Entrevista à Enf.ª Annette Kennedy, Presidente da European Federation of Nurses Associations (EFN) «Os enfermeiros têm muito a dizer sobre a prestação de cuidados e a organização dos serviços de saúde» Os países ocidentais têm de parar o extenso recrutamento de enfermeiros oriundos de países em desenvolvimento, investindo antes na formação e criação de melhores condições de trabalho, de modo a cativar mais jovens para a profissão. Esta é a posição defendida por Annette Kennedy, que esteve em Portugal para participar no II Congresso da Ordem dos Enfermeiros. A responsável máxima da EFN defende ainda que cada profissão deve ter a sua Ordem e que os enfermeiros ainda têm muito lobing para fazer junto da Comissão Europeia Revista da Ordem dos Enfermeiros - Na comunicação que proferiu no âmbito do II Congresso da Ordem dos Enfermeiros salientou a falta de enfermeiros que se faz sentir um pouco por todo o mundo. De que forma é que os governos e as autoridades dos diversos países podem encontrar soluções para este problema a curto prazo? Enf.ª Annette Kennedy - Não sei se será possível encontrar soluções a curto prazo porque a escassez global de enfermeiros continua a aumentar, em particular em países como os Estados Unidos da América, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. As estimativas referem que nos próximos três a quatro anos serão necessários mil enfermeiros só nos Estados Unidos. No Canadá esse número situa-se nos 100 a 200 mil profissionais. O problema é que todos os países estão a recrutar enfermeiros da mesma “fonte”: das Filipinas, Índia e África. Isto acontece porque existe a ideia (errada) de que estes países têm profissionais em excesso. O único país que estava nestas condições era as Filipinas porque até há pouco tempo era habitual formar enfermeiros para “exportação”. Mas como neste momento a procura é muito superior, também as Filipinas começam a conhecer uma realidade diferente: a da falta de profissionais. Em África desenvolveram-se diversas agências de recrutamento que estão a “exportar” enfermeiros de forma “agressiva”, o que acaba por ser fácil, pois é sempre atractivo tentar ter uma vida melhor ou uma carreira melhor em países desenvolvidos. O mais preocupante é que estas agências estão a recrutar enfermeiros em regiões onde já há uma grande falta de recursos humanos ou onde os governos estão a investir nos serviços de saúde, e isso não está certo. Na Índia a situação é caricata. Depois de contactarmos uma associação de enfermeiros local verificámos que há falta de profissionais no Norte e há enfermeiros desempregados no Sul do país. Isto acontece não porque estas pessoas não sejam necessárias, mas sim porque o governo indiano não possui recursos financeiros suficientes para os colocar a trabalhar nos serviços de saúde. Este facto tem sido interpretado pelos países ocidentais como sinónimo de excesso de pessoal. Não é desta forma que se vai poder apoiar os países em desenvolvimento. O Ocidente tem de colocar um ponto final no recrutamento em países que também não têm recursos suficientes. ROE - Mas também se assiste ao recrutamento de enfermeiros entre países ocidentais, em particular no espaço da União Europeia... Enf.ª AK - Sim, também há migrações entre países europeus ou outros, como acontece entre a Irlanda e a Austrália, por exemplo. Nestes casos também existem agências de recrutamento que prometem os mais diversos tipos de salários e condições de trabalho. E aqui até se podem estar a formar profissionais em número suficiente, só que os responsáveis de saúde não estão a ser capazes de os manter nos seus serviços. E a verdade que é pouca gente se preocupa com este tipo de migração. ROE – Como é que se pode mudar esta realidade? Talvez mudando as condições de trabalho, particularmente as dos países mais carenciados? Enf.ª AK – Os países ocidentais têm de trabalhar com os governos dos países em desenvolvimento para que sejam oferecidas melhores condições de trabalho aos profissionais. Este tema está a ser discutido no seio da Organização Mundial da Saúde. Debate especialmente a forma como os enfermeiros podem pressionar os governos neste sentido, tentando reduzir o impacto das actuais migrações. ROE – Com melhores condições de trabalho, será mais fácil ter jovens interessados em seguir esta profissão... Enf.ª AK – Sim, sem dúvida. Muitos governantes de países em desenvolvimento estão a pensar em recorrer a enfermeiros em exercício oriundos de países ocidentais ou até mesmo já aposentados para melhorar os seus sistemas educacionais. Uniformizar os cuidados de enfermagem ROE – Na sua comunicação referiu igualmente que a tendência actual vai no sentido de uniformizar.... Como é que vai ser possível assegurar que temos os mesmos cuidados de enfermagem em Portugal e na Austrália, por exemplo? Enf.ª AK – Temos de procurar uma espécie de matriz internacional que sirva de base para o exercício dos enfermeiros, pois vai ser muito difícil conseguir uniformizar todos os procedimentos. Podemos definir uma base de ensino comum, critérios básicos de exercício igualmente comuns e apoiar a formação de enfermeiros de acordo com estas directrizes. ROE – Num futuro breve, quais os desafios que se colocação aos enfermeiros, mais concretamente no que diz respeito às suas competências? Enf.ª AK – Penso que o crescente conhecimento dos cidadãos e o que isso implica ao nível das suas expectativas constituirão o principal desafio para os enfermeiros. Continuaremos a assistir a avanços tecnológicos e as situações clínicas exigirão, cada vez mais, uma cooperação dos profissionais de saúde com a comunidade. Também teremos um acréscimo na necessidade de cuidados prestados a idosos. Dar a conhecer a realidade da enfermagem ROE – E o que tem a dizer sobre o Sistema Europeu de Alta Qualidade na Saúde? Enf.ª AK – É um vocábulo estratégico que a EFN utiliza junto da Comissão Europeia quando assume a defesa de temas como a formação de enfermeiros, exercício da enfermagem, participação dos enfermeiros na tomada de decisões políticas e qualidade dos cuidados prestados aos doentes, ou quando chama a atenção da CE para a mobilidade de enfermeiros e pacientes. ROE – O trabalho que está a ser desenvolvido junto da Comissão Europeia está a correr bem? Enf.ª AK – Sim, temos estado a trabalha de forma continuada e neste momento existem 30 países da European Federation of Nurses Associations representados neste grupo de trabalho. ROE – E a Comissão Europeia tem revelado receptividade às questões da Enfermagem? Enf.ª AK – Esta tarefa está a requerer muito trabalho de lobbing, pois há tendência para acreditar que os médicos falam em nome de todos os profissionais de saúde, o que não é correcto. Estamos praticamente a “educar” a Comissão Europeia, explicando que somos uma profissão independente, que representamos cerca de 40% da força de trabalho neste sector e que estamos disponíveis 24 horas, sete dias por semana. Logo, os enfermeiros têm muito a dizer sobre a prestação de cuidados e a organização dos serviços de saúde. ROE – O que pensa sobre o desenvolvimento da enfermagem portuguesa? Enf.ª AK – Muitos progressos foram feitos ao longo dos anos e deu-se um passo muito relevante com a criação da Ordem dos Enfermeiros. É muito importante que exista um corpo estruturado que regule o exercício profissional. Actualmente discute-se a necessidade ou não de existirem diversas Ordens profissionais no sector da Saúde. Pessoalmente acredito que é importante termos Ordens distintas, consoante as profissões.