cer t a im p r egn a çã o cr is t ã d e vá r ia s
civiliza ções . Ma s o cr is t ia n is m o p u r o, oficia l, n ã o exis te. Nem
115
Na s jóia s d a s s en h or a s e cr ia n ça s b r a n ca s o cor a l ger a lm en te a p a rece em r a m a (for m a
n a t u r a l) en qu a n t o é u s a d o p elos n egr os em con ta s , à m a n eira d a Cos t a d a Min a (PAIVA,
2001, p.517).
67
os p r óp r ios clér igos o vivem . A d ifer en ça en t r e o ca t olicismo
d os clér igos e o ca t olicis m o p op u la r con s is te a p en a s n is s o: qu e
os clér igos im a gin a m qu e o s eu cr is t ia n is m o é p u r o e o ú n ico
ver d a d eir a m en t e a u tên t ico, en qu a n t o os ou t r os n ã o t êm
p r ob lem a d e or t od oxia n em d e a u t en t icid a d e. Na r ea lid a d e
exis t em a p en a s d ifer en t es s is t em a s d e t r a d u çã o d o
cr is t ia n is m o em con d ições con cr et a s d e vivên cia h u m a n a . As
for m a s p op u la r es m erecem t a n to r es p eito qu a n t o a s for m a s
oficia is . A con ver s ã o a o cr is t ia n is m o n ã o s e fa r á p or im p os içã o
a t od os d e u m cr is t ia n is m o oficia l d efin id o a p r ior i p elos
clér igos , m a s s im p elo con t a t o r en ova d o com o eva n gelh o qu e
ca d a u m fir m e d en t r o d a s s u a s p róp r ia s es t ru t u r a s (COMBLIN
apud HOORNAERT, 1991, p.29)
S egu n d o Ma t os o (1 9 9 2 , p .3 9 0 ), “os h is t or ia d or es d a Igr eja d efin em o
ca t olicis m o t r a zid o a o Br a s il p ela colon iza çã o com o leigo, s ocia l, fa m ilia r e
medieval” e dentro deste último aspecto cita a crença no poder dos espíritos
do mal, que levava a práticas de feitiçaria.
No im a gin á r io p op u la r oit ocen t is ta , er a b a s t a n t e a r r a iga d a a
cr en ça d e qu e a s d oen ça s p os s u ía m n a t u r eza s ob r e-humana,
a o s er em p r ovoca d a s , p or exem p lo, p ela feit iça r ia ou p ela a çã o
d e u m m a u olh a d o. Molés t ia s e s or t ilégios es t a va m
d ir et a m en t e r ela cion a d os e, m u it a s vezes , con fu n d ia m -se,
p os t o qu e o p r óp r io feit iço er a con s id er a d o u m a d oen ça ca p a z
d e s er com b a t id a com a in ges t ã o d e m ezin h a s a p r op r ia d a s . O
mau-olh a d o er a con s id er a d o ext rem a m en t e n ocivo, s ob r et u d o
às crianças, e resultava no terrível quebranto: uma doença que
d es p er t a va p r ofu n d a s a n gú s t ia s , u m a vez qu e er a con s id er a da
ca p a z d e p r ovoca r a m or t e d os in ocen tes . O r em éd io con t r a os
m a les a d vin d os d o m a u -olh a d o er a a s s egu r a d o p elo u s o d e
a m u let os e p ela s b en zed u r a s ; p or t a n t o, a cu r a e a p r ofila xia
con t r a s em elh a n t es en fer m id a d es n ã o es t a va m n a s m ã os d os
médicos (SOARES, 2001, p.419-420)
S ob o cu lto à s s a gr a d a s r elíqu ia s 116 e a d evoçã o p es s oa l a u m s a n t o, a
r eligios id a d e
ca t ólica
p op u la r
viven cia va
p r á t ica s
m á gica s ,
d it a s
s u p er s t içã o, on d e er a com u m o u s o d e a m u let os (s ign os m á gicos d e
p r ot eçã o) e t a lis m ã s (s ign os m á gicos p r op icia t ór ios ). Com es s a in t en çã o
er a m u s a d os a gn u s d e i117, m ed a lh a s , figa s , b en t in h os (es ca p u lá r ios ) e a t é
116
Beth en cou rt (2 0 0 4 , p .1 4 6 ) con s id era a s r elíqu ia s com o “a m u let os con s a gr a d os p ela
Igreja”.
117 Agn u s d e i s ign ifica liter a lm en te “cor d eir o d e Deu s ” (VAINFAS , 1 9 9 7 , p .7 7 ). É u m
m ed a lh ã o feit o com a cera d a s vela s d a Ba s ílica d e S ã o Ped r o a p ós a Qu a r es m a , qu e o p a p a
consagra e em que se vê o Cordeiro Pascal (SANTOS e SILVA, 1998, p.138). As Constituições
68
m es m o o r os á r io, cr u zes e cr u cifixos 118. Pod er os os cu r a n d eir os a t u a va m n a
cid a d e, s u p la n t a n d o os in cip ien t es e p a r cos r ecu r s os d e u m a m in or ia
m éd ica exis t en t e. Os oficia is b a r b eir os , qu e a t u a va m
t a m b ém
com o
cir u r giões (fig.3 5 ), er a m qu a s e s em p r e n egr os e m u la t os (S OARE S , 2 0 0 1 ,
p .4 0 9 ). Reza s , er va s , s a n gr ia s , a p lica çã o d e ven tos a s , feit iços e a ven d a d e
amuletos de proteção e talismãs propiciatórios faziam parte de suas funções
(DE BRE T, 1 9 4 0 , t .1 , p .2 6 8 -9). E s s a s p r á t ica s com u n ga r a m com a s vá r ia s
t r a d ições d os n egr os , h a ven d o d e a m b os os la d os in cor p or a ções a o a r s en a l
mágico.
Fig. 3 5 – O Cir u r giã o n egr o. Deb ret , s éc.XIX. Fon te: KARAS CH,
2000, p.414/415
Pa r a S ou za (1 9 9 9 , p .1 5 ), a feit iça r ia n o Br a s il, qu e s e a cr ed it a va
p er s is t ên cia d e p r á t ica s a fr ica n a s , d izia r es p eit o a u m s u b s t r a t o com u m
t a m b ém à feit iça r ia eu r op éia . Recor r ia -s e com n a t u r a lid a d e à m a gia n o
universo cristão. Esses costumes só eram identificados como crimes contra a
fé, d es vios d o Ritu a le Rom a n u m , a p a r t ir d a a çã o d os m eca n is m os d e p od er
d a Igr eja com o a In qu is içã o. “Nã o a p en a s r ú s t icos va qu eir os e t a b a r éu s d o
p r im eir a s d o Ar ceb is p a d o d a Ba h ia (1 8 5 3 , p .1 0 ) or ien ta m s u a con fecçã o s egu n d o “o m ot o
proprio (sic) do Papa Gregório XIII”.
118 No Rein o d o Con go, qu e a d otou o Cr is t ia n is m o com o religiã o oficia l n o s éc. XV p or
con ven iên cia s p olít ica s e econ ôm ica s , os s ím b olos cr is t ã os er a m id en t ifica d os com o nkisi,
ter m o qu icon go p a r a d es ign a r t od o ob jeto m a teria l qu e p os s u a for ça es p ir it u a l, s en d o a s
cr u zes , cr u cifixos , r os á r ios u s a d os com o p r oteçã o con t r a feitiça r ia e p a r a d a r s or t e (DIAS ,
1992, p.277-279)
69
s er t ã o, d evot os d os d is p u t a d os p a t u á s e b ols a s d e m a n d in ga , m a s t a m b ém
d ou t os s a cer d ot es r ein óis r es va la va m n es t e t er r en o d ú b io qu e s ep a r a a s
d evoções a p r ova d a s d a qu ela s con s id er a d a s d elit u os a s ” (MOTT, 1 9 9 7 , p .1 9 6 ).
Mu itos
d es s es
h á b it os
for a m
r egis t r a d os
a t r a vés
das
p r es cr ições
e
condenações119. As Con s t itu ições Pr im eir a s d o Ar ceb is p a d o d a Ba h ia ,
ela b or a d a em 1 7 0 7 e p u b lica d a em 1 7 1 9 , or ien ta va qu a n t o a o cu lt o d a s
S a n t a s Relíqu ia s e S a gr a d a s Im a gen s (Livr o I, Tít u lo VIII)120, p r ocis s ões
(Livr o I, Tít u lo XIII)121 e t r a zia o Livr o qu in t o es p ecia lm en t e p a r a “Do cr im e
d e h er es ia , b la s fêm ia , feit iça r ia e s u p er s t ições ”122. As p en a s p a r a a s p r á t ica s
m á gica s va r ia va m d a “ex-com m u n h ã o (s ic) m a ior ip s o facto”123 p a r a os
s a cer d ot es , p en it ên cia p ú b lica , p en a p ecu n iá r ia e d egr ed o p a r a a Áfr ica
(CONS TITUIÇÕE S ..., 1 8 5 3 , p .3 1 4 ). Os a ler t a s s ã o p a r a o p a ct o com o
d em ôn io, u s o m á gico d e ob jet os s a gr a d os ou
b en t os 124, Cor p or a es 125,
con s u lt a a feit iceir os , u s o d e feit iça r ia , p a la vr a s 126(s ic), ca r t a s d e t oca r 127,
bebidas amatórias128, advinhações, benzeduras a pessoas e animais.
Pa r a o Br a s il vier a m d iver s a s t r a d ições r eligios a s . A p a r t ir d e m ea d os
d o s éc.XVI in iciou -s e a d iá s p or a d os n egr os , d e d ifer en t es et n ia s , en via d os
com o es cra vos a t é o s éc.XIX. E , d es d e o s écu lo XVII, for a m d egr ed a d os p a r a
o Brasil, em caráter permanente, os criminosos da fé129 como
119
S ou za (1 9 9 9 , p .1 5 7 ) com en t a qu e n o t ít u lo III d a s Or d en a ções Filip in a s , n a p r oib içã o à s
p r á t ica s a d ivin h a t ór ia s , cit a -s e a p r á t ica com o u s o d e b a la io e tes ou r a , ch a ve e livr o d e
horas de Nossa Senhora.
120 (CONSTITUIÇÕES, 1853, p.9-10).
121 (idem, p.191)
122 (idem, p.311)
123 “como resultado da evidência do fato” (HOUAISS, 2001)
124 Há es p ecia l d es t a qu e p a r a a p ed r a a r a , “p ed r a s a gr a d a d o cen t r o d o a lt a r d a s igr eja s ”
(VAINFAS , 1 9 9 7 , p .1 1 2 ), u s a d a em b ols a s d e m a n d in ga e p oções m á gica s . Ha via t a m b ém
p r á t ica s m á gica s com im a gen s s a cr a s . Con for m e S OARE S (1 9 9 3 , p .9 -1 0 ), a s Con s t it u ições
s in od a is d o Ar ceb is p a d o d e Br a ga d e 1 6 3 9 con d en a va m o fu r t o d e im a gen s d a s igr eja s
p elos d evotos “p a r a a s leva r p a r a a s s u a s ca s a s d izen d o qu e n ã o a s tr a r ia m s e lês n ã o
d es s em s a ú d e n a s s u a s en fer m id a d es ou s e n ã o fizes s em a p a r ecer cois a s p er d id a s ou
fu r t a d a s , ch ega n d o a o ext rem o d e a s p r en d erem com fit a s e a t a d u r a s p ed in d o fia d or e com
ele os d eixa r em la n ça r à á gu a , com eten d o a s s im s a cr ilégios con t r a es s es s a n tos e con t r a
Deus”.
125 Referem-se aos líquidos corporais usados em feitiços como sangue, urina e sêmen.
126 As palavras referem-se à prática invocatória.
127 As ca r t a s d e t oca r er a m t a lis m ã s a m or os os , ca r t a s es cr it a s “à s qu a is a t r ib u ía m o p od er
de conquistar todas as pessoas que por elas fossem tocadas” (VAINFAS, 1997, p.143)
128 Filtros de amor.
129 De a cor d o com o Cód igo Ph ilip p in o (1 8 7 0 , p .1 1 5 1 ) Livr o 5 , t ít u lo 3 , d en om in a d o Dos
Fe itice iros , d es critos com o in voca d ores , a d iv in h os , n ecrom a n tes , fa z ed ores d e feitiços d e
70
cr is t ã os n ovos , ju d eu s , m ou r os 130 e s ob r et u d o con d en a d os p or
feit iça r ia , vis ões , a r t es m á gica s , s or t ilégios d os m a is va r ia d os ,
r it u a is fr u t os d a coexis t ên cia étn ica qu e d es d e o in ício d a
Id a d e Méd ia m a r cou a h is t ór ia d a Pen ín s u la Ib ér ica , h a b it a d a
p ela s m a is va r ia d a s m in or ia s étn ica s : ib eros , celt a s , it á licos ,
visigodos, judeus e mouros (SOUSA JUNIOR, 1999, p.3).
Dia n t e d es s e in t r in ca d o e com p lexo qu a d r o cu lt u r a l, com p os t o p or
u m a d iver s id a d e d e t r a d ições , or iu n d a s d e et n ia s t ã o d ifer en t es , s u r gir a m
p r á t ica s
cr iou la s
m a r ca d a m en t e s in cr ét ica s . Des s a
for m a , s u ced eu
a
d in â m ica d a m u t a çã o cu lt u r a l, n u m p r oces s o d e r es s em a n t iza çã o s ígn ica .
Segundo Vasantkumar (apud CANEVACCI, 1996, p.21),
o s in cr et is m o ocor r e p or qu e os s er es h u m a n os n ã o a ceit a m
a u t om a t ica m en t e os n ovos elem en t os ; eles s elecion a m ,
m od ifica m e r ecom b in a m it en s n o con t ext o d o con t a t o
cultural.
Os r it u a is e s ign os m á gicos “d em on s t r a m u m a gr a n d e p la s ticid a d e e
s in cr et is m o, m old a n d o-s e com fa cilid a d e à s n eces s id a d es e a s p ir a ções d e
d ifer en t es ca m a d a s s ocia is ” (BE THE NCOURT, 2 0 0 4 , p .9 5 ). Mu itos d es s es
signos, como a figa e o signo Salomão131, eram tanto conhecidos e usados na
África como na Europa desde a Antiguidade132.
O com ér cio d e s ign os m á gicos er a b a s t a n t e lu cr a t ivo. A p r óp ria Igr eja
er a u m a d a s gr a n d es in cen tiva d or a s e for n eced or a s d es t es 133. Con for m e
amor. Os b en zed eir os era m en via d os p a r a a Áfr ica e s en d o m u lh eres , ia m p a r a Ca s t r oMarim, no Algarve, Portugal, por um período de 2 a 3 anos (idem).
130 Os ciga n os t a m b ém in tegr a va m es s e gr u p o d e d egr ed a d os p a r a o Br a s il d es d e o s éc. XVI.
De or igem ib ér ica , ter ia m emigrado a n ter ior m en te d a Tu r qu ia e Grécia , a t r a vés d o Ma r
Mediterrâneo e norte da África (REZENDE, 2000, p.50).
131 O s ign o S a lom ã o con h ecid o t a m b ém com o S ign u m S a lom on is , s in o-s a im ã o, tem a for m a
de um pentagrama ou estrela de cinco pontas. Segundo a tradição portuguesa, esse amuleto
“livr a d e qu eb r a n t o (ca u s a d o p or m a u -olh a d o), d e b r u xed o ou b r u xa r ia , d e feit iça r ia (‘p a r a
a s feit iceir a s n ã o m oles ta rem a s cr ia n ça s ’), d e a cçã o d o Dia b o e d e qu a lqu er ‘cois a r u im ’,
determinada ou indeterminada” (VASCONCELOS, 1996, p.79).
132 An tes d o con t a to fr u t o d a exp a n s ã o eu r op éia d o s éc.XV, m u it a s ou t r a s rela ções
comerciais e culturais já haviam sido estabelecidas pelos povos africanos com os europeus e
or ien ta is . Gior d a n i (1 9 8 5 , p .1 5 0 ) a p on t a im p or t a n tes r ot a s com er cia is n a Áfr ica , en volven d o
a regiã o t r a n s a a r ia n a , o Or ien te Pr óxim o, Áfr ica Cen t r a l e Au s t r a l e o lit or a l d o Ocea n o
Ín d ico. O com ér cio s e in ten s ificou com a exp a n s ã o is lâ m ica in icia d a n o s éc. VII, qu e
u n ificou p ovos d a Áfr ica , Ás ia e E s p a n h a n u m a m es m a fé, a b r in d o-s e m a is r ot a s com er cia is
(idem, p.151).
133 “A Igr eja , com a s m elh ores in ten ções m a s leva d a p or u m a p olít ica equ ívoca , logo
s a n cion ou es t a s cois a s , a cr es cen ta n d o-a s ca d a vez m a is . S eu s tem p los con s t it u em u m
71
E wb a n k (1 9 7 6 , p .1 8 5 ), “em t od a s a s fes t a s os a m u let os con s tit u em u m
a r t igo fu n d a m en t a l d a m er ca d or ia ecles iá s t ica ” e cit a en t r e eles a ven d a d e
m ed id a s d e s a n t os 134, b en t in h os , figu r a s d e s a n t os , im a gen s p or t á t eis ,
m ed a lh a s d os s a n t os e d o Pa p a , cr u zes , cr u cifixos , et c (idem, p .1 8 5 -188).
Para garantir esse mercado e prejudicar a concorrência, a Igreja alertava que
ou t r os p r egã o s em licen ça , b en zem a gen t e, ga d os , e ou t r os
a n im a es , p on d o s ign a es n os qu e b en zem ; d ã o r elíqu ia s ,
Imagens, nominas135, Agnus Dei, e outras cousas semelhantes,
t ir a n d o o d in h eir o, e es m ola s com es t a s in ven ções fa ls a s , e
com es câ n d a lo e p er t u r b a çã o d os p ovos (CONS TITUIÇÕE S ,
1873, p.307).
Ha via
uma
r ed e
com er cia l,
d ir ecion a d a
a os
a fr ica n os
e
s eu s
descendentes, qu e a b a s t ecia o m er ca d o b r a s ileir o d e p r od u t os d e vá r ia s
p a r t es d o m u n d o com o a s con ch a s ca u r i136 d o ocea n o Ín d ico, o cor a l137 do
Mediterrâneo e as contas de vidro138. Segundo Rodrigues (1988, p.105),
é com os n a gôs qu e s e m a n t in h a m
comercia is d ir et a s com a Cos t a d ’Áfr ica .
a in d a h á p ou co t em p o via gen s , 3 a 4
Neles qu a s e s em p r e vin h a m n a gôs
a s n os s a s rela ções
Na vios d e vela fa zia m
p or a n o, p a r a La gos .
n egocia n t es , fa la n d o
m er ca d o p a ra ela s e s eu s m in is t r os gr a n d es n egocia n tes . Pod er os o e p od e-s e d izer qu e
p r oveit os o m eio d e m a n ter o d om ín io s ob r e os p ob r es d e es p ír it o, ela m a n tém gr a n d e p a r te
destas invencionices” (EWBANK, 1976, p.185).
134 “Estas são fitas, cortadas pelos sacerdotes, no exato comprimento ou altura das imagens,
inscrevendo-se elas seus nomes. Usadas em torno da cintura, bem junto ao corpo, removem
d ores , d oen ça s e a lém d is t o, execu t a m a s von t a d es d e qu em a s leva . As m u lh eres
h a b it u a lm en te u s a m a d os s a n t os d o s exo d ela s , em b or a u s em à s vezes a s d e S a n t o
Antônio, São Brás e São Gonçalo” (EWBANK, 1976, p.185).
135 Nôm in a é u m a “b ols a con ten d o a m u letos ” (BE THE NCOURT, 2 0 0 4 , p .3 7 2 ), m u it a s vezes
guardava orações manuscritas ou impressas, daí sua denominação.
136 O ca u r i er a a p r in cip a l m oed a d e t roca d a Áfr ica ocid en t a l. S egu n d o Dia s (1 9 9 2 , p .1 5 0 ),
“u m d os p r in cip a is m ot ivos d e os ca u r is , e t a lvez ou t r a s con ch a s , s erem va lor iza d os com o
m eio d e t r oca p od e ter s id o a cren ça n a s u a or igem s ob r en a t u r a l. Referên cia s m ís t ica s d e os
ca u r is d es cen d erem d os céu s ocor rem , p or exem p lo, en t re os p ovos E we d a Nigér ia ”. E r a
u s a d o com o t a lis m ã , p r in cip a lm en te p elos Yor u b a qu e a t r ib u ía m a es s a s con ch a s
qu a lid a d es m á gica s p r op icia t ór ia s “qu e fa vorecia m a fer t ilid a d e e a lon gevid a d e” (idem,
p.151).
137 “O cor a l er a p a r t icu la r m en te a p recia d o n o Ben in , on d e cola r es cer im on ia is d e qu in ze a
vin te fios d e con t a s d e cor a l fa zia m p a r te d a s in s ígn ia s rea is qu e figu r a m cla r a m en te em
numerosas cabeças de bronze” (DIAS, 1992, p.153).
138 As con t a s , u s a d a s com o a m u letos d e p r oteçã o ju n t o a o cor p o, ger a lm en te er a m
d ed ica d a s a vá r ia s en t id a d es , s egu n d o a s u a color a çã o, con for m e a in d a em u s o n o Br a s il
p elos s egu id ores d o ca n d om b lé d e vá r ia s lin h a s . E s s a s con t a s d e vid r o, era m p r oven ien tes
d e Ca m b a ya n (Ín d ia ), d e fa b r ica çã o loca l a fr ica n a e d e Ven eza , “p r in cip a l fon te d a s con t a s
de vidro importadas pela África Ocidental muito antes do século XV” (DIAS, 1992, p.153).
72
ior u b a n o e in glês , e t r a zen d o n oz d e cola 139, cawris (sic),
objetos de culto jeje-iorubano, sabão, pano da Costa, etc.
E s s es
com er cia n t es 140,
a fr ica n os
livr es ,
for n ecia m
p r od u t os
à
com u n id a d e a fr ica n a e cr iou la , r ea t iva n d o la ços a fet ivos , r eligios os e
cu lt u r a is com a Áfr ica n o Bra s il (S ILVA, 2 0 0 3 , p .1 6 0 ). Ha via t a m b ém a
produção nativa como a das bolsas de mandinga.
A b ols a d e m a n d in ga er a u m a d es ign a çã o colon ia l d os p a t u á s ,
con h ecid a t a m b ém com o gris-gris141. E s s e a m u let o m a lê 142 d e p r ot eçã o,
u s a d o em
volt a
d o p es coço, er a
b a s t a n t e p op u la r n ã o s ó en t r e os
muçulmanos143. Com p r een d ia folh a s d e p a p el es cr it a s com p a s s a gen s d o
Cor ã o e r eza s for t es , d ob r a d a s r it u a lm en t e a t é fica r em com t r ês a cin co
cen t ím et r os , e coloca d a s d en t r o d e p equ en a s b ols a s d e cou r o ou p a n o
cos t u r a d a s (RE IS , 2 0 0 3 , p .1 8 3 ). As s em elh a va m -s e com
b en t in h os ,
a m u let os
ca t ólicos .
Algu n s
exem p la r es
os b r eves ou
b a ia n os ,
com o
os
r ecolh id os n a r evolta d os m a lês d e 1 8 3 5 , in cor p or a va m em s u a es cr it a
trechos bíblicos e elementos como pós e búzios (idem, p.184).
As s im , h a via n a s r u a s u m a gr a n d e va r ied a d e d e ofer t a d e p r od u t os
com er cia liza d os com o ilu s t r a a p r es en ça d iá r ia d o ven d ed or a m b u la n t e d e
139
Conforme o HOUAIS S (2001), a n oz-de-cola é a “s em en te d a s p la n t a s d o gên ero Cola,
espécie de Cola a cu m in a ta , qu e en cerr a a lca lóid es com o a ca feín a e a teob r om in a , u s ado
com o t ôn ico, em refr iger a n tes , n os qu a is a for m a s in tét ica é m a is em p regada, e
especialmente com o m a s t ica t ór io; a b a já , ca fé-do-s u d ã o, cola , m u k ezu , ob i, or ib i, or ob ó,
orobô”. No Br a s il, é con h ecid a com o ob i, “fr u t o m u it o u s a d o em oferen d a s e r it os religios os ”
(CAS TRO, 2 0 0 1 , p .2 9 9 ). S egu n d o Ka r a s ch (2 0 0 0 , p .3 5 2 ), “a s n egr a s velh a s (líd eres
religiosas?) especializavam -se em fazer o amuleto de obi para afastar o mal e o mau-olhado”.
140 Algu n s d es s es com er cia n tes fixa va m -s e n o Br a s il t r a fica n d o es cr a vos , a zeite d e d en d ê,
n oz d e cola , s a b ã o e p a n o d a cos t a p or t a b a co, ca ch a ça , ou ro, et c. (S ILVA, 2 0 0 3 , p .6 3 ). Na
s egu n d a m eta d e d o s écu lo XIX, filh os d os r eis , ch efes e com ercia n tes a fr ica n os d e Ga n a e
Camarões enviavam seus filhos para freqüentar escolas na Bahia (idem, p.160).
141 S egu n d o Na s s a u (1 9 0 4 ), o gr is -gr is t a m b ém era ch a m a d o n a Áfr ica de gree-gree, ju-ju,
monda e b ia h. “Th e n a t ive wor d on t h e Lib er ia n coa s t is "gree-gr ee" in th e Niger Delt a , "ju ju "; in t h e Ga b u n cou n t ry, "m on d a "; a m on g t h e ca n n ib a l Fa n g, "b ia h "; a n d in ot h er t r ib es
the same respective dialectic by which we translate "medicine."
142 “E m ger a l, os a m u letos m u çu lm a n os er a m feit os e ven d id os p or m es t res cu jos p od er es
m ís t icos s u a baraka (alubarika, em ior u b á ), s e in cor p or a va m a o ob jet o. Na Áfr ica , a
p r od u çã o d e t a lis m ã s con s t it u ía (e a in d a con s t it u i), em cer t os ca s os , a p r in cip a l a t ivid a d e e
im p or t a n te fon te d e ren d a d e m u çu lm a n os let r a d os . A cr en ça d e qu e, qu a n to m a ior o
n ú m er o d e a m u let os p os s u íd os , m a ior a p r oteçã o p r op or cion a u m m er ca d o s em p r e em
expansão” (REIS, 2003, p.193).
143 O com ér cio d e b ols a s d e m a n d in ga foi regis t r a d o em Por tu ga l p ela In qu is içã o. Souza
(1 9 9 3 , p .1 7 0 ) cit a t rês es cr a vos (u m b a ia n o e d ois a fr ica n os m in a d e J u d á ) p en iten tes em
Portugal, em 1731, envolvidos na confecção e venda desses amuletos.
73
a r r u d a n o Rio d e J a n eir o oitocen tis t a (fig.3 6 ). S egu n d o Deb r et (1 9 4 0 , t .2 ,
p.168),
é a s u p er s t içã o qu e m a n t ém em voga a erv a d e a rru d a , es p écie
d e a m u leto m u it o p r ocu r a d o e qu e s e ven d e t od a s a s m a n h ã s
n a s r u a s d o Rio d e J a n eir o. Tod a s a s m u lh er es d a cla s s e
b a ixa , em qu e con s t it u em a s n egr a s os cin co s ext os , a
con s id er a m u m p r even t ivo con t ra os s or t ilégios , p or is s o têm
s em p r e o cu id a d o d e ca r r egá -la n a s p r ega s d o t u r b a n t e, n os
ca b elos , a t r á s d a or elh a e m es m o n a s ven t a s . As m u lh er es
brancas usam-na em geral escondida no seio.
Fig. 36 – O vendedor de arruda. Debret, 1827. Fonte:
www.bibvirt.futuro.usp.br/imagem/arte/terceiro_um.html#
E s con d id os ou exib id os p u b lica m en t e, a s n egr a s e m u la t a s u s a va m
uma va r ied a d e d e s ign os m á gicos , d e d iver s os m a t er ia is , n o s eu d ia a d ia e
em oca s iões fes t iva s 144 (fig. 3 7 e 3 8 ). Con for m e Deb r et (1 9 4 0 , t .2 , p .5 4 )145,
s ã o r a r a s a s ven d ed or a s n egr a s a m b u la n t es qu e n ã o u s a m a m u let os .
E wb a n k (1 9 7 6 , p .1 8 8 ) ob s er vou a p op u la r id a d e d o u s o d a figa , u s a d a p or
t od a s a s cla s s es , e d es t a cou a s u a im p or t â n cia , vis t o qu e, “o p r im eir o
144
Os m a is vis íveis n a icon ogr a fia con s u lt a d a s ã o a s cr u zes e cr u cifixos em ou ro,
integrantes d a s jóia s d e cr iou la s (fig.2 8 , 3 1 ) e os es ca p u lá r ios t a n t o d e p a n o (fig.2 1 ) com o
em ou r o ju n t o à s jóia s d e cr iou la s . Na figu r a 2 4 , a s m u lh eres b r a n ca s u s a m es ca p u lá r io d e
pano (a mais moça à esquerda) e cruz (a mais velha à direita).
145 “é raro que uma vendedora negra ambulante se mostre na rua sem seu pequeno amuleto
ao pescoço, o que não a impede de usar também dois outros à cintura, de cambulhada com
cinco a seis talismãs, de forma e de natureza diferentes”.
74
d in h eir o qu e u m es cr a vo con s egu e é ga s to n u m a figa , à s vezes es cu lp id a em
r a iz d e ja ca r a n d á ”. Ap es a r d e m u it os d os a m u let os s er em in t en cion a lm en t e
exib id os p u b lica m en t e, em
a lgu n s ca s os , eles er a m
p r efer en cia lm en t e
ocu lt a d os . E s s e foi o ca s o d a cozin h eira Ch it a (sic), r ela t a d o p or E wb a n k
(idem, p.188), que trazia uma figa de osso escondida no seio146.
Con for m e s er á vis t o n os p r óxim os ca p ít u los , a lgu m a s vezes , es s es
s ign os m á gicos er a m ver d a d eir a s jóia s con feccion a d a s em m a t er ia is com o
cor a l, m a r fim , ou r o e p r a t a . Um d es s es s ign os , u s a d os p or a lgu m a s d es s a s
m u lh er es n egr a s e m u la t a s , d es cr it os e r egis t r a d os icon ogr a fica m en t e em
Salvador setecentista e oitocentista, foram as pencas de balangandãs.
Fig. 3 7 – Negr a d a Ba h ia u s a n d o a m u leto
s em elh a n te
a
b ols a
de
m a n d in ga
ou
es ca p u lá r io. Deb ret , s écu lo XIX. Fon te: RE IS ,
2003, p.191.
146
Fig. 38– Retrato de Anna Maria Monteiro,
u s a n d o en tr e a s jóia s d e cr iou la s :
crucifixo e es ca p u lá r io p r ova velm en te em
ou r o. A. Ma iffr e. Ba h ia . Fot ogr a fia , d ec.
1930. Col. Particular.
S egu n d o E wb a n k (1 9 7 6 , p .1 8 8 ), a a fr ica n a Ch it a com en t ou s ob r e o u s o d a figa qu e “em
s eu p a ís n a t a l u s a va u m d en te p a r a es te m es m o efeit o”. In felizm en te, n ã o h á m a iores
considerações sobre qual seria o efeito intencionado.
75
2. O SIGNO EM SI: A COLEÇÃO MUSEU CARLOS COSTA PINTO
“O signo é aquilo que busca permanecer, que se quer indestrutível,
que aspira ao eterno.” 147
2.1. Breve histórico
Fig.39 – Museu Carlos Costa Pinto. Salvador-Bahia. Foto: Saulo Kainuma, 2003.
147
SANTAELLA e NÖTH, 1998, p.138.
76
O Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o (fig.3 9 ), s it u a d o n o Cor r ed or d a Vit ór ia ,
em S a lva d or – Ba h ia , é or igin á r io d o a cer vo d o colecion a d or b a ia n o Ca r los
Cos t a Pin t o (1 8 8 5 -1 9 4 6 ). Ca r los d e Agu ia r Cos t a Pin to er a filh o d o
com en d a d or J oa qu im d a Cos t a Pin t o e d e S op h ia Hen r iqu et a Ma ced o d e
Agu ia r . S eu a vô m a t er n o foi o Ma r ech a l Fr a n cis co Per eir a d e Agu ia r ,
p r op r iet á r io d o S ola r d o Bom Gos to. In iciou s u a ca r r eir a p r ofis s ion a l n a
Ma ga lh ã es & Cia ., em p r es a exp or t a d or a d e a çú ca r , ch ega n d o a o ca r go d e
d ir et or p r es id en t e. Com o colecion a d or d e ob r a s d e a r t e r eu n iu a o lon go d e
s u a vid a u m a s ign ifica t iva e eclét ica coleçã o, fa zen d o com qu e p er m a n eces s e
n a Ba h ia u m d os m a is im p or t a n t es a cer vos d o p a ís .
S egu n d o S ola n ge
Godoy (1997, p.110),
con t em p or â n eos , Cos ta Pin t o e Ca s t r o Ma ya [r efer in d o-s e a o
colecion a d or Ra ym u n d o Ot t on i d e Ca s t r o Ma ya , 1 8 8 4 -1968]
s ã o d ois h om en s qu e s ou b er a m in t egr a r à a t ivid a d e
em p r es a r ia l o a p oio à cu lt u r a , in cor p or a n d o à s s u a s cid a d es –
S a lva d or e Rio d e J a n eir o – im p or t a n t es lega d os qu e s er ia m
transformados em fundação-museu nos anos 60.
Na ver d a d e, a r es p on s á vel p ela exis t ên cia d o Mu s eu foi a es p os a d o
colecion a d or , D. Ma r ga r id a d e Ca r va lh o Cos t a Pin t o (1 8 9 5 -1 9 7 9 ), n a s cid a
Ballalai de Carvalho. A ela coube realizar o sonho do marido, imortalizando-o
a p ós a s u a m or t e (1 9 4 6 ), a o d oa r p eça s d e s u a coleçã o, con s t it u in d o u m a
fu n d a çã o e in s titu in d o u m m u s eu . O Mu s eu
Ca r los Cos t a Pin t o foi
inaugur a d o em 5 d e n ovem b r o d e 1 9 6 9 , s ob a or ien t a çã o e d ir eçã o d a
museóloga Mercedes Rosa.
O Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o é u m m u s eu d e a r t es d ecor a t iva s , d e
coleçã o
fech a d a 148,
coleções149:
com p os t o
p or
3 .1 7 5
p eça s ,
cla s s ifica d a s
em
12
Cr is t a l, Des en h o, Diver s os , E s cu lt u r a , Gr a vu r a , Im a gin á r ia ,
Mob iliá r io, Or d en s Hon or ífica s , Ou r ives a r ia , Pin t u r a , Por cela n a e Pr a t a r ia .
S ã o ob jet os d e vá r ia s p a r t es d o m u n d o, d os s écu los XVII a o XX. A m a ior
coleçã o é a d e Pr a t a r ia com 9 2 3 exem p la r es , en t r e os qu a is es t ã o a s 2 7
148
Coleção fechada designa um museu que não adquire nem aceita doação de peças.
E s s a cla s s ifica çã o foi in s t it u íd a p ela m u s eóloga Mer ced es Ros a , qu e in iciou a
d ocu m en t a çã o m u s eológica d a coleçã o em 1 9 6 3 , t or n a n d o-s e p os ter ior m en te d iret ora d a
instituição.
149
77
pencas d e b a la n ga n d ã s em p r a t a 150, o m a ior con ju n to exis t en t e em m u s eu s .
E s s e gr u p o, b a s e d a leitu r a 151 qu e s e s egu e, é d a t a d o d os s écu los XVIII e
XIX. J u n t o com a s jóia s d e cr iou la s for m a o d ifer en cia l, o d es t a qu e d a
instituição dada à sua singularidade.
2.2. As pencas de balangandãs
Fig.40 – Vitrine das pencas de balangandãs. Museu Carlos Costa Pinto.
Fotografia Enzo Battesini, 2004.
Ao ob s er va r a s 2 7 p en ca s d e b a la n ga n d ã s em p r a t a exp os t a s em
vit r in e d o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o (fig.4 0 ), d is t a n cia d a s em s u a r ed om a d e
vid r o, é d ifícil p er ceb er a s u a fu n çã o e u s o. É p r ecis o t en t a r vis u a lizá -la s , a
p a r t ir d a icon ogr a fia exis ten te, p or t a d a s p ela s n egr a s e m u la t a s b a ia n a s ,
s ob r ep os t a s a os t r a jes fes t ivos (b eca e d e b a ia n a ), p r es a s p or t ir a d e p a n o ou
150
E xis te n o a cer vo, u m a ú n ica p en ca d e b a la n ga n d ã s em ou r o com 4 8 p eça s e cor ren te
(Nºinv. 850.IX.116), atribuída ao século XX.
151 E vid en tem en te, n ã o foi d es ca r t a d o o ca r á ter ú n ico (d e exis ten te) d e ca d a p en ca d e
b a la n ga n d ã s d es s a coleçã o. E s te foi p r im eir a m en te exp lor a d o p a r a qu e es t a a n á lis e d e
conju n to p u d es s e s er rea liza d a . Con t u d o, d evid o a s u a s ca r a cter ís t ica s com u n s , a
gen er a liza çã o foi n eces s á r ia em b en efício d e u m a leit u r a t ip ológica p a r a a in ves t iga çã o d o
seu processo de produção de sentido enquanto classe de objeto.
78
cor r en t e d e p r a t a à a lt u r a d a cin t u r a / qu a d r is (fig.4 1 )(vid e ca p ít u lo 3 ,
in d ícios d e u s o). Um d os s eu s a s p ectos s en s ór ios , a gor a p er d id o, é a
s on or id a d e. E s s e p ot en cia l d e a t r a çã o/ a çã o s on or a é in er en t e à s u a
com p os içã o, e in t en cion a l, vis t o qu e, m u it os a m u let os (com o os s in os e
guizos)152 t êm a fu n çã o d e “es p a n t a r ” a s in flu ên cia s m a lign a s a t r a vés d o
s om . Com o a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s (fig.4 2 ) a gr u p a m u m a s ér ie d e
d ifer en t es elem en t os em s u a m a ior ia ocos , em p r a t a , e s ã o p os ta s n a
cintura153,
p en d en d o
n os
qu a d r is
fem in in os ,
t or n a m -s e
a lt a m en t e
m ovim en ta d os e con s equ en t em en t e s on or os a o s e ch oca rem u n s com os
ou t r os . S eu s om m et á lico, ch oca lh a n t e, t ilin t a n t e é t ã o m a r ca n t e qu e lh e
con fer iu u m a d en om in a çã o d e r efer ên cia on om a t op a ica p a r a a m a ior ia d os
autores (vide capítulo 3, etimologia).
Fig.41 – Baiana. Carybé. Desenho a crayon,
1 9 6 9 . Acer vo Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o.
Fotografia da autora.
Fig.42 – Pen ca d e b a la n ga n d ã s . Ba h ia ,
s éc.XIX. Acer vo Mu s eu Ca r los Cos t a
Pinto. Fotografia da autora.
Qu a n t o à vis u a liza çã o, percebe-s e in icia lm en t e o b r ilh o d a p r a t a em
con t r a s t e com a s a ia b r a n ca , d e es t a m p a d o color id o ou p r et a , qu e lh e s er ve
152
Após a fuga do Egito, no deserto do Sinai, Deus estabeleceu uma aliança com os filhos de
Is r a el e en t r e a s leis h a via a s p r es cr ições referen tes à s ves tim en t a s d os s a cer d otes qu e
es t a b elecia qu e “h a ver á em t od a a or la d o m a n t o u m a ca m p a in h a d e ou r o e u m a rom ã ,
ou t r a ca m p a in h a d e ou r o e ou t r a r om ã . Aa r ã o o ves t ir á p a r a oficia r p a r a qu e s e ou ça o s eu
s on id o qu a n d o en t r a r n o s a n t u á r io d ia n te d e Ia h weh , ou qu a n d o s a ir , e a s s im n ã o m or r a ”
(E x 2 8 , 3 4 -35). E s s a cit a çã o n a Bíb lia d e J er u s a lém (1 9 8 5 , p .1 4 8 ) t r a z a s egu in te n ot a
“vestígio d e u m a con cep çã o p r im it iva a m p la m en te es p a lh a d a , s egu n d o a qu a l o t ilin t a r d a s
ca m p a in h a s a fa s t a va os d em ôn ios ”. Com es s a in ten çã o s ã o u s a d os os ch oca lh os in d ígen a s
b r a s ileir os (m a n a cá ) n os r it u a is d e p a jela n ça . Ta m b ém n o Ca n d om b lé, o a d já . “in s t r u m en to
id iófon o for m a d o p or u m a , d u a s ou t rês ca m p â n u la s ” (LODY, 2 0 0 3 , p .6 3 ), fu n cion a com o
meio evocatório das entidades de outros planos.
153 O uso na cintura é atestado pela iconografia e relatos, expostos no capítulo seguinte.
79
com o fu n d o, m old u r a . Algu m a s vezes , u n em -s e a o p r a t ea d o b r ilh a n t e á r ea s
color id a s fos ca s , in d ica n d o a p r es en ça d e ou t r os m a t er ia is com o o b r a n co
leitos o d os d en t es d e a n im a is , o m a r r om es cu r o d a s m a d eir a s e côcos , e a t é
o ver m elh o d os cor a is , o a la r a n ja d o t r a n s lú cid o d a s cor n a lin a s , et c. A for m a
percebida é claramente a de um conjunto fragmentado (reunião de uma série
de diferentes elementos justapostos, num jogo de revelação e ocultação, onde
os m a is volu m os os e com p r id os s e s ob r es s a em ), ir r egu la r (com volu m es
p r ed om in a n t em en t e es fér icos e cilín d r icos ), com p lexo, p r ofu s o, d in â m ico,
d is p os to em u m s em icír cu lo, com u m a for t e t en d ên cia à s im et r ia or ien t a d a
pelo frontão da nave (elemento centralizador formal e conceitualmente).
Difer en t em en t e d e ou t r os
s ign os
m á gicos
u s a d os
es con d id os , a
sonoridade, o volume e o peso (variando de 327,9g a 1.636,6g) das pencas de
b a la n ga n d ã s in d ica m a s u a n eces s id a d e d e exp os içã o, d e s er em vis t os . O
u s o d a s p en ca s à cin t u r a es t a b elece u m a con exã o cor p ór ea en t r e a d er eço e
u s u á r ia , qu e p r et en d e fixa r o olh a r d o ob s er va d or p a r a a r egiã o d os qu a d r is
da mesma. Essa área de sedução tem um forte apelo à sexualidade154.
O m od elo es t r u t u r a l s egu id o p or u m a p en ca d e b a la n ga n d ã s é b em
d efin id o, ele é con s t it u íd o p or t r ês p a r t es (fig. 4 3 ): cor r en t e, n a ve ou ga ler a e
elem en t os p en d en t es . A cor r en t e d e elos s er ve p a r a fixa r o a d or n o à u s u á r ia ,
perpassando-lh e a cin t u r a . A n a ve ou ga ler a (fig. 4 4 ) é a p a r t e qu e a gr u p a os
elem en t os p en d en tes . Ger a lm en t e, a p r es en t a d ecor a çã o em
su a
pa rte
s u p er ior (es p écie d e fr on t ã o), é a r t icu la d a a p a r t ir d e u m a b is a gr a la t er a l,
qu e d á a ces s o p a r a a s u a p a r t e in fer ior s em icir cu la r e d en t icu la d a , on d e
fica m os p en d en t es . A p a r t e in fer ior e s u p er ior u n em -s e a p a r t ir d e u m
or ifício
la t er a l,
op os t o
à
b is a gr a ,
fixa d o
p or
p a r a fu s o
d en om in a d o
“borboleta”155. Os elem en t os p en d en t es va r ia m em t ip ologia , m a t er ia is ,
tamanho e quantidade.
154
S egu n d o es s e p r in cíp io, a s la vr a d eir a s p or t u gu es a s , p a r a ga r a n t ir a d ecên cia , n ã o
u s a va m s eu s cola res m u it o d es cid os , m a n ten d o o lim ite a cim a d a cin t u r a , evit a n d o qu e
“olh os m a licios os ” fos s em “leva d os a fixa r -s e em p a r t es m a is ín t im a s d o cor p o” (COS TA e
FREITAS, 1992, p.24)
155 “Derivação: p or a n a logia . Por ca ou p a r a fu s o p r ovid o d e d u a s a s in h a s , com a s qu a is ele é
apertado” (HOUAISS, 2001)
80
Fig.43 – Pa r tes d e u m a p en ca d e
b a la n ga n d ã s . Acer vo Mu s eu Ca r los
Costa Pinto. Fotografia da autora.
Fig.44 – Na ve
de
uma
p en ca
de
b a la n ga n d ã s . Acer vo Mu s eu Ca r los Cos t a
Pinto. Fotografia da autora.
2.2.1. A corrente
A cor r en t e 156 (fig.45) a p a r ece em 2 4 d a s 2 7 p en ca s d e b a la n gandãs.
Ap en a s t r ês exem p la r es n ã o p os s u em cor r en t e, p eça s n º 2 2 4 9 .XII.0 5 7 ,
2 2 5 5 .XII.0 6 3 e 2 2 5 8 .XII.0 6 6 (Ap ên d ice A, gr á fico1 ). Devid o à s u a p equ en a
la r gu r a , ela fica em gr a n d e p a r t e ocu lta , en volt a p ela s ves t es . E m p r a t a ,
for m a d a s p or elos com fech o d e colchete157, a s cor r en t es va r ia m en t r e 4 8 ,0 e
1 6 8 ,0 cm d e com p r im en t o. Qu a t r o d ela s p os s u em a lém d a n a ve, ob jetos
is ola d os p en d en t es (fig.4 6 ). Des t es , t r ês s ã o figa s 158 em m a d eir a en ca s t oa d a s
em p r a t a , e o ou t r o é u m a ch a ve d e s a cr á r io ou cofr e 159 em p r a t a . As figas
m ed em 8 ,2 cm ; 1 3 ,5 cm e a m a ior (a d a p en ca n º 2 2 6 7 .XII.0 7 5 ), d e gr a n d e
d im en s ã o, p os s u i 1 6 ,5 cm d e com p r im en t o. A ch a ve m ed e 9 ,5 cm . Nã o foi
loca liza d a icon ogr a fia ou n a r r a t iva qu e a t es t a s s e ou es cla r eces s e t a l u s o.
E s s a s p eça s p od er ia m or igin a lm en t e t er p er t en cid o à n a ve ju n t o a os d em a is
elem en t os p en d en t es . Ta m b ém n ã o s e id en t ificou qu a lqu er exem p la r d e
outras coleções ou iconografia que portasse esses elementos isolados.
156
S egu n d o Ma ch a d o (1 9 7 3 , p .1 5 ), “a cor r en te receb e o n om e d e ‘cor r en tã o’ ou ‘gr ilh ã o’
(grilhão também é a denominação dos chamados colares-de-aliança)”.
157 4 d a s 2 4 p en ca s qu e p os s u em cor r en te, n ã o a p r es en t a m m a is o fech o p or terem s id o
anteriormente soldadas.
158 Exemplares nº 2267.XII.075, 2268.XII.076, 2269.XII.077 (Vide Apêndice B)
159 Exemplar nº 2265.XII.073 (vide Apêndice B)
81
Fig.45 – Cor r en te d e p en ca d e
b a la n ga n d ã s .
Fot ogr a fia
da
autora.
Fig.46 – Corren te d e p en ca d e b a la n ga n d ã s , com
figa p en d en te. E xem p la r 2 2 6 8 .XII.0 7 6 . Fot ogr a fia
da autora.
2.2.2. A nave
A n a ve, em p r a t a , fu n d id a , va za d a , r ecor t a d a e cin zela d a , va r ia em
d im en s ões , a a lt u r a d e 7 ,5 a 1 4 ,0 cm e a la r gu r a en t r e 8 ,5 a 1 9 ,0 cm ,
m a n t en d o s em p r e u m a r ela çã o en t r e a a lt u r a e a la r gu r a d e h = l, ten d en d o,
p or t a n t o, à h or izon ta lid a d e A d ecor a çã o é feit a em a p en a s u m a d a s fa ces , o
r ever s o é lis o, já qu e qu a n d o em u s o n ã o é vis t o. O cor p o d a n a ve é va za d o
em á r ea s a lt er n a n d o es p a ços ch eios e va za d os . Qu a n t o à fixa çã o d a corr en t e
à n a ve, a m a ior ia é feit a a t r a vés d a á r ea va za d a exis t en t e n a p a r t e s u p er ior
d es t a (fig.4 7 ). E n t r et a n t o, 7 d os 2 7 exem p la r es (fig.4 9 ) a p r es en t a m lu ga r
es p ecífico d e s u s p en s ã o (fig.4 8 ), u m a r o em s u a p a r t e s u p er ior , o qu e p arece
sugerir uma forma primitiva ou uma variante descartada160.
160
O for m a t o a s s em elh a -s e à s cim a r u t a s d o s écu lo XIX, con for m e s er á vis t o n o p r óxim o
capítulo. As m od er n a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , cop ia d a s d a s p eça s d o s écu lo XIX, n ã o
apresentam essa solução.
82
Fig.47 – Na ve d a p en ca d e b a la n ga n d ã s
2256.XII.064. Fotografia da autora.
Fig.48 – Na ve d a p en ca d e b a la n ga n d ã s
2264.XII.072. Fotografia da autora.
83
A a b er t u r a d a s n a ves é feit a ger a lm en t e à s in is t r a 161, on d e s e
fixa m p or m eio d e u m p a r a fu s o t ip o “b orb olet a ” a s p a r t es s u p er ior e in fer ior
(fig.5 0 ). Qu a n t o a es t a , m óvel, d en t ea d a p a r a ga r a n t ir u m a d is p os içã o
u n ifor m e d os elem en t os p en d en t es , a p en a s d u a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s
possuem n a ve d u p la (Ap ên d ice A, gr á fico 2 ). Um a n a ve d u p la (fig.51)
com p r een d e d u a s p a r t es m óveis d en tea d a s in d ep en d en t es , ca d a qu a l com
seu conjunto de elementos e fechamento/abertura próprios.
Fig.51 – Na ve d u p la d a p en ca d e
b a la n ga n d ã s 2 2 4 9 .XII.0 5 7 . Acer vo Mu s eu
Carlos Costa Pinto. Fotografia da autora.
Fig. 5 0 – Na ve s im p les , a b er t u r a à s in is t r a ,
d a p en ca d e b a la n ga n d ã s 2 2 5 4 .XII.0 6 2 .
Acer vo
Mu s eu
Ca r los
Cos t a
Pin t o.
Fotografia da autora.
A n a ve t r a z d ifer en t es d ecor a ções em s eu fr on t ã o 162 classificadas aqui
em 7 t ip os 163 (fig.5 2 ). Tod os eles s egu em a es t r u t u r a d e fr on t ã o p a r t id o
(fig.5 3 ). A con s t r u çã o or ien t a -s e a p a r t ir d e u m eixo cen t r a l qu e d et er m in a a
com p os içã o
s im ét r ica
da
for m a
e
da
d ecor a çã o,
t en d en d o
a
uma
configuração triangular. Essa estrutura é similar a dos frontões das
161
1 9 n a ves p os s u em a b ert u r a à s in is tr a (la d o es qu er d o) e 8 à d es t r a (la d o d ireit o). E s ta s
s ã o a s n º 2 2 4 9 .XII.0 5 7 , 2 2 5 3 .XII.0 6 1 , 2 2 5 5 .XII.0 6 3 , 2 2 5 7 .XII.0 6 5 , 2 2 6 3 .XII.0 7 1 ,
2 2 6 6 .XII.0 7 4 , 2 2 7 0 .XII.0 7 8 , 2 2 7 3 .XII.0 8 1 (Ap ên d ice B). Ob jet os t r id im en s ion a is s ã o
descritos, segundo convenção museológica, sob a perspectiva do objeto e não do observador,
ou seja, a direita refere-se ao lado direito da peça.
162 Na fa lt a d e u m voca b u lá r io es p ecífico, recor r eu -s e a u m a ter m in ologia u s a d a em
a r qu itetu r a e em ob r a s d e t a lh a , cu jo t r a b a lh o d ecor a t ivo a p r es en t a u m a n ít id a s em elh a n ça
com a s ob r a s d e joa lh er ia . O fr on t ã o d es ign a o “con ju n to d ecor a t ivo qu e a r r em a t a a p a rte
superior” (MOUTINHO; PRADO; LONDRES, 1999, p.159).
163 A coleçã o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o p os s u i os t ip os m a is ca r a ct er ís t icos d e n a ves ,
en t ret a n t o, exis tem ou t ros for m a t os , va r ia ções e d ecor a ções com o p od e s er ob s er va d o em
outros acervos como o da Fundação Instituto Feminino da Bahia e Museu de Arte da Bahia.
199
fachadas de igrejas, retábulos, oratórios, cachaços de cadeiras, cabeceiras de
camas. Já a parte inferior das naves tende ao formato semicircular (fig.54).
Fig.53 – Fr on t ã o p a r t id o. Fon te: (MOUTINHO; PRADO;
LONDRES, 1999, p.159)
Fig. 5 4 – E s t r u t u r a com p os it iva
balangandãs. Fotografia da autora.
de
uma
p en ca
de
A d ecor a çã o d os fr on t ões m a is ca r a ct er ís t ica é a qu e t r a z en cim a d os
p á s s a r os n a s la t er a is 164. Os t r ês p r im eir os t ip os a p r es en t a m com o elem en to
d ecor a t ivo d efin id or p á s s a r os id en t ificá veis com o p om b a s , qu e n a s im b ólica
cr is t ã r ep r es en t a m o Divin o E s p ír it o S a n t o 165. A n a ve d o t ip o 1 (fig.5 5 ),
apresenta como elemento característico a pomba em repouso. Essa figuração
p od e s er vis t a em a ces s ór ios d e cu lt o cr is t ã o com o n a vet a s e cib ór ios , e
também em cetros do Divino Espírito Santo (fig.56).
Fig.55 – Na ve d e p en ca d e b a la n ga n d ã s d o
tipo 1. Fotografia da autora.
Fig.56 – Divin o E s p ír it o S a n to em p r a t a .
Brasil, séc.XVIII-XIX. 166
As n a ves d o t ip o 2 e 3 (fig.5 2 ) t r a zem p om b a s com a s a s a b er t a s ,
d en om in a d a s a la d a s ou es p a lm a d a s (fig.5 7 ). E s s e elem en t o é en con t r a d o em
b a n d eir a s d a Fes t a d o Divin o, em ob jet os d e cu lt o cr is t ã o, a p a r ecen d o com o
elem en t o icon ogr á fico em ob r a s d e t a lh a , p in t u r a s e com o s ím b olo d a cid a d e
do Salvador167 (fig.58).
164
O t ip o 2 , p á s s a r o com a s a s a b er t a s r ep res en t a m p om b a s d o Divin o E s p ír it o S a n t o. E s s a
icon ogr a fia p od e s er vis t a em ob jet os d e cu lto cr is t ã o com o n a Cu s t ód ia feita p elo ou r ives
baiano Boaventura de Andrade em 1807, pertencente ao Convento do Desterro da Bahia.
165 Na Bíb lia (1 9 8 5 , p .1 8 4 2 ) en con t r a -s e a fon te p a r a es s a r ep res en t a çã o. “Ba t iza d o, J es u s
s u b iu im ed ia t a m en te d a á gu a e logo os céu s s e a b r ir a m e ele viu o E s p ír it o d e Deu s
descendo como uma pomba e vindo sobre ele” (Mt, 3:16).
166 Col. Beatriz e Mário Pimenta Camargo. Fonte: MUSEU DE ARTE BRASILEIRA, 1997,
p.52
167 Alude ao episódio bíblico do Dilúvio (Gn 8:9) no qual Noé envia a pomba para verificar se
já h á ter r a fir m e e a a ve r et or n a à a rca com u m ga lh o ver d eja n te in d ica n d o a exis tên cia d e
veget a çã o, u m d es em b a rqu e s egu r o. A in s cr içã o S ic illa a d Arca m revers a es t (e ela retor n ou
à arca) geralmente acompanha essa representação.
Fig.57 – Na ve d e p en ca d e b a la n ga n d ã s d o
tipo 2. Fotografia da autora.
Fig.58 – An d or p r oces s ion a l d e S ã o
Fr a n cis co Xa vier , p a d r oeir o d a cid a d e d o
S a lva d or . Ca ted r a l Ba s ílica d e S a lva d or .
Fonte: IPAC, 1998, p.179
A n a ve d o t ip o 3 (fig.5 9 ) a glu t in a t r ês p om b a s d o E s p ír it o S a n to a la d a s
e es p a lm a d a s com a p a lm et a t r ilob a d a cen t r a l. Difer en t em en t e d os d em a is
t ip os , s ó t r a z t ext u r a d ecor a t iva , em cin zela d o, n es t es elem en t os cen tr a is .
Todo o resto é de superfície lisa.
Fig. 59 – Nave do tipo 3. Fotografia da autora.
A n a ve d o t ip o 4 (fig.6 0 ) n ã o p os s u i elem en t os d efin id or es n a s
extremidades laterais do frontão. Assemelha-se às naves dos tipos 1 (fig.61) e
2 (fig.6 2 ) a n t es d e r eceb er em d ecor a çã o em s eu s fla n cos . Tod a s ela s , ju n to
com o tip o 3 (fig.59), s ã o en cim a d a s n o cen t r o p or p a lm et a t r ilob a d a .
S om en t e os d ois exem p la r es d o t ip o 4 n ã o s ã o d en t ea d os em s u a p a r t e
in fer ior m óvel. Além d is s o, p os s u em d ecor a çã o, en qu a n t o t od a s a s ou t r a s
são lisas. Essa decoração é cinzelada com motivo puntiforme.
Fig.60 – Na ve d o
Fotografia da autora.
t ip o
4.
Fig.61 – Na ve d o t ip o
Fotografia da autora.
1.
Fig.62 – Na ve d o t ip o 2 .
Fotografia da autora.
A n a ve d o t ip o 5 (fig.6 3 ) t r a z fr on t ã o cir cu n d a d o p or cin co ca b eça s d e
a n jos (qu er u b in s 168), t en d o a o cen t r o a r gola d e s u s p en s ã o. Ca b eça s d e
querubins169 for a m fa r t a m en t e u s a d os n a or n a m en t a çã o b a r r oca n o Br a s il
((MOUTINHO; PRADO; LONDRE S , 1 9 9 9 , p .3 1 9 ), com o p od e s er vis t o em
p ea n h a s d e im a gen s d e Nos s a S en h or a e p in tu r a s s a cr a s cr is t ã s (fig.6 4 ).
Toda a parte superior é cinzelada com motivos fitomorfos.
168S egu n d o
n ota d a Bíb lia d e J er u s a lém (BÍBLIA, 1 9 8 5 , p .1 4 2 ), “o ter m o cor res p on d e a o d os
karibu b a b ilôn ios ; gên ios , m et a d e h om en s , m eta d e a n im a is , qu e vigia va m a p or t a d os
templos e dos palácios”.
169 Qu a n d o, s egu n d o a Bíb lia (1 9 8 5 , p .1 4 2 -1 4 3 ), Deu s d eu in s t r u ções a Mois és s ob re a
con s t r u çã o d a Ar ca d a Alia n ça , d eter m in ou en tr e os m ot ivos d ecor a t ivos : qu er u b in s d a
s egu in te form a “fa r á s u m p r op icia t ór io d e ou r o p u r o, com d ois côva d os e m eio d e
com p r im en to e u m côva d o e m eio d e la r gu r a . Fa r á s d ois qu eru b in s d e ou r o, d e ou r o b a t ido
os fa r á s , n a s d u a s ext rem id a d es d o p r op icia t ór io; fa z-m e u m d os qu er u b in s n u m a
extremidade e o outro na outra” (Ex, 25:17-19).
Fig. 63 – Nave do tipo 5. Fotografia da autora.
Fig. 6 4 – Nos s a S en h or a d a Fa r t u r a . Ba r r o
p olicr om a d o, 1 6 7 7 . Col. Pa r t icu la r – SP.
Fonte: MARINO, 1996,p.48
A nave do tipo 6 (fig.65) é decorada com ramagens dispostas em curva
e contracurva. A folhagem só é cinzelada em estriados nas extremidades
inferiores laterais. Esse motivo, característico do estilo Barroco170, foi
b a s t a n t e u t iliza d o em ou r ives a r ia , t a lh a e p in t u r a (fig.6 6 ). O fr on t ã o d es s a
n a ve, d a d a à s ob r ied a d e e a u s ên cia d e t ext u r iza çã o s it u a -s e m a is a o gos to
Rococó e Neoclá s s ico. Na b a s e d o fr on t ã o r eceb e u m a in com u m d ecor a çã o
em torçal.
Fig. 65 – Nave do tipo 6. Fotografia da autora.
170
“Orlas onduladas e uma profusa decoração fitomórfica e zoomórfica compõem a mais
comum gramática ornamental barroca” (SOUSA, 2000, p.363).
Fig.66 – Alt a r d o Con s is t ór io d a Ir m a n d a d e d o S a n t ís s im o S a cr a m en t o d a a n t iga S é d a
Ba h ia . Ta lh a , s éc. XVII. Col. Mu s eu d e Ar te Br a s ileir a – Fu n d a çã o Ar m a n d o Álva r es
Penteado. Fonte: MUSEU DE ARTE BRASILEIRA, 1997, p.47
A n a ve d o t ip o 7
(fig.6 7 ) t r a z o fr on t ã o la d ea d o p or
figu r a s
a n t r op om or fa s p er fila d a s e a fr on t a d a s , cen t r a d a s p or u m a lir a en cim a d a p or
a r o d e s u s p en s ã o. Na s ext r em id a d es , r a m a gen s em for m a d e volu t a . E s s e
m ot ivo d ecor a t ivo Neoclá s s ico 171 foi id en t ifica d o em ou t r a s p eça s d e p r a t a
(fig.68 ),
t r ês
b a n d eja s
de
es p evit a d eir a
s im ila r es 172.
Ta m b ém
for a m
en con t r a d a s d u a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s p er t en cen t es a u m a coleçã o
particular em São Paulo173 (BRANCANTE, 1999, p.169 e176).
171
Com p õem o rep er t ór io or n a m en ta l d o Neoclá s s ico “or n a t os com p a lm et a s , grega s e
on d a s , a os qu a is s e s om a m m ot ivos com o folh a s d e a ca n t o, d elfin s , lir a s , u r n a s , m á s ca r a s
de carneiro e leão” (MOITINHO, PRADO e LONDRES, 1999, p.266).
172 Além d o exem p la r p er ten cen te a o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o, d ois ou t r os for a m
en con t r a d os . Um d eles , p erten cen te a o Mu s eu d e Ar te S a cr a d e S ã o Pa u lo, in d ica n d o s er d o
Rio d e J a n eir o, s éc.XIX (d is p on ível em : http://www.sarasa.com.br/artesacra/p32.htm). O
ou t r o, in tegr a va o ca tá logo d o Du t r a leilões d e fevereir o d e 2 0 0 3 (d is p on ível em :
http://www.dutraleiloes.com.br/fevereiro2003/Catalogo/dia1.asp?lel=73#1).
E s t e t r a zia
s ob r e a b a n d eja in d ica ções d e p os s u ir m a r ca d e en s a ia d or n ã o id en t ifica d o e d o p r a teir o
FDG também não identificado, do final do século XVIII.
173 As d u a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s em p r a t a , d a t a d a s d o s éc. XIX, t r a zem con t r a s te d e
en s a ia d or d e S ã o Pa u lo e d o ou r ives p a u lis t a Clá u d io d e Azeved o Rib eir o (BRANCANTE ,
1999, p.162, 169 e 176).
Fig. 67 – Nave do tipo 7. Fotografia da autora.
Fig. 6 8 – Ba n d eja d e es p evit a d eir a em
prata174. Rio d e J a n eir o, s éc. XIX. Acer vo
Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o. Fotogr a fia d a
autora.
Quanto às borboletas (fig.69), o fecho das pencas de balangandãs,
algumas são mais elaboradas que outras. E, curiosamente, pois trata-se de
uma parte móvel, de menor importância junto à nave, uma delas (exemplar
2247.XII.055, fig.72) traz marca de ensaiador da Bahia.
Fig.69 – Borboletas de pencas de balangandãs. Fotografias da autora.
Com r ela çã o à p r es en ça d e m a r ca s n a s n a ves , n ã o for a m en con t r a d a s
m a r ca s d e ou r ives , a p en a s m a r ca s d e en s a ia d or (fig.7 0 , 7 1 , 7 1 e 7 2 ) em
cin co exem p la r es 175. E s s a s a t es t a m a s u a exis t ên cia n a Ba h ia d os s écu los
XVIII e XIX.
174
Esta bandeja nºinv. 2299.XII.107, traz marca de pseudocontraste de Lisboa para a prata,
d os fin s d o s éc. XIX, u s a d a n o Br a s il e m a r ca d e ou r ives b r a s ileir o n ã o id en t ifica d o FMJ . O
p s eu d ocon t ra s te é u m a m a r ca gr a va d a em im it a çã o d e u m a m a r ca d e en s a ia d or p or t u gu ea
(ROS A, 1 9 8 0 , p .4 ). E s s e ter m o é u m a d es ign a çã o d a d a , em 1 9 7 4 , p or Fer n a n d o Moit in h o d e
Almeida (1995, p.13) para esse tipo de marca que aparece somente no Brasil.
175 Destes 5 exemplares, duas apresentam marca no verso. Estranhamente essas marcas em
in ca vo s ã o p ou co legíveis com o s e t ives s em s id o p r op os it a d a m en te r is ca d a s . As m a r ca s d a
p a r te fr on t a l d a s n a ves loca liza m -s e ju n t o à ju n çã o com a a lça m óvel e n a p r óp r ia a lça
móvel. Destas, duas são do séc.XVIII e uma do XIX.
Fig.70 – Pen ca d e b a la n ga n d ã s 2 2 5 8 .XII.0 6 6 .
Det a lh e d e m a r ca d e en s a ia d or d o s éc.XVIII n a
alça móvel da nave. Fotografia da autora.
Fig.71 – Con t r a s te d a p r a t a d e
en s a ia d or d a Ba h ia , s éc. XVIII. Fon t e:
ALMEIDA, 1995, p.343
Fig.72 – Pen ca d e b a la n ga n d ã s 2 2 4 7 .XII.0 5 5 .
Det a lh e d e m a r ca s d e en s a ia d or d a Ba h ia
Imperial (borboleta e alça). Fotografia da autora.
Fig.73 – Con t r a s te d a p r a t a d e
en s a ia d or d a Ba h ia , a t r ib u ível a In á cio
Álva res Na za r et h , regis t r a d a em 1 8 6 6 .
Fonte: ALMEIDA, 1995, p.344
O ofício d e ou r ives foi con t r ola d o n o Br a s il d es d e os t em p os colon ia is
pela m et r óp ole p or tu gu es a a tr a vés d a s Câ m a r a s . Os oficia is ou r ives er a m
d ivid id os em ou r ives d o ou ro e ou r ives d a p r a t a . Da m es m a for m a
organizavam-s e os en s a ia d or es . E s t es er a m os r ep r es en t a n t es oficia is qu e
“en s a ia va m ”, exa m in a va m o t eor d a p r a t a , s u a p r op or çã o n a p eça , p or
b u r ila d a (lin h a em zigu eza gu e t a m b ém ch a m a d a b ich a ou cob r in h a ) ou p or
t oqu e (MOITINHO, PRADO e LONDRE S , 1 9 9 9 , p .3 1 0 ). Os ou r ives p a r a
exer cer em a p r ofis s ã o n eces s it a va m p r es t a r exa m e e s olicita r licen ça d a
Câmara para abrir tenda ou loja. A seguir, registravam sua marca no Senado
d a Câ m a r a d a Ba h ia (BRANCANTE , 1 9 9 9 , p .4 1 ). S ob r e t od a p eça p r od u zid a
d ever ia h a ver u m a a va lia çã o p or u m en s a ia d or s ob r e a qu a lid a d e d a liga d a
p eça , qu e im p r im ia s u a m a r ca a t es t a n d o a m es m a . Pa r a t a l, p a ga va -se uma
taxa ao governo. Segundo Mattos (1952, p.XXVI), seu valor era de 10 réis por
p eça en s a ia d a (t es t a d a ) e con t r a s t a d a (qu e r eceb ia m a r ca ). S om en t e a Igr eja
er a lib er a d a d es t e p r oced im en t o. E n t r et a n t o, a m a ior ia d a s p eça s feit a s n o
Br a s il
a té
o
s éc.
XVIII
não
r eceb ia
m a r ca
de
n en h u m
t ip o,
e
consequentemente evitavam as taxações.
As m a r ca s d e en s a ia d or e ou r ives d a Ba h ia for a m r egis t r a d a s n o Livr o
d e Regis t r o d a s m a r ca s d os en s a ia d or es e ou r ives d o ou r o e d a p r a t a e
d em a is m et a is d a Câ m a r a d e S a lva d or , a p en a s a p a r t ir d e 2 2 d e m a io d e
1 7 2 5 (MATTOS , 1 9 5 2 , p .1 ). An t er iorm en t e, er a s egu id o o s is t em a d e
con t r a s t a r ia exis t en te em Por tu ga l, b a s ea d o n o Regim en t o d e 1 3 d e ju lh o d e
1 6 8 9 (VALADARE S , s .d ., p .8 4 ). Des t e p er íod o d a t a “o p u n çã o com o B
en cim a d o d e cor oa [d e t r ês h a s t es ]” cor r es p on d en te “à m a r ca d o en s a ia d or ,
d a p r a t a , n om ea d o em 1 7 1 9 , Lou r en ço Rib eir o d a Roch a ” (idem, p .8 0 ). Va le
r es s a lt a r a p r oib içã o d os ofícios d e ou r ives d e p r a t a e ou r o n o Br a s il,
s egu n d o Ca r t a Régia d e 3 0 d e ju lh o d e 1 7 6 6 (MATTOS , 1 9 5 2 , p.XXVIII),
in t er d içã o s om en t e r evoga d a em 1 1 d e a gos to d e 1 8 1 5 . Ap es a r d es s e
im p ed im en t o lega l, é evid en t e p elos exem p la r es d e ou r ives a r ia exis t en t es em
or d en s r eligios a s , cu ja s en com en d a s for a m r egis t r a d a s , qu e a a t ivid a d e
con t in u ou
na
cla n d es t in id a d e
com
gr a n d e
d em a n d a
e
qu a lid a d e
de
p r od u çã o. Cor r ob or a m es s a s it u a çã o a s p r óp r ia s p os t u r a s e p or t a r ia s d a
Câ m a r a Mu n icip a l d e S a lva d or qu e a ler t a va m p a r a a n eces s id a d e d a s p eça s
d e ou r o e p r a t a s er em s u b m et id a s a o exa m e d o en s a ia d or (a t ivid a d e qu e
con t in u ou a exis t ir n o p er íod o d a p r oib içã o), s ob p en a d e con fis co d a p eça ,
multa e prisão (VALLADARES, s.d., p.88). Visto que, a maioria das pencas de
b a la n ga n d ã s n ã o p os s u i m a r ca s , é p os s ível, qu e a lgu m a s s eja m d es s e
período, um hiato de 49 anos de atividade oficial.
2.2.3. Elementos pendentes
Nas 27 pencas de balangandãs existem 781 elementos pendentes. Eles
va r ia m em qu a n t id a d e en t r e 1 3 e 5 5 p eça s 176, em for m a , volu m es , t a m a n h os
(d e 1 ,5 a 1 2 cm ) e m a t er ia is (or gâ n icos e in or gâ n icos , com o p r ed om ín io d a
prata, con for m e Ap ên d ice A – gr á ficos 4 e 5 ). A m a ior ia , com o t a m b ém a
n a ve, s ofr e u m a p r ofu s ã o d ecor a t iva d e m ot ivos fit om or fos d is p os tos n u m a
m ovim en ta çã o d e r a m a gen s em cu r va s e con t ra -cu r va s , r evela n d o u m a
in flu ên cia
d o es tilo Ba r r oco. Qu a n t o à
m a r ca çã o, p ou ca s
p eça s
são
marcadas. Foram encontradas marcas de ensaiador da Bahia em 5 peças (na
a lça d o ch ifr e d o b es ou r o 2 2 5 1 .XII.0 5 9 ; n a a lça d a p om b a 2 2 5 7 .XII.0 6 5 ; n a
a lça d o côco e d o ca r n eir o 2 2 4 7 .XII.0 5 5 ; a lça d o p eixe 2 2 7 0 .XII.0 7 8 ).
Ta m b ém a p a r ecem m a r ca s d e Ma n oel E u s t á qu io d e Figu eir ed o, qu e a t u ou
com o ou r ives d a p r a t a e en s a ia d or d a p r a t a n a Ba h ia com r egis t r o em 1 8 3 2
(ALME IDA, 1 9 9 5 , p .3 4 4 ; MATTOS , 1 9 5 2 , l.2 , p .1 0 ), cit a d o t a m b ém com o
m a r ca d or d a p r a t a , es t a b elecid o n a r u a d os Ou r ives , 6 1 (ALMANAQUE ,
1998, p .2 1 2 ). S u a m a r ca a p a r ece em 4 p eça s (a lça d o p eixe d o exem p la r
2 2 6 7 .XII.0 7 5 ; a lça d o côco d o exem p la r 2 2 6 6 .XII.0 7 4 ; gom il d o exem p la r
2 2 6 2 .XII.0 7 0 ; a lça d o ja r r o d o exem p la r 2 2 7 3 .XII.0 8 1 ). Ap a r ecem t a m b ém
a lgu m a s p ou ca s p eça s in gles a s (v in a igre tte e cilin d r o) e com m a r ca s n ã o
identificadas (chave), conforme será visto a seguir.
E xis t em elem en t os m a is fr eqü en t es (Ap ên d ice A - gráfico 6 ) com o a s
figa s , côco d e á gu a , ch a ve, m oed a s , cilin d r o, r om ã , ca ch o d e u va s , p eixe e
d en t es d e a n im a is en ca s t oa d os em p r a t a . S u a com b in a çã o t or n a ca d a p en ca
d e b a la n ga n d ã s ú n ica , vis t o qu e é fr u t o d e es colh a s p es s oa is , e ca d a
elem en t o com p õe a gr a m á t ica d e s u a lin gu a gem com u n ica t iva . E s s es
elementos são definidores da lógica operacional em torno da qual se organiza
a p en ca d e b a la n ga n d ã s . S er em fr u t o d e u m a coer ên cia es t ét ica d e u m a
ép oca , a t r a ves s a n d o es t ilos d o b a r r oco a o n eoclá s s ico, execu t a d os p or
ou r ives b a ia n os 177 s ã o in d ica t ivos
176
de
s u a in s er çã o / p r od u çã o d en t r o d e
Nã o p a rece h a ver qu a lqu er rela çã o n u m ér ica , u m a regu la r id a d e qu a n t o a o n ú m er o d e
elementos. O quantitativo refere-se ao poder aquisitivo de sua usuária.
177 A p r ová vel feit u r a n a Ba h ia é a tes t a d a p ela p res en ça d e m a r ca s d e en s a ia d or d a Ba h ia ,
registrado no século XVIII e XIX (conforme imagens das fig.70 e 73).
u m con t ext o, d e u m a a ceit a çã o, on d e p r od u t or es (ou r ives ) e con s u m id or es
(m u lh er es n egr a s e m es t iça s ) in t er a gia m . Difer en t em en t e d e u m a ob r a d e
t a lh a ou ou t r o exem p la r d e joa lh er ia , a p en ca d e b a la n ga n d ã s er a u m a ob r a
a b er t a , com p os t a p or s u a u s u á r ia , a t u a liza d a p ela in cor p or a çã o d e n ovos
elem en t os e exclu s ã o d os exis t en t es (com o n o ca s o d e ven d a p or u m a
n eces s id a d e m on et á r ia ). A p r es en ça d es tes elem en tos r em et e a u m a p os t u r a
d ia n t e d a vid a , r efer en cia d a p or u m con ju n t o d e cr en ça s qu e lh e d ã o
s en t id o. As s im , r econ h ecer a s for m a s exis t en t es p or s u a r ep r es en t a çã o por
figu r a çã o, s im ila r id a d e icôn ica d e s u a r ep r es en t a çã o é s om en t e o p r im eir o
p a s s o p a r a o s eu en t en d im en t o, é u m p r in cíp io d e s u a con s t r u tivid a d e
s im b ólica . O s eu u s o, a n eces s id a d e d e m a n t er u m a con t igü id a d e com o
cor p o d e s u a u s u á ria , qu e lh e é veícu lo e s ob r e o qu a l a tu a , é u m ou t r o
p r in cíp io.
Esta r
em
u s o,
com o
a d er eço
d ifer en cia l d e
d et er m in a d a s
mulheres, em determinadas situações, lhe referencia.
A a çã o d os elem en tos r es id e em s eu ca r á t er m á gico, va lor qu e lh e é
a t r ib u íd o, con ven cion a d o. A s u a a çã o é r egid a p elos p r in cíp ios d a m a gia
s im p á t ica e a p r es en ça d es s es elem en tos r evela u m a vin cu la çã o a a n t iga s
t r a d ições . A m a gia s im p á t ica b a s eia -s e n a a t r a çã o d os s em elh a n t es , n a s
liga ções s im p á t ica s (s em elh a n t e a fet a s em elh a n t e e/ ou con ect a -s e a ele),
orientando-s e p ela s leis d a s im ila r id a d e e d a con t igü id a d e. A p r im eir a
d et er m in a a m a gia h om eop á t ica ou im it a t iva , n a qu a l “o s em elh a n t e evoca o
s em elh a n te” e “o s em elh a n t e a ge s ob r e o s em elh a n t e” (MONTE RO, 1 9 9 0 ,
p .2 6 ). S u p õe-s e qu e a r ep r es en t a çã o d e cen a s d e ca ça n a s p in t u r a s
r u p es t r es s eja u m a d e s u a s m a n ifes t a ções (a r ep r es en t a çã o evoca n d o,
atraindo uma cena real num mecanismo propiciatório), assim como as vênus
es t ea t op igia s (es t a t u et a s fem in in a s cu jo exa ger o d a s for m a s evoca r ia m a
fer t ilid a d e) com o a Vên u s d e Willen d or f (J ANS ON, 1 9 8 4 , p .2 4 -2 6 ). A a çã o d o
s em elh a n te s ob r e o s em elh a n te fa z s u r gir t a m b ém o s eu con t r á r io, d a n d o
origem à lei da contrariedade (MONTERO, 1990, p.29). Desta forma, ocorrem
a s a ções d e cu r a m á gica , on d e a r ep r es en t a çã o d e u m a p a r t e d o cor p o s ã o
evoca u m m em b r o s ã o e a fa s t a o s eu con t r á r io, u m m em b r o d oen t e. J á a lei
da
con t igü id a d e, qu e d et er m in a
a
m a gia
p or
con t á gio, p r es s u p õe a
continuidade entre as partes e o todo. Assim, “todos os atos praticados sobre
u m ob jet o m a t er ia l a fet a r ã o igu a lm en t e a p es s oa com a qu a l o ob jeto es t a va
em con t a to, qu er ele con s t it u a p a r t e d e s eu cor p o ou n ã o” (FRAZE R, 1 9 8 2 ,
p .3 4 ). E s s e p r in cíp io r ege a p r á t ica vod u e feit iços a m a t ór ios qu e d em a n d a m
partes do corpo (unha, cabelo, secreções, etc.) para a sua composição.
Nu m a p er s p ect iva s em iót ica d a m a gia , a p a r t ir d a r ela çã o en t r e s ign o
e ob jet o, Nöt h (1 9 9 6 , p .3 8 -4 0 ) id en t ificou a m a gia h om eop á t ica ou im it a t iva
como magia icônica (o signo representa o objeto por semelhança) e magia por
con t a t o com o m a gia
in d icia l (o s ign o e o ob jet o p or
con t igü id a d e).
Det er m in ou a in d a a m a gia s im b ólica (o s ign o r ep r es en t a o ob jet o p or
con ven çã o), on d e s e en con t ra m a s fór m u la s e p a la vr a s m á gica s com o
Abracadabra.
Des t a for m a , é p os s ível s u ger ir a cla s s ifica çã o 178 d os elem en t os que
com p õem a p en ca d e b a la n ga n d ã s com o a m u let os (elem en tos d e p r oteçã o) e
t a lis m ã s (elem en t os p r op icia tór ios ), s en d o qu e es s e a gr u p a m en t o s em p r e
d ep en d er á d o â n gu lo d e a n á lis e. “S ã o d e p a r t icu la r in t er es s e a s for m a s d e
motivação através das quais o signo é determinado por seu efeito pretendido”
(NÖTH, 1 9 9 4 , p .3 8 ). Pa r a
exem p lificá -la , a lgu n s
elem en tos
d os
m a is
freqüentes serão abordados.
2.2.3.1. Figa
Da s 2 7 p en ca s d e b a la n ga n d ã s d a coleçã o, 2 6 179 a p r es en t a m p elo
m en os u m a figa . E xis t em n o a cer vo 5 3 figa s , oca s ou m a ciça s , em p r a t a ,
m a d eir a (a m a ior ia es cu r a ), os s o, m a r fim , cor a l e ch ifr e. S eu t a m a n h o va r ia
178
A classificação clássica para os elementos pendentes, adotada pela maioria dos autores e
ela b or a d a p or Men ezes d e Oliva (1 9 5 7 , p .4 9 -5 3 ) d eter m in a 5 ca tegor ia s , b a s ea d a n a
utilidade ou função:
- devocionais: os dedicado a um santo ou culto, como cruz, crucifixo, relicário, medalha.
- vot ivos : os qu e rep res en t a m o p a ga m en to d e u m a p r om es s a feit a , com o ca b eça , p erna,
casa, olhos de santa Luzia.
- p r op icia t ór ios : u s a d os p a r a a t r a ir b oa s or te, im u n iza n d o s eu p os s u id or d e in for tú n ios .
Nesta categoria estão o signo Salomão, as moedas, os dentes, as figas.
- evoca t ivos : os qu e lem b r a m fa t o d ecor r id o, com o o ca ch o d e u va s (qu e lem b ra a o
português a festa da vindima), o tambor que lembra a África.
- d ecor a t ivos : “t od o e qu a lqu er ou t ro d ixe, qu e n ã o p u d er s er , d es d e logo, in clu íd o n a s
quatro primeiras categorias” como bolas coloridas.
179 O único exemplar que não possui figa é o 2264.XII.072.
d e 3 ,5 a 1 4 ,0 cm d e com p r im en t o. A d ecor a çã o é s im p lifica d a . Qu a n t o a os
t ip os , h á va r ia n t es . E xis t em 3 5 “fa ls a s ” figa s (fig. 7 4 e 7 5 ), ou s eja , a
representação de uma mão fechada sem penetração do dedo polegar entre os
d ed os in d ica d or e m éd io. Algu m a s d es t a s , p a r a s im u la r a for m a d a figa ,
t r a zem o d ed o p olega r a lon ga d o (fig.7 6 , figa em m a d eir a cla r a e fig.7 7 , figa
em p r a t a à d ir eit a ). Há u m s ó exem p la r de m a n o corn u ta , m ã o ch ifr u d a
(fig.7 8 ). Ta m b ém exis t e u m a figa for t e (fig.7 6 , figa à d ir eit a ), qu e s egu n d o
Machado (1973, p.24),
t em com o ca r a ct er ís t ica e m eio d e
p r es en ça d o d ed o in d ica d or em ris t e, e
t r a ve, qu e a t r a n s for m a n u m a cr u z.
con s id er a d o n ã o s ó con t r a m a u -olh a d o
u m a s ér ie d e d oen ça s , n ot a d a m en t e
cérebro.
Fig.74 – Figas em marfim, madeira e prata.
Exemplar 2265.XII.073. Fotografia da autora.
Fig.76 – Figas em madeira.
E xem p la r
2 2 4 9 .XII.0 5 7 .
Fotografia da autora.
fá cil id en t ifica çã o a
qu a s e n a p on ta u m a
E s s e t ip o d e figa é
com o t a m b ém con t r a
a s en fer m id a d es d o
Fig.75 – Figas em madeira, prata e coral.
Exemplar 2267.XII.075. Fot. da autora.
Fig.77 – Figas em prata.
E xem p la r
2 2 6 1 .XII.0 6 9 .
Fotografia da autora.
Fig.78 – Ma n o corn u ta em
m a r fim .
E xem p la r
2 2 4 9 .XII. 0 5 7 . Fot ogr a fia
da autora.
A figa é “u m ges t o m á gico qu e s e ob tém com a m ã o fech a d a d e
m a n eir a qu e o d ed o p olega r s ob r es s a ia d en t r e o in d ica d or e o m éd io”
(VAS CONCE LOS , 1 9 9 6 , p .1 7 7 ) e qu e s e m a t er ia liza em a m u letos 180. O ges t o
r ep r es en t a os or gã os gen it a is m a s cu lin o e fem in in o em a t o s exu a l. Pod e
r ep r od u zir a m ã o d ir eit a ou a es qu er d a . Na coleçã o d o Mu s eu Ca r los Cos t a
Pin t o h á u m p r ed om ín io d e figa s d e m ã o es qu er d a 181 (3 4 p eça s n u m t ot a l d e
5 3 ). Qu a n t o a o m a t er ia l, é con feccion a d a em vá r ia s s u b s t â n cia s , d a s
in t r in s eca m en t e m á gica s com o â m b a r , a zevich e, cor a l, cor n o e fer r o a t é
b a r r o, coqu ilh o, lou ça , m a d r ep ér ola , m a r fim , m á r m or e, os s o, ou r o, p r a t a ,
vidro, celulóide, galalite (idem, p.178) e plástico.
A figa p r op r ia m en t e d it a , con h ecid a com o m a n o fica ou m a n o in fica
(ELWORTHY, 1 8 9 5 , p .2 5 6 ), er a u m a m u let o con t r a o m a u olh a d o b a s ta n t e
d ifu n d id o n o m u n d o clá s s ico r om a n o, com or igem a t r ib u íd a a o Orien t e
Méd io (VAS CONCE LOS , 1 9 9 6 , p .2 1 7 ). E lwor t h y (idem, p .2 5 5 ) id en t ificou a
presença d a figa en tr e os a m u let os egíp cios d o Mu s eu As h m olia n o d e Oxfor d
e a m u let os et r u s cos n o Mu s eo d i Bologn e. Ta m b ém foi en con t r a d a em
Cartago, nas antiguidades de Iviça, do século VII ao III a. C (VASCONCELOS,
1 9 9 6 , p . 2 1 6 ). S eu n om e or igin a -s e em la t im d e fícus, qu e t a m b ém d es ign a a
figueira182 e s eu fr u t o, o figo (fig.7 9 e fig.8 0 ). Por s eu in t er ior a s s em elh a r -se
a o ór gã o s exu a l fem in in o, em la t im vu lga r , fica, d es ign a a vu lva (HOAIS S ,
2 0 0 1 ). A figu eir a 183 er a a m a d eir a p r ed ilet a p a r a en t a lh a r im a gen s e fa los
(phallus) d e Pr ía p o 184, filh o d e Vên u s e Ba co, s en d o con s id er a d o n a An t iga
180
S egu n d o Va s con celos (1 9 9 6 , p .2 2 1 ), “a figa , d e com eço, foi ges to licen cios o, com p len a
s ign ifica çã o fís ica , o qu a l fa zia d es via r d e p es s oa s , a n im a is e cou s a s m á -olh a d u r a , qu e s e
t in h a p or ca u s a d or a d e gr a ves d a n os . Dep ois o ges to t or nou-s e p r op r ia m en te a p ot r op a ico,
isto é, com significação mágica ou sobrenatural: por isso se imitou sob a forma de amuleto”.
181 Conforme Vasconcelos (1996, p.177), em Lisboa “crê-se que, embora dê mais jeito fazer a
figa com a mão direita, se deve fazer com a esquerda; o preceito é fazê-la com a esquerda; a
esquerda tem mais virtude, mais ação”.
182 S egu n d o Gên es is 3 :7 (BÍBLIA, 1 9 8 5 , p .3 5 ), foi com folh a s d e figu eir a qu e Ad ã o e E va
cobriram seus corpos nus após terem cometido o pecado original.
183 A figu eir a , fícu s ca rica , é cu lt iva d a d es d e o Neolít ico, ten d o s u a d om es t ica çã o ocor r id a
ju n t o com a vid eir a e a oliveir a n o oes te d o Med iter r â n eo. Há r egis t r os d e s eu cu lt ivo en t re
os assírios e egípcios, por volta de 2.000 a.C (JANICK, 2002).
184 Na s cid o em La m p s a co, n a Ás ia Men or , Pr ía p o é u m d eu s fá lico, qu e n a s ceu com u m a
d efor m id a d e qu e o ca r a cter iza , u m fa lo d es m ed id o (Mon t a gn er , 2 0 0 4 ). Na s p a r ed es d o
vestíbulo da Casa dos Vetti, em Pompéia, há um afresco com uma representação dele.
Rom a , u m d eu s p r ot et or d os ja r d in s e d a fecu n d id a d e (COMME LIN, 1 9 ? ,
p.114-5).
Fig.79 – O fr u t o: figo. Fon te: www.
hortalimpa.com.br/curiosidades/ figo.htm
Fig.80 – In ter ior d e u m figo. Fon te:
www.essenceofjerusalem.biz/ formula.htm
A figa n ã o é s om en te u m a m u leto it ifá lico 185, ela r eú n e o p r in cípio
fem in in o e o m a s cu lin o em u n iã o s exu a l. Tod os es s es a m u let os es t ã o
con ect a d os à m a gia s exu a l, qu e s e r efer e a os r it os d e fer t ilid a d e, n u m a a çã o
r ep r es en t a t iva d em iú r gica , d a cr ia çã o d a vid a . Da í o s eu ca r á t er d e p r ot eçã o,
fu n cion a n d o s egu n d o o p r in cíp io d e m a gia s im p á t ica , d e s im ila r id a d e,
icon icid a d e, on d e a cr ia çã o, a vid a , a u n iã o s e op õem a o ca os , à m or t e, à
d es or d em . S u a n a t u r eza a ca p a cit a a a n t ep or -s e à s for ça s m a lígn a s
exis t en t es n a con cep çã o m á gica d o m u n d o com o op on en t es à s for ça s
benignas. O u n iver s o m á gico é m a r ca d o p ela lu t a en tr e es s a s for ça s
a n t a gôn ica s . Um a d es s a s p od er os a s for ça s é o m a u olh a d o ou qu eb r a n t o
(VAS CONCE LOS , 1 9 9 6 , p .1 7 4 ), con h ecid o t a m b ém com o jettadura, in veja ,
fascination (ELWORTHY, 1 8 9 5 , p .1 -8 ). Os a m u let os e os t a lis m ã s s ã o a r m a s
d e d efes a (p r ot eçã o) e a t a qu e (p r op icia tór io) n es s a b a t a lh a , em b u s ca d o
equ ilíb r io d a s for ça s . A figa é u m d os p r in cip a is e m a is d ifu n d id os a m u let os
contra a fascinação (VASCONCELOS, 1996, p.179).
O uso da figa expandiu-se na Antiguidade à partir do Império Romano.
A Lu s it â n ia , en t r e ou t r a s r egiões r om a n iza d a s , foi s u a h er d eir a e, s écu los
d ep ois , p r op a ga d or a p a r a a s colôn ia s a lém -m a r com o o Br a s il. E r a u s a d a
185
Representação de falo ereto. Esse tipo de amuleto, provavelmente herdado do Egito (como
o p ila r d e Os ír is ), er a b a s t a n te com u m n a Rom a An t iga s ob o n om e d e fascinum ou fascinus
(ELWORTHY, 1 8 9 5 , p .1 5 1 e VAS CONCE LOS , 1 9 9 6 , p .2 1 6 ). E r a con h ecid o t a m b ém com o
turpicula res, parte disforme (HOUAISS, 2001).
“n o p u ls o d e m u lh er es e cr ia n ça s 186, ou a o p es coço, p en d en t e d e u m cola r ”
(VASCONCELOS, 1 9 9 6 , p .2 0 1 ). Além
d is s o, s eu
p a p el p r ofilá t ico er a
extensivo ao benefício de animais e coisas.
No Br a s il, a figa es t á p r es en t e d es d e o s écu lo XVI. S eu u s o er a
b a s t a n t e p op u la r n o s écu lo XIX (E wb a n k 1 9 7 6 , p .1 8 8 ). Além d o r egis t r o d e
via ja n t es , figu r a em cit a ções d e r om a n ces d a ép oca . Ap a r ece em d ois
m om en t os d e Me m ória s d e u m S a rgen to d e Milícia s d e Ma n u el An tôn io d e
Alm eid a , p u b lica d o em 1 8 5 2 . Nes t e, a com a d r e, p er s on a gem d es cr it o p or
Alm eid a (1 9 8 9 , p .2 6 ), é u m a m u lh er b ea t a qu e vivia d o ofício d e p a r t eir a e
benzia de quebranto.
O s eu t r a je h a b it u a l er a , com o o d e t od a s a s m u lh er es d a s u a
con d içã o e es fer a , u m a s a ia d e lila p r et a , qu e s e ves t ia s ob r e
u m ves t id o qu a lqu er , u m len ço b r a n co m u ito t es o e en gom a d o
a o p es coço, ou t r o n a ca b eça , u m r os á r io p en d u r a d o n o cós d a
s a ia , u m r a m in h o d e a r r u d a a t r á s d a or elh a , t u d o is to cob er t o
p or u m a clá s s ica m a n t ilh a , ju n t o à r en d a d a qu a l s e p r ega va
uma pequena figa [grifo nosso] de ouro ou de osso.
A p r ofis s ã o d e p a r t eir a , d e t r a zer à vid a , en volvia for ça s m á gica s , e
con s eqü en t em en t e r equ er ia p r ot eçã o p or p a r t e d os en volvid os . As s im é qu e
p a r a a p a r t u r içã o m ã e e r ecém -n a s cid o er a m p r ep a r a d os . E s s e r it u a l é
relatado por Almeida (idem, p.71),
a com a d r e [a p a r t eir a ] veio à s a la , a p a gou a s vela s qu e
es t a va m a ces a s a Nos s a S en h or a ; foi d ep ois d es a t a r a fit a d a
cin t u r a d a Ch iqu in h a [a p a r t u r ien t e] e t ir a r -lh e d o p es coço os
b en t in h os .
A
r ecém -n a s cid a ,
en fr a ld a d a ,
en cu eir a d a ,
en cin t eir a d a , en t ou ca d a e com u m m olh o d e figas [gr ifo n os s o]
e m eia s -lu a s , s ign os d e S a lom ã o e ou t r os p r es er va t ivos d e
maus-olhados presos ao cinteiro,
O r om a n ce O Mu la to d e Aloís io d e Azeved o (s .d ., p .5 9 ), p u b lica d o em
1 8 8 1 , cu jo en r ed o s e d es en volve n o Ma r a n h ã o oit ocen t is t a , a p r es en t a o u s o
da figa por uma das personagens.
186
Mu lh eres e cr ia n ça s s ã o a s p r in cip a is vít im a s d e m a lefícios e con s equ en tem en te os
p r in cip a is u s u á r ios d a s figa s . E s s a s it u a çã o é ju s t ifica d a p ela s a lt a s t a xa s d e m or t a lid a d e
infantil e decorrente de parturição no passado, atribuídas a ações mágicas.
E , t ir a n d o d o s eio u m t r a n celim , com u m a en or m e figa d e
ch ifr e en ca s t oa d a em ou r o; - Ai, m in h a r ica figa , a t i o d evo! a
ti o devo, que me livraste do mau-olhado!
Esse é o comentário da Sra. Maria Bárbara, senhora branca e rica, avó
d a p er s on a gem p r in cip a l An a Ros a , qu e com o u m a m oça m od er n a d a
segunda metade do séc. XIX despreza esse tipo de superstição.
2.2.3.2. Coco de água
Ap a r ecem em 2 6 p en ca s d e b a la n ga n d ã s , s en d o os elem en t os m a is
fr eqü en t es ju n t o com a figa e a ch a ve. No con ju n t o h á m in ia t u r a s d e cocos
d e á gu a em p r a t a e em coco e p r a t a (fig. 8 1 e 8 2 ). Um d eles , elem en to d o
exem p la r 2 2 4 7 .XII.0 5 5 , a p r es en t a con tr a s t e d a Ba h ia d o s écu lo XVIII.
Segundo Franceschi (1988, p.192),
u m coco d e á gu a t em s eu n om e d er iva d o “d o p r im it ivo
em p r ego d e cu ia s d e coco p a r a t ir a r á gu a d os d ep ós it os ; a
essas cuias eram presas hastes de madeira ornamentadas com
d et a lh es d e p r a t a ; m a is t a r d e p a s s a r a m a s er feit a s
inteiramente de prata, conservando a forma e o nome.
Nã o
foi en con t r a d a
qu a lqu er
r efer ên cia
de
u so
m á gico
d es t es
element os . Pa r ecem s er elem en t os m era m en t e d ecor a t ivos . Pos s ivelm en t e
er a m m in ia t u r a s d o p r od u t o en com en d a d o, a p r es en t a d o a o en com en d a n t e
ou com o m os t r u á r io. S u a in cor p or a çã o à s p en ca s d e b a la n ga n d ã s d eve
s egu ir , a s s im com o ou t r os elem en t os , o p r in cíp io qu a n t it a t ivo qu e or ien t a a
sua natureza aglutinadora.
Fig. 8 1 – Cocos d e á gu a em p r a t a e coco e p r a ta .
Exemplar 2251.XII.059. Fotografia da autora.
Fig. 82 – Cocos de água em prata.
Exemplar 2263.XII.071. Fotografia
da autora.
Fig.83 – Coco d e á gu a em p r a t a cin zela d a . Br a s il, s éc.XIX. Fon te: MOUTINHO, PRADO e
LONDRES, 1999, p.93
2.2.3.3. - Chave
A ch a ve a p a r ece em 2 6 p en ca s d e b a la n ga n d ã s . E xis t em 4 5 ch a ves ,
em p r a t a , va r ia n d o d e 3 ,0 a 1 0 ,0 cm . Tod a s s ã o p or s u a s d im en s ões e
decoração chaves de sacrários e cofres (fig.84 e 85).
Fig.85 – Cofr e e ch a ve d e cofre em p r a t a .
Por t u ga l, s éc. XVI (fin a l) – S éc. XVII (1 ª
m et a d e). Col. Mu s eu d e É vor a . Fon te:
CORDEIRO, 1993, p.248
Fig.84 – Chaves em prata. Exemplar
2249.XII.057.Fotografia da autora.
Du a s
das
ch a ves
(fig.8 6
e
8 7 ) t r a zem
m a r ca
de
ou r ives
não
identificado, as iniciais A S.
Fig.86 – Ch a ve em p r a t a (d et a lh e). E xem p la r
2262.XII.070. Fotografia da autora.
Fig.87 –
E xem p la r
autora.
Ch a ve em p r a t a (d et a lh e).
2 2 7 2 .XII.0 8 0 . Fot ogr a fia d a
Existem também exemplares híbridos, pânteos, que aglutinam chave e
figa (fig. 88 e 89 ).
Fig. 88 - Figa em prata. Exemplar
2272.XII.080. Fotografia da autora.
Fig. 89 - Figa em prata. Exemplar
2266.XII.074. Fotografia da autora.
Na icon ogr a fia cr is t ã , a ch a ve a lu d e a S ã o Ped ro (fig.9 0 ). Ma t eu s
16:18-1 9 (BÍBLIA, 1 9 8 5 , p .1 8 6 9 -7 0 ), d es cr eve o p od er d a s ch a ves d a d o a
Pedro por Jesus,
t a m b ém eu t e d igo qu e tu és Ped r o, e s ob r e es t a p ed r a
ed ifica r ei m in h a Igr eja , e a s p or t a s d o In fer n o n u n ca
p r eva lecer ã o con t r a ela . E u t e d a r ei a s ch a ves d o Rein o d os
Céu s e o qu e liga r es n a t er r a s er á liga d o n os céu s , e o qu e
desligares na terra será desligado nos céus.
Fig. 9 0 – A en t rega d a s ch a ves a Ped ro (d et a lh e). Piet r o
Perugino. Afresco, 1482. Capela Sistina, Vaticano187.
187
Fonte: LOPERA, José Alvarez e ANDRADE, José Manuel P. História geral da Arte: Pintura
I. Lisboa: Ediciones del Prado, 1995. p.126.
O p od er d a s ch a ves r es id e n o con t r ole, em t er ou d a r a ces s o a u m a
p or t a , cofr e, con t eú d o. É u m elem en t o u s a d o n a m a gia a p a r t ir d es s a s u a
ca r a ct er ís t ica fu n cion a l, p or a n a logia , m a gia s im p á t ica . Da m es m a for m a
qu e d á a ces s o a a lgo, t a m b ém o b loqu eia . Nes s e s en t id o é em p r ega d a com o
amuleto de proteção para “fechar o corpo”.
Ain d a , qu a n d o r ela cion a d a a o ca r á t er s a gr a d o com o é o ca s o d a s
ch a ves d e s a cr á r io, es t á p r es en t e em p r á t ica s s u p er s t icios a s com u n s n o
Brasil como a citada por Mário de Adrade(1983, p. 32) em Macunaíma
E s t a va com a b oca ch eia d e s a p in h os p or ca u s a d a qu ela
p r im eir a n oit e d e a m or p a u lis t a n o. Gem ia com a s d or es e n ã o
h a via m eios d e s a r a r a t é qu e Ma a n a p e r ou b ou u m a ch a ve d e
s a cr á r io e d eu p r a Ma cu n a ím a ch u p a r . O h er ói ch u p ou
chupou e sarou bem. Maanape era feiticeiro.
2.2.3.4. Moedas
E xis t em 8 0 m oed a s , p r es en t es em 2 5 p en ca s d e b a la n ga n d ã s . Tod a s
s ã o em p r a t a , d os s écu los XVIII (3 )188 e XIX (7 7 ), p r in cip a lm en t e b r a s ileir a s
(7 5
exem p la r es ),
p ou ca s
es tr a n geir a s
(5 ).
As
b r a s ileir a s
s ã o:
com
id en t ifica çã o ilegível (1 ); 3 2 0 r s (1 ); 6 4 0 r s (1 ); 1 0 0 r s (1 ); 8 0 r s (3 ); 2 0 0 0 r s
(1 2 ); 1 0 0 0 r s (1 2 ); 2 0 0 r s (1 3 ); 9 6 0 r s (1 4 ); 5 0 0 r s (1 7 ). Qu a n t o à s
es t r a n geir a s t r ês s ã o es p a n h ola s , u m a é b olivia n a e u m a b elga . As
dimensões, d iâ m et r o, va r ia m d e 2 ,0 a 4 ,0 cm . A m a ior ia d a s m oed a s r eceb e
a p en a s u m a a r gola d e s u s t en t a çã o (fig.9 1 ), en t r et a n t o, a lgu m a s r eceb em
cer ca d u r a s
ou
en ca s t oa m en t o d ecor a t ivo (fig.9 2 ), com o a s
m oed a s
e
m ed a lh a s d a joa lh er ia p op u la r p or t u gu es a . Ca b e r es s a lt a r , con t u d o, qu e a s
m oed a s u s a d a s p ela s la vr a d eir a s p or t u gu es a s n ã o s ã o ver d a d eir a s , a o
m en os a s d os exem p la r es exis t en t es , p ois , p or im p os içã o lega l, t r a t a -s e d e
m oed a s d e im it a çã o e p a r a s e d is t in gu ir em d a s ver d a d eir a s , a p r es en t a m
t a m a n h o in fer ior e a ca b a m en t o m en os p er feit o (COS TA e FRE ITAS , 1 9 9 2 ,
p.43).
188
Os únicos exemplares do séc. XVIII são três moedas de 80 rs, todas datadas de 1787.
Fig. 9 1 - Moed a s em p r a t a .
2255.XII.063. Fotografia da autora.
E xem p la r
Fig. 9 2 - Moed a em p r a t a . E xem p la r
2250.XII.058. Fotografia da autora.
As m oed a s , p or s eu va lor in t r ín s eco, r efer em -s e à r iqu eza e, com o t a l
a gen t e p r op icia t ór io, s ã o u s a d a s m a gica m en t e p a r a a t r a ir r iqu eza . S eu u s o
foi citado por Azevedo (s.d., 56) em O Mulato,
Môn ica or ça va p elos cin qü en t a a n os ; er a gord a , s a d ia e m u it o
a s s ea d a ; t et a s gr a n d es e d es ca id a s d en t r o d o ca b eçã o. Tinha
a o p es coço u m b a r b a n t e, com u m cr u cifixo d e m et a l, uma
prat in h a de 2 0 0 ré is [gr ifo n os s o], u m a fa va d e cu m a r u , u m
dente de cão e um pedaço de lacre encastoado em ouro.
2.2.3.5. Cilindro
S es s en t a e qu a t r o cilin d r os (fig. 9 3 -9 6 ) a p a r ecem em 2 4 p en ca s de
b a la n ga n d ã s . Qu a n t o a o m a t er ia l s ã o em p r a t a (2 5 ), m a d eir a en ca s t oa d a d e
p r a t a (2 3 ), con t a s en ca s t oa d a s d e p r a t a (3 ), p r a t a d ou r a d a (1 ), cor a l
en ca s t oa d o d e p r a t a (1 ), ch ifr e en ca s t oa d o d e p r a t a (1 ), á ga t a en ca s t oa d a d e
prata (1) e outros materiais encastoados (9). A maioria é sólida, sendo alguns
ocos com p a r t e m óvel. E m t a m a n h o va r ia m d e 3 ,0 a 9 ,0 cm . Os d e p r a t a s ã o
decorados em cinzelados e gravados.
Fig.93 – Cilin d r os em p r a t a , m a d eira e con t a .
Exemplar 2251.XII.059. Fotografia da autora.
Fig. 9 4 – Cilin d r os em con t a , m a d eir a e
á ga t a . E xem p la r 2 2 4 9 .XII.0 5 7 . Fot ogr a fia
da autora.
Fig. 9 5 – Cilin d r o em p r a t a com p a r te m óvel.
Exemplar 2250.XII058. Fotografia da autora.
Fig.96 - Cilin d r o em m a d eir a e cor a l.
E xem p la r 2 2 5 0 .XII0 5 8 . Fot ogr a fia d a
autora
Além d o for m a t o a lon ga d o e r oliço, qu e s e a s s em elh a a a m u let os
it ifá licos es t iliza d os , s egu n d o Dia s (1 9 9 2 , p .1 5 3 -4 ), con t a s em for m a t o
t u b u la r , d e cor a l a r t ificia l d e fa b r ica çã o fla m en ga for a m exp or t a d a s p a r a a
costa ocidental africana, principalmente para o Benin, a partir do séc.XVI.
S eu s ign ifica d o s im b ólico n a s s ocied a d es p r é-coloniais
a fr ica n a s n ã o é m u ito b em com p r een d id o. Com o a s con ch a s ,
con t u d o, p a r ecem t er s id o con s id er a d a s com o p os s u in d o
p od er es p rot ect or es e er a m h a b it u a lm en t e u s a d a s ju n t o com
outros materiais para servir de amuletos.
E r a m u s a d os em cola r es e p u ls eir a s com o a s d em a is con t a s red on d a s .
Nã o for a m loca liza d os exem p la r es en ca s t oa d os ou em m a d eir a e p r a t a n a
África.
S egu n d o Ma ch a d o (1 9 7 3 , p .1 9 ) e Oliva (1 9 5 7 , p .4 4 ), os cilin d r os , qu e
d en om in a
b a s t ões
ocos
d e p r a t a , er a m
“on d e p ós
es con d id os : p ó-de-p em b a , m a n jer icã o, gu in é, t er r a
m is t er ios os
er a m
d e cem it ér io er a m
gu a r d a d os ”. Na d a com en t a s ob r e os cilin d r os qu e n ã o fu n cion a m com o
r elicá r io. Um d os exem p la r es (fig.9 5 ), u m cilin d r o r elicá r io, t r a z m a r ca s
inglesas.
A ou t r a ú n ica r efer ên cia a os cilin d r os n o Br a s il foi d a d a p or Oliva
(1 9 5 7 , p .4 4 -4 9 ) s ob r e u m t ip o d e cilin d r o d e p r a t a a b er t o n a s d u a s
ext r em id a d es , qu e n ã o es t á p r es en t e n a coleçã o d o Mu s eu Ca r los Cos t a
Pinto.
2.2.3.6. Romã
A r om ã
é
um
d os
elem en tos
m a is
fr eqü en t es
das
p en ca s
de
b a la n ga n d ã s . Da s 2 7 p en ca s d a coleçã o Mu s eu Ca r los Cos ta Pin t o, s ó 5 n ã o
p os s u em r om ã . No con ju n t o h á u m t ot a l d e 3 7 r om ã s , t od a s em p r a t a ,
es fér ica s , oca s , cin zela d a s , va r ia n d o em t a m a n h o (a lt u r a en tr e 5 ,5 a 9 ,5 cm ) e
d ecor a çã o (em b or a s em p r e com m ot ivos fit om or fos ). Dem on s t r a em t od os os
exem p la r es u m t r a b a lh o er u d it o d a ou r ives a r ia lu s o-b r a s ileir a t a n t o n a
con fecçã o com o n a d ecor a çã o. E m a lgu n s exem p la r es , com o n o exis t en t e n a
penca 2 2 7 1 .XII.0 7 9 , n ot a -s e u m a t ext u r a p u n t ifor m e in ca va , u m a p os s ível
a lu s ã o a o in t er ior d o fr u t o, à exis t ên cia d a m u lt ip licid a d e d e s em en t es . E s s a
referência, implícita ou explicita, é vital para uma identificação do signo como
s ím b olo d e fecu n d id a d e, fa r t u r a . Nã o for a m
en con t r a d a s r om ã s com o
t a lis m ã s n o Rio d e J a n eir o n a r ela çã o d e Th om a s E wb a n k (1 9 7 6 , p .1 3 1 ) ou
na iconografia encontrada.
Fig. 97 – O fruto da romã189.
Fig. 98 – Interior de uma
Fig.99 – Romã em prata.
Exemplar 2271.XII.079.
Fotografia da autora.
romã190.
Com o a r ep r es en t a çã o d o fr u to r om ã leva a u m a leit u r a p or s eu s
u s u á r ios ? É p r ecis o ca r a ct er iza r o fr u t o, r a s t r eá -lo191 p a r a t en t a r es t a b elecer
es s e
s eu
fu n cion a m en t o.
A r om ã
é
o
fr u t o
da
r om a n zeir a
(Punica
granatum)192, fa m ília b ot â n ica d a s p u n icá cea s . A s u a ca s ca , d e cor a m a r ela
ou ver m elh a , t em m a n ch a s es cu r a s . S u a ext r em id a d e s u p er ior é cor oa d a
p elo cá lice d a flor . In t er n a m en t e é s u b d ivid id a em ca vid a d es com in ú m er a s
sementes, adocicadas, comestíveis, de cor rósea ou avermelhada.
Segundo J a n ick 193 (2 0 0 2 ), a r om ã é or igin á r ia d a Ás ia Ocid en t a l,
es p ecifica m en t e d o s u d oes t e d o cin t u r ã o Cá s p io (Ir ã ) e n or d es t e d a Tu r qu ia ,
com in d ícios d e cu lt ivo d es d e a Id a d e d o Br on ze. E r a con h ecid a n a
Mes op ot â m ia , Fen ícia , S ír ia e Pa les t in a . Por t a n t o, er a cu lt iva d a p elos p ovos
s em it a s (com o os a s s ír ios , b a b ilôn ios , h ics os , fen ícios e h eb reu s ). Os h ics os ,
que invadiram o Egito em cerca de 1.700-1.600 a.C., introduziram a romã no
E git o. S eu n om e la t in o Pu n ica gra n a tu m (cla s s ifica çã o d e Lin eu , s éc. XVIII) é
189
Fonte: http://www.monjardin.fr/images/plantes/134min.jpg
Fonte: http://corpoveloz.blogspot.com/2004_05_01_corpoveloz_archive.html
191 É vit a l qu e p a r a qu e exis t a u m s ign o em for m a d e r om ã , h a ja ou ten h a h a vid o u m
con h ecim en to d o fr u t o p or s eu p r od u t or e/ ou u s u á r io. S e n ã o d o fr u t o, d e u m a
r ep res en t a çã o d es te, com o ocor r ia com a lgu n s elem en tos d ecor a t ivos ou m ot ivos n a
porcelana chinesa de encomenda nos séculos XVII, XVIII e XIX.
192 A romanzeira é um arbusto ramoso, medindo de 2 a 5 metros de altura, podendo chegar
até 100 anos de idade. Suas folhas avermelhadas tornam-se verdes com o tempo. As flores
são vermelho-alaranjadas. O fruto, a romã, é um pseu dofruto.
193 Jules Janick é professor Ph.D do Department of Horticulture and Landscape
Arch itectu re Pu rd u e Un iv ers ity , Indiana – EUA, lecionando as disciplinas History of
Horticulture e Tropical Horticulture. Tem várias publicações sobre o tema e
disponibiliza, via internet, material de leitura produzido por ele para a sua disciplina
History of Horticulture, que foi consultado e citado neste capítulo.
190
uma cla r a r efer en cia a Ca r t a go, colôn ia fen ícia n o n or t e d a Áfr ica . No s éc. V
a.C., os ca r t a gin es es in va d ir a m o s u l d a Pen ín s u la Ib ér ica d ifu n d id o-a.
Pos t er ior m en t e, os á r a b es con s olid a r a m es s e t r a jet o em s u a exp a n s ã o a
partir do séc.VII d.C.
Fig.100 – Romã em
m a r fim . Tú m u lo d e
Tu t a n k a m on , s éc.
XIV a.C.194
Fig. 1 0 1 – Rom ã em
m a r fim . At r ib u íd a a o
Tem p lo d e S a lom ã o,
Jerusalém.195
Fig. 1 0 2 - Chão em mosaico
com
3
r om ã s .
An t iga
S in a goga d e Heft s ib a h -Bet
Alfa , d a t a d a d o s éc.VI
a.C.196
Fig. 1 0 3 – Moeda
cu n h a d a
em
J er u s a lém , 6 7 d .C.
Tr a z gr u p o d e 3
romãs.197
Esse percurso pode ser atestado por escavações arqueológicas, por sua
p r es en ça em m ot ivos or n a m en t a is e a r t efa t os em vá r ia s cu ltu r a s e p or
cit a ções em livr os r eligios os . A r om ã é cit a d a n o An t igo Tes t a m en t o 198, no
Alcorão e na Tora199. Na tumba de Tutankamon, o arqueólogo Howard Carter
en con t r ou em 1 9 2 2 , en t r e os t es ou r os d o fa r a ó m en in o u m a r om ã d e m a r fim
com d ecora çã o fit om or fa , m ed in d o 7 ,9 cm d e a lt u r a e 6 ,5 cm d e d iâ m et r o
(fig. 1 0 0 ). O Is r a el Mu s eu m p os s u i u m a r om ã d e m a r fim , m ed in d o 4 ,3 cm ,
qu e s e a cr ed it a s er u m a r elíqu ia d o Tem p lo d e S a lom ã o em J er u s a lém ,
u s a d a p elos s a cer d ot es em s eu s cet r os cer im on ia is (fig.1 0 1 ). Há u m m os a ico
com u m gr u p o d e t r ês r om ã s n a a n t iga s in a goga d e Heft s ib a h -Bet Alfa , em
Is r a el, d a t a d o d o s éc. VI a .C. (fig.1 0 2 ). Um a a n t iga m oed a cu n h a d a em
J er u s a lém n o a n o d e 6 7 t r a z u m gr u p o d e t r ês r om ã s em u m a d a s fa ces
(fig.1 0 3 ). Foi en con t r a d o n a s p a r ed es d a a n t iga s in a goga d e Ca fa r n a u m ,
Is r a el, d a t a d a en t r e os s écu los III e V d .C., u m r elevo com ca ch os d e u va s e
194
Acervo: The Griffith Institute, Ashmoleum Museum. Fonte:www.ashmol.ox.ac.uk/gri/
carter/040a-p0230.html
195 Acervo: Israel Institut. Fonte: http://jerusalem.edu/secure/past/main92.html
196 Fonte: www.tau.ac.il/lifesci/otany/judaism.htm
197 Fonte: www.tau.ac.il/lifesci/otany/judaism.htm
198 Exodus 28: 31-33; Nu 13:23; De 8:8; I Reis 7:18-20; (Bíblia, 1995, p.148, 235, 287, 518)
199 A Tor a ju d a ica com p r een d e 5 livr os d a Bíb lia , d o An t igo Tes t a m en to, con h ecid os com o
Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio (HOUAISS, 2001)
gr u p o d e t r ês r om ã s (fig.1 0 4 ). Na icon ogr a fia cr is t ã a r om ã a p a r ece
r ela cion a d a à Vir gem e a o m en in o n a s ob r a s d e m u it os p in t or es d es d e a
Id a d e Méd ia com o Bot t icelli (fig.1 0 5 ), Fillip p in o Lip p i (fig.1 0 6 ), Leon a r d o d a
Vin ci (fig.1 0 7 ). Na im a gin á r ia cr is t ã é a t r ib u t o d e Nos s a S en h or a d e
Montserrat e Nossa Senhora da Fartura (fig.108).
Fig. 104 – Relevo com cacho de uvas e 3 romãs.
Decoração mural da antiga Sinagoga de Kfar
Nahum, cerca do séc. III a V d.C.200
Fig. 106 – A Virgem com
menino e São João. Fillipino
Lippi. Têmpera, c. 1480.
National Galery, Londres.202
200
Fig. 105 – Madona com menino e seis
anjos. Sandro Botticelli. (1445-1510).
Óleo sobre tela, c.1487. Uffizi201
Fig. 107 – Madonna de Dreyfus.
Leonardo da Vinci. Óleo sobre
madeira, c.1469. National
Gallery of Art, Washington.203
Fig. 108 – Nossa Senhora
da Fartura. Barro
policromado, 1677. Col.
Particular – SP. 204
Fonte: www.tau.ac.il/lifesci/otany/judaism.htm
Fonte: http://pefab.webpark.cz/Galerie/Botticeli.htm
202 Fonte: www.nationalgallery.org.uk/cgi-bin/WebObjects.dll/CollectionPublisher.woa/wa/
work?workNumber=NG1412
203 Fonte: www.artchive.com/artchive/L/leonardo/leonardo_dreyfus.jpg.html
204 Fonte: MARINO, 1996, p.48
201
A p r ofu s ã o d e s em en t es n o in t er ior d e u m a r om ã a ca p a cit a p a r a
fu n cion a r com o u m s ign o d e fa r t u r a e p or ext en s ã o d e fecu n d id a d e, r iqu eza .
A s u a h is t ór ia e r ep r es en t a çã o a r t ís t ica a t es t a m es s a s u a in t er p r et a çã o
d en t r o d o p r ogr a m a icon ogr á fico cr is t ã o. O s eu u s o m á gico, b a s eia -s e n es s a
a n a logia d e n a t u r eza s im p á t ica h om eop á t ica (FRAZE R, 1 9 8 2 , p .3 4 ), n u m a
ação como talismã, ou seja, com intento propiciatório.
Um a d a s r om ã s exis t en t e n a coleçã o d ifer e d a s d em a is e p od e s er
identificada como elemento decorativo de um paliteiro do tipo luso-brasileiro,
dada à presença de orifícios para inserção de palitos (fig.109 e 110).
Fig.109 - Rom ã em p r a t a . E xem p la r
2273.XII.081. Fotografia da autora.
Fig. 1 1 0 – Pa liteir o em p r a t a com d ecor a çã o
veget a l. Ou r ives Fr a n co J os é Vellozo. Rio d e
J a n eir o, s éc. XIX. Col. Ma r qu es d os S a n tos .
Fonte: VALLADARES, s.d., p.103.
2.2.3.7. Cacho de uvas
O ca ch o d e u va s (fig.1 1 1 e 1 1 2 ) a p a r ece em 2 2 d a s 2 7 p en ca s d e
balangandãs205. No con ju n to h á u m t ot a l d e 2 8 ob jet os , t od os em p r a t a ,
va r ia n d o em t a m a n h o (a lt u r a en t r e 7 ,0 a 1 1 ,0 cm ). É o elem en t o m a is
205
Destas 22 vezes, aparece junto com as romãs em 21 exemplares.
volu m os o. Com p os t o p or b ola s lis a s , oca s , d e m es m o t a m a n h os , d is p os t a s
em 4 a 5 n íveis d e for m a côn ica a s cen d en t e d a p on t a in fer ior a o t op o. As
b ola s s ã o s old a d a s u m a s à s ou t r a s em t or n o d e u m a h a s t e cen t r a l. A
com p os içã o é en cim a d a p or 3 folh a s 206 ch a p a d a s , cin zela d a s ou gr a va d a s
com decoração estriada. No alto, argola de suspensão.
Fig. 1 1 1 – Ca ch o d e u va s em p r a t a .
E xem p la r 2 2 4 8 .XII.0 5 6 . Fot ogr a fia d a
autora.
Fig.112 – O fruto: Cacho de uvas. Fonte:
http://money.cnn.com/2001/05/04/home_
auto/ gardening_vineyard/grape.jpg
A vid eir a (Vitis s y lves tris ), a s s im com o a r om ã n zeir a , é n a t iva d a Ás ia
Ocid en t a l, es p ecifica m en t e d o s u d oes t e d o cin t u r ã o Cá s p io (Irã ) e Tu r qu ia , e
t a m b ém d os Ba lcã s , t en d o s id o d is s em in a d o o s eu cu ltivo n o n or t e d o
Med it er r â n eo, in clu in d o o Ma r Negr o (J ANICK, 2 0 0 2 ). A colh eit a d e u va s
s elva gen s é evid en cia d a em vá r ios s ít ios p r é-h is tór icos n a E u r op a . A u va
d om és t ica (Vitis v in ifera) é d a t a d a d e cer ca d e 8.000 a .C, t en d o m igr a d o d a
An a t ólia p a r a a S ír ia e Pa les t in a , ch ega n d o à Mes op ot â m ia , E git o e Ma r
E geu . É con s u m id a com o fr u t o fr es co, s eco ou com o s u co e vin h o. E r a a
p r in cip a l b eb id a d a Gr écia e d e Rom a . O vin h o, com o qu a lqu er b eb id a
206
Salvo problemas oriundos do estado de conservação das mesmas são em número de três.
a lcoólica , é p r oib id o p elo Is la m is m o, e, p or t a n t o, n ã o s er ia u m a s im b ologia
conivente às crenças dos negros malês.
Fig.113
–
Vid eir a
s ob re
cip res te
em
ja rd im
Assírio.207
Fig.114 – Oferendas de romãs, uvas e
flores. Novo Império, Egito.208
Na t r a d içã o ju d a ico-cr is t ã , a vid eir a é id en t ifica d a a Is r a el209 e a J es u s
Cristo210. Os ca ch os d e u va s fa zem p a r t e d a s im b ólica cr is t ã a o evoca r o
vin h o e, con s equ en tem en t e, o s a n gu e d e Cr is t o 211. Qu er em ob jet os d e u s o
s a cr o ou p r ofa n o, es s e m ot ivo es t á p r es en t e d a d ecor a çã o d e r et á b u los
(fig.115), cálices, bandejas de espevitadeira, grades de salvas e bandejas, etc.
Em Portugal, há brincos em formato de cachos de uvas (fig.116).
A vid eir a e o ca ch o d e u va s t a m b ém s ã o r ela cion a d os à fer t ilid a d e. O
Salmo 128, 3 (BÍBLIA, 1985, p.1095) compara a mulher à vinha, “tua esposa
será vinha fecunda, no recesso do teu lar”.
207
Fonte: http://www.hort.purdue.edu/newcrop/history/lecture04/r_4-3 -07.html
Fonte: http://www.hort.purdue.edu/newcrop/history/lecture04/r_4-3 -07.html
209 Os éia s 1 0 ,1 ; J r 2 ,2 1 ; J r 5 ,1 0 ; J r 6 ,9 ; J r 1 2 ,1 0 ; E z 1 5 , 1 -8 ; E z 1 7 , 3 -1 0 ; E z 1 9 , 1 0 -14; S l
80,9; Is 27, 2-5 (BÍBLIA, 1985)
210 Jesus como “a verdadeira vinha” em João 15, 1-6 (BÍBLIA, 1985, p.2026).
211 S egu n d o Ma teu s 2 6 , 2 6 -2 9 (BÍBLIA, 1 9 8 5 , p . 1 8 8 9 ), n a Últ im a Ceia , J es u s in s t it u iu o
r it u a l d a E u ca r is t ia , d a Com u n h ã o en t re Cr ia d or e cr ia t u r a a t r a vés d a in ges tã o d o s a n gu e
d o Filh o d e Deu s , o Red en tor . E s s e é o p r in cip a l r it u a l d os cr is t ã os , m em or a d o e rea liza d o a
ca d a m is s a , on d e s em p re ocor r e o m is tér io d a t r a n s u b s t a n cia çã o. Des t a for m a , o vin h o d a
m is s a a o s er con s a gr a d o n ã o rep res en t a o s a n gu e d e Cr is t o e s im , t or n a -s e o ob jeto
representado.
208
Fig.115 – Det a lh e d e ob r a d e t a lh a com
d ecor a çã o com ca ch os d e u va s . Ret á b u lo d e
Nos s a S en h or a d a Pied a d e, s éc.XVIII. Mu s eu
d e Ar te S a cr a -UFBA. Fon te: MUS E U DE
ARTE SACRA, 1987, p.29
Fig.116 – Brincos p or t u gu es es em ou r o,
p ér ola s e tu r qu es a . Fon te: S ANTOS e
SILVA, 1998, p.134
2.2.3.8. Peixe
O p eixe (fig.1 1 7 e 1 1 8 ) a p a r ece em 2 2 p en ca s d e b a la n ga n d ã s d a
coleçã o. Tod os os exem p la r es s ã o em p r a t a , com d ecor a çã o em cin zela d o
(qu a n d o em volu m e) e gr a va d o (qu a n d o ch a p a d os ), va r ia n d o em t a m a n h o d e
4,5 a 10,0cm.
Fig. 1 1 7 - Peixes em p ra t a ch a p a d os .
E xem p la r 2 2 5 3 .XII.0 6 1 . Fot ogr a fia d a
autora.
Fig. 1 1 8 - Peixe em p r a t a em volu m e. E xem p la r
2268.XII.076. Fotografia da autora.
O p eixe é u m d os m a is a n t igos s ím b olos d e Cr is to en t r e os p r im eir os
cr is t ã os . Fu n cion a va com o u m a m et á for a , u m a a n a logia d e gr a fia en t r e a
p a la vr a gr ega ichtys (p eixe) e o a cr ós t ico J es ou s Ch ris tos Th eou Y ios S oter
(J es u s Cr is t o, filh o d e Deu s , o S a lva d or)212. O p eixe a p a r ece n a icon ogr a fia
da arte paleocristã nas catacumbas romanas (fig.119) e nas primeiras igrejas
(fig.1 2 0 ).
No
Novo
Tes t a m en t o
en con t r a -s e
vin cu la d o
a os
p r im eir os
d is cíp u los d e Cr is t o, qu e er a m p es ca d or es (Mt 4 , 1 8 -20)213, e a o m ila gr e d a
m u lt ip lica çã o d os p ã es e p eixes (Mt 1 4 , 1 3 -2 1 ; Mt 1 5 , 3 2 -39)214. S egu n d o
essa passagem relaciona-se à fartura.
Na t r a d içã o a fr ica n a r ela cion a -s e à s en t id a d es d a s á gu a s , Oxu m e
Iemanjá, como emblema de fertilidade (LODY, 2003, p.199).
Fig. 1 1 9 – Peixes
Domitila, Roma215.
e â n cor a . Ca t a cu m b a
de
Fig. 1 2 0 – Mos a ico d a Igr eja d a
Mu lt ip lica çã o d os p ã es e p eixes em E lTabgha, Israel, séc. IV216.
2.2.3.9. Dente
E xis t em n o con ju n to 4 2 d en t es (fig.1 2 1 ), p r es en t es em 2 1 p en ca s d e
b a la n ga n d ã s . E m t a m a n h o va r ia m d e 1 ,5 a 1 2 ,5 cm . S ã o d en t es d e a n im a is
id en t ifica d os com o p or co, ja va li, on ça ou ga t o m a r a ca já , ja ca r é. Ap en a s d ois
exemplares são em prata (fig.123 e 124).
212
LEXIKON, Herder. Dicionário de símbolos. São Paulo: Círculo do Livro, 1991, p.158.
BÍBLIA, 1 9 8 5 , P.1 8 4 4 . Os a p ós t olos s ã o n es s a p a s s a gem id en t ifica d os a p es ca d ores d e
homens e consequentemente esses homens, os convertidos, seriam os peixes.
214 BÍBLIA, 1985, p. 1866 e p.1868.
215 Fonte: www.stephenbroyles.com/ 3%20Ways%20Jesus.htm
216 Fonte: www.bible-history.com/jesus/jesus00000029.gif
213
Am u let o d e p r ot eçã o em vá r ia s cu ltu r a s , en con t r a d o n a Áfr ica ,
E u r op a ,
Br a s il.
Rep r es en t a
o
a n im a l
(fu n cion a
com o
evoca çã o
das
qu a lid a d es , a for ça d es s e a n im a l), a p a r t e qu e s e ca p a cit a a r ep r es en t a r o
todo pela lei da contiguidade (magia indicial) e similitude (magia icônica).
Fig.121 – Den tes . E xem p la r 2 2 4 9 .XII.0 5 7 .
Fotografia da autora.
Um
d os
d en t es
Fig.122 – Den te (d et a lh e). E xem plar
2269.XII.077. Fotografia da autora.
con feccion a d o t r a z n o en ca s toa m en t o m a r ca çã o
n u m ér ica n ã o id en t ifica d a (fig.1 2 2 ). Ou t r o ca s o, s ã o d ois d en t es h u m a n os
em p r a t a (fig. 1 2 3 e 1 2 4 ), qu e s e a s s em elh a m a o a t r ib u t o d e S a n t a
Apolônia217 (fig.1 2 5 e 1 2 6 ). E la er a in voca d a con t r a a d or d e d en t e. E la
con s t a d o ca len d á r io r eligios o d o Alm a n a qu e civ il, político e com ercia l d a
cid a d e d a B a h ia p a ra o a n o d e 1 8 4 5 (1 9 9 8 , p .1 5 ). E wb a n k (1 9 7 6 , p .5 8 )
descreveu sua comemoração em 09 de fevereiro de 1846, no Rio de Janeiro,
h oje é a n iver s á r io d e S a n t a Ap olôn ia , u m a d a qu ela s s a n t a s
qu e, a p ós d eixa r a t er r a , con t in u a m s em p r e a a b en çoá -la . Nã o
exis t em d or es m a is cr u cia n t es qu e a qu ela s qu e cu r a .
“Ad voga d a con t r a a t os s e”, cu r a d or d e d en t es . S ã o-lhe
oferecidos aqui maxilares de cera.
217
S a n ta Ap olôn ia foi u m a vir gem m á rt ir , qu e m or r eu em Alexa n d r ia em 2 4 9 . S u a fes ta é
com em or a d a em 9 d e fevereir o. S eu s a t r ib u t os s ã o: p a lm a d e m á r t ir , ten a z (b ot icã o)
ger a lm en te a com p a n h a d a d e d en te a r r a n ca d o (ROIG, 1 9 5 0 , p .4 8 ). “Du r a n te u m t u m u lt o em
Alexandria, a multidão instigada contra os cristãos matou vários deles, inclusive a diaconisa
Ap olôn ia , m u lh er d e qu a ren t a a n os . E la foi golp ea d a n o r os t o vá r ia s vezes , a té qu e s e
qu eb r a s s em t od os os s eu s d en tes ; em s egu id a foi a ces a u m a fogu eir a p a r a qu eimá-la viva ,
ca s o n ã o ren u n cia s s e à s u a fé. Ap olôn ia rezou u m a p r ece cu r t a e ca m in h ou s ozin h a a té a s
chamas, sendo rapidamente consumida” (ATTWATER, 1993, p.42)
Fig.123 – Den te em p r a t a . E xem p la r
2252.XII.060. Fotografia da autora.
Fig.1 2 5
- S a n t a Ap olôn ia . Fr a n cis co d e
Zurbarán. Óleo s ob re tela , s éc.XVII. Mu s eu d o
Louvre218.
218Fonte:
Fig.124 – Den te em p r a t a . E xem p la r
2258.XII.066. Fotografia da autora.
Fig. 1 2 6 - Tor qu ês e d en tes em cob r e
prateado (atributo de imagem). Évora,
Por t u ga l,
s éc.
XVIII.
Fon te:
CORDEIRO, 1993, p.221
http://cartelfr.louvre.fr/cartelfr/visite?srv=car_not_frame&idNotice=603
2.2.3.10. Elementos curiosos
Algu n s elem en t os p r es en t es n a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s p a r ecem n ã o
ter qualquer vinculação mágica219, tendo sido incorporados segundo critérios
es t ét icos ou a fet ivos . E n t r e eles es t ã o o qu e a qu i for a m d en om in a d os
elemento de Valência e a v in a igre tte inglesa.
O elem en to d e Va lên cia , a p a r ece em t r ês p en ca s d e b a la n ga n d ã s
(2265.XII.073 , 2 2 6 7 .XII.0 7 5 e 2 2 6 8 .XII.0 7 6 ). E m p r a t a , com for m a t o d e
r os á cea com oit o b ola s n a s ext r em id a d es (fig.1 2 7 ), a s s em elh a -s e a m ot ivo
d ecor a t ivo
en con t ra d o
em
Va lên cia 220
(fig.1 2 8 ),
Espan h a,
em
jóia s
m a s cu lin a s em p r a t a com o ca d eia d e r elógio e a b otoa d u r a . Nã o p a r ece es t a r
vinculado a nenhuma tradição mágica, constituindo simples adorno.
Fig.127 - E lem en t o em for m a t o d e r os á cea , em
p r a t a . E xem p la r 2 2 6 8 .XII.0 7 6 . Fot ogr a fia d a
autora.
219
Fig.128 - J óia s m a s cu lin a s va len cia n a s
(ca d eia d e relógio e a b ot oa d u r a ). Fon t e:
LICERAS FERRERES, 1997, p.116
E m b or a n ã o ten h a m vin cu la çã o m á gica en qu a n t o elem en t os is ola d os , p od em p a r t icip a r
d es s a in ten çã o com o elem en t o qu a n tit a t ivo. S egu n d o Ba s t id e (1 9 8 5 , p .3 8 2 ), o p en s a m en to
m á gico é regid o p ela lei d a a cu m u la çã o, d a in ten s ifica çã o e d a a d içã o. Des t a for m a , ocor re
t a n t o o s in cr et is m o, in cor p or a çã o d e elem en tos d e d iferen tes t r a d ições , com o a a çã o d a lei
da contigüidade, onde elementos não mágicos se tornam mágicos por contágio.
220 Va lên cia é u m a cid a d e m a r ca d a p ela t r a d içã o h is p a n o-á ra b e (MOUTINHO, PRADO e
LONDRE S , p .3 9 2 ). Nes s a regiã o é p r od u zid a d es d e o s éc.XIV u m a cer â m ica , fr u t o d es s a
in flu ên cia . E m Va lên cia t a m b ém foi en con t r a d o u m ob jet o m á gico, u m a ca m b u lh a d a ,
conforme será visto no próximo capítulo.
Com o o elem en t o d e Va lên cia , es t á a vinaigrette221 in gles a (fig.1 2 9 ).
E s s a p eça em p r a t a , em for m a t o d e ovo, com cer ca d e 7 ,5 cm d e
com p r im en t o, a p a r ece em
du as
p en ca s
d e b a la n ga n d ã s 222. Ap r es en t a
marcas d e con t r a s te in gles a s 223 (fig.1 3 0 ), qu e in d ica m o s eu fa b r ica n t e
(H.W.D.), a qu a lid a d e d a p r a t a (leã o r a m p a n t e p a r a a p r a t a d e lei), a cid a d e
d e or igem (n o ca s o, Lon d r es , cu jo s ím b olo é a ca b eça d e leop a r d o), a let r a d a
d a t a (“r ”, in d ica n d o o a n o d e 1 8 7 2 )224, e u m a qu in t a m a r ca (ca b eça d o
soberano) indicando que o imposto foi pago.
Fig. 1 2 9 - Vin a igre tte em p r a t a .
E xem p la r
2 2 6 8 .XII.0 7 6 .
Fotografia da autora.
Fig. 130- Foto das marcas de contrataria inglesas.
Peça em exem p la r 2 2 7 1 .XII.0 7 9 . Fot ogr a fia d a
autora.
Fig. 131- Detalhes da vin a igre tte. Exemplar 2268.XII.076. Fotografia da autora.
221
Uma vinaigrette é u m r ecip ien te p a r a con ter p equ en a es p on ja em b eb id a em vin a gr e
a r om á t ico p or d et r á s d e u m a t a m p a p er fu r a d a . Ger a lm en te em p r a t a , in icia lm en te t in h a m
a for m a d e p equ en o fr a s co, t or n a n d o-s e ca ixa s com t a m p a d e a b r ir a p a r t ir d o s éc. XIX.
S u r gir a m “n o fim d o s écu lo XVII, n u m a ten t a t iva d e os h om en s e m u lh eres d e p os içã o
com b a terem o fed or d a s r u a s im u n d a s e d os es got os a céu a b er t o” (ATTE RBURY e THARP,
1996, p.156).
222 Aparece nos exemplares 2268.XII.076 e 2271.XII.079.
223 Ger a lm en te a p r a t a in gles a t r a z qu a t r o m a r ca s , r egu la m en ta d a s d es d e os s écu los XV e
XVI. As n or m a s d e s u a con t r a s t a r ia p os s ib ilit a m a s in for m a ções m a is p r ecis a s d os ob jet os
d e p r a t a . A qu in t a m a r ca a p a rece à s vezes p a r a com em or a r u m a d a t a es p ecia l, ger a lm en te
r eferen te à fa m ília r ea l. A ca b eça d o s ob er a n o, u m a efígie fem in in a d e p er fil, foi u s a d a d e
1784 a 1890 para indicar o pagamento do imposto (ATTERBURY e THARP, 1996, p.120).
224 DEWIEL, 1984, p.139.
2.2.3.11 - A questão dos ex-votos
Algu n s
elem en t os
p r es en t es
nas
p en ca s
d e b a la n ga n d ã s
for a m
cla s s ifica d os com o ex-vot os ou elem en t os votivos (OLIVA, 1 9 5 7 , p.50;
MACHADO, 1 9 6 5 , P.1 6 1 ). Lod y (1 9 8 8 , p .1 5 3 ) id en t ificou 6 6 p eça s , em ger a l
r ep r es en t a ções d o cor p o h u m a n o (5 7 )(fig.1 3 2 e 1 3 3 ), a lém d os olh os d e
S a n t a Lu zia (5 ), ca va lo (1 ), cor a çã o (1 ), ca s a (1 ), p é d e ca b r a (1 ). Tod os em
prata, maciços, ocos ou recortados. Variando em tamanho de 1,5 a 9,0 cm.
Fig. 1 3 2 – Os d en om in a d os ex-vot os em
pra ta .
E xem p la res
2 2 5 2 .XII.0 6 0
e
2269.XII.077. Fotografias da autora.
Fig. 1 3 3 – Os d en om in a d os ex-vot os em Fig. 134 – Ex-votos em madeira. Coleções
p r a t a . E xem p la r 2 2 5 3 .XII.0 6 1 . Fot ogr a fia d a particulares. Fonte: ARAÚJO, 2002, p.171.
autora.
E m b or a a s p eça s s e a s s em elh em a os ex-vot os ou m ila gr es (fig.1 3 4 ) h á
u m p r ob lem a on t ológico, d e fu n cion a lid a d e. E x-vot o, d o la t im , é d efin id o
como
qu a d r o, p in t u r a ou ob jet o a qu e s e con feriu u m a in t en çã o
vot iva ; qu a d r o, p la ca com in s cr ições , figu r a es cu lp id a em
m a d eir a ou cer a (r ep r es en t a n d o p a r t es d o cor p o) etc., qu e s e
coloca m n u m a igr eja ou ca p ela , p a r a p a ga m en t o d e p r om es s a
ou em a gr a d ecim en t o a u m a gr a ça a lca n ça d a (HOUAISS,
2001).
Os ex-votos s ã o u m a p r á t ica com u m em m u it a s cu lt u r a s , a s s u m in d o
for m a s p a r t icu la r es n o Br a s il (S ULLIVAN, 2 0 0 1 , p .4 7 8 ). Os Milagres de
p a r t es d o cor p o a lu d em a o a gr a d ecim en t o d e u m a cu r a d e d oen ça em u m a
dessas partes. Desta forma, os ex-votos funcionam como moedas de troca no
a gr a d ecim en t o d e u m a p r om es s a em p en h a d a a u m s a n t o e cu m p r id a p or
este, sendo depositados geralmente na Sala dos Milagres da igreja225. Um exvoto não é destinado para ser usado. Então, por que portá-los? O uso dessas
peça s d ever ia s er r egid o p or ou t r a in t en cion a lid a d e, com o u m t a lis m ã d e
efeit o p r op icia t ór io, p r ofilá t ico ou a m u let o d e p r ot eçã o. Des t a for m a , er a m , e
a in d a s ã o u s a d os , d ois elem en t os qu e for a m cla s s ifica d os com o ex-votos : os
olhos de Santa Luzia e o pé de cabra.
Fig. 135 – Olhos de Santa
Luzia em prata. Exemplar
2271.XII.079. Fotografia da
autora.
Fig. 136 – Oferenda votiva em
prata, Mediterrâneo, séc. XIX.
Pitt Rivers Museum, Oxford.
Fonte: FRAZER, 1982, p.37
Fig.137 – Santa Luzia.
Fonte: www.puc-rio.br/
campus/servicos/pastoral/
santo_dezembro.html.
S a n t a Lu zia é a p r ot et or a d os olh os e d a vis ã o 226. S u a d evoçã o foi
r egis t r a d a n o Rio d e J a n eir o oitocen tis t a p or E wb a n k (1 9 7 6 , p .1 3 9 -1 4 0 ), n a
igreja dedicada a esta santa ele relatou que
225
E wb a n k (1 9 7 6 , p .1 2 0 ) r egis t r ou n o Rio d e J a n eir o d o s éc. XIX, os ex-votos d a Igr eja d e
S ã o Fr a n cis co d e Pa u la . S egu n d o ele, “os p ied os os p a gã os n ã o s e lim it a va m a exp res s a r s eu
r econ h ecim en t o p ela in ter ven çã o d a s d ivin d a d es m éd ica s , m a s p en d u r a va m t a m b ém n o
tem p lo figu r a s d e b r on ze, m a d eir a , et c. rep res en t a n d o os m em b r os en fer m os . O m es m o
a con tece a qu i. Ca b eça s , m ã os , b r a ços , p er n a s , et c., d e d im en s ões n a t u r a is , m a s m old a d os
em cera, misturam-se com as placas [pinturas votivas].”
226 E m b or a n ã o con s te d a h a giologia oficia l d a s a n t a n en h u m a p a s s a gem qu e cor r ob or e s u a
vin cu la çã o com os olh os , o s eu n om e, Lu zia , d er iva d e lu z (ROIG, 1 9 5 0 ). Foi a t radição
p op u la r , qu e con ver teu es s a vir gem m á r t ir s icilia n a d o s éc. IV, gu a r d iã d e S ir a cu s a
u m a es cr a va ch egou a t é a p or t a , r et ir ou d a ca b eça a gr a n d e
ces t a qu e tr a zia , a s p er giu -s e e fez o s in a l-da-cr u z, la n ça n d o-se
de joelhos a meio metro do ponto onde eu me encontrava. Com
os olh os volt a d os p a r a Lu zia , m u r m u r ou s eu s d es ejos ou s eu s
a gr a d ecim en t os , leva n t ou -s e, colocou s eu p equ en o ób olo n a
ca ixa d e es m ola s , fez ou t r a r ever ên cia à s a n t a e p a r t iu .(...).
Ta lvez t ives s e n ã o os s eu s p r óp r ios vot os , m a s os d e ou t r a s
p es s oa s : a lgu m a m ã e, ir m ã o ou a m igo qu e s ofr es s e d os olh os .
S eja qu a l for a ca u s a , a cegu eira é m u it o com u m en tr e os
escravos227.
Os olhos de Santa Luzia, quando portado pelos devotos, configuram-se
com o a m u let os d e p r ot eçã o con t r a os m a les qu e a fligem a vis ã o ou t a lis m ã s
p r op icia t órios d e u m a b oa vis ã o (fig.1 3 5 ). E s s a é a s it u a çã o d o ca r á t er
polissêmico d o s ign o, n o ca s o u m s ím b olo, s u a in ter p r et a çã o d ep en d er á d o
con t ext o a o qu a l es tá vin cu la d o. E m u m a S a la d e Mila gr es d e u m a Igr eja d e
S a n t a Lu zia , es s e s ign o s er á vis t o com o u m ex-vot o (fig.1 3 6 ), a exp r es s ã o
m a t er ia l d e a gr a d ecim en t o d e u m a gr a ça a lca n ça d a . Por t a d o p or u m a
im a gem fem in in a , con figu r a r á o a t r ib u t o icon ogr á fico d e r econ h ecim en to d e
S a n t a Lu zia (fig.1 3 7 ). Con t u d o, qu a n d o em u s o p or u m d evot o, es t á
capacitado a agir como amuleto, talismã ou mero enfeite. As leis que regem a
determinação, capacitação de universais, categorias como ex-votos, atributos
icon ogr á ficos e s ign os m á gicos (a m u letos e t a lis m ã s ) p r od u zem o s eu
reconhecimento, desde que o intérprete possua repertório para tal.
Qu a n t o a o p é d e ca b r a , exis t e u m elem en t o p en d en t e em p r a t a ,
m a ciço, m ed in d o 9 ,0 cm (fig.1 3 8 ). Na t ip ologia d os s ign os m á gicos d a
ou r ives a r ia p op u la r p or t u gu es a en con tr a -s e o p é d e ca b r a en ca s t oa d o em
ou r o
(fig.1 3 9 )(COS TA e
FRE ITAS ,
1992,
p .7 0 ).
In felizm en t e,
não
foi
encontrado maior detalhamento sobre o seu uso.
(VARAZZE, 2003, p.79), em protetora dos olhos. Segundo os apócrifos, Luzia estava decidida
a n ã o s e ca s a r e d ed ica r-s e a Deu s e d ia n te d a in s is tên cia d e u m p r eten d en te, en ca n t a d o
pelos seus belos olhos, arrancou-os e lhos ofertou em uma bandeja.
227 Karasch (2000, p.228-230) confirma a grande incidência de cegueira entre os escravos do
Rio d e J a n eir o d o s écu lo XIX, d evid o a freqü en tes ep id em ia s d e oft a lm ia qu e a t in gia m desde
o n a vio n egr eir o a o m erca d o d e es cr a vos . Ou t r a s ca u s a s er a m a cid en tes , gla u com a n ã o
t r a t a d o, ca t a r a t a , d eficiên cia d e vit a m in a A, t r a com a , on cocer cos e e d oen ça s com o va r íola ,
sarampo, sífilis, gonorréia e lepra.
Fig. 138 – Pé de cabra em prata. Exemplar
2269.XII.077. Fotografia da autora.
Fig. 139 – Joalheria popular portuguesa:
pé de cabra encastoado em ouro. Fonte:
COSTA e FREITAS, 1992, p.70).
2.2.3.12 – Os demais elementos pendentes
Além d os elem en t os a n t er ior m en t e a n a lis a d os , ou t r os a p a r ecem n a s
p en ca s d e b a la n ga n d ã s . S ã o eles r ep r es en t a ções d e a n im a is (6 3 ), fr u t a s (2 6 ),
in s t r u m en t os m u s ica is (2 3 ), m in ia t u r a s d e ob jet os u t ilit á r ios e ob jet os
u t ilit á r ios (9 1 ), s ign os cr is t ã os (2 2 ), s ign os a lqu ím icos (2 0 ), p ed r a s e con t a s
(10) e elementos não identificados (2).
Os a n im a is (fig.1 4 0 ) s ã o em p r a t a , ocos ou m a ciços , r ep r es en t a n d o
b oi, b u r r o, ca va lo, ca ch or r o, cá ga d o, ga lo, ovelh a , p a p a ga io, p á s s a r o, p or co.
Há a in d a n es s e gr u p o, p a r t es d e a n im a is com o b ico d e a ve, ca r a m u jo, ch ifr e
d e b es ou r o (fig.1 4 1 ), es p or a d e ga lo, u m a d e t a t u , con ch a , p ed a ço ou p in ça
de crustáceo.
Fig. 1 4 0 – An im a is em p r a t a . E xem p la r
2254.XII.062. Fotografia da autora.
Fig. 141 – Chifre de besouro (Lucanis Cervus).
Exemplar 2251.XII.059. Fotografia da autora.
As fr u t a s em p r a t a (fig.1 4 2 ), a lém d a r om ã e d a u va , s ã o: a b a ca xi,
ca ca u , ca ju , la r a n ja , p êr a , p im en t a , fr u t o n ã o id en tifica d o. Os In s t r u m en t os
m u s ica is p r es en t es s ã o a p it o, p a n d eir o (fig.1 4 3 ), t a m b or e violã o. As
m in ia t u r a s s ã o ext rem a m en t e va r ia d a s , en glob a n d o: â n cor a , â n for a , b a ld e,
b a r r il, b on eca , b u s t o d e ín d ia , ca b a ça , ca ch im b o, ca n eca , câ n t a r o, ca s a ,
ca va leir o (é u m s in et e), colh er, cor a çã o, cu ia , es p a d a , fa cã o, flor , ga r r a fa ,
glob o a r m ila r , gu izo, h a s t e, ja r r o, la n t er n a m a r ít m a , m a ch a d o (fig. 1 4 4 ),
m or in ga , p a lm a t ór ia , p iã o, p ip o d e ca ch im b o, p or r ã o, qu a r t a , r elicá r io,
r evólver . Os s ign os s a cr o cr it ã os s ã o: cr u cifica d o (1 ), cr u z (6 ), s a n t a (2 ),
Nos s a S en h or a d a Con ceiçã o 228 (1 )(fig.1 4 5 ) e p om b a s d o Divin o E s p ír it o
S a n t o. Os s ign os a lqu ím icos (fig.1 4 6 ), d en om in a d os a qu i d evid o à s u a
s em elh a n ça com a s figu r a ções en con t r a d a s em livr os a lqu ím icos m ed ieva is ,
s ã o: cr es cen t e lu n a r (8 ), p en t a gr a m a ou S ign o S a lom ã o(9 ), s ol (3 ). E p or fim ,
pedras (5) e contas (5) encastoados (fig.147).
228
Im a gen s d e Nos s a S en h or a d a Con ceiçã o em for m a d e p in gen tes , ou s im p les m en te
conceições, são freqüentes na joalheria popular portuguesa (COSTA e FREITAS, 1992, p.50).
Fig. 142 – Frutas em prata. Exemplar
2262.XII.070. Fotografia da autora.
Fig. 1 4 3 – Pa n d eir o em p r a t a . E xem p la r
2273.XII.081. Fotografia da autora.
Fig.144 – Miniatura de machado em
prata. Exemplar 2252.XII.060. Fotografia
da autora.
Fig. 145 - Nossa Senhora da Conceição em
prata dourada. Exemplar 2260.XII.068.
Fotografia da autora.
Fig. 146 – Pentagrama ou Signo Salomão
e crescente lunar em prata. Exemplar
2262.XII.070. Fotografia da autora.
Fig. 147 – Conta verde escura encastoada
de
prata.
Exemplar
2249.XII.057.
Fotografia da autora.
3 . A CONSTRUÇÃO DO SIGNO
“as denominações não são casuais. Elas carregam significados”
Lúcia Santaella (1994b , p.30)
3 .1. Etimologia
Nominar229, d a r n om e à s cois a s , é r ep r es en t a r , ca p t u r a r a es s ên cia.
Nom in a r os exis t en t es , a s cr ia ções d e Deu s , foi a p r im eir a a çã o d e Ad ã o (Gn
2:19-2 0 ). S egu n d o a filos ofia p la t ôn ica , “o n om e é a m a n ifes t a çã o d o ob jet o
p or m eio d e s íla b a s e d e let r a s e r ep r es en t a a id éia fu n d a m en t a l d a cois a ,
seu eidos230” (DE US , 2 0 0 2 , p .1 8 ). As s im , u m n om e é fr u t o d e u m a p r á t ica
significante, eminentemente cultural, e traz em si o que representa.
In ves t iga r a et im ologia in d ica ca m in h os em u m a p es qu is a . Mu it a s
vezes o n om e é a p r im eir a a p r een s ã o d e u m ob jeto p ois “d ificilm en t e
conseguimos d is t in gu ir a qu ilo qu e n ã o p od em os n om ea r ” (MANGUE L, 2 0 0 1 ,
p .4 8 ). O n om e é u m a p is t a , u m r egis t r o d en t r o d e u m a con ven çã o, d e u m
cód igo lin gü ís tico in s er id o em
um
t em p o-es p a ço, es t a n d o s u jeit o à s
m u d a n ça s d e s en tid o. É p r ecis o, p or t a n t o, con s id er a r qu em n om in a , qu a n d o
nomina e o que muda semanticamente.
Pen ca d e b a la n ga n d ã s é u m a locu çã o s u b s t a n t iva , for m a d a p or d ois
s u b s t a n t ivos com u n s : p en ca e b a la n ga n d ã s . Pen ca é u m vocá b u lo qu e
d es ign a qu a n t id a d e, con ju n t o, r eu n iã o d e elem en t os , s en d o con s id era d o
coletivo d e b a n a n a s (e ou t r os fr u t os ) e ch a ves . S u a or igem et im ológica é
obscura, sendo datado de 1554 (HOUAISS, 2001).
O
t er m o
consultados,
b a la n ga n d ã
com o
um
é
con s id er a d o,
vocá b u lo
fr u t o
do
p ela
m a ior ia
r egion a lis m o
d os
a u t or es
b r a s ileir o
e
on om a t op a ico, u m a for m a d e r ep r es en t a çã o qu e evoca o s eu ob jet o p or
s em elh a n ça s on or a , n u m a r ela çã o icôn ica , ou s eja , u m a p a la vr a or igin á r ia
229
Os vocá b u los n om in a r e n om ea r for a m d iferen cia d os s egu n d o a a cep çã o la ca n ia n a .
Nom in a r é d a r o n om e a a lgo, u m a es p écie d e b a t is m o. J á n om ea r é evoca r a lgo p or u m
nome já existente e conhecido (VÍCTORA, 2004, p.15).
230 Eidos é u s a d o n a a cep çã o p la t ôn ica com o a n a tu reza s ígn ica , o fu n d a m en to, a es s ên cia
das coisas (DEUS, 2002, p.14).
d a im it a çã o d o s om d a qu ilo qu e r ep r es en t a . O Dicion á r io Hou a is s (2001),
quanto à etimologia, traz:
vocábulo tid o com o on om atopéia, p elo r u íd o d os ob jet os
p en d en t es , d a í fixa r -s e a a cep ção 'b er loqu e'; n ã o s e d eve
exclu ir liga çã o com balangar (sinôn imo de balançar), cu ja
for m a é d ifícil d e exp lica r , m a s p od er ia t er or igem na
onomatopéia.
Nes t e ver b et e n ã o con s t a a d a t a çã o d o t er m o. S egu in d o a r ela çã o
indicada com o verbo balangar tem-se:
origem obscura; ob s erve-s e qu e a id en t id a d e s em â n t ica com
balançar e a p r oxim id a d e m or fológica com balangandã fazem
s u p or liga çã o en t r e os t r ês vocábulos, p er m it in d o leva n t a r a
h ip ót es e d e qu e a on om a topéia balangandã s er ia fon t e d o
verbo balangar e d er ivado; fonte histórica 1928 balangavam
(idem).
A fon t e d e d a t a çã o m a is a n t iga , qu e s e t em n ot ícia , d o t er m o balangar
é o r om a n ce Ma cu n a ím a , h erói s e m n en h u m caráter d e a u t or ia d e Má r io d e
Andrade, publicado em 1928.
O h is t or ia d or e lin gü is t a ca r ioca , J oa qu im Rib eir o (1 9 5 4 , p .2 6 -27),
a p on t a u m a a p r oxim a çã o d o vocá b u lo b a la n ga n d ã com barambaz, que
s ign ifica “cois a qu e es t á p en d en t e, com o s a n efa , b a m b olin a , et c”
231.
Com
r ela çã o a barambaz, Houaiss (2001) atr ib u i u m a “origem obscura; s egu n d o
Na s cen t es , vocábulo exp r es s ivo; t a lvez liga d o à cogn a çã o d e bamb- e bab-;
fonte histórica 1704 barambares, 1789 barambaz”. A fonte é o Inventário dos
bens do Conde de Vila Nova, D. Luís de Lancastre em 1704.
E n t r et a n t o, p a r a d ois p es qu is a d or es d a cu lt u r a a fr o-b r a s ileir a , Nei
Lop es e Yed a Pes s oa Ca s t r o, a or igem d a p a la vr a b a la n ga n d ã é a fr ica n a ,
es p ecifica m en t e b a n t o. Nei Lop es 232 é a d ep t o d a d er iva çã o on om a t op a ica d e
origem banto, vinculando o termo ao
quicongo bolongonza, ob jeto qu e t ilin t a qu a n d o é t r a n s p or t a d o
d e u m la d o p a r a o ou t r o (MAIA, 1 9 6 4 A); qu ib u n d o
mbalanganpa, b r igã o, con flitu os o. S ch n eid er a p on t a o zu lu
bulungana, porções que formam um todo.
231
AULE TTE , F. J . Ca ld a s (or g.). Diccion á rio con te m p orâ n eo d a lín gu a p ortu gu ez a . 2 a . ed .
actualizada. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925. vol.1, p.285
232 LOPES, Nei. Novo dicionário banto do Brasil; con te n d o m a is d e 2 5 0 p rop os ta s e tim ológica s
acolhidas pelo Dicionário Houaiss. Rio de Janeiro: Pallas, 2003, p.35.
Ou t r a r ela çã o p os s ível é com o vocá b u lo b a n to balandango, qu e
designa “ruído metálico, tinido de cencerro233”234.
J á p a r a a et n olin gü is t a , Yed a Pes s oa d e Ca s t r o, a or igem é b a n t o, m a s
ela d is cor d a d e u m a r a iz on om a t op a ica . Pa r a ela a p a la vr a b a la n ga n d ã é u m
lexem a er r on ea m en t e t id o com o u m a “on om a t op éia exp r es s iva d o r u íd o d e
a lgu n s ob jet os p en d en t es ” (CASTRO, 2 0 0 0 , p .9 4 ). No s eu livr o, Falares
africanos na Bahia, o verbete traz:
BALANGANDÃ (banto) 1. (BR) – s.m. coleção de ornamentos ou
a m u let os , em m et a l ou p r a t a , em for m a d e figa , m ed a lh a s ,
ch a ves , p eixes , m eia -lu a , et c., u s a d a p ela s baianas em d ia s d e
fes t a . Va r iante balagandã, barangandã. Confira barangã. Ver
malunga.
Kik ongo
/
Kimbundo
bulanganga,
balouçar>mbalanganga, penduricalhos.
2.(LP) –s .m .p l. p en d u r ica lh os ; t es t ícu los . Confira
balangue. (idem, 2001, p.166).
Port a n t o, b a la n ga n d ã 235 s er ia u m vocá b u lo d e or igem b a n t o (qu icon go
e qu im b u n d o e s eu s con ju n t os d e d ia let os ). E xp lor a n d o a s cor r ela ções
exis t en t es n o ver b et e, en con tr a m -se barangã com o “b r a celet e d e m et a l”,
ét im o d e or igem Fon agbaragã (idem, p .1 7 0 ) e malunga com o “b r a celete d e
ferro; argola” do quicongo malunga (idem, p.273).
233
E n con t r a d o n o d icion á rio s ob a gr a fia cin cer r o, t r a t a -s e d e u m vocá b u lo d e or igem
espanhola, d e n a t u reza r egion a l n o Br a s il (Min a s Ger a is e s u l d o país), qu e d es ign a “s in et a
qu e p en d e d o p es coço d e cer t os a n im a is (égu a m a d r in h a , b es t a , va ca ), e cu ja s b a t id a s d e
s on or id a d e in d efin id a s er vem p a r a gu ia r e reu n ir u m a t r op a , u m r eb a n h o” (HOUAIS S ,
2001).
234 LOPES, Nei. Novo dicionário banto do Brasil; con te n d o m a is d e 2 5 0 p rop os ta s e tim ológica s
acolhidas pelo Dicionário Houaiss. Rio de Janeiro: Pallas, 2003, p.35.
235 O ter m o b a la n ga n d ã p os s u i a s va r ia n tes b a ra n ga n d ã , b a ra n ga n d a m , b a la n ça n ça m ,
b ered en gu e, b eren gu en d ém , b regu en d é m . A gr a fia barangandã é a n ter ior a b a la n ga n d ã ,
p a r ece ter s id o u s u a l com o ter m o p rin cip a l a té a d éca d a d e 1 9 3 0 . O Houaiss (2 0 0 1 ) in d ica
s u a p r im eira a p a r içã o, com o barangandan, n o Novo Diccion á rio d a Lín gu a Portu gu es a de
Câ n d id o d e Figu ered o, ed it a d o p r im eir a m en te em Lis b oa em 1 8 9 9 , a p a r ecen d o n a s ed ições
d e 1 9 1 3 (2 ª ed .), 1 9 2 2 (3 ª ed .), 1 9 2 6 (4 ª ed .) e 1 9 3 9 (5 ª ed .). É com o barangandam que
a p a rece n o Diccion á rio con te m p orâ n eo d e lín gu a p ortu gu es a d e F. J . Ca ld a s Au let te em 1 9 2 5
(op .cit., p .2 8 5 ) e é a s s im cit a d o p or Ma ced o S oa res (apud CAS CUDO, 1 9 5 4 , p .8 0 ) e Ma n u el
Qu er in o (1 9 8 8 , p .2 2 7 ) em Cos t u m es a fr ica n os n o Br a s il, qu e t a m b ém s e r efere à s in on ím ia
com balançançam. Câ m a r a Ca s cu d o (1 9 5 4 , p .8 0 ) cit a qu e a for m a balangandan está
p r es en te n o Diccion a rio d e vocá b u los b ra z ile iros d o Vis con d e Hen r iqu e d e Bea u rep a ir eRohan (Rio de Janeiro, 1812-1894) de 1889.
A gr a fia berenguendéns foi u t iliza d a p or J oa qu im Rib eir o (1 9 5 6 , p .2 6 -7 ) e, s egu n d o
Câ m a r a Ca s cu d o (1 9 5 4 , p .8 0 ), p elo folclor is t a p er n a m b u ca n o Má r io S et te (1 8 8 6 -1 9 5 0 ) em
seu livro Anquinhas e bernardas de 1940.
3 .2. Definições
S egu n d o
a
es t r u t u r a
de
com p os içã o
da
locu çã o
pe n c a
de
balangandãs, e s u a et im ologia , d em on s t r a d a a n t er ior m en t e, p od er -se-ia
a fir m a r qu e es t a d en om in a çã o d es ign a r ia u m con ju n t o d e b a la n ga n d ã s
r eu n id os . Ou s eja , t od os os elem en t os p en d en t es em u m a p en ca s er ia m
balangandãs. A maioria dos verbetes e alguns autores236 encontrados trazem
essa acepção.
BALANGANDÃ – 1 or n a m en t o d e m et a l em for m a d e figa ,
fr u t o, a n im a l et c., qu e, p r es o a ou t r os , for m a u m a p en ca
usada p ela s b a ia n a s em d ia s d e fes t a ; s er ve também como
ob jeto d ecor a t ivo, lem b r a n ça ou , s e m in ia t u r iza d a , jóia ou
b iju t er ia ; b er en gu en d ém . No p a s s a d o er a u s ado especialmente
n a fes t a d o S en h or d o Bon fim , em S a lva d or , p en d en t e d a
cin t u r a ou d o p es coço d a s a fr o-b r a s ileir a s , e con s t it u ía
amuleto contra o mau-olhado e outras forças adversas.
2
Der iva çã o: p or ext en s ã o d e s en t id o. p en d u r ica lh o d e
qualquer formato (HOUAISS, 2001).
Pou ca s
s u b s t a n t ivo
fon t es
p en ca .
con s u lt a d a s
A locu çã o
a p r es en t a m
é
p r et er id a
in d exa çã o
em
fu n çã o
a
do
p a r t ir
do
vocá b u lo
b a la n ga n d ã , qu e, p a r a m u it os d eles , p a s s a a d es ign a r a p r óp r ia p en ca 237.
Des t a for m a é cit a d a a qu ela qu e p a r ece s er a m a is a n t iga r efer ên cia a
b a la n ga n d ã (s ob a gr a fia barangandan), a do Diccion a rio d e Voca bu los
Brazileiros (1 8 8 9 ) d o Vis con d e d e Bea u r ep a ir e-Rohan (OLIVA, 1 9 5 7 , p .4 1 )238.
S egu n d o ele, barangandan s er ia u m a “coleçã o d e or n a m en t os d e p r a t a qu e
a s cr iou la s t r a zem p en d en t es d a cin tu r a , n os d ia s d e fes t a , p r in cip a lm en t e
n a d o S en h or d o Bon fim ” (apud CAS CUDO, 1 9 5 4 , p .8 0 ). Ta m b ém Ha yd ée Di
236
S egu n d o es s a con ceitu a çã o b a s ea r a m -s e Frei E lis eu Vieir a Gu ed es (s .d ., 2 f), Pa u lo
Affon s o d e Ca r va lh o Ma ch a d o (1 9 7 3 , p .1 5 ), Men ezes d e Oliva (1 9 5 7 , p .4 1 ), J a els on Bit r a n
Tr in d a d e (1 9 8 8 , p .1 2 9 ), a jor n a lis t a Ma r ia Helen a Fa r elli (1 9 8 1 , p .1 7 ) e o a n t r op ólogo Ra u l
Lody (1988, p.22).
237 Des t a for m a a p a recem os b a la n ga n d ã s cit a d os p or A. Ta u lla r d em Pla teria s u d a m erica n a
(1 9 4 1 ), Rob er t Ch es ter S m it h em B ra z ilia n p op u la r s ilver d e 1 9 4 8 (apud RUSSEL-WOOD,
2 0 0 0 ,p .5 5 ), p or J oa qu im Rib eir o (1 9 5 6 , p .2 6 -2 7 ) em Folclore B a ia n o, p or Roger Ba s t id e
(1989, p.386) e Iracy Carise (197?, p.24).
238 Hen r iqu e d e Bea u rep a ire-Roh a n (Rio d e J a n eir o, 1 8 1 2 -1 8 9 4 ) foi u m m ilit a r d e ca r reir a ,
exer cen d o a p res id ên cia d a s p r ovín cia s d o Pa r á , d a Pa r a íb a (1 8 5 7 -9 ) e d o Rio Gr a n d e d o
Sul, tornando-se posteriormente Conselheiro d’Estado e de Guerra. Era membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e correspondente de outras entidades científicas e literárias
n a cion a is e es t r a n geir a s . Dos s eu s t r a b a lh os , d es t a ca -s e o Diccion a rio d e vocá b u los
brazileiros. (SOUTO MAIOR).
Tommaso Ba s t os (1 9 4 3 , p .2 5 3 ), qu e foi con s er va d or a d o Mu s eu Im p er ia l, em
s eu a r t igo Con trib u içã o p a ra o es tu d o d a ou rives a ria n o B ra s il, d e 1 9 4 3 , não
menciona a penca, para ela,
es s en cia lm en t e b a ia n o é o b a la n ga n d ã , ger a lm en t e feit o em
p r a t a e d o p r in cíp io d o s écu lo XIX. Peça u s a d a u n ica m en t e n a
Ba h ia , é d e or igem a fr ica n a , s en d o m u it a s vezes , d e ca r á t er
votivo.
Da m es m a m a n eir a con ceb e o professor Gu s t a vo Ad olfo Dod t Ba r r os o
(1888-1 9 5 9 ), qu e foi d ir et or d o Mu s eu His t ór ico Na cion a l, cr ia d or d o
primeiro cu r s o d e Mu s eologia n o Br a s il e a u t or d e n u m er os a s p u b lica ções
s ob r e a r t e. No livr o In trod u çã o à té cn ica d e m u s eu s , s egu n d o volu m e, n o
ca p ít u lo s ob r e ou r ives a r ia , h á a p en a s u m a m en çã o a os b a la n ga n dãs,
qu a n d o ele d ivid e a s jóia s b r a s ileir a s a n t iga s em d u a s ca t egor ia s : “a s m a is
finas”, feitas ao gosto europeu, e
a s m a is gr os s eir a s , feita s p elos n os s os ou r ives e qu e a in d a s e
en con t r a m n os s er t ões , s ã o m u it o ca r a cter ís t ica s p ela s u a
in gen u id a d e d e m otivos e feitu r a : olh os d e S a n t a Lu zia , S .
Braz, a pomba do Espírito Santo, as figas, etc. A essa categoria
p er t en cem os fa m os os balangandãs ou berrequedens [grifo
nosso], u s a d os p ela s b a ia n a s , com a s u a gr a n d e cóp ia d e
figuras, figas, símbolos e feitiços (BARROSO, 1955, p.424).
E n t r et a n t o, n em s em p r e foi a s s im , p en ca e b a la n ga n d ã s p os s u em
or igem e ca r a ct er ís t ica s p r óp r ia s p a r a os p r in cip a is es t u d ios os s ob r e o t em a ,
h a ven d o con t r ovér s ia s con ceitu a is qu a n t o à m or fologia e u s o. Con for m e s er á
d em on s t r a d o a s egu ir , a p en ca d es ign a r ia u m con ju n t o d e elem en t os
t r a zid os à cin t u r a in d ivid u a lm en t e e o b a la n ga n d ã s er ia u m elem en t o
es p ecífico u s a d o p en d en t e n o p es coço/ cos t a s . E m a lgu m m om en t o, p en ca e
balangandã se reuniram compondo a penca de balangandãs.
O pesquisador b a ia n o Ma n u el Qu er in o (1 9 8 8 , p .2 2 7 )239 t r a z es s a
d ifer en cia çã o a o r ela ta r o t r a ja r “d a s m u la t a s d en gos a s e cr iou la s ch ib a n t es ,
com o s e a p r es en t a va m em gr a n d e ga la ”, n os d ia s d a s p r in cip a is fes t a s
r eligios a s , cit a u m a d er eço (qu e s er ia a p en ca d e b a la n ga n d ã s , qu e n ã o
239
Ma n u el Qu er in o (1851-1923) t r a z es s a d is t in çã o em s eu livr o Cos tu m e s africa n os n o
Brasil, publicado em 1938, após sua morte ocorrida em 1923.
nomeia), qu e d es cr eve com o “a r gola d e p r a t a em for m a d e m eia -lu a , on d e
p en d u r a va m a s m oed a s d e ou r o, p r a t a , d e va lor es d iver s os , figa s e ou t r a s
t et éia s ” (idem) e o qu e d efin e com o b a la n ga n d ã o “r os á r io d e gr os s a s con t a s
com b or la s (b a r a n ga n d a m ou b a la n ça n ça m )” (ibidem). S er ia o b a la n ga n d ã
então, o que é conhecido atualmente como correntão de crioula (fig.148)? Ou
os elem en t os p en d en t es d es s es cor r en t ões ? In felizm en te, Qu er in o n ã o
for n ece m a ior es d et a lh es , im p os s ib ilit a n d o u m a vis u a liza çã o p r ecis a deste
adereço.
Fig. 1 4 8 - Cor r en t ã o d e cr iou la em ou r o. Ba h ia , s éc. XIX. Col. Mu s eu Ca r los
Costa Pinto. Foto: Saulo Kainuma, 1998.
Francisco Gomes de Oliveira Neto (19??, f.1), em seu estudo A Penca e
o Barangandan240, distingue uma do outro. Para ele o barangandan
é u m a p eça d e p r a t a , em for m a d e a r gola qu e p en d e d e u m a
cor r en t e, p os t a em t or n o d o p es coço e qu e fica n o m eio d a s
cos t a s ; d a p eça a lu d id a , es t ã o s u s p en s os va r ia d ís s im os
240
Um a cóp ia d a t ilogr a fa d a d es te es t u d o exis te n a Bib lioteca Ma r ga r id a Cos t a Pin to s em
in d ica çã o d e p r oced ên cia . Con t u d o, ele é in d ica d o n a b ib liogr a fia d o Pr of. Men ezes d e Oliva
(1 9 5 7 , p .5 4 ), d a t a d o d e 1 6 d e m a io d e 1 9 4 2 , in tegr a n d o o S em a n á rio Liter á r io Dom
Casmurro.
a m u let os p r ot et or es d a p es s oa qu e p r ocu ra es cu d a r -s e d e
qualquer malefício. (...)
Da í, b a r a n ga n d a n s er a r eu n iã o d e t od os os a m u letos em
m in ia t u r a qu e t r a z-s e à s cos t a s m u it o d ifer en t e d a p en ca
s u s p en s a à cin t u r a p or a lça p a s s a d a p or u m a cor r en t e d e
prata e presa com uma grande chave do mesmo metal.
Por t a n t o, p a r a ele o b a la n ga n d ã é u m elem en t o com ca r a ct er ís t ica s
p r óp r ia s . Ou t r os es tu d ios os com p a r t ilh a m d es s a con ceit u a çã o. O s ociólogo
p er n a m b u ca n o, Gilb er t o Fr eyr e (apud VE RGE R, 1 9 9 9 , p .2 2 2 -2 2 3 ) m en cion a
a lgu m a s vezes os b a la n ga n d ã s e a s p en ca s d a Ba h ia . S egu n d o ele, es s as
jóias de opulência são
cola r es e con t a s gr a n d es s ob r en d a s d o cor p et e; n o a lt o d o
b r a ço es qu er d o u m gr a n d e b r a celete d e ou r o; n os p u n h os ,
b r a celetes d e con t a s d e ou r o e b ú zios d a Cos t a d a Áfr ica ; n a s
or elh a s b r in cos d e ou r o ou p en d en t es d e cor a l. E m s eguida
vem os balangandãs, u m a es p écie d e a r gola d e p r a t a
p en d u r a d a n u m a cor r en t e d o m es m o m et a l, ch ega n d o a t é a
m et a d e d a s cos t a s . Diver s os a m u let os a í es t ã o p r es os ...E n fim ,
a pe n c a [grifos n os s o] s u s p en s a n a cin t u r a p or ga n ch os , on d e
encontra-s e p en d u r a d a a figa , a m u let o em for m a d e m ã o
fech a d a , com o p olega r s a in d o en t r e o in d ica d or e o m a ior , o
m a is com u m d os a m u letos ob r iga t or ia m en t e u s a d o con t r a
doenças, acidentes e malefícios.
O m éd ico e h is tor ia d or b a ia n o, J ú lio Afr â n io Peixoto (1 9 4 6 , p .3 1 8 ), em
B rev iá rio
da
B a h ia ,
baseando-s e
na
d ifer en cia çã o
en t r e
p en ca
e
barangandãs241 de Oliveira Neto, declara que
O
b a r a n ga n d ã
–
não
b a la n ga n d ã ,
b a la n ga n gã
ou
b er en gu en d en , d iz-m e Oliveir a Neto, qu e é en t en d id o, - é u m a
a r gola d e p r a t a , qu e p en d e d e cor r en t e, p os ta a o p es coço e à s
cos t a s , e t r a z a m u let os p r ot et or es p es s oa is . O b a r a n ga n d ã é
ín t im o, d e ca d a u m a ; a p en ca é s ocia l, é a fé p u b lica d a a
todos. São diferentes e não se confundem.
E d u a r d o Tou r in h o (1 9 5 3 , p .2 2 8 ), refere-s e a o b a la n ga n d ã com o “u m a
p eça d e p r a t a em for m a d e a r gola qu e – d e u m a cor r en t e em t or n o d o
pescoço – p en d e a t é o m eio d a s cos t a s . Nes s a a r gola – o Ba r a n ga n d a n – está
241
Ap oia d o p ela d iferen cia çã o en t re p en ca e barangandã, Afr â n io Peixoto (1 9 4 6 , p .3 2 0 )
discorda de uma origem onomatopaica do vocábulo, pois segundo ele “Barangandã não é voz
im it a t iva , p or qu e é a p en ca m et á lica , qu e s e rem exe, s on or a , à m a r ch a ... O b a r a n ga n d ã , a
bom recato, não é feito de objetos metálicos e sonantes”.
en feixa d a u m a p or çã o d e a m u let os ”. Nã o m en cion a a p en ca d e b a la n ga n d ã s
nem objeto algum posto à cintura.
Tod a s es s a s d efin ições , con cor d a n t es en tr e s i, p a r ecem r efer ir -s e a u m
d et er m in a d o elem en t o, qu e, p or vezes , a p a r ece n a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s
(fig.1 4 9 e 1 5 0 ). E m a n u el Ar a ú jo (2 0 0 2 , p .1 3 8 ) r egis t r a u m a p eça s im ila r
com o b a la n ga n d ã s (fig.1 5 1 ), a s s im com o o p es qu is a d or Ma r ia n o Ca r n eir o d a
Cu n h a (1 9 8 3 , v.2 , p .1 0 2 8 )242 (fig.1 5 2 ). E s s e elem en to a s s em elh a -s e a o qu e
foi d es en h a d o p elo via ja n t e oit ocen t is ta Th om a s E wb a n k (1 9 7 6 , p .1 0 4 )
indicados pelas letras h, p e q (fig.153).
242
O es tu d o d e Ma r ia n o Ca r n eir o d a Cu n h a con s t a com o a p ên d ice d o s egu n d o volu m e d o
livro His tória gera l d a a rte n o B ra s il (1983) de Walter Zanini. Conforme indicado, o texto não
foi com p leta d o p or r a zã o d a m or te d o a u tor . As s im , n ã o h á gr a n d e d et a lh a m en t o s ob r e a s
“p en ca s b a ia n a s d e p r a t a ou cob r e p r a tea d o” (CUNHA, 1 9 8 3 , p .1 0 2 8 ) e o p or qu ê d a
ilu s t r a çã o d os b a la n ga n d ã s , já qu e n ã o h á referen cia s ob r e os m es m os . Vá r ia s p eça s
a fr ica n a s p er ten cen tes a o Mu s eu d e Ar qu eologia e E t n ologia d a Un iver s id a d e d e S ã o Pa u lo
(USP) são procedentes da coleção Mariano Carneiro da Cunha.
Fig.149 – E lem en t o d a p en ca d e
balangandãs 2 2 5 2 .XII.0 6 0 . Col. Mu s eu
Carlos Costa Pinto. Fotografia da autora.
Fig.151 – Ba la n ga n d ã s em p r a t a . S éc.
XIX. Col. Pa r t icu la r . Fon te: ARAÚJ O,
2002, p.138
Fig.150
–
E lem en to
da
p en ca
de
b a la n ga n d ã s 2 2 5 2 .XII.0 6 0 . Col. Mu s eu
Carlos Costa Pinto. Fotografia da autora.
Fig.152 –Ba la n ga n d ã s , m et a l p r a tea d o,
os s o, p ed r a e m a d eir a . 8 d iâ m . Ba h ia ,
col. Mu s eu
Na cion a l (RJ ). Fon te:
CUNHA, 1983. vol.2. p.1028
Fig.153 – Amuletos. Th om a s E wb a n k , s éc. XIX.
Fonte: EWBANK, 1976, p.104
Raul Lody (2 0 0 1 , p .1 0 2 -3)243, m u s eólogo e a n t r op ólogo, a p on t a u m a
p os s ível r ela çã o d os b a la n ga n d ã s com os elem en t os s im b ólicos qu e in t egr a m
fios-de-contas (fig.154). É p r ecis o r es s a lt a r , qu e es s es elem en t os s im b ólicos
n ã o s ã o com u n s a t od os os cu ltos a fr o-b r a s ileiros e p a r ecem , s egu n d o o
exem p lo for n ecid o, s er in d ivid u a is , a t r ib u t os ou ob jetos d ed ica d os a u m a
determinada invocação.
Fig.154 - Det a lh es d e element os s im b ólicos qu e in tegr a m os
fios-de contas. A ja p á , cá ga d o feito d e cor a l, cu lm in a n d o u m
fio do orixá Iroco; dente encastoado de ouro, culminando um
fio d e Od e; e Oxê, m a ch a d o d e m a d eir a en ca s t oa d o d e ou r o,
cu lm in a n d o u m fio d e Xa n gô. Acer vo Ra u l Lod y. Fon te:
LODY, 2001, p.102/103
A p es qu is a d or a Heloís a Alb er t o Tor r es (1950, f.24)244 p a r ece es cla r ecer
a r ela çã o en t r e p en ca , b a la n ga n d ã s e p en ca d e b a la n ga n d ã s . Ta m b ém ela ,
243
Ra u l Lod y t em d ois livr os s ob r e o tem a , p u b lica d os em 1 9 8 8 e 2 0 0 1 . O p r im eir o, Pencas
d e b a la n ga n d ã s d a B a h ia - u m es tu d o e tn ográfico d a s jóia s -amuletos, é es p ecífico s ob r e a s
p en ca s d e b a la n ga n d ã s p er ten cen tes a o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o. Nes te, ele rea liza u m
es t u d o m a r ca d a m en te d es cr it ivo. J á em J óia s d e Axé, fios-de-con ta s e ou tros a d orn os d o
corpo – a joa lh eria afro-brasileira, ele faz um trabalho analítico centrado na categoria dos fios
d e con ta s (ilequês). Os t r ês ca p ít u los in icia is s ob r e os b a la n ga n d ã s , d e a m b os os livr os ,
trazem o mesmo texto reeditado.
244 Heloís a Tor r es (1 8 9 5 -1 9 7 7 ) foi d ir et or a d o Mu s eu Na cion a l d a UFRJ p or 1 7 a n os (1 9 3 8 5 5 ), foi u m a d a s gr a n d es in cen t iva d or a s n a á rea d e An t r op ologia e E t n ologia d o p a ís . S eu
p r in cip a l foco er a m os es t u d os rela t ivos a os in d ígen a s b r a s ileir os , m a s n ã o er a m os ú n icos .
Rea lizou , em 1 9 5 0 , o es tu d o Algu n s a s p ectos d a in d u m en tá ria d a criou la b a ia n a , t es e com a
qu a l con cor r eu à Ca d eir a d e An t r op ologia e E t n ogr a fia d a Fa cu ld a d e Na cion a l d e Filos ofia ,
da Un iver s id a d e d o Br a s il. E s s e es t u d o in éd ito, qu e n ã o foi cit a d o p or n en h u m d os
estudiosos consultados para a elaboração desta dissertação, traz alguns aspectos singulares
como Oliveira Neto245, diferencia a penca do balangandã. Para ela “a penca é,
com
os
cola r es -r os á r io
e
es ca p u lá r io,
a
jóia
m a is
s ign ifica t iva
funcionalmente”. Quanto ao uso, é bastante precisa,
À c in t u ra, do lado e s qu e rdo , en fia m u m a p on t a d e u m
len cin h o d e ca m b r a ia b or d a d o e d eixa m ca ir o r es t o p r egu ea d o
s ob r e a s a ia ; s o bre o le n ç o (gr ifos n os s o) a s s en t a m a p en ca e,
p r ova velm en t e, ele t em p or fu n çã o im p ed ir o a t r it o d a im en s a
coleção de berloques pesados com a saia (idem).
E leva n t a , a in d a , in d ícios d a p r es en ça e u s o d es s a s p en ca s n a s
“es t a m p a s d e fin s d o s écu lo XVIII”, qu e “m os t r a m ‘b a h ia n a s ’ com u m a fa ixa
d e t ecid o p a s s a d a n os qu a d r is , d a qu a l p en d em ch a ves , s a cola s p equ en a s e
dois ou três berloques . Estava já, nessa época, portanto, criada a “penca” da
cr iou la ” (idem, ibidem, f.2 5 ). E m b or a n ã o in d iqu e qu a is s er ia m es s a s
es t a m p a s
s et ecen t is t a s ,
fica
cla r o,
p ela
in d ica çã o
d os
lu ga r es
on d e
p es qu is ou e p elos d es en h os qu e a p r es en t a n o a n exo n º 9 (fig.1 5 5 ), que
p r ova velm en t e s e r efir a à s es t a m p a s d e Ca r los J u liã o 246 (fig.1 5 6 ), e em
p a r t icu la r à s r efer en t es à Ba h ia (fig.1 5 7 ). Des s a p en ca in icia l p a r ece s e
originar a penca de balangandãs que ela descreve como
At u a lm en t e, ela con s ta d e u m gr a n d e t r iâ n gu lo ob t u s o de
p r a t a , p r es o p or u m d e s eu s â n gu los a u m a gr os s a corr en t e,
t a m b ém d e p r a t a , qu e d á d u a s ou t r ês volt a s à cin t u r a . O la d o
op os to a es s e â n gu lo é d en t ea d o n o s eu b ord o in t er n o e s ob r e
ele d is p õem -s e os b er loqu es ; o d en t ea d o s egu r a a ca d a
b er loqu e, im p ed in d o qu e es t es d es lizem p a r a u m ca n t o s ó
(idem, ibidem, f.25).
e in t r iga n tes . S ob r e a ela b or a çã o d o t r a b a lh o, a p r óp r ia Heloís a Tor r es (1 9 5 0 , f.iii), n a
introdução explica que utilizou o método da entrevista no Rio de Janeiro e em Salvador, com
“2 2 m u lh eres , d e 4 0 a 9 4 a n os d e id a d e” p r oced en d o, t a m b ém , à con s u lt a d a b ib liogr a fia
d os via ja n tes , h is t or ia d or es , s ociólogos e a n t r op ólogos , b em com o à p es qu is a icon ogr á fica .
Res s a lt a qu e r ea lizou m in u cios o es t u d o d a coleçã o d e ves tim en t a s d e cr iou la s b a ia n a s d o
In s t it u t o Fem in in o d a Ba h ia , m a ter ia l qu e “n ã o p od er á s er t ot a lm en te u t iliza d o n es te
t r a b a lh o; s elecion a m os a p en a s o qu e d e m a is exp r es s ivo en con t r a m os p a r a es cla recim en to
de tópicos determinados”.
245 Oliveira Neto não é citado nas referências bibliográ fica s de Heloísa Torres (1950, f.48-50).
246 Esse artista italiano será detalhado ainda nesse capítulo.
Fig.155 – Diferen tes m od os d e coloca r o
t or s o. Cr oqu i. Fon te: TORRE S , 1 9 5 0 , An exo
9, f.47.
Fig.156 – Mu lh er n egr a (d et a lh e).
Aqu a rela d e Ca r los J u liã o. Rio d e
J a n eir o, s éc. XVIII. Acer vo Bib liot eca
Nacional. Fonte: LARA, 2000247
Fig.1 5 7 – Pr a n ch a d a Ba h ia e d et a lh es . Des en h o a qu a rela d o, c. 1 7 7 9 . Acer vo Ga b in ete
d e E s t u d os d a s For t ifica ções e d a s Ob r a s Milit a r es An tiga s , Lis b oa . Fon te: FE RRE Z,
1963, p.39
247
Disponível em http://www.desafio.ufba.br/gt3-006.html
E , n o qu e s e r efer e a os b a la n ga n d ã s , d efin e com o “b er loqu es qu e
p en d em d o p es coço, n ã o a p en ca ; foi a in for m a çã o ger a lm en t e r ecolh id a ,
h a ven d o m es m o u m a in for m a n t e qu e m e d ecla r ou s er o b a la n ga n d ã u m
d et er m in a d o b er loqu e” (idem, ibidem, f.2 6 ). E s s a in for m a çã o cor r ob or a com
os a u t or es r efer id os . E n t ã o, p en ca e b a la n ga n d ã s er ia m ob jet os d ifer en t es
qu e, em d et er m in a d o m om en to s e u n ir a m . A p r óp r ia Heloís a Tor r es (ibidem)
s u ger e es s a u n iã o a o a fir m a r “r ecen t em en t e, a d ot ou -s e p a r a a p en ca o n om e
b a la n ga n d ã ”. O elem en t o em com u m s er ia o b a la n ga n d ã , em b or a ela n ã o o
indique nem o reconheça.
Por t a n t o, exis tir ia m t r ês ob jet os d ifer en t es em u s o n o Br a s il p ela s
n egr a s e m u la t a s ou va r ia n t es d e u m m es m o ob jeto: p en ca (fig.1 5 8 ),
balangandã (fig.159) e penca de balangandãs (fig.160).
Fig.158
–
Penca
–
Det a lh e.
Aqu a rela
de
Ca r los J u liã o. Rio d e
Janeiro, séc. XVIII. Acervo
Biblioteca Nacional248.
Fig.159 – Ba la n ga n d ã s em p r a t a .
S éc. XIX. Col. Pa r t icu la r . Fon te:
ARAÚJO, 2002, p.138
Fig.160
–
Pen ca
de
b a la n ga n d ã s em p r a t a .
Col. Mu s eu Ca r los Cos t a
Pin t o.
Fot ogr a fia
da
autora.
3.3. Indícios do uso
A ú n ica fon t e icon ogr á fica s et ecen t is t a en con t r a d a , r efer en t e à Ba h ia ,
foi for n ecid a p elo it a lia n o Ca r los J u liã o (1 7 4 0 -1811)249. E le es teve n o Bra s il
en t r e ca .1 7 6 7 a 1 8 1 1 , p er cor r en d o a lém d o Rio d e J a n eir o, on d e s e in s t a lou ,
Ba h ia e Min a s Ger a is . S eu s d es en h os a qu a r ela d os , d is p os t os em 4 3
248
Fonte: LARA, 2000. Disponível em http://www.desafio.ufba.br/gt3-006.html
Ca r lo Giu lia n i ou J u lia n i foi u m it a lia n o n a s cid o em Tu r im (ca . 1 7 4 0 ), que a os 2 3 a n os
alistou-se, em b u s ca d e for t u n a , n o E xér cit o p or t u gu ês , s en d o en via d o a o Br a s il p or
diver s a s vezes p a r a r ea liza çã o d e leva n t a m en t os t op ogr á ficos ou vis t or ia d e for t ifica ções .
Morreu no Rio de Janeiro em 1811 ou 1814. (LARA, 2002b).
249
p r a n ch a s , for m a m a ob r a Notícia s u m á ria d o gen tilis m o n a Ás ia com d ez
ris cos ilu m in a d os d itos d e figu rin os d e bra n cos e n egros d os u s os d o Rio d e
Janeiro e S erro Frio, gu a r d a d a n a Bib liot eca Na cion a l d o Rio d e J a n eir o
(LARA, 2 0 0 2 b ). Ta m b ém h á d u a s p r a n ch a s d e s u a a u t or ia n o Ga b in et e d e
E s t u d os d a s
For t ifica ções
e das
Ob r a s
Milit a r es
An t iga s , em
Lis b oa
(FE RRE Z, 1 9 6 3 , p .3 8 ). “Em s eu s d es en h os ele con s t r ói “t ip os ” gen ér icos :
im a gen s qu e n ã o d es cr evem r ea lid a d es em p ír ica s d ir et a m en t e ob s er va d a s ,
m a s qu e con t êm os elem en t os n eces s á r ios p a r a id en t ifica r a gr u p a m en t os
s ocia is , p ovos d e cert os lu ga r es , et c.” (LARA, idem). Des t a for m a , a lgu m a s
figu r a s com o a s fig.1 5 7 e fig.1 6 2 s ã o id ên t ica s , a p r im eir a r efer in d o-s e à
Ba h ia
e a
ou t r a
a o Rio d e J a n eir o.
Por t a n t o, s ã o r ep r es en t a ções
con ven cion a is , s im b ólica s , qu e r evela m ca t egor ia s ger a is com o a con d içã o
s ocia l m a is qu e tip os es p ecíficos r egion a is . Con tu d o, s er vem com o in d ica t ivo
da visualidade existente. Nelas percebe-se, em alguns casos (fig.161 e 162), a
presença de signos mágicos postos à cintura pelas negras: as pencas.
Fig.161 – Mu lh er n egr a . Ca r los Aqu a rela d e Ca r los J u liã o. Rio d e J a n eir o, s éc.
XVIII. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. Fonte: LARA, 2000250.
250
Disponível em http://www.desafio.ufba.br/gt3-006.html
Fig.162 – Negr a s d e ga n h o. Aqu a rela d e Ca r los J u liã o. Rio d e J a n eir o, s éc. XVIII.
Acervo Fundação Biblioteca Nacional. Fonte: LODY, 2001, entre p.102/103.
Um a d a s m u lh er es (fig.1 6 1 ), u m a n egr a livr e ou lib er t a , con for m e
in d ica m s eu s s a p a t os , veste tr a je d e ir m a n d a d e 251, s egu r a u m t er ço ou u m
rosário, e traz na cintura
a lém d a s b ols a s d e m oed a e d e fu m o, u m a ch a ve (Xa n gô, E xu
ou s ím b olo d o com ér cio?), u m d en t e en ca s t oa d o (p r ot eçã o
con t r a in veja ), d u a s con t a s d e â m b a r , d u a s con t a s d e cor a l,
d ois cor a ções (qu e t a n to p od er ia m evoca r os cor a ções d e J es u s
e Maria, quanto atrair fartura) (LARA,2000).
A s egu n d a figu r a (fig.1 6 2 ) a p r es en t a d u a s m u lh er es n egr a s es cr a va s
em a t ivid a d e d e ga n h o. A n egr a à d ireita252, com u m t a b u leir o d e fr u t a s n a
cabeça, es ca p u lá r io ou gris-gris p en d en t e d o p es coço, es ca r ifica ções vis íveis
no rosto e braços, mão tatuada com pentagrama e criança negra carregada a
bamburro, t r a z, a lém d a b ols a d e m oed a s , a lgu n s p ou cos elementos
pendentes na cintura.
251
S egu n d o E s corel (2 0 0 0 , p .1 3 0 ), a id en t ifica çã o d eve-s e à s ca p a s , n a s cores d o regim en t o
dos pardos ou da irmandade de Nossa Senhora da Conceição.
252 E s cor el (2 0 0 0 , p .1 3 3 ) r ea lça a im p or t â n cia d es s a p er s on a gem , p ois , “é u m a d a s p ou ca s
figu r a s a fr ica n a s d o con ju n t o d e p er s on a gen s ca r ioca s . O elem en to ch a ve a qu i n ã o é n em o
ca ch im b o n em o t u r b a n te, m a s o fa to d e s er t a tu a d a n o r os t o, n os b r a ços e n o d or s o d a
mão, onde exibe uma estrela perfeita de cinco pontas”.
Os r egis t ros es cr itos e icon ográ ficos s ob re os cos t u m es b r a s ileir os vã o
a u m en t a r n o s éc. XIX. A p a r t ir d e 1 8 0 8 , com a a b er t u r a d os Por t os d o
Br a s il, o flu xo d e via ja n t es es t r a n geir os s e in ten s ificou . Mu it os d es s es
via ja n t es d eixa r a m r ela t os qu e for a m p u b lica d os . Os s eu s r ela t os excit a va m
a im a gin a çã o d os leit or es , os eu r op eu s “civiliza d os ”, qu e s e en ca n t a va m com
o exotismo dos outros povos. O Oriente e a América eram os prediletos.
Moem a
Pa r en t e
Au gel
(1 9 8 0 ,
2 6 9 p .),
em
s eu
livr o
Via ja ntes
es tra n ge iros n a B a h ia oitoce n tis ta , r ela cion a os via ja n t es qu e es t iver a m
n es s a Pr ovín cia . De d ifer en t es for m a ções , id a d es , cr en ça s e n a ções , s eu s
r ela t os con s t it u em p r ecios o d ocu m en t o d e ép oca . A d ifer en ça en t r e eles e o
qu e via m , o “es t r a n h a m en t o”, fez com qu e d es cr eves s em elem en t os qu e
p a r ecer ia m b a n a is a os n a t ivos . Esse es t r a n h a m en t o r efer e-s e a qu i n ã o a o
s ign o for a d e con t ext o, m a s a o r ecep t or for a d e con t ext o. Os s ign os
tornaram -s e es t r a n h os a os via ja n t es p or n ã o lhes s er em fa m ilia r es , não
pertencer em
singularidade.
ao
s eu
Por
r ep er t ór io,
ou t r o
d es p er t a n d o
la d o,
o
p od ia m
r ecep t or
leva r
para
a
a
su a
a s s ocia ções
d es con t extu a liza d a s , s egu n d o os r efer en cia is d o r ecep t or . A vis ã o d o ou t r o
ga r a n t iu o r egis t r o es cr it o e icon ogr á fico, m a s foi uma percepção im b u íd a d e
subjetivismo, p r econ ceito (con s t r u çã o a priori, prin cip a lm en t e com rela çã o
a os n egr os , s eu s u s os e cos t u m es ), filt r a d a p or u m ju ízo d e va lor es
etnocêntrico, religioso, s em is en çã o. E n fim , p on t os d e vis t a d e in d ivíd u os
r ep r es en t a n t es d e s u a s cu lt u r a s , in s er id os n u m d a d o t em p o h is tór ico. Daí
s er n eces s á r io ob s er va r es s a s im a gen s considerando-s e a s in ferên cia s
d et er m in a n t es d es s a d ocu m en t a çã o. Nen h u m a vis ã o é is en t a d e len t es
culturais. Den t r o d es s a p er s p ect iva , os livr os d e via gen s e a icon ogr a fia
for a m fon t es u tiliza d a s p a r a a procura de in d ícios d o u s o d a s p en ca s d e
balangandãs na Bahia e as leituras que geraram.
Quem viu e como viu esses adereços?
O
m a is
s ign ifica t ivo
r ela t o
do
s éc.XIX
con cer n en t e
à
Ba h ia ,
es p ecifica m en t e a S a lva d or , foi dad o p elo vice-côn s u l in glês h on or á r io,
J a m es Wet h er ell (1 9 7 2 , p .7 9 -80)253. E xt r em a m en t e ob s er va d or , e t en d o
253
O livro B ra s il a p on ta m en tos s ob re a B a h ia 1842-1857 de James Wetherell (1822-1858) só
foi publicado em português em 1972.
p er m a n ecid o n es s a cid a d e p or 1 5 a n os , en t r e 1 8 4 2 e 1 8 5 7 , ele con s egu iu
r egis t r a r p r ecios os cos t u m es . E m a n ot a çã o d e 1 8 5 4 , r efer in d o-s e a o t r a je d e
beca das n egr a s b a ia n a s (d et a lh a d o n o ca p ít u lo 1 d es s a d is s er t a çã o), qu e
a ch a “m u it o or igin a l e m u it o elega n t e”, ele d es cr eve a s jóia s e u m a p r ová vel
penca de balangandãs, embora não a nomeie:
Os b r a ços s ã o cob er t os d e p u ls eir a s d e cor a l e d e ou r o, et c.; o
pescoço e o p eit o ca r r ega d os d e cola r es e a s m ã os d e a n éis –
s ob r et u d o a qu ela qu e m a is fr eqü en t em en te s e a ch a for a d a s
dobras do chalé (sic).
Um gr a n d e m olh o d e ch a ves p en d u r a d o n u m a cor r eia d e p r a t a
n a qu a l s ã o t a m b ém colga d a s u m a s m oed a s d e p r a t a , u m
d en t e d e p or co ou d e t u b a r ã o m on t a d o em p r a t a , e d iver s os
outros amuletos são amarrados num dos lados do vestido;
Nen h u m ou t r o via ja n t e oitocen t is t a examinado, qu e es t eve n a Ba h ia ,
foi t ã o p r ecis o qu a n to Wet h er ell com r ela çã o à s p en ca s d e b a la n ga n d ã s . A
maioria d os ou t r os com o o fr a n cês Lou is -Fr a n çois d e Tollen a r e (1 7 8 0 -1853)
e o in glês Ch a r les La m b er t (AUGE L, 1 9 8 0 , p .2 0 2 ), referem-s e a o u s o d e jóia s
d e ou r o p ela s negras, m a s s em m a ior es m in ú cia s . In felizm en t e, o r ela t o d e
Wet h er ell n ã o t r a z qu a lqu er ilu s t r a çã o. No qu e s e r efer e a o n om ea r , o t er m o
b a la n ga n d ã n ã o é m en cion a d o. É p r ecis o con s id er a r a lgu n s fa t or es : o
lingüístico (n em s em p r e os es t r a n geir os d om in a va m o id iom a , va len d o-s e d e
intermediações); a s r ela ções es t a b elecid a s en t r e os b r a n cos es t r a n geir os e a
p op u la çã o n egr a s egu n d o a h ier a r qu ia s ocia l exis ten t e; e o gr a u d e in t er es s e
e p r ofu n d id a d e d em a n d a n d o p elo ob s er va d or . O t em p o d a es t a d ia d os
viajantes254 é t a m b ém es s en cia l p a r a a s ob s er va ções d es t es , u m a vez qu e
esses adereços parecem ser visíveis apenas em épocas festivas.
Con t u d o, em b or a es t ives s em n a Ba h ia d u r a n t e fes t ejos , os via ja n t es
n em s em p r e r ela t a r a m o u s o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s . E s s e foi o ca s o d o
254
Ta lvez es s a s eja a ca u s a d o n a t u r a lis t a s u iço J ea n Lou is R. Aga s s iz, em 1 8 6 5 , a p es a r d e
t od o o s eu en ca n t o p ela s n egr a s m in a s , d es creven d o com d eta lh es o u s o d o p a n o d a cos t a
p or ela s n o Rio d e J a n eir o, s ó t r ou xes s e u m a d es cr içã o d e n egr a s d e r u a , s em n en h u m a
r eferên cia a a d ereços à cin t u r a . Aga s s iz s ó p er m a n eceu n a Ba h ia p or u m ú n ico d ia . Qu a n t o
a o m is s ion á r io m et od is t a n or te-a m er ica n o Da n iel Pa r is h Kid d er (1 8 1 5 -1 9 9 1 ), qu e es teve n a
Ba h ia em 1 8 3 9 , n ã o for n ece d es cr ições s ob re in d u m en tá r ia d a s n egr a s m a s t r a z u m a
ilu s t r a çã o d e u m a n egr a b a ia n a . O in glês Geor ge Ga r d n er (1 8 1 2 -1 8 4 9 ), m éd ico e b ot â n ico
amador, permaneceu apenas dois dias na Bahia (AUGEL, 1980, p.69-108).
m éd ico a lem ã o, Rob er t Avé-Lallemant (1 9 6 1 , p .2 2 e 4 7 )255, que es t eve n a
Ba h ia em d ezem b r o d e 1 8 5 8 , d es cr even d o o t r a je d a s n egr a s d a Ba h ia n a
missa e na Festa de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal e da
Bahia. Da m es m a for m a , o p r ín cip e a u s t r ía co, Fer d in a n d Ma xim ilia n d e
Ha b s b u r go (1 9 8 2 , p .1 3 0 ), qu e p er cor r eu o Br a s il en t r e 1 8 1 5 e 1 8 1 7 , fez o
r ela t o d e m u lh er es n egr a s d u r a n t e a Fes t a d o Bon fim , n a Ba h ia , s em m u it o
detalhamento quanto aos amuletos.
Um a im p or t a n t e fon t e icon ogr á fica , r ela t iva es p ecifica m en t e à Ba h ia ,
for a m os d es en h os d a via ja n t e in gles a Ma r ia Gr a h a m 256 (1785-1 8 4 2 ). Ap ós
casa r com o ca p it ã o d a m a r in h a in gles a , Th om a s Gr a h a m , fez u m a via gem à
Am ér ica d o S u l, p er m a n ecen d o n a Ba h ia d e 1 6 d e ou t u b r o a 8 d e d ezem b r o
de 1821 (AUGEL, 1980, p.62-64). Dos 39 desenhos aquarelados, referentes à
Bahia, pertencentes à Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, atribuídos a Maria
Graham, d es ign a d a n es t es com o La d y Ma r ia Ca lcot t , 1 1 r ep r es en t a m n egr a s
b a ia n a s es cr a va s e lib er t a s , a m a ior ia em a t ivid a d es d e ga n h o e d u a s d ela s
n o qu e ela d en om in ou Hollid a y d res s (fig.2 9 e 3 0 d o ca p ít u lo 1 d es s a
dissertação). Des s a coleçã o, a p en a s u m a m u lh er n egr a a p a r ece com u m a
provável p en ca d e b a la n ga n d ã s à cin t a , u m a lib er t a em a t ivid a d e d e ga n h o,
u m a ven d ed or a d e d oces , com s u a ca ixa d e vid r o n a ca b eça 257, ves t id a com
traje festivo de crioula258 (fig.163).
255
S egu n d o Au gel (1 9 8 0 , p .9 2 -9 4 ), Rob er t Ch r is t ia n Ber t h old Avé-Lallemant n a s ceu em
Lübeck em 25 de julho de 1812, morrendo na mesma cidade em13 de outubro de 1884.
256 Na s cid a Ma r ia Du n d a s , era filh a d o a lm ir a n te in glês Geor ge Du n d a s , e a p ós u m a via gem
feit a com o p a i à Ín d ia em 1 8 0 8 , es cr eveu o s eu p r im eir o d e via gen s . Fica n d o viú va , t or n ou s e Ma r ia Gr a h a m , em 1 8 2 3 , p r ecep t or a d a p r in ces a b r a s ileir a Ma r ia d a Glór ia , fu t u r a
r a in h a d e Por t u ga l. Ao r et or n a r à In gla ter r a , p u b licou o livr o Via ge m a o B ra s il (1 8 2 4 ) e
casou-s e com Lor d Ca lcot t (S CHUMAHE R, 2 0 0 3 , p .3 9 4 ). Daí, a coleçã o d a Bib lioteca
Nacional ser denominada Coleção Lady Maria Callcott.
257 E s s a im a gem cor r es p on d e à d es cr içã o feit a p or Ma xim ilia n o d e Ha b s b u r go (1 9 8 2 , p .1 2 5 ),
em 1 8 6 0 , “u m a figu r a ca r a cter ís t ica n a s r u a s d a Ba h ia s ã o a s n egr a s ven d ed or a s , qu e
ca r r ega m , n a ca b eça a s m er ca d or ia s , em ca ixa s d e vid r o, com p r id a s e rea lm en te gr a n d es . A
primeira vez em que vi uma caixa de vidro desse tipo, pensei que continha o cadáver de uma
cr ia n ça ou u m a r elíqu ia . Nes s e recep t á cu lo t ra n s p a ren te, a s n egr a s oferecem à ven d a
pastéis , fit a s , lin h a s , lin h o e ou t r os ob jet os n eces s á r ios a o u s o ca s eir o. Qu a l a fin a lid a d e d e
gu a r d a r em ta is cois a s com t a n to cu id a d o, n ã o p os s o d izer . As ca ixa s p r ovém d e ép oca s
r em ot a s e s ã o t a lvez, u m m eio d e p r oteçã o con t r a a s m os ca s , p ois n ã o h á p oeir a n o Br a s il.
E n gr a ça d a e a d m ir á vel é a h a b ilid a d e com qu e a s n egr a s a t let a s b a la n ça m a ca ixa s ob r e o
t or ço, con s egu in d o a t r a ves s a r , com es s a ca r ga volu m os a , vit or ios a m en te, t od a a con fu s ã o
da cidade”.
258 E m b or a La d y Ca llcot n ã o a in d iqu e com o t r a ja n d o u m “h ollid a y d r es s ”, es s a n egr a n ã o
es t á ves t id a com o qu e s er ia u m t r a je d iá r io. Not a r a fivela d os s a p a t os , a b a r r a d e ren d a d a
saia, as jóias, torço e o elegante pano da costa(?) sobre o ombro.
Fig.163 – Vendedora de doces (Seller of smallwares, sweetmeat, etc.)
Desenho aquarelado, séc. XIX. Coleção Lady Callcott, Biblioteca
Nacional – RJ.259
O a lem ã o J oh a n n Mor it z Ru gen d a s (1 8 0 2 -1 8 5 8 ), d es en h is t a e cronista
de costumes brasileiros, que esteve no Brasil de 1822 a 1825 (AUGEL, 1980,
p.60-62), fez p ou ca s referên cia s à Ba h ia e n ã o t r a z n en h u m a in d ica çã o d e
b a la n ga n d ã s (fig.164). Mes m o exp lor a n d o o r es t a n t e d e s eu
t r a b a lh o
r efer en t e a o Br a s il, s ó foi p os s ível en con t r a r u m único adereço usado na
cintura p or u m a n egr a em u m a p r a n ch a in t itu la d a Fes ta d e Nos s a S en h ora
do Rosário, padroeira dos negros (fig.165).
259
Fonte: http://international. loc.gov/intldl/brhtml/br_collections/br_lists/fbncmlTitles1.
html
Fig.164 - Negr o e n egr a d a Ba h ia . J oh a n n
Moritz Rugendas. Litografia colorida a mão.
Fonte: Fonte: AGUILAR, 2000b, p.
Fig.165 - Fest a d e N. S r a . d o Ros á r io,
p a d r oeir a d os n egr os (d et a lh e). Ru gen d a s .
Lit ogr a fia color id a a m ã o, Col. Pa r t icu la r .
Fonte: AGUILAR, 2000b, p.240
Onde estavam as pencas de balangandãs que foram tão pouco vista s?
É p r ecis o exp lor a r a documentação iconográfica, a lém d a es p ecífica da
Ba h ia . S e Ru gen d a s n ã o r egis t r ou n en h u m a d er eço, u s a d o p ela s n egr a s
b r a s ileir a s n a cin tu r a , a ob r a d o a r t is t a fr a n cês J ea n Ba p t is t e Deb r et (1 7 6 8 1 8 4 8 ), com r ela çã o a o Rio d e J a n eir o, é b a s t a n t e significativa. Deb r et ,
cr on is t a vis u a l d o Br a s il oitocen t is t a , d es cr eveu e ilu s t r ou o u s o d e a d er eços
mágicos, p os t os à cin t u r a , n a s r u a s ca r ioca s p ela s n egr a s d e ga n h o (fig.166,
167, 168 e 169).
Fig.166 - Negr a s livr es viven d o d e s u a s a t ivid a d es . J . B. Deb r et , 1 8 3 4 -3 9 . Fon te: DE BRE T,
1940, t.1, p.212/213
Fig.167 - Enterro de uma negra. J. B. Debret. 1834-3 9. Litografia
colorida a mão, Col. Particular. Fonte: AGUILAR, 2000b . p.244
Fig.168 - Padaria. J. B. Debret, 1834-39. Fonte: DEBRET, 1940, t.1, p.260/261
Fig. 169 - Pedintes. J. B. Debret, 1834-39. Fonte: DEBRET, 1940, t.2, p.144/145
O mais claro exemplo é o da figura 170, Negra tatuada vendendo cajus,
on d e os p en d en t es es t ã o b em vis íveis , a gr u p a d os em t or n o d e u m a a r gola ,
con figu r a n d o u m b a la n ga n d ã . Deb r et (1 9 4 0 , v.II, p .54) ainda traz uma
descrição dessa figura, segundo ele,
é r a r o qu e u m a ven d ed or a n egr a a m b u la n t e s e m os t r e n a r u a
s em s eu p equ en o a m u leto [figa ] a o p es coço, o qu e n ã o a
im p ed e d e u s a r t a m b ém d ois ou t r os à c in t u ra, de
c am bu lh ada c o m c in c o a s e is t alis m ãs , de fo rm a e de
natureza diferentes (grifo nosso).
Fig.170 – Negr a t a tu a d a ven d en d o ca ju s (d et a lh e). J ea n
Ba p t is te Deb r et , 1 8 2 7 . Aqu a rela s ob re p a p el. Col. Mu s eu s
Castro Maya. Fonte: PAIVA, 2001, p.104
Há
r egis t r a m
a in d a
du as
p r ová veis
im p or t a n t es
p en ca s .
im a gen s , d a t a d a s
Per t en cem
a
coleções
d o s éc.XIX, qu e
p a r t icu la r es
não
id en t ifica d a s . Um a é d e a u t or ia d e J ea n -Ba p t is t e Gr en ier (fig.171), d o qu a l
n ã o foi id en t ifica d a b iogr a fia 260, e a ou t r a é a n ôn im a (fig.172). E m a m b a s é
260
A ú n ica r eferên cia a o p in t or Gren ier foi en con tr a d a n o ca t á logo d e Du t r a Leilões , d e
ou t u b r o d e 1 9 9 9 (d is p on ível em h t tp :/ / www.d u t r a leiloes .com .b r / ou t u b r o1 9 9 9 / ca t 4 9 .h t m l),
on d e s e lê n o lote 2 1 5 : “GRE NIE R, J ea n -Ba p t is te (S éc. XIX). Mu la t a . Óleo s ob r e tela , 4 1 x
3 2 ,5 cm . Acom p a n h a d ocu m en t o d e a u ten t ica çã o a s s in a d o p or Ma r ia Lu ize Gu im a r ã es
S a lga d o, d o Rio d e J a n eir o, d a t a d o d e 3 0 d e s etem b r o d e 1 9 8 7 , n es te ter m os : Devid o a o
ext r a vio d o p r im eir o la u d o técn ico forn ecid o a p ós p es qu is a s rea liza d a s p elo p r ofes s or E d s on
e eu , volt o a d ecla r a r qu e o qu a d r o rep r od u zid o n o ver s o d es t a fot ogr a fia é ob r a or igin a l d o
p in t or fr a n cês J ea n Ba p t is te Gren ier, qu e es teve n o Br a s il n os m ea d os d o s écu lo XIX.” Há
b a s t a n t e vis ível a p r es en ça d e ch a ve e m oed a s p en d en d o d a cin t u r a à d es t r a
d a s u s u á r ia s , a p r im eir a u m a m u la t a livr e ou lib er t a (p és ca lça d os ) e a
s egu n d a u m a es cr a va n egr a (p és d es ca lços ). Mes m o es t a n d o es s a s d u a s
ven d ed or a s em a t ivid a d es d e t r a b a lh o, p od e-s e d efin ir a in d u m en t á r ia d a s
d u a s com o u m t r a je fes t ivo (in d ica d o p r in cip a lm en t e p ela b a r r a em r en d a ), o
t r a je d e b a ia n a . É im p or t a n t e ob s er va r qu e a m b a s a s m u lh er es u s a m p a n o
d a cos t a e t u r b a n t e. A m u la t a d e Gr en ier (fig.1 7 1 ) a in d a t r a z, s ob r e o
t u r b a n t e, u m a p equ en a ces t a à m od a d o t r a je d e b a ia n a , con for m e
r egis t r a d o, n o s éc. XIX, icon ogra fica m en t e p or Ma r ia Gr a h a m (fig.2 9 e 3 0 d o
capítulo 1) e descrito por James Wetherell (1972, p.79-80).
Fig.171 - Mulata261. Jean-Baptiste Grenier. Óleo sobre tela, séc. XIX. Col. Particular.
Fonte: AGUILAR, 2000b, p.130
outra obra no lote 215A de GRENIER intitulada Mulatas, um óleo sobre tela, de tamanho 41
x 32,5 cm. Não há imagem.
261 E s s a m es m a im a gem
a p a rece em ou t r a p u b lica çã o s ob a d en om in a çã o Ba ia n a
(TRINDADE, 1988, p.126), identificação atribuída pelo traje da mulher representada.
Fig.172 - Negr a n o m er ca d o. An ôn im o. Óleo s ob r e tela . Col. Pa r t icu la r . Fon te: AGUILAR,
2000b, p.131
Também os fotógrafos, presentes no Brasil a partir da segunda metade do século XIX,
fornecem registro iconográfico como importante fonte histórica. E m b or a a m a ior ia d a s
fot ogr a fia s d e cr iou la s b a ia n a s r et r a t a d a s s eja uma elaborada construção de
s en t id o em es t ú d io, ger a lm en t e d es t in a d a s à ven d a com o exót ica s cartes
postales (HACKLE R, 2 0 0 4 , p .2 8 4 -89), ela s d ocu m en t a m a p r es en ça d a s
p en ca s d e b a la n ga n d ã s em a lgu n s p ou cos exem p la r es (fig. 1 7 3 , 1 7 4 e 1 7 5 ).
Na figu r a 1 7 4 , en con t r a -se qu a s e t ot a lm en t e ocu lta p elo p a n o d a cos t a , à
destra da crioula, sendo visíveis uma romã e parte de um cacho de uvas.
Fig.173 – Um a cr iou la d a Ba h ia . J. Melo editor. Fotografia
1904-1915. Fonte: Arquivo Museu Carlos Costa Pinto.
(cartão postal),
Fig.174 - Crioula. Lindemann. Fotografia (cartão postal). Bahia, 1905. Col. Pa r t icu la r .
Fonte: AGUILAR, 2000b, p.144. Exemplar existente no Museu Tempostal.
Fig.175 - Ret r a t o d e b a ia n a . G. Gaensly. Fotogr a fia (ca r t ã o p os t a l), d ec.
1880. Col. Particular. Fonte: ARAÚJO, 2002, p.138
Na s figu r a s 1 7 3 e 1 7 5 a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s es t ã o cla r a m en t e
vis íveis , com s eu s elem en t os ca r a ct er ís t icos com o ca ch os d e u va s , m oed a s ,
ch a ve, cocos , cilin d r os , p a n d eir os , et c. Na figu r a 1 7 5 a n a ve es t á b em
d efin id a , ca r a ct er iza n d o-s e com o d o tip o 1 (con for m e exp os t o n o ca p ít u lo
a n t er ior ). E s t a n ã o p a r ece es t a r p r es a p or cor r en t e e s im p or t ir a d e t ecid o
posta à cintura.
O Dr . Ra im u n d o Nin a Rod r igu es (1 9 8 8 , p .1 1 9 )262, u m d os pioneiros dos
es t u d os a fr ica n os n o Br a s il, é con com it a n t em en t e t es t em u n h a e es t u d ios o.
Com relação à penca de balangandãs , que não nomeia, descreve
As n egr a s r ica s d a Ba h ia ca r r ega m o ves tu á r io à baiana de
r icos a d or n os . Vis tos os b r a celet es d e ou r o cob r em os b r a ços
a t é a o m eio, ou qu a s e t od o; v o lu m o s o m o lh o de v ariado s
berloques, com a imprescindível e grande figa, pende da cinta
[grifos nossos].
J á n a p r im eir a m et a d e d o s éc.XX, o Pr of. Men ezes d e Oliva (1957,
p.45)263, r ecor d a n d o s u a s m em ór ia s d e in fâ n cia r ela cion a d a s a o u s o d e jóia s
por negras, cita
lembrei-m e, en t ã o, d e a lgu m a s ex-es cr a va s qu e con h eci em
m en in o, n a
ca s a
d e m eu s
a vós , qu a n d o, e m
dias
de
procissão, vin h a m vis it a r S in h á Velh a , os b r a ços ch eios d e
p u ls eir a s , on d e n ã o r a r o, s e via a efígie d e D. Ped r o II, o
p es coço a ca ir d e cor d ões d e ou r o e n a c in t ura, po r baix o do
pan o da Co s t a de c o re s v iv as , pe n c as e m ais pe n c as de
barangandans (grifos nosso).
Nes s a cit a çã o, in d ica o u s o fes t ivo d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s e o s eu
u s o s ob o p a n o d a Cos t a , ocu lt a n d o-o, com o ocorr e p a r cia lm en t e n a figu r a
174, o que pode ser a causa desses adereços terem sido tão pouco vistos.
262
S egu n d o Fer n a n d o S a les (RODRIGUE S , 1 9 8 8 , p .2 7 7 -7 9 ), o m éd ico m a r a n h en s e
Ra im u n d o Nin a Rod r igu es (1862-1906) foi p r ofes s or d a Fa cu ld a d e d e Med icin a d a Ba h ia e
fu n d a d or d a S ocied a d e d e Med icin a e Cir u r gia e d a Med icin a Lega l d a Ba h ia . De s u a va s t a
bibliografia destacam-s e os estudos de Sociologia, Etnografia e Antropologia. Apesar de suas
in ter p reta ções s eja m m a r ca d a s p ela s teor ia s r a cia is d a ép oca , os d a d os leva n ta d os p or ele
s ã o d e gr a n d e im p or t â n cia “p ela s u a qu a lid a d e e p ela s it u a çã o h is tór ica , p ois qu e Nin a
Rodrigues ainda alcançou africanos puros no Brasil” (Mário de Andrade apud idem, p. I)
263 E m s eu livr o A S a n ta d o Pa u Oco e ou tra s h is tória s (1957), o Pr of. Men ezes d e Oliva é
a p r es en t a d o p or Per civa l d e Oliveir a com o “p oeta e p r os a d or d e t a len t o” (ME NE ZE S DE
OLIVA, 1 9 5 7 , p .1 3 ) e cit a qu e foi p r ofes s or d o Cu r s o d e Mu s eu s , r ecém fu n d a d o n o Mu s eu
His t ór ico Na cion a l d o Rio d e J a n eiro, ocu p a n d o a ca d eir a d e His tór ia d a Ar te Br a s ileir a
(idem, p .1 4 ). J á n o ca p ít u lo d es te m es m o livr o, in t it u la d o Cla s s ifica çã o d os b a la n ga n d a ns,
n a s p r im eira s lin h a s d o texto, o p r óp r io Oliva s e a p res en t a com o “em 1 9 3 2 , qu a n d o foi
cr ia d o, n o Mu s eu His t ór ico Na cion a l, o Cu r s o d e Mu s eu s , cou b e-m e a regên cia d a ca d eir a
de História da Arte Brasileira” (MENEZES DE OLIVA, 1957, p.39).
O folclor is t a b a ia n o J oã o d a S ilva Ca m p os (2 0 0 1 , p .3 1 3 ), n o livro
Procis s ões tra d icion a is d a B a h ia , cu ja p r im eir a ed içã o d a t a d e 1 9 4 1 264, a o
t r a t a r d a s p r ocis s ões “atuais”, es p ecifica m en t e a d e S ã o Ben ed it o, s a n t o
p r ot et or d os n egr os , referindo-s e a o t r a je d es s a con fr a r ia d e cr iou los , cita
que
Os cr iou los s a ía m à r u a , n o d ia d a fes t a , com a s u a r ou p a “d e
ver a Deus”. As negras, então, exibiam saias de beca, plissadas
à m ã o! – “p a n os ” (qu e fa zia m d e xa le), e tor s os d e s ed a , d e
gor gor ã o p r et o, ca m is a s d e t ecid o fin ís s im o, p r im or os a m en t e
b or d a d a s , ch in elin h a s d e velu d o la vor a d a s a ca n u t ilh o d e
ou r o, e, n a s or elh a s , n o p es coço, n os p u ls os , a t é qu a s e os
cot ovelos , n os d ed os , u m a p r ofu s ã o in cr ível d e jóia s cu s t os a s .
Além d o m olh o volu m os o d e balangandans [gr ifo n os s o], berloques, tetéias, burundangas de ouro, de prata, de coral, de
a zevich e, d e n ã o s ei m a is qu e, - p en d u r a d o à cin t u r a . Negr a s
velh a s , a p a r en t em en t e p ob r es , d iu t u r n a m en t e m a lt r a p ilh a s ,
es m ola m b a d a s , a p a r ecia m a gor a com ta n t o ou r o qu e
a d m ir a va . Aliá s , em t od a s a s gr a n d es fes t ivid a d es d a Ba h ia , a s
a fr ica n a s , cr iou la s e m u la t a s d e s a ia a p r es en t a va m -s e a s s im ,
ves t in d o fa zen d a s ca r a s , e os ten t a n d o cop ios a qu a n t id a d e d e
ouro.
Ou s eja , o qu e S ilva Ca m p os d es cr eveu foi o t r a je d e b eca qu e, ju n t o
com es s es a d er eços , eram d e u s o fes t ivo, n ot a d a m en t e em fes t ejos r eligios os
e p or t a d os p or n egr a s p er t en cen t es à confraria, ob jet os a in d a p r es en t es n a
p r im eir a m et a d e d o s éc. XX. É im p or t a n t e r es s a lt a r qu e o es t a t u t o d es s a
con fr a r ia d e S ã o Ben ed it o es t a b elecia p a r a s u a com p os içã o qu e s eu s
m em b r os fos s em cr iou los e a n gola s (apud SILVA, 2 0 0 1 , p .3 1 5 ). S er ia m a s
p en ca s d e b a la n ga n d ã s d is t in t ivos d e p er t en cim en t o a u m gr u p o? 265 Não
foram encontradas quaisquer evidências que atestassem essa possibilidade.
An n a Am élia d e Qu eir oz Ca r n eir o d e Men d on ça (1 9 6 8 , p .5 0 ) menciona
o u s o d a s p en ca s d e b a langandãs qu e “a s n egr a s d e S a lva d or ou d a Feira d e
S a n t ’a n a a in d a h oje, em b or a r a r a m en t e, s u s p en d em com u m a for t e cor r en t e
em volta de uma quase sempre fortíssima cintura”.
264
Essa obra é póstuma, visto que, Campos, nascido em 1880, faleceu em 1940.
Ra u l Lod y procurou o vín cu lo en t re a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s e a s ir m a n d a d es ca t ólica s
n egr a s . Ao p es qu is a r a Ir m a n d a d e d e Nos s a S en h or a d a Boa Mor te d e Ca ch oeir a , Ba h ia , ele
cit a qu e “a s ir m ã s m a is velh a s n ã o s e lem b r a va m d a s p en ca s n a s cin t u r a s e n em d e
a m u let os is ola d os n os p a n os p os t os ta m b ém n a s cin t u r a s .” (LODY, 1 9 8 8 , p .2 6 ). As d evot a s
d es s a ir m a n d a d e s ã o a s ú n ica s a a in d a u t iliza m o t r a je d e b eca e a s jóia s d e cr iou la s ,
d u r a n te a fes t ivid a d e d e s u a p a d r oeir a , r ea liza d a a n u a lm en te n o m ês d e a gos t o (fig.3 2 d o
capítulo 1).
265
For a m con s u lt a d os a in d a a lgu n s t es ta m en t os d e lib er t a s d o s écu lo
XIX, s elecion a d os a p a r t ir d o m a p ea m en t o feito p or Ma r ia In ês Côr t es d e
Oliveira (1 9 7 9 , p .9 9 )266 Ess es
n ã o cita m
n em
d es cr evem
p en ca s
de
b a la n ga n d ã s . Nã o h á elem en t os característicos com o r om ã s , ca ch os d e u va ,
et c. Cit a m ob jetos com o rosário267, cor a ções , m ed a lh a s e cr u cifixos 268, s en d o
a m a ior ia em ou r o. Pou cos a d er eços m en cion a d os s ã o em p r a t a . E on d e
estavam os d em a is elem en t os ? E a n a ve ou a a r gola com u m con ju n t o d e
berloques? S e a p en ca d e b a la n ga n d ã s , p or a lgu m m ot ivo (com o a gu a r d a , a
s egu r a n ça d es t a ou d ívid a s con t r a íd a s ), er a d ecom p os t a , p or qu e n ã o é
p os s ível r em on t á -la a t r a vés d os t es t a m en t os ? A p equ en a exis t ên cia d e
exem p la r es d e p en ca s d e b a la n ga n d ã s , os p ou cos r ela t os d e via ja n tes , a
r ed u zid a d ocu m en ta çã o icon ogr á fica e a n ã o cit a çã o em t es t a m en t os d a s
libertas indicam um uso restrito a um limitado grupo de negras e mulatas.
3.4. Origem das pencas de balangandãs
A p en ca d e b a la n ga n d ã s é u m a p eça t ip ica m en te b a ia n a ? Con for m e
vis t o a n ter ior m en t e, a p en ca d e b a la n ga n d ã s , for m a liza d a com n a ve e
cor r en t e, p a r ece s er b a ia n a , u m a s olu çã o d os ou r ives d a Ba h ia p a r a
a d er eços já exis t en t es (p en ca e b a la n ga n d ã s ) qu e s e u n ir a m . At es t a m is s o, a
p r es en ça d e m a r ca s d e con t r a t e d a Ba h ia em a lgu n s exem p la r es d a coleçã o
Museu Carlos Costa Pinto269.
Mendonça (1 9 6 8 , p .4 9 -5 0 ), con s id er a a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s “o
ob jeto d e a d or n o m a is t íp ico d a qu ela r egiã o d o n or t e d o Br a s il ou a n t es a
m a is b r a s ileir a d a s p eça s d a ou r ives a r ia n a cion a l”. Conforme Oliva (1957,
p.41),
266
No p er íod o d e 1 8 5 1 -1 8 5 7 , Ma r ia In ês C. d e Oliveir a r ela cion a 1 4 7 t es t a d or a s , s en d o qu e
d es t a s s ó 3 5 d ecla r a m ob jetos d e ou r o e 1 0 d e ob jetos d e p r a t a ; e d a s 9 5 tes t a d ora s do
período de 1879-1885 apenas 9 declaram objetos de ouro e 2 de prata.
267 Testam en t o d e Ros a Ma r ia d e Pa iva Alelu ia Lim a . APE B. S eçã o J u d iciá r ia . Livr o d e
Regis t r o d e Tes t a m en t os n º 2 9 , 1 8 4 2 , fl.9 2 -99; Tes t a m en t o d e Delfin a Ma r ia d a Con ceiçã o
Délavé. Idem, nº 61, fl. 58-62.
268 Testam en t o d e Ros a Ma r ia d e Pa iva Alelu ia Lim a . APE B. S eçã o J u d iciá r ia . Livr o d e
Registro de Testamentos nº 29, 1842, fl.92-99.
269 Na coleçã o Fu n d a çã o In s t it u t o Fem in in o d a Ba h ia , qu e p os s u i 9 p en ca s d e b a la n ga n d ã s ,
u m exem p la r d e n º 4 4 5 4 .IV.0 5 3 , d o t ip o 2 (con for m e cla s s ifica çã o p r op os t a n o ca p ít u lo 2 ),
a p r es en t a m a r ca d e en s a ia d or d a Ba h ia d o s éc.XVIII em d u a s p a r tes d a n a ve e em u m d os
elementos pendentes.
n ã o é p os s ível a fir m a r , com s egu r a n ça , qu a n d o for a m os
b a la n ga n d a n s p r im eir a m en t e fa b r ica d os n o Br a s il, em b or a
s eja cr en ça ger a l270 qu e t en h a s id o a cid a d e d o S a lva d or o
centro da sua maior produção.
Ra u l
Lod y
(2 0 0 1 ,
p .5 0 )
qu es t ion a
a
exclu s ivid a d e
b a ia n a
d os
balangandãs. Segundo ele,
em b or a r egis t r os fotogr á ficos d o s écu lo XIX e ou t r os r egis t r os
vis u a is a tes t em a r eu n iã o d os b a la n ga n d ã s en qu a n t o a cer vo
m a t er ia l d a h is t ór ia a fr o-b r a s ileir a n a Ba h ia , t a is ob jetos n ã o
são exclusivos desse estado.
Deb r et e Ca r los J u liã o, r et r a t a n d o, em a t ivid a d es d e ga n h o n o
Rio d e J a n eir o, n egr a s p or t a n d o a m u let os , for m a n d o
conjuntos, dispostos nas cinturas.
É in egá vel a p r es en ça d e p en ca s , p r in cip a lm en t e n o Rio d e J a n eir o,
s egu n d o o r egis t r o d os via ja n t es com o Deb r et . Ma s , n ã o s ã o p en ca s d e
b a la n ga n d ã s . As n egr a s d es en h a d a s p or Ca r los J u liã o n o s éc. XVIII,
a p r es en t a m p en ca s (ob jetos p r es os in d ivid u a lm en t e p or ga n ch os em u m a
fa ixa d e t ecid o a m a r r a d a n os qu a d r is ). E s s a fa ixa , d en om in a d a p or ele d e
“b u n d a à cin t a ”, con for m e vis t o n o p r im eir o ca p ít u lo, a s s em elh a -s e à qu ela
u s a d a p ela s n egr a s b a n t o, p r es en t e em icon ogr a fia s ob r e a Ra in h a Nzin ga
(1587-1663) (fig.1 7 6 ), m on a r ca d e Nd on go (An gola ) e Ma t a m b a . Ma is u m a
vez, surge a relação banto, que aparece também na etimologia.
270
Tod a s a s coleções d e p en ca s d e b a la n ga n d ã s , exis ten tes em m u s eu s e p os s u íd a s por
p a r t icu la r es , s ã o a t r ib u íd a s com o or igin á r ia s d a Ba h ia . Até h oje s ã o fa b r ica d a s p a r a ven d a
como souvenirs, peça típica da Bahia.
Fig.176 – Ra in h a Nzin ga com s eu s éqü it o. Aqu a rela
d e Mis s ion e d e G.A. Ca n a zzi, s éc. XVII. Fon t e:
MEDINA & HENRIQUES, 1996, p.91
Ta m b ém
o
m éd ico
Ar t h u r
Ra m os
(1 9 7 9 ,
p .1 9 8 ),
p r ofes s or
da
Fa cu ld a d e d e Med icin a d a Ba h ia e p es qu is a d or d e r eligiões e folclor e n egr o,
a t r ib u i a os b a la n ga n d ã s uma or igem a fr ica n a b a n t o. Ao d es cr ever a
indumentária das negras baianas diz que
Na indumentária, os panos vistosos, as saias rodadas, os xales
d a cos t a , os b r a celetes , a r golões et c., u s a d os p elos n egr os d a
Ba h ia , t êm p r oced ên cia n iger ia n a . Ou t r a s in flu ên cia s d o
S u d ã o m u lçu m a n o, com o a r od ilh a ou t u r b a n t e e m iça n ga s e
balan gan dãs , o rigin adas de An go la e do Co n go [gr ifo n os s o],
vêm com p let a r a figu r a t íp ica d a b a ia n a , es s a figu r a p op u la r
do Brasil.
In felizm en t e, ele n ã o t ece m a ior es exp lica ções s ob r e es s a p r oced ên cia
banto. Não foi encontrado qualquer registro de uso de balangandãs na África
n a ép oca d os p r im eir os con t a tos . Qu a is a d er eços p od em t er d a d o or igem à s
pencas de balangandãs da Bahia?
3.5. Antecedentes morfológicos
Algu m a s r ela ções m or fológica s e con ceitu a is , qu e in d ica r ia m a or igem
d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , for a m a p on t a d a s p or es t u d ios os , s egu n d o
ver t en t es d e t r a d içã o a fr ica n a e eu r op éia . No p r im eir o ca s o, es t ã o p u ls eir a s
a fr ica n a s d e p in gen tes e a fer r a m en t a d e Ogu m . S egu n d o Ma r ia n o Ca r n eiro
da Cunha (1983, p.1028),
Qua n t o à s p u ls eir a s d e p in gen tes (b a la n gã s )271, o Mu s eu d e
Ar t e e Ar qu eologia d a US P d is p õe d e a lgu m a s d ezen a s d e
exem p la r es p r oven ien t es d a Yor u b elâ n d ia , e qu e s ã o
absolutamente semelhantes às suas congêneres baianas.
Por ou t r o la d o, h á d ois gr u p os d e ob jetos d a Áfr ica ocidental
qu e m u it o p r ova velm en t e s er vir a m d e m od elos à s “p en ca s ”
baianas de prata ou cobre prateado. O primeiro grupo compões e d e a m u let os d e p r a t a for m a n d o u m b r a celete ou m a d eir a
ch a p ea d a d e ou r o, qu e os r eis d o Ga n a u s a m n o b r a ço p a r a
d eles h a u r ir em ‘for ça ’. O ou t r o gr u p o a b r a n ge u m a s ér ie d e
p equ en a s p en ca s com p os t a s d os s ím b olos d a s d ivin d a d es
Yorubá, em liga de prata, e porém de Iwô, na Nigéria. Quanto à
s u a fu n çã o, n a d a d e s egu r o p u d em os a p u r a r : ca ír a m em
desuso há muito tempo.
Contudo, o autor não fornece informações mais detalhadas. O primeiro
ca s o é u m a t r ib u t o r ea l m a s cu lin o d e Ga n a , u s a d o n o b r a ço, qu e lem b r a os
b r a celet es con goles es nlunga d a in s t itu içã o d o lemba272. Fa cilm en t e p er ceb es e a s em elh a n ça vis u a l en t r e o b r a celet e d e Ga n a (fig.1 7 7 ) e os b a la n ga n d ã s
fixa d os em a r gola , a m b os in s ígn ia s m á gica s , en t ret a n t o, d ifer em qu a n t o à
in t en cion a lid a d e e u s o. Qu a n t o a os b a s t ões (fig.1 7 8 ), n ã o é cla r a a s u a
semelhança (além de ser um aglomerado de pendentes) nem utilização.
271
Grafia do original.
“A p a r t ir d o s écu lo XVII, a a s s ocia çã o d o lemba er a u m a d a s in s t it u ições m a is in flu en tes
n a p a r te s eten t r ion a l d o ter r it ór io Kon go. Des t in a d a or igin a lm en te a ga r a n t ir a h a rm on ia
con ju ga l, ger a va o b om fu n cion a m en t o d e d iver s a s a t ivid a d es en t re s eu s m em b r os , qu er s e
t r a t a s s e d o com ér cio, d a con va les cen ça ou d a a r b it r a gem d os con flitos . Um d os s in a is
distin t ivos d os m em b r os d o lemba er a u m b r a celete d e la t ã o nlunga, qu e receb ia m a p ós s u a
iniciação” (NEYT & VANDERHAEGHE, 2000, p.46).
272
Fig.177 - Amuletos africanos. Couro
Fig.178 – Ba s t ões com p in gen tes . 1 1 ,5 ; 1 6 e 1 5 ,5
folheado a ouro. 22,9 cm.(In: COLE,
cm . Col. Ma r ia n o Ca r n eir o d a Cu n h a , MAE -USP.
Herbert & ROSS, Doran. The Arts of
Fonte: ZANINI, 1983, v.2, p.1028
Ghana). Fonte: ZANINI, 1983, v.2, p.1028
A fer r a m en t a d e Ogu m 273(fig.1 7 9 ) é cit a d a p or Lod y (1 9 8 8 , p .9 -10) por
sua representação ser caracterizada
“p or u m m olh o (p en ca ) d e m in ia t u r a s d e fer r a m en t a s p a r a a
lu t a e p a r a o t r a b a lh o, con feccion a d a s em fer r o b a t id o, em
n ú m er o d e s ete, 1 4 ou 2 1 ob jetos r eu n id os n u m a r golã o ou
noutro tipo de peça que os sustente.
Fig.179 - Ferramenta de Ogum. Aquarela
de Carybé. Fonte: CARYBÉ, 1980, p.59
Ma is in t er es s a n t e s er ia con s id er a r com o in flu ên cia o ibá274 (fig.1 8 0 e
1 8 1 ). De u s o r it u a l, coloca d o n os a s s en t a m en t os (peji)275 ou p os t o à cin t u r a
273
“E s t ã o p r es en tes n a joa lh er ia religios a qu a n d o a r r a n ja d a s em cor r en tes d e fer r o u s a d a s
com o d is t in t ivos n os cola res d e s a cer d otes , in icia d os d e Ogu m , ou m es m o p or gu er reir os ”
(LODY, 1988, p.10)
com o a d er eço ca r a ct er ís t ico d a en t id a d e m a n ifes t a , o ibá é u m a in s ígn ia d e
orixás femininos. O de Oxum, em dourado, traz elementos a ela relacionados
com o p eixe, p en t e, t a lh er es (colh er , ga r fo, fa ca ). O ibá d e Oxu m n ã o é
pres en ça
ob r iga t ór ia
em
t od os
os
ca n d om b lés
ou
r ep r es en t a ções
da
entidade. Não há indicativos de um uso mais antigo deste elemento. Ao invés
d e s er u m a n t eced en t e, p od er ia t er s id o in flu en cia d o p ela s p en ca s . Além
d is s o, n ã o s ã o con feccion a d a s em p r a t a . S egu n d o E s cor el (2 0 0 0 , p .1 3 0 ),
Oxu m
er a
a
p r ot et or a
das
m u lh er es
qu it a n d eir a s ,
as
n egr a s
m a is
comumente retratadas usando pencas e balangandãs à cintura.
Fig.180 – Oxum, com ibá na cintura. Aquarela de
Carybé. Fonte: CARYBÉ, 1980, p.187
274
S egu n d o Lod y (2 0 0 3 , p .1 6 7 ), a cor r en te d o Ib á “é u m a cor r en te qu e reú n e m in ia t u r a s d e
a t r ib u t os d a s iá s com o Iem a n já , Oxu m e Ia n s ã ”, s en d o qu e “va r ia r ã o d e m a ter ia is – para
Iemanjá é o ferro cromado, para Oxum é o latão dourado e para Iansã é o cobre”.
275 Loca l s a gr a d o, qu e reú n e ob jet os s a gr a d os , qu a r t o in d ivid u a l d e u m s a n t o (or ixá , vod u m
ou inquice) (LODY, 2003, p.131).
Fig.181 – Ibá de Oxum. Aquarela de Carybé. Fonte: CARYBÉ, 1980, p.187
A es t r u t u r a d o ibá d e Oxu m a s s em elh a -s e à s “s egu r a n ça s ”(fig.182),
cor r en t es d e Um b a n d a , u s a d a s p elos a d ep t os , qu e t r a zem figu r a s s im b ólica s
em m in ia t u r a com o a s in s ígn ia s d a s en t id a d es , p en t a gr a m a , ch a ve, cr u z,
estrela de Davi, crescente lunar (KARASCH, 2000, p. 557).
Fig.182 – Segurança. Rio de Janeiro, dec. 1970. Col. Mary Karasch. Fotografia: Mary
Karasch, 2004
Dois ú n icos exem p la r es icon ogr á ficos d a Áfr ica colonial parecem
indicar o uso de prováveis pencas de balangandãs por negras e mulatas após
a
colon iza çã o.
Um
d eles
(fig.183), d is p on ib iliza d o p ela
Bib liot eca
da
Un iver s id a d e d a Vir gín ia , con s ta d o livr o A Des crip tion of th e Coa s ts of North
a n d S ou th Gu in e a , ed it a d o em Lon d r es , em 1732. S eu a u t or , J oh n ou J ea n
Ba r b ot , er a a gen t e d a Rea l Com p a n h ia Afr ica n a Fr a n ces a , e es t eve n a cos t a
oeste da África em 1678 e 1682.
Fig.183 – Estilos de roupa de homens e mulheres da Costa do Ouro, séc. XVII. Jean
Barbot. Fonte: Barbot, John. A Description of the coasts of North and South-Guinea.
Londres, 1732. vol. 5, plate 21, p.237276.
276
Disponível em http://hitchcock.itc.virginia.edu/SlaveTrade/collection/large/LCP-49.JPG
Nes t e
exem p la r ,
em b or a
os
elem en t os
p en d en t es
não
s eja m
id en t ificá veis , a legen d a d a figu r a “A w om a n of a good s ort” vin cu la a
p er s on a gem a u m a fu n çã o m á gica . In felizm en t e, n ã o s e en con t r a a ces s ível o
t ext o qu e a com p a n h a a im a gem , qu e p od er á con t er u m m a ior d et a lh a m en t o
do objeto. Conforme será visto a seguir, a sua estrutura assemelha-se a uma
chatelaine.
O ou t r o exem p la r (fig.1 8 4 ), t r a z u m a cla r a s im ila r id a d e com a s p en ca s
d e b a la n ga n d ã s d a Ba h ia , o u s o à cin tu r a / qu a d r is , a es t r u t u r a com n a ve
b em d efin id a e elem en t os p en d en t es r eu n id os em a lça s em i-cir cu la r . E s s a
iconografia, também disponibilizada pela Universidade da Virgínia, consta do
r ela t o d e Willia m Hu t t on , côn s u l b r it â n ico d o Rein o As h a n ti, n a Cos t a d o
Ou r o em 1 8 2 0 , d en om in a d o Nou ve a u voy a ge d a n s l'in te rieu r d e l'Afriqu e, ou ,
Rela tion d e l'a m b a s s a d e a n gla is e en voy é e en 1 8 2 0 , a u roy a u m e d 'As h a n té e.
Da m es m a for m a qu e a im a gem a n t er ior , n ã o t r a z d is p on ib iliza d a qu a lqu er
r efer ên cia t ext u a l s ob r e a figu r a . E n t r et a n t o, p od e-s e in fer ir qu e t a n t o a
n egr a com o a m u la t a , a m b a s d a Cos t a d o Ou r o, n o fin a l d o s écu lo XVII e n o
s écu lo XIX, já es t ã o em con t a t o com os eu r op eu s , o qu e é vis ível p elo t r a je,
m es m o
a
p r im eir a .
A
r efer ên cia ,
con t u d o,
n eces s it a
de
m a ior
d et a lh a d a m en t o. A p r es en ça d es t es ob jet os , p r in cip a lm en te o d a m u la t a ,
p od e s er fr u t o d e t r oca s com er cia is com o Br a s il, Ba h ia , a p r óp r ia m u lh er
p od e t er vin cu la çã o com o Br a s il e/ ou Ba h ia , s er d a qu i p r oced en te ou
d es cen d en t e d a qu eles qu e r et or n a r a m p a r a a Áfr ica . Alb er t o d a Cos t a e S ilva
(2 0 0 3 , p .1 2 0 ) d es t a ca a im p or t â n cia d os b r a s ileir os e a b r a s ileir a d os , qu e
d es d e o in ício d o s écu lo XVIII in flu ír a m n a vid a p olít ica d a Cos t a d os
E s cr a vos . Além d a vid a p olít ica , es s e gru p o, qu a s e t od os r ela cion a d os a o
t r á fico, qu er fos s em n egr os ou m es t iços or iu n d os ou vin cu la d os a o Br a s il
(a fr ica n os
ou
b r a s ileir os ),
con h ecid os
com o
agudas, m a n t in h a m
su a
id en t id a d e b r a s ileir a n a Áfr ica , d ifer en cia n d o-s e qu a n t o a o ves t ir , fa la r ,
morar, rezar.
Fig.184 – Mu la t a d a Cos t a d o Ou r o (Fem m e m u la t re d e la Cote d ’Or ). Willia m Hu t t on , 1 8 2 0 .
Fonte: Hu t ton , Willia m , Nou ve a u voy a ge d a n s l'in terieu r d e l'Afriqu e, ou , Rela tion d e
l'ambassade anglaise envoyée en 1820, au royaume d'Ashantée. Paris, 1823. p. 87277.
Qu a n t o à ver t en t e d e a s cen d ên cia eu r op éia t em -s e a châ telaine e a
cambulhada.
A châ telaine (fig.1 8 5 e 1 8 6 ) foi u m a ces s ór io fem in in o em m od a n a
E u r op a , n os s écu los XVII a XIX. Nã o er a m a ces s ór ios fes t ivos . Com o a s
277
Disponível em http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/details.php?filename=Hutton03.
r ou p a s n ã o t r a zia m b ols os , er a m m u it os im p or t a n t es p a r a a s s en h or a s
p or t a r ob jet os d e u s o com o ch a ves , a gu lh eir o, d ed a l, t es ou r in h a s e r elógios .
E r a m p eça s d e ca r á t er fu n cion a l, d ifer en t em en t e d os elem en t os p en d en t es
d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s . Ger a lm en t e, er a m p os t a s à cin tu r a p or m eio d e
a lça qu e s e fixa va a o cós d a s a ia . No m od o d e u s o r es id e a s u a s im ila r id a d e
com a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , s en d o a s ú n ica s p eça s u s a d a s n a cin t u r a
p ela s m u lh er es b r a n ca s eu r op éia s . Nã o foi id en tifica d a n en h u m a r efer ên cia
com relação ao seu uso no Brasil.
Fig.185 – Mu lh er d e Lim a , Per u , com “cadenilla” (“ch â tela in e”)
colonial de p r ata. Fonte: TAULARD, 1941, il. 107.
Fig.186 – Chatelaine em p r a t a . E u r op a , s éc.XIX. Acer vo
Museu Carlos Costa Pinto. Foto: Saulo Kainuma, 1998.
Pa r a Helois a Tor r es (1 9 5 0 , p .2 5 ), a a n a logia es t a b elece-s e com a p en ca
d e ch a ves (fig.1 8 7 ) d a s d on a s d e ca s a , qu e er a “o s ím b olo d o p od er , o cet r o
d a d on a d e ca s a e o p r es t ígio qu e d ela s e em a n a va er a d es lu m b r a n t e p a r a a
es cr a va r ia ”. As s im , “a cr iou la , n o s eu im p u ls o d e s u b ir , d e igu a la r -s e à
S in h á , t a m b ém p r ecis a va d e u m a p en ca ” (idem). E n t r et a n t o, n ã o h á
qu a lqu er figu r a çã o d e p en ca s d e ch a ves u s a d a s p or s en h ora s b r a n ca s n a s
ruas. Essa penca é um símbolo de poder privado.
É im p or t a n t e con s id er a r qu e n a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s n ã o es t ã o
p r es en t es ch a ves d e ca s a s , qu e s ã o d e d im en s ões m a ior es e m a is s im p les .
Os exem p la r es exis ten t es n ela s s ã o ch a ves d e cofr es e s a cr á r ios , e es t es
elem en t os n ã o s ã o ú n icos , em b or a s eja m d os m a is fr eqü en t es , con for m e foi
vis t o n o ca p ít u lo a n t er ior . Além d is s o, a s ch a ves d e ca s a , qu a n d o r et r a t a d a s
p or t a d a s
p ela s
n egr a s ,
s em p r e
a p a r ecem
associadas a nenhum signo mágico (fig.188).
is ola d a m en t e,
não
es ta n d o
Fig.187 – Penca de
chaves278.
Fig.188 – Vendedora com chave pendente da cintura. Aquarela
d e Deb ret , s éc. XIX. Col. Mu s eu s Ca s t r o Ma ya . Fon te: LARA,
2000a, capa
A ca m b u lh a d a é a m a is viá vel in s p ir a d or a d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s ,
m a n t en d o u m a s im ila r id a d e con ceit u a l (ca r á t er m á gico) e com p os itiva
(elem en tos em com u m ). A relação foi citada p or Cecília Meireles (1 9 ?, p .7 4 )
n o livr o Arte s Popu la res , n ot a n d o a s em elh a n ça com os elem en t os m á gicos
existentes na penca de balangandãs. Segundo ela, estes
assemelham-s e à ca m b u lh a d a t r a zid a p ela s cr ia n ça s , en fia d a
em cor d ã o d e ou r o ou r et r ós p r eto, e qu e Per eir a d a Cos t a 279
m in u cios a m en t e d es cr eve: ‘u m S ã o Br a z, p a r a livr á -la s d e
en ga s gos e m olés tia s d e ga r ga n t a ; u m S ã o S eb a s t iã o, con t r a a
p es t e; u m b u s t o d e Sã o J oã o Ba t is t a , p a r a n ã o s ofr er em d e
d or es d e ca b eça ; u m s ign o-S a lom ã o, p a r a livr á -la s d e
in flu ên cia s n efa s t a s ; u m d en t e d e cã o, p a r a evit a r cois a s m á s ;
m ed a lh a s m ila gr os a s , com fin s p ied os os ; e d en t es d e ja ca r é e
d e a r a n h a ca r a n gu ejeir a e u m ca r oço d e a zeit on a p a r a
fa cilit a r em a d en t içã o, a lém d e m u it os ou t r os ob jet os d e
vir t u d es d es con h ecid a s , com o o s ol, a lu a , m oed a s d e ou r o e
prata, etc.
Ca m b u lh a d a (fig.189) d es ign a u m “con ju n to d e ob jet os p r es os ou
u n id os ; gr a n d e qu a n t id a d e ou a gr u p a m en t o d e cois a s ou d e p es s oa s ;
ca m b a d a ” (HOUAIS S , 2 0 0 1 ). S egu n d o Va s con celos (1 9 9 6 , p .2 0 2 )280, s ob o
278
Fonte: http://www.bayfirst.com/le_es.html
O livr o n ã o t r a z r eferen cia b ib liogr á fica . E s s e Pereir a Cos t a , qu e cit a ou t r a s vezes , p a rece
s er o folclor is t a Fer n a n d o Au gu s to Pereir a d a Cos t a (1 8 5 1 -?), a u t or d e Vocabulário
pernambucano (SOUTO MAIOR).
280 O m éd ico p or t u gu ês J os é Leite d e Va s con celos (1 8 5 8 -1941) d ed icou -s e a es t u d os
filológicos e et n ológicos . Fu n d a d or e p r im eir o d iret or d o Mu s eu E t n ogr á fico Por t u gu ês , atual
Mu s eu Na cion a l d e Ar qu eologia , p r od u ziu im p or t a n te e va s ta ob r a (VAS CONCE LOS , 1 9 9 6 ,
279
n om e ca m b u lh a d a , e t a m b ém ca m b a d a ou a r r eb iqu es 281, s ã o con h ecid os
esses s ign os m á gicos em Por t u ga l, u s a d os a o p es coço, b r a ço, et c. Foi
p os s ível id en t ifica r u m exem p la r n o Mu s eu d a S ocied a d e Ma r t in s S a r m en t o,
em Gu im a r ã es - Por t u ga l, r egiã o d o Min h o (fig. 190 ).
instituição n ã o p os s u i d a d os
a lém
da
Infelizmente, essa
d es cr içã o da p eça , con for m e
in for m a çã o d o S r . An t on io Am a r o d a s Neves , d ir et or d o Mu s eu . S egu n d o ele,
o objeto é descrito como
Ca m b u lh a d a d e 9 a m u letos : s u b s t â n cia r es in os a (â m b a r ?) d e
for m a ovóid e, en ca s toa d a n os t op os em m et a l, com a for m a d e
folh a s d e t revo; d en te d e ja va li en ca s t oa d o em m et a l; p equ en a
ch a ve (d e s a cr á r io?); cr es cen t e lu n a r d e m et a l b r a n co, com
or n a m en t a çã o va za d a , t en d o n a con ca vid a d e u m a figa ; u m
p ed a cin h o d e m a d eir a (S a n t o Len h o?), en ca s t oa d o em m et a l;
cr es cen t e lu n a r , com figa , e n a p a r t e s u p er ior a s let r a s I. H. S .
(J es u s Hós t ia S a gr a d a ); r elicá r io m in ú s cu lo em ca ixa ova l, d e
m et a l e t a m p a d e vid r o; “S in o-S a im ã o” (S ign u m S a lom on is ), d e
metal branco; conta de vidro azul282.
Fig.189 - Desenhos de cambulhadas
portuguesas.
Fonte: VASCONCELOS, 1996, p.235.
Fig. 190 – Cambulhada de 9 amuletos. Acervo
Museu da Sociedade Martins Sarmento,
Guimarães – Portugal. 283
p.15-37). A obra consultada é a reunião de três dos seus mais representativos estudos sobre
etnografia portuguesa, editados originalmente entre 1918 e 1925.
281 Arrelicas ou arreliques são palavras que provém de relíquia (VASCONCELOS, 1996, p.80)
282 In for m a çã o en via d a
p elo S r . An ton io Am a r o d a s Neves , via e-m a il d a t a d o d e
18 de julho de 2004. Também disponível em: www.csarmento.uminho.pt
283 Fonte: www.csarmento.uminho.pt
Con t u d o, n ã o s e t r a t a d e ob jet o exclu s ivo d e Por t u ga l. Um d es ses
exem p la r es (fig.1 9 1 ) p od e s er vis to em Va len cia , E s p a n h a , n a p u b lica çã o
In d u m e n tá ria v a len cia n a s iglos XVIII-XIX (1 9 9 7 ) d e Ma r ia Vict or ia Licer a s
Fer r er es . E m b or a n ã o t r a ga legen d a , es t á in s er id o em t ext o s ob r e a m u let os .
S u a for m a a s s em elh a -s e a u m a châ te la in e, ou s eja , d e u m a for m a cen t r a l
p en d em cor r en t es in d ivid u a is fin a liza d a s p or ob jet os . E s t es s ã o b ú zios ,
d en t es , m ed a lh a d e s a n t os , r elicá r io e a t é u m p eixe a r t icu la d o, n en h u m
elemento funcional.
Fig.191 – Ca m b u lh a d a d e Va len cia , E s p a n h a . Fon te: LICERAS
FERRERES, 1997, p.132.
A p r es en ça d a ca m b u lh a d a es t á r egis t r a d a em p in t u r a s d e t od a a
Europa em diferentes épocas, o que atesta que era um objeto de uso corrente
t a n t o d a s ca m a d a s p op u la r es com o d a s p r ivilegia d a s (fig.1 9 2 ). No Br a s il
oitocentista t a m b ém es t a va p r es en t e, s en d o d es crit o s eu u s o p or n egr os ,
m es t iços e b r a n cos d e d ifer en t es ca m a d a s s ocia is . É o ca s o d a p er s on a gem
d o r om a n ce O Mu la to (AZE VE DO, s ,d ., p . 5 6 ), Môn ica , u m a ca fu za , a n t iga
escrava ama de leite, que
or ça va p elos cin qü en t a a n os ; er a gor d a , s a d ia e m u it o
a s s ea d a ; t et a s gr a n d es e d es ca id a s d en t r o d o ca b eçã o. Tinha
a o p es coço u m b a r b a n t e, com u m cr u cifixo d e m et a l, u m a
p r a t in h a d e 2 0 0 r éis , u m a fa va d e cu m a r u 284, u m d en t e d e cã o
e um pedaço de lacre encastoado em ouro.
Ta m b ém er a u s a d a p or r ecém -n a s cid os , com o p od e s er vis t o n o
romance Me m ória s d e u m S a rgen to d e Milícia s (ALME IDA, 1 9 8 9 , p .7 1 ),
quando descreve
A r ecém -n a s cid a , en fr a ld a d a , en cu eir a d a , en cin t eir a d a ,
en t ou ca d a e com u m m olh o d e figas e m eia s -lu a s , s ign os d e
S a lom ã o e ou t r os p r es er va t ivos d e maus-olh a d os p r es os a o
cinteiro.
Fig.192 – Retrato de Menino. Artista desconhecido. Óleo sobre tela, séc. XVIII.
Acervo: Nordiska museet, Stockholm. Fonte: WELANDER-BERGGREN, 2000, p.62
284
“s em en te d es s e fr u t o, qu e en cer r a cu m a r in a , com vá r ios u s os m ed icin a is, também em
perfumaria, como sucedânea da baunilha, para aromatizar tabaco e rapé, e para extração de
óleo” (HOUAISS, 2001).
A
ca m b u lh a d a
a s s em elh a -s e
a
um
a n t igo
s ign o
m á gico
da
An t igu id a d e: a cim a r u t a (fig.1 9 3 e 1 9 4 ). S egu n d o E lwor t h y (1 8 9 5 , p .3 4 4 )285,
s eu n om e it a lia n o s ign ifica r a m o d e a r r u d a (cim a d i ruta) (fig.195).
As
cimarutas,
r a m a lh et es d e a r r u d a 286 em p r a t a , com s ím b olos m á gicos ,
for a m con s id er a d os com o r em a n es cen tes d o cu lt o d e Dia n a .
Na It á lia d o s écu lo XIX, a in d a er a m u s a d os com o t a lis m ã p a r a
a t r a ir b oa s or t e e p ros p er id a d e. Há d ois m il a n os , ob jetos
semelhantes eram oferecidos a Diana (FRAZER, 1982, p.23).
Fig.193 – Cimaruta em
prata. Itália, séc. XIX.287
Fig.194 – Cimarutas portuguesas.
Fonte: VASCONCELOS, 1996, p.131
Fig.195 – Arruda.288
S eu u s o n a It á lia r em on t a a os et r u s cos e r om a n os , con for m e a t es t a m
a ch a d os a r qu eológicos qu e in tegr a m a coleçã o d o Mu s eu Ar qu eológico d e
Bolonha. S u a es t r u tu r a com a r gola n o a lt o d en ot a a fu n çã o d e s u s p en s ã o.
E la a glu t in a , d e for m a fixa , s old a d os em s u a con fecçã o, u m a va r ied a d e d e
s ím b olos m á gicos . Nos exem p la r es d o s écu lo XIX en con t ra m -s e cr es cen t e
lu n a r , ch a ve, p en t a gr a m a , cor a çã o, figa , es p a d a s , p á s s a r os e n a s p eça s
p or t u gu es a s
vê-s e a
in corp or a çã o d e im a gem
d e Nos s a
S en h or a
da
Con ceiçã o (fig.1 9 4 ), p a d r oeir a d e Por t u ga l, elem en t os qu e t a m b ém a p a r ecem
n a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s . A cim a r u t a a s s em elh a -s e à s p en ca s d e
balangandãs quanto à matéria-prima utilizada: a prata, dedicada na Itália ao
cu lto d a d eu s a lu n a r Dia n a . Há t a m b ém s im ila r id a d e es t r u t u r a l, a m b a s s ã o
285
Frederick Thomas Elworthy (1830 - 1907) foi um filologista inglês, autor de The Evil Eye.
As b r u xa s it a lia n a s , em s u a s b a t a lh a s r it u a is p a r a u m a colh eita a b u n d a n te, “t a m b ém
usavam galhos de arruda amarrados como um cordão na cintura” (GRIMASSI, 2003, p.191).
287 Fonte: http://www.luckymojo.com/rueandcimaruta.html.
288 Fonte: http://www.luckymojo.com/rueandcimaruta.html.
286
p eça s d e s u s p en s ã o, com elem en t os d ifer en t es con gr ega d os . E n t r et a n t o,
en qu a n t o n a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s os elem en tos p en d en t es s ã o m óveis ,
na cimaruta são fixos.
A exis t ên cia d e cim a r u t a s p or t u gu es a s d e u s o p op u la r , r egis t r a d a s
a in d a em u s o n o s éc. XIX (VAS CONCE LOS , 1 9 9 6 , p .8 0 ) in d ica m qu e er a
uma forma conhecida por alguns ourives portugueses.
3.6. Quem confeccionava e comercializava as pencas de balangandãs?
A m a ior ia d os a u t or es a t r ib u i a fa b r ica çã o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s
aos negros malês289. Para Menezes de Oliva (1957, p.41),
Pr im a n d o p ela a u s ên cia d e or n a t os b a r r ocos , a fa s t a d a a s s im a
in flu ên cia p or t u gu es a , s ó po diam t e r s ido fabric ado s pe lo s
n e gro s is lam is ado s do Dao m e i e de n aç õ e s v is in h as , o s
Malês [gr ifo n os s o], qu e con h ecia m a fu n d içã o d os m et a is , e,
que, em levas sucessivas, chegaram à Bahia.
Também Haydée Di Tommaso Bastos (1943, p.253), compreende que
Tod a a p eça d e ou r ives a r ia b a ia n a , s e n ã o p os s u i a s
ca r a ct er ís tica s eu r op éia s , d en ot a in flu ên cia d o ocu lt is m o,
surgindo na Bahia por intermédio dos negros.
É s a b id o qu e p a r a lá foi cer t o n ú m er o d e n egr os Ma lês , is t o é,
d a r eligiã o m a om et a n a , qu e p r a t ica va m o ocu lt is m o. S a b iam
eles fu n d ir os m eta is t ã o b em com o os p or t u gu es es ,
conhecendo-lh es a t écn ica d e fu n d içã o. E d a s s u a s oficin a s –
d is cr et a s e es con d id a s – s a ía m os b a la n ga n d ã s , p eça s d e
caráter profundamente negro.
É in t er es s a n t e n ot a r o exclu s ivis m o d e tr a b a lh o d os m et a is a t r ib u íd o
a os n egr os m a lês , d es con s id er a n d o-s e os d iver s os ou t r os p ovos a fr ica n os
qu e p os s u ía m es s e con h ecim en t o e a p os s ib ilid a d e d e n egr os n ã o m a lês
a p r en d er em a a t ivid a d e ju n to a s eu s s en h or es ou r ives , ou a m a n d o d eles 290.
289
Compartilh a m d es s a cer teza , d ia n te d a s u p os t a fa lt a d e in flu ên cia p or t u gu es a : Câmara
Ca s cu d o, Fr ei E lis eu Vieir a Gu ed es , Hild ega r d es Via n a , Mer ced es Ros a , Pa u lo Affonso de
Carvalho Machado, Maria Helena Farelli.
290 Ha via em Por t u ga l e n o Br a s il a p r oib içã o d o t r a b a lh o d e ou r o e p r a t a p or p es s oa s d e
“s a n gu e im p u r o”290. E r a m con s id er a d os im p u r os os m ou r os , cr is t ã os -n ovos , n egr os e
m es t iços , t od os os qu e n ã o t ives s em u m a lin h a gem b r a n ca cr is t ã . Ap es a r d is t o, s a b e-se
p elos rela tos d e via ja n tes , qu e n a s oficin a s d os m es t res ou r ives h a via m u it os es cr a vos e
lib er t os qu e exer cia m vá r ia s atividades n a s oficin a s d e ou r ives . S e n ã o h ou ves s em n egros e
Ta is a fir m a ções fa zem cr er qu e t od o n egr o m a lê er a u m ou r ives e qu e a
fu n d içã o d e m et a is er a es s en cia lm en t e m u lçu m a n a . Além d is s o, con for m e
visto no primeiro capítulo dessa dissertação, os haussás só foram exportados
p a r a a Ba h ia a p a r t ir d o fin a l d o s écu lo XVIII, d evid o à r evolu çã o s ocia l e
p olítica n a Ha u s s a lâ n d ia (FRE ITAS , 1 9 8 3 , p .8 0 ). Ou t r a qu es t ã o, é d o
ocu lt is m o u n ica m en t e n egr o, es qu ecen d o t od o o á r d u o t r a b a lh o qu e a
In qu is içã o
t iver a
ca ça n d o
b r u xa s
eu r op éia s .
O
citado
“caráter
p r ofu n d a m en t e n egr o” d os b a la n ga n d ã s s er ia com r ela çã o a o es t ilo ou a o
caráter mágico?
Ra u l Lod y (2 0 0 1 , p .1 8 ) r ela t a qu e o t r a b a lh o com m et a is n a Áfr ica t em
toda uma tradição sub-saariana, onde se destacam os Ioruba, Fanti-Achanti,
Fon, Senufo e Baulê.
E n t r et a n t o, com o vis to n o ca p ítu lo a n t er ior , a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s
n ã o a p r es en t a m ca r a ct er ís t ica s for m a is -es t ilís t ica s d e p eça s a fr ica n a s e s im
assemelham-se ao programa artístico dos estilos europeus vigentes.
A p r es en ça d e a lgu m a s m a r ca s d e con t r a s t e e d e ou r ives a tes t a a s u a
legitim id a d e e p r ová vel con fecçã o p or ou r ives b a ia n os licen cia d os . Nã o s e
tra ta
de
uma
p r od u çã o
m a r gin a l,
es con d id a .
Nem
t a m p ou co,
a
comercialização das jóias. E m 1848, James Wetherell (1972, p.42) cita que
a s joa lh a r ia s ofer ecem s em p r e u m lin d o es p et á cu lo: qu a s e
t od a s s e a ch a m in s ta la d a s n u m a m es m a r u a : a Ru a d os
Ourives291. É r ea lm en t e cu r ios o p a r a u m in glês ob s erva r
a qu ela en or m e m os t r a d e con d ecor a ções d a s m a is d iver s a s
Or d en s , cr u zes e em b lem a s d e n ob r eza , m is t u r a d os com
ob jetos d e ou r o e or n a m en t os d e cor a l d e feit io m u it o
p r im it ivo, t a is com o p u ls eir a s , cola r es , b r in cos , etc., m u it o
procurados pela população preta.
E s s a d es cr içã o indica qu e os m es m os ou r ives qu e p r od u zia m jóia s
p a r a a p op u la çã o b r a n ca con feccion a va m a s jóia s a o gos t o d a “p op u la çã o
p r et a ”, com o a s jóia s d e crioulas e a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , e o m es m o
mulatos nas oficinas de ourives, por que haveria penas para eles caso não respeitassem a lei
de 1766 proibindo o ofício de ourives no Brasil?
291 Na Ru a d os ou r ives fu n cion a va m a s oficin a s e t a m b ém a s loja s p a r a com er cia liza çã o d os
ob jetos p r od u zid os (tendas). A a glu t in a çã o d os ou r ives em ru a s er a fr u to d a p r á t ica d o
a r r u a m en t o d os ofícios , p r es en te em Por t u ga l d es d e o rein a d o D. J oã o I (1385-1 4 3 3 ), cu jo
ob jet ivo era exer cer u m m a ior con t r ole s ob re a s a t ivid a d es (BRANCANTE , 1 9 9 9 , p . 3 7 ).
Mattos (1952, p.XXVII) cita que desde 1752, o Conde de Atouguia mandou arruar os ourives
do ouro e da prata, surgindo a Rua dos Ourives em Salvador.
es t a b elecim en t o a t en d ia à s d u a s clien tela s . O r ela t o d e Th om a s E wb a n k
(1 9 7 6 , p .1 0 3 -104) r efer en t e a o Rio d e J a n eir o em 1 8 4 6 , r efor ça es s a
s it u a çã o. E m vis it a à s loja s d a Ru a d os Ou r ives , ele ob s er va a p r es en ça d e
u m a “ca ixa p er p en d icu la r , p en d u r a d a n a p or t a d e t od a loja ”. Do con t eú d o
destas descreveu que
a lém d e cr u zes , cr u cifixos , cor oa s , p a lm a s , e ou t r a s p equ en a s
jóia s s a cer d ot a is , t od a ca ixa con t ém a m u letos d e ou r o, p r a t a ,
p ed r a , m a r fim , et c. E m a lgu m a s d ela s os a m u letos con s t it u em
o principal artigo e em todas ocupam papel destacado.
Chamou-lhe a atenção a presença desses amuletos, registrados por ele
através de desenho (fig.153) e de descrições, conforme visto anteriormente.
Ta m b ém h a via n a s r u a s o com ér cio a m b u la n t e d e jóia s e a d er eços ,
con for m e r egis t r a r a m n o s éc. XIX E wb a n k (1 9 7 6 , p .7 9 )292 e Ru gen d a s
(fig.196).
292
“gên eros s ecos , jóia s , m er ca d or ia s d e lu xo s ã o exp os t os s ob r e b a lcões ou m es a s
p or t á teis , com ca ixa s d e vid r o fixa d a s p or cim a . Ta is cois a s s ã o m u it o n u m eros a s ”
(EWBANK, 1976, p.79).
Fig.196 – Mulheres negras do Rio de Janeiro. Rugendas, séc. XIX.
Col. Museus Castro Maya. Fonte: KARASH, 2000, p. 414/415.
3.7. O desuso do signo
O u s o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s n ã o é m a is r egis t r a d o a p a r t ir d a
s egu n d a m et a d e d o s éc.XX. O m ot ivo d e s eu d es u s o p od e s er a t r ib u íd o à
m u d a n ça d e va lor es r eligios os e econ ôm icos 293. A p a r t ir d o fin a l d o s éc.XVIII
a s r egr a s d o An t igo Regim e vã o s en d o p r ogr es s iva m en t e d es con s t r u íd a s e
substituídas pelos ideais burgueses. Segundo Trindade (1988, p.130),
A a b er t u r a d os p or t os , em 1 8 0 8 , e os
a celer a m a s m u d a n ça s in ter n a s e ext er n a s
n a econ om ia colon ia l. A s egu n d a d éca d a
ca r a ct er iza p ela cr es cen t e im p ort a çã o d e
europeus.
A
con s erva d or a
p r ovín cia
da
Ba h ia
va i
t ra t a d os d e 1 8 1 0
qu e s e p r oces s a m
d o s écu lo XIX s e
b en s d e con s u m o
s en d o
a os
p ou cos
“m od er n iza d a ”. A p r óp r ia Igr eja , ou t r or a gr a n d e s en h or a , va i p er d en d o s eu
p od er n o cr es cen t e p r oces s o d e la iciza çã o. Os a va n ços d a ciên cia vã o
im p on d o o con h ecim en t o cien t ífico n o com b a t e à s d oen ça s , com p et in d o e s e
im p on d o s ob r e a a çã o d os cu r a n d eir os . Um n ovo m u n d o va i s e a n u n cia n d o
n o s écu lo XIX, p r in cip a lm en t e a p a r t ir d a s egu n d a m et a d e. Ap ós t r ês
s écu los , o s is t em a es cr a vis t a foi a os p ou cos s e d es es t r u t u r a n d o, o t r á fico foi
p r oib id o, o flu xo d e a fr ica n os d eca iu e fin a lm en t e a con d içã o es cr a va foi
a b olid a
lega lm en t e
em
1888.
Já
não
h a via
m a is
r a zã o
para
uma
d ifer en cia çã o en t r e es cr a vos e lib er t os , a fr ica n os e cr iou los . S u r ge u m a n ova
codificação social, uma nova visualidade.
Há u m a r ela çã o on tológica , u m vín cu lo in d is s ociá vel en t r e s is t em a s
s im b ólicos e a es t r u t u r a s ocia l. O s ím b olo é r efer en cia d o p ela con ven çã o,
p ela va lid a d e d es t a con ven çã o. Is ola d a m en t e, u m s ím b olo é d es tit u íd o d e
293
Um a con s id er a çã o in ter es s a n te d e S ilva Ca m p os é qu a n to a o d es t in o d a s jóia s d a s
n egr a s . Ao in d a ga r “Qu e fim levou o ou r o d a s n egr a s a fr ica n a s e d a s cr iou la s b a ia n a s ?”
(2 0 0 1 , p .3 1 4 ) ele exp lica qu e “O ‘bicho’ con s u m iu b oa p a r te d ele, p ois , a fim d e s u s ten t a rem
o vício, n os p r im eir os tem p os d o jogo, p u s er a m n o p en h or qu a n t a s jóia s p os s u ía m . E qu a s e
todas lá se ficaram,nas burras dos espanhóis. Outra porção, falecendo as suas possuidoras,
foi ven d id a p elos h er d eir os a colecion a d ores , a ou r ives , a in t r u jões es tr a n geir os qu e a s
exp or t a r a m . Pequ en a qu a n t id a d e en con t r a -s e a in d a a fer r olh a d a p or es s es h er d eir os m a is
p r eca vid os ; p or a lgu m a s cr iou la s velh a s m a is b em a vis a d a s . Pa r te in s ign ifica n te d a qu ele
t od o d e ou t ror a é o qu e r a r a s m u lh er es d e s a ia tr a zem h oje em oca s iões a p r op r ia d a s : u m
batizado, uma festa de igreja, etc. “(idem, p.314).
s eu s en t id o p r im or d ia l. Pois , em b or a con s er ve s eu p od er d e d en ota r e
s ign ifica r , ele s ó p od e s er com p r een d id o, d ecod ifica d o, em u m con text o,
m ed ia n t e u m s is t em a d e leis . Des con s t r u íd os s eu s vín cu los , con exões , ele s e
t or n a es t r a n h o e t en d e a s er r es s ign ifica d o p a r a qu e con tin u e a exis t ir .
S egu n d o S a n t a ella (2 0 0 0 , p .1 3 7 ), “o s ím b olo é u m s ign o em t r a n s for m a çã o
n os in t erp r et a n t es qu e ele ger a r á n o lon go ca m in h o d o t em p o”. Nova s
con figu r a ções a t u a liza m e/ ou ger a m n ovos in t erp r et a n t es . Na primeira
m et a d e d o s éc.XX, con for m e vis t o, a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s fizer a m s u a
ú lt im a a p a r içã o, com a s s u a s ú lt im a s u s u á r ia s r em a n es cen t es d e u m ou t r o
con t ext o. A p a r t ir d e en t ã o, n ã o h a via m a is lu ga r , s en t id o p a r a o u s o d a s
pencas de balangandãs.
CONCLUSÃO
Mu it a s in d a ga ções for a m feit a s n o in ício d es t a p es qu is a . E m b u s ca d e
r es p os t a s , d e cer t eza s , for a m a n a lis a d a s a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s , a
b ib liogr a fia e icon ogr a fia d is p on ível s ob r e o t em a e o p er íod o, a lgu n s
testamentos e in ven t á r ios d e es cr a vos lib er t os n o s écu lo XIX, a n ú n cios d e
es cr a vos fu gid os p u b lica d os em jor n a is d a ép oca e os r ela t os d e via ja n t es
oit ocen t is ta s . A r ea lid a d e en con t r a d a fr u s t r ou a a m b icios a exp ecta t iva
in icia l. Um a d a s principais dificuldades encontrada foi a in a ces s ib ilid a d e a
a lgu m a s fon t es p ot en cia is exis t en t es em in s t itu ições em ou t r os es t a d os d o
Br a s il e n o ext er ior , b em como a im p os s ib ilid a d e d e con s u lta à r eleva n t e
coleçã o d e jor n a is b a ia n os oitocen t is t a s , r ot u la d os d e S CU (s em con d içã o d e
uso), do In s t it u to Geogr á fico e His t órico d a Ba h ia (IGHBA), em s u a
t ot a lid a d e, e n a m a ior p a r t e d os exem p la r es exis t en t es d a Bib lioteca Pú b lica
do Estado da Bahia.
As cer t eza s cien t ífica s s ã o leitu r a s p os s íveis , construções em b u s ca d e
exp lica ções , d e con h ecimento. No lon go ca m in h o d a in ves t iga çã o, qu e ger ou
es s a d is s er t a çã o, a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s n ã o r evela r a m t od os os s eu s
s egr ed os , d eixa r a m a p en a s a lgu n s in d ícios . Nes t e t r a b a lh o r ea lizou -s e u m
leva n t a m en t o s ob r e u m p os s ível m od o d e con s t r u çã o d e s en t id o d a s p en ca s
d e b a la n ga n d ã s , o r es ga t e d e fr a gm en t os d e s en tid o. Algu m a s cr en ça s for a m
revistas, novos dados e hipóteses foram apresentados.
Considerando-s e qu e t od o s en t id o é u m a con s t r u çã o, a p r od u çã o d e
s en t id o d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s ocor r e p ela a r t icu la çã o d os elem en t os
com p os itivos e a es t r u t u r a çã o d e s u a com p os içã o. A n a ve é u m a p a r t e
n it id a m en t e os t en t a t ór ia d e u m fa ls o a p a r a t o, qu e p r od u z u m a im p r es s ã o,
a p a r ên cia d e r iqu eza , ou m elh or , op u lên cia . Ap es a r d e s er u m a p a r t e s ólid a ,
é ch a p a d a e com gr a n d es á r ea s va za d a s . Ca u s a m a is im p r es s ã o vis u a l d o
qu e p os s u i p es o (qu e d es ign a o va lor econ ôm ico p ela qu a n t id a d e d a p r a t a
existente). Esse mesmo efeito será obtido pelos elementos pendentes, em sua
m a ior ia ocos , qu e com p en s a m s eu p a r co p es o p elo volu m e e profusa
d ecor a çã o, es t r a t égia a d ot a d a n a joa lh er ia p op u la r p or t u gu es a , con for m e já
visto.
E xcet o a n a ve, n en h u m d os elem en t os p en d en t es , em s u a m a ior ia
s ign os m á gicos , p a r ece t er s id o con feccion a d o es p ecifica m en t e p a r a a s
p en ca s d e b a la n ga n d ã s , p ois , eles s ã o en con t r a d os em u s o is ola d a m en t e e
a gr u p a d os em ou t r a s con figu ra ções com o a s ca m b u lh a d a s , a m a is p r ová vel
in s p ir a d or a d a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s . E m t écn ica e d ecor a çã o com u n ga m
mais com os exemplares d e ou r ives a r ia d o qu e com os d e joa lh er ia ,
assemelhando-s e a os ob jet os d e a r t e s a cr a cr is t ã ca t ólica e b a ixela s d a s
ca s a s s en h or ia is , con feccion a d os a r t es a n a lm en t e n os s écu los XVIII e XIX,
segundo os estilos vigentes.
As
p en ca s
de
b a la n ga n d ã s
fu n cion a r a m
com o
elem en t os
de
con s t r u çã o d e id en tid a d e d e u m gr u p o s ocia l n u m d et er m in a d o con text o,
on d e a d em a r ca çã o d e es p a ços s ocia is er a feit a e im p os t a n a codificação
visual. Nã o for a m en con t r a d a s evid ên cia s d o u s o d e p en ca s d e b a la n ga n d ã s
r ela cion a d a s
a os
cu lt os
a fr o-b r a s ileir os .
Difer en t em en t e
das
jóia s
de
crioula s , a m p la m en t e d ocu m en t a d a s , ela s n ã o s ã o vis íveis n a s fot ogr a fia s
d a s m ã es d e s a n t o com o Pu lch er ia Ma r ia d a Con ceiçã o e mais recentemente,
Mã e Men in in h a d o Ga n t ois . Mes m o en t r e a s Ir m a n d a d es Ca t ólica s n egr a s ,
n ã o p a r ece t er s id o u m em b lem a ca r a ct er ís t ico, em b or a t en h a m s id o
p or t a d a s p or a lgu m a s d e s u a s in t egr a n t es . Há u m a vin cu la çã o com a et n ia
b a n t o com r ela çã o à n om in a çã o e u s o p or in t egr a n t es d a Con fr a r ia d e S ã o
Ben ed it o (com p os t a p or cr iou los e a n gola s ). Algu n s in d ícios a p on t a r a m p a r a
a s a p a r a d eir a s ou p a r t eir a s com o gu a r d iã es e d is s em in a d or a s d e s ign os
m á gicos
com o
as
ca m b u lh a d a s .
Ma s ,
não
foi
en con tr a d a
qu a lqu er
vin cu la çã o d ocu m en ta l ou icon ogr á fica d e s eu u s o p or ela s . Aliá s , a s p en ca s
d e b a la n ga n d ã s for a m m u it o p ou co d ocu m en t a d a s em u s o. E s s e d a d o, junto
com os p ou cos exem p la r es exis t en t es s u ger e qu e er a m d e u s o r es t rit o d e
gr u p o(s ) d e m u lh er es e com o t a l a t u a va m com o u m d is t in t ivo. A s u a
con fecçã o em p r a t a , s u a p r in cip a l m a t ér ia -p r im a , r es t r in gia a s u a a qu is içã o
e lh e con fer ia t a m b ém u m d ifer en cia l s ócio-econômico. S egu n d o a a n á lis e
d os s ign os m á gicos d a coleçã o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin to, m u it os d os
elementos relacionam-se à fertilidade.
S egu n d o a s fon t es con s u lt a d a s , a s p en ca s d e b a la n ga n d ã s for a m
u s a d a s p or a lgu m a s m u lh er es n egr a s e m u la t a s , es cr a va s e lib er t a s ,
p r in cip a lm en t e b a ia n a s , em oca s iões fes t iva s n u m a con s t r u çã o simbólica de
s u a a u t o-im a gem . E s s es a d er eços , a s s im com o os t r a jes d e cr iou la , for a m
or igin á r ios a p a r t ir d e u m s u b s t r a t o cu lt u r a l eu r op eu , s egu n d o a cod ifica çã o
ideológica e social da Bahia dos séculos XVIII e XIX. O seu discurso, pautado
em s ign os m á gicos , r em et e a d ifer en t es e a n t iga s t r a d ições in cor p or a d a s em
s eu t r a jet o h is t ór ico e ch ega d a s a o Br a s il via Áfr ica e Por t u ga l. Con s t itu ía m
p er m a n ên cia s h ib r id iza d a s , r ein t er p r et a d a s , cu ja fu n çã o d eixou d e a t en d er
à s cr en ça s d e n ovos con textos (d a d a à d in â m ica s ocia l) e s eu u s o n ã o foi
m a is r egis t r a d o a p a r t ir d a s egu n d a m et a d e d o s éc. XX, con figu r a n d o u m a
perda de referencialidade simbólica.
Espera-s e qu e es s e tr a b a lh o p os s a es tim u la r ou t r os es t u d os s ob r e a
ou r ives a r ia b a ia n a e b r a s ileir a , m or m en t e s ob r e joa lh er ia , e p os s a con t r ib u ir
p a r a n ova s r eflexões s ob r e a cod ifica çã o vis u a l d o t r a je n a Ba h ia e Br a s il
colon ia l e im p er ia l. Há , cer t a m en t e, m u it os a s p ect os e qu es t ões , a qu i n ã o
contem p la d os , a s er em a in d a in ves tiga d os e a p r ofu n d a d os . Um a p es qu is a
m in u cios a
n os
r egis t r os
p olicia is
do
p er íod o
p od e
t ra zer
r eleva n t es
in for m a ções , con for m e in d ica çã o d a Pr ofa . Dr a . Ma r ia Helen a Flexor . Por
es t a d is s er t a çã o t er s id o cen tr a d a n a coleçã o Mu s eu Ca r los Cos t a Pin t o,
trata-s e d e u m a a m os t r a gem , on d e s e p r op ôs u m a cla s s ifica çã o t ip ológica
s egu n d o a d ecor a çã o d a s n a ves e fez-se o leva n t a m en t o tip ológico d os s ign os
m á gicos
p r es en t es .
Pa r a
um
m elh or
en t en d im en t o
das
p en ca s
de
b a la n ga n d ã s fa z-s e n eces s á r ia a a m p lia çã o d es t e es t u d o e a con fr on t a çã o
com ou t r os exem p la r es exis t en t es em in s t it u ições e coleções p a r t icu la r es , o
que possivelmente, levará a importantes acréscimos nesse quadro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DOCUMENTOS MANUSCRITOS
1. Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB
S eçã o J u d iciá ria
- Livr os d e r egis t r o d e t es t a m en t os (n º 1 3 , 1 8 2 5 ; n º 2 9 , 1 8 4 2 ; n º 3 0 , 1 8 4 3 ;
nº61, 1874)
JORNAIS
O Bahiano, Salvador, 11 mar.1830. Avisos, p.4.
O Bahiano, Salvador, 15 nov.1830. Avisos, p.4.
Diário da Bahia, Salvador, 24 abril 1833. Avisos, p.4.
Diário da Bahia, Salvador, 30 abril 1833. Avisos, p.4.
Diário da Bahia, Salvador, 09 maio 1833. p.3.
Diário da Bahia, Salvador, 10 maio 1833. Avisos, p.4.
Diário da Bahia, Salvador, 11 maio 1833. Avisos, p.3.
Diário da Bahia, Salvador, 20 ago.1836. Escravos Fugidos, p.4.
Diário da Bahia, Salvador, 26 ago.1836. Escravos Fugidos, p.4.
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Aces s o
em :
20
dez.2004
APÊNDICE A –
Gráficos sobre as pencas de balangandãs da coleção
Museu Carlos Costa Pinto
Visualização gráfica de dados apresentados no capítulo 2 – A coleção Museu
Carlos Costa Pinto.
Gráfico 1 – As pencas de balangandãs quanto à corrente
Gráfico 2 - As pencas de balangandãs quanto à nave ou galera
Gráfico 3 - As pencas de balangandãs quanto à decoração da nave
Gráfico 4 - As pencas de balangandãs quanto aos materiais dos elementos
pendentes (quantitativo_
Gráfico 5 - As pencas de balangandãs quanto à natureza do material dos
elementos pendentes
Gráfico 6 - Freqüência e Tipologia dos elementos pendentes
Gráfico 1
Quanto à corrente
11%
89%
Presença
Ausência
Gráfico 2
Quanto à galera
4%
96%
Simples
dupla
Gráfico 3
Decoração da nave
4%
4%
7%
7%
41%
4%
33%
Pássaros com asas fechadas
Pássaros com asas abertas
Pássaros com asas abertas (3)
Sem elementos
Antropomorfo com lira
Fitomorfo
Anjos (5)
Gráfico 4
Elementos pendentes quanto ao material (quantitativo)
700
634
600
500
400
300
200
100
2
2
4
3
10
8
5
27
39
47
Fr
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C
or
al
C
M
ar
fim
0
Gráfico 5
Elementos pendentes quanto à natureza do material
15%
85%
Material inorgânico
Material orgânico
Gráfico 6 – Freqüência e Tipologia dos elementos pendentes
APÊNDICE B –
Fichamento das pencas de balangandãs da coleção
Museu Carlos Costa Pinto
Fich a m en to d a s 2 7 p en ca s d e b a la n ga n d ã s em p r a t a d a coleçã o
Museu Carlos Costa Pinto. Foram incluídos os dados básicos de identificação
de cada exemplar, relevantes para esta dissertação:
- número de inventário (numeração que recebem na instituição)
- denominação
- origem
- datação
- dimensões
- peso
- marcas (quando existentes)
- 2 fotografias: o conjunto e o conjunto decomposto
- relação dos elementos pendentes
Nº inv. 2247.XII.055
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 22 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 7,5 x 12,5 cm; comp. Corrente: 120 cm; Peso: 541,7g
Marcas: De con t r a s te d a Ba h ia Im p er ia l (B cor oa d o com cor oa im p er ia l em
perímetro ova l). A m a r ca loca liza -s e n o a n ver s o d a n a ve, n a a lça m óvel, e n a
borboleta.
Elementos pendentes:
1.
Figa em madeira encastoada de
11. Moeda brasileira 960rs, 1813
prata
12. Moeda brasileira de 960rs, 1820
2.
Figa em prata
13. Cilindro de chifre encastoado
3.
Peixe em prata
14. Cilindro azul facetado encastoado
4.
Carneiro em prata
15. Cilindro em prata
5.
Dente em prata
16. Machado em prata
6.
Dente encastoado em prata
17. Garrafa em prata
7.
Dente encastoado em prata
18. Espada recurvada em prata
8.
Coco para água em prata
19. Galo em prata
9.
Pandeiro em prata
20. Tau com prata
10. Pandeiro em prata com moedas
do Império
21. Braço em prata
22. Seio em prata
Nº inv. 2248.XII.056
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 22 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 2
Dimensões: 7,3 x 8,5 cm; comp. Corrente: 168 cm; Peso: 496,5g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Dente encastoado de prata
12. Sol em prata
2. Dente encastoado de prata
13. Violão em prata
3. Cacho de uvas em prata
14. Fruto bojudo em prata
4. Cacho de uvas em prata
15. Mão em marfim encastoada
5. Romã em prata
16. Coco de água encastoado de prata
6. Cilindro em madeira encastoado de
17. Relicário em forma de coração em
prata
7. Cilindro em madeira encastoado de
prata
prata
18. Chave em prata
19. Figa de madeira encastoada
8. Cilindro facetado em prata
20. Figa em prata
9. Peixe em prata
21. Moeda brasileira 960rs, 1803
10. Pomba em prata
22. Moeda brasileira 960rs, 1816
11. Pandeiro em prata
Nº inv. 2249.XII.057
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 39 elementos, sem
corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 13 x 17,5 cm;
Peso: 763,5 g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
10. Dente encastoado de prata
19. Figa em marfim encastoada
11. Coco de água encastoado de prata
20 a 28 – Dente de queixada
12. Cilindro em madeira encastoado
encastoados de prata
13. Cilindro azul encastoado de prata
14. Cilindro de ágata encastoado de
prata
29. Moeda brasileira 960rs, 1821
30. Mão em madeira escura encastoada
15. Conta verde escuro encastoada
31. Figa em madeira clara encastoada
16. Fruto encastoado de prata
32. Figa de madeira escura, polegar em
17. Mulher com crianças e cachorro
em prata, com as iniciais F. B.
9 a 14. Chave em prata
15. Casa em prata
16. Jarro com alça em guirlanda em
prata
cruz, encastoada
33 e 34. Esporão de galo encastoado
35. Figa isola ou mano cornuta em
marfim
36 a 39. Fruto (babaçu) encastoado de
prata
17 e 18. Dente encastoados de prata
Obs: A cabaça não faz parte do conjunto original.
Nº inv. 2250 .XII.058
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 13 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 2
Dimensões: 6,6 x 8,6 cm; comp. Corrente: 81 cm; Peso: 334,3g
Marcas: Sem marca
Elementos pendentes:
1.
Figa em madeira encastoada
8.
Relicário redondo em prata
2.
Figa em madeira encastoada
9.
Peixe em prata
3.
Figa em madeira encastoada
10.
Chave em prata
4.
Cilindro em madeira encastoado
11. Moeda brasileira 500rs, 1858
5.
Sinete em ágata encastoado
6.
Cilindro em coral encastoado de
12. Cruz em prata
prata
13. Cilindro relicário em prata
7.
Relicário oval em prata
encastoada
Nº inv. 2251 .XII.059
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 35 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XVIII.
Nave tipo: 2
Dimensões: 7,5 x 8,3 cm; comp. Corrente: 89 cm; Peso: 402,9g
Marcas: De con t r a s t e d a Ba h ia Colôn ia (B cor oa d o com cor oa r ea l em
p er ím et r o r et a n gu la r ). A m a r ca loca liza -s e n o ver s o d a n a ve, n a p a r t e
posterior da palmeta que encima o frontão, em incavo.
Elementos pendentes:
1 a 3. Romã em prata
3.
Cilindro em prata
23. Moeda brasileira 500rs, 1860,
encastoada
5 e 6. Cilindro em madeira encastoado
24. Moeda brasileira 500rs, 1861
7. Cilindro em coral encastoado
25. Moeda boliviana, 1892
8. Semente encastoada de prata
26. Burro em prata
9 e 10. Coco de água em prata
27. Cachorro em prata
11 e 12. Coco de água em madeira
28. Conta branca encastoada de
encastoado
ouro
13 a 15. Argola com 3 chaves em prata
29. Esfera em prata, com perolados
16. Chave em prata
30. Esfera com prata
17. Chifre de besouro encastoado de
31. Crescente lunar circunscrito em
prata
prata
18 a 20. Figa em prata
32 e 33. Peixe em prata
21 e 22. Dente encastoado
34 e 35. Cacho de uvas em prata
Nº inv. 2252 .XII.060
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 55 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XVIII.
Nave tipo: 2
Dimensões: 7,5 x 8,0cm; comp. Corrente: 104 cm; Peso: 328,5g
Marcas: De con t r a s te d a Ba h ia Colôn ia (B cor oa d o com cor oa r ea l em p er ímetro
r et a n gu la r ). A m a r ca loca liza -s e n o a n ver s o d a n a ve, n a p a r t e ju n t o à ju n çã o e n a
alça móvel (ao centro).
Elementos pendentes:
1e 3. Coco de água em prata
27. Moeda brasileira 500rs, 1860
4. Coco de água em madeira encastoado
28 a 30. Moeda brasileira 200rs,
5 a 11. Argola com 7 peças em prata: 2
(1856, 1862, 1854)
Moedas brasileiras 200rs (1866 e 1855); 2
31. Pandeiro em prata
burros em prata; 1 pássaro; 2 cilindros
32 a 34. Argola com 3 peças: 2 cuias
encastoados (verde e colorido)
e 1 moringa em prata
12 e 13. Mão em prata
35. Pomba alada em prata
14. Bola rosa encastoada
36. Cabaça em prata
15. Colher em prata
37. Romã em prata
16 e 17. Figa em prata
38 a 42. Argola com 5 peças: perna,
18. Espora de galo encastoada
braço, antebraço, cabeça e dente
19 e 20. Cabeça em prata
43 a 46. Argola com 4 peças em prata: 2
21. Peixe em prata
ancoras, pomba alada, revólver
22. Cacho de uvas em prata
47 a 55. Argola com 9 peças: flor,
23. Sol circunscrito em prata
lanterna, cabaça, papagaio, pomba alada,
24. Chave em prata
cavalo, 3 moedas brasileiras de 200rs
25. Perna em prata
(1866, 1866 e 1855)
26. Machado em prata
Nº inv. 2253.XII.061
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 41 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 7,5 x 8,0cm; comp. Corrente: 117 cm; Peso: 327,9g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1.
e 2. Peixe em prata
22. Caldeira em prata
3. Perna em prata
23. Chave em prata
4 e 5. Cabeça em prata
24 e 25. Figa em prata
6. Bola azul encastoada de prata
26 e 27. Perna em prata
7. Bola em prata
28 e 29. Mãos espalmadas em prata
8. Crescente lunar circunscrito em prata
30 a 35. Argola com 6 peças em prata:
9. Cilindro azul encastoado de prata
2 olhos de Santa Luzia, cabeça, 2 taus
10 a 13. Coco de água em prata
e 1 perna
14 e 15. Cabeça em prata
36. Bola cinzelado em prata
16. Cavalo em prata
37. Flor com oito pétalas em prata
17. Moeda brasileira 500rs, 1851
38. Búzio encastoado em prata
18. Moeda brasileira 500rs, 1860
39. Placa em prata
19. Moeda brasileira 500rs, 1853
40. Cilindro em prata
20. Moeda brasileira 200rs, 1862
41. Cilindro em madeira encastoado
21. Corpo humano em prata
Nº inv. 2254.XII.062
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 24 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XVIII.
Nave tipo: 1
Dimensões: 8,5 x 12,0cm; comp. Corrente: 108 cm; Peso: 797g
Marcas: De con t r a s t e d a Ba h ia Colôn ia (B cor oa d o com cor oa r ea l em
p er ím et r o r et a n gu la r ). A m a r ca loca liza -s e n o ver s o d a n a ve, n a p a r t e
p os t er ior d a p a lm et a qu e en cim a o fr on t ã o, em in ca vo. Nã o es t á m u it o
legível. Traz a mesma marca legível no fecho da corrente.
Elementos pendentes:
1. Tambor em prata
13. Perna em prata
2. Cacho de uvas em prata
14. Carneiro em prata
3. Romã em prata
15. Cachorro em prata
4. Abacaxi em prata
16. Chaveem prata
5. Moeda brasileira 960rs, 1816
17. Figa em prata
6. Moeda brasileira 960rs, 1813
18. Cruz em prata
7. Moeda brasileira 1.000rs, 1855
19. Olho em prata
8. Moeda brasileira 500rs, 1860
20. Peixe em prata
9. Coco de água em prata
21. Tartaruga em prata
10. Crescente lunar circunscrito em
22. Espada em prata
prata
23. Pentagrama em prata
11. Caju em prata
24. Figa em madeira encastoada (em
12. Galo em prata
reparo)
Nº inv. 2255 .XII.063
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 27 elementos, sem
corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 2
Dimensões: 10,5 x 8,2cm;
Peso: 797g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Carneiro em prata
15. Perna em marfim
2. Pomba em repouso em prata
16. Tambor em prata
3. Carneiro em prata
17. Romã em prata
4. Galo em prata
18. Punhal em prata
5. Coco de água em prata
19. Cacho de uvas em prata
6. Moeda brasileira 500rs, 1867
20. Dente encastoado de prata
7. Moeda brasileira 200rs, 1862
21. Borla em prata
8. Moeda brasileira 2.000rs, 1855
22. Borla em prata
9. Moeda brasileira 1.000rs, 1876
23. Crucifixo em prata
10. Moeda brasileira 5000rs, 1867
24. Imagem de Nossa Senhora em
11. Moeda brasileira 1.000rs, 1862
prata
12. Moeda brasileira 2.000rs, 1888
25. Chave em prata
13. Moeda brasileira 960rs, 1818
26. Figa em prata
14. Moeda brasileira 1.000rs, 1862
27. Figa em osso encastoada
Nº inv. 2256 .XII.064
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 24 elementos e corrente
dourada
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 6,7 x 12,0cm; comp. Corrente: 116 cm; Peso: 776,2g
Marcas: Sem marcas.
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
14. Carneiro em prata
2. Abacaxi em prata
15. Perna em prata
3. Chave em prata
16. Cruz em prata
4. Figa em prata
17. Cilindro em prata
5. Cavalo em prata
18. Peixe em prata
6. Tambor em prata
19. Romã em prata
7. Figa em madeira encastoada
20. Crescente lunar circunscrito em
8. Dente encastoado de prata
prata
9. Pentagrama em prata
21. Moeda brasileira de 100rs, 1861
10. Machado em prata
22. Moeda brasileira de 500rs, 1888
11. Caju em prata
23. Cachorro em prata
12. Galo em prata
24. Coco de água em prata
13. Tartaruga em prata
Nº inv. 2257 .XII.065
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 24 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 9,2 x 12,0cm; comp. Corrente: 116 cm; Peso: 701,8g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
2. Braço em prata
14. Crescente lunar circunscrito em
prata
3. Relicário oval em prata
15. Chave em prata
4. Moringa em prata
16. Pentagrama em prata
5. Figa em prata
17. Tambor em prata
6. Romã em prata
18. Faca em prata
7. Coco de água em prata
19. Machado em prata
8. Romã em prata
20. Pomba em repouso em prata
9. Moeda brasileira 1.000rs, 1862
21. Peixe em prata
10. Moeda brasileira 2.000rs, 1889
22. Coco de água em prata
11. Figa em prata
23. Dente encastoado de prata
12. Cachimbo em prata
24. Semente encastoada de prata
13. Romã em prata
Nº inv. 2258 .XII.066
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 44 elementos, sem
corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XVIII.
Nave tipo: 2
Dimensões: 7,0 x 8,0 cm
Peso: 390,1g
Marcas: De con t r a s t e d a Ba h ia Colôn ia (B cor oa d o com cor oa r ea l em
perímetro retangular). Marcas no anverso da nave (junção e alça).
Elementos pendentes:
1. Coco de água em prata
21 a 23. Argola com 3 peças: coco de água,
2. Peixe em prata
cilindro em madeira encastoado, conta
3. Espada em prata
encastoada
4. Cabaça em prata
24 a 26. Argola com 3 peças: relicário, conta
5. Esfera em prata
azul, cilindro marrom encastoado
6. Faca em prata
27. Moeda brasileira de 200rs, 1855
7. Perna em prata
28. Moeda brasileira de 500rs, 1868
8. Corpo humano em prata
29. Romã em prata
9. Peixe em prata
30 e 31. Mão em prata
10. Coração em prata
32 e 33. Argola com 2 peças: coco de água e
11. Pentagrama em prata
pássaro em prata
12. Ovo relicário em prata
34. Galo em prata
13. Olhos de Santa Luzia em prata
35 a 37. Coco de água em prata
14. Cilindro em prata
38 e 39. Cabeça em prata
15. Porrão em prata
40. Figa em prata
16 e 17. Chave em prata
41. Pandeiro em prata
18. Pé em prata
42. Figura de mulher em prata
19. Dente em prata
43. Figa em osso
20. Cilindro em madeira encastoado
44. Moeda com data e valor ilegível
Nº inv. 2259 .XII.067
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 23 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 2
Dimensões: 7,5 x 8,3 cm; comp. Corrente: 48 cm; Peso: 629,4g
Marcas: De con t r a s te d a Ba h ia Im p er ia l (B cor oa d o com cor oa im p er ia l em
perímetro oval). A marca localiza-se no anverso da nave, na alça móvel.
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
12. Moeda belga de 5F, 1868
2. Romã em prata
13. Cilindro em madeira encastoado
3. Dente encastoado
14. Cilindro em madeira encastoado
4. Dente encastoado
15. Cilindro em prata
5. Carneiro em prata
16. Cachimbo em prata
6. Pomba alada em prata
17. Figa em prata
7. Jarro em prata
18. Coco de água encastoado de prata
8. Jarro com alça de guirlanda em
19. Coco de água em prata
prata
20. Chave com prata
9. Figa em madeira encastoada
21. Bola marrom em prata
10. Peixe em prata
22. Relicário em prata
11. Moeda brasileira 500rs, 1868
23. Faca em prata
Nº inv. 22 60.XII.068
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 28 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 2
Dimensões: 7,2 x 8,7cm; comp. Corrente: 76 cm; Peso: 600,1g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1.
Dente encastoado de prata
15. Cilindro verde encastoado de prata
2. Dente encastoado de prata
16. Cilindro em madeira encastoado
3. Dente encastoado de prata
17. Caju em prata
4. Moeda brasileira 1.000rs, 1863
18. Carneiro em prata
5. Moeda brasileira 200rs, 1857
19. Moeda brasileira 1.000rs, 1876
6. Chave em prata
20. Moeda brasileira 2.000rs, 1857
7. Chave em prata
21. Figa em prata
8. Cilindro em madeira encastoado
22. Cacho de uvas em prata
de prata
23. Apito em prata
9. Jarro em prata
24. Cachimbo em prata
10. Relicário losangular em prata
25. Coco de água em prata
11. Romã em prata
26. Coco de água encastoado
12. Romã em prata
27. Semente encastoada
13. Cachorro em prata
28. Casa em prata
14. Nossa Senhora da Conceição em
prata dourada
Nº inv. 2261.XII.069
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 26 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 4
Dimensões: 8,5 x 8,6 cm; comp. Corrente: 95 cm; Peso: 562g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Romã em prata
15. Peixe em prata
2. Figa em prata
16. Cilindro em madeira encastoado
3. Figa em prata
de prata
4. Chave em prata
17. Pomba alada em prata
5. Cachorro em prata
18. Espada em prata
6. Unha de tatu encastoada de prata
19. Moeda brasileira de 500rs, 1867
7. Relicário oval em prata
20. Moeda brasileira de 2.000rs, 1855
8. Chave em prata
21. Jarro facetado em prata
9. Chave em prata
22. Coco de água em prata
10. Moeda brasileira de 200rs, 1857
23. Cacho de uvas em prata
11. Moeda espanhola, 1821
24. Tartaruga em prata
12. Moeda espanhola, 1817
25. Cilindro em prata
13. Dente encastoado de prata
26. Cilindro em madeira encastoado
14. . Dente encastoado de prata
de prata
Nº inv. 2262.XII.070
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 22 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 7,3 x 12,1cm; comp. Corrente: 114 cm
Peso: 660,3g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
12. Cabaça em prata
2. Coco de água em prata
13. Galo em prata
3. Gomil em prata
14. Cilindro em madeira encastoado
4. Cilindro em prata
15. Fruto oblongo em prata
5. Romã em prata
16. Moeda brasileira de 500rs, 18?
6. Chave em prata
17. Moeda brasileira 2.000rs, 1855
7. Figa em madeira encastoada de
18. Peixe em prata
prata
19. Peixe em prata
8. Figa em prata
20. Fruto em prata
9. Jarro com tampa e alça em prata
21. Garrafa em prata
10. Pandeiro em prata
22. Coco de água em prata
11. Moeda brasileira de 1.000rs, 1860
Nº inv. 2263.XII.071
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 27 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 2
Dimensões: 10,0 x 8,0cm; comp. Corrente: 115 cm;
Peso: 587,7g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
14. Chave em prata
2. Cacho de uvas em prata
15. Fruta arredondada em prata
3. Relicário oval em prata
16. Cilindro em prata
4. Cajú em prata
17. Cilindro em madeira encastoado
5. Moeda brasileira 500rs, 1868
18. Peixe em prata
6. Moeda brasileira 500rs, 1860
19. Gomil em prata
7. Moeda espanhola, 1817
20. Figa em madeira encastoada
8. Moeda boliviana, 1850
21. Figa em prata
9. Concha em prata
22. Dente encastoado de prata
10. Romã em prata
23. Dente encastoado de prata
11. Pomba alada em prata
24. Bico de ave encastoado de prata
12. Porco em prata
25. Coco de água em prata
13. Chave em prata
26. Coco de água em prata
Nº inv. 2264.XII.072
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 25 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 8,0 x 12,2cm; comp. Corrente: 121 cm;
Peso: 619,1g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cilindro em madeira encastoado de
prata
12. Garrafa em prata
13. Cachorro em prata
2. Cilindro em prata
14. Peixe em prata
3. Cilindro azul facetado, encastoado de
15. Peixe em prata
prata
16. Peixe em prata
4. Búzio encastoado de prata
17. Moringa em prata
5. Chave em prata
18. Romã em prata
6. Chave em prata
19. Romã em prata
7. Machado em prata
20. Romã em prata
8. Pinça de crustáceo encastoado de
21. Côco de água em prata
prata
9. Sinete com figura masculina em
prata e base de ágata
10. Moringa com alça em prata
11. Copo em prata
22. Coco de água em prata
23. Cacho de uvas em prata
24. Cacho de uvas em prata
25. Moeda brasileira 1.000rs, 1862
Nº inv. 2265.XII.073
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 27 elementos, corrente
e chave
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 7
Dimensões: 14,3 x 18,6cm; comp. Corrente: 132 cm;
Peso: 1.636,6g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Dente encastoado de prata
15. Chave em prata
2. Cilindro em prata
16. Cilindro em prata
3. Tartaruga em prata
17. Cacho de uvas em prata
4. Perna calçada com bota em prata
18. Romã em prata
5. Pandeiro em prata
19. Crescente lunar em prata
6. Romã em prata
20. Peixe em prata
7. Busto de índia em prata
21. Mão em prata
8. Porco em prata
22. Elemento em forma de rosácea em
9. Figa em madeira encastoada de
prata
prata, com anel e pulseira
23. Cabaça em prata
10. Carneiro deitado em prata
24. Tambor em prata
11. Figa em prata
25. Caju em prata
12. Figa em marfim encastoada de prata
26. Pomba alada em prata dourada
13. Pentagrama em prata
27. Coco de água em prata
14. Galo em prata
Nº inv. 2266.XII.074
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 32 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 6
Dimensões: 9,0 x 13,5 cm; comp. Corrente: 123 cm;
Peso: 1.234,7g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Romã em prata
17. Tartaruga em prata
2. Romã em prata
18. Carneiro em prata
3. Peixe em prata
19. Cilindro em prata
4. Romã em prata
20. Dente encastoado de prata
5. Caju em prata
21. Carneiro deitado em prata
6. Caju em prata
22. Braço em prata
7. Pentagrama em prata
23. Cachorro em prata
8. Cacho de uvas em prata
24. Pandeiro em prata
9. Cacho de uvas em prata
25. Jarra em prata com alça e tampa
10. Figa em prata
26. Chave com figa em prata
11. Coco de água em prata
27. Garrafa facetada em prata
12. Chave em prata
28. Jarra em prata com alça e rampa
13. Pentagrama em prata
29. Colher em prata
14. Coco de água em prata
30. Palmatória em prata
15. Faca em prata
31. Tambor em prata
16. Chave em prata
32. Conta branca encastoada de prata
Nº inv. 2267.XII.075
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 30 elementos, corrente
e figa
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 5
Dimensões: 9,8 x 15,5 cm; comp. Corrente: 108 cm;
Peso: 1.329,1g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
18. Pé de boi em prata
2. Pandeiro em prata
19. Figa em madeira encastoada de
3. Dente encastoado de prata
prata
4. Figa em prata
20. Peixe em prata
5. Chave em prata
21. Elemento em forma de rosácea em
6. Romã em prata
prata
7. Corpo humano em prata
22. Tambor em prata
8. Coco de água em prata
23. Perna em prata
9. Machado em prata
24. Caju em prata
10. Cilindro em prata
25. Cilindro em madeira encastoado
11. Romã em prata
de prata
12. Pomba em repouso em prata
26. Porrão em prata
13. Pentagrama em prata
27. Cabeça em prata
14. Figa em coral encastoada de prata
28. Cilindro em prata
15. Cachorro em prata
29. Cilindro em prata
16. Sol circunscrito em prata
30. Perna em prata
17. Carneiro deitado em prata
Nº inv. 2268.XII.0 76
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 28 elementos, corrente
e figa
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 5
Dimensões: 9,5 x 15,5cm; comp. Corrente: 126 cm;
Peso: 1.193,5g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
15. Chave em prata
2. Machado em prata
16. Chave em prata
3. Relicário redondo em prata
17. Tartaruga em prata
4. Dente encastoado de prata
18. Figa em prata
5. Dente encastoado de prata
19. Cilindro em madeira encastoado
6. Relicário em forma de ovo em prata
20. Cilindro em prata
7. Coco de água em prata
21. Caneca em prata
8. Espora de galo encastoada de prata
22. Fruto em prata
9. Moeda brasileira 960rs, 1819
23. Caju em prata
10. Moeda brasileira 320rs, 1818
24. Cachorro em prata
11. Elemento em forma de rosácea em
25. Haste em madeira encastoada
prata
26. Encastoamento em prata
12. Pentagrama em prata
27. Cacho de uvas em prata
13. Moeda brasileira de 960rs, 1815
28. Peixe em prata
14. Pomba em repouso em prata
Nº inv. 2269.XII.077
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 21 elementos, corrente
e figa
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 7,6 x 12,5 cm; comp. Corrente: 140 cm; Peso: 752,5g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Romã em prata
12. Cruz em prata
2. Cilindro em madeira encastoado de
13. Moeda brasileira 960rs, 1814
prata
14. Chave em prata
3. Dente encastoado de prata
15. Crescente lunar em prata
4. Cilindro em prata
16. Pomba alada em prata
5. Pandeiro em prata
17. Seio em prata
6. Figa em prata
18. Cilindro azul facetado, encastoado
7. Pé de cabra em prata
de prata
8. Cilindro repuxado em prata
19. Mão espalmada em prata
9. Coco de água em prata
20. Cacho de uvas em prata
10. Galo em prata
21. Cachorro em prata
11. Perna em prata
Nº inv. 2270.XII.078
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 26 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 8,5 x 12,0cm; comp. Corrente: 124 cm;
Peso: 861,2g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
15. Pandeiro em prata
2. Romã em prata
16. Figa em madeira encastoada de
3. Romã em prata
prata
4. Romã em prata
17. Pomba alada em prata
5. Coco de água em prata
18. Chave em prata
6. Cilindro em prata
19. Fruto em prata
7. Pomba em repouso em prata
20. Chave finalizada por figa, em prata
8. Dente encastoado de prata
21. Moringa com alça em prata
9. Peixe em prata
22. Moeda brasileira de 960rs, 1814
10. Coco de água em prata
23. Moeda brasileira de 1.000rs, 1877
11. Figa em prata
24. Moeda brasileira de 2.000rs, 1889
12. Cilindro em prata
25. Cilindro em madeira encastoado
13 e 14. Argola com 2 peças: Mãos em
de prata
prata
26. Galo em prata
Nº inv. 2271.XII.079
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 31 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 9,2 x 16,3 cm; comp. Corrente: 125 cm;
Peso: 1.044,5g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Pandeiro em prata
17. Âncora em prata
2. Romã em prata
18. Cilindro azul facetado, encastoado
3. Galo em prata
de prata
4. Cilindro em prata
19. Chave em prata
5. Relicário em forma de ovo em prata
20. Chave com prata
6. Rosácea de 5 pétalas circunscrita,
21. Côco de água em prata
em prata
22. Machado em prata
7. Sino em prata
23. Búzio encastoado de prata
8. Dedo em prata
24. Dente encastoado de prata
9. Fruto oblongo em prata
25. Pêra em prata
10. Corpo humano em prata
26. Moeda brasileira de 960rs, 1816
11. Cachorro em prata
27. Moeda brasileira de 2.000rs, 1865
12. Peixe em prata
28. Dente em prata
13. Perna em prata
29. Crescente lunar em prata
14. Olhos de Santa Luzia em prata
30. Cacho de uvas em prata
15. Cesta de flores em prata
31. Figa em prata
16. Boi em prata
Nº inv. 2272.XII.080
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 35 elementos e corrente
dourada
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 1
Dimensões: 8,2 x 12,0cm; comp. Corrente: 113 cm;
Peso: 827,6g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Pandeiro em prata
19. Espora de galo encastoada
2. Porrão em prata
20. Mão espalmada, articulada, em prata
3. Jarra em prata
21. Moeda brasileira de 1.000rs, 1860
4. Peixe em prata
22. Moeda brasileira de 960rs, 1811
5. Cilindro azul facetado encastoado
23. Moeda brasileira de 2.000rs, 1875
6. Cilindro em prata
24. Moeda brasileira de 2.000rs, 1889
7. Cacho de uvas em prata
25. Relicário redondo em prata
8. Cilindro em prata
26. Chave em prata
9. Cilindro em prata
27. Pingente de cornalina encastoado
10. Romã em prata
28. Perna de cornalina encastoada
11. Cruz em prata
29. Cabeça em prata
12. Peixe em prata
30. Coco de água em prata
13. Parte de chocalho em prata
31. Romã em prata
14. Mão em madeira encastoada
32. Moeda brasileira de 640rs, 1820
15. Figura de mulher em prata
33. Moeda brasileira de 1.000rs, 1876
16. Chave finalizada por figa, em prata
34. Moeda brasileira de 500rs, 1860
17. Espada em prata
35. Moeda brasileira de 200rs, 1857
18. Garrafa em prata
Nº inv. 2273.XII.081
Denominação: Penca de balangandãs em prata com 24 elementos e corrente
Origem/Século: Bahia, séc.XIX.
Nave tipo: 3
Dimensões: 12,5 x 16,0cm; comp. Corrente: 102 cm;
Peso: 751,3g
Marcas: Sem marcas
Elementos pendentes:
1. Cacho de uvas em prata
13. Forma convexa (barriga?) em prata
2. Romã em prata
14. Cilindro em prata dourada
3. Dente encastoado de prata
15. Coco de água em prata
4. Coração em prata
16. Perna em prata
5. Jarro com alça, em prata
17. Moeda brasileira 2.000rs, 1851
6. Cachorro em prata
18. Cilindro em ágata encastoado de
7. Perna em prata
prata
8. Romã em prata
19. Figa em madeira, encastoada
9. Moeda brasileira 2.000rs, 1863
20. Papagaio pousado em galho, em
10. Pinça de crustáceo encastoado de
prata
prata
11. Figa em prata
12. Garrafa de prata
21. Chave em prata
22. Fruto encastoado de prata
23. Pandeiro em prata
24. Cruz em prata
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referencialidade e representação - RI UFBA