UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA O ENSINO DE ESTATÍSTICA NA FORMAÇÃO INICIAL DO ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO GERALDO BULL DA SILVA JÚNIOR Orientadora: Profa. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes Tese apresentada ao Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ensino de Ciências e Matemática. SÃO PAULO 2014 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL S58e Silva Júnior, Geraldo Bull da. O ensino de estatística na formação inicial do engenheiro de produção / Geraldo Bull da Silva Júnior. -- São Paulo; SP: [s.n], 2014. 213 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Celi Aparecida Espasandin Lopes. Tese (doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Estatística 2. Análise de conteúdo 3. Engenharia de produção 4. Educação estatística -Processo de ensino–aprendizagem 5. Estatística – Ensino superior. I. Lopes, Celi Aparecida Espasandin. II. Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. III. Título. CDU: 519.2(043.2) UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO O ENSINO DE ESTATÍSTICA NA FORMAÇÃO INICIAL DO ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO Geraldo Bull da Silva Júnior Tese de doutorado defendida e aprovada pela Banca Examinadora em 05/12/2014. BANCA EXAMINADORA: Profª. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes Universidade Cruzeiro do Sul Presidente Prof. Dr. Juliano Schmiguel Universidade Cruzeiro do Sul Profaª. Dra. Cintia Aparecida Bento dos Santos Universidade Cruzeiro do Sul Prof. Dr. Celso Ribeiro Campos Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Profª. Dra. Eliane Scheid Gazire Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais A Isaura, pelo apoio desde sempre, companheira de todos os momentos, conselheira, incentivadora e leitora primeira de tudo que escrevo. Para Ana Carolina, sempre presente e ainda inspiração para o pai. Também para Clara, pois é uma nova vida continuando a vida. Há muitas filosofias perigosas por aí. Por que elas são perigosas? Porque contém elementos que paralisam o nosso julgamento [...] Uma filosofia, no fim das contas, não é como uma peça musical que pode ser fruida por si mesma. Espera-se que ela nos oriente por meio da confusão e talvez proporcione um esquema para a mudança. (Paul K. Feyerabend) A evolução do conhecimento científico não é unicamente de crescimento e de extensão do saber, mas também de transformações, de rupturas, de passagem de uma teoria para outra. As teorias científicas são mortais e são mortais por serem científicas. (Edgar Morin) AGRADECIMENTOS A Isaura, por tudo e para sempre. À Profa Dra Celi Espasandin Lopes, por ter acreditado e pela nova amizade que fica para a vida. Aos professores do programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul. Aos funcionários do programa de Pós-Graduação pela atenção. À Prof a Dra Eliane Scheid Gazire, à Profa. Dra Cintia Ap. Bento dos Santos, ao Prof. Dr. Celso Ribeiro Campos e ao Prof. Dr. Juliano Schmiguel, pelas contribuições para a finalização deste trabalho. À Prof a Dr a Maria Delourdes Maciel, pela leitura cuidadosa e contribuições para a realização deste trabalho. Aos colegas do GEPEEM. Aos colegas da EAMES. Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, pelos laços de amizade criados e que ficarão mesmo com o distanciamento. Aos professores e funcionários da FAESA, pelo apoio e incentivo durante a realização do doutorado. Ao professor Samir Aride, pelo precioso apoio oferecido em relação à História das engenharias, além do incentivo durante a realização do doutorado. À professora Maria Alice V. F. de Souza, cujo apoio foi fundamental para que a pesquisa se iniciasse. À professora Daniela Bertolini Depizzol pela inestimável compreensão e a paciência dispensada. À Profa Dra Aureni da Silva Magalhães revisão de ortografia e redação. SILVA JR, G. B. O ensino de estatística na formação inicial do engenheiro de produção. 2014. 213 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014. RESUMO Esta tese apresenta uma pesquisa qualitativa e interpretativa, cujo trabalho de campo foi desenvolvido em uma Instituição Federal de Ensino da Grande Vitória, Espírito Santo. Seu objetivo foi investigar como se dá a formação estatística de estudantes de um Curso Superior na área de Engenharia de Produção, a partir de um referencial teórico baseado na Filosofia da Ciência e nas áreas de Educação Crítica e Educação Estatística. A coleta de dados contou com depoimentos de cinco alunos escolhidos e/ou sorteados, além da professora de Estatística de uma turma desse curso. A partir das questões norteadoras buscou-se conhecer três aspectos: as demandas de formação explicitadas pelos estudantes de Engenharia de Produção em relação à Estatística; quais fragilidades e concepções equivocadas referentes ao conhecimento estatístico são reveladas e percebidas em alunos da Engenharia de Produção; como o Plano de Curso e as aulas de Estatística dialogam com as necessidades dos futuros engenheiros de Produção. Na construção e análise dos dados, colhidos por meio de um questionário e de entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio, utilizou-se a Análise de Conteúdo. Tais entrevistas foram realizadas no decorrer do segundo semestre de 2013 e do primeiro de 2014, sendo três sessões com cada aluno e duas com a professora. Do processo de análise dos dados emergiram onze subcategorias, indicando um contato com a Estatística anterior à graduação dentro de padrões tradicionais, que resultou em concepções e fragilidades reforçadas pelas práticas do Nível Superior. As principais demandas verificadas são: a maior necessidade de articular saberes dos componentes da matriz curricular com a Estatística, de orientar seu ensino para o domínio da literacia e de desenvolver o pensamento estatístico, vencendo a fragmentação de saberes que pode ser constatada. A Educação necessita superar a tarefa de tornar o indivíduo hábil para manipular conceitos, desafiando-o constantemente a romper o estágio de conhecimento em que se encontra. Palavras-chave: Ensino superior, Engenharia de produção, Ensino de estatística, Formação inicial, Análise de conteúdo. SILVA JR, G. B. The statistical education in initial training production engineer. 2014. 213 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014. ABSTRACT This thesis presents a qualitative and interpretative research, which was developed in a Federal Institution of Education of Vitória, Espírito Santo. Its objective was to investigate how a statistical program of students of a Degree in Production Engineering area is produced from a theoretical point of view based on the philosophy of science and also in the areas of Critical Education and Education Statistics. Data collection included five chosen and / or drawn students, and also the statistic teacher of this specific class. From the guiding questions we tried to investigate three aspects: training demands explained by students of Industrial Engineering in relation to Statistics; what kind of weaknesses and misconceptions on the statistical knowledge are revealed and realized by students of Production Engineering; the way the Course Plan and Statistics classes dialogue with the needs of the future production engineers. The construction and analysis of data were collected through a questionnaire and semi-structured interviews and recorded in audio by the use of Content Analysis Methodology. These interviews were conducted during the second half of 2013 and the first of 2014, three sessions with each student and two with the teacher. Eleven subcategories emerged from the data analysis process, which indicated a prior contact whith Statistics among traditional graduation patterns, which resulted in conceptions and weaknesses reinforced by practices of Higher Education. The main verified demands are: a greater need to articulate knowledge of the components of the curriculum with Statistics, to guide its teaching to the skill of literacy and to develop statistical thinking, overcoming the fragmentation of knowledge that could be noticed. Education needs to overcome the task of making an individual able to manipulate concepts, challenging him constantly to break the state of knowledge in which he lies. Keywords: Academic practices, Industrial engineering, Teaching statistics, Initial education, Content analysis. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 Quantificação pelo nível de ensino que a pesquisa abordou. ....... 30 Quadro 2 Objetivos descritos nas pesquisas encontradas na revisão bibliográfica. ....................................................................................... 32 Quadro 3 Termos e ideias relacionados à Estatística. .................................. 107 Quadro 4 Termos ligados à representação gráfica adequada ao tipo de variável. ............................................................................................. 109 Tabela 1 Resumo da faixa etária dos respondentes. ................................... 106 Tabela 2 Totais de alunos que conheciam a melhor representação de variáveis qualitativas e quantitativas. ............................................ 108 Tabela 3 Totais de alunos que conheciam a melhor representação de variáveis discreta e contínua. ......................................................... 108 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABEPRO Associação Brasileira de Engenharia de Produção ASA American Statistics Association BDTD Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEQ Controle Estatístico da Qualidade CNE/CES Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Ensino Superior EJA Educação de Jovens e Adultos EM Engenharia de Métodos EMC Educação Matemática Crítica EP Engenharia de Produção ENCE Escola Nacional de Ciências Estatísticas GAISE Guidelines for Assessment and Instruction in Statistics Education GQ Gestão da Qualidade IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MEC Ministério da Educação MF Mecânica dos Fluidos MS Excell Microsoft Excel MTE Ministério do Trabalho e Emprego PCP Planejamento e Controle da Produção PDCA Plan, Do, Check, Act PIB Produto Interno Bruto PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PUC Pontifícia Universidade Católica RH Recursos Humanos TCC Trabalho de Conclusão de Curso TICs Tecnologias de Informação e Comunicação UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNIFRA Centro Universitário São Francisco SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17 CAPÍTULO 1 - O PERCURSO DA PESQUISA ........................................................ 27 1.1 Introdução ................................................................................................... 27 1.2 A Revisão Bibliográfica .............................................................................. 27 1.2.1 Considerações ............................................................................................ 40 1.3 O referencial teórico ................................................................................... 41 1.4 A metodologia ............................................................................................. 44 1.5 O Contexto da pesquisa ............................................................................. 48 1.6 Instrumentos para coleta de dados .......................................................... 48 1.6.1 Sobre a aplicação do questionário ........................................................... 49 1.6.2 Sobre as entrevistas................................................................................... 49 1.7 A análise do conteúdo ............................................................................... 53 1.8 Considerações sobre o capítulo ............................................................... 58 CAPÍTULO 2 - CONHECIMENTO MODERNO, AS ENGENHARIAS E A ESTATÍSTICA. .......................................................................................................... 59 2.1 Introdução ................................................................................................... 59 2.2 A Revolução Científica e a Ciência Moderna ........................................... 60 2.3 A Revolução Industrial e a organização das cadeias produtivas ........... 62 2.4 As Engenharias e a Ciência Moderna ....................................................... 63 2.5 Alguns elementos dos desenvolvimentos histórico e sociológico da Estatística .................................................................................................... 68 2.6 O conhecimento científico diante aos movimentos da sociedade......... 71 2.7 Considerações sobre o capítulo ............................................................... 74 CAPÍTULO 3 - O ENSINO DE ESTATÍSTICA NO NÍVEL SUPERIOR .................... 75 3.1 Introdução ................................................................................................... 75 3.2 A fragmentação do conhecimento: algumas consequências................. 76 3.3 A complexidade do ensino de conceitos científicos ............................... 79 3.4 A formação acadêmica fragmentada ........................................................ 84 3.5 Conhecimento, Educação e relações de poder. ...................................... 86 3.6 Educação Crítica: um cenário alternativo à Educação tradicional ........ 89 3.7 Propostas de mudança .............................................................................. 91 3.8 Articulações do GAISE com alguns teóricos ......................................... 100 3.9 Considerações sobre o capítulo ............................................................. 102 CAPÍTULO 4 - A CONSTRUÇÃO DOS DADOS .................................................... 105 4.1 Introdução ................................................................................................. 105 4.2 Dados das respostas do questionário .................................................... 106 4.3 Dados das respostas da entrevista......................................................... 111 4.4 Respostas à pergunta 1 ........................................................................... 111 4.4.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 113 4.5 Respostas à pergunta 2 ........................................................................... 114 4.5.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 121 4.6 Respostas à pergunta 3 ........................................................................... 123 4.6.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 126 4.7 Respostas à Pergunta 4 ........................................................................... 126 4.7.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 131 4.8 Respostas à Pergunta 5 ........................................................................... 133 4.8.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 135 4.9 Respostas à Pergunta 6 ........................................................................... 136 4.9.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 142 4.10 Respostas à Pergunta 7 ........................................................................... 144 4.10.1 Considerações e subcategorias .............................................................. 148 4.11 Considerações sobre o capítulo ............................................................. 149 CAPÍTULO 5 - A ANÁLISE DOS DADOS .............................................................. 151 5.1 Introdução ................................................................................................. 151 5.2 Os documentos oficiais ........................................................................... 151 5.3 Análise das respostas do questionário .................................................. 154 5.3.1 Considerações .......................................................................................... 156 5.4 Análise das repostas das entrevistas ..................................................... 157 5.4.1 Aplicabilidade ........................................................................................... 157 5.4.2 Repasse e comunicação de dados e informações ................................ 160 5.4.3 Controle ..................................................................................................... 163 5.4.4 Previsão ..................................................................................................... 164 5.4.5 Manipulação .............................................................................................. 166 5.4.6 Pensamento fragmentado ........................................................................ 168 5.4.7 Desenvolvimento de habilidades ............................................................ 171 5.4.8 Mudança de comportamento ................................................................... 173 5.4.9 Relevância ................................................................................................. 174 5.4.10 Complexidade ........................................................................................... 176 5.4.11 Relatividade .............................................................................................. 177 5.5 Considerações sobre o capítulo ............................................................. 178 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 180 Introdução ................................................................................................. 180 Resultados e reflexões ............................................................................. 181 Perspectivas, implicações e/ou recomendações................................... 185 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 191 ANEXOS ................................................................................................................. 199 ANEXO A Plano de curso de Estatística I .............................................. 199 ANEXO B Plano de curso de Estatística II ............................................. 202 ANEXO C Lista de exercícios ................................................................. 204 ANEXO D Prova ....................................................................................... 207 APÊNDICES ........................................................................................................... 209 Apêndice A Termo de consentimento livre e esclarecido .................... 209 Apêndice B Questionário de perfil estudantil ........................................ 210 Apêndice C Entrevista semiestruturada ................................................. 212 17 INTRODUÇÃO Temos finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo contributo positivo ou negativo da ciência para a nossa felicidade (Boaventura de Souza Santos). Início da trajetória profissional Em 1979, ao iniciar carreira de professor de Matemática em turmas preparatórias para exames supletivos, a necessidade de buscar articulações entre os conteúdos do currículo escolar e a realidade sociopolítica não tinha oficialmente a importância que atualmente lhe é dada no Brasil. Nessa época, tais ideias não eram tão consideradas nas propostas de ensino quanto nos dias atuais, principalmente no que diz respeito a aspectos sociopolíticos. No caso da Matemática, por exemplo, ainda predominava como legado do Movimento da Matemática Moderna, o uso da linguagem da teoria dos conjuntos e a preocupação com as estruturas matemáticas em si. Fui aluno em um curso de graduação em Matemática Pura, no qual os fundamentos das disciplinas foram tratados com extremo zelo pelos professores. O conteúdo de cada uma delas era exposto e explorado em profundidade, sem considerar a necessidade de aplicações numéricas imediatas. Além disso, não se vislumbravam possibilidades de verificar a articulações entre o conhecimento matemático e a realidade fora da Universidade. Dentro desse quadro, as disciplinas não guardavam relações entre si além do fato de serem pré e/ou co-requisito de outras. Passar por um curso no qual as atenções foram direcionadas para os fundamentos científicos foi importante. Ajudou a avaliar e a sustentar a crítica em relação a diferentes ideias que professores e pedagogos consideraram inovadoras nas décadas de 1980 e 1990 e que, posteriormente, foram vistos como modismos educacionais passageiros. Apesar de concluir um curso que legava um conhecimento matemático bem estruturado, a minha formação inicial para o magistério teve limitações em relação a 18 conhecimentos sobre Didática da Matemática, por exemplo. Na época do início da carreira, o modelo didático vigente era baseado no planejamento de aulas em que se dava especial destaque aos detalhes técnicos de cada conteúdo e ao funcionamento das propriedades. Além de não se considerar necessário articular saberes matemáticos aos de outros campos, sequer se pensava em utilizar o conhecimento de origem matemática como instrumento de crítica da realidade fora da escola. O usual (e assim eu também procedia) era o professor listar e organizar os tópicos de um tema a ensinar. Normalmente a escolha era a partir do currículo estabelecido pela escola ou pelo livro didático e não se cogitava tratar de fatos sociais e políticos que existem fora do universo da Matemática denominada pura. A retomada dos estudos: do começo da transformação de ideias à chegada ao Doutorado Em 1992, cursando a Licenciatura em Matemática1, tive oportunidade de entrar em contato com disciplinas diferentes daquelas contempladas nas matrizes curriculares dos cursos de Matemática da década anterior, o que me ajudou a perceber diferenças entre as profissões de Matemático e de Professor de Matemática. Estudei História e Filosofia da Matemática e fui aluno de uma professora de Prática de Ensino2 ligada ao Projeto Fundão3, que funciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir de então passei a ver possibilidades de mudar a abordagem dos conteúdos de ensino sem necessitar abrir mão do rigor e dos fundamentos. Inicialmente, busquei novos métodos para abordar conteúdos que tornassem meu próprio trabalho mais agradável e a aprendizagem dos alunos mais prazerosa. Em 1995, ao mudar do Rio de Janeiro para fixar residência em Vitória, Espírito Santo, pude mudar a sequência de desenvolvimento dos conteúdos de 1 Licenciatura em Matemática na Faculdade de Humanidades Pedro II, Rio de Janeiro. 2 Neide Parracho Sant' Anna. 3 O Projeto Fundão contribui principalmente na atualização de professores em relação à inovação metodológica e aprofundamento do conhecimento de Matemática, Física e Biologia. No Projeto Fundão existem grupos temáticos responsáveis por elaborar, testar, reformular e divulgar propostas inovadoras para o ensino das áreas citadas. Das ações do Projeto Fundão resultam publicações de livros, apostilas e organização de encontros para professores. 19 Matemática no segundo ano do Ensino Médio de um colégio em que trabalhei. Isso foi feito visando um melhor suporte matemático ao ensino de Genética. Nesse colégio, até 1994, os conteúdos de Análise Combinatória e Probabilidades eram abordados apenas no fim do ano. Enquanto isso, a Biologia que necessitava desse suporte, não era auxiliada pela disciplina de Matemática. Esse cruzamento de caminhos durou mais de uma década, com resultados satisfatórios para as duas disciplinas. Enquanto a Biologia passou a se apoiar mais na Matemática, esta por sua vez passou a ter outros contextos de utilização, possibilitando emergir suas relações com disciplinas de outros campos de estudo. No Brasil, o trabalho do professor das diferentes Ciências apresenta consequências de uma visão fragmentada e especializada de como o conhecimento científico deve ser desenvolvido. No caso das Engenharias, por exemplo, existem currículos fragmentados, nos quais não se explicitam ligações entre as diferentes áreas de conhecimento. Sobre a fragmentação de saberes e o excesso de tópicos de ensino, Aguiar Junior et al. (2003) comentam sobre um importante aspecto dessa realidade: a fragmentação é normalmente o resultado de uma tentativa de se promover o ensino de um excesso de conceitos e detalhes que, numa primeira abordagem, impedem o estudante de compreender aquilo que é essencial [...] além disso, um excesso de conteúdos, o que traz uma ideia enganosa de “aprofundamento” [...] trata-se de um falso aprofundamento [...] que dificulta a formação de uma visão sistêmica e relacional dos processos [...] faz-se necessário selecionar ideias-chave que melhor organizem a compreensão (AGUIAR JUNIOR ET AL, 2003, p. 4-5). Esse quadro de fragmentação faz com que se mantenham as fronteiras entre campos de saber praticamente intactas e vistas como intransponíveis. Um exemplo é a abordagem da Probabilidade, que tem aplicações na Genética. Quando ambas são estudadas separadamente, suas articulações não são evidenciadas, nem facilmente percebidas pelos estudantes. O passo seguinte na consolidação de minhas ideias sobre a aproximação de saberes foi dado ao cursar duas especializações, na área do magistério em Vitória, Espírito Santo. Nas duas ocasiões consegui apresentar formas de associar o saber matemático ao de outros campos. Na primeira, obtive o título de especialista em 20 docência do Ensino Superior (em 2004)4, na qual associava o ensino da função afim aos conteúdos de Cinemática (mais precisamente o movimento uniforme e o uniformemente variado). Em 2006 obtive o título de especialista em Educação Matemática, na Faculdade Saberes5, tratando de possibilidades de ligar saberes da Biologia e da Matemática. Nesse trabalho procurei apresentar formas de aproximar o ensino dessas Ciências. Entre o primeiro e o segundo trabalho de especialização foram feitas leituras importantes que ajudaram a amadurecer a ideia sobre como tratar o saber escolar, o conhecimento científico e formas de articular diferentes disciplinas. As leituras me auxiliaram a perceber como as criações matemáticas são ligadas ao contexto histórico de cada época. Essas obras lidas entre as duas especializações chamaram a atenção para o fato do ensino de Matemática poder romper com a prática de organizar e/ou classificar o conhecimento científico em campos excessivamente delimitados. Além disso, ajudaram a perceber que por trás de um procedimento tradicional podem estar ocultas formas de perpetuação de poder de um grupo social ou maneiras de conceber instrumentos com objetivo de ocultar aspectos sociopolíticos do conhecimento. No caso do ensino das Ciências, surgiu a curiosidade de saber quais seriam as intenções que sustentam as tradições por trás de práticas fragmentadas, que tratam o conhecimento disciplinado e com rígidas fronteiras a serem respeitadas. Isso me alertou para a principal consequência da fragmentação, que é o reducionismo cada vez maior e a criação de mais disciplinas para tratar aspectos cada vez mais particulares. O primeiro trabalho de especialização, que tratava das articulações entre o Ensino da Física e da Matemática, foi o início de uma trajetória que continuou no segundo trabalho, no qual buscava ligações da Biologia com a Matemática. Após esses dois trabalhos, cheguei à dissertação produzida durante o Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática, que foi cursado na Pontifícia 4 SILVA JÚNIOR, G. B. O ensino de função do primeiro grau. Monografia (Especialização) Universidade Candido Mendes, Vitória, 2004. 5 SILVA JÚNIOR, G. B. Biologia e Matemática: a necessidade de religar saberes. Monografia (Especialização) - Faculdade Saberes, Vitória, 2006. 21 Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), sob a orientação da Doutora Eliane Scheid Gazire. A dissertação6, aborda a possibilidade de articular temas de Biologia e Matemática, além de também discutir implicações didáticas dessas articulações ao longo do Ensino Médio. Os trabalhos das especializações e do mestrado ampliaram meus horizontes sobre a articulação de saberes e a complexidade do conhecimento, a partir da percepção da necessidade de articular o ensino de diferentes Ciências, favorecendo a compreensão de relações e objetivando evitar fragmentações. Após o término do mestrado, nos intervalos entre as apresentações dos frutos da dissertação e as atividades profissionais, um novo ciclo de leituras foi iniciado. Originalmente o objetivo era satisfazer a curiosidade sobre temas que ficaram pendentes, pois o tempo de mestrado é curto, não permitindo a entrega a todas as leituras que temos vontade de realizar. Nesse período de leituras após o mestrado, primeiramente foi feita uma passagem pelas obras de Fazenda (1995, 2006 e 2008). Com essas leituras e reflexões pude consolidar as ideias sobre a interdisciplinaridade, sua importância e mesmo a existência de limitações em relacionar disciplinas escolares de campos diferentes. Após percorrer as obras de Fazenda, foi a vez de ler as obras de Pena-Vega e Nascimento (1999), Morin e Terena (2000), Morin Ciurana e Motta (2003), Morin, Pena-Vega e Pailard (2004) e Morin (2005a e 2005b). Essas obras tratam do conhecimento como elaboração complexa e me orientaram melhor ainda em relação à complexidade do conhecimento frente às diferentes formas pelas quais ele foi fragmentado. A obra de Morin, intitulada “Ciência com consciência”, publicada em português no ano de 2005, causou-me grande impacto por chamar atenção para o fato de que a fragmentação de saberes, além de proporcionar o surgimento de grande quantidade de campos científicos, ocasionou a perda de consciência do profissional em relação às implicações sociais do próprio ofício. A obra de Morin e Terena (2000) serviu para despertar minha curiosidade sobre o termo transdisciplinaridade. 6 SILVA JÚNIOR, G. B. Biologia e Matemática: diálogos possíveis no Ensino Médio. Dissertação (Mestrado) - PUC Minas, Belo Horizonte, 2008. 22 Os contatos com a interdisciplinaridade e a concepção do conhecimento como algo complexo, aliado às primeiras obras sobre a transdisciplinaridade, levaram-me a ler outros quatro livros: Weil, D’Ambrosio e Crema (1993), Random (2000), D’Ambrosio (2001) e Sommerman (2006). Além da complexidade e das possibilidades de aproximações entre disciplinas, agora estava diante do conhecimento como uma elaboração que pode, com propriedade, atravessar o pensamento de diferentes seres humanos. Além disso, orientou-me para também perceber o conhecimento como aberto e inconcluso. Outro autor com o qual tive contato ainda durante o mestrado foi Paul Feyerabend. A primeira obra que li, publicada em 2001, intitula-se Diálogos sobre o conhecimento. Ainda no mestrado, este livro me fez refletir sobre importantes questões, tais como: para que serve o conhecimento? Para quem ele é elaborado? Qual o seu lugar no mundo habitado pelos seres humanos tidos comuns? A quem interessa que ele seja tratado conforme querem os positivistas? Outras perguntas também começaram a surgir e não poderia parar para responder devido ao envolvimento no trabalho de mestrado, mas acabaram norteando a busca de novos esclarecimentos em relação ao conhecimento científico e sua elaboração. Quando tive chance, li a autobiografia de Feyerabend, publicada em 1996 e pude entender melhor a sua proposta filosófica e científica. A leitura da biografia foi seguida das obras publicadas em 1991, 2007, 2010 e 2011, sendo que este último ano coincide com minha aceitação no Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul. Depois de ler esses livros de Feyerabend, aquilo que eu via como complexo, podendo se fazer pela aproximação de diversas disciplinas e que atravessaria o pensamento de diferentes seres humanos de forma aberta e inconclusa, possuía outro elemento para o qual eu não fora preparado durante a graduação: o conhecimento não é formulado por um método absoluto e também é carregado de interesses por trás da sua produção e disseminação. Diferentes aspectos sociais do conhecimento, que já me haviam sido apresentados em leituras anteriores, agora se tornaram novos elementos insistentemente presentes em minhas ideias. A visão idealista de conhecimento como desenvolvimento de uma vocação foi por terra definitivamente. 23 Ao ser admitido no Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, uma das primeiras obras estudadas foi Skovsmose (2001). Eu já havia lido esse livro em outra época, mas após o acesso a mais textos de outros autores, a nova leitura resultou em uma visão diferente da que até então construíra. Agora, diversos contextos sobre a História da Matemática, as noções de fragmentação e complexidade, a inter e a transdisciplinaridade, juntamente com a ideia de relativismo do conhecimento, encontram-se com a presença do conteúdo político e de relações de poder que podem estar por trás da criação científica (e das formas de ensinar e perpetuar conteúdos de diferentes Ciências). As obras de Skovsmose (2007 e 2008) e de AlrØ e Skovsmose (2010) completaram um quadro de leituras e aumentaram a inquietação com diversos desdobramentos do conhecimento científico e suas relações com a Educação. Esse quadro teórico e de inquietações levou-me a considerar uma disciplina com a qual jamais pensei trabalhar: a Estatística. Esse campo científico tornou-se um novo desafio apontando-me diferentes aspectos, tais como a possibilidade de utilizar o conhecimento estatístico como elemento de percepção de fatos da realidade ao meu redor. Esse instrumento de leitura da realidade ligado à Estatística é um dos elementos que mais pesou na hora de decidir qual desafio deveria enfrentar na elaboração da tese do doutorado. Neste momento, o conhecimento apresenta-se como algo elaborado complexamente, na aproximação entre disciplinas, atravessa o pensamento humano, é aberto, inconcluso e não tem método absoluto de elaboração. Além disso, é desenvolvido disfarçando interesses por trás da sua produção, disseminação e apropriação. A partir desse panorama, comecei então a levantar novas questões: como fazer para verificar se futuros profissionais de uma área técnica são capazes de perceber o envolvimento com um conhecimento qualificado de objetivo, direto e exato? Estariam os futuros profissionais de uma área técnica aptos a perceberem-se envolvidos por um discurso que reveste o conhecimento de objetividade e exatidão? E ainda: eles aceitarão a ideia de que o conhecimento com o qual lidam não é exclusivamente objetivo, nem direto, tão pouco exato e muito menos isento de interesses políticos por trás da sua produção, disseminação e apropriação? 24 Antes de prosseguir, uma explicação faz-se necessária. A escolha do curso de Engenharia de Produção (EP) não foi aleatória, pois trata-se de uma modalidade de formação na qual trabalho desde agosto de 2008, ano de término do Mestrado na PUC Minas. Na instituição em que trabalho, Produção foi a primeira modalidade de Engenharia autorizada a funcionar e, na época em que fui admitido como professor, era o curso com o maior contingente de alunos entre os da área tecnológica. Inicialmente, percebi ser necessário mostrar aos alunos as diversas ligações entre as matemáticas do curso de Engenharia e as demais disciplinas da formação de engenheiros. Objetivos, questionamentos e desafios Com o passar dos períodos e a atuação como professor de Matemática nos cursos de Engenharia, percebi que uma das disciplinas mais citadas em comentários dos alunos era a Estatística. Por outro lado, colegas das disciplinas dos semestres finais da Engenharia comentavam que os temas de Estatística são importantes para desenvolver o seu trabalho. Além dessa diversidade de menções à Estatística, outro fator justifica a escolha do tema e a abordagem dada no presente trabalho: trata-se de uma disciplina presente no desenvolvimento de trabalhos de diferentes especialidades, que tanto encontra aplicações na área tecnológica como também pode ser utilizada em outras pesquisas, como na área médica, por se constituir em elemento auxiliar da descrição de realidades. Compreender formas de como o conhecimento estatístico pode ser diretamente aplicado a rotinas de trabalho é uma tarefa diferente de tentar captar significados para a Estatística na vida dos estudantes de áreas técnicas. Será que futuros profissionais de uma área técnica como a Engenharia de Produção se percebem envolvidos por um conhecimento apresentado como objetivo, direto e exato? Esses futuros profissionais percebem no conhecimento científico um instrumento de compreensão de aspectos sociais do exercício de sua futura profissão? O objetivo do presente trabalho é investigar a formação estatística de estudantes de um Curso Superior na área de Engenharia de Produção. 25 A partir desse objetivo, formula-se o problema central, que se pretende responder por meio do presente trabalho: como ocorre a formação estatística de futuros engenheiros de Produção? Outro desafio ainda maior se coloca, agora na qualidade de questões norteadoras a serem respondidas nesta tese: 1) quais demandas de formação são explicitadas pelos estudantes de Engenharia de Produção em relação à Estatística? 2) quais fragilidades e concepções equivocadas referentes ao conhecimento estatístico são reveladas e percebidas em alunos da Engenharia de Produção? 3) Como o Plano de Curso e os instrumentos de ensino e de avaliação da Estatística dialogam com as necessidades dos futuros engenheiros de Produção? A estrutura do texto O texto da presente tese é uma pesquisa qualitativa, feita a partir da análise interpretativa dos dados construídos. Ela foi organizada em uma introdução, cinco capítulos e considerações finais, cuja distribuição é apresentada a seguir. O capítulo 1 apresenta a trajetória da pesquisa, suas características, a busca do referencial teórico e a metodologia utilizada. No Capítulo 2 são apresentados aspectos da Revolução Científica Moderna. Além de conteúdo histórico, mostramos características da profissão de Engenheiro e a proposta de 2001 da Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO) para a formação profissional. Nessa parte, ainda relacionamos Ciência Moderna e Engenharias e apresentamos aspectos históricos e sociais da evolução da Estatística. No capítulo 3 são apresentadas as ideias dos principais pensadores que dão a sustentação teórica à presente tese. O capítulo 4 é dedicado à construção e apresentação dos dados obtidos na turma em que se desenvolveu o trabalho de campo. No capítulo 5 é feita a análise dos dados à luz do referencial teórico e, logo após, o término da tese com as considerações finais. 27 CAPÍTULO 1 - O PERCURSO DA PESQUISA Vivemos o que alguns chamam de “novo alfabetismo” - porque é capaz de explicar, mas não entender -, típico dos discursos econômicos (Emir Sader). 1.1 Introdução Esta pesquisa começou a ser delineada ao questionar as formas pelas quais se elabora o conhecimento estatístico. Buscou-se entender quais objetivos existem ao elaborá-lo de acordo com um padrão, a quem ele atende e porque é concebido seguindo determinadas formas e não outras. A continuidade das indagações culminou na busca de compreensão do lugar do conhecimento no mundo habitado por pessoas que em sua maioria não é de cientistas. O presente capítulo destina-se a descrever como se materializou esta tese, desde a revisão bibliográfica, a escolha do referencial teórico e a opção metodológica. Serão explicados o contexto da pesquisa, os instrumentos utilizados e o que foi necessário à execução das ações. 1.2 A Revisão Bibliográfica Lüdke e André (2003) consideram importante o confronto de dados, evidências, informações coletadas do que foi previamente acumulado sobre o tema da pesquisa. A pesquisa é uma atividade “[...] de interesse momentâneo e continuada, por se inserir numa corrente de pensamento acumulado, nos remete ao caráter social da pesquisa [...] a construção da ciência é um fenômeno social por excelência [...]” (LÜDKE; ANDRÉ, 2003, p. 2). O interesse momentâneo está no desejo de responder à questão que move este trabalho e a corrente de pensamento acumulado é representada pelos autores da área, cujos trabalhos precederam esta pesquisa. O referido acúmulo está presente em uma breve revisão, realizada com a busca do que foi produzido sobre a Educação Estatística. A criação de cursos de pós-graduação e a disseminação de eventos da área expandiu a relação de temas e 28 a quantidade das pesquisas em Educação. Sob o tema Educação Matemática, por exemplo, abordam-se diversos temas sob diferentes referenciais teóricos e metodológicos. Essa grande quantidade de temas e trabalhos gerou a necessidade de verificar o que foi produzido na área de Educação Estatística, que tem trabalhos provenientes dos programas de Educação Matemática. Para levantar os conteúdos dos trabalhos foi utilizado o procedimento de fichamento sugerido por Fiorentini (2002, p. 2), que destaca a necessidade de apurar os seguintes elementos: ano, autor, instituição de origem, foco temático, referencial teórico, objetivo(s), procedimentos metodológicos, resultados e contribuições. Os dados da revisão foram extraídos na leitura e análise dos resumos de dissertações e teses, objetivando identificar elementos norteadores de uma categorização. Em alguns casos foi necessário recorrer ao texto completo, pelo fato do resumo não conter claramente alguns elementos citados. Feito o levantamento inicial, foram escolhidas as categorias e subcategorias de análise apresentadas mais adiante. As categorias utilizadas também são emergentes. O resumo é um gênero discursivo que, segundo Ferreira (2002), tem na busca da abrangência sua principal característica. Os resumos têm temas e conteúdos próprios, além de estrutura e organização na composição, sendo dotados de estilo verbal característico. Este foi um importante motivo para utilizar resumos ao invés de trabalhos completos. A exploração dos resumos foi o ensaio inicial para utilização da Análise de Conteúdo na presente tese. Foi realizada uma pré-análise dos dados, a exploração do material e a sua análise propriamente dita. Na pré-análise foram escolhidos textos referentes à palavra-chave “Educação Estatística” e aqueles referentes ao Ensino Superior formam o corpus da análise dos resumos. A escolha da palavrachave foi a primeira tentativa de obter elementos de caráter homogêneo. Esgotadas as possibilidades do banco de teses e dissertações da CAPES, foram procuradas pesquisas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no site da Universidade Cruzeiro do Sul. Durante a exploração do material, elementos que aparentavam ser desconexos devido à sua dispersão nos diferentes trabalhos, começaram a se 29 aproximar, dando sentido a cada categoria e ajudando a integrá-las na classificação das pesquisas. A análise começou a ganhar clareza quando os objetivos das pesquisas foram examinados. Quando os resultados e as contribuições para a área foram explorados, foi possível tecer uma teia como também verificar a riqueza de propostas, procedimentos além do legado das pesquisas para comunidade. No levantamento de teses e dissertações nos bancos citados, a partir das palavras-chave “Educação Estatística”, foi identificada a existência de trabalhos sobre o tema. O intervalo pesquisado foi o de 2004 até 2013. O período corresponde a dez anos seguidos de trabalhos de pós-graduação no país, o que é suficiente para ter um bom panorama da produção na área. O corte no ano de 2013 deve-se ao fato deste ser o ano imediatamente anterior à qualificação e defesa da tese, além dos bancos de dissertações e teses ainda não terem disponíveis a produção referente a 2014. Um motivo para recorrer aos bancos de teses e dissertações da CAPES e da BTDT foi o fato deles atenderem a um quesito apontado por Ferreira (2002), que é informar à comunidade acadêmica a produção em andamento nos programas de pós-graduação do país. Isso permite rastrear rapidamente a produção científica, apesar da grande quantidade de dados presentes nos portais consultados. A busca no site da Universidade Cruzeiro do Sul deveu-se à necessidade de consultar a produção do próprio Programa de Pós-Graduação da instituição que me acolheu no Doutorado. No portal, os trabalhos estão separados em dissertações e teses por ordem regressiva de ano de publicação. Os resumos até 2011 já haviam sido levantados no portal da CAPES em 2012, restando, portanto, a tarefa de buscar os trabalhos publicados em 2012 e 2013. Na época do levantamento desses dois últimos anos, o portal da CAPES apresentava apenas os trabalhos referentes a 2012 e os trabalhos publicados em 2013 foram levantados nas páginas da BTDT e da Universidade Cruzeiro do Sul. Considerando o nível de ensino ao qual as pesquisas destinavam-se, foi possível estabelecer um panorama da produção no quadro a seguir. 30 Nível de ensino Fundamental Médio Superior Dissertações 18 23 22 Teses 4 0 10 Total por nível de ensino 22 23 32 Quadro 1: Quantificação pelo nível de ensino que a pesquisa abordou. Fonte: quadro elaborado pelo próprio autor. O número de pesquisas referente ao nível Fundamental, somado ao de trabalhos para o nível Médio, supera a quantidade de trabalhos dedicados ao Ensino Superior. Porém, este último nível é isoladamente detentor do maior número de dissertações e teses. Foram analisadas as 32 dissertações e teses encontradas no levantamento dos trabalhos sobre Educação Estatística no Nível Superior. O quadro descrito não é capaz de abarcar a totalidade das pesquisas sobre o tema abordado e está sujeito a eventuais omissões por tratar-se apenas e tão somente de uma parte das publicações (as oriundas de programas de pós-graduação no Brasil). O que se desejava era uma aproximação com a produção brasileira em Educação Estatística. Por tratar-se de pesquisa voltada ao ensino de Estatística no Brasil, na revisão bibliográfica não foram procuradas dissertações e teses escritas em outros países. No quesito objetivo da pesquisa, foi encontrada uma grande variedade e, apesar de alguns trabalhos terem sido categorizados da forma a seguir, nada impede outras categorizações. Isso depende do olhar lançado sobre o material e ainda existe outro problema: alguns pesquisadores buscaram esclarecer mais de uma questão com o mesmo trabalho. O quadro a seguir apresenta uma visão geral dos objetivos de pesquisa apurados. A partir da organização de acordo com os objetivos, temos basicamente 5 categorias. 31 CATEGORIA Pesquisas sobre ensino e aprendizagem de Estatística. Estudos sobre os sujeitos envolvidos em processos de ensinoaprendizagem de Estatística. Verificação da validade de um instrumento de OBJETIVO • Repensar o ensino de Estatística e Probabilidade nos diversos níveis; • Realizar um estudo teórico dos fundamentos da didática da Estatística; Investigar como a metodologia de projetos pode ser alternativa para ensinar Estatística no nível superior; • Analisar potencialidades e possibilidades didático-pedagógicas do trabalho de projetos na formação estatística do Pedagogo administrador escolar; • Investigar que possibilidades a Modelagem Matemática oferece à aprendizagem contextualizada e significativa de conceitos matemáticos e estatístico; • Compreender como o projeto pedagógico pode contribuir para o desenvolvimento profissional; • Pesquisar sobre como vem sendo abordada a Estatística em Cursos de Pedagogia e Licenciatura em Normal Superior nas Instituições Superiores; • Investigar que conhecimentos básicos tinham um grupo de alunos em relação a leitura e interpretação de gráficos e tabelas estudados em Estatística; • Desenvolver material didático em R para utilização em cursos de bioestatística aplicada à análise epidemiológica, com inclusão de funções adicionais; • Estudar as características de atividades que favoreçam a compreensão do conceito de variabilidade de um conjunto de dados; • Discutir a aprendizagem da Estatística na formação do Professor de Matemática; • Analisar o processo de aprendizagem de Estatística; • Analisar se os alunos de um curso superior de Tecnologia em Turismo mobilizam de forma eficaz conceitos e concepções construídos na resolução de problemas práticos de sua área de atuação e detectar erros e dificuldades após a aprendizagem; • Verificar se os egressos da disciplina de Estatística de um curso de Administração estão aptos a utilizar a noção de variabilidade para resolver problemas práticos dentro da área de atuação; • Investigar a construção de conhecimento de Estatística por alunos do curso de Pedagogia; • Estudar à compreensão e construção de ideias e conceitos matemáticos e/ou estatísticos em torno do Teorema Central do Limite; • Identificar atitudes, espaços e ações de professores e alunos; • Observar, compreender e caracterizar saberes e conhecimentos que professores formadores acreditam ser necessários para a prática ao ministrar cursos introdutório da disciplina de Estatística; • Identificar concepções de professores e licenciandos em Matemática sobre processos de ensino e aprendizagem de noções básicas de Estatística; • Verificar as atitudes e ideias de licenciandos de uma instituição privada em relação aos temas estudados em Estatística; • Avaliar a satisfação dos alunos do Departamento de Estatística em relação a atuação de professor, infraestrutura e à disciplina de Estatística; • Avaliar atitudes em relação à Estatística entre alunos da instituição; • Analisar imagens e atitudes dos alunos de cursos superiores em relação à Estatística; • Investigar o uso intencional de estratégias de memória, atenção e interação em processos de auto regulação da aprendizagem e estabelecer relação com níveis de letramento estatístico; • Buscar evidências de validade da Escala de Autoconceito Acadêmico em Estatística e verificar associações entre atitudes, autoconceito e desempenho acadêmico em Estatística; 32 pesquisa. • Verificar evidências de validade de uma prova de compreensão de leitura de um texto com informações estatísticas; Relacionamento entre Educação Estatística e diferentes tecnologias • Apresentar e analisar uma estética para a Educação Bimodal; • Desenvolver metodologia de gerenciamento de base de dados que permita ao usuário alterar suas bases de dados e em tempo real; • Apresentar uma arquitetura de recursos digitais de aprendizagem adaptativos para ensino e aprendizagem de Tópicos de Estatística em complementação ao ensino presencial em cursos do nível superior; • Investigar o uso do software GEOGEBRA aplicado ao ensino e aprendizagem da distribuição normal de probabilidade; • Apresentar nova metodologia para identificar relações entre dados do desempenho de aprendizagens por meio de uma ferramenta visual interativa; Estudo de Estado da Arte • Levantar a produção acadêmica dos níveis de mestrado e doutorado no banco de teses da CAPES que versam sobre ensino de Estatística e Probabilidade, no período de 2000 a 2008; Quadro 2: objetivos descritos nas pesquisas encontradas na revisão bibliográfica. Fonte: quadro elaborado pelo próprio autor. Em relação à metodologia de pesquisa, somente uma seguiu caminho quantitativo, sendo as demais qualitativas. Dentre as teses e dissertações de perfil qualitativo, há uma diversidade de métodos para construção dos dados, destacandose: Registros escritos virtuais em webfolios; Pesquisa bibliográfica; Utilização de relatórios dos alunos; Dados coletados por entrevistas semiestruturadas; Apresentação de situações problema do cotidiano dos professores de Matemática; Análise de livros texto do ensino superior; História Oral para a recolha de dados; Dados provenientes de base eletrônica de dados; Pesquisa qualitativa com análise interpretativa dos dados produzido a partir de observações de depoimentos gravados em áudio e vídeo; Aplicação de sequência de ensino; 33 Aplicação de situações problema típicos da área e gravação individual das atuações para análise; Documentação das produções dos participantes; Dados coletados por questionário de questões abertas e fechadas; Criação de interface gráfica; Aplicação de atividade diagnóstica escrita para construção dos dados a partir dos registros; Aplicação de escala de autoconceito acadêmico em Estatística; Aplicação de escala de atitudes em relação à Estatística; Diário de campo do pesquisador e dos alunos; Observação participante; pesquisa interpretativa; utilização da escala Likert e análise multivariada; Aplicação de provas de compreensão; Pesquisa a problematizações originárias de situações reais; Aplicação de atividades investigativas estruturadas; Aplicação de sequência didática para gerar cenário de aprendizagem; Busca por palavras chave; estudo teórico; Estudo comparativo da visão anterior e da posterior dos alunos ao cursarem a disciplina de Estatística; Utilização de escala de estratégias de memória; Utilização de escala de estratégias de atenção e de interação. Da mesma forma que no caso dos objetivos, havia pesquisas que envolviam mais de um método de construção dos dados. Foram encontrados trabalhos com foco apenas sobre os alunos, outros apenas com professores e ambos os personagens. Sobre os alunos, temos estudantes dos cursos de Pedagogia, Ciências Econômicas, de Ciências Contábeis, licenciandos com conhecimentos de Estatística Básica, estudantes de Estatística matriculados em disciplina on line, sujeitos que já haviam cursado a disciplina, egressos da disciplina de Estatística de um curso de Administração, Nutrição, 34 Educação Física, Engenharia, Psicologia, de licenciatura em Matemática da UNIFRA (Santa Maria), de um departamento de Estatística de Modelagem Estatística de Dados, da disciplina de Instrumento de Aferição em Epidemiologia I, alunos escolhidos aleatoriamente dentro da mesma instituição, alunos que cursaram dois semestres de Estatística em semestres consecutivos, de graduação tecnológica em gestão da Produção Industrial, de Sistemas de Informação, e de Gestão Financeira e Logística. Uma das pesquisas teve estudantes do curso de Licenciatura em Matemática e professores egressos do mesmo Centro de Estudos Superiores e ainda outra envolveu professores que já lecionaram ou lecionam Estatística e alunos matriculados em Cursos de Pedagogia e Licenciatura em Normal Superior. Um trabalho teve a participação de formadores de professores selecionados por terem obtido graduação em Matemática ou Estatística, outro porque os professores eram atuantes no ensino de Estatística e um último reuniu professores de Engenharia Elétrica. Em relação à dependência administrativa, as pesquisas ocorreram tanto em instituições públicas quanto privadas. O referencial teórico também foi variado, com destaque de diversas teorias: Teoria dos Campos Conceituais; Teoria da Transposição Didática; Engenharia Didática; Teoria Antropológica do Didático; Construtivismo; aportes de teoria da área de Informática; Interacionismo; Representações Sociais; Teoria da Aprendizagem Significativa; Aprendizagem Situada; Teoria das Situações; Teoria da Resposta ao Item; Registros de Representação Semiótica; Modelos de Mapeamento de Estilos de Aprendizagem; Design Experiments, Modelagem Matemática; Documentos de Grupos de Pesquisa; 35 Enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade; Educação Crítica; filósofos de variados matizes; autores da área Educação Estatística da envergadura de Lopes, Batanero, Gal, Garfield e Curcio, entre outros. No rol das teses que têm elementos próximos às intenções do presente trabalho, podem ser citadas as pesquisas de Ara (2006), Campos (2007), Rodrigues (2009), Pamplona (2009) e Costa (2012). Em relação às dissertações, temos Moreno (2010) e Sperrhake (2013), com especial destaque para esta última. Para elaborar sua tese, Ara (2006) partiu da própria experiência como docente de Estatística em Engenharias e da observação das dificuldades de entendimento de conceitos enfrentadas por seus alunos, gerando falta de motivação e grande quantidade de reprovações. Inicialmente, verificou que os alunos têm pouca familiaridade com fenômenos aleatórios, apesar destes fazerem parte do cotidiano. Segundo o pesquisador, esse aspecto mostraria uma visão equivocada da realidade, determinada em parte pelos currículos de ensino. O seu trabalho tinha por objetivos explicitar uma concepção de realidade onde existisse equilíbrio entre determinismo e aleatoriedade, para repensar o ensino de Estatística e Probabilidade nos diversos níveis. A partir desse equilíbrio seria proposta uma nova organização do ensino de Estatística nos cursos de Engenharia. O autor buscou na Filosofia e na História do desenvolvimento da Física a concepção predominante sobre os conceitos dos termos determinístico e aleatório dos fenômenos naturais, constatando que tais conceitos são de convivência e interação permanente, o que seria intrínseco à natureza. Apresentando reflexões sobre Probabilidade e conhecimento estatístico, destaca a importância desse conhecimento para a compreensão da realidade, que segundo sua visão é tratado deficientemente nos diversos níveis, acarretando distorções de percepção. O livro didático é considerado importante indicador da concepção do professor a respeito da Estatística, tendo consequências para a atuação docente e, além disso, salvo exceções, os materiais didáticos examinados tendem a apresentar uma concepção determinística da realidade, priorizando aspectos matemáticos e aplicações técnicas no momento da construção de conceitos. A partir da verificação desse desequilíbrio, 36 emergiu a proposta de restaurar o equilíbrio perdido. A aleatoriedade foi apresentada como componente da realidade, indicando que a organização do ensino de Estatística deve partir de exemplos contextualizados de áreas de interesse do engenheiro em formação. Ficaram evidentes para Ara (2006) o valor do trabalho em grupo, da utilização de computadores e dos programas estatísticos para incentivar a participação ativa do aprendiz. Para viabilizar a implantação dessas práticas, o pesquisador indica a necessidade de incluir o estudo de fenômenos aleatórios na Educação Básica e na formação do professor. Campos (2007) apresenta uma tese com dois objetivos principais: 1) realizar um estudo teórico dos fundamentos didáticos da Educação Estatística e a integração desta com Educação Crítica e a Modelagem; 2) desenvolver e executar projetos pedagógicos para aplicar essa integração na sala de aula, considerada como um microcosmo. O autor levantou fundamentos teóricos da didática da Estatística e verificou, a partir dos trabalhos de diferentes autores, a importância do planejamento instrucional possibilitar o desenvolvimento da literacia, do raciocínio e do pensamento estatístico. Sem elas, Campos considera que não é possível o sucesso na aprendizagem de Estatística. A Modelagem Matemática e os projetos formaram a estratégia pedagógica na concepção do ensino objetivando alcançar e desenvolver as três competências já citadas. Já a Educação Crítica foi o elemento essencial na problematização e tematização do ensino. Foi a partir dessa inspiração que trabalhou com dados reais e contextualizados, ao mesmo tempo em que estimulou o debate democrático na sala de aula e a quebra de hierarquias. Isso favoreceu o incentivo da capacidade crítica, a valorização do conhecimento reflexivo e a preparação do estudante para interpretar o mundo. Paralelamente, incentivou-se a prática da responsabilidade social, o desenvolvimento da linguagem crítica, da liberdade individual, da ética e da justiça social. Por fim, emergiu a concepção da Educação Estatística crítica. Rodrigues (2009) discute a construção de ideias e conceitos matemáticos e estatísticos ligados ao Teorema Central do Limite em relação aos licenciandos de Matemática, futuros professores da Educação Básica. No seu quadro teórico aborda 37 a Teoria da Transposição Didática sob a visão da Teoria Antropológica do saber e do didático. Procedendo metodologicamente de acordo com o design didático de pressupostos alinhados com a Engenharia Didática, apresentou a um grupo de estudantes com conhecimento prévio de Estatística um conjunto de situaçõesproblema. Supostamente, as situações seriam pertinentes ao cotidiano de professores de Matemática e relacionadas a problemas existentes na Educação Básica com respeito à literacia estatística. Também analisou livros didáticos do Ensino Superior apoiado na Teoria Antropológica do Didático, detectando limitações e restrições nas obras estudadas. Reitera a importância do ensino da Estatística para a formação dos futuros professores de Matemática realizar-se sob diversificadas aplicações, pois estes vivem em um mundo de avanços tecnológicos que influenciam a leitura de informações. Pamplona (2009) discute o ensino e a aprendizagem de Estatística na formação de Professores de Matemática e as práticas envolvidas. O processo utilizou a Narrativa Biográfica como instrumento de recolha de dados. Os sujeitos da pesquisa são professores que ensinam Estatística em cursos de licenciatura em Matemática em universidades paulistas. A análise das narrativas foi embasada na ideia de comunidade de prática, Teoria Social da Aprendizagem e também na perspectiva histórico-cultural. Professores e alunos foram considerados membros da mesma comunidade de prática. A análise permitiu a verificação das práticas que os professores formadores citaram e que tornam evidentes como foi a sua formação estatística e a formação pedagógica. Professores e licenciandos compartilharam problemas, escolhas, trajetórias e perspectivas no exercício da profissão e no ensino de Estatística. Foram questionadas práticas discursivas e não discursivas que consolidam relações desiguais de poder na formação em Matemática e Estatística e na formação pedagógica. Uma dessas práticas resulta como sugestão o uso de diferentes abordagens para ensino de conteúdos estatísticos e também a análise das contribuições para que cada abordagem seja empregada no ensino de um conteúdo específico. Para Pamplona (2009), atitudes como essas favorecem o desenvolvimento da imaginação do licenciando sobre seu pertencimento a uma comunidade de práticas, além de aumentar o conhecimento das abordagens também leva a perceber não existir caminho único em todas as situações. 38 Costa (2012) considera que as mudanças de paradigmas científicos deram novos significados ao papel representado pelas Ciências no pensamento humano. Acreditando a ocorrência de interação da cognição com a afetividade, sua pesquisa investigou a metodologia de projetos como alternativa no ensino de Estatística no Ensino Superior. Considerou aspectos afetivos da relação professor-aluno durante a formação do nutricionista e o trabalho de campo deu-se por meio de um projeto interdisciplinar integrando as disciplinas de Saúde Pública, Avaliação Nutricional e Bioestatística. A pesquisa foi apoiada em estudiosos da Pedagogia de Projetos, da Psicologia, de Estudos Interdisciplinares, da Educação Crítica, da Análise do Discurso, da Antropologia, da Educação Matemática e da Educação Estatística. A análise interpretativa dos dados apresentou indícios de que o trabalho propiciou a compreensão e a aplicação de conceitos estatísticos em situações semelhantes às que os alunos encontrariam ao exercer sua profissão. Foram constituídos valores e significados que fundamentam o aprendizado de conceitos que contribuíram para o protagonismo da aprendizagem. Além disso, ocorreu mobilização, modificação e ressignificação de fatores sociais e afetivos, ideias e atitudes em relação ao conhecimento que são adquiridas ao longo da escolaridade. Em sua dissertação, Moreno (2010) considera como recente a inclusão da Estatística em currículos da Educação Básica e escassas as pesquisas sobre a compreensão da variabilidade; também aborda a dificuldade dos alunos compreenderem o conceito de desvio padrão e a existência de problemas em articular conhecimentos matemáticos e estatísticos para aplicar em situações diferentes. Foram estudadas as características das atividades que favorecem aprender o conceito de variabilidade de um conjunto de valores durante um curso de formação com alunos de uma licenciatura em Matemática. Além de utilizar como referência do trabalho os cenários de aprendizagem e os pressupostos da Engenharia Didática, Moreno lançou mão de autores ligados à Didática da Estatística e à Educação Matemática. 39 O resultado da sua pesquisa confirmou elementos citados em outros estudos. Uma das possíveis causas estudadas recaiu sobre as elaborações dos enunciados. Outro problema registrado foi em relação à compreensão de elementos expressos por meio de gráficos. Essas duas últimas observações se referem a usos de linguagens, o que pode ser ainda mais problemático quando não se dispõe de elementos suficientes a respeito de um campo de conhecimento além de uma língua local. Na sua dissertação, Sperrhake (2013) buscou compreender como o saber estatístico constitui-se em um discurso da verdade e produz os discursos referentes aos termos alfabetização, analfabetismo e letramento. Tomou como referência os Estudos Culturais em Educação. Além de buscar indícios de como é dada forma de verdade aos números, a autora elencou aspectos históricos e técnicos que conferem à Estatística o estatuto de verdade. No trabalho também podem ser encontradas maneiras pelas quais os saberes de leitura e escrita são quantificados (além da análise das formas de produção de estatísticas sobre alfabetização, alfabetismo e letramento). O suporte teórico fica por conta de escritos filosóficos sobre a sociedade ocidental e seus diversos mecanismos de vigilância, controle e punição, que se tornam em instrumentos de desequilíbrio social e geração de desigualdades. Na composição do material da pesquisa constam referências a artigos acadêmicos de revistas de Educação e de Estatística, resumos de dissertações e teses, matérias de jornalismo impresso e publicações digitais. Esse conjunto de dados foi utilizado para mostrar que a produção discursiva da alfabetização ocorre sob três aspectos: produção de material empírico, procedimento metodológico e na referência às estatísticas (ou ao saber estatístico). As práticas acadêmicas e jornalística são vistas como produtoras do discurso sobre analfabetismo estatístico. A produção discursiva é operada com dados estatísticos expressos por percentuais, dados brutos e como matéria de comparações e classificação. A autora mostrou estratégias utilizadas para dar voz aos dados, no caso deles serem expostos por especialistas. A formação de professores foi vista simultaneamente como causa e solução dos problemas relativos aos baixos índices de alfabetização, alfabetismo e letramento, além de discutir níveis para esses índices. 40 1.2.1 Considerações O que essas dissertações e teses possuem em comum com a presente pesquisa é o fato de lidarem com problemas relativos à Educação Estatística, enveredando por caminhos que não seriam possíveis trilhar caso tivessem abraçado pressupostos positivistas. Os trabalhos apresentam reflexões sobre o ensino de Probabilidade e Estatística e destacam que essa Ciência é importante para compreender a realidade. Há um elemento comum, que é a necessidade de desenvolver a capacidade crítica, valorizar o conhecimento reflexivo e preparar o aprendiz para interpretar o mundo e não apenas assimilar as técnicas de trabalho proporcionadas pelo conhecimento estatístico Reitera-se também a importância da Estatística para a formação intelectual e não apenas como instrumento de trabalho em uma sociedade que convive com avanços tecnológicos e suas influências sobre a leitura de mundo. As discussões levantadas pelos autores incluem a importância que as relações entre os indivíduos têm para a aprendizagem de Estatística, pois elas podem favorecer ou prejudicar a compreensão de conceitos e aplicações. Em todas as pesquisas, o conhecimento estatístico de certa forma emerge como veículo de discussão de aspectos sociais, históricos e técnicos de um conhecimento ao qual é conferida a qualidade de instrumento de percepção de diferentes realidades. Todos os pesquisadores debruçaram-se sobre ocorrências culturais para interpretar fatos que ocorrem dentro de grupos sociais, cujos indivíduos que os compõem podem não ter consciência, por estarem imersos em situações rotineiras de uma cultura própria. O que une esses trabalhos ao nosso é uma busca da interpretação de valores culturais (e também ideias e ritos, porque não?) e assim tentar compreender perspectivas de vida e aspectos culturais, mesmo que ligados a um microcosmo social específico. O que diferencia a presente tese dos demais trabalhos é que, primeiramente, ela aborda um grupo específico: uma turma de Engenheiros de Produção em formação. Outra particularidade é que observamos demandas de formação explicitadas a partir dos estudantes dessa modalidade de Engenharia, 41 verificando fragilidades e concepções equivocadas apresentadas em relação ao conhecimento estatístico. Também buscamos verificar de que formas o plano de curso, os instrumentos de ensino e avaliação relacionavam-se com as necessidades de formação de futuros Engenheiros de Produção. Mais um aspecto que destaca este trabalho dos demais é o fato de apoiar-se em um referencial composto por diferentes abordagens, tais como a Epistemologia, a Filosofia da Ciência, a Educação Estatística, a História da Estatística e a sua sociologia. 1.3 O referencial teórico Conforme afirmou Sader (2008), a Educação nos dias atuais é mais uma peça do complexo quebra-cabeças no processo de acumulação capitalista. Entre outras utilidades, serve de instrumento para reproduzir essa acumulação dentro de sistemas de classes, cujas injustiças decorrem do primado do capital sobre o elemento humano. A Educação da qual ele fala, [...] em lugar de instrumento de emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema [...] um sistema que se apoia na separação entre trabalho e capital, que requer uma enorme massa de força de trabalho sem aceso a meios para sua realização, necessita, ao mesmo tempo, socializar os valores que permitem a sua reprodução [...] (SADER, 2008, p. 15). A partir da definição do tema da pesquisa e da abordagem da investigação realizada, percebemos o teor sócio político que as discussões poderiam tomar. Seria inadequado, portanto, prender-se a um referencial teórico formado apenas por autores que discorrem temas técnicos, fossem eles sobre Ensino ou Estatística. A elaboração do marco teórico da presente tese iniciou-se com a escolha de elementos da Educação Crítica e da Educação Matemática Crítica, apontados por Skovsmose (2007) e por AlrØ e Skovsmose (2010). Skovsmose (2007) discute como o conhecimento matemático dos currículos escolares de diferentes países é utilizado como instrumento de estratificação social e ocultação de aspectos sociais, políticos e culturais. Em AlrØ e Skovsmose (2010) a discussão aponta existência de uma ideologia escolar dominante, fundamentada no racionalismo científico que levou a Educação para os caminhos hoje considerados tradicionais. Os autores partiram dos currículos existentes, estudaram situações 42 externas à escola e discutiram ligações entre conhecimento matemático e democracia em sociedades altamente impregnadas por diversas tecnologias. Além disso, apresentam e descrevem a sua proposta de cenários de investigação. Na continuidade das discussões sobre o conhecimento científico como instrumento de controle social, Feyerabend7 (2007) faz-se presença importante. Ele contrapõe-se ao ensino de Ciência que é realizado de forma simplificadora e que leva à delimitação de campos cada vez mais específicos. Como exemplo, mostra a separação entre a História e o ensino de conceitos ligados a determinado campo científico. Isso condiciona os estudantes a perceberem apenas a lógica de cada setor e também contribui para que as novas gerações considerem cada Ciência um instrumento de justificativa do triunfo do pensamento ocidental. O autor também se opõe à ideia de que o conhecimento moderno é resultado de um desenvolvimento harmonioso, baseado em descrições e descobertas que revelam a ordem racional de um universo, aparentemente imerso no caos. Reflete também sobre a necessidade de relativizar o potencial de explicação atribuído às Ciências e que as formas utilizadas para elaborar e fazer a disseminação do conhecimento ocultam intenções e relações de poder. Demo (2000) é outro autor cujas ideias alinham-se aos dos outros teóricos e suas ideias ajudaram a melhor coordenar as discussões teóricas. Ele considera que, pelo fato do conhecimento estar em permanente reconstrução em redes de interações, os fios dessa trama tendem a ser tensionados por diversos interesses nas comunidades científicas. Além disso, reconhece que existem métodos de controle da produção e disseminação do conhecimento. Isso é um fenômeno político das sociedades contemporâneas, e faz do conhecimento científico mais uma força produtiva e crucial para a reprodução do capital. Em relação aos fatos históricos e sociológicos, Camargo (2009) mostra que, além de instrumento de trabalho, a Estatística serve para moldar visões de mundo e a imagem de cada um em relação ao seu semelhante. Ele também alerta para um importante fato: desde sua fase embrionária o conhecimento estatístico apresenta 7 * Viena, Áustria,1924; † Genolier, Suíça, 1994. 43 sinais de especialização e foi utilizado por parcelas restritas de diferentes sociedades. Lopes (2013) considera que a análise de dados é importante componente curricular desde a educação infantil até os cursos de graduação e que o professor trabalha com alunos que atualmente têm acesso cada vez mais cedo a diferentes estatísticas. A formação matemática centrada na aplicação de fórmulas seguida de exercícios de fixação não é suficiente para as demandas de ensino. A autora considera urgente repensar os programas de curso e as formas de desenvolver o ensino da disciplina nos cursos de licenciatura em Matemática, ponto de vista que pode ser estendido a outras modalidades de graduação em que a Estatística esteja presente. Da mesma forma que Lopes (2013), Gal e Garfield (1997) apresentam metas que consideram comuns à Educação Estatística nos níveis de ensino préuniversitário e de graduação: 1) o aluno deve tornar-se um cidadão informado, capaz de compreender e lidar com a incerteza, a variabilidade e a informação estatística no mundo ao seu redor (para poder participar de uma sociedade da informação); 2) o ensino de Estatística deve contribuir para capacitar o aluno a tomar parte na produção, interpretação e comunicação de dados referentes a problemas em sua vida profissional. A Estatística deve ser apresentada como Ciência dotada de modos característicos de pensar e que transcendem a aplicação de métodos de cálculo específicos. Os autores também discutem diferentes desafios para a avaliação da aprendizagem de Estatística. Curcio, Friel e Bright (2001) pesquisaram sobre a capacidade de ler e compreender dados expressos por gráficos e tabelas estatísticas. Destacam que a dominar a compreensão de informações escritas ou de outra natureza simbólica é uma necessidade que para completa alfabetização nos dias atuais. Entre outros assuntos, o trabalho trata de elementos necessários para compreender a informação transmitida por meio de gráficos. Ao longo do seu desenvolvimento, a Estatística desenvolveu linguagem, conceitos e símbolos próprios. Para aprendê-la, é necessário desenvolver a capacidade de entender suas ideias fundamentais e a linguagem utilizada em sua 44 comunicação. O GAISE College Report8 (FRANKLIN et al., 2005), publicado pela American Statistics Association (ASA - Associação Americana de Estatística) traz um histórico das modificações ocorridas no ensino de Estatística ao longo do século XX. Sua elaboração foi realizada a partir do estudo de normas e orientações para o ensino e avaliação de aprendizagem da Estatística. Seus autores apresentam uma série de recomendações que consideram importantes para o aluno conseguir um bom desempenho em cursos introdutórios de Estatística. As recomendações enfatizam que o ensino da disciplina deve desenvolver o pensamento estatístico e a literacia estatística (capacidade de compreender as ideias fundamentais da Estatística e a sua linguagem). Como a pesquisa foi realizada com indivíduos de uma turma de EP, foi necessário discutir aspectos da formação do Engenheiro de Produção. Para tal, apresentamos as propostas de diretrizes curriculares para a graduação elaborada pela ABEPRO (2001). Outros autores incluídos durante a elaboração da tese foram importantes porque apresentam elementos necessários à fluidez e continuidade do texto. 1.4 A metodologia Ao assumir o que Bortoni-Ricardo (2008) denominou compromisso com a interpretação de ações e significados atribuídos por sujeitos que frequentam uma instituição de ensino, não faria sentido buscar relações lineares de causa e consequência. Muito menos dever-se-ia generalizar e buscar quantificações, procedimento partilhado pelas diferentes Ciências Naturais. Planejava-se interpretar fatos ligados a contextos nos quais se formam Engenheiros de Produção. Na introdução, a tese foi apresentada como uma pesquisa qualitativa, feita a partir da análise interpretativa dos dados construídos. Porém, o que seria uma pesquisa qualitativa? Antes de descrever os procedimentos utilizados, existe a necessidade de explicar porque a metodologia utilizada adequa-se ao trabalho. A metodologia, de acordo com Demo (2006) refere-se à forma instrumental, aos procedimentos, às ferramentas e aos caminhos por meio das quais uma 8 Guidelines for Assessment and Instruction in Statistics Education. 45 pesquisa é executada. O autor ressalta que, a princípio, a metodologia pode ser vista a partir de duas principais vertentes. A mais usual é utilizada nas Ciências Naturais e deriva de uma teoria do conhecimento, “[...] geralmente voltada para a questão da causalidade, dos princípios formais da identidade, da dedução e da indução [...]”. A segunda é ligada à sociologia do conhecimento, “[...] acentua mais o débito social da ciência, sem no entanto desprezar a outra” (DEMO, 2006, p. 21- 22). Um importante alerta é o fato de que não se pode cair no erro de superestimar a metodologia, cuidando mais desta que do objeto de estudo (no presente trabalho, o ensino de Estatística na formação de Engenheiros de Produção). Ainda que se trate do ensino de uma disciplina que prima pelo aspecto quantitativo, não seria adequado à proposta de pesquisa utilizar uma metodologia baseada em testes experimentais, tal como nas Ciências Naturais. Não seria possível abraçar uma proposta positivista e reduzir as análises a seus componentes isolados, submetendo-os a um processo linear. Nosso objetivo é investigar a formação estatística de estudantes de um Curso Superior de EP e, qualquer que seja o nível de ensino, o curso não se faz apenas com currículos e meios materiais. Ao longo de um período de formação estão envolvidas diferentes relações sociais e o primeiro passo, portanto, é reconhecer sua existência em um ambiente de ensino, admitindo que elas ocorrem meio a uma [...] trama complexa, não linear [...] o mais importante, porém, é visualizar a qualidade como expressão complexa e não linear [...] ao mesmo tempo indicativa de sua incompletude ostensiva e potencialmente pretensamente ilimitada [...] (DEMO, 2000, p. 147). Portanto, reduzir os componentes de uma trama a fragmentos isolados, conforme os ditames inspirados nas Ciências Naturais, excluiria pontos de vista, opiniões e subjetividades do pesquisador em relação ao objeto de estudo. Por outro lado, o que se descreve por meio de pesquisa em um ambiente restrito não pode ser generalizado e diretamente utilizado na compreensão daquilo que ocorre em todos os locais onde se ensina Estatística. Uma pesquisa qualitativa deve “[...] fazer jus à complexidade da realidade, curvando-se diante dela, não ao contrário, como ocorre com a ditadura do método ou a demissão teórica que imagina os dados evidentes [...]” (DEMO, 2000, p. 152). A modalidade qualitativa permite apresentar elementos da própria cultura e sociedade 46 onde a pesquisa é realizada. Devemos ainda estar alertas para não tratar dicotomicamente a relação entre qualidade e quantidade, já que a [...] qualidade provém também de bases quantitativas [...] há realidades que talvez pudéssemos chama-las de mais qualitativas, e outras mais quantitativas, mas todas são mesclas de ambas as dimensões [...] qualitas, do latim, significa essência. Designaria a parte mais relevante e central das coisas, o que ainda é vago, pois essência não se vê [...] sinalizaria horizontes substanciais, mesmo que pouco manejáveis metodologicamente [...] qualidade sinaliza a perfectibilidade das coisas, sobretudo nos seres humanos [...] processa-se na matéria que, entretanto, não se comporta como acúmulo quantitativo justaposto e linear [...] qualidade pode coincidir com a complexidade emergente, e apareceria especificamente na relação não linear [...] qualidade aponta para a dimensão da intensidade, para além da extensão. Fenômenos qualitativos caracterizam-se por marcas como profundidade, plenitude, realização, o que aponta para sua perspectiva mais verticalizada do que horizontalizada [...] não expressa apenas justaposição cumulativa, mas também o resultado não linear de processo não linear (DEMO, 2000, p. 146-148, grifos do autor). Devidamente organizadas, as quantidades permitem a emergência de qualidades de um conjunto de dados. Um aspecto importante da pesquisa qualitativa é ela ter se originado de trabalhos das Ciências Sociais, dedicados ao estudo da pluralidade de aspectos da vida social, exigindo “[...] uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões [...]” (FLICK, 2004, p. 18). O autor considera que, sob a denominação de pesquisa qualitativa, podem ser abrigadas diferentes abordagens, posicionamentos teóricos, focos metodológicos e modos de compreender um objeto. Em estudos de natureza sociológica, fenômenos e fatos são muitas vezes complexos a ponto de seus diferentes aspectos poderem ser estudados pormenorizadamente. Para trabalhos dessa natureza, não cabe apenas buscar relações diretas de causa e efeito, o que é marca das Ciências Naturais, que descrevem seus objetos a partir de modelos ideais. É necessário considerar cuidadosamente contextos e situações complexas. O termo complexidade, no caso, deve ser compreendido como “[...] um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas [...] se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado [...]” (MORIN, 2006, p. 13, grifos do autor). Tentamos evitar a fragmentação excessiva, pois ela pode fazer com que os resultados não sirvam para avaliar novas situações. Ao lidar com uma pesquisa qualitativa, deve-se 47 [...] planejar métodos tão abertos que façam justiça à complexidade do objeto em estudo [...] fator determinante para a escolha de um método e não o contrário. Os objetos não são reduzidos a variáveis únicas, mas são estudados em sua complexidade e totalidade em seu contexto [...] os campos de estudo não são situações artificiais em laboratório [...] (FLICK, 2004, p. 21). Uma pesquisa qualitativa deve estar aberta à busca do novo, desenvolvendo empiricamente teorias adequadas às situações que descreverá, ao invés de ater-se ao teste de situações concebidas que ratifiquem alguma teoria. Por não se constituir em torno de um único eixo teórico e metodológico, a pesquisa qualitativa tem ponto de partida subjetivo, mesmo que possua um objetivo explícito a cumprir. A pesquisa qualitativa presta-se a analisar conhecimentos, práticas e interações dos personagens a partir de diferentes perspectivas subjetivas. Acrescentamos o ponto de vista de Lüdke e André (2003), baseados em Bogdan e Biklen (1982). Elas apresentam características que configuram uma pesquisa qualitativa: 1) o ambiente natural é a fonte direta de dados e o pesquisador é o principal instrumento; 2) os dados coletados têm predominância descritiva; 3) preocupação maior com o processo do que com o produto; 4) os significados atribuídos pelas pessoas são foco especial de atenção do pesquisador; 5) a análise dos dados tendem a seguir um processo indutivo. No início da década de 1920, a Escola de Frankfurt (nome dado a um grupo de pensadores), apresentou as primeiras críticas ao pensamento positivista. A partir dessas críticas, os pensadores buscaram alternativas para pesquisas científicas, constituindo um novo paradigma: o paradigma interpretativista (BORTONIRICARDO, 2008). O ambiente escolar é justamente um espaço privilegiado para pesquisas baseadas no interpretativismo, denominação sob a qual podem ser encontradas diversas formas de pesquisas qualitativas. Dessa forma, apoiados nas ideias de Demo (2000 e 2006), Lüdke e André (2003), Flick (2004) e Bortoni-Ricardo (2008), consideramos a presente tese enquadrada na modalidade de pesquisa qualitativo-interpretativa. 48 1.5 O Contexto da pesquisa O trabalho de campo foi realizado em 2013 (segundo semestre) e 2014 (primeiro semestre) em uma turma de EP, em uma Instituição Federal de Ensino, localizada no município de Cariacica, na Grande Vitória, Espírito Santo, composta por 35 alunos. Nessa instituição, além da EP (cursada em turno integral e regime semestral), atualmente são ministrados outros cursos de diferentes níveis: cursos técnicos com duração de dois anos, cursos técnicos integrados ao Ensino Médio Regular, cursos técnicos subsequentes ao Ensino Médio, Licenciatura em Física, além de Pós-Graduação Latu Sensu em EP. O prédio onde funcionam os cursos técnicos foi inaugurado em 2012 e ainda há obras em andamento. As salas de aula, assim como as destinadas ao uso de professores, são climatizadas. Obtido o consentimento do coordenador do curso, que acolheu a ideia sem impor obstáculos e permitindo a pesquisa, esta foi iniciada imediatamente, com a distribuição e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). O trabalho de campo foi desenvolvido a partir do momento em que o pesquisador entrou em um ambiente já ocupado por outros elementos e repleto de interpretações dadas por eles. A Estatística, disciplina em foco, é lecionada em dois semestres, sob as denominações de Estatística I (carga horária de 30 horas, oferecida no terceiro período) e Estatística II (carga horária de 45 horas, oferecida no quarto período). A íntegra dos planos de ensino está nos anexos da Tese. 1.6 Instrumentos para coleta de dados Para a coleta de dados foram escolhidos dois instrumentos: o questionário e a entrevista, apresentados nos apêndices. Apenas os alunos da turma pesquisada responderam ao questionário, ainda durante o curso de Estatística I. Já a entrevista foi aplicada inicialmente aos alunos sorteados e/ou escolhidos e à professora regente da turma, durante o curso de Estatística I. Posteriormente foram colhidos mais dois depoimentos dos alunos: durante o curso de Estatística II e após o seu término, quando já cursavam disciplinas que aplicam o conhecimento Estatístico. A 49 professora foi entrevistada mais uma vez, após a terceira entrevista dos alunos. Todos os entrevistados responderam às mesmas perguntas. 1.6.1 Sobre a aplicação do questionário Em relação à aplicação do questionário serão feitas algumas observações iniciais com base no trabalho de Moreira e Caleffe (2006). Os autores afirmam que não há instrumento totalmente adequado ou inadequado, mas sim melhor ou pior para o momento em que se trabalhe. Inicialmente existem duas limitações para a aplicação de questionários: a tendência dos dados levantados é descrever e não explicar o porquê de determinados fenômenos ou comportamentos; além disso, esses dados podem ser superficiais. Surge, então, um questionamento: por que aplicar um questionário e não um outro instrumento? Apesar do risco de superficialidade dos dados, essas respostas, como primeira análise, apresentam indícios representativos da composição da turma e do perfil escolar dos indivíduos, que serão apresentados no capítulo de construção dos dados. As questões do questionário foram redigidas para não dar margem a divagações dos respondentes e, apenas na última pergunta, houve maior liberdade para construção das repostas. A partir do questionário foi possível obter dados importantes sobre a escolarização dos alunos e o seu entendimento da Estatística. Como o universo de aplicação desse instrumento de pesquisa foi limitado aos alunos da turma, não se correu o risco de perder o controle sobre a representatividade da amostra, pois isso poderia acarretar uma análise tendenciosa do quadro inicial. Como vantagem sobre a escolha do instrumento, verificou-se que não foi preciso estratificar a amostra. 1.6.2 Sobre as entrevistas A pesquisa qualitativa não depende apenas da performance do pesquisador, pois também está ligada a outros elementos, como os vários cenários, o problema a ser investigado e as suas contingências. No nosso caso, as técnicas de coleta de dados e as estratégias de análise foram padronizadas para evitar perdas de dados. Optou-se por registrar as entrevistas por meio de gravação em áudio. Após cada 50 entrevista, os depoimentos foram transcritos na íntegra. O objetivo no caso foi viabilizar a análise do conteúdo desses depoimentos e a construção dos dados. A entrevista, momento de interação de alta complexidade, pode ser classificada em padronizada e não padronizada. Entre as formas não padronizadas está a forma semiestruturada que facilita a aplicação pelo próprio pesquisador. Uma vantagem é que ela favorece a análise de quem está diretamente envolvido no processo de pesquisa (MOREIRA; CALEFFE, 2006). Em relação ao formato semiestruturado, existem algumas questões iniciais a justificar: Por que utilizá-la? Onde realizá-la? Quem e quando entrevistar? Também deve-se considerar alguns elementos capazes de influenciar o resultado de uma entrevista. Os envolvidos nessa interação têm uma identidade pessoal, um passado e vários elementos que os destacam dentro do seu grupo social. Um deles é o entrevistador (no caso o próprio pesquisador), que possui características pessoais. No nosso caso não seria prático deixar o entrevistado divagar ilimitadamente e era necessário exercer algum controle sobre as discussões. Analisando como pesquisador, pesquisado e entrevistador podem influenciar o resultado de uma entrevista, a forma semiestruturada tem a vantagem de reduzir as influências geradas pela presença dos três elementos. “[...] Qualquer que seja o tipo de entrevista [...] quanto mais o entrevistador envolver-se com a situação, maior será o potencial de sua influência” (MOREIRA; CALEFFE, 2006, p. 183). Foi necessário preparar um roteiro de entrevista, pois não bastaria ir a campo e conversar com os sujeitos da pesquisa. As perguntas foram organizadas em blocos de temas, inspiradas na resolução número 11 do Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Ensino Superior (CNE/CES). Chamaram a atenção três itens de um dos artigos: Art. 4º A formação do engenheiro tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais [...] IX - atuar em equipes multidisciplinares; X compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais; XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental (NCE/CES, 2002, p.1). Os três itens citados definem importantes aspectos de atuação profissional. 51 Ainda em relação às entrevistas, cabem algumas explicações. O procedimento metodológico de entrevistas dá-se comumente em duas etapas, sendo a segunda para análise das repostas dadas na primeira. Escolhemos fazê-lo em três etapas, sendo a terceira objetivando um maior aprofundamento das análises. Como resultado da opção, pode-se observar as mudanças de percepção dos estudantes em relação à Estatística e as suas relações com as demais disciplinas do curso. Sobre a escolha dos alunos, por não se tratar de trabalho para estimar parâmetros populacionais, os entrevistados não foram sorteados aleatoriamente. A lógica de escolha não foi a mesma da probabilística aplicada à Estatística, mas constituindo-se em um processo intencional, seguindo os seguintes critérios: a) entrosamento com a professora no andamento das aulas (os dois alunos mais entrosados com a professora já faziam parte do grupo com notas mais altas); b) na primeira prova do semestre a nota não deveria ser a mais alta, mas acima da média da instituição (nota 6,0); c) um aluno reprovado em Estatística I completou a composição do grupo de entrevistados. Esse aluno foi escolhido porque pensamos ser importante o depoimento dos extremos (tanto em relação ao melhor entrosamento quanto em relação à reprovação). Além disso, ainda pudemos contar com o que pensam dois alunos que se encontram em situação confortável com relação à nota para aprovação, mas que usualmente não têm destaque por estar em uma zona intermediária de classificação. O Aluno 1 foi escolhido para entrevista por se destacar na interação com a professora durante as observações de aulas e pela facilidade com que dialogava sobre os conteúdos. Ele nasceu em 1994, não havia feito outro curso superior, mas havia cursado Estatística no Nível médio. Primeiramente o que o motivou a escolher o curso de EP foi por querer uma engenharia e ver a EP como forma de lidar mais com as pessoas, considerando essa modalidade uma engenharia mais humana e uma forma de ter mais em contato com as pessoas. O aluno constatou por pesquisa própria que gerir a produção seria uma forma de ter mais contato com as pessoas, ao invés de realizar tarefas burocráticas ou se ver à frente de um computador criando instruções e definindo programas, concebendo ferramentas e fazendo simulações. 52 O Aluno 2 foi escolhido para a entrevista pelo mesmo motivo do anterior: o destaque na interação com a professora, tanto ao perguntar sobre os procedimentos quanto pela facilidade com a qual dialogava sobre os conteúdos. Nascido em 1991, estava no terceiro semestre do curso quando a pesquisa foi iniciada. Não havia feito outra graduação, mas havia cursado técnico em Administração durante o Ensino Médio Regular e estudado Estatística no Ensino Médio. O que inicialmente o motivou a escolher o curso de EP foi se tratar de modalidade com amplas possibilidades de atuação. Também pesou o fato de estudar conteúdos de várias áreas das engenharias ao mesmo tempo, o que permitiria ter diante de si um leque maior de opções no mercado de trabalho. O aluno 3 foi sorteado para entrevista entre os alunos cuja nota estava acima da média na primeira prova e, entretanto, não figurava entre as mais altas. Nascido em 1994, estava no terceiro período sem ter passado por outro curso superior. Não havia feito curso técnico, seu Ensino Médio foi regular e estudou Estatística nessa época. O que o motivou a escolher o curso de EP na instituição em que se matriculou foi cursar as disciplinas ligadas à Matemática para posteriormente pedir isenção em outra universidade, caso fosse aprovado em novo exame vestibular. O Aluno 4 foi sorteado pelo mesmo motivo do aluno 3: nota acima da média sem, entretanto, estar entre as maiores. Nascido em 1992, também estava no terceiro período quando do início da pesquisa. Não fez curso superior nem técnico anteriormente e já havia cursado Estatística no Ensino Médio Regular. O Aluno 5 foi escolhido por ter sido reprovado na disciplina no semestre em que o trabalho foi iniciado. Nascido em 1984, também estava no terceiro período quando a pesquisa foi iniciada. Havia cursado gestão empresarial em curso técnico no Ensino Médio Regular, no qual estudou Estatística. Já havia cursado parte da graduação em EP em uma instituição privada. Completando o grupo de pessoas entrevistadas, temos a professora de Estatística, que logo após terminar o Ensino Médio (aos 17 anos) ingressou no curso de Matemática e concluiu apenas o bacharelado, no período de 2000 a 2004. Graduada em Matemática, foi aprovada no mestrado em Engenharia Ambiental e ao 53 término dessa pós-graduação resolveu retornar à Universidade, graduando-se em Estatística. Seu ingresso no quadro de professores da Instituição Federal em que atua deu-se após terminar a segunda graduação. Na época da segunda entrevista cursava o Doutorado em Engenharia Elétrica, pesquisando a aplicação da Estatística a redes ópticas. No trabalho, utilizou maciçamente o conhecimento estatístico. 1.7 A análise do conteúdo Pelo fato da tese basear-se em uma pesquisa qualitativa, a escolha do viés qualitativo da Análise de Conteúdo não foi por acaso. Essa opção tem origem nas Ciências Sociais e Humanas, na década de 1970, época em que aprofundou-se a discussão do primado do método científico das Ciências Naturais. Havia a necessidade de responder a algumas perguntas relacionadas às preocupações com um estudo para o qual o método experimental das Ciências Naturais não é adequado: [...] como estar à escuta cientificamente e com rigor, de palavras, de imagens, de textos escritos e discursos pronunciados? Como passar do uno ao múltiplo? Como compreender, analisar, sintetizar e descrever inquéritos, artigos de jornais, programas de rádio ou de televisão, cartazes publicitários, documentos históricos e reuniões de trabalho? (BARDIN, 2011, p. 11) Na Física, por exemplo, é possível reproduzir experimentos sob condições praticamente idênticas, o que não ocorre nas Ciências Sociais. No nosso caso era necessário agir cientificamente e tratar com rigor as falas dos entrevistados. Tanto as respostas do questionário (Apêndice B) quanto as da entrevista (Apêndice C) necessitaram ter os conteúdos analisados qualitativamente. Dessa forma, a análise das respostas dadas às perguntas do questionário e da entrevista foram organizadas pela Análise de Conteúdo, pois seria necessário tratar os elementos de análise em sua complexidade e também por não ser possível utilizar um procedimento simplificador diante da realidade estudada. Tratava-se, portanto, “[...] de exercer um pensamento capaz de lidar com o real, de com ele dialogar e negociar” (MORIN, 2006, p. 6). A Análise de Conteúdo possibilita diferentes modos de conduzir o processo de construção de dados. Moraes (1999) a caracteriza como metodologia dotada de 54 uma sequência de passos a serem aplicados. Hsieh e Shannon (2005) não a consideram um método único, mas uma técnica flexível de pesquisa qualitativa, passível de abordagens distintas. Bardin (2011) considera a Análise de Conteúdo um método a ser utilizado para analisar materiais resultantes de alguma forma de verbalização. Os procedimentos propostos por esta última foram adotados na análise dos dados da tese. Hsieh e Shannon (2005) consideram que a Análise de Conteúdo pode ser convencional, direcionada ou sumativa. Na primeira modalidade, as categorias de codificação derivam diretamente de dados do texto. Caso se adote a abordagem direcionada, a análise é feita embasada em uma teoria (ou resultados de pesquisas consideradas relevantes). Já a análise sumativa envolve contagem e comparações de palavras-chave (ou conteúdo), a partir da qual os contextos são interpretados. A abordagem específica, escolhida pelo pesquisador, deve estar de acordo com seus interesses teóricos e o problema que será abordado. Como em nosso caso, partimos de quadros teóricos pré-existentes, a segunda modalidade é a mais adequada à construção, descrição e análise dos dados. A principal vantagem da abordagem direcionada é que a teoria na qual se apoia pode ser estendida e a Análise de Conteúdo tende a ser mais estruturada do que a convencional (HSIEH; SHANNON, 2005). Ao optar pela abordagem direcionada, a ideia foi fazer da categorização um processo dedutivo a partir de conceitos do quadro teórico. O trabalho de análise foi realizado entre a objetividade e a subjetividade, tratando de aspectos qualitativos sem ignorar a frequência com a qual se encontraram os elementos no texto (aspecto quantitativo). Isso foi importante para chamar a atenção, localizar e evidenciar esses elementos. Porém, a análise qualitativa tende mais a usar métodos intuitivos, porque se adapta melhor à observação e ao estudo de elementos que não foram definidos previamente. A análise qualitativa serviu para classificar sistematicamente os depoimentos segundo categorias. Isso possibilitou interpretar elementos subjetivos das falas transcritas, codificar e identificar padrões nas respostas. 55 Ao optar pela vertente qualitativa, assumiram-se pressupostos tanto epistemológicos quanto de pesquisa, ainda que em alguns momentos eles não fossem explicitados. Quando se exercita a análise de conteúdo, os fenômenos sociais não devem ser considerados transparentes e de intepretação óbvia. Nesses casos, seria indevido considerar uma transparência epistêmica9, capaz de dotar o pesquisador da capacidade de analisar diferentes contextos de forma direta e objetiva. Não existe tal transparência, capaz de prover uma certeza que elimine a dúvida, estabelecendo a verdade dentro de padrões claros, cujo domínio é universal e indubitável. Diante de um quadro complexo como é o estudo na área de Educação, o pesquisador também não deve se deixar envolver pelo instrumento utilizado, ao mesmo tempo em que lembra constantemente das limitações de sua utilização. Procuramos superar compreensões espontâneas e evidências imediatas, ao mesmo tempo em que se buscava evitar raciocínios extremamente simplificados ao interpretar a realidade. Procuramos utilizar a Análise de Conteúdo como um instrumento para [...] estabelecer [...] uma correspondência entre as estruturas semânticas [...] e as estruturas psicológicas ou sociológicas [...] a leitura efetuada pelo analista [...] não é unicamente, uma leitura ‘à letra’, mas antes o realçar de um sentido que figura em segundo plano [...] (BARDIN, 2011, p. 47, grifos da autora). Essa leitura deveria, portanto, passar da superfície do texto e, por meio de um trabalho de aprofundamento, descrever e analisar diferentes elementos responsáveis pelas características deduzidas. O objetivo foi chegar à diversidade de significados dos elementos encontrados na mensagem. A partir dos objetivos traçados e da utilização de sistematizações, busca-se descrever o conteúdo da mensagem, refletindo que a Análise de Conteúdo tem dois objetivos de trabalho importantes a destacar: 1) explicitar e sistematizar o estudo do conteúdo de uma mensagem por meio de deduções e justificativas, procurando superar a incerteza e enriquecer a leitura; 2) obter e validar elementos generalizáveis para esclarecer significados de aspectos cuja compreensão não é 9 Skovsmose (2007) - Com este termo o autor refere-se à possibilidade de apresentar claramente a natureza do conhecimento e suas diferentes formas de elaboração, apoiada principalmente na simplificação e no estreitamento de domínios científicos, com a primazia do método dedutivo e da abstração da realidade como instrumentos de alcance da verdade. 56 imediata. Ela também possui duas funções consideradas indissociáveis: 1) a heurística: que enriquece a exploração dos significados; 2) a administração da prova, que dirige a análise ao buscar a confirmação da veracidade, pois as questões levantadas sempre são consideradas provisórias. Os objetivos e funções são necessários à descrição analítica e as hipóteses levantadas durante a análise também são consideradas provisórias, dirigindo o trabalho para a busca de confirmações. Objetivos e funções são necessários à descrição analítica e à elaboração de sistematizações para descrever o conteúdo de uma mensagem. Durante a análise do conteúdo dos dados, a categorização consistiu em dividir os componentes das mensagens a partir de diferenciações e reagrupamentos de elementos análogos, com o objetivo de facilitar a compreensão dos dados brutos. Para delimitar as unidades de codificação e registro, procuramos subcategorias que tivessem o máximo das seguintes qualidades: mutuamente exclusivas (um elemento não poderia figurar em mais de uma delas); homogeneidade (cada subcategoria possuía elementos afins); pertinência (existência de nexo entre os elementos categorizados); fidelidade (as diferentes partes do mesmo material tiveram a mesma codificação); produtividade (cada subcategoria produziu resultados importantes). A organização da análise cumpriu três fases ordenadas cronologicamente: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (onde ocorreram inferências e a interpretações). Na pré-análise o material foi organizado para favorecer a sistematização. Nessa fase, a partir da leitura dos documentos, formulou-se algumas hipóteses e objetivos iniciais de exploração, do material, elaborando indicadores para uma primeira interpretação. Na pré-análise, os produtos e efeitos do trabalho foram simultaneamente “[...] causas e produtores do que os produz [...]”, caracterizando um processo recursivo (MORIN, 2006, p. 74). As escolhas de documentos possibilitaram interpretar significados, originando novas formulações. No caso das entrevistas, o contato com o documento e a pré-análise deram-se após as transcrições, quando da organização das respostas para a tessitura das primeiras considerações, a partir da leitura flutuante. Após esse contato com as transcrições para escolha do universo de documentos e composição do corpus (conjunto de documentos a serem analisados), constatou-se que a simples organização individual das entrevistas não seria o 57 procedimento ideal para a categorização. Após a primeira abordagem, a opção foi estudar as respostas agrupadas de acordo com a sequência de perguntas da entrevista. Os arquivos com as respostas produziram textos nos quais manifestaram-se indicadores, explicitados durante a análise. A escolha e organização desses indicadores serão explicadas no capítulo dedicado à construção dos dados. A organização para análise e codificação dos dados deu-se a partir da ordenação das respostas em blocos e, na fase seguinte (a codificação), os dados brutos das entrevistas foram transformados para expressão de seu conteúdo. O procedimento seguiu a orientação de Bardin (2011): o recorte (e a escolha das unidades); a enumeração (escolha das regras de contagem); a classificação e a agregação (escolha das categorias). As unidades de registro utilizadas foram as respostas dadas pelos entrevistados, justamente a opção considerada melhor para iniciar a preparação do material. Assim, a unidade de registro tratou o conjunto de respostas dadas a cada questão. A escolha da unidade de registro e de contexto possibilitou categorizar e contar frequências, embora esta última não fosse a principal intenção. Em cada unidade de registro foram identificados conteúdos, a partir dos quais formulamos a categorização. Definida a unidade de registro, as unidades de contexto que serviram para compreender e codificar as unidades de registro foram os recortes das declarações dos alunos sobre cada tema. O próximo passo foi verificar a ausência e/ou presença de elementos nas falas dos entrevistados, assim como a existência (ou não) de repetições de termos nas declarações de diferentes indivíduos. Ao categorizar, lança-se mão de processos de classificação para organizar as informações em conjuntos de características comuns. As respostas dadas às perguntas do questionário e da entrevista originaram as categorias e subcategorias. As subcategorias utilizadas para classificar os dados são emergentes (FIORENTINI; LORENZATO, 2006), recebendo essa denominação por serem estabelecidas durante a organização e interpretação dos dados. 58 1.8 Considerações sobre o capítulo Conforme já antecipado, a questão central desta tese é verificar como ocorre a formação estatística de futuros Engenheiros de Produção. O engenheiro, por sua vez, é um profissional que tem na Estatística um importante instrumento para aplicar no seu campo de atuação. O desafio, portanto, é investigar a formação estatística de estudantes de um Curso Superior na área de EP. Até agora discorremos sobre o motivo da pesquisa, a obtenção do material para o corpus do trabalho, da escolha da metodologia e da forma usada para construir e descrever os dados. A partir da formulação do objetivo e da questão central, temos as nossas questões norteadas pela Análise de Conteúdo, que além de um procedimento metodológico, serve como elemento de ligação entre o referencial teórico, a construção de dados e a elaboração das categorias de análise. Antes de apresentar os dados e as categorias de análise, trataremos da História das Engenharias e do conhecimento estatístico, tarefa dividida nos capítulos 2 e 3, que são complementares. O próximo capítulo foi reservado à apresentação de aspectos históricos do conhecimento moderno e da origem da profissão de Engenheiro. Discutiremos também algumas relações entre o Conhecimento Moderno, a Revolução Industrial e o desenvolvimento de diferentes ramos das Engenharias. 59 CAPÍTULO 2 - CONHECIMENTO MODERNO, AS ENGENHARIAS E A ESTATÍSTICA. Talvez não sejamos a medida de todas as coisas, como propôs o grego Protágoras, em tempos présocráticos, mas somos as coisas que podem medir (Marcelo Gleiser). 2.1 Introdução Este capítulo foi elaborado com o objetivo de apresentar algumas relações entre o conhecimento moderno, a Estatística e a Engenharia. A partir do século XVIII, após diversas transformações nas formas de tratar o conhecimento existente, chegou-se a uma forma denominada de método científico. Vários grupos sociais, em diferentes períodos, desenvolveram formas distintas de formular conhecimento e disseminar saberes. Em seus primórdios, os padrões matemáticos eram registrados e disseminados a partir do próprio local de elaboração (MIORIM, 1998). São conhecidos registros matemáticos que datam de aproximadamente cerca de 2400 antes de Cristo (DAVIS; HERSH, 1985). Inicialmente, o conhecimento matemático e os saberes técnicos não eram especializados, não havendo uma nítida separação entre o ambiente de criação, o de registro e o de ensino. O afastamento entre a produção e o ensino da Matemática ocorreu posteriormente, devido ao crescimento da quantidade e da complexidade de saberes, além de mudanças nas condições sociais, econômicas e políticas em determinados lugares e períodos históricos. No Egito governado pelos Faraós, por exemplo, existiam sacerdotes, funcionários públicos, militares, artesãos, comerciantes, camponeses e escravos, cada um deles exercendo papéis específicos na sociedade da época. A partir da separação entre as atividades manual e intelectual, passou a existir entre os povos da antiguidade uma intencional diferenciação entre o ensino voltado para a prática cotidiana e aquele direcionado à formação de uma elite dirigente. 60 2.2 A Revolução Científica e a Ciência Moderna Henry (1998) considera que o ponto de partida para ocorrer a Revolução Científica foi a Filosofia Natural. Os desdobramentos dos trabalhos de indivíduos conhecidos como filósofos naturais representam a base para a elaboração do Conhecimento Moderno e das diferentes Ciências, nos moldes em que são atualmente desenvolvidas. As explicações que a Filosofia Natural dava para diferentes fenômenos contou cada vez mais com a aplicação do conhecimento matemático. Progressivamente foi-se criando condições para que a Matemática se tornasse elemento de formulação e sustentação do discurso científico moderno. A Revolução Científica foi, na verdade, uma teia de eventos com auge no século XVII, na Europa Ocidental. Foram alterados métodos de elaborar conhecimentos e legar novos saberes à posteridade. Entraram em cena pensadores como Galileu, Descartes, Leibniz e Newton que, por meio de seus trabalhos, consolidaram de vez a quantificação como instrumento científico. O conhecimento matemático tornou-se um meio de descrição de fenômenos e resolução de problemas, combinando experimentação, dedução e conhecimento matemático. Com isso, rompe-se [...] com a barreira existente entre a tradição artesanal e a culta, entre a razão e a experiência, [...] as matemáticas passaram a desempenhar um novo e importante papel: o de ferramenta necessária à explicação dos fenômenos [...] como elemento fundamental para a formação, comprovação e generalização de resultados que podem, ou não, ser confirmados na prática (MIORIM, 1998, p. 41). Nessa ruptura, homens que inicialmente eram filósofos da natureza levaram parte do mundo a modificar suas formas de ver o universo, descrevendo-o e o compreendendo por meio do uso de conhecimento matemático. Os fenômenos passam a ter outro padrão para descrevê-los, por meio de fórmulas e aplicações numéricas. A Matemática passou a ser um instrumento para atribuir precisão na descrição de fenômenos, certificando e validando novos saberes. A inserção cada vez maior de instrumentos matemáticos em diferentes campos impulsionou seu desenvolvimento. A cumulatividade da Matemática, por sua vez, acarretou um novo problema para o profissional da área: ele trabalha com uma quantidade crescente de saberes, o que o impossibilita de dominar cada setor da 61 Ciência e conhecer detalhadamente seus conteúdos. Isso fez com que cada diferente setor da Matemática crescesse, guardando ou não relações com os demais. O progressivo destaque do conhecimento matemático na Ciência Moderna suscitou discussões sobre a legitimidade de seu alcance. Para Santos (2004), a relação entre Ciência Moderna e Matemática vai além do fato desta servir de instrumento para desenvolver o conhecimento de outros campos. Ela tornou-se guia de conduta em setores que, originalmente, dela não se utilizavam. Além disso, a Matemática propicia à Ciência Moderna uma lógica investigativa, um modelo de representação de estruturas e um [...] instrumento privilegiado de análise [...] deste lugar central da matemática na ciência moderna derivam suas consequências principais [...] conhecer significa quantificar [...] as qualidades intrínsecas do objecto são [...] desqualificadas e em seu lugar passam a imperar quantidades em que eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante [...] o método científico se assenta na redução da complexidade [...] conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou [...] (SANTOS, 2004, p. 26 e 27). O quadro de relações criado a partir da Revolução Científica foi posteriormente reforçado pelo Positivismo e o conhecimento matemático tornou-se elemento centralizador do discurso científico. A quantificação adotada como sinônimo de excelência na redação do discurso científico ultrapassou o ponto de elemento disponível para a resolução de problemas. Ao descrever fenômenos não matemáticos, transformou-se em instrumento de reducionismo, adentrando o discurso científico moderno para simplificar e formular leis descritoras de fenômenos naturais. Dentro do conhecimento científico moderno, a quantificação passou a ser um instrumento para elaborar regras em diferentes contextos, como quando se aliou à Estatística na busca de leis simplificadas, objetivando descrever comportamentos de grupos sociais. Fenômeno análogo ocorreu no relacionamento da Matemática com a Física. 62 2.3 A Revolução Industrial e a organização das cadeias produtivas Conforme Germer (2009) e Barros (2012), o conceito de modo de produção é uma elaboração marxista que designa a maneira pela qual um grupo social se organiza para produzir meios de atender as suas necessidades materiais. Esse conceito constitui-se em um conjunto de relações segundo as quais uma sociedade produz, distribui e utiliza as mercadorias e a prestação de serviços. Trata-se de um instrumento criado com objetivo de compreender a realidade, orientando a análise das relações sociais e, ao longo do tempo, passou por reelaborações feitas por historiadores que presenciaram mudanças socioeconômicas (BARROS, 2012). Basicamente, o pensamento marxista considera a História feita por pessoas reais, atuando de acordo com suas condições materiais de vida. Os grupos sociais são constituídos, portanto, por atores históricos que formulam concepções de mundo em decorrência da sua prática material. Uma vez que os seres humanos necessitam de meios para suprir suas necessidades, tornam a própria vida associada às condições materiais de produção para a subsistência. Assim, os indivíduos participantes da vida econômica de uma sociedade encontram-se envolvidos em relações de produção, distribuição e consumo. Além da prestação de serviços, também são consideradas atividades econômicas o extrativismo, a agricultura e a produção industrial. Em uma sociedade, o modo de produção é formado pelas suas forças de produção, organizadas de acordo com determinadas relações de produção, que correspondem às ligações entre os elementos envolvidos no processo produtivo. As forças produtivas são compostas pelos meios de produção, a força de trabalho e os elementos necessários ao processo de produção. Nelas estão incluídos o local físico da produção, os meios utilizados no processo produtivo e a força de trabalho. No exemplo da indústria, os meios de produção constituem-se em recursos como ferramentas, maquinaria, matéria-prima e instalações. A força de trabalho é formada por força física, habilidades e conhecimento técnico dos produtores. A partir da Revolução Industrial, progressivamente, os donos dos meios de produção têm se apropriado tanto do conhecimento técnico quanto do científico, tornando-os, dessa forma, elementos associados à cadeia produtiva (via aperfeiçoamento de máquinas e de processos produtivos). 63 Quando a propriedade dos meios produtivos é privada, os indivíduos possuem somente a força de trabalho para oferecer. A característica principal do modo de produção capitalista é o trabalho assalariado, e as relações de produção baseiam-se na propriedade privada dos meios de produção pela classe social dominante, a burguesia. No capitalismo, trabalhadores e burguesia são classes sociais antagônicas em relação à propriedade do modo de produção. Ao longo do tempo, portanto, as relações de produção se alteram conforme as forças produtivas desenvolvem-se, ajustando-as ao modo e às relações de produção. Ao mesmo tempo, diferentes formas de expressão cultural, ideológica, de elaboração do conhecimento e de técnicas, também podem promover transformações sobre as estruturas sociais existentes. Um exemplo é o domínio de técnicas agrícolas e de pastoreio, que contribuíram para a fixação de grupos sociais em determinados territórios. Com isso, não foi mais necessário deslocar populações em busca de alimentos. A História, portanto, é feita pela sucessão de modos de produção e a sociedade capitalista é fruto de um desenvolvimento histórico, resultante do relacionamento do ser humano com as suas formas de produzir. Por outro lado, o capitalismo é o primeiro modo de produção da História em que existe a intencionalidade da inovação tecnológica, o instrumento com o qual se procura vencer a concorrência no mesmo setor produtivo. Enquanto a quantidade de inovações aumenta e acirra-se a competição, mais complexa torna-se a tecnologia e maior é a velocidade com que ocorrem as inovações (GERMER, 2009). 2.4 As Engenharias e a Ciência Moderna Cunha (2002) esclarece funções e modos de atuação da EP e da formação do Engenheiro de Produção. Seu trabalho apresenta as diretrizes curriculares e as habilitações previstas nessa área. Também trata da especialização da referida profissão, surgida no decorrer do Século XX, em decorrência do avanço da organização das cadeias produtivas na indústria. Desde os primeiros passos da Revolução Industrial, a organização da empresa industrial evoluiu, buscando níveis cada vez maiores de produtividade. Os 64 esforços iniciais focalizavam o processo de produção e as Engenharias, de uma forma geral, tratavam de conceber e pôr em funcionamento os meios de fabricação industrial. Posteriormente, veio o aperfeiçoamento dos processos de produção, a partir da mecanização do trabalho, com o uso intensivo de máquinas. Nesse momento, as atenções voltaram-se para a organização do chamado chão-de-fábrica, visando o aumento da rentabilidade dos investimentos. Evoluíram as abordagens relacionadas à logística de produção, com o surgimento do Taylorismo, introduzindo a noção de otimização do trabalho. O passo posterior dessa evolução da produção industrial foi dado após a Segunda Guerra Mundial, objetivando o aperfeiçoamento do produto. Paralelamente à demanda cada vez maior pela melhoria da qualidade dos produtos ocorreu a massificação da informação e da automatização de maquinário e equipamentos, facilitado pelo avanço da informatização. Portanto, existe um histórico por trás do desenvolvimento das Engenharias, e o seu ensino acompanhou os avanços dos processos industriais. Até a Revolução Industrial (CUNHA, 2002), a Engenharia era subdividida em dois ramos: o militar e o civil. O próprio caráter evolutivo das Engenharias levou ao surgimento de outros, tais como Mecatrônica, Telecomunicações e Alimentos, gerando ramos cada vez mais especializados. A evolução do conhecimento e as novas subdivisões que surgiram, por exemplo, Mecânica, Elétrica e de Minas, foram acompanhadas por mudanças no ensino. A EP nasceu voltada para o desenvolvimento de métodos e técnicas, com objetivo de otimizar a utilização dos recursos produtivos, buscando a constante evolução da gestão dos meios de produção. O perfil do egresso da graduação em EP é o de um profissional conhecedor de técnicas de otimização e que, ao mesmo tempo, organiza a gestão da produção. Além disso, deve ser capaz de estabelecer interfaces entre diferentes áreas e sistemas técnicos e entre essas áreas e os setores administrativos na empresa. Sendo assim, deve ser apto a decidir de forma coerente a adoção de abordagens gerenciais sem que, entretanto, descuide dos sistemas técnicos. Também deve manter vivo o espírito de solucionador de problemas, sendo este um comportamento considerado típico dos engenheiros. 65 A atuação do Engenheiro de Produção contempla seu envolvimento com seres humanos, materiais, tecnologias de informação e utilização de energia. Ele deve especificar, prever e avaliar os resultados da produção, além de prestar contas diante de diferentes grupos sociais. Também é responsável por avaliar a produção frente a questões ambientais. Para isso, utiliza princípios e métodos de análise de projetos de Engenharia, aliado a conhecimentos de Estatística, Matemática, Física e Ciências Humanas e Sociais. O Engenheiro de Produção deve ser capaz de utilizar ferramentas matemáticas e estatísticas para modelar sistemas de produção, prevendo a evolução dos cenários produtivos. Além disso, deve ter a capacidade de compreender sob quais formas os sistemas de produção se inter-relacionam com o ambiente, tanto em situações de escassez de recursos quanto à consideração do destino final de resíduos e rejeitos. É possível verificar que aspectos econômicos, sociais e ambientais no exercício da profissão acabam imprimindo um viés social à atuação do Engenheiro de Produção, mesmo que o profissional não perceba isso. A proposta para a criação da Grande Área e Diretrizes Curriculares para a Engenharia de Produção, divulgada em 2001, começou a ser elaborada nas reuniões do grupo de trabalho de graduação em EP da ABEPRO, promovidas em 1997 e 1998. Essa proposta apresenta uma lista de competências necessárias ao exercício da profissão de Engenheiro de Produção. Ei-las: 1. Ser capaz de dimensionar e integrar recursos físicos, humanos e financeiros a fim de produzir, com eficiência e ao menor custo, considerando a possibilidade de melhorias contínuas; 2. Ser capaz de utilizar ferramental matemático e estatístico para modelar sistemas de produção e auxiliar na tomada de decisões; 3. Ser capaz de projetar, implementar e aperfeiçoar sistemas, produtos e processos, levando em consideração os limites e as características das comunidades envolvidas; 4. Ser capaz de prever e analisar demandas, selecionar tecnologias e know-how, projetando produtos ou melhorando suas características e funcionalidade; 66 5. Ser capaz de incorporar conceitos e técnicas da qualidade em todo o sistema produtivo, tanto nos seus aspectos tecnológicos quanto organizacionais, aprimorando produtos e processos, e produzindo normas e procedimentos de controle e auditoria; 6. Ser capaz de prever a evolução dos cenários produtivos, percebendo a interação entre as organizações e os seus impactos sobre a competitividade; 7. Ser capaz de acompanhar os avanços tecnológicos, organizando-os e colocandoos a serviço da demanda das empresas e da sociedade; 8. Ser capaz de compreender a interrelação dos sistemas de produção com o meio ambiente, tanto no que se refere a utilização de recursos escassos quanto à disposição final de resíduos e rejeitos, atentando para a exigência de sustentabilidade; 9. Ser capaz de utilizar indicadores de desempenho, sistemas de custeio, bem como avaliar a viabilidade econômica e financeira de projetos; 10. Ser capaz de gerenciar e otimizar o fluxo de informação nas empresas utilizando tecnologias adequadas. Nesse documento, também consta uma série de habilidades, listadas a seguir: Compromisso com a ética profissional; Iniciativa empreendedora; Disposição para auto-aprendizado e educação continuada; Comunicação oral e escrita; Leitura, interpretação e expressão por meios gráficos; Visão crítica de ordens de grandeza; Domínio de técnicas computacionais; Domínio de língua estrangeira; Conhecimento da legislação pertinente; Capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares; Capacidade de identificar, modelar e resolver problemas. 67 Compreensão dos problemas administrativos, sócio-econômicos e do meio ambiente; Responsabilidade social e ambiental; Pensar globalmente, agir localmente; A lista de habilidades é seguida por outra, na qual constam os conteúdos básicos, que devem ser comuns a todas as Engenharias. Dentre elas, constam Matemática e Probabilidade e Estatística. Por outro lado, a Resolução CNE/CES10 11, de 11 de março 2002, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia. No artigo 4º são listadas as seguintes competências e habilidades gerais: I - aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à engenharia; II - projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados; III - conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; IV - planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de engenharia; V - identificar, formular e resolver problemas de engenharia; VI - desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas; VI - supervisionar a operação e a manutenção de sistemas; VII - avaliar criticamente a operação e a manutenção de sistemas; VIII - comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica; IX - atuar em equipes multidisciplinares; X - compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais; XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental; XII - avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia; 10 CNE: Conselho Nacional de Ensino; CES: Câmara de Ensino Superior. 68 XIII - assumir a postura de permanente busca de atualização profissional. O parágrafo primeiro do artigo 5 apresenta explicitamente que durante o curso do aluno deverá elaborar trabalhos de síntese, que e integrem os conhecimentos adquiridos. Em relação à proposta da ABEPRO há uma diferença entre os conteúdos científicos do núcleo básico da Resolução do Ministério da Educação (MEC). No parágrafo primeiro do artigo 6 consta apenas Matemática. Probabilidade e Estatística não é citada como conteúdo específico que caracterize a área. A necessidade de compreender diferentes tipos de problemas (administrativos, socioeconômicos e ambientais), além de sua responsabilidade social e ambiental, requerer do egresso o reconhecimento de sua importância dentro da sociedade à qual pertence. Dessa forma, o Engenheiro de Produção é um profissional de quem se espera o desenvolvimento de múltiplos e diferentes saberes, não lhe cabendo uma formação fragmentada. Portanto, o conhecimento científico necessário à sua formação deve capacitá-lo a agir tanto em relação às tecnologias quanto frente à sociedade da qual participa. 2.5 Alguns elementos dos desenvolvimentos histórico e sociológico da Estatística A partir de seu desenvolvimento histórico, a Estatística apresenta-se como Ciência, cujos primeiros indícios, de acordo com Bayer et al (2013), remontam à fase embrionária da Matemática. Nos dias atuais ela possui, entre suas aplicações, a formulação de políticas públicas e projeções econômicas. Além disso, subsidia a elaboração de hipóteses em pesquisas acadêmicas, ajudando a construir nossa percepção da realidade. Existe um aspecto importante do ponto de vista histórico: a partir do momento em que diferentes populações passaram a ser vistas como recursos fundamentais de poder do Estado, começou a existir interesse dos governos locais em desenvolver e controlar saberes específicos. Por conseguinte, era necessário capacitar os administradores a descreverem a movimentação e a composição dos estratos sociais nos territórios. Isso fez das estatísticas um elemento vital para a 69 construção dos espaços que o estadista deveria conhecer para melhor agir. Daí a necessidade de acesso a esta área do conhecimento, pelo menos por uma parcela da sociedade, sem que necessariamente todos os indivíduos assim o façam, já que as estatísticas se tornaram uma tecnologia de governo. O desenvolvimento do conhecimento estatístico em diferentes locais e épocas ocorreu paralelamente à presença dos primeiros trabalhos matemáticos. Diferentes métodos de contagem, formas de armazenar dados e os propósitos de levantá-los foram elementos de uso comum aos dois campos (MARTIN, 2001). Os primeiros levantamentos estatísticos conhecidos da Idade Antiga ocorreram em territórios como Egito, Mesopotâmia e China (grandes impérios da Antiguidade com fortes estruturas administrativas) e apresentaram características próprias. Os poderes imperiais locais eram centralizados, e existia a necessidade de se conhecer as características do território e da população. Isso era importante tanto por motivos estratégicos de defesa quanto pela necessidade de planejar a produção de alimentos. Portanto, esses levantamentos estatísticos foram complexas atividades de estado, invariavelmente marcadas pela utilização do método de contagem concebido localmente. Desde os primeiros censos demográficos, as populações desconfiavam dos objetivos militares e fiscais dos estados. Na Europa, o temor do recenseamento foi um forte aliado da presença política da Igreja Católica, que se opunha a essa atividade. A fragmentação e a fragilidade dos Estados durante o predomínio feudal também dificultaram a realização de sensos demográficos na Idade Média. Esses obstáculos só começaram a ser vencidos por volta do século XVII, com o fortalecimento dos estados nacionais na Europa. Os censos do século XVII tinham como objetivo contabilizar os homens e os seus bens materiais. Os objetivos da época eram de caráter administrativo ou militar e, “[...] em certos aspectos, tratavase mesmo de um instrumento de polícia, porque, até então, [...] o estabelecimento de conhecimentos científicos não era sua finalidade” (MARTIN, 2001, p.14). A consolidação da Estatística como campo de conhecimento específico tem como importante marco: a criação, em 1708, daquele que é formalmente considerado o primeiro curso de Estatística no Ocidente, na Universidade de Iena, Alemanha (BAYER et al., 2013). Em relação ao Brasil, segundo a Universidade 70 Federal do Rio Grande do Norte (UFRN, 2013), os primeiros cursos superiores dedicados ao conhecimento estatístico datam de 1953, com a implantação de dois cursos. Um deles foi estabelecido na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (na ENCE), à época, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. O outro funcionava na Escola de Estatística da Bahia, mantido pela Fundação Visconde de Cairu, em Salvador. A partir desses dados, pode-se verificar algumas características da Estatística em relação ao tempo decorrido em seu desenvolvimento histórico: 1) os primeiros passos foram dados na Antiguidade, junto com o desenvolvimento da Matemática; 2) a consolidação dos censos estatísticos inicia-se no século XVII; 3) o ensino da Estatística passa a ser formalmente organizado em instituições de Ensino Superior, no Ocidente, há pouco mais de 300 anos (particularmente no Brasil, há pouco mais de 60 anos). Desse modo, em se tratando da formalização do ensino de Estatística e de seu desenvolvimento no campo científico nos moldes atuais apresentam-se muito recentes em termos históricos, ocorrendo em meio à consolidação do pensamento científico moderno. Este, por sua vez, contribuiu com a simplificação de raciocínios e com a separação de diferentes aspectos do mesmo objeto em relação às formas de proceder. Quanto às modificações dos processos de trabalho estatístico a partir do século XVII, devem ser consideradas em meio a uma série de fatos que alteraram profundamente as Ciências ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX. O conhecimento empírico acumulado levou à necessidade de organizar e sintetizar métodos de trabalho em diferentes campos. As aproximações entre os olhares de diversos especialistas e o cruzamento de suas diferentes metodologias de trabalho originaram uma nova modalidade científica: a Estatística como instrumento científico moderno. Além de avanços na Matemática e no campo das Probabilidades (que impulsionaram a Estatística) na França, na Inglaterra e na Alemanha, passam a ser publicadas obras dedicadas à abordagem do conhecimento probabilístico. As abordagens dadas nesses três países são a origem da Estatística nos moldes atuais. Com isso, surgiu a necessidade de padronizar os processos estatísticos, gerando um campo de trabalho diferente, tanto da Matemática quanto das técnicas 71 de levantamentos demográficos existentes. As primeiras mudanças ocorreram com o desenvolvimento da Estatística Descritiva, que trata da elaboração de instrumentos de organização, comparação e compreensão de dados. Esta, por sua vez, é uma disciplina presente em diversos cursos de graduação em Engenharia no Brasil contemporâneo. No período correspondente aos séculos XVIII e XIX, a Sociologia era uma Ciência que começava a destacar-se como campo de estudos específicos, tendo sua constituição apoiada na Estatística. A partir de então, iniciou-se uma mútua impregnação entre Sociologia e Estatística, com esta última Ciência constituindo-se em elemento importante das Ciências Sociais então emergentes. A Estatística avançou como um conhecimento capaz de descrever fenômenos sociais e, ao mesmo tempo, a Sociologia contribuiu para desenvolver procedimentos estatísticos e criar categorias para normatizar e homogeneizar os métodos estatísticos. Além disso, essas categorias também servem para enumerar, classificar e verificar o que é norma e o que dela se desvia dentro de grupos sociais (MARTIN, 2001). 2.6 O conhecimento científico diante aos movimentos da sociedade As formalidades de uma área de conhecimento e a linguagem utilizada em seus trabalhos devem ser consideradas quando a objetividade e a subjetividade científicas se confrontam. Essa é a razão pela qual a linguagem utilizada em trabalhos científicos e comunicação de resultados é contaminada por elementos desconhecidos pelo próprio profissional (DEMO, 2000). Feyerabend (2007) afirma a existência de uma ideia arraigada na tradição das Ciências Naturais: considerar que os sentidos utilizados nas observações, em condições de desempenho normal, fornecem dados confiáveis. Tal ideia pode impregnar a linguagem científica, afetar as noções de verídico e ilusório, amplamente utilizadas, influenciando as escolhas de metodologias de trabalho. A ideia de que primeiramente o pesquisador observa e depois descreve o percebido tratar-se-ia, portanto, de uma situação abstrata e de caráter psicológico, constituindo-se em outra forma de fragmentação. A descrição e o objeto descrito são elementos indissociáveis, envolvidos na narração do que se percebe, a partir de uma linguagem pré-existente, reconhecida pelo pesquisador. Mesmo porque não faz sentido “[...] recorrer à observação se não 72 se sabe descrever o que se vê [...] como se se tivesse acabado de aprender a linguagem na qual ela é formulada [...]” (FEYERABEND, 2007, p. 95). Ao descrever uma observação e apresentar seus resultados, a linguagem científica é utilizada em associação com uma linguagem não científica. Pode-se dizer, portanto, que a percepção do objeto descrito depende da forma pela qual o indivíduo internaliza os resultados, gerando relações e propriedades durante a descrição do que se considera verdadeiro. Mesmo cercada de regras e critérios técnicos, a escolha do objeto e das formas de descrevê-lo são também carregadas de subjetividades, impregnando a cadeia de produção de dados. A ideia de contaminação da linguagem científica é partilhada por Demo (2000) e Feyerabend (2007). Ambos consideram que escolhas subjetivas também afetam o conhecimento racionalmente determinado. Isso deixa evidente que é inconsistente defender a Ciência como elaboração exclusiva, feita a partir de instrumentos puramente racionais e isentos de preferências. Mesmo cercada de critérios técnicos, a escolha de como divulgar resultados estatísticos também pode ser subjetiva. A subjetividade, por sua vez, é agregada ao longo de uma cadeia de processamento de números e, segundo [...] números, tabelas [...] classificações, são tomados como realidade do quadro que descrevem, o que é indispensável para os discursos de verdade que sustentam, incluindo aí a construção dos conceitos científicos. Graças à linguagem bastante estável e amplamente reconhecida das estatísticas, confundem-se realidade e convenção [...] (CAMARGO, 2009, p. 914). Ao mesmo tempo em que a convenção pode ser confundida com a realidade, a linguagem estável do discurso científico também pode ser utilizada para naturalizar fatos que são, na realidade, construídos por um grupo social restrito. Outro aspecto da Estatística são seus elementos de aleatoriedade, pois ela também se apoia no cálculo de Probabilidades. Por isso é necessário considerar a presença da incerteza e da aleatoriedade, não se podendo afirmar e evidenciar por si mesmo o discurso da Estatística como Ciência exata, imparcial, essencialmente racional e isenta de subjetividades. 73 Skovsmose (2007, p. 71) considera importante compreender as dinâmicas dos usos do conhecimento dentro da sociedade. Ele argumenta que apenas na solidão e isolamento dos locais de pesquisa, “[...] quando a Matemática é posta em ação, é fácil agir como se o que ela apenas re-apresenta fosse de fato uma representação [...]” (grifo do autor). Não se deve, portanto, exacerbar as potencialidades abertas pelo uso do conhecimento matemático, o que também pode ser estendido à Estatística. Não se pode delegar ao conhecimento a autoridade de decisão final sobre as soluções que devem ser dadas a diferentes problemas. Se o conhecimento matemático pode ser pensado como capaz de dar forma a experiências cotidianas e ao convívio dentro da sociedade, ao mesmo tempo podese levantar alguns questionamentos. Por exemplo: [...] a matemática oferece uma maneira conveniente de ver o mundo, na medida em que estruturas materiais tornam-se espelhadas por estruturas matemáticas? Ou estamos lidando com um sofisticado exemplo de projeção de estruturas matemáticas sobre o mundo, de tal modo que ele aparenta ser formado por estruturas matemáticas? Estamos confundindo propriedades matemáticas projetadas com propriedades do mundo material? [...] (SKOVSMOSE, 2008, p. 92). De forma semelhante ao que ocorre com o conhecimento matemático, a utilização da Estatística no cotidiano tem servido para moldar visões de mundo. Uma delas ocorre ao pensá-la como instrumento neutro, objetivo e racional. Existe o risco de se considerar o mundo administrável a partir da utilização massiva do conhecimento científico. A intenção é criar uma visão unificada, deixando cada vez mais os posicionamentos pessoais de lado, abandonando valores sociais importantes, os quais acabam sendo deixados de lado pelo conhecimento científico moderno. Um exemplo disso é a preocupação com os rumos da ética na utilização do conhecimento. Essas interrogações podem ser estendidas à realidade de atuação de um Engenheiro de Produção. Existiria o homem médio operário concebido por Adolphe Quételet11 na concretude de uma linha de produção? O tratamento estatístico dos dados referentes ao desempenho desse operário seria uma forma de observar sua produtividade ou moldaria um objetivo conveniente ao capital? O cotidiano de um Engenheiro de Produção é determinado por parâmetros estatísticos ao invés deles serem apenas mais um instrumento disponível para o seu 11 * 1796; † 1874. A ele é atribuída a criação do termo “homem médio”. 74 trabalho? As atividades econômicas e os fenômenos sociais e naturais presentes dentro ou fora da fábrica são determinados ou descritos estatisticamente? 2.7 Considerações sobre o capítulo Neste capítulo foi apresentada parte da evolução da Engenharia, sendo visto que, a partir do século XIX, as Ciências desenvolveram diferentes técnicas, especializando-se cada vez mais e rapidamente. Em meio a tal cenário, a Engenharia iniciou seu processo de dispersão em diversos ramos, passando por mudanças ainda mais aceleradas no século XX, gerando o atual quadro de especialização. Também vimos que, paralelamente ao desenvolvimento técnico e científico, a Matemática e a Estatística tornaram-se linguagens cada vez mais utilizadas para a resolução de problemas e expressão de resultados de pesquisas em outros campos. Neste capítulo foi apresentado parte do desenvolvimento histórico e sociológico da Estatística que, como campo de pesquisa independente, possui pouco mais de trezentos anos, sendo que, nesse intervalo, passou por importantes transformações de conceitos, procedimentos e aplicações. Resta-nos discutir as implicações que o quadro de transformações do conhecimento científico, fragmentado e simplificado, representa para a Educação. O próximo capítulo também será dedicado ao exame das consequências da concepção moderna de Ciência e propostas de reconciliar o conhecimento com a sua complexidade, incluindo as que dizem respeito ao ensino de Estatística. 75 CAPÍTULO 3 - O ENSINO DE ESTATÍSTICA NO NÍVEL SUPERIOR É um erro conferir ao conhecimento científico real um único sentido. Para apreendê-lo em sua função dinâmica, é preciso ter a coragem de colocá-lo em no seu ponto de oscilação (Gaston Bachelard). 3.1 Introdução Ao fim do século XIX e início do século XX, em meio a mudanças socioeconômicas na Europa (continente em acelerada fase de industrialização), ocorreu uma divisão entre campos científicos. Vivia-se tempos em que se cultivava uma grande expectativa acerca do conhecimento científico. Em decorrência dos avanços das Ciências, acreditava-se possível solucionar os problemas existentes e melhorar as condições econômicas e sociais. A influência do pensamento positivista fez-se presente na tendência em assumir um posicionamento epistemológico, segundo o qual reflexões e críticas deveriam recair sobre a validade ou não das descobertas de então. Deixou-se de lado o debate sobre as consequências sociais e éticas, em detrimento dos avanços científicos. Ao mesmo que tempo surgiam diversas especializações, os currículos foram revistos para que fossem adequados às necessidades tecnológicas da época. O ideal de formação técnico-científico passou a ser o sujeito especializado, com seu profissionalismo a serviço dos ideais de sua própria comunidade. O ensino científico passou por reformulações e, com o advento da Era Espacial12, as discussões sobre a necessidade de alterar o ensino de Matemática ganharam impulso. O presente capítulo começa com uma discussão sobre algumas consequências da fragmentação do conhecimento decorrentes da influência do pensamento moderno. Logo, verificamos que, na Educação, os saberes e currículos acabaram fragmentados. Também foram apresentadas evidências de relações de poder por trás da elaboração curricular. Surgem ainda alguns pensadores que se contrapõem à Educação guiada por uma concepção moderna de conhecimento. Ao 12 Iniciada com o lançamento do satélite soviético Sputnik 1. 76 final do capítulo são apresentados princípios da Educação Crítica e alternativas à abordagem tradicional. 3.2 A fragmentação do conhecimento: algumas consequências. As formas de desenvolver o conhecimento foram impactadas principalmente pela expansão da quantidade de campos científicos a partir do século XIX. Além disso, “[...] o prodigioso enriquecimento das variadas tecnologias de pesquisa tem por contrapartida a multiplicação de tarefas e o advento da especialização [...]” (FAZENDA, 2002, p. 26), o que influencia a formação para o exercício de diversas profissões. Esse desenvolvimento em meio à crescente especialização ocorreu com base no primado da análise em relação à síntese, de acordo com padrões determinados pelo que se convencionou chamar de Ciência Moderna. Uma consequência da radical especialização foi a formação de um indivíduo que tende a agir mecanicamente, esquecendo a própria condição de elemento na sociedade. Sabe-se que todo conhecimento tem de ser organizado, demandando seleção de dados significativos, por meio de algum critério. Deixa-se de lado o que não tem significado, enquanto as informações, por núcleo de interesse continuam sendo organizadas. Nessa organização existe uma determinada lógica que, comandada por paradigmas, de alguma forma orienta a nossa visão dos objetos, das pessoas e do mundo. Sendo assim, todo e qualquer paradigma carrega em si significados culturais e históricos. No caso da Ciência Moderna, esse fato acarretou uma série de problemas para a elaboração do conhecimento, tornado excessivamente simplificado. Dessa forma, ao invés de esclarecer, o que era produzido resultava em não domínio do assunto, pois a construção de saberes ocorria apenas para “[...] dissipar a aparente complexidade dos fenômenos, a fim de revelar a ordem simples a que eles obedecem” (MORIN, 2006, p. 5). Nesse momento, submeteu-se excessivamente o conhecimento a uma tríade composta de disjunção, redução e abstração. Tal quadro levou o ser humano à patologia do saber e a uma consequência ainda mais grave: o desenvolvimento de uma inteligência cega, separando a Filosofia e a Ciência. As consequências disso foram mais intensamente discutidas no século XX, e esse distanciamento privou a Ciência das reflexões sobre si mesma, isolando radicalmente as Ciências Exatas 77 das Ciências Naturais e Humanas. Havia ainda o agravante da Ciência perder “[...] sua capacidade de controlar, prever e até mesmo conceber seu papel social, em sua incapacidade de integrar, articular, refletir sobre seus próprios conhecimentos [...]” (MORIN, 2006, p. 52). Feyerabend (2007) foi um autor considerado controverso por seus contemporâneos, por considerar a que a Educação Científica simplifica, delimita e determina campos excessivamente específicos. Entre outros argumentos, considera que a distância entre a História e o treinamento científico condicionam seus participantes à lógica de cada setor. Também afirma que o conhecimento moderno não se desenvolveu harmoniosamente, inspirado em experimentos capazes de descrever e descobrir dados que desvelam a ordem racional do universo, em meio a um caos aparente. Considera necessário relativizar o potencial explicador atribuído ao conhecimento científico, alertando para o fato de que as formas de elaboração e disseminação dos saberes também ocultam intenções e relações de poder. Um discurso próximo ao de Feyerabend (2007) é o de Demo (2000), que lembra o fato de, ao passar a teoria dominante, uma proposta metodológica leva diferentes campos científicos a alinharem-se metodologicamente com ela. Alguns temas passam à preferência em detrimento de outros e, dessa forma, o conhecimento se encontra em redes de interações, com os fios dessa trama tensionados por diferentes interesses nas comunidades científicas. Mas, a prevalência do pensamento científico ocidental sem a crítica necessária de métodos e conteúdo proporciona o chamado “chauvinismo científico” (FEYERABEND, 2007, p. 67), um dos responsáveis por afastar elementos tradicionais de uma cultura. Para ele, se o conhecimento científico é absorvido de forma incontestada, cada nova geração tende a reconhecer como justa a superioridade material e intelectual do Ocidente. Portanto, os problemas históricos de uma Ciência não constituem dados acessórios. Sendo assim, a presença da história da disciplina científica no currículo ajudaria os educandos a compreenderem as maneiras pelas quais as teorias evoluíram e chegaram ao estágio atual, mostrando que o ser humano deve ser um elemento decisivo na evolução do conhecimento. Como se sabe, a produção do conhecimento vem sendo desenvolvida ao longo de períodos históricos em diferentes locais e por indivíduos que têm visões de 78 mundo totalmente diferentes. Por isso é que conflitos e contradições estão presentes nessa constituição teórica, como resultado de processos históricos, heterogêneos e complexos. É quando surgem tanto concepções inovadoras (que podem ser consideradas incoerentes) quanto sistemas teóricos complexos e formas de pensamento consolidadas. Portanto, ao confrontar a hipótese de um desses teóricos, é necessário considerar o contexto do local e da época da formulação de sua hipótese - ou tese, pois visões de mundo demandam tempo para estabelecerem-se e/ou serem superadas. As bases sobre as quais o conhecimento ergue-se também não são atemporais, livres de aspectos linguísticos, sob os quais os enunciados são redigidos, além de não estarem isentas das formas de pensar dos respectivos elaboradores. Então, ao argumentarmos cientificamente, é necessário utilizar afirmações ainda não validadas, pois é impossível passar cada objeto em estudo por uma cadeia de definições e explicações de outrem. Há ainda a questão de que um discurso em estágio inicial incorpora argumentações já disponíveis, muitas vezes sem questionar o que se utiliza (DEMO, 2000). Um exemplo dessa realidade é a formalização das teorias matemáticas e a necessidade de tornarmos consistentes alguns de seus enunciados. Geralmente essas elaborações começam com a escolha de conceitos primitivos (que não são definidos para evitar raciocínios circulares) e continuam com a redação dos axiomas (enunciados considerados verdades, sem que tivessem sido demonstrados), buscando-se atribuir sentido aos conceitos primitivos. Sendo assim, por existirem termos não definidos articulados em enunciados não contestados, não há como uma Ciência classificada como exata fugir de suas próprias inexatidões teóricas em termos de linguagem. Além disso, o núcleo de uma definição deve ser considerado provisório, pois inicialmente pode ser difícil reconhecer com precisão o aspecto a ser definido. Portanto, as definições também necessitam de revisões, em decorrência da complexidade na elaboração de todo e qualquer conhecimento. Outra consideração deve recair sobre as formas de legar os saberes de diferentes Ciências à posteridade, pois o discurso herdado da Revolução Científica aprisiona as Ciências sob um revestimento racional, legando-lhes imagens 79 congeladas de uma Ciência que, de diferentes formas, serve “[...] para aterrorizar as pessoas não familiarizadas com a sua prática” (FEYERABEND, 2007, p. 21). O uso de linguagens inacessíveis faz com que as pessoas não especialistas no assunto tendam a se afastar da discussão sobre os avanços científicos e do potencial que eles têm de afetar suas vidas. Assim, expõe-se um paradoxo no desenvolvimento científico: ao mesmo tempo em que os saberes são vistos como instrumentos de evolução e liberação humana, os resultados científicos também podem ser utilizados para controle social. Por sua vez, cada Ciência deveria ser ensinada como uma forma de concepção do conhecimento, e não o único caminho para se conhecer a realidade do mundo. 3.3 A complexidade do ensino de conceitos científicos Skovsmose (2007) apresenta sua preocupação com o papel da Matemática na Graduação pelo fato desse nível ser responsável por reconfigurações do saber e formulação de novos conhecimentos, sendo também o momento no qual ocorre o desenvolvimento de outras Ciências e, de diferentes tecnologias. Nesse nível, acentua-se a responsabilidade dos profissionais, sendo-lhes necessário atentar para o fato de que [...] preparar para a ação também é preparar para a responsabilidade, e [...] educação em ciência e matemática tem que ser desenvolvida sem a proteção da suposição de progresso que forneça garantia de segurança de uma conexão intrínseca entre ciência e progresso social [...] esse é um desafio substancial, não apenas para a ciência na universidade e para a educação matemática, mas, para todas as formas de educação superior [...] (SKOVSMOSE, 2007, p. 186-187). Esse desafio aumenta porque, tradicionalmente, os currículos de Matemática das áreas técnicas e desenvolvedoras de tecnologias são predominantemente voltados ao desenvolvimento de habilidades para a manipulação e o controle de procedimentos rotineiros. Não existe a preocupação explícita em relação às consequências sociais de transformações e aplicações do conhecimento. Existem casos em que a Matemática aparece explicitamente, como na aplicação do Cálculo Diferencial e Integral ao projetar as estruturas de um prédio. Em outros, ela age implicitamente, sem que sua presença direta seja percebida. Um exemplo é o dos engenheiros que utilizam planilhas prontas que foram preparadas 80 por outros indivíduos, sem a possibilidade de intervir na elaboração do que é apresentado como pronto e acabado. A formação pautada apenas na eficiência operatória do saber adquirido pode resultar em falta de preparo para o confronto com decisões, nas quais não é apenas a técnica que deve ter peso: “[...] a matemática está em todo lugar - se não em cena, atrás da cena [...]” (SKOVSMOSE, 2007, p. 114). Como exemplo destaca-se a criptografia de mensagens, utilizada tanto em atividades militares quanto no cotidiano civil. Nos processos criptográficos, o conhecimento matemático é aplicado para codificar uma mensagem de maneira a não ser compreendida por qualquer um. O alheamento da realidade social é um aspecto do jogo de poder que envolve o desenvolvimento e a utilização do conhecimento científico como instrumento de manutenção de relações sociais. Mesmo tendo noção de que existe grande quantidade de conhecimento científico utilizado na elaboração de tecnologias para uso cotidiano, nem todos os indivíduos de uma sociedade têm poder de decidir sobre o que será ou não incluído na pauta de desenvolvimento (e mesmo sobre a discussão de benefícios e riscos envolvidos). Como exemplo pode-se citar o uso do conhecimento estatístico na elaboração de projeções econômicas, utilizadas para sustentar tomadas de decisões governamentais frente à opinião pública. Tal imposição de decisões pode ocorrer sem que a população seja chamada a discutir seus benefícios e riscos. É necessário que, durante a formação especializada, os estudantes reflitam sobre significados e consequências das ações futuras. Quando a Matemática é posta em ação no planejamento e execução de projetos, “[...] é possível estabelecer um espaço de situações hipotéticas na forma de alternativas (tecnológicas) para uma situação presente [...]” (SKOVSMOSE, 2007, p. 124, grifos do autor). A Matemática torna-se um instrumento para desenvolver raciocínios hipotéticos e criar alternativas para a elaboração de novas tecnologias. Estas, por sua vez, podem fazer com que o conhecimento matemático retorne para a prática diária, estando ou não explícita nessas situações. O termo imaginação tecnológica é utilizado pelo autor para referir-se aos espaços abertos pela Matemática, ao se conceder liberdade de identificar tecnologias aplicáveis a determinadas situações. 81 Outra utilidade para um modelo matemático seria a de justificar o anúncio de uma decisão previamente tomada quando o conhecimento serve à sua legitimação e torna-se mero instrumento para explicá-la. Porém, deve-se ter cuidado, pois um modelo com soluções hipotéticas excessivamente restritas favorece a apresentação e a imposição de apenas uma alternativa. O envolvimento do profissional com o conhecimento matemático também o capacita a formular estratégias, investigar fatos e levantar contingências. Isso é evidente ao ver esse conhecimento utilizado em atividades de planejamento e na elaboração de novas tecnologias, assim como em sua distribuição. Outro aspecto do alcance do conhecimento matemático é a fabricação de fatos, quando ele é utilizado no tratamento de informações divulgadas em diferentes mídias. Dependendo da manipulação que se faça, pode-se descrever ou ocultar riscos potenciais para os indivíduos de um grupo social e justificar ações. Outra discussão refere-se ao uso de conhecimento na formulação de modelos para tomadas de decisões capazes de afetar desde pequenas coletividades até as populações de um país inteiro. Buscando decidir baseando-se apenas em resultados de modelos matemáticos e estatísticos, sem refletir sobre o caráter socioeconômico das opções, os danos podem ser irreversíveis ou demandar muitos anos para repará-los. Portanto, a preparação de um profissional para utilizar mecanicamente o conhecimento pode acarretar sérias consequências sociais, em decorrência da percepção do conhecimento como instrumento objetivo, definitivamente formulado, não necessitando de adequações, reflexões e discussões. Pode-se exemplificar com a análise de riscos nos procedimentos de engenharia. O analista não pode considerar-se isento de culpa das falhas no projeto apenas por ter utilizado corretamente procedimentos padronizados e já consagrados em seu campo de atuação. Nos cursos de Engenharia é necessário favorecer discussões sobre possíveis consequências da utilização da Matemática e da Estatística em processos de decisão e a abordagem da importância desses conhecimentos para o desenvolvimento de TICs e sistemas de informação também não podem ser esquecidas. 82 A adaptabilidade da Estatística a diversos estudos foi importante para o desenvolvimento de seus conceitos e aplicações. Sua evolução como Ciência autônoma aproximou-a de diferentes saberes, tornando-a capaz de adequar seus instrumentos a várias modalidades de pesquisas. Porém, o ensino de Estatística não escapou ao paradigma científico moderno. Apesar das aproximações com outros campos de conhecimento, há livros introdutórios ao tema em que as inter-relações com o conhecimento estatístico não transparecem. É o caso de exemplos e exercícios nos quais os dados para a sua resolução são apresentados de forma descontextualizada, objetivando ilustrar imediatamente a aplicação de fórmulas. Skovsmose (2007) chamou esse procedimento de paradigma do exercício. Também há outra modalidade de ensino em que os exercícios enquadram-se em outro modelo, denominado pelo autor como semirrealidade. Este termo refere-se às situações artificiais descritas em enunciados que não apresentam qualquer dado ou aspecto externo ao exercício, limitando-se apenas ao que é considerado importante para resolvê-lo e obter uma resposta. O paradigma do exercício e o uso de semirrealidades são formas de ensino fragmentadas que dificultam a aproximação entre o conhecimento estatístico e outras disciplinas. Tanto o primeiro quanto o segundo favorecem a assimilação de procedimentos mecanizados de maneira não reflexiva. Para a EP exemplifica-se a dissociação dos temas estatísticos da análise de cenários socioeconômicos no exercício da profissão. O futuro engenheiro é preparado para resolver problemas técnicos específicos de sua área, sem que dele se exija a capacidade em associar sua atuação à geração de soluções para diferentes problemas de um grupo social. Com isso, o aluno é acostumado à submissão de procedimentos e rotinas de ordens e a aceitar a dualidade certo-errado, sem que seja exposto à argumentação sobre situações reais. Assim, a Educação Superior em moldes tradicionais condiciona o aluno a essa dualidade, estendida às demais atividades cotidianas. Essas práticas servem à formação, diferenciação e classificação de indivíduos submissos às diversas formas de autoridade, incluindo condições impostas pelo mercado de trabalho (SKOVSMOSE, 2008). Sobre os currículos, o professor D’Ambrosio (2002) afirma que historicamente eles são organizados de forma hierárquica. A situação de poucas 83 articulações entre disciplinas pode aprofundar a fragmentação a partir de como elas forem tratadas. Para o autor, é necessário mudar as estruturas curriculares e existe um ponto crítico que necessita ser ultrapassado que dar-se-ia na [...] passagem de um currículo cartesiano, estruturado previamente à prática educativa, a um currículo dinâmico, que reflete o momento sociocultural e a prática educativa nele inserida. O currículo dinâmico é contextualizado no sentido amplo (D’AMBROSIO, 2002, p. 88). A expressão currículo cartesiano é referência a uma estratégia de resolução de problemas utilizada pelo Filósofo e Matemático Reneé Descartes, que considerava a análise um instrumento fundamental de seu trabalho 13. Com o passar do tempo, a valorização excessiva da análise, em detrimento da síntese, refletiu na Educação. Desde o Ensino Básico até a formação profissional, recorre-se ao uso de parcelas desconexas de diferentes conhecimentos para se elaborar currículos e planos de ensino de diferentes disciplinas. Na prática, são concebidas estruturas fragmentadas, hierarquizadas e pouco dinâmicas, seja em relação à articulação de saberes entre si, seja na ligação com o mundo fora do ambiente da escola. O currículo dinâmico proposto por D’Ambrosio (2002) requer o tratamento do conhecimento em sua complexidade e, para isso, são necessárias estratégias adequadas. Uma perspectiva de ação a partir de estratégias é apresentada por Morin (2006), ao considerar a complexidade do conhecimento. A ação por meio do uso de estratégias é diferente daquela que utiliza um programa previamente determinado e aplicado, sem variações ao longo do tempo. A estratégia [...] permite, a partir de uma decisão inicial, prever certo número de cenários para a ação, cenários que poderão ser modificados segundo as informações que vão chegar ao curso da ação e, segundo os cursos que vão suceder e perturbar a ação [...] a estratégia aproveita-se do acaso [...] o acaso não é apenas o fator negativo a ser reduzido, é também uma chance que se deve aproveitar (MORIN, 2006, p. 79-80). É possível refletir sobre um problema ao iniciar-se uma ação baseada em determinada estratégia: o rumo dos acontecimentos pode escapar às intenções iniciais. A partir do momento em que começam as interações, há o risco do ambiente criado apossar-se da situação, dando rumo oposto ao que se planejara. As 13 A partir da subdivisão de um problema a ser resolvido em partes menores (aplicação da análise), ele via uma possibilidade de estudar detidamente cada componente de uma situação. Posteriormente, a retomada das soluções parciais em um processo de síntese daria uma solução ao problema. 84 discussões de D’Ambrosio (2002) e Morin (2006) convergem para um ponto: o currículo cartesiano não obriga os envolvidos a se lançarem rumo ao desconhecido e nem a se preocuparem com inovações. Nesse caso, o ideal seria escolher temas e fazer pequenas programações, deixando a estratégia e a ação determinarem os avanços do conhecimento. 3.4 A formação acadêmica fragmentada Uma vez que geralmente há fragmentação na formação acadêmica no Nível Superior de ensino, uma especialização passa a ter contornos inevitáveis, o que também acontece com o Engenheiro de Produção. A própria estrutura do referido Curso possui aspectos dessa fragmentação, refletindo o olhar positivista do século XIX, época na qual iniciou-se o processo de dispersão e especialização das Engenharias. A respeito do pensamento positivista, afirma-se que Augusto Comte14 considera a possibilidade de [...] classificar todos os fenômenos segundo um pequeno número de categorias naturais [...] os fenômenos, os mais simples, são também necessariamente os mais gerais [...] é pelo estudo dos fenômenos [...] mais gerais ou mais simples que se deve começar, indo progressivamente para os mais complicados ou particulares [...] (SILVA, 1999, p.41). Mantida essa preocupação em classificar e progressivamente apresentar os elementos simplificados em seus detalhes particulares, chega-se a uma fragmentação que inviabiliza articular entre si os diferentes saberes. No caso do conhecimento estatístico, perde-se a chance em abordar aspectos da realidade da própria profissão e, também de fora dela. A perda de capacidade em articular saberes pode fazer do formando um indivíduo com problemas de coordenar ações baseadas em diferentes conteúdos aprendidos nas disciplinas em que ele foi aprovado. Além do desenvolvimento científico e do surgimento de diferentes tecnologias a partir do século XIX, ocorreu outro fato, que foi a separação entre ensino e pesquisa. Com base em disciplinas fragmentadas, passou-se a formar 14 Considerado o principal articulador da Filosofia Positivista. 85 profissionais extremamente especializados, muitas vezes com dificuldades em comunicar-se com outros indivíduos da própria área, como é o caso da Física. Em meio a discussões sobre causas e consequências da fragmentação do conhecimento, existe o papel da Academia, considerada responsável pelo surgimento de barreiras disciplinares, estimulando a uniformização de procedimentos e o reducionismo. Ela, “[...] em certos casos, passa a ser camisa-deforça. Estrutura, formaliza, rotula e direciona em uma única, mas restrita direção” (FAZENDA, 1991, p. 19). Também são observados exageros de fragmentação e especialização, levando a situação a tal ponto que, para se obter mais rigor, o objeto em questão é fragmentado ao extremo, obedecendo-se a uma concepção de que [...] o conhecimento é tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objecto sobre que incide [...], sendo um conhecimento disciplinado [...]para policiar fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que quiserem transpor [...] os males desta parcelização do conhecimento e do reducionismo arbitrário que transporta consigo são hoje reconhecidos [...] criam-se novas disciplinas para resolver os problemas produzidos pelas antigas e [...] reproduz-se o mesmo modelo de cientificidade (SANTOS, 2004, p. 73-75). Essa concepção disciplinar ocorre nas Engenharias, o que também acontece no Ensino Básico, no qual são trabalhados conteúdos de Matemática e Estatística necessários a outras Ciências. Porém, os conceitos são tratados abstratamente, sem articulação com os demais saberes desse nível de ensino. Como outro aspecto da fragmentação cita-se o afastamento entre sujeito e objeto para dar objetividade ao trabalho científico. Feyerabend (2007) e Demo (2000) opõem-se à ideia de naturalizar a separação de sujeito e objeto. Lévy (2006) também se contrapõe a essa naturalização, considerando o conhecimento uma elaboração de diferentes sujeitos históricos, que se apresentam munidos de tecnologias. Dessa forma, sujeito e objeto não são livres de influências de linguagens, de formas de armazenar dados e dos modos de elaboração de informação e conhecimento. Além de não considerar sentido na separação radical de sujeito e objeto, o autor também pondera que o pensamento não ocorre isoladamente no indivíduo, mas resulta de uma elaboração coletiva. Tanto a inteligência quanto a cognição resultam [...] de redes complexas onde interagem [...] atores humanos, biológicos e técnicos. Não sou “eu” que sou inteligente, mas “eu” como grupo humano no qual sou membro, com minha língua, com toda a herança de métodos e 86 tecnologias intelectuais [...] fora da coletividade, “eu” não pensaria. O pretenso sujeito inteligente nada mais é que um dos microatores de uma ecologia cognitiva que engloba e restringe [...] o pensamento se dá em numa rede na qual neurônios, módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e computadores que se interconectam, transformam e traduzem as representações (LÉVY, 2006, p. 135). Portanto, o próprio desenvolvimento tecnológico e a utilização de novas invenções tanto modificam o trabalho em geral (e o do estatístico em particular) quanto podem alterar as formas de ensinar diferentes conteúdos (idem para a Estatística). Assim, são necessários elementos materiais e sociais para que ocorra o desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem individual. É necessária a inserção de cada um no grupo social para haver o encontro de uma língua, diferentes tecnologias e indivíduos singulares (embora semelhantes entre si). Podemos então afirmar que o conhecimento como elaboração individual solitária faz sentido apenas para aqueles que consideram a cognição um privilégio pessoal. Partindo do princípio de que sujeito e objeto não devem ser radicalmente separados, resta considerar que a Ciência Moderna, ao tentar isolar objeto, observador e processos históricos visa apresentar o conhecimento como elaboração individual, separando-a do resto do universo por meio de uma “cortina de ferro epistemológica” (LÉVY, 2006). 3.5 Conhecimento, Educação e relações de poder. Para Skovsmose (2007), a Matemática é utilizada como instrumento de estratificação quando nos currículos escolares ignoram-se aspectos sociais, políticos e culturais. Os procedimentos tradicionais de ensino também influenciam o desempenho individual do aluno, pois, enquanto a minoria consegue adaptar-se a processos rotineiros (que favorecem a adequação ao exercício de profissões valorizadas socialmente), a maioria excluída pelos processos formais de escolarização é posta à disposição da sociedade (e sujeita à execução de atividades com remuneração e condições de trabalho precárias). Dessa forma, o conhecimento cumpre o papel em ser um instrumento para a seleção social, demarcando competências e legitimando a segregação dos indivíduos incapacitados de lidar com a cadeia produtiva. 87 Apresentado em sua forma tradicional, o conhecimento matemático não ajuda os estudantes a expressarem ideias e, a posicionarem-se diante do mundo (SKOVSMOSE, 2007). É importante vincular a Educação Matemática à formação do indivíduo crítico e, nesse ponto, vale ressaltar dois fatos marcantes: 1º) o conhecimento matemático serve para desenvolver tecnologias concebidas com diferentes propósitos de utilização nas sociedades contemporâneas; 2º) a Educação Matemática, em sua forma tradicional, se constitui em tecnologia de exclusão e controle social, ajudando a preservar a ordem estabelecida. Enquanto alguns indivíduos são dotados de mais possibilidades de ajuste às mudanças na demanda por mão de obra, outros são excluídos, devido à falta de conhecimentos, ficando diante de oportunidades às quais não terão acesso. Ao considerar as relações entre competência democrática e conhecimento matemático reflexivo, a EMC vê a escola como uma instituição que pode servir a dois propósitos opostos. O primeiro, é a construção de um cenário de reprodução e fixação de condições sociais, ao invés de promover equidade. O segundo, o papel da escola como local para desenvolver competências, objetivando agir democrática e conscientemente em diferentes sociedades tecnológicas. Também há uma sintonia não declarada oficialmente entre Educação, Matemática, necessidades econômicas e formação de mão de obra especializada em larga escala. A preparação do estudante para dominar e usar racionalmente os conteúdos acadêmicos é consumada por meio de currículos fragmentados, nos quais isola-se o conhecimento matemático de outros campos do saber. A formação fragmentada ocorre mesmo quando a Matemática recebe grande peso e presença na matriz curricular de cursos superiores, tais como os de Física, Economia e Engenharias. A competência em Matemática é importante e necessita de outros elementos, além dos que geralmente aparecem nos programas escolares tradicionais. Para ser desenvolvida como elemento de crítica, a Educação necessita lidar com conceitos em meio a diferentes contextos, possibilitando ao aprendiz refletir sobre as implicações de diferentes usos da Matemática para seu grupo social. Além de instrumento de compreensão do desenvolvimento científicotecnológico, a Matemática pode ajudar a discutir questões relativas ao modo de 88 produção capitalista. Desde a afirmação do capitalismo como modo de produção no século XIX, capital e trabalho foram considerados elementos essenciais ao funcionamento de sistemas produtivos. Para Skovsmose (2007), o desenvolvimento de novos saberes associado à capacidade cada vez maior de determinados grupos da sociedade controlarem o conhecimento científico, elevaram esse conhecimento à condição de primordial fator econômico, em detrimento à importância social do trabalho científico. Atualmente, o conhecimento exerce o papel de “[...] força produtiva crucial, já mais decisiva que simples trabalho, e, aos poucos, talvez mais decisiva que o próprio capital [...]” (DEMO, 2000, p. 32). O controle sobre a produção e a disseminação do conhecimento é marcante nas sociedades contemporâneas, servindo como elemento condutor da História. Nessas sociedades, o conhecimento é produzido, reproduzido, consumido, destruído e até mesmo tornado obsoleto, a ponto de ser considerado obstáculo ao melhoramento de processos produtivos. Portanto, no capitalismo, mais que uma elaboração desinteressada, o conhecimento é obtido e tratado em complexas redes de relacionamentos, não sendo apenas fruto do esforço de indivíduos solitários e isolados em seus locais de pesquisa. Dessa forma, de acordo com Demo (2000), noções como sociedade do conhecimento, sociedade da aprendizagem e economia da aprendizagem passam a fazer sentido diante da transformação do conhecimento em um bem de produção. Na economia da aprendizagem, o conhecimento em ação possui valor econômico, representa um item de produção e um bem comercializável, submetido à lógica de demanda. A Estatística, ao longo de séculos, também foi transformada em instrumento de controle e exercício de poder. Em seus primórdios, ela era um instrumento de contabilidade de populações e recursos, mas sua evolução levou a aplicações diferentes. Além de instrumento contábil, aplicado na Economia, em políticas públicas e pesquisas acadêmicas, a Estatística é um instrumento de trabalho que presta-se à moldagem de visões de mundo e da imagem que cada um tem de seu semelhante. Podemos “[...] nos ver no outro, graças às equivalências comparativas criadas pelas classificações estatísticas [...]” (CAMARGO, 2009). A partir de 89 diferentes dados, as pessoas podem imaginar a sua situação em relação à sociedade. Outro aspecto tecnológico da Estatística que vale salientar é a sua capacidade de, virtualmente, aproximar diferentes elementos sociais dos indivíduos que devem decidir quais ações governamentais devem ser tomadas. Esse aspecto de aplicação do conhecimento estatístico constitui-se em uma tecnologia de governo. As tecnologias de governo são meios materiais e imateriais que, a partir da construção de imagens coletivas, mesmo agindo a distância, cumprem objetivos de aproximar diferentes realidades, “[...] tornando-as pensáveis e, portanto, potencialmente governáveis [...] (CAMARGO, 2009, p. 917). Além disso, o conhecimento que emerge das estatísticas produzidas encontra-se na fronteira entre a Ciência e as tecnologias de governo. O trabalho cientificamente desenvolvido fornece elementos para apoiar decisões políticas práticas. Mas, depois dos resultados divulgados, os pesquisadores já não mais têm controle sobre a sua produção. A partir de categorizações, a realidade passa a ser descrita por meio de instrumentos de identificação do indivíduo com um grupo, colocando frente a frente elementos que têm suas qualidades particulares abstraídas. Na década de 1830, Adolphe Quételet buscou na Estatística um instrumento de previsões estáveis, objetivando formular leis científicas para as regularidades numéricas encontradas em diferentes realidades sociais estudadas. Quételet via nos métodos estatísticos elementos unificadores que possibilitariam identificar a ordem natural dos fenômenos. A ele é atribuída a definição de “homem médio”, elemento abstrato que representa a média dos indivíduos de uma sociedade (BESSON, 1995 e CAMARGO, 2009). Logo, há menos de duzentos anos, o conceito de média tem sido utilizado como elemento de comparação e homogeneização de dados. 3.6 Educação Crítica: um cenário alternativo à Educação tradicional As críticas ao desenvolvimento científico afastado de preocupações com a sociedade intensificam-se principalmente na segunda metade do século XX. Há os que se opõem ao discurso de que o progresso científico em si mesmo acarrete a distribuição de benefícios a todos e conduza ao progresso social. Esses opositores 90 destacam aspectos omitidos pelos defensores de que a evolução científica ocorre sem influência de fatores políticos e econômicos. Os críticos observam que a pesquisa básica concentra-se por vezes em temas distantes das necessidades sociais básicas. Observa-se, por exemplo, o controle econômico do capital sobre a produção científica. Para esses críticos, [...] a ciência e a tecnologia visam atender às necessidades das classes dominantes e dos governos que representam empresas poderosas, de modo que somente uma pequena parcela da população pode usufruir de seus serviços e inovações, acentuando a desigualdade social, ao mesmo tempo em que garante o lucro de um seleto grupo de empresas. Se visarmos ao bem-estar geral e não ao lucro máximo, devemos mudar o critério para o desenvolvimento científico-tecnológico e, consequentemente, o econômico. É necessário haver uma modificação radical do lugar da ciência na sociedade, de forma a abrir as portas do mundo científico e tecnológico a toda a população e não somente a uma “elite”, vinda das classes dirigentes ou por eles selecionada, que tem tido o monopólio da ciência desde o início da civilização (SILVEIRA; BAZZO, 2005, p. 11). A EMC constitui um campo de pesquisas voltado para questões políticas da Educação e da Matemática, alinhando-se à discussão do conhecimento desenvolvido sem considerar suas consequências para diferentes grupos sociais. Ela examina, por exemplo, relações de poder dentro da sociedade e interesses por trás dos currículos de Matemática. A crítica é relacionada à necessidade de alternativas aos modelos de Educação que tornam o indivíduo passivo dentro de seu próprio grupo social. De acordo com Skovsmose (2001), as reestruturações na Educação levadas a cabo após os movimentos de 1968 iniciadas pelas Ciências Sociais influenciaram a Educação Matemática e serviram de inspiração à Educação Crítica e à EMC. No fim da década de 1960, as discussões sobre a didática da Matemática eram essencialmente direcionadas à busca de melhoria de técnicas e metodologias para o ensino e a adaptação do aluno à sociedade. Diferente da ideia daquela época, a Educação Matemática firmou-se como campo de pesquisas ligado a diferentes áreas, lançando mão de métodos de pesquisa heterogêneos. Essa preocupação com os papéis sociopolíticos da Educação diante da sociedade pode ser estendida à Educação Estatística. Existe uma ideologia escolar dominante, alimentada pelo racionalismo científico (SKOVSMOSE, 2007), e a EMC busca desenvolver competências democráticas em contraposição à serventia do conhecimento para a formatação 91 social. Como sugestão indica-se a utilização de currículos para o estudo de situações externas à escola, favorecendo a ligação do conhecimento matemático à discussão da democracia em sociedades altamente impregnadas pela tecnologia. Considera-se que as práticas tradicionais de ensino15 não desenvolvem os horizontes do estudante além da aquisição de habilidades técnicas para ao manuseio de conteúdo específico. A Educação Crítica considera que a Matemática Escolar, da maneira que é ensinada, muitas vezes não permite ver como o conhecimento é utilizado podendose citar, por exemplo, o conhecimento usado especificamente a serviço de interesses econômicos. A Matemática Escolar tem servido como instrumento para ajustar o indivíduo às funções exigidas pelos empregadores da força de trabalho, mas pode, igualmente, prover os cidadãos de competência crítica. Isso os ajudaria a entender que o conhecimento tanto pode servir ao aprendiz no mundo tecnológico quanto, contrariamente, excluí-lo desse ambiente. 3.7 Propostas de mudança Batanero (2013) considera a Estatística ensinada atualmente em todos os níveis uma importante ferramenta para a vida pessoal e profissional. Mas a autora também constatou que, mesmo no nível universitário, os estudantes possuem ideias deturpadas ou são incapazes de interpretar adequadamente os resultados estatísticos que lhes são apresentados. Segundo a autora, uma possível explicação encontrada seria a submissão do aluno a rotinas de aplicação de definições e fórmulas, sem uma adequada atenção à interpretação dos contextos que originaram os dados. Para ela, a melhor forma do aluno desenvolver o senso estatístico é apresentá-lo às diferentes fases do processo estatístico (formulação do problema, decisões ligadas à coleta e análise de dados e conclusões) por meio de projetos que contextualizem o ensino da disciplina. Outra discussão sobre a importância do conhecimento estatístico foi apresentada por Lopes (2013), ao tratar da Estatística em cursos de formação de professores de Matemática. Porém, alguns elementos da discussão podem ser 15 O termo tradicional deve ser entendido como modalidade de ensino na qual é mais importante o cumprimento de um currículo e de um plano de ensino. 92 associados à problematização do desenvolvimento teórico e metodológico da disciplina na formação de Engenheiros. A autora considera que a Estatística, uma Ciência de análise de dados, não pode ser tratada como uma cadeira de Matemática Aplicada. No século XXI, considerado Era da Informação, a análise de dados tornouse componente essencial do currículo em diferentes níveis. A realidade repleta de dados levou educadores a repensar o currículo da Educação Básica ao Nível Superior. Um aspecto relevante é a necessidade de tratar a Educação Estatística diferentemente do que se faz com o ensino da Matemática voltada a atividades de uso de fórmulas, algoritmos e exercícios de fixação. Em relação à convivência com a Estatística, os alunos atualmente são diferentes, inclusive, de seus professores, pois têm no seu cotidiano o acesso a informações estatísticas. A Estatística deve ser compreendida como uma ciência distinta da Matemática, pois tem objetos de estudo diferentes. De maneira diversa, enquanto a Matemática não depende de situações externas a si mesma para desenvolver-se, a Estatística necessita diferentes contextos para aplicar seus instrumentos de trabalho. Existem, portanto, diferenças qualitativas entre os pensamentos matemático e estatístico. Um diferencial marcante é a Estatística possuir instrumentos que permitem tratar os dados e resolver situações em que se considera a presença da variabilidade. Com isso, podem ser apresentados diferentes cenários como respostas para o mesmo problema. Dessa forma, a distinção da Ciência Estatística é que ela “[...] requer um tipo diferente de pensar, porque não são apenas números; eles são números com contexto [...]” (LOPES, 2013, p.905). Por outro lado, “[...] o foco principal do pensamento matemático centra-se em padrões abstratos, ou seja, o contexto é parte irrelevante [...] em matemática o contexto obscurece a estrutura [...]” (idem, ibidem). Enquanto uma situação resolvida matematicamente parte de padrões para a obtenção de respostas, inversamente a Estatística munida de seus instrumentos busca nos dados a existência ou não de algum padrão. Este será encontrado caso o contexto estudado permita verificar algum significado nos dados. 93 Um importante trabalho sobre o ensino de Estatística é o GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). Seus autores partiram do estudo de normas e orientações para ensino de Estatística existentes na época, considerando as diversas modificações pelas quais passou o ensino de Estatística no século XX. No documento consta que a clientela à qual o ensino de Estatística se destina modificou-se ao longo de décadas. Historicamente, a disciplina era ensinada seguindo a mesma metodologia: aplicavam-se os mesmos conteúdos, com a utilização de uma bibliografia única em cursos superiores bem distintos: Administração, Engenharias, Matemática, Psicologia. O mesmo também ocorria em pós-graduações, sendo que variava apenas a etapa do curso na qual essa Ciência era apresentada. Com o tempo, elementos de Estatística sob diferentes denominações passaram a fazer parte tanto dos currículos da Educação Básica quanto no de Nível Médio16. A partir de então, estudantes que iniciam o Nível Superior supostamente já teriam passado por algum contato prévio com o conhecimento estatístico. Na redação do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) também foram consideradas pesquisas sobre ensino e aprendizagem dessa disciplina. É apresentada uma lista de recomendações consideradas importantes e que deveriam ser seguidas em cursos introdutórios de Estatística no Nível superior de Ensino. São elas: 1) enfatizar a literacia estatística e desenvolver o pensamento estatístico; 2) utilizar dados reais; 3) enfatizar o entendimento conceitual ao invés de concentrar o ensino apenas na apreensão de procedimentos de cálculo; 4) promover a aprendizagem ativa na sala de aula; 5) utilizar a tecnologia para o desenvolvimento da compreensão conceitual e análise de dados; 6) utilizar as avaliações como instrumento de melhora da aprendizagem dos alunos (FRANKLIN et al., 2005, p. 5). A lista enfatiza elementos importantes para o estudante obter um bom desempenho na aprendizagem em cursos introdutórios de Estatística. Nesta Ciência, assim como em outros campos, existem linguagens, conceitos e símbolos próprios. 16 No Brasil, temos os PCNs e PCN+. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, consta o bloco de conteúdos sobre o Tratamento da Informação (com a recomendação de ser desenvolvido por intermédio de coleta, organização e descrição de dados). Nos PCN+, entre os temas estruturadores para o Ensino de Matemática no Nível Médio, consta o eixo (ou tema estruturador) denominado Análise de Dados (com as unidades temáticas Estatística, Contagem e Probabilidade). 94 O desenvolvimento da literacia estatística, de acordo com o documento, ocorre ao associar-se a capacidade de compreender as ideias fundamentais da Estatística ao entendimento da linguagem utilizada em sua comunicação (termos estatísticos, símbolos de escrita e gráficos). Estabelecendo um paralelo entre a aprendizagem da Estatística e a de um idioma, verifica-se a necessidade de leitura, construção e atribuição de sentido. Para desenvolver a literacia estatística, sugerese pedir aos alunos a interpretação ou a crítica de artigos, notícias e matérias da mídia em geral. De acordo com o GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005), pensamento estatístico pode ser definido como aquele utilizado pelos estatísticos na abordagem ou resolução de problemas da própria área. Ele inclui a necessidade de compreender dados e reconhecer a importância de sua produção. Essa forma de pensar é utilizada por quem necessita compreender, produzir e verificar a consistência dos dados. Também faz parte do cenário de formação do pensamento estatístico perceber a presença da variabilidade (considerado importante conceito estatístico), sua quantificação e explicação. O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) aponta a necessidade das atividades de aula abordarem a compreensão de conceitos, sugerindo desenvolver o pensamento estatístico a partir de exemplos explicativos dos processos utilizados na resolução de problemas. Para avaliar o pensamento estatístico, o documento da ASA sugere realizar projetos e tarefas investigativas abertas. Em relação às atividades investigativas, Skovsmose (2008) apresenta um conceito importante: o cenário de investigação. Esse cenário consiste em qualquer ambiente que dê suporte a um trabalho investigativo. Propor um cenário de investigação viabiliza a oportunidade para os alunos refletirem sobre o assunto, desenvolvendo atividades diferentes das proporcionadas com a prática da resolução rotineira de exercícios. Uma qualidade importante desses cenários é a capacidade em atrair os aprendizes para formularem questões e, a partir delas, alcançarem conclusões próprias sobre o tema tratado. Os alunos podem questionar, identificar caminhos de resolução, auxiliarem-se mutuamente e tomar decisões a partir dos significados por eles produzidos. 95 Os cenários de investigação não são adaptáveis à exploração de listas de exercícios-padrão, diferindo, portanto, do paradigma do exercício. Também existem situações complexas fora das semirrealidades, em que o conhecimento estatístico pode auxiliar a compreender fatos capazes de afetar os indivíduos de um grupo social. Em situações concretas, podem ser elaborados significados para conceitos. Nesse aspecto, diferentes relações entre Ciência, tecnologia e sociedade podem ser contempladas. Alro e Skovsmose (2010) lembram que as propostas dos cenários de investigação devem ser concebidas para aproximar os alunos e a investigação ser consumada. As situações devem proporcionar a associação de significados, além da adequação à capacidade de compreensão dos aprendizes. Além disso, a transição do paradigma do exercício para o cenário de investigação pode mudar padrões de comunicação tradicionais e favorecer a cooperação para a aprendizagem. A abordagem proposta no GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) requer que os aprendizes tenham atitude ativa. Consideram-se dois aspectos: servir à aprendizagem da comunicação, utilizando a linguagem da estatística; contribuir para promover a colaboração entre os alunos e desenvolver a capacidade de trabalhar em equipe. Além disso, a aprendizagem ativa favorece a descoberta, a compreensão de conceitos estatísticos e o desenvolvimento de formas de pensar estatisticamente. Atividades de campo para resolver situações reais devem ser realizadas porque demandam a mobilização de diversas habilidades ligadas à resolução de problemas. Para alcançar os objetivos, sugere-se utilizar laboratórios, estudos em grupo, resolução de problemas e atividades que promovam a discussão de conjuntos de dados. Práticas em laboratórios e demonstrações de resultados a partir de dados levantados pelos próprios alunos servem para elaborar respostas a perguntas por eles formuladas, evitando, com isso, a coleta puramente mecânica. Os alunos também devem ser incentivados a realizarem previsões a partir desses dados, justamente por favorecer a discussão e mobilizar o pensamento para responder com base no que foi coletado. A utilização maciça de TICs é incentivada para gerenciar e explorar dados, realizar e compreender os processos de inferência e também para agilizar os trabalhos de professor e alunos. 96 O acesso a dados reais mediante a utilização de TICs também serve para automatizar cálculos, trabalhar com modificações em gráficos e realizar simulações. Isso possibilita aos alunos interpretar resultados e não apenas assimilar mecanicamente o trabalho estatístico. Concomitante à utilização de tecnologias diversificadas, a recorrência ao desenvolvimento de projetos pedagógicos é necessária para viabilizar situações nas quais os alunos sejam colocados frente a situações que exijam a decisão sobre quais técnicas utilizarão na formulação de respostas para as questões de pesquisa. O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) destaca que o uso de dados reais tem diversas serventias: ajuda a compreender as formas pelas quais se produz e/ou coletam dados; possibilita relacionar a análise estatística com o contexto de uma situação; estimula o pensamento em relação à relevância dos dados e às ligações destes com os conceitos da Estatística; podem ser utilizados para envolver o estudante com o processo de aprendizagem e aproximá-lo do professor. Os dados hipotéticos dos livros didáticos podem atender a fins específicos, tais como exemplificar como são aplicadas as fórmulas, esclarecer conceitos, ou até mesmo avaliar a compreensão imediata que o aluno tem sobre o tema estudado. Dados reais podem ser buscados na internet ou obtidos em pesquisas feitas diretamente pelos alunos. Esses dados obtidos em diferentes contextos devem ser relevantes, a ponto de gerarem perguntas condizentes com cada situação estudada. No Brasil, por exemplo, o portal do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) possui grandes conjuntos de dados, muitos deles organizados em séries históricas, permitindo comparar situações relativas a diferentes profissões e épocas. Ao invés de concentrar a preocupação nas tarefas que envolvem o desenvolvimento apenas de diferentes técnicas de cálculos, recomenda-se aprofundar as ideias centrais da análise de dados. A ênfase maior no trabalho de compreensão dos conceitos parte do princípio que, diante do excesso de materiais e tarefas, o entendimento dos elementos que fundamentam o trabalho estatístico pode ficar na superficialidade. Como elementos aprendidos mecânica ou apressadamente tendem a ser perdidos na memória, acredita-se que a melhor alternativa é valorizar a utilização do conhecimento estatístico na resolução de problemas, a partir de uma sólida compreensão inicial dos conceitos. 97 O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) sugere que a avaliação ocorra paralelamente ao processo de aprendizagem. A ideia principal concentra-se na afirmação de que o ato de avaliar não deve ser esporádico. Além disso, é necessário que, desde o início, os instrumentos avaliativos estejam alinhados aos objetivos e concentrados na compreensão de ideias-chave. Além de ser formativo e somativo, o processo de avaliação também não deve se deter somente nas habilidades de uso dos algoritmos necessários aos cálculos estatísticos. São feitas duas importantes observações em relação ao processo avaliativo: 1) sua realização imediatamente após o processo de ensino é mais eficiente que após grandes intervalos de tempo; 2) suas modalidades devem ser diversificadas ao máximo. Desenvolver a capacidade de ler e compreender dados expressos por gráficos e tabelas estatísticas tornou-se necessário para completar um processo de alfabetização nos dias atuais. Curcio, Friel e Bright (2001) comentam que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em documento de 1995, considera a alfabetização completa com o desenvolvimento da capacidade de compreender representações gráficas. Também é necessário atentar para três aspectos da obtenção da informação: localizar, integrar e gerar informações. A localização é a capacidade de obter a informação dentro de condições específicas. A integração corresponde à habilidade de reunir dois ou mais elementos de informação. A geração é a habilidade de compreender as informações de um documento e inferir baseado no que ele contém. No Brasil, Lopes e Coutinho (2009) discorreram sobre a fragmentação em relação à construção e leitura de gráficos e tabelas nos níveis Fundamental e Médio. Segundo as autoras, a maioria dos textos de livros didáticos dedicados à introdução da Estatística básica considera que a leitura dos gráficos limita-se a uma leitura dos eixos para responder questões específicas, sem a preocupação de levar o aluno a uma interpretação do que efetivamente foi representado naquele gráfico, em termos de variação em um conjunto de dados observados. Alguns enfocam as medidas estatísticas apenas como cálculos matemáticos isolados, sem uma preocupação em também relacionar, interpretar essas medidas (LOPES; COUTINHO, 2009, p. 41). Essa forma de ensinar Estatística pode consolidar a ideia da disciplina como conjunto de instrumentos simples e destinados a agrupar e representar dados em 98 linguagem pictórica para a mera realização de cálculos da mesma forma que ocorre em Matemática. Trata-se de uma atitude que restringe e fragmenta, ao invés de expandir articuladamente os usos de um instrumento de comunicação. A consolidação dessa imagem da Estatística ao final do Nível Médio pode prejudicar sua compreensão no Nível Superior. Tratando da aprendizagem da comunicação por meio de gráficos, Curcio, Friel e Bright (2001) reuniram pontos de vista de diversos professores. Identificaram fatores críticos que influenciam a compreensão de diferentes representações gráficas, destacando a importância de dominar processos de tradução, interpretação, extrapolação e interpolação para compreender informações expressas por meio de elementos escritos ou de outra natureza simbólica. A interpretação de uma representação gráfica necessita de reorganizações e classificações de fatos (ou fenômenos) de acordo com hierarquias. Na extrapolação e na interpolação (consideradas extensões da interpretação), busca-se compreender a essência da mensagem que se tenta transmitir por intermédio de um gráfico, em prol da identificação de consequências para o fato (ou fenômeno) descrito na figura. Os autores consideram a compreensão gráfica em três níveis, separados em duas classes de propósitos para a utilização de gráficos. A compreensão começa de forma elementar (extração de dados de um gráfico, localização e tradução de seu conteúdo) e pode ser desenvolvida até um nível intermediário (interpolação e relacionamento entre os dados do gráfico), chegando até a um estágio avançado (prever a partir da extrapolação dos dados do gráfico). No terceiro nível, ocorre a compreensão aprofundada dos dados representados graficamente. Os dois propósitos para a utilização de gráficos são a análise e a comunicação de dados. Na análise, os gráficos são ferramentas de primeiras descobertas do sentido e das características dos dados. É importante observar que, se o ensino recair sobre a construção, pouca atenção será dada à análise dos propósitos da elaboração de gráficos. Se o estudo voltar-se para a análise de dados, considera-se possível alcançar uma compreensão elevada, garantindo flexibilidade, fluidez e generalização na compreensão de usos dos gráficos. Quando utilizados para a comunicação, suas imagens destinam-se a informar sobre números e 99 relações entre eles (além de exibir padrões, geralmente resumos estatísticos, em vez dos dados originais). Mesmo sendo necessária e importante para a compreensão de gráficos, a decodificação visual não é suficiente. Como a Estatística envolve o estudo sistematizado de dados (coleta, descrição, apresentação e conclusões a partir de dados), seus temas podem ser desenvolvidos em associação com outras disciplinas, utilizando conceitos e ferramentas associadas à compreensão de gráficos. O tipo de dado, sua variação, o tamanho do conjunto de dados e as formas de representação podem facilitar ou não o entendimento. Considera-se ainda que a capacidade de atribuir sentido é desenvolvida gradualmente, com o uso de gráficos prontos, ligados a diferentes problemas e contextos. Ainda tratando do ensino de Estatística, Gal e Garfield (1997) assinalam que a disciplina é muitas vezes ensinada no nível pré-universitário como parte do currículo de Matemática, sendo abordada em capítulo específico do livro didático ou no estudo de funções e gráficos. No Nível Superior a Estatística (junto com a teoria das probabilidades) constitui-se geralmente em um curso autônomo, tratado como introdução ou orientado para aplicações de campos específicos como o da Engenharia. Os autores apontam uma meta global de Educação Estatística: consiste em fazer dos alunos cidadãos informados, capazes de compreender e lidar com a incerteza, a variabilidade e a informação estatística, além de tomar parte na produção, interpretação e comunicação de dados. Esta concepção pode ser estendida a diferentes níveis escolares. Também apresentam oito metas básicas e inter-relacionadas, a saber: 1) Entender o propósito e a lógica das investigações estatística; 2) Compreender o processo de investigação estatística; 3) Dominar habilidades processuais; 4) Compreender as relações matemáticas; 5) Compreender a probabilidade e o acaso; 6) Desenvolver habilidades de interpretação e de literacia estatística; 7) Desenvolver a capacidade de se comunicar estatisticamente; 8) Desenvolver dispositivos estatísticos úteis. Também é importante que os alunos desenvolvam a compreensão do papel do acaso e da aleatoriedade no mundo, além de entender que os métodos 100 estatísticos são ferramentas úteis em experimentos científicos e tomadas de decisões, sejam elas pessoais, sociais ou empresariais. Além disso, o aluno deve compreender que processos de pesquisa estatística podem ajudar a obter conclusões melhores do que aquelas baseada apenas em intuições ou nas próprias experiências subjetivas. Outro desafio é os alunos aprenderem a elaborar estatísticas, ao invés de serem apenas consumidores. 3.8 Articulações do GAISE com alguns teóricos As considerações de Lévy (2006) sobre a inteligência e a cognição como elaborações sociais utilizando tecnologias corroboram com o que foi apresentado no GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). A simples acumulação de dados não significa que uma informação foi formulada. É necessário fazer com que os dados originalmente recolhidos passem por processamentos que lhes deem sentido, pois, para que a comunicação ocorra, é essencial existirem contextos comuns e conhecidos pelos indivíduos envolvidos. Os sentidos atribuídos coletivamente, o contexto e a compreensão de mensagens são elementos da comunicação, possuindo valor didático para a Educação Estatística. A formulação de sentidos e a aprendizagem ocorre quando o objeto estudado é compreendido dentro de contextos que servem para situar o aluno frente ao que deve aprender. Dessa forma, ao avaliar as aprendizagens paralelamente ao processo de ensino, deve-se verificar se os contextos de utilização de conceitos foram ou não compreendidos. Segundo Lévy (2006), a transmissão de informações é uma função de nível fundamental no ato de comunicação, ocorrendo quando se definem situações que dão sentido às mensagens trocadas. Na elaboração de sentido da mensagem, o contexto é o elemento central da comunicação e a compreensão realiza-se ao realinharem-se os sentidos anteriormente elaborados pelo receptor. Além de existir uma língua comum aos sujeitos do processo, [...] os atores de comunicação produzem [...] continuamente o universo de sentido que os une ou que os separa [...] se o assunto em questão é, por exemplo, comunicação verbal, a interação das palavras constrói redes de significados transitórios na mente de um ouvinte. Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de 101 conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, odores, sensações proprioceptivas, lembranças, afetos, etc (LÉVY, 2006, p. 23). Portanto, os contextos favorecem a criação de redes, nas quais diversos significados são articulados, originando uma teia de significações e não apenas uma corrente, que perde sua utilidade ao quebrar um dos elos. Comparando com a aprendizagem de significados dos conceitos estatísticos, a elaboração de raciocínios e elementos de linguagem favorecem o entendimento do objeto de estudo. Do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) pode-se compreender que, em um primeiro momento, devem ser criadas relações entre conceitos estatísticos estudados e o processo de exame de situações reais. Os argumentos de Lévy (2006) e do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) sobre os usos de uma linguagem dentro de um meio social têm ligação com o que foi expresso por Luria (1986), estudioso do pensamento lógico-conceitual. A compreensão dos significados de dados e enunciados em Estatística também passa por processos complexos, assim como ocorre com palavras, frases e significados por trás de textos. Seria “[...] errôneo pensar que a comunicação ou o texto consiste somente em uma cadeia de frases isoladas, separadas, e que, para compreendê-lo, é suficiente compreender o significado de cada frase isolada [...]” (LURIA, 1986, p. 189). Da mesma forma que existem motivos para redigir e divulgar um texto, há uma série de propósitos para elaborar e disseminar formas de representações científicas. Em uma sociedade cujas atividades cotidianas baseiam-se no uso de TICs em larga escala, a divulgação de análises quantitativas por diferentes mídias tem se pautado cada vez mais em representações gráficas, como forma de traduzir visualmente a organização de dados. O uso dessas tecnologias pode servir para dinamizar a análise de dados, pois facilita a exploração e a experimentação com gráficos, fato apontado por Curcio, Friel e Bright (2001). Os instrumentos informacionais também podem ajudar a desenvolver pensamento flexível na análise de dados, apoiando o desenvolvimento da compreensão de diferentes representações gráficas. O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) sugere que a leitura de tabelas e gráficos divulgados por diferentes meios de comunicação pode colaborar 102 no desenvolvimento da capacidade de julgar os dados processados por outros indivíduos. A associação dessa prática à da troca de experiências de interpretações entre os alunos também ajuda a melhor compreender esses instrumentos. Tal ponto de vista vem ao encontro às ideias de Lévy (2006) sobre o desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem. As formas de representar dados também resultam de desenvolvimento coletivo e, para serem compreendidas, necessitam de trocas de significados dentro de um grupo social. Isso também pode ser associado ao pensamento de Luria (1986) em relação ao desenvolvimento da capacidade de compreender elementos de linguagem previamente estabelecidos por outra pessoa. Voltando à ideia de conhecimento como elaboração simultaneamente resultante e impulsionadora de mudanças num campo de conhecimento em uma determinada época, pode-se dizer que esse aspecto imprime aos resultados obtidos a imagem de obra inacabada. Abre-se a possibilidade para a coexistência de ideias diferentes e contrastantes sobre o mesmo objeto, além de novas concepções emergirem. Feyerabend (2007) nos lembra que é necessário existir a pluralidade de metodologias. Além disso, os problemas não resolvidos por uma Ciência podem demandar novas formas ainda por elaborar (o que pode levar ao surgimento de outras teorias e formas de estudo para um mesmo objeto). 3.9 Considerações sobre o capítulo As expectativas em relação ao conhecimento entre o fim do século XIX e início do XX começaram a se desfazer quando suas contradições foram apontadas e discutidas. Entre outros elementos expostos está a limitada capacidade que a Ciência Moderna tem para explicar o mundo fora de bases de raciocínio quantitativas. Outra discussão recorrente é a da Ciência Moderna cada vez mais distanciada das necessidades sociais cotidianas, preservando interesses de grupos dominantes e acirrando desigualdades sociais. Tomando por base as ideias da EMC, o conhecimento estatístico do Engenheiro de Produção deve ajudá-lo a perceber consequências sociais de seus atos e provê-lo das competências crítica e democrática. Seu envolvimento com o conhecimento estatístico também deve promover sua compreensão de mundo. 103 A partir do referencial teórico, temos elementos para argumentar sobre a necessidade de superar duas ideias: 1) cada disciplina, em seu isolamento cognitivo e epistemológico, é capaz de sozinha desvelar a realidade de forma unívoca e precisa; 2) o conhecimento científico é uma obra acabada. No próximo capítulo verificaremos concepções dos alunos de uma turma de Engenharia de Produção sobre a disciplina Estatística a partir das respostas a um questionário e a uma entrevista. Os dados construídos a partir desses dois instrumentos serão confrontados com o referencial teórico e um quadro de análise será então apresentado. 105 CAPÍTULO 4 - A CONSTRUÇÃO DOS DADOS Tendemos a viver num mundo de certezas, de solidez perceptiva não contestada, em que nossas convicções provam que as coisas são somente como as vemos e não existe alternativa para aquilo que nos parece certo. (Maturana e Varela) 4.1 Introdução Este capítulo é dedicado à análise do material resultante do levantamento das respostas ao questionário e das transcrições das entrevistas. Os primeiros resultados foram tratados com o objetivo de obter significações que permitissem analisar, interpretar e fazer inferências sobre o material. Durante a formação, os futuros profissionais de EP são submetidos a rotinas de treinamento e adequação a determinadas práticas que passam a fazer parte do seu cotidiano. Ao mesmo tempo em que as atividades rotineiras condicionam a atuação de um profissional, elas dão conformidade a um cenário de trabalho. É comum retratar o Engenheiro como alguém envolvido em pensamentos lógicoabstratos ou então debruçado sobre projetos nos quais existem dados para analisar e isso requer que ele conheça Estatística. Esse profissional também pode acrescentar novos padrões e rotinas à profissão, ou tentar alterar esse quadro, tendo em vista que é um ator histórico e capaz de modificar situações materiais de sua existência. Dessa forma, a Estatística torna-se instrumento importante para o profissional de EP. O ensino da disciplina deve habilitá-lo a participar ativamente da produção, interpretação e comunicação de dados. Isso será rotineiro em sua carreira e ele deve ser preparado com vistas a não ser um simples apreciador passivo da produção estatística de terceiros. 106 4.2 Dados das respostas do questionário O questionário ofereceu dados sobre o perfil estudantil dos componentes da turma, além de garantir o anonimato e o sigilo. Até o momento, ninguém além do pesquisador teve acesso aos questionários. Na época, a turma era composta de 35 estudantes. Vinte e um alunos responderam, o que representa uma taxa de retorno de 60%. O trabalho com a maior parte das respostas padronizadas facilitou o levantamento do perfil da turma. Dois indivíduos erraram o ano de nascimento (escrevendo 2013). A tabela 1 a seguir resume o perfil de idade dos que responderam ao questionário. Tabela 1: resumo da faixa etária dos respondentes. Ano de nascimento 1981 1986 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Número de indivíduos 1 1 1 2 4 1 3 5 1 Total - - - - - - - - 19 17 Fonte: Tabela elaborada pelo próprio autor Com exceção de um aluno, que escreveu o período cursado de forma ilegível, verificou-se que os demais cursavam o terceiro período. Ao verificar a escolaridade anterior à entrada na Graduação, constatou-se que um aluno estudou Tecnologia em Redes de Computação, outro cursou Tecnologia em Petróleo e Gás e um terceiro chegou a iniciar Economia, desligando-se do curso sem tê-lo completado. Entre os que passaram por curso técnico antes da EP, verificamos um estudante para cada área a seguir: Administração, Informática Industrial, Segurança do Trabalho e Estradas. Um aluno passou pelo curso de Estradas, mas saiu para cursar o terceiro ano em outra instituição e se preparar para o exame vestibular. Dois estudantes cursaram técnico em Mecânica e em Eletrônica. Os demais não 17 Lembrando que dois alunos assinalaram 2013 como ano de nascimento, o total de respondentes é 21. 107 cursaram qualquer modalidade de formação técnica e ninguém passou pela modalidade EJA. Ninguém havia cursado Estatística em qualquer semestre anterior da graduação em EP. O significado atribuído à Estatística teve respostas variadas, classificadas nas subcategorias do quadro a seguir. SUBCATEGORIA EXPRESSÕES ENCONTRADAS NOÇÃO DE ESTATÍSTICA COMO DISCIPLINA CURRICULAR Disciplina que ...; Estudo de ..., uma Capacitação para ... APLICABILIDADE Analisar aspectos sociais para obter melhorias (soluções) para situações reais; é uma simplificação; ferramenta que auxilia o engenheiro para tomada de decisões; conhecer seu comportamento e poder prever sua variação; melhor entendimento de um processo; demonstração de informações; seguir uma linha de raciocínio; importante para o nosso dia a dia. REPASSE E COMUNICAÇÃO DE DADOS E INFORMAÇÕES Método para análise mais eficiente dos dados; coleta e análise de dados para obter informações; análise dos dados de uma amostra; análise de informações; DISCIPLINA DE CARÁTER MATEMÁTICO Disciplina que utiliza linguagem matemática; um conjunto de ferramentas matemáticas; análise matemática de dados; uma área da Matemática; cálculo de probabilidade; gráficos, matrizes, entre outros. Quadro 3: Termos e ideias relacionados à Estatística. Fonte: Quadro elaborado pelo próprio autor A Estatística como disciplina curricular apresentou respostas repetidas. Alguns informantes associaram a disciplina à eficiência. Também observa-se que, inicialmente, o grupo de alunos apresentava ideias vagas a respeito da Estatística e da relação dela com outras disciplinas, como por exemplo, a Matemática. Respondendo às perguntas sobre variáveis qualitativas, quantitativas, discretas e contínuas, houve alunos que não souberam conceituá-las e outros desconheciam a melhor representação. Outros não sabiam conceituar as variáveis qualitativa e quantitativa, também ocorrendo casos em que não se conhecia uma forma de representá-las graficamente. A tabela a seguir apresenta as quantidades de alunos que correspondem aos casos descritos: 108 Tabela 2: totais de alunos que conheciam a melhor representação de variáveis qualitativas e quantitativas. TIPO DE VARIÁVEL QUALITATIVA CONHECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO 1 PROBLEMAS COM A CONCEITUAÇÃO - QUANTITATIVA - AMBAS 10 - 8 Fonte: Quadro elaborado pelo próprio autor. A maioria dos alunos desconhecia como conceituar as variáveis discreta e contínua e suas representações gráficas. A tabela a seguir apresenta as quantidades de alunos que correspondem a esses casos: Tabela 3: totais de alunos que conheciam a melhor representação de variáveis discreta e contínua. TIPO DE VARIÁVEL DISCRETA CONTÍNUA AMBAS CONHECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO - - 19 PROBLEMAS COM A CONCEITUAÇÃO - - 19 Fonte: Tabela elaborada pelo próprio autor. Houve alunos que conheciam diferentes modelos de gráficos sem saber, entretanto, especificar os usos e dois deles declararam que era a primeira aula à qual compareciam. Porém, o questionário foi aplicado após a primeira prova e os gráficos se constituíram em um dos temas avaliados. Quando o aluno não soube conceituar o tipo de variável também não associou a forma de representar graficamente (variáveis qualitativa e quantitativa). A maioria dos estudantes não percebia motivos para utilizar determinadas representações gráficas associadas às variáveis estudadas. A partir das repostas, formulou-se o quadro com as subcategorias a seguir, tomando a representação gráfica de uma variável como categoria. 109 Quadro 4: termos ligados à representação gráfica adequada ao tipo de variável. SUBCATEGORIA REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL QUALITATIVA REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL QUANTITATIVA TERMO ENCONTRADO NA RESPOSTA Ogiva; Coluna; Pizza; Barras. Polígono de frequência; Colunas; Ogiva de Galton; Curva de frequência; Gráfico de barras; Histograma; Depende do tamanho da amostra: com classe, histograma. Sem classe, coluna. REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL CONTÍNUA Curva de frequência; histograma; Gráfico de barras. REPRESENTAÇÃO DE VARIÁVEL DISCRETA Gráfico de barras. Fonte: Quadro elaborado pelo próprio autor. De acordo com a literatura de Introdução à Estatística, a ogiva é um tipo de gráfico adequado à representação de frequências acumuladas de variáveis quantitativas. No caso de variáveis quantitativas, faltou citar o boxplot, o gráfico de dispersão e o gráfico de linha. Sobre os gráficos de barras, de colunas e de setores (pizza), é correto relacioná-los com as variáveis qualitativas. Porém, no caso de variável contínua, melhor seria utilizar o histograma, com as suas colunas justapostas. Por outro lado, foi respondido que o gráfico de barras deve ser utilizado para representar variáveis discretas, porém ele seria mais adequado para descrever variáveis qualitativas. Doze indivíduos não souberam atribuir significado à palavra variabilidade e, em relação à Estatística e à Matemática como instrumentos com potencial de influenciar comportamentos de setores da sociedade (e profissionais de diferentes áreas), três indivíduos não se posicionaram e três apresentaram respostas redundantes. Ao considerar as influências sobre o comportamento de profissionais de diferentes áreas, foram citados a alteração na linha de produção, a redução de custos, a redução de erros, a avaliação da produção fabril e a linha de produção. Sobre se determinados usos da Estatística influenciariam a sociedade, apareceram respostas tais como “a necessidade de policiamento”, “necessidade de escolas”, “conhecer a opinião de uma comunidade”, “nortear a venda de um produto”, “levantamento de dados sobre a educação”, “levantamento de dados sobre a 110 saúde”, “levantamento de dados sobre o consumo”, “avaliação de serviços públicos”, “necessidade de construção de quadras de esporte”, “controle demográfico”, “crescimento regional”, “oportunidade de emprego”, “taxa de natalidade”, “taxa de mortalidade”, “prever comportamentos” e “rejeição a produto defeituoso”. O levantamento de dados sobre analfabetismo e a pesquisa eleitoral também foram citados duas vezes, não havendo referências às influências sobre o comportamento. Em relação aos usos da Estatística e da Matemática para reconhecer aspectos sociais e políticos da sua futura profissão, temos as seguintes respostas: “a presença do profissional” e a “qualidade do emprego”. A pesquisa sobre renda também foi uma das repostas apresentadas e a oferta de emprego também foi lembrada. Nenhum aspecto político foi citado e quinze indivíduos não souberam responder. A pergunta sobre sugestões para as aulas de Estatística teve as seguintes respostas: “visita técnica”, “mais interatividade”, “estudo de caso”, “sair de sala para fazer pesquisa de campo”, “uso de informática”, “aplicações práticas”, “mais dinamismo na aula”, “apresentar mais aplicações” e “uso de dados verdadeiros”. A partir das respostas iniciais, pode-se perceber que havia alunos incapazes de associar Estatística com a análise de dados e diferentes aplicações. Ao mesmo tempo, outra parte do grupo a considerava apenas uma disciplina a mais em sua formação profissional, ou mesmo parte da Matemática. Existe, portanto, a necessidade do professor observar e demarcar as diferenças entre duas modalidades de conhecimento em questão, pois trata-se de Ciências dotadas de objetivos específicos. Ao mesmo tempo em que alguns alunos veem na Estatística um instrumento para tratamento de informações com utilidades específicas, outros veem a disciplina capaz de embasar a compreensão da realidade. Nesse caso, abrem-se perspectivas para usar o conhecimento estatístico na compreensão e crítica de uma realidade social. Parte da turma considerava a Estatística pelo aspecto utilitário no cotidiano empresarial, ou seja, para analisar o desempenho e tomar decisões, apresentando aí outra forma de, cotidianamente, servir à compreensão de diferentes situações. Nota-se que, na época de aplicação do questionário, os alunos apresentavam 111 deficiências no estabelecimento de redes de significações, que são necessárias à análise e compreensão de situações por meio da Estatística. 4.3 Dados das respostas da entrevista A resposta de cada uma das perguntas constituiu-se em uma unidade de registro para codificação de significados e, a partir delas, iniciou-se uma categorização. O agrupamento e formulação de categorias deu-se a partir das percepções passadas pelos entrevistados. As categorias ligadas a cada resposta não foram formuladas intencionalmente, mas apenas no momento da análise o fato foi registrado. 4.4 Respostas à pergunta 1 O que o(a) motivou a escolher o curso de Engenharia de Produção? A motivação inicial do Aluno 1 foi buscar uma modalidade mais humana. Ele considera as outras ligadas mais a fatores materiais específicos. O fato da EP trabalhar com a organização da produção e projetos de gerenciamento leva o profissional a lidar mais com as pessoas. A administração de uma fábrica reúne diferentes indivíduos e, para o aluno, esse contexto da EP uma atividade mais humana. Na terceira entrevista persistia a concepção da Produção como área que envolve mais as pessoas do que as outras modalidades. Ressaltou que isso não significa deixar de se envolver com Matemática e Estatística, pois ambos se relacionam com o delineamento e a implementação de um projeto, a produção e a previsão de demanda. O Aluno 2 primeiramente foi motivado a escolher a EP por considerar essa modalidade muito ampla e que possibilita estudar conteúdos de diferentes áreas ao mesmo tempo. Ao comparar a Produção com as demais, percebe que os outros campos têm atuação muito específica. A versatilidade favorece atuar juto às demais Engenharias, desenvolver diferentes habilidades e escolher na pós-graduação uma especialização na área de maneira mais segura. Também considera que as várias possibilidades de emprego favorecem o acesso a mais oportunidades no mercado de trabalho, o que é ratificado pela ABEPRO. O crescimento do curso foi outro 112 estímulo, pois há mais chances de empregabilidade. Agora a modalidade está em evidência e o mercado de trabalho encontra-se em ascensão. Dois pontos reforçam a percepção: o número de vagas de trabalho e a empregabilidade do Engenheiro de Produção. No mesmo anúncio de jornal pode ver que havia vagas Engenheiro Civil e, caso não se conseguisse alguém com essa habilitação, a vaga seria preenchida por um Engenheiro de Produção. O que motivou o Aluno 3 a escolher o curso de EP na Instituição em que estuda foi cursar as disciplinas de Matemática para posteriormente aproveitar os créditos e pedir isenção em outro estabelecimento (também do âmbito federal), quando conseguisse aprovação em Engenharia Civil. Foi aprovado no processo seletivo para a instituição na qual estuda e, ao iniciar o curso de EP, passou a gostar das áreas de produção e gerenciamento de processos. O Aluno 4 disse que a motivação na escolha do curso foi um sonho que sempre teve. Tentou diversos exames vestibulares e foi aprovado na instituição em que estuda. Foi cursando a disciplina de Introdução à EP que começou a gostar do curso. Anteriormente não tinha ideia do que se tratava e apenas sabia que esse campo cuida do gerenciamento da produção. Ao iniciar o curso é que foi saber de mais detalhes relacionados a essa modalidade. Agora tem noção de quanto ele é amplo e das várias áreas nas quais poderia trabalhar. A partir da compreensão desses fatos diz que gosta cada vez mais. O sonho continua e foi um fato marcante na sua vida estudantil trabalhar este ano na organização da Semana de Engenharia do Espírito Santo. O incentivo dos professores e as experiências que eles contam também têm servido de estímulo. O Aluno 5 também foi levado a cursar Engenharia pelas atuais condições do mercado de trabalho para os engenheiros da modalidade. São muitas oportunidades e vagas abertas. O seu pensamento é que alguém até pode se formar no curso que mais desejar, mas é importante terminar a graduação e conseguir trabalho. O fato de que atualmente o Brasil necessita muito de engenheiros também pesou na decisão tomada. Considera a Matemática um desafio pessoal e não enquadra a si como pessoa com facilidade para compreender e assimilar conceitos matemáticos. Necessita estudar muito e vê a Matemática um pouco mais complexa na formação básica das Engenharias do que a Estatística. A justificativa do aluno foi que, por não 113 se tratar da formação de um profissional de Ciências Estatísticas, o estudo da disciplina voltado para as Engenharias não é tão profundo e limita-se aos conceitos básicos de cada tópico. Apesar do Engenheiro de Produção desenvolver a competência para administrar, a EP não forma administradores com diploma de Engenharia. Mesmo adquirindo a competência administrativa ao longo do curso, sua profissão é bem diferente do que a do Administrador. Na terceira entrevista, disse que voltou a cursar EP no semestre passado, interrompeu novamente, mas não havia retomado a Estatística. Seus problemas relacionaram-se ao estado de saúde, o que acarretou prejuízos também no semestre anterior. Elogiou a professora e atribuiu o seu insucesso ao excesso de faltas. Os desafios de aprender Estatística e Matemática continuam e persiste a concepção inicial de que a EP é uma especialidade voltada para a administração e o controle. 4.4.1 Considerações e subcategorias Considerando que na pergunta 1 a motivação do estudante (relacionada aos fatos que determinaram a presença de cada um no curso de EP) enquadre uma categoria, temos três subcategorias: concepções sobre o curso e suas disciplinas, empregabilidade e possibilidades de atuação. Na primeira subcategoria, a EP é percebida como um desafio, mas também algo que pode servir à realização de um sonho e vislumbrar o futuro atuando na profissão. Também é modalidade capaz de atrair alunos, devido às características de elo entre o setor administrativo, o de produção e os outros ramos das Engenharias. A relação entre EP e empregabilidade deve-se ao fato de proporcionar mais chances no mercado de trabalho em expansão e também à necessidade de engenheiros no país. A expansão do número de vagas no Nível Superior e a versatilidade na atuação constituem-se em outros dois fatores de atração para o curso. Os alunos também percebem possibilidades de atuar em uma modalidade que não se restringe a trabalhos específicos, e possibilita conviver com diferentes 114 profissionais na indústria. O desenvolvimento de diferentes habilidades e o relacionamento interpessoal também são importantes para os entrevistados. 4.5 Respostas à pergunta 2 Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia de Produção constam diversas habilidades que devem desenvolvidas durante a formação do Engenheiro de Produção: comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica; atuar em equipes multidisciplinares; compreender e aplicar a ética e a responsabilidade da profissão; avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental. Você vê possibilidades de ligações/conexões/relações entre a Estatística aprendida nas aulas e as habilidades citadas? Se sim: Quais são as ligações/conexões/relações que você vê? Se não: Você pensa que o que aprendeu (ou a forma) em (como) Estatística não permite a você estabelecer essas ligações/conexões/relações? Sobre as diversas habilidades desenvolvidas durante a graduação, inicialmente o Aluno 1 pensava na utilidade da Estatística para direcionar o gerenciamento das pessoas. Prever elementos da relação com as pessoas pode evidenciar como ocorrem suas relações sociais. Declarou que o conhecimento estatístico pode ajudar a prever comportamentos que deve ter ao se relacionar com determinado grupo social. Sua percepção do conhecimento estatístico era ligada essencialmente à previsão e comunicação de dados, não vendo aplicações diretas no trabalho em equipes interdisciplinares. Considerava necessário saber de um todo para se comportar eticamente e comunicar-se verbalmente de acordo com padrões da maioria das pessoas. Ao tratar com líderes, a comunicação é diferente daquela que ocorre com outros trabalhadores. Prever comportamentos gerais pode facilitar uma melhor comunicação e, portanto, a Estatística serve para levantar o perfil das pessoas. Por exemplo, se uma pesquisa verificar que a escolaridade de um grupo é baixa, não é adequado utilizar com elas um vocabulário rebuscado. Justificou o uso repetido de palavras relacionadas a previsão, porque via na Estatística em instrumento para prever probabilidades. Saber que algo pode ocorrer permite pensar o que acontecerá no futuro e a possibilidade dele se concretizar. Características gerais de um grupo potencializam a previsão de comportamentos gerais. 115 Considerava plausível articular a Estatística com todos os tópicos citados na primeira parte da pergunta, mas não via, a princípio, a aplicabilidade nesses contextos. Na terceira entrevista, persistiu a concepção das ferramentas estatística utilizadas como instrumento de previsão de comportamentos. Ao identificá-los, pode-se prever e trabalhar a partir dos resultados. Voltando à comunicação escrita, oral e gráfica, ainda vê prevalência da terceira e não sabe como articular o conhecimento estatístico com a primeira. Além disso, não pensa muito a respeito da questão ética. Aprendeu que ferramentas estatísticas aplicadas à Gestão da Qualidade (GQ) podem ser usadas na questão ambiental. Seu ponto de vista é que a Estatística tem importante uso da na prevenção de defeitos que geram desperdício. Lembrou do diagrama de Pareto, que ajuda a verificar quais atividades e defeitos têm maior impacto na produção e fazem a máquina e parar mais vezes, gerando mais resíduos. Essa rotina pode ser aplicada em relação aos produtos químicos que mais causam impacto no ambiente. As disciplinas técnicas possibilitam avanços na compreensão da necessidade de lidar com impactos ambientais gerados pela empresa. A princípio, o Aluno 2 percebeu ligações entre os elementos de comunicação citados na entrevista e o seu curso. As informações repassadas pelo engenheiro dizem respeito a mensurações e uso de dados estatísticos. Nesse caso, a principal ligação é relacionada à expressão gráfica, maneira mais fácil de exprimir e compreender as informações, pois facilita a visualização e é importante na comunicação e discussão das melhorias de uma situação. Não viu a princípio ligações entre atuação em equipes multidisciplinares e Estatística. Considerou compreender e aplicar a ética e responsabilidade da profissão com a ideia de que, em cada instituição, existem relações e códigos sobre o tema. Tratando das habilidades de avaliar o impacto de atividades da engenharia no contexto social e ambiental, explicou que existem diferentes formas de cada organização lidar. Esse trabalho consiste em analisar o ambiente e os grupos dentro de cada setor da organização, mensurando as informações para compreender como tratar a atuação de cada equipe. Sobre impactos social e ambiental, acha importante notar que as atividades humanas afetam de diferentes maneiras o ambiente e os grupos sociais. Para a indústria, por exemplo, a análise dos impactos possibilita saber se determinada instituição age ou não dentro da legalidade. Nas 116 ligações/conexões/relações entre Estatística e habilidades da pergunta, a mensuração de dados estatísticos é tão importante, que não haveria melhor forma de expressar resultados. Disse também que existem outras maneiras de fazer isso, mas utilizar dados e números facilita mais visualizar e entender as informações do que ler o texto de um relatório. Quanto a presentar resultados na forma de gráficos e tabelas, pensa que facilita compreender e identificar dados e informações. Na terceira entrevista, seu posicionamento sobre as aplicações da Estatística mudou em relação às anteriores. Agora considera a Estatística um instrumento de aprofundamento de análise e compreensão. Cursar novas disciplinas fez com que percebesse mais utilizações da Estatística. No período que se encerrava, quando usou o conhecimento estatístico em Planejamento e Controle da Produção (PCP), deparou-se com novas utilidades e formas de apresentar informações. O aluno concorda que as relações da Estatística com a comunicação escrita existem e, dessa forma também é possível apresentar informações. Na disciplina de PCP, a Estatística serviu para representar os acompanhamentos de ciclos de trabalho e suas etapas. Percebe que a comunicação oral, a partir do que se demonstra e escreve, facilita e torna a apresentação precisa e mais clara. Acha que a representação gráfica também é importante e possibilita apresentar todas as informações geradas com mais clareza. Atualmente compreende que os dados devem ser utilizados com ética e responsabilidade, além de perceber que pode utilizar as informações estatísticas para verificar como é o impacto industrial sobre o ambiente (e como isso afeta as pessoas até mesmo dentro de uma organização). Considera válido associar vários conhecimentos, pois consegue-se melhora no desempenho e a Estatística contribui para informar de maneira mais clara o que se deve buscar e estudar para determinar o que uma equipe deve fazer. Na resolução de problemas, a Estatística permite obter informações mais claras sobre diversos aspectos da mesma situação, avaliar suas partes e compreendê-las mais facilmente. A partir daí pode-se avaliar as partes, desmembrar o problema e descobrir diferentes elementos que o influenciam. Inicialmente, o Aluno 3 considerava que fatores de impactos ambientais e sociais poderiam ser descritos por cálculos estatísticos. Ao articular a descrição de impactos aos cálculos, lembrou que a gestão de uma empresa pode causar desemprego, como no caso a aquisição de uma nova máquina. Se ela diminuir em 117 metade a mão de obra, isso causa demissão de operários e não é justo pensar de forma parcial, pois o desemprego impacta o ser humano. O operário também não deve ser tratado como massa, pois cada trabalhador é um ser humano e não apenas um equipamento. Citou os princípios de administração empresarial de Taylor, que considera o trabalhador mais um elemento da produção e útil pela sua força de trabalho. Segundo o aluno, trabalhadores não podem ser transformados em robôs, pois todos têm limitações e uma pesquisa Estatística pode identificá-las. Pensa também que o valor da mercadoria vendida é um aspecto social. Quem pode adquirir é rotulado de forma diferente daquele que não tem dinheiro suficiente para consumir a mesma marca. Sobre ética social, disse que a Estatística é útil para desenvolver pesquisas entre os funcionários de uma empresa e demais membros da sociedade, com o objetivo de saber o que eles pensam que é ser ético. Ele não via aplicação clara da Estatística na atuação em equipes multidisciplinares. Considera que é importante representar graficamente os resultados obtidos por processos estatísticos e não percebia a importância da comunicação oral e escrita, aspecto ainda considerando mais importante na comunicação gráfica. Quando se tem grande quantidade de números, sua apresentação pode ser de difícil entendimento e utilizar um gráfico é uma forma mais fácil de compreender. Sua percepção agora é a de que a Estatística pode ser uma linguagem universal e aprender novos conteúdos é importante para desenvolver a comunicação oral. Isso deve-se ao maior domínio do conhecimento de um assunto, porém o repasse de informações ocorre de maneira clara apenas para uma pessoa que entenda sobre o que se fala. A comunicação com quem desconhece a Estatística pode não ser efetiva. O aluno ligou a comunicação escrita à preparação de um artigo científico e a necessidade de explicar o referencial teórico. Considera apenas essa articulação entre a Estatística e a comunicação escrita e, além disso, não conseguiria explicar os passos da resolução de um problema na forma escrita. Na ligação entre Estatística e estudo de impactos ambientais considerou o exemplo do desmatamento. Sem dados do quanto se desmata, não é possível planejar uma ação. Continua pensando que apenas a partir de dados pode-se analisar os fatores humano, socioeconômico, social e ambiental. No seu entendimento, ao encaminhar para o lado das aplicações estatísticas, essa análise é possível. Fora isso, não consegue perceber como. Considerou normal a distância entre as disciplinas e que ensiná-las separadamente é indiferente, apesar delas terem alguma ligação. Lembrou ter feito trabalhos 118 interdisciplinares que ligavam sem recordar se eram duas ou três disciplinas nem de maiores detalhes. Quando elaborou um artigo ligou duas ou três disciplinas, mas, outra vez, não lembrou quais foram. Também continua não vendo como a Estatística ajudaria em relação à ética e que, por mais que alguém desenvolva o conhecimento estatístico, não passará a ter comportamento ético. Qualquer pessoa pode agir eticamente, conhecendo ou não Estatística. Ainda não percebe a Estatística envolvida com temas de viés sociológico. Para ele, os resultados das pesquisas podem ajudar a entender fatores humanos, como no caso da ética, mas não sabe dizer como. Nas primeiras entrevistas, o Aluno 4 concordou principalmente sobre a importância da comunicação gráfica e que, para comunicar resultados, é importante expressar os dados utilizando o conhecimento estatístico. A partir da utilização da Probabilidade, também é possível encontrar erros e defeitos da produção. Não soube se posicionar sobre atuação em equipes multidisciplinares utilizando o conhecimento estatístico. Além disso, confundiu a noção de interdisciplinar na qualidade de diálogo entre diferentes áreas profissionais com a utilização simultânea de disciplinas no mesmo trabalho. Não relacionou o conhecimento estatístico e ética (o que ainda persiste), mas concordou que se deve seguir os preceitos que estão no manual sobre o tema. Percebe que existem impactos das atividades da engenharia sobre contextos sociais e ambientais e que a coleta de dados usando instrumentos aprendidos nas aulas de Estatística pode ajudar a diminuir impacto ambiental. Acreditava inicialmente que as fórmulas de Estatística podem ser usadas em pesquisas voltadas para a diminuição dos impactos ambientais e exemplificou com o tema poluição e verificação do seu grau. As atividades de extração mineral e industriais exercem pressão ambiental e a Estatística pode ser um instrumento para procurar soluções. Atualmente, o aluno considera a comunicação oral essencial, porque um Engenheiro de Produção convive muito com o ser humano e, ao lidar mais com o fator humano, é necessário ser um bom líder. Daí a importância de saber falar com as pessoas. Lembrou-se que a disciplina de GQ usa maciçamente a comunicação gráfica para analisar anomalias e resolver problemas. Em quase todos os estudos utilizou gráficos para chegar ao problema principal, obter a solução, amenizar o problema e alcançar a meta estabelecida. É mais fácil entender um resultado expresso graficamente, mas as pessoas nem sempre conseguem ler e 119 compreender o que nele está representado. Após uma pesquisa, é melhor fazer gráficos para explicar a um leigo as demandas principais, pois considera mais fácil as pessoas interessarem-se mais por uma representação gráfica do que por um texto. Uma área pode se envolver com outras e um exemplo é a gestão de risco, ligada à área contábil, que está entrelaçada com a EP, além de demandar trabalho em equipe. Quando se trata de sustentabilidade, a Estatística pode ser usada da mesma forma que na resolução de outros tipos de problemas, pois é possível empregar esses métodos em todas as áreas. Ainda não sabia se posicionar sobre a possibilidade da Estatística colaborar na compreensão de aspectos políticos. O Aluno 5 incialmente considerou que as habilidades de comunicação relacionadas ao estudo de Estatística servem para melhor demonstrar um desempenho. Tanto na comunicação escrita quanto na oral, o engenheiro utiliza palavras de um vocabulário específico da Matemática. A linguagem gráfica serve para demonstrar resultados e, da mesa forma que o aluno 4 em sua última entrevista, reconheceu que as pessoas têm dificuldade para ler e entender gráficos. Percebe a Estatística como ferramenta útil para a indústria medir qualidade e desempenho, entendendo esta última como uma medida que pode ser expressa graficamente. Citou como exemplo o problema da quantidade de peças defeituosas descartadas que necessitam do desenvolvimento de métodos para melhorar a situação na qual são produzidas. Disse também que é necessário reconhecer onde estão os erros, gargalos e afunilamentos para melhoria dos processos. Em relação à atuação em equipes multidisciplinares, sua percepção foi que a Estatística utilizada para medir desempenhos pode ser levada para os outros campos profissionais. Não conseguiu relacionar conhecimento estatístico à ética e responsabilidade da profissão. Seu entendimento era que assumir uma responsabilidade requer o cumprimento de padrões de comportamento ético esperados do engenheiro, que não estão exatamente ligados à sua formação estatística. Ao avaliar impactos da Engenharia nos contextos social e ambiental, vinculou a Estatística à medição e argumentou que o desenvolvimento de um projeto em uma empresa necessita da medição de futuras influências da sua presença no cotidiano das pessoas ao seu redor. Inicialmente não via outra função para a Estatística, a não ser medir e mensurar quantidades e comentou que, por meio da Estatística, consegue-se manipular dados e resultados. Afirmou que conhecendo um pouco dessa Ciência é 120 possível saber se um resultado reflete ou não a realidade, pois ele depende dos procedimentos utilizados para organizar os dados, de acordo com o que se achar mais interessante divulgar. Disse que essa manipulação é possível porque a Estatística não é uma Ciência dotada dos mesmos padrões de exatidão da Matemática, que tem capacidade de dizer com certeza o que é real. A Estatística apenas indica o que é bem provável ocorrer, por isso fornece ferramentas para manipular resultados. Outro exemplo citado foi o da indústria farmacêutica, que pode apresentar um medicamento eficaz em até 99% dos casos tratados. Dependendo da forma usada para fazer cálculos, 99 podem ser publicados como prova de eficácia, mas quanto mais se expande a população estudada, existe a possibilidade do medicamento fazer efeito ou não. Acredita que o conhecimento estatístico pode colaborar para estudar a utilização de recursos escassos, destinação final de resíduos e rejeitos, atentando para a sustentabilidade. Acha que essa preocupação é um dos principais conceitos na EP: a necessidade de fazer sempre mais, utilizando menos quantidades e da melhor forma possível é continuamente lembrada, pois não se pode perder qualidade para fazer mais ou com objetivo de utilizar menos. Pensa que se deve buscar a melhoria contínua e, nesse caso, a Estatística serve para medições e as ferramentas que ela proporciona facilitam identificar a quantidade exata de perdas e formas de melhorar os processos. A exatidão em Estatística não ocorre na prática, mas quanto mais precisa for a identificação de um problema, melhor será a solução alcançada. Afirmou que o conhecimento estatístico também pode ajudar na melhoria contínua e que existem possibilidades de utilizar os conteúdos aprendidos na identificação das influências ambientais dos sistemas de produção. Comentou que, de forma geral, por meio de estudos e acompanhamento dos processos, pode-se medir como a sociedade e o ambiente são afetados. Na terceira entrevista, deixou claro que a Estatística serve para medida de desempenho e ainda persiste nessa concepção de ferramenta de controle instrumento de medição por excelência. Também tem a firme ideia de que, dependendo dos usos do conhecimento estatístico, os resultados são manipulados, pois conseguem-se respostas diferentes que podem ser melhores ou piores, dependendo de como se usam os números. A medição de desempenho não se restringe à área de Produção e a ideia pode ser levada para outras profissões, pois a Estatística pode ser usada no dia a dia de qualquer profissão. Continua não entendendo como essa Ciência pode se relacionar com a ética na atuação profissional, considera impossível 121 manipular permanentemente todos os dados e que uma pessoa ética vai apresentálos de forma correta. O aluno pensa que a Estatística pode colaborar para desenvolver de forma eficiente a comunicação nas formas oral, escrita e gráfica. Considera viável atuar em equipes multidisciplinares utilizando o conhecimento estatístico como meio de comunicação. Para ele, a avaliação do impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental é uma oportunidade de aplicar a Estatística, como no caso de um projeto para medir as interferências ambientais e sociais da instalação de uma empresa. Isso ajudaria a saber até que ponto uma indústria pode prejudicar e, se isso ocorrer, a coleta de dados e os cálculos ajudariam na tomada de decisões sobre o que exatamente tentar para reverter a situação. 4.5.1 Considerações e subcategorias Considerando que, na pergunta 2, a palavra habilidades enquadra uma categoria, temos 6 subcategorias, a saber: aplicabilidade, previsão, controle, manipulação de dados, repasse e comunicação de dados e informações e pensamento fragmentado. A primeira subcategoria engloba percepções de que a Estatística pode ajudar na melhoria contínua e identificação de influências que os sistemas de produção exercem sobre o ambiente. Além disso, ela também pode ser utilizada para levantar o perfil das pessoas, analisar o ambiente e os grupos dentro de cada setor de uma organização, objetivando compreender a atuação de cada um. Para a indústria, o conhecimento estatístico é ferramenta útil na aferição da qualidade e do desempenho de qualquer setor. Um dos entrevistados não via outra função a não ser a de mensurar quantidades, inclusive, na avaliação de equipes multidisciplinares. Considerando a subcategoria previsão, pode-se notá-la fortemente associada à anterior, com a informação estatística percebida como instrumento de previsão de comportamentos. O mapeamento de características pessoais é visto como direcionador do gerenciamento de pessoas. A Estatística também foi percebida pelos alunos como instrumento de controle, necessária ao reconhecimento de erros, gargalos e afunilamentos da 122 produção para melhoria de processos produtivos. Do ponto de vista do aluno, isso pode ser estendido a estudos de impactos ambientais, utilização de recursos escassos e destino final de resíduos e rejeitos, para a garantia da sustentabilidade. Outro uso apontado para a Estatística são as aferições que ela proporciona, constituindo-se em ferramenta que facilita medir, utilizar um produto e identificar quantidades exatas de perdas, com objetivo de melhorar processos de produção. Por fim, a mensuração é considerada tão importante que não existe melhor forma de expressar, inclusive, as análises dos impactos e a verificação de que uma instituição age de acordo com a legislação ambiental. Na subcategoria manipulação de dados, foram agrupadas as percepções sobre os resultados estatísticos. Considerou-se que o resultado de uma pesquisa depende do método utilizado. Logo, por meio da Estatística, consegue-se manipular dados e resultados. Portanto, dependendo de quem a use, essa Ciência tem a capacidade de proporcionar análises distorcidas de uma realidade. Falta-lhe a exatidão, atributo normalmente atribuído à Matemática, e isso permite manipulações. A Estatística, por não apresentar a realidade dentro de padrões de certeza, mostra o que é provável acontecer. Daí a sua possibilidade de apresentar dados falsificados. Passando para a subcategoria repasse e comunicação de dados e informações, três aspectos são mais citados. Primeiramente, a linguagem gráfica serve para representar resultados e é considerada a melhor maneira de expressar e dar compreensão às informações. Resultados na forma de gráficos e tabelas facilitam a visualização, o entendimento e a identificação de dados e informações. Visualizar facilita, por exemplo, entender melhor os dados do que ao ler um relatório completo. O segundo aspecto é de que dados estatísticos servem para expressar melhor um desempenho. O terceiro relaciona-se à ética social. A Estatística é considerada útil em pesquisas para saber o que pensam os membros de uma sociedade em relação ao que é ético. Por último, temos a subcategoria pensamento fragmentado, que se apresenta a seguir. Começando pela percepção de que a Estatística não está ligada a qualquer dos tópicos citados na pergunta, em seguida temos alunos que não relacionam o curso com a atuação em equipes multidisciplinares. Ocorreu a percepção de que a Estatística pode ser articulada à comunicação, mas a 123 predominância é a parte gráfica (ou não se considerou qualquer elo entre Estatística e as três modalidades). Não se percebeu possibilidade do uso de conhecimento estatístico na compreensão e aplicação da ética e responsabilidade profissional, ou elas foram associadas à responsabilidade de cada instituição (e suas relações particulares com os códigos). As habilidades para avaliar o impacto das atividades de engenharia no contexto social e ambiental, também foram consideradas ações individuais de cada empresa. Não se considerou que padrões de comportamento do engenheiro podem ser influenciados pela sua formação estatística. 4.6 Respostas à pergunta 3 Um documento elaborado após diversas reuniões do grupo de trabalho da ABEPRO (Associação Brasileira de Engenharia de Produção) para a graduação recomenda que o formando tenha um perfil que inclui a capacidade de considerar aspectos humanos, econômicos, sociais e ambientais, dentro de uma visão ética e humanística, atendendo às demandas da sociedade. Você vê possibilidades de utilizar os conteúdos de Estatística como instrumento para identificar influências que os sistemas de produção exercem sobre o ambiente? Se sim: Em relação à utilização de recursos escassos e ao destino final de resíduos e rejeitos existe a necessidade de atentar para a exigência de sustentabilidade. Como o seu conhecimento estatístico pode colaborar no estudo dessas situações? Se não: Por que você se vê impossibilitado de perceber possibilidades de utilizar o conhecimento estatístico na análise de situações descritas na pergunta? Nas duas primeiras entrevistas o Aluno 1 concordou que a Estatística pode ser usada para prever acontecimentos futuros a partir do presente. No caso de dejetos lançados na natureza, de acordo com a proporção de material residual lançado, seria possível prever problemas por meio da Estatística. Atualmente considera que a questão ambiental necessita mesmo da captação de dados e sua transformação em informações e disse que a Estatística também ajuda a perceber aspectos sociais e econômicos. Não via como demandas sociais podem ser estudadas quantitativamente, mas poderia haver alguma relação, associada à indústria e a necessidade de previsão. Pensa que o problema da demanda, do erro 124 e do Controle Estatístico da Qualidade (CEQ) são questões que influenciam a sociedade de forma geral. Inicialmente o posicionamento do Aluno 2 era o de que, com o decorrer do tempo, a questão ambiental passou a ser mais discutida, principalmente em relação ao destino de resíduos e avaliação de impactos. Dados devem possibilitar a mensuração, mostrar o local exato para destino de resíduos e o que pode ser feito para não prejudicar o meio. Percebe que a questão ambiental e a socioambiental ocorrem em todas as áreas, causadas pelo aumento de exigências legais para a certificação ambiental. Na verdade, as empresas não fazem tudo preocupadas apenas com o ambiente, mas sim com elas próprias. Segundo o aluno, a divulgação dos métodos de controle que existem na empresa é para preservar a sua imagem, porque o mercado consumidor pode rejeitar seus produtos e até abandoná-los. Sobre o fato de repetir diversas vezes o termo mensurar e dar importância à mensuração, o aluno pensa que isso se deve às formas pelas quais se apresentam as quantidades apuradas nas pesquisas. Utilizam-se muitos dados para mensurar impactos, riscos, prejuízos, ou benefícios que os sistemas produtivos podem gerar para o ambiente, para a sociedade e até mesmo para a cultura das pessoas. Como exemplo, disse que um segmento da produção pode afetar a cultura ao instalar uma fábrica em um lugar novo e é necessário conhecer a cultura do local. Nas primeiras entrevistas, o Aluno 3 declarou que métodos estatísticos de análise podem identificar impactos da EP na sociedade, no ambiente e temas afins. Sobre os recursos escassos, a partir de análises estatísticas é possível agir em relação ao grau de degradação e desgaste ambiental. Porém, na ausência de uma análise estatística, o aluno pensa que não é possível saber o que está sendo impactado, de que forma ou mesmo se impactos estão ocorrendo. Caso não tenha dados claros sobre as fontes de recursos, também acha que não é possível ter ideia de quando ou se haverá esgotamento do que é extraído. O aluno considera que a Estatística pode ser utilizada para facilitar o entendimento da necessária atitude da empresa em relação ao recurso utilizado. Na terceira entrevista considerou que a análise estatística é fundamental para ter base do que dizer e quais atitudes a empresa deve tomar. Sobre como agir ao constatar um impacto a partir do conhecimento estatístico, o aluno reforçou a importância dos dados estatísticos. Segundo o aluno, sem eles não se conseguem muitos avanços. Também manteve a 125 concepção de que o conhecimento estatístico serve à premeditação de ações e que os dados podem dar ideias do que fazer. O Aluno 4 lembrou da utilização da probabilidade para calcular a média de vida das pessoas. Em se tratando da utilização de Estatística para identificar influências exercidas pelos sistemas de produção sobre o ambiente, pensa que a plotagem dos dados e a verificação das frequências de repetições são importantes. No tratamento dos recursos escassos, destino final de resíduos e rejeitos, atentando para a exigência de sustentabilidade, vê que pode utilizar o conhecimento estatístico para proteger o ambiente. Os dados coletados hoje podem servir para projetar resultados futuros e, a partir disso, cuidar de diferentes tipos de recursos para que não se esgotem futuramente. Na terceira entrevista, considerou que para avaliar impactos e o uso de recursos escassos, pode usar a Estatística para aprimorar métodos de análise. O aluno partiu da ideia simples de que tratar da sustentabilidade é pensar no cuidado com o ambiente agora, objetivando assegurar a próxima geração. Pensa que, para tentar manter o que se tem agora, são necessárias pesquisas, que verifiquem se a qualidade de determinada situação é mantida, piora ou melhora. Para o aluno, a Estatística pode ser utilizada não apenas no ambiente fabril, mas em diversos estudos da sociedade e de problemas ambientais relativos à sustentabilidade e que a Engenharia de Métodos (EM), por exemplo, envolve a relação do trabalhador com ambiente e a segurança do trabalho. Se o ambiente não estiver adequado, afetará a saúde e o desempenho da função. O aluno observou que, na prática, os estudos desses temas podem aplicar os mesmos métodos de disciplinas da formação técnica. Inicialmente o Aluno 5 pensava que olhar a área social implica na capacidade de ver necessidades, exemplificando com o uso de dinheiro público. Segundo ele, essas verbas são utilizadas em construções e reformas que desperdiçam recursos públicos. Se as avaliações dos gastos fossem feitas mais eticamente, pensa que não se desperdiçariam recursos, e seriam canalizadas verbas para ações de melhoria do bem estar da sociedade. Atualmente, ele pensa que a Estatística pode ser utilizada para verificar a influência ao redor de um empreendimento. No caso de uma fábrica, quando ela é projetada, uma preocupação deveria ser a existência de mão de obra local próxima. Já em relação ao uso de recursos escassos, acha que isso tem simultaneamente as finalidades 126 social, econômica e ambiental, pois pode-se gastar menos ao reutilizar ou reciclar insumos. 4.6.1 Considerações e subcategorias Considerando que na pergunta 3 a palavra perfil representa uma categoria, temos a repetição das subcategorias aplicabilidade, controle e previsão. Na aplicabilidade, a Estatística foi percebida como instrumento para identificar e facilitar o entendimento sobre impactos. Mensurar foi associado a uma forma de expressar dados apurados em pesquisas e o resultado pode mostrar o local exato do destino de resíduos. Na subcategoria controle observa-se a necessidade de ter dados em mãos que comprovem consequências de atitudes, necessidade essa voltada para a tomada de providências que corrijam falhas. Emerge então outro aspecto: a análise estatística pode fundamentar o que dizer aos funcionários de uma empresa e justificar quais serão as atitudes assumidas. O conhecimento estatístico também foi considerado útil para verificar o funcionamento de sistemas. A previsão foi a terceira subcategoria de percepção encontrada para a análise estatística. Os alunos consideraram que a Estatística serve para prever o que acontecerá, considerando-se os dados do presente. São necessários dados claros sobre fontes de recursos para saber quando ou se haverá esgotamento. A Estatística também foi considerada importante para calcular a proporção de dejetos e resíduos suportados pelo ambiente. 4.7 Respostas à Pergunta 4 O documento da ABEPRO citado na pergunta anterior vê a necessidade de: ter capacidade de identificar, modelar e resolver problemas; ter a compreensão dos problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente; ter responsabilidade social e ambiental; “Pensar globalmente, agir localmente”; Você poderia dizer se a Estatística pode ser ligada a essas habilidades? Se sim: Como se dariam essas ligações? Se não: Por que você pensa que essas habilidades não têm ligações com o conhecimento estatístico? Por quê? 127 Nas duas primeiras entrevistas, o Aluno 1 lembrou que, em uma linha de produção, a modelagem estatística é essencial para prever falhas e acertos a serem feitos. Disse que o conhecimento estatístico deve ter ligações com a questão econômica, mas não percebeu aplicabilidade nos estudos da sociedade, considerando-o de fundo mais quantitativo. Afirmou que o que muda a sociedade são questões práticas e que calculando por meio de conceitos estatísticos, pode-se transformar objetos para a sociedade usar. A relação entre pensar globalmente e agir localmente é a transformação do pensamento geral para tratar uma amostra e uma ação pequena pode gerar impactos maiores. Pensa que a capacidade de identificar, modelar e resolver problemas tem a ver com o fato de desejar transformar, modelando para algo mais genérico. Sobre a questão da gestão administrativa, lembrou do problema de produzir objetos defeituosos, refletindo que primeiramente é necessário identificar os problemas, que podem ser ambientais, como no lançamento de dejetos na natureza e que é possível buscar soluções para diminuir as quantidades lançadas ou prever o valor máximo aceitável de lançamentos. O aluno pensa que transformar dados em informação significa que eles de forma geral não têm valor em si. Saber a altura média de uma população, por exemplo, serve para verificar se alguém é alto ou baixo em relação à média. Isso seria transformar dados em informação para poder avaliar algo. Na terceira entrevista, ainda não via aplicações das ferramentas estatísticas que aprendeu no estudo de questões sociais. Continua com a ideia de que é possível estudar determinadas questões usando diferentes instrumentos estatísticos. Exemplificou com a curva normal, que descreve tendências centrais como e dispersão de dados. Em sua primeira entrevista, o aluno 2 considerou que a capacidade de identificar, modelar e resolver problemas está ligada à possibilidade de identificá-los, mas que não é fácil modelar a resolução. Para ele, é possível identificar as informações fazendo mensurações e resolver o problema a partir de um estudo serve para identificar viabilidades. Também refletiu sobre problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente e pensa que podem ser associados às formas de mensurar. Além disso, é possível estudar a população por meio de dados, pois as formas de coleta e análise geram informações precisas para produzir relatórios de previsão de desdobramentos futuros. Ao invés de textos extensos, segundo ele é mais fácil apresentar os resultados das pesquisas na forma de dados, para ajudar a 128 compreensão de quem examina os relatórios. Também segundo o aluno, os dados estatísticos são úteis para estudar a responsabilidade social e ambiental e são ponto de partida para refletir sobre ambos. Considerou que “pensar globalmente, agir localmente”, tem ligações com a estatística, pois o panorama global pode ajudar a analisar as ações locais. O contexto global seria um guia para agir localmente, a partir dos dados. Nas ligações da Estatística com as habilidades citadas, ressaltou as formas de analisar a população e o ambiente, vendo a necessidade de mensurar e apresentar feedbacks. Percebeu ligações entre diferentes formas de analisar populações em determinados locais. Exemplificou com a introdução de um novo produto no mercado. Todas as informações sobre o meio servem para obter respostas às questões. Embora ressalte a importância dos dados estatísticos, afirmou que nada é produzido com total acerto e podem acontecer erros, pois as máquinas são factíveis de problemas. Disse que para relacionar essas partes é importante controlar a variação e, na verdade, deve-se ter tudo mensurado, identificando a margem de erro para contornar a dificuldade, caso algo saia do padrão. Na terceira entrevista, relatou que no estágio conseguiu entender como relacionar os problemas do setor e identificar soluções dentro do ambiente administrativo. A estatística ajuda a relacionar e obter as informações mais precisas, usadas para entender o que acontece no ambiente ou na sociedade. Considerou os problemas ambientais, sociais e administrativos parecidos, porque em todos os casos é necessário analisar tudo. Acha que a melhor forma de apresentar soluções é usando dados mensuráveis para compreender mais claramente ou melhor resolver um problema. Quando se procuram dados para obter relações fica mais fácil visualizar a solução e isso ajuda na compreensão e na busca de melhorias, pois, com informações e dados se consegue entender como o ambiente e a sociedade são afetados. Atualmente pensa que a modelagem é um método analítico e que um problema pode ter diversas causas e a Estatística ajuda a relacioná-las, obtendo informações mais precisas. O Aluno 3 tinha a ideia inicial de que, nesses pontos, são claros o uso da Estatística, mas não são apenas os conteúdos aprendidos no curso que ajudarão a identificar, modelar e resolver problemas. Segundo ele, pode-se conseguir modelar com o uso da Estatística e, caso ela não resolva, podem ser utilizados modelos matemáticos, incluindo equações diferencias e as derivadas parciais. Também que 129 se pode usar a Física e tudo isso estaria englobado nos recursos científicos. Porém, na sua opinião, é mais fácil usar a Estatística. Acha que a análise de problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente recai sobre a parte administrativa e que por meio de pesquisas em cada área é possível encontrar valores médios e números significativos que permitam compreender os fatos. Não viu com muita clareza ligações da responsabilidade social e ambiental com a Estatística. Não percebia como incluir a Estatística na análise de responsabilidade social e ambiental e sua posição ainda era essa na segunda entrevista. Sua ideia sobre pensar globalmente e agir localmente é a de que os dados globais servem como referência que direcione a ação local a partir da identificação de marcos. Continua com o pensamento de que não se pode lidar melhor com os problemas na ausência de dados. Sem eles, não se consegue tratar de problemas humanos, socioeconômicos, sociais, das Ciências Humanas e até mesmo a questão ambiental. Diz que se estuda melhor os problemas sociais quando se leva para o lado das análises estatísticas. Para o Aluno 4, a Estatística realmente pode servir para ampliar horizontes, facilitar a identificação e a resolução de problemas. Também considera necessário ter um bom raciocínio lógico e para ele a capacidade de modelar está ligada ao conhecimento estatístico. Ao falar sobre a compreensão de problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente, considerou o raciocínio lógico necessário aos trabalhos desenvolvidos com Estatística. A evolução do raciocínio facilita a leitura de textos e a compreensão de situações problema. Associou a responsabilidade social e ambiental à busca e coleta de dados que favoreçam desenvolver métodos para resolver problemas ambientais e a desigualdade social. Para o aluno, pensar globalmente e agir localmente com o envolvimento da Estatística foi considerada uma ideia difícil de associar e uma questão que não é fácil de responder. Perguntado como percebia o desenvolvimento do próprio raciocínio lógico, disse que os exemplos levados pela professora para a sala de aula colaboraram para tal. Lembrou dos exercícios que tratam de falhas na produção e da diminuição do total de defeitos do processo produtivo. Segundo ele, na fábrica ou em qualquer setor de trabalho, a Estatística é tem uma presença marcante. Não ter conhecimento aprofundado prejudica perceber o que é a Estatística, pois não se trata de uma Ciência que trabalha apenas com gráfico e representações correlatas, 130 ela envolve cálculos e utiliza muitas fórmulas, cada uma delas com aplicação específica. Também considera a Estatística presente em aplicações diversificadas, pois atualmente tudo demanda pesquisa e análise de dados para fazer previsões, resolver e analisar situações. Classificou a Estatística II uma disciplina de análise e a Estatística 1 ligada aos cálculos. Na terceira entrevista, o aluno lembrou que estudou a função do trabalhador, a segurança individual e o ambiente. Se este não estiver adequado, afetará diretamente a saúde do trabalhador, mas ainda existem indústrias que não seguem esse preceito, porque o custo de produção aumentará. Diz que o mesmo ocorre em relação aos problemas ambientais e que a Estatística pode se envolver em estudos econômicos e sociais, com objetivo de manter a produtividade do país e, ao mesmo tempo, cuidar do ambiente e das pessoas. Na disciplina de GQ, lembrou ter utilizado a Estatística para identificar e resolver problemas. A parte gráfica ajudou a analisar as situações. Para o Aluno 5, as ligações existem quando, ao fazer medições, obtém-se parâmetros e dados estatísticos. Portanto, a Estatística ajudaria a identificar o que deve ser melhorado e mostrar pontos específicos de perda e de variação. Inicialmente não via ligações entre a compreensão de problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente com o conhecimento estatístico. O que se consegue é pontuar os problemas para tentar resolvê-los. Em relação às situações problema, disse que podem ocorrer dois casos: não conseguir identificar o problema a ser resolvido, ou saber do que se trata, mas não identificar as quantidades envolvidas na resolução. A Estatística ajuda a pessoa que a conhecem a conseguir algum dado, por mais aproximado que seja, para encontrar as soluções. Tomou como exemplo a quantidade de peças perdidas na produção e o que fazer para diminuir as perdas. A partir do momento em que se começa a medir e controlar é possível verificar se o sucesso realmente foi alcançado. Considera que os problemas administrativos são resolvidos utilizando a Matemática, pois ela possibilita entender melhor o ocorre e de que forma os fatos se desenrolam. A partir daí, pode-se pontuar o que ocorre e quantificar de forma exata (ou bem próxima) para tomar decisões. Na sua concepção, as questões matemáticas são ligadas diretamente aos problemas administrativos, pois, para administrar de forma correta, são necessários dados precisos e que é impossível administrar sem informação e dados relativos à capacidade que pode ser usada. Apontou a necessidade das mensurações 131 permanentes e que a quantificação é importante e essencial para o sucesso de uma empreitada. Na concepção do aluno, pensar globalmente e agir localmente é uma questão ligada à percepção de tudo o que acontece ao redor e que determinadas decisões não podem ser tomadas apenas considerando dados de um ambiente específico ou de uma situação restrita. O aluno afirmou que a boa solução para um caso, pode não servir para outro e que conhecer o global é buscar o conhecimento do que acontece ao redor, identificar os pontos positivos, levando aquilo para o cotidiano da empresa. Na terceira entrevista, o aluno considerou que na verdade, na hora de buscar a melhoria, a definição do problema é muito importante, pois muitas vezes basta resolver algo minúsculo e que afeta a cadeia de produção. 4.7.1 Considerações e subcategorias Considerando que na pergunta 4 a palavra necessidade enquadra uma categoria, temos a repetição de aplicabilidade, controle, pensamento fragmentado, previsão e repasse e comunicação de dados e informações. Emergiram agora 2 novas subcategorias: desenvolvimento de habilidades e mensuração. Desta vez a subcategoria aplicabilidade caracteriza-se pela compreensão de que a Estatística é instrumento para modelar e resolver problemas, analisar panoramas globais, buscar dados para desenvolver responsabilidade ambiental e social, além de apoiar a administração. Por meio da Estatística consegue-se mensurar, identificar informações, resolver problemas e identificar viabilidades. Também pode identificar, modelar e resolver problemas quando se transforma e modela algo particular de forma generalizada. Com dados globais é possível estudar possibilidades de ação e a análise do contexto global pode guiar ações locais. Existem decisões que não podem ser tomadas apenas considerando dados restritos. A reponsabilidade social e ambiental foi associada à coleta de dados para diminuir impactos ambientais e de desigualdades sociais. Encontrar valores e números significativos melhora a compreensão dos fatos. A administração correta necessita de dados precisos e é impossível administrar sem informações e dados. 132 Na subcategoria controle estão o levantamento de falhas e erros, para identificar pontos de perdas e diminuir a incidência desses eventos. Também foi associada à melhoria da qualidade de processos e à essência de instrumento de controle e medição. Tudo deve ser mensurado, identificando margens de erro para controlar padrões. A Estatística ajuda a identificar problemas que, resolvidos, diminuem erros dentro das empresas. Medições e controles possibilitam melhorar processos e verificar se o sucesso foi alcançado. Dessa forma, a Estatística é essencialmente um instrumento de controle e de medição, que permite identificar e controlar a partir de dados globais. Estes servem de referência para a ação local, identificação de marcos e direcionamento de ações. A subcategoria desenvolvimento de habilidades contempla as seguintes percepções: para identificar um problema é necessário ter raciocínio lógico desenvolvido; a Estatística pode ampliar horizontes e facilitar a identificação do problema real que se deve resolver; o conhecimento estatístico também desenvolve a capacidade de modelar. Inicialmente, a subcategoria mensuração está ligada à necessidade permanente de mensurações, o que significa apresentar informações para traçar cenários futuros. Isso se aplica tanto na análise da população e do meio quanto na gerência de uma fábrica e à previsão de impacto ambiental gerado por uma empresa. Aplicações da Estatística em estudos da sociedade foram associadas com a indústria e a necessidade de previsão. A previsão foi uma subcategoria caracterizada pela capacidade de descrever situações futuras, ligadas a influências da atividade industrial sobre a sociedade. Previsão foi associada a antecipação de demandas, de erros e ao controle de qualidade. Além disso, existe a possibilidade da Estatística prever valores máximos de elementos poluentes que podem ser liberados no ambiente. O repasse de informações e dados é a subcategoria em que se incluiu as seguintes concepções: instrumento de coleta e análise de dados para gerar informações; dados como elementos facilitadores de compreensão; ponto de partida para análises; necessidade de feedbacks; análise de populações; obtenção de informações sobre determinado meio; obter parâmetros e dados informados 133 estatisticamente; tratar de amostras para que ações pequenas possam gerar resultados maiores. Finalmente, a subcategoria pensamento fragmentado reúne concepções sobre a impossibilidade de articular a Estatística aos elementos da pergunta 4. São exemplos: não relacionar a Estatística à compreensão de problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente; não perceber claramente articulações entre conhecimento estatístico e análise de responsabilidade social e ambiental; aceitar ligações da Estatística com a Economia, mas não ver aplicabilidade em relação ao estudo da sociedade; associar a resolução de problemas administrativos à Matemática e não à Estatística; não ver como demandas sociais podem ser estudadas quantitativamente. 4.8 Respostas à Pergunta 5 Você vê ligações entre o conteúdo de Estatística estudado, demandas sociais e posicionamento político nos elementos citados nas perguntas anteriores (posicionamento político, mas não partidário)? O Aluno 1 viu as ligações entre Estatística e os estudos citados na pergunta. Também considerou possível extrair informações do contexto social por meio de pesquisas estatísticas. Acha que a influência política ocorre ao querer influenciar mudanças e que isso se relaciona à liderança e não a questões partidárias. Diz que nesse quadro está o aperfeiçoamento da produção para tornar algo melhor para as pessoas. Ao pedir que explicasse melhor o que considera comportamento médio e sua importância, disse que a média, de forma geral, não dá relevância aos extremos e que desconsiderando-os, o raciocínio volta-se para valores médios e, portanto, esse o comportamento não diz respeito a extemos. O conceito de demanda na terceira entrevista foi associada à previsão de vendas futuras e comportamentos sazonais, cálculo de erro e CEQ. Voltou a tocar no mundo dos físicos, ainda considerando que seus problemas fogem à realidade social. O Aluno 2 inicialmente percebia que os acontecimentos no meio político refletem sobre o meio social e a apuração de dados serve para mostrar como isso acontece. Segundo o aluno, estudos estatísticos podem apresentar a evolução do 134 meio político e orientar ações a partir dos dados obtidos. Acha que ao analisar o meio ambiente é possível aplicar muito mais os dados do que na política. Mesmo que se obtenham dados que geram informações, o meio político não os utiliza como poderia. A ligação com a Estatística seria mostrar como o meio político evolui e também identificar como as pessoas veem o que mudou de um período a outro. Na terceira entrevista, o aluno manteve a percepção que o posicionamento político relaciona-se ao conhecimento das informações para constatar e entender tendências em época de eleição. Além disso, acha que as pesquisas podem ser empregadas para verificar se a sociedade enxerga os fatos de uma forma ou se deixa influenciar pelas informações passadas. Diz que sobre as demandas mais exigidas socialmente, por meio de estudos é possível supri-las e satisfazer as maiores necessidades. Inicialmente o Aluno 3 considerou que é possível retirar informações do contexto social. Apesar de não ver ligação clara da Estatística com demandas sociais e o posicionamento político, sua ideia era a de que se pode transformar dados em informações e concluir a respeito desses temas. Comentando sobre o fato de não perceber ligações entre eles os elementos da pergunta, disse que não pegou nada no ar. Não negou que não possam existir tais relações e considerou a falta de percepção um problema pessoal. Na terceira entrevista não expôs seu ponto de vista sobre as ligações com o posicionamento político nem se posicionou em relação às demandas sociais. Para o Aluno 4, o caráter político corresponde às promessas dos candidatos. Apresentou como exemplo voltado para o atendimento de demandas sociais colocação em prática projetos para erradicar a pobreza, pois eles podem iniciar com a obtenção de dados sobre quantidade de pessoas pobres. Então, a partir do levantamento, ações devem ser planejadas para diminuir a pobreza e acha que depois de iniciado o projeto é necessário realizar outra pesquisa utilizando diferentes abordagens estatísticas, para ver se o problema foi resolvido. Sua concepção ainda é a de um universo político repleto de erros e corrupção. Não soube opinar a respeito de articulações entre Estatística, demandas sociais e posicionamento político, mas pensa que as decisões não são tomadas a partir dos dados existentes. Sobre a compreensão de demandas sociais por meio da Estatística, disse que a leitura dos gráficos ajuda a compreender os dados de uma pesquisa. 135 O Aluno 5 percebia ligações entre o conteúdo de Estatística com as demandas sociais e o posicionamento político. Sua justificativa foi que, quando se conhece uma área, por mais superficial que seja o conhecimento, os horizontes podem ser expandidos. Saber Estatística permite identificar diferentes elementos do meio e, a partir do seu uso, é possível manipular dados a favor de uma opinião. Quando se sabe que informações podem ser obtidas a partir de dados manipulados, conhecer Estatística permite buscar as intenções e a verdade por trás de atos e fatos. Acha que a Matemática permite levantar dados, informações e é instrumento de medição. No caso da Estatística o conhecimento pode ajudar a entender de fatos cotidianos. Considera que a maioria da população não entende determinados procedimentos estatísticos e não percebe manipulações e que dados econômicos e sociais podem ser manipulados para passar a ideia de crescimento, mas apenas do ponto de vista de quem os prepara para apresentar ao público. Pensa que usando conhecimento estatístico é possível, de acordo com a real intenção, manipular dados de diferentes formas e mostrar se eles devem ser considerados positivos, ou negativos (ou apresentar da melhor forma para que a mesma informação aparente ter forma negativa ou positiva). Na terceira entrevista, novamente associou o estudo de demandas sociais e posicionamento político com manipulação de dados para chegar a resultados favoráveis. Citou um erro na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada pelo IBGE em setembro. Isso o deixou desconfiado em relação à honestidade dos dados, embora o Instituto goze de credibilidade. 4.8.1 Considerações e subcategorias Considerando que na pergunta 5 a palavra ligações enquadre uma categoria, temos a repetição da aplicabilidade, da manipulação de dados, da mensuração, do pensamento fragmentado e do desenvolvimento de habilidades. Emergiu uma nova subcategoria: exatidão. A subcategoria aplicabilidade apresenta as percepções da Estatística aplicada na análise de dados para realizar mudanças, direcionar decisões práticas e apresentar a evolução do meio político. Informações resultantes de estudos sobre o ambiente podem guiar decisões. Também servem para iniciar a implantação de projetos e, posteriormente, avaliá-los. 136 O desenvolvimento de habilidades é uma subcategoria que inclui a percepção de que o conhecimento estatístico amplia horizontes intelectuais. A Estatística também foi associada à identificação de diferentes elementos do meio e ajuda a entender fatos cotidianos. A subcategoria mensuração apresenta a Estatística na qualidade de instrumento que possibilita medir para, a partir dos resultados, atender às necessidades. Na subcategoria exatidão, temos o conhecimento estatístico percebido como elemento de medições possíveis que fornece resultados precisos. Manipulação de dados é uma subcategoria que agrega as seguintes concepções: a Estatística possibilita manipular dados a favor de uma opinião; os dados podem influenciar positiva ou negativamente a opinião da sociedade; conhecer estatística permite saber se os dados foram manipulados; maioria da população a população desconhece a Estatística e não percebe manipulações; existe intencionalidade na manipulação dos dados e os governantes interpretam os resultados de acordo com conveniências. A subcategoria pensamento fragmentado aglutinou as percepções de que o conhecimento estatístico não se articula a diferentes análises, entre elas a do posicionamento político e de fenômenos associados a esse universo. Ao contrário do que ocorre com a política, o meio ambiente é passível de estudos estatísticos. Apesar de não perceber ligações claras da Estatística com estudos de demanda social e posicionamento político, os dados podem informar sobre os temas da pergunta. Não ver ligações entre os elementos da pergunta pode ser uma falha do próprio raciocínio individual. 4.9 Respostas à Pergunta 6 Até o presente momento, em relação à sua formação em Engenharia de Produção, que temas da Estatística foram mais significativos para você? Você pode explicar por que? 137 Na primeira e segunda entrevistas, o Aluno 1 citou a média, pois, para ele, o comportamento médio diz muita coisa. Esse destaque deve-se à falta de praticidade da EP trabalhar com dados extremos porque oscilações bruscas não dizem muito sobre eventos pontuais. Segundo o aluno, a influência deles, ou a sua probabilidade, é pequena e saber onde há maior concentração facilita o trabalho. A curva normal, que descreve o comportamento de uma variável mostra onde os dados estão mais centrados (com maior possibilidade) de ocorrer e por isso é importante, ao contrário da moda. Uma expressão muito utilizada pelo aluno durante as entrevistas foi “transformar dados incertos em algo provável, transformar nada em talvez”. Ele inicialmente percebia na Estatística um instrumento capaz de lidar com o aleatório, mas sem muito significado e não muito representativo. A Estatística transformaria valores pequenos (ou várias oscilações incertas) em algo que talvez acontecesse. Essa foi a explicação de tomar um dado não muito representativo e transformá-lo em informação, o talvez. Falando da sua mudança de visão inicial sobre a Estatística, relatou que ao entrar no Nível Superior ela era muito restrita ao conteúdo do Ensino Médio. Ao entrar no Ensino Superior, saiu de um ambiente teórico, no qual era suficiente conhecer superficialmente os conceitos para aplicá-los. No início da graduação, continuou um pouco da visão anterior, quando estudou moda, média e variância e o desvio padrão, conceitos que não foram tratados em diferentes aplicações (sempre em situações simples). Para ele, é difícil encontrar problemas simples em contextos globais, pois surgem situações complexas. Também considera a Estatística muito mais real, pois no mundo nada é exato. Via cálculos exatos por trás das teorias estatísticas, apesar das aplicações não fornecerem resultados exatos. Pensa que na verdade existem possibilidades ou probabilidades de resultados e que a Estatística é mais concreta por tratar de algo que pode acontecer. O Cálculo, por exemplo, é uma Ciência que trata de objetos reais e, por meio dos cálculos, seria possível descobrir resultados que têm existência real. A expressão “nada é tão certo quanto o Cálculo18 no mundo”, significa que, de forma geral, ele considera que em toda disciplina de existe um resultado considerado verdadeiro. Na Estatística diz-se que é possível que seja. Nesse sentido, compara as probabilidades com a exatidão atribuída ao Cálculo. Não percebe muita aplicabilidade do Cálculo de derivadas e de integrais no mundo ao seu redor, referindo-se a este como um 18 Entenda-se por Cálculo, com “C” maiúsculo, o Cálculo Diferencial e Integral. 138 mundo aplicável e coloca o trabalho dos físicos fora do mundo prático, que é ocupado por diferentes grupos sociais. Na terceira entrevista ainda considerava a média importante para a EP, juntamente com a curva normal. Diz o mais importante no desvio padrão é a possibilidade de ver como os dados se dispersam em relação ao comportamento normal. No período que se encerrava, estudou uma disciplina relacionada ao conhecimento estatístico: Controle de Qualidade (CQ), que utiliza a curva normal e temas correlatos. Também cursou EM, que trabalha com o conceito de tempo padrão, utiliza os conceitos de média, desvio padrão e o escore z. Em GQ, utilizou com os conceitos de dispersão e comportamento normal de defeitos, por intermédio de ferramentas estatísticas. Também estudou o investimento e risco de aplicações na bolsa de valores com a partir de modelos estatísticos. Considerou que falta abordar mais aplicações da Estatística, o que influenciou sua concepção de Engenharia como um curso no qual as disciplinas não estão ligadas, qualificando-as como “disciplinas solitárias”. Em meio à solidão, alguns alunos percebem que os temas podem ser articulados, mas os professores não sabem como fazer isso. Citou a Previsão de Demanda que utiliza o Cálculo de Regressão e o Cálculo Numérico, mas que a professora desta disciplina não relacionou os conteúdos com a Previsão de Demanda. Também percebeu, a partir da forma que os conteúdos foram ensinados, que não há comunicação entre os professores. Disso resultou uma abordagem superficial dos tópicos em relação às necessidades da EP. Em PCP usou várias fórmulas e não compreendeu bem a associação dos resultados com desenho do gráfico e a dispersão dos dados. Declarou ter chegado a pensar que o ideal seria os professores especialistas da Engenharia lecionarem as disciplinas de Matemática e Estatística, mas reconsiderou a ideia, pois seria difícil. Diz que os matemáticos têm melhor conhecimento desses temas e que seria necessário reunir todos os professores para decidir novos rumos para o curso. Os que lecionam disciplinas técnicas deveriam apresentar seus objetivos e os conteúdos que abordam. Além da solidão, o aluno diz que ocorreram casos em que os conteúdos foram repetidos por professores de disciplinas diferentes. A falta de aplicabilidade das disciplinas básicas foi o problema considerado mais grave pelo aluno, resolvido em parte pelo professor de Mecânica dos Fluidos (MF), pois ele relacionou a aplicação dos conteúdos à EP. Solicitou que os alunos pesquisassem artigos relacionados às aplicações práticas ou procurassem problemas usualmente enfrentados nas empresas onde estagiavam. A experiência foi considerada bem 139 sucedida. Os grupos de trabalho encontraram diversas situações e relacionaram a Física da MF com fatos da EP. Entre os temas da Estatística que foram mais significativos, o Aluno 2 destacou a Probabilidade e a Estatística II e disse que a importância dos temas decorre do fato de ajudar a entender a demanda a partir das informações disponíveis. A parte conceitual e as informações básicas da Estatística 1 passaram a ter mais aplicações e importância, contribuindo para compreender as análises amostral e populacional. O aluno não poderia afirmar se os resultados estatísticos constituem-se em verdades absolutas, pois as respostas dependem do ambiente estudado. As análises de Probabilidade, Demanda, População e do Ambiente foram partes que mais interessaram e consideradas mais úteis para o aluno . Na terceira entrevista, os cálculos de desvios, histogramas e curvas de demanda foram citados como significativos e tópicos com mais aplicações na EP. Os cálculos de desvios, os histogramas e as curvas de demanda foram utilizados na Inspeção da Qualidade (IQ). Diz que nessa disciplina é importante relacionar a qualidade de um produto aos seus limites e padrões. Sua percepção sobre o papel da Estatística na EP mudou desde a primeira entrevista. Para ele, com a articulação de saberes frente a outras disciplinas e a integração de estudos, a aplicação do conhecimento estatístico foi melhor compreendida. Constatou a necessidade desse conhecimento para a EP e que isso facilita a compreensão de conceitos. Quando entrevistado pela primeira vez, imediatamente o Aluno 3 lembrou-se de média, variância e desvio padrão, classificando-os como conceitos bastante úteis. Os conteúdos de Estatística II e as análises gráficas e de Probabilidades também foram considerados. Todos os gráficos têm utilidade e, dependendo da situação, não é possível afirmar qual deles é melhor que o outro. De forma geral, todos os conteúdos de Estatística são úteis para a EP. Utilizando a Análise Estatística e a Probabilidade, por exemplo, é possível estudar mercados futuros. O valor médio é importante porque norteia a produção e a variância foi lembrada como instrumento para calcular variações da produção. Na terceira entrevista, o aluno cursava CEQ e muitas aplicações da Estatística foram despercebidas. Usualmente o professor de uma disciplina técnica não avisa que trabalha com Análise Estatística e ela foi importante para estudar previsão de demanda. Além das disciplinas citadas, considera a Estatística aplicável em outros campos, tais como a pesquisa de 140 mercado e a análise da quantidade de defeitos. Discutindo sobre a pouca carga horária de Estatística nas engenharias, confirmou a opinião do Aluno 1: seria uma boa opção aumentar o número de aulas, porque se trata de disciplina muito importante em todos os momentos das vidas acadêmica e profissional. Para ele, a Estatística usualmente ensinada nos cursos de Engenharia não é deficiente, mas a modalidade Multivariada, por exemplo, é pouco discutida. O aluno não percebeu diferenças entre as aplicações internas da Estatística e as realizadas por outras disciplinas. Para ele, trata-se exatamente do mesmo conteúdo, com a diferença da abordagem do professor. Considera normal ensinar Estatística separada de outras disciplinas, pois cada um observa o conhecimento de uma forma. O professor de PCP, por exemplo, foi mais técnico, ao passo que a professora de Estatística tinha uma visão mais teórica sobre os mesmos temas. Ao estudar a curva normal na Estatística o aluno aprendeu a lidar com a Probabilidade e conceitos afins. Essa curva foi tratada em PCP de forma idêntica à da Estatística, apenas levando para o lado mais aplicado. Também citou o exemplo da fábrica de parafusos e a previsão de demanda, que também pode ser aplicada ao estudo de algum tipo de câncer. A alteração profunda sentida foi ver aplicações da Estatística e perceber a utilidade de cada resultado. O aluno 4 considerou que se desenvolveu melhor em relação à leitura de textos e aplicação dos conteúdos. Destacou a importância da leitura do texto, a identificação do problema a partir dos dados fornecidos e a aplicação das fórmulas. Relatou que inicialmente conhecia apenas a parte considerada básica. Quando cursou Estatística II passou a fazer análises e, com isso, entende melhor as diferentes situações propostas pela professora. Também retornou ao exemplo da produção de parafusos e o cálculo da probabilidade de encontrar um elemento defeituoso. O objetivo dessa aplicação é diminuir a margem de erro da produção e estipular um plano para melhorá-la. Sobre as articulações da Estatística com a Economia, afirmou que o Brasil tem muitas chances de melhorar e voltou ao tema corrupção. Seria necessário usar a Estatística para alterar o cenário de investimentos e melhor aplicar o dinheiro. Mencionou o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), comentando que os gráficos divulgados mostram o quanto ele cresce e a Estatística é muito importante para estudar o tema. Na época das primeiras entrevistas, disse que seu conhecimento de Economia, disciplina cursada no 141 momento, era precário. Aplicou o teste da hipótese nula em Econometria e percebeu elos entre a disciplina e a Estatística. Na terceira entrevista, comentou que em GQ utilizou a tabela de frequência e os gráficos em geral, além dos conceitos de mediana, variância e desvio padrão. Não lembrou de outros temas, alegando falta de uso. Desde de o início do curso, a cada dia seu conhecimento aumenta e vê novos significados quando as disciplinas técnicas aplicam os conceitos de Estatística. Percebe grande articulação desta disciplina com as demais e ressaltou que ela é necessária nos estudos de Logística. Se for necessário escrever uma comunicação científica, ou mesmo ao trabalhar na linha de produção, considera que a Estatística estará presente. Nos próprios artigos que escreveu, apresentou os dados por meio dos gráficos, tanto para desenvolver o trabalho, quanto para explicar os procedimentos usados. Quando entrevistado pela primeira vez, o Aluno 5 lembrou que foi reprovado em Estatística 1 e estudou somente os conceitos básicos. O que ficou da disciplina relaciona-se a métodos para medir, obter conclusões e calcular aproximações. Percebia a Matemática exata; a Estatística, nem tanto. O conhecimento estatístico ajuda a desenvolver noções de como medir e calcular aproximações e clareia a visão a respeito de determinada situação. Não pode pontuar questões da Estatística II, pelo fato de não frequentar as aulas e estar desinformado sobre o assunto. Porém, continuava com a ideia de que essencialmente a Estatística não é uma Ciência exata como a Matemática, porque apenas fornece proximidades com grande chance de ocorrer. Mesmo não voltando a cursar Estatística, o que ficou de mais significativo na memória é que seus métodos e medições podem ser utilizados para tirar conclusões e, dependendo da situação, estarão sempre atreladas a uma medida. Considera mais simples os conceitos média, moda e mediana, permanecendo a concepção de que Matemática é exata e, a Estatística, não. Disse que se aprende a ter essa ideia, pois a Matemática sempre vai trabalhar com o todo e a Estatística usa mais a margem de erro, o que não ocorre na outra Ciência. A Estatística e seus processos estão sujeitos a oscilações, mas isso não significa que os dados estejam errados e sempre há margem de erro. 142 4.9.1 Considerações e subcategorias Considerando que na pergunta 6 a palavra significativo enquadre uma categoria, temos o a repetição das subcategorias aplicabilidade, mensuração, previsão e desenvolvimento de habilidades. Emergiram 4 novas subcategorias: complexidade, modificação de comportamento, relatividade e relevância. Começando pela subcategoria aplicabilidade, na pergunta 5 ela foi caracterizada por diferentes concepções do termo. Primeiramente, ao entrar no Ensino Superior o aluno deixa um ambiente em que é suficiente conhecer os conceitos básicos e imediatamente aplicá-los, não percebendo aplicabilidades da Estatística. Porém, conforme o andamento do curso, passa a notar que os conceitos são muito mais aplicados e todos os conteúdos passam a ser considerados úteis para a EP, incluindo as análises gráficas e as probabilidades. Com isso, o Cálculo perde a imagem de instrumento fundamental da Engenharia, apesar de suas aplicações aos objetos reais. As aplicações da Estatística também podem ser vistas a partir de uma hierarquia que o aluno elabora ao longo dos semestres letivos. Média, variância e desvio padrão são considerados extremamente úteis, pois valores médios norteiam a produção. A variância é instrumento para registrar e tentar modificar um comportamento mal visto na produção: as variações do que é produzido, pois não é viável a indústria trabalhar extremos. Análise de probabilidade, demanda, população e ambientes passam a ter maior interesse pela utilidade, que é basicamente controlar, planejar e melhorar a produção. O cálculo de probabilidades torna-se um instrumento de prospecção de falhas. Mensuração é uma subcategoria na qual encontramos percepções para a Estatística como instrumento associado a aplicações e controle. Métodos foram compreendidos como úteis para medir, tirar conclusões e encontrar aproximações e a variância passa a objeto que qualifica o grau de uniformidade desejado. Ficou a ideia da importância de aprender as análises amostral e populacional para mensurar e obter dados para controlar situações. Passando à subcategoria previsão, incluímos aí a percepção que o aluno tem da Estatística e da Probabilidade como instrumentos de análise que lhes 143 assegurem a respeito do que está por ocorrer. É importante conhecer probabilidades ou resultados possíveis para enxergar demandas e analisar mercados futuros. Uma característica da subcategoria complexidade é a percepção da extrema dificuldade de encontrar as situações simplificadas de aula em aplicações reais. Estas têm caráter de análise global de contextos e não admitem soluções fragmentadas. A ideia expressa por solidão das disciplinas é um indício de que o indivíduo percebe a sua formação realizada com o estudo de diversas disciplinas isoladas, mas que na realidade deveriam ser apresentadas articuladamente. Na subcategoria desenvolvimento de habilidades agrupam-se a necessidade da leitura para compreender contextos, desenvolver o pensamento estatístico e melhor aplicar conceitos. Assim, a Estatística ajuda a desenvolver noções sobre a importância das medidas e cálculos que permitem compreender diferentes situações. A partir do momento em que a Estatística passa a ser percebida de forma diferente daquela do início do curso, temos a mudança de comportamento. Essa subcategoria caracteriza-se pela compreensão de que a própria postura do aluno modifica ao longo do tempo. Se no início ele via a Estatística como aleatória ou sem representatividade, postura ligada ao Ensino Médio, a entrada em outro ambiente de estudos de Estatística possibilita que ele perceba a necessidade de ir além de saber conceitos básicos e manejar uma calculadora. A relevância é a próxima subcategoria e trata da percepção que o aluno tem da importância de diferentes tópicos da Estatística. Primeiramente ela pode ser considerada mais concreta, porque trata de fatos que podem acontecer e sua importância reside em ajudar concluir sobre demandas, por exemplo. A partir daí, não basta saber calcular se as aplicações não resultarem em padrões considerados verdadeiros. A média tem maior significado porque representa comportamentos gerais, mais necessários à indústria. Nesse caso, a curva normal ganha relevância, pois por seu intermédio pode-se verificar concentrações de resultados mais prováveis e o comportamento central. Relatividade é a subcategoria na qual foram classificadas as percepções relacionadas ao alcance do conhecimento estatístico. Por exemplo, a 144 impossibilidade de afirmar se o que é obtido pela Estatística é verdade absoluta. O conhecimento estatístico não é tratado como algo essencialmente exato, atribuindose à Matemática a segurança que a outra Ciência não traduz. Por outro lado, isso pode aproximar a Estatística de um estudo da realidade, pois o mundo concreto não é nem apresenta apenas resultados exatos. 4.10 Respostas à Pergunta 7 Você gostaria de acrescentar alguma coisa? Ou fazer comentários/considerações? Na parte final da primeira entrevista, quando perguntado se gostaria de acrescentar algum comentário ou considerações, o Aluno 1 disse que, ao entrar para a graduação, questionou-se qual seria a utilidade da Estatística. Depois de estudar Probabilidades, percebeu que determinar a região de probabilidade é importante para delimitar esforços. Saber se algo é mais provável e útil para agir e delimitar regiões de Probabilidade mostra a importância da Estatística na elaboração de planos de ação. Na segunda entrevista disse que sua percepção sobre o conhecimento estatístico modificou ao cursar Estatística 1. Isso foi consolidado em Estatística II, quando estudou Probabilidade e Curva Normal. Se antes não percebia utilidade para a Estatística, agora considera importante aumentar a carga horária da disciplina, porque ela é mais real que o Cálculo. Também considerou que, pela pequena carga horária, principalmente em Estatística II, foi necessário passar superficialmente pelos tópicos e sem aproveitar plenamente o que a disciplina pode fornecer. Na terceira entrevista, tocou na necessidade das disciplinas serem úteis para o engenheiro, pois ao cursar disciplinas da área técnica verificou a importância da Estatística. Teorias relacionadas ao planejamento e ao controle de qualidade baseiam-se em algumas ferramentas estatísticas. Sobre as aplicações da Matemática, relatou que há disciplinas humanísticas teóricas, relacionadas à leitura de textos mais específicos, que podem ser ensinadas por si só. Lembrando de diversos temas aplicados, voltou à curva normal. Também citou a Análise de Pareto, que usa um gráfico de barras que representa os problemas significativos da linha de produção. Todas as ferramentas da Estatística auxiliam e são fundamentais. Sem elas, por exemplo, a GQ não seria o que é hoje. Também voltou ao Cálculo Numérico, cujas relações com a EP foi perceber depois de cursar outra disciplina. Ao 145 fim da terceira entrevista voltou a afirmar que, para o seu curso, a Estatística é mais importante que o Cálculo. Nas primeiras entrevistas, o Aluno 2 disse que não enxergava muitas aplicações da Estatística, apesar de considerar toda informação válida. Faltava entender mais a utilidade daquilo que aprendia. Depois de pesquisar a respeito, percebeu mais usos da Estatística do que inicialmente imaginou. A mudança de ponto de vista sobre a Estatística ocorreu com o andamento das disciplinas. Entre as Estatísticas 1 e 2 conheceu mais aplicações e exemplos de como mensurar dados quantitativos. No decorrer do curso eles serviram para identificar a utilidade do conhecimento estatístico. Passou a ver contribuições e a presença da Estatística em todos os pontos que estuda, entende que agora é necessário ter dados para tudo e tudo tem que ser analisado. Afirmou que ter informações também serve para direcionar a parte humanística. Apresentou o exemplo de uma fábrica: analisar o produto final, se está de acordo com os padrões e qual a margem de erro. Nos ambientes em que se deve desenvolver análises, é possível obter informações numéricas e dados que serão tratados estatisticamente. Não necessariamente tudo tem dados, mas deve-se tentar obtê-los na maior quantidade possível. Na segunda entrevista retornou à sua explicação sobre a parte humanística e disse que se expressou de maneira errada no primeiro encontro. A relação ocorre da seguinte forma: verificar como um produto é aceito no mercado e qual o reflexo da sua presença. A veracidade de uma pesquisa depende do tamanho da amostra em relação ao ambiente. Quanto maior, mais veracidade. Não se pode analisar um ambiente muito grande a partir de uma amostra insignificante, devendo existir uma proporção significativa. Na terceira entrevista, disse que a Estatística faz mais sentido agora. No início o conteúdo era simples e não foi aplicado de maneira que o aluno considerou efetiva. Fazendo mais estudos práticos é possível encontrar mais utilidade e as informações fazem sentido para quem as utiliza. Hoje sabe mais porque aplica o que aprendeu em Estatística. No início, deveria ser mais informado como as disciplinas são articuladas. Pensa que a turma aprendeu Estatística e viu exemplos teóricos, mas não as aplicações práticas que realmente a relacionasse com outras disciplinas. O Aluno 3 não acrescentou qualquer coisa além do que foi perguntado nas duas primeiras entrevistas, mas comentou sobre aplicações de instrumentos 146 eletrônicos na terceira. Disse que seria bom incluir o uso de softwares no ensino de Estatística. Admitiu que não os conhece, mas crê que eles existam, pois hoje em dia as rotinas empregam muitas tecnologias e, dessa forma, é necessário aprender a lidar com instrumentos que facilitarão o trabalho. Pensa que dificilmente depois de formado alguém fará cálculos manualmente. Citou o Microsoft Excel que é conhecido e que ajuda executar tarefas de Estatística. Acha também que se existem ferramentas facilitadoras é importante aprender a usar, principalmente nos cálculos e na análise dos dados. Na coleta deles, não soube dizer se há utilidade. Acha que com uma planilha é possível manipular os dados com maior facilidade e eles estão disponíveis, o procedimento é diferente de usar uma calculadora. Pensa que essas aplicações podem facilitar a pesquisa para saber se o tamanho de amostra é suficiente ou não. Porém, nada disso é utilizado na graduação. Existem softwares que o aluno desconhece, apesar de saber que eles são mais potentes que o MS Excel. Acha que tudo poderia ser usado, inclusive, para facilitar a ação da professora, pois gráficos desenhados manualmente não ficam exatamente como deveriam ser. Lembrou de um professor de Cálculo, que usava um programa para plotar gráficos e mostrar como eles poderiam ser. Sua percepção da Estatística continua a mesma desde que começou a estudá-la. O Aluno 4 acrescentou ao fim da primeira entrevista que está feliz com sua situação estudantil. Disse que certamente necessitará da Estatística no futuro, tanto ao elaborar o trabalho de conclusão de curso quanto na atuação profissional. Reafirmou que sem a Estatística é difícil resolver situações das Engenharias. Se for trabalhar na área conhecida como o chão de fábrica, (diretamente ligada à produção), é necessário conhecer Estatística para identificar desperdícios e coletar dados com objetivo de organizar a produção. Na segunda entrevista lembrou que, da Estatística, usava média, somatório, tabela e aplicava esses dados no cálculo do erro na produção. Desde a primeira entrevista, disse que aprendeu mais tópicos de Estatística, como no caso do teste de hipótese, aplicado em um trabalho de Economia. Constatou ainda que não sabia com profundidade para que serve, mas conseguiu explicar razoavelmente o contexto dos cálculos. Agora adquiriu mais firmeza para tratar do tema e, desde aquela época até agora, aprendeu mais conteúdos aplicados às Engenharias. Na terceira entrevista, disse que não saberia lidar com as disciplinas que aprende agora, nem escrever um artigo, sem utilizar 147 Estatística. Sem ela, não se chega ao fim do ciclo PDCA19, nem se encontra as causas de um problema. Também não teria como explicar detalhes de seu trabalho em uma reunião sem usar a Estatística e teria muita dificuldade de expressar as análises. No começo do curso, pensou que iria aplicar o conhecimento estatístico apenas para escrever artigos, pois não tinha ideia de como utilizaria depois. Não tinha ideia do seu alcance e considerava a Estatística apenas uma disciplina da grade. No início da graduação, percebia o conhecimento estatístico como algo menor, que usaria na produção ou em situações como na análise de uma a linha de montagem (ou na fábrica de parafusos). Agora as aplicações são mais amplas e, naquela época, não tinha ideia de como poderia associar Estatística a outros estudos. Nas primeiras entrevistas, o Aluno 5 comentou que a Estatística é muito importante não apenas para as engenharias, mas para a formação geral. Ela amplia o conhecimento e facilita a tomada de decisões. Reforçou o que disse sobre a ideia de que, quando se tem conhecimento, a quantidade de oportunidades aumenta na vida. Nas Engenharias o que se estuda de Estatística não é o suficiente para formar um estatístico profissional, mas é muito importante (da mesma forma que é no curso de Administração). Considera a habilidade de tomar decisões essencial ao engenheiro contemporâneo. Se ele não souber analisar dados, a decisão tomada pode não ser a mais correta e a Estatística facilita essa escolha porque, dispondo de informações, o detentor de conhecimento poderá decidir com mais tranquilidade. Acha que a diferença de capacidade de decisão aparece quando é possível pontuar e saber exatamente o que se tem, em que quantidade, o quanto se pode perder ou está sendo perdido, facilitando a tomada de decisão. Acrescentou considerações na terceira entrevista, confirmando sua percepção de que o conhecimento estatístico, por mais simples que seja, ajuda a interpretar melhor os dados e as informações recebidas. Lembrou os dados por meio dos quais soube que a população tende a chegar a um patamar de igualdade econômica. Surgiu a dúvida: a desigualdade 19 Em Inglês, Plan, Do, Check, Act. O Ciclo PDCA é considerado uma ferramenta de controle de qualidade que facilita a tomada de decisões com objetivo de garantir o alcance das metas necessárias à sobrevivência do estabelecimento. É uma elaboração simples e sem limites para a concepção de um planejamento eficaz. A sigla é formada pelas iniciais P (de Plan, Planejar estabelecer objetivos e processos necessários para obter os resultados de acordo com os requisitos e políticas pré-determinados), D (de Do, Fazer - implementar ações necessárias, C (de Check, Checar monitorar e medir os processos e produtos frente a políticas, objetivos e requisitos estabelecidos e relatar os resultados) e A (de Act, Agir - executar ações para promover a continuamente a melhoria dos processos produtivos). 148 diminuiu pelos pobres ficarem mais ricos ou por causa dos ricos ficarem mais pobres? Tendo as ferramentas e o conhecimento da Estatística, consegue avaliar melhor os dados que possui, verificar a melhor forma de medir e tirar conclusões. 4.10.1 Considerações e subcategorias Considerando que na pergunta 7 a palavra conclusão enquadre uma categoria, temos o a repetição das subcategorias aplicabilidade, controle mensuração, previsão, relevância e modificação de comportamento. Na conclusão, a subcategoria aplicabilidade foi caracterizada por três capacidades associadas: direcionar, verificar e analisar. O direcionamento consiste em analisar para direcionar a atuação em um ambiente, organizar a produção e informar como algo deve ser desenvolvido. Outra inter-relação ocorre ao verificar a aceitação de um produto ou identificar desperdícios. A análise serve para obter informações numéricas. A subcategoria controle corresponde a margem de erro, controle do conhecimento para decidir e verificar tanto a aceitação quanto o retorno financeiro de um produto. Os termos incluídos na subcategoria mensuração referem-se à percepção da necessidade de entender tudo, como no caso do entorno de uma indústria, ter informações sobre um ambiente e determinar quantidades de perdas. Na subcategoria previsão confirma-se a necessidade de informação para determinar como uma tarefa será cumprida. A modificação de comportamento é uma subcategoria que corresponde às percepções de que a Estatística influenciou algum ponto de vista. O fato de passar a compreender que a disciplina tem aplicações e não é mais considerada superficial é uma delas. Sentir-se mais seguro e ter mais firmeza para tratar um tema é outra. A percepção do período da mudança é mais um indicativo de mudança. A relevância, última subcategoria relacionada, reúne percepções relacionadas às ideias de validação, necessidade, ampliação, formação e 149 importância. A primeira é identificada quando o aluno considera que toda informação é válida ou verifica que se pode realizar diferentes tarefas na presença da Estatística. A necessidade é identificada ao verificar que: a Engenharia necessita de dados; dados identificam a utilidade do conhecimento estatístico; necessitará da Estatística no futuro; sem o conhecimento estatístico é difícil resolver situações das engenharias; A falta de análise de dados leva à tomada de decisões incorretas. A ampliação corresponde a mais conhecimento e ao aumento de oportunidades de trabalho. A Estatística é importante não apenas para a Engenharia, mas para a formação geral e sua importância também está presente ao delimitar regiões de Probabilidade de ação; viabilizar planejamentos; considerar mais importante aumentar a carga horária de Estatística do que a de Cálculo. 4.11 Considerações sobre o capítulo Este capítulo apresentou resultados da coleta e categorização dos dados, a partir dos quais buscamos contribuições da disciplina de Estatística para a formação do Engenheiro de Produção. A aplicação do questionário de levantamento do perfil da turma permitiu verificar alguns pontos de vista sobre as concepções iniciais dos alunos a respeito da Estatística. Seus dados apresentam uma turma com diferentes concepções em relação à Estatística, caracterizada como disciplina curricular, disciplina de caráter matemático, conhecimento aplicável ou como instrumento para tratamento de dados e informações. O grupo inicialmente também apresentava dificuldades para reconhecer diferentes tipos de variáveis e suas respectivas representações gráficas. A entrevista permitiu aprofundar o conhecimento sobre percepções e concepções dos alunos em relação à Estatística. As respostas às perguntas da entrevista apresentaram diversas subcategorias, sendo várias delas repetidas. Uma delas é a aplicabilidade, também presente nas respostas do questionário. Elas serão confrontadas com as que emergiram da entrevista da professora e discutidas diante do quadro teórico no próximo capítulo. 151 CAPÍTULO 5 - A ANÁLISE DOS DADOS O provável, senhores, é que, na realidade, o sábio seja o deus e que queira dizer, no seu oráculo, que pouco ou nenhum valor tem a sabedoria humana (Platão). 5.1 Introdução Neste capítulo analisaremos os dados provenientes das subcategorias obtidas durante a construção dos dados. Trataremos as ideias, concepções e percepções dos alunos e da professora. Confrontaremos as concepções da professora e dos alunos com aquelas contidas nos documentos oficiais: a proposta da ABEPRO (2001), as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Engenharia (CNE/CES, 2002), os planos de ensino de Estatística, as listas de exercícios e as provas aplicadas pela professora. 5.2 Os documentos oficiais A proposta da ABEPRO (2001) apresenta um conjunto de competências necessárias ao desempenho da profissão de Engenheiro de Produção. Nesta análise, destacaremos os usos sugeridos para o conhecimento estatístico. Primeiramente, a Matemática e a Estatística são citadas em suas capacidades de modelar sistemas de produção e orientar tomadas de decisão. Outra habilidade destacada traz a Matemática de maneira implícita: diz respeito ao acompanhamento dos avanços tecnológicos, que devem ser colocados a serviço de demandas da empresa e da sociedade. Mesmo não aplicada explicitamente, ela é utilizada para desenvolver tecnologias que podem, inclusive, otimizar o emprego da Estatística, como é o caso dos computadores. O Engenheiro de Produção também deve ser capaz de utilizar indicadores de desempenho e custeio e também avaliar a viabilidade econômica e financeira de projetos. A citação no documento atribui ao conhecimento científico função de instrumento de previsão e de controle. 152 A proposta também apresenta o Engenheiro de Produção como alguém capaz de relacionar os sistemas produtivos com o meio ambiente, atentando para o uso de recursos escassos, destinação de resíduos e rejeitos. Essa é uma exigência contemporânea, associada ao conceito de sustentabilidade. Neste caso, o profissional deve utilizar dados para elaboração de projetos com caráter preventivo em relação às possibilidades de impactos ambientais. A ABEPRO (2001) também apresenta uma lista de habilidades relacionadas a diferentes aspectos da vida do profissional de EP, que podem ser associadas à aprendizagem de Estatística. Entre elas, destacam-se duas: a necessidade de bom desempenho na comunicação oral e escrita; a desenvoltura na leitura, interpretação e expressão por meios gráficos. Outras habilidades tais como a capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares, a capacidade de identificar, compreender, modelar e resolver problemas (administrativos, sócio econômicos e do meio ambiente) também podem ser associadas à formação estatística do Engenheiro. As competências e habilidades constantes nas diretrizes curriculares do CNE/CES (2002) para os cursos de Engenharias têm basicamente o mesmo teor da proposta da ABEPRO (2001). O acréscimo que as diretrizes trazem é que o Engenheiro deve ser capaz de avaliar impactos causados pelas atividades da engenharia sobre os contextos social e ambiental. Tais avaliações necessitam de análises quantitativas e qualitativas que podem ser desenvolvidas em articulação com a aprendizagem de Estatística. Percebe-se então que tanto a proposta da entidade de classe quanto a resolução ministerial impõem grande responsabilidade sobre a formação estatística dos Engenheiros. Os planos de ensino das disciplinas de Estatística (I e II) são documentos que descrevem a ementa, os objetivos (gerais e específicos), a metodologia e recursos (de ensino, avaliação e recuperação), os conteúdos programáticos e referências bibliográficas (básica e complementar). Em Estatística I, os objetivos gerais são compreender as informações e as projeções que uma análise de dados estatísticos transmite por meio de cálculos matemáticos e de probabilidade. O conteúdo dessa parte aborda a organização e a apresentação de dados estatísticos, medidas (posição, dispersão ou variabilidade), correlação e regressão. Em Estatística II, os objetivos gerais são apresentar conceitos fundamentais de 153 Probabilidade, Estatística e aplicações na Engenharia. O conteúdo da segunda parte consta de variáveis aleatórias, distribuição de probabilidade, técnicas de amostragem e testes (de hipótese e significância). Nas referências bibliográficas constam autores nacionais e estrangeiros, com obras editadas em língua portuguesa, abrangendo o período de 1977 a 2006. Um fato importante deve ser considerado: a professora não participou da criação do curso, nem estava presente quando os livros das bibliografias básica e complementar foram escolhidos. Pessoalmente, na qualidade de especialista na disciplina, não recomendaria as obras adotadas. Sobre a metodologia de ensino das duas partes dedicadas à Estatística, resumidamente pode-se dizer que constam de aulas expositivas interativas (em laboratório com uso de softwares), aplicação de listas de exercícios e atendimento individualizado. Os recursos metodológicos de ensino são traduzidos por apostilas, livros, anotações em sala de aula, quadro branco e marcadores, computador, projetor de multimídia, dvd e softwares. A princípio, as listas de exercícios apresentam situações de possível ocorrência no cotidiano dos engenheiros, tal como exercícios nos quais avalia-se a probabilidade de encontrar peças defeituosas em uma linha de produção. Entretanto, as questões apresentam contextos seguidos de perguntas que direcionam o aluno para a aplicação dos métodos de cálculo e não suscitam a discussão dos significados das informações obtidas. Dessa forma, não há discussão do que os números representam frente ao contexto de cada questão. Na primeira lista, elaborada com objetivo de orientar o estudo para primeira prova, não há proposição de construção ou análise de gráficos. Nas entrevistas com os alunos e a professora não foram registradas a utilização de meios eletrônicos (computador, projetor de multimídia, dvd e softwares) nas aulas e avaliações. Apenas a calculadora científica era utilizada. As provas e o trabalho em dupla para avaliação da aprendizagem de correlação seguiram o mesmo padrão das listas. 154 5.3 Análise das respostas do questionário Uma primeira análise das respostas sugere que alguns alunos percebiam na Estatística uma ciência a serviço da análise de dados, com aplicações diversificadas. Mas houve quem a considerasse apenas outra disciplina em sua formação profissional ou ainda apenas uma disciplina de caráter matemático. A submissão do aluno a rotinas de aplicação de exercícios é uma possível origem para a percepção de parte do grupo. O documento da ABEPRO (2001) destaca a importância da Estatística para a atuação profissional na EP, mas o conhecimento estatístico não será instrumento para compreender problemas socioeconômicos, políticos e ambientais se as suas aplicações forem limitadas ao estudo de situações que reportem exclusivamente às rotinas de fábrica. A melhor forma de desenvolver o senso estatístico é inserir o aluno nas diferentes fases do processo estatístico por meio de investigações que contextualizem aplicações da disciplina, conforme sugestão de AlrØ e Skovsmose (2010). Outra explicação para a percepção da Estatística como aplicação da Matemática pode estar no desequilíbrio entre as visões de aleatório e o determinístico. Podemos refletir a respeito desse quadro a partir também da proposta de Gal e Garfield (1997) sobre a possibilidade da Estatística contribuir com que o aluno tome parte na produção, interpretação e comunicação de dados relativos aos problemas que resolverá ao longo de sua vida profissional. É necessário superar a visão fragmentada do conhecimento estatístico como elaboração essencialmente técnica, centrada no uso de fórmulas e algoritmos. A continuidade dessa visão fragmentada pode levar o estudante a tratar a Estatística como um ramo da Matemática, o que prejudica perceber o potencial que o conhecimento estatístico tem para esclarecer contextos em diferentes áreas. Quando se pediu que o aluno fizesse considerações sobre a possibilidade de usar a Estatística para tentar exercer influências sobre o comportamento de setores da sociedade, as referências focalizaram fatos da rotina industrial. Além disso, não houve citação de aspectos políticos da futura profissão. Essas respostas representam um desafio para o ensino de Estatística, pois os currículos das áreas técnicas são voltados predominantemente ao desenvolvimento de habilidades e 155 procedimentos rotineiros (SKOVSMOSE, 2007), não explicitando preocupações com as consequências sociais dos usos do conhecimento. Alro e Skovsmose (2010) postulam, por exemplo, que o entendimento de problemas socioeconômicos, políticos e ambientais de uma sociedade não são viabilizados apenas a partir do estudo de aspectos internos de uma disciplina. Conteúdos específicos de uma disciplina por si só não colaboram no desenvolvimento de atitudes de crítica e reflexão sobre a realidade que cerca o estudante. Voltando a Gal e Garfield (1997), percebe-se a necessidade de ensinar o aluno a distinguir e refletir sobre a realidade a partir dos conceitos mobilizados. Existe a necessidade de colocar o aluno diante de diferentes contextos, com o objetivo dele aprender a avaliar cada situação apresentada, aprendendo a lidar com situações abertas cujos padrões de resolução ainda foram estabelecidos. Variáveis são características do objeto de estudo observadas ao aplicar o conhecimento estatístico na resolução de um problema. A professora considera variável um conceito simples, mas percebe que os alunos apresentam dificuldades de compreensão. Alguns não souberam conceituar o tipo de variável (qualitativa ou quantitativa, discreta ou contínua) nem indicar a melhor representação. As respostas evidenciaram problemas de compreensão do conceito e um desafio inicial para a professora, que não sabe o motivo da dificuldade e também desconhece alguma sistematização para proceder com a conceituação. Além do problema em relação à classificação e representação de variáveis, a professora considera que os alunos apresentam um tipo de analfabetismo, pois parte deles chega à graduação não conseguindo ler qualquer modelo de gráfico (o que se repete em relação à tabela de frequências). A suspeita da docente recaiu sobre a falta de abordagem dos temas, em algum momento anterior à graduação. Ao mesmo tempo, considera que os gráficos constituem uma simbologia mais concisa do que outras formas de comunicação e que proporcionam uma forma diferente de raciocinar. Para ela, o gráfico é uma forma do leigo entender a mensagem que os dados podem passar e o Engenheiro deve aprender a extrair informações desse tipo de representação. 156 As deficiências no estabelecimento de significações necessárias à análise e compreensão de dados por meio de gráficos remetem ao trabalho de Curcio, Friel e Bright (2001), referências importantes por explicarem que existem fatores críticos que influenciam a compreensão dos gráficos. Os problemas de compreensão podem estar relacionados à decodificação visual, ao tipo de dado, variação, tamanho do conjunto de dados ou às formas utilizadas para representá-los. Os autores também consideram que a capacidade de atribuir sentido é desenvolvida gradualmente e requer, de início, a análise de gráficos prontos, associados a diferentes problemas e contextos. É importante lembrar que essa dificuldade realmente pode estar associada à compreensão equivocada de conceitos que o aluno já traz da sua escolaridade anterior à graduação. Também pode-se debitar o fato à ausência, pouco (ou nenhum) contato com a análise de dados e construção de gráficos. Uma possibilidade para resolver a situação pode estar na utilização de TICs para dinamizar a análise e a exploração dos gráficos, além de permitir experimentos com diferentes representações de dados. Trocas de experiências de interpretações entre os alunos podem ajudar a compreender conceitos e partilhá-los dentro de novas redes, o que traz de volta a ideia de Lévy (2006) sobre o conhecimento elaborado em grupos sociais mediante utilização de diferentes tecnologias. 5.3.1 Considerações Em cada fase da vida escolar não basta cumprir apenas o papel de dotar o indivíduo de conhecimentos e habilidades para manipular conceitos, mas é preciso associar os conteúdos técnicos à realidade do estudante. Para tanto, as aulas dedicadas ao conceito de variável e representações gráficas não devem se limitar apenas à utilização de situações padronizadas, usualmente apresentadas em listas de exercícios para aplicação mecânica de algoritmos, onde os números apresentados são desprovidos de contextos. Outro recurso, que é o uso de semirrealidades também não deve limitar-se a apresentar um contexto só com objetivo de orientar os passos para o cálculo estatístico. A Estatística certamente pode ser um instrumento para o aluno tornar-se um profissional amplamente competente, capaz de lidar com situações indeterminadas e 157 adequar seu raciocínio a diferentes contextos. A simples manipulação de conceitos abstratos e fórmulas não permite desenvolver a percepção diante de situações complexas. 5.4 Análise das repostas das entrevistas Após realizar as entrevistas com cada os alunos e a professora, as subcategorias identificadas nas respostas foram reagrupadas para análise. Agora trataremos de forma análoga ao questionário as subcategorias que emergiram dos depoimentos nas entrevistas. 5.4.1 Aplicabilidade A subcategoria que emergiu já havia surgido na categorização das respostas do questionário. Nenhuma subcategoria abordada nesta análise emerge dos planos de curso das disciplinas de Estatística I e II. A professora considera que vivemos uma era em que tudo é medido e os dados são usados para gerar informações sobre comportamentos, doenças, educação ou qualquer fato que se queira conhecer. A tendência atual é medir para tirar conclusões. Sua declaração coincide com o exposto em Lopes (2013) sobre a importância do conhecimento estatístico no século XXI, o que faz da análise de dados um componente essencial do currículo em diferentes níveis. De acordo com a professora, para desenvolver a capacidade de identificar, modelar e resolver problemas deve-se conhecer exatamente o que acontece em determinada situação. Retificou que saber exatamente é, na verdade, uma expressão, pois existe uma margem de erro e incerteza, que pode ser calculada estatisticamente de acordo com a segurança desejada. O Engenheiro de Produção deve saber claramente onde utilizar a Estatística para mensurar e analisar dados. Como exemplo, citou o caso de uma indústria que emite poluente atmosférico. De posse de dados e conhecimento de Estatística, o Engenheiro pode analisar se o estabelecimento atende aos parâmetros legais ou se necessita de algum equipamento. 158 Sobre a ação política, a professora percebe possibilidades de articulações, mas não vê os alunos enxergarem dessa forma. Existe entre os alunos uma percepção vaga para aplicação da Estatística na análise da evolução do meio político. Um dos motivos poderia ser o tempo destinado à disciplina de Estatística durante o curso, considerado exíguo pelos entrevistados. Para a professora, com um conhecimento maior dessa disciplina, não apenas o Engenheiro poderia usar o que conhece para pensar nas questões políticas e entender melhor como a sociedade funciona, quais são as suas demandas ou necessidades. Realmente, não apenas o Engenheiro tem a possibilidade de utilizar o conhecimento estatístico para pensar em questões políticas. A capacidade de aproximar elementos sociais, dos personagens que tomam decisões importantes para a sociedade é um aspecto tecnológico da Estatística, conforme Camargo (2009). O trabalho desenvolvido com base nessa Ciência fornece elementos para tomadas de decisões políticas práticas, como, por exemplo, prioridades de investimentos em infraestrutura. Isso se constitui-se em uma tecnologia de governo na ação à distância. Os alunos não percebem esse viés do conhecimento estatístico utilizado com fins políticos. Durante as entrevistas com os alunos, outra percepção que emergiu foi a de Estatística como instrumento de melhoria contínua. Ela pode ser utilizada para descrever influências dos sistemas produtivos sobre o ambiente. Isso é previsto no documento da ABEPRO (2001). Um entrevistado foi bem claro ao explicar a ideia de que a Estatística pode descrever o perfil de pessoas e características dos grupos em diferentes setores de uma empresa. Em relação a isso, a professora exemplificou, citando o questionário de percepção do ambiente da empresa. Ele serve para colher dados remetidos ao setor de Recursos Humanos (RH), com o objetivo de conhecer e solucionar problemas do ambiente de trabalho. Voltando a Camargo (2009), é importante recordar que a Estatística pode servir à moldagem de visões de mundo ou da imagem que cada um tem de seu semelhante. Neste caso, os dados estatísticos servem para criar a visão em relação ao pessoal de cada setor da empresa, na qual temos um grupo social formado pelos que frequentam o mesmo espaço. Porém, a noção de ambiente entre os alunos não 159 é associada imediatamente a questões ecológicas, assunto contemplado pela ABEPRO (2001) e a resolução do CNE/CES (2002). Os alunos também atribuíram muita importância ao papel da Estatística como instrumento de aferição da qualidade da produção e do desempenho industrial. Neste caso, é importante comentar a preocupação de Skovsmose (2007) em relação às reconfigurações ocorridas com a Matemática na graduação superior. Tal preocupação pode ser estendida ao ensino de Estatística e também às reconfigurações que ocorrem com o saber e formulação de novos conhecimentos. Nos estudos ambientais, o conhecimento estatístico é reconhecido como instrumento capaz de orientar decisões, o que acentua tanto a responsabilidade dos professores quanto a dos futuros profissionais de EP. Entre os entrevistados, foi percebida a utilidade do conhecimento estatístico para identificar e compreender elementos causadores de impactos ambientais devido à presença de uma fábrica. Porém, a articulação entre a Estatística e a Ecologia não está clara, pois houve quem pensasse que o conhecimento aplicado aos processos industriais poderia ser transferido imediatamente para o estudo de questões ecológicas. Outra aplicação encontrada para a Estatística foi identificada na entrevista de um dos alunos: a mensuração associada à exatidão e resultados precisos, que capacitam o indivíduo a determinar locais exatos para o destino de resíduos. Esse é um problema ecológico grave, pois determinados resíduos (químicos e radioativos) são altamente perigosos e o contato com eles pode levar a óbito. Uma pista para a elaboração dessa ideia pode estar no desequilíbrio entre as visões de aleatório e o determinístico, observada na discussão das respostas do questionário. Existe a presença muito forte entre os entrevistados de que os resultados de diferentes cálculos apresentam uma resposta correta. Além disso, a própria Educação em sua forma tradicional tende a ser fragmentadora (FEYERABEND, 2007), moldando o pensamento para buscar padrões, o que também pode gerar esse desequilíbrio. É necessário que a Estatística além de preparar o profissional de EP para a ação dentro do ambiente da fábrica também o prepare para assumir responsabilidades diante da sociedade (SKOVSMOSE, 2007). Uma percepção da Estatística que pode ser discutida a partir das ideias dos teóricos presentes no parágrafo anterior diz respeito à análise das demandas 160 populacional e do ambiente. Elas foram observadas sob o ponto de vista do planejamento e previsão de melhorias da produção. Porém, no estudo de situações ligadas às rotinas de fábrica, o cálculo de probabilidades torna-se instrumento de prospecção de falhas e das variações que inviabilizam alcançar maiores níveis de produção. Essa atitude reflete uma situação na qual a linguagem de uma Ciência é utilizada de forma restrita. A presença da incerteza e da aleatoriedade é um fato indesejado quando se trata da produção industrial. Um problema nesse caso é o aluno fixar a ideia de que o objetivo das análises amostral e populacional é apenas obter dados para controlar diferentes situações. A mensuração também foi percebida como aplicável à análise de populações, em estudos do meio, à gerência de uma fábrica e à previsão de impacto ambiental gerado por uma empresa. Entretanto, aplicações da Estatística em estudos da sociedade foram associadas com a indústria e a necessidade de previsão. Essa restrição de raciocínio aponta outra necessidade. Durante a formação especializada, os estudantes devem ser convidados a refletir sobre significados e consequências de suas atividades profissionais. A Estatística, da mesma forma que a Matemática, pode desenvolver raciocínios hipotéticos e criar alternativas para elaborar novas tecnologias. O estímulo da imaginação tecnológica (SKOVSMOSE, 2007) abre espaços para a Estatística identificar tecnologias aplicáveis à prevenção de impactos ambientais e não apenas à sua quantificação com objetivo de conter um problema que poderia ser evitado. A ideia de articular o conhecimento estatístico à necessidade de entender tudo do entorno e do interior de uma indústria pode ser ampliada e não deve atrelar-se apenas à elaboração de informações sobre um ambiente fabril restrito, no qual se busca determinar quantidades de perdas. Embora isso seja necessário ao empreendimento industrial, não contribui para compreender questões ambientais de maior alcance, preocupação expressa pela ABEPRO (2001). 5.4.2 Repasse e comunicação de dados e informações A professora conceituou o conhecimento como uma informação que é transformada segundo uma hierarquia. Primeiro define-se a variável, que depois é medida, ao longo de um tempo (ou em locais específicos). A partir dessa sequência, 161 os dados podem ser tratados estatisticamente para gerar informação. De posse desta informação, tem-se as conclusões que o ferramental estatístico permitiu obter. Porém, isso necessariamente não é conhecimento, porque ele é determinado quando as informações geram mudança de uma realidade (ou um contexto). Esta é apenas uma forma de utilizar a Estatística para repassar informações e dados. A subcategoria repasse e comunicação de dados e informações apareceu primeiramente nas respostas do questionário, sob a forma de expressões como “método para análise mais eficiente dos dados” e “coleta e análise de dados para obter informações”, todas elas associadas à coleta e análise de dados, com o objetivo de gerar informações. Essa utilização também foi caracterizada simultaneamente como instrumento para direcionar, verificar e analisar. Direcionar seria usar a Estatística em análises que dirijam a atuação do Engenheiro em um ambiente para que ele organize a produção e informe o modo como algo deve ser desenvolvido. Dessa forma, temos outra utilidade para um modelo, que é justificar uma decisão previamente tomada. Nesse caso, o conhecimento serve à legitimação de um discurso, mesmo que as soluções sejam excessivamente restritas, favorecendo a imposição de apenas uma alternativa (SKOVSMOSE, 2007). Ao longo das entrevistas, a associação da Estatística ao repasse e comunicação de dados e informações incluiu percepções relacionadas à linguagem gráfica, com a citação das tabelas e diagramas como representação adequada e melhor forma de compreender as informações. Em sociedades com forte presença do uso de TICs, as análises quantitativas divulgadas por diferentes meios têm ocorrido cada vez mais por intermédio de representações gráficas. Para o domínio da comunicação gráfica, a habilidade da leitura e interpretação de gráficos está ligada ao desenvolvimento da literacia estatística, pois associa a capacidade de compreender as ideias fundamentais da Estatística e uma forma de linguagem utilizada em sua comunicação. Entre os depoentes existe a ideia generalizada de que os resultados expressos na forma gráfica facilitam o entendimento quando comparada com a apresentação dos mesmos dados em relatórios escritos. Esse ponto de vista necessita de algumas considerações, pois atualmente considera-se a capacidade de 162 ler e compreender dados expressos por meio de gráficos necessária à alfabetização. O desenvolvimento da habilidade para a leitura de gráficos requer do indivíduo a capacidade de localizar, integrar elementos e gerar informações, ou seja, compreender as informações e inferir com base no que o gráfico contém (CURCIO; FRIEL; BRIGHT, 2001). Porém, dominar a decodificação visual do conteúdo de um gráfico não é suficiente, tendo em vista que a Estatística pode se articular a outras disciplinas que utilizam seus conceitos e ferramentas. A compreensão de gráficos dependerá então da capacidade de adaptar o pensamento à interpretação de situações que não são, na maioria das vezes, internas à própria Ciência Estatística. Entre os entrevistados também foi percebida a necessidade de buscar incessantemente a aferição a partir de levantamentos de dados voltada para a melhoria de desempenho. Outra a concepção encontrada foi que a linguagem gráfica é importante instrumento utilizado após a coleta e análise dos dados para que as informações geradas tenham sua compreensão facilitada e sirvam à análise de diferentes aspectos. Devemos observar com mais cuidado a linguagem gráfica, importante na comunicação, conforme recomendam Curcio, Friel e Bright (2001). Eles identificaram fatores críticos, de influência crucial sobre a compreensão de gráficos. A compreensão de uma representação gráfica necessita de reorganizações e classificações, que ocorrem de acordo com hierarquias. Uma interpretação não ocorre apenas ao observar a imagem representada, mas necessita de extrapolações e interpolações para identificar as consequências dos dados expostos. A compreensão de um gráfico, assim como ocorre com uma mensagem escrita, necessita de níveis diferentes de interpretação. Embora os entrevistados apresentem ideias de como associar a comunicação Estatística com a linguagem gráfica, não se pode esquecer que essa forma de representação de dados resulta de um desenvolvimento coletivo. Para serem compreendidos, os dados necessitam passar por trocas de significados dentro de um grupo e, portanto, é importante não esquecer que a compreensão da linguagem gráfica apoia-se em um idioma e também ocorre nas formas oral e a escrita, imprescindíveis na comunicação. Deve-se associar a comunicação gráfica ao uso de uma linguagem acessível, para não afastar pessoas não especializadas da discussão sobre os avanços científicos, devido ao fato de desconhecerem uma 163 linguagem. Feyerabend (2007) lembra que cada Ciência deve ser uma forma de concepção do conhecimento e não o caminho exclusivo para entender o mundo. 5.4.3 Controle Retornando à professora, que considera frequentemente a possibilidade de medir e extrair dados para gerar informações, temos outro viés de compreensão dos usos da Estatística. Todo controle estatístico de qualidade é um mecanismo de cobrança de desempenho da produção que não recai apenas sobre o Engenheiro de Produção. Ao mesmo tempo, esse profissional não pode esquecer do controle ambiental, que é uma responsabilidade social. Esta última é prevista no documento da ABEPRO (1998) e do CNE/CES (2002). O controle exercido sobre os profissionais da indústria por intermédio da Estatística é um aspecto do conhecimento discutido por Feyerabend (2007). Nesse caso existe um paradoxo: o conhecimento que deveria ser prova da evolução e instrumento de liberação humana é utilizado para o controle. A Ciência está protegida de ideologias, mas os indivíduos que compõem estão à sua mercê. A percepção de Estatística para controle também se apresenta na necessidade de construir instrumentos para reconhecer as falhas sistêmicas que travam a produção. Aqui não se explicita a preocupação com as consequências sociais das transformações e aplicações do conhecimento. O objetivo de melhorar os processos produtivos é ligado à identificação dos motivos das perdas, mas há um risco ao pautar excessivamente o ensino nessas aplicações. Skovsmose (2007) considera que a formação centrada na eficiência operatória do saber adquirido pode não preparar tomadas de decisões em que o conhecimento técnico não será único fator a considerar. Decidir baseado apenas em resultados estatísticos pode levar a opção apenas para lado econômico e relegar aspectos sociais a um plano inferior. Portanto, existe um desafio: os currículos das áreas científica e tecnológica devem ultrapassar o objetivo de desenvolver habilidades para o controle rotineiro de processos. É necessário incluir discussões das consequências sociais ligadas às aplicações do conhecimento científico em geral e, em particular, a Estatística. Em relação à quantificação de impactos ambientais, a utilização de recursos escassos e o destino final de resíduos e rejeitos, um exemplo apresentado foi a 164 verificação do cumprimento da legislação ambiental, cujo objetivo é garantir a sustentabilidade. Essa verificação em estudos ambientais seria possível mediante a transferência dos modelos de identificação dos níveis de desperdícios aceitáveis em uma linha de produção. O controle também foi associado à necessidade de obter dados para verificar o funcionamento de um sistema, comprovar consequências das ações humanas e orientar a correção de falhas. Temos aqui uma situação típica de confiança plena do conhecimento científico na qualidade de instrumento para inspeção da observância de critérios legais. O fato também é discutido por Skovsmose (2007), referindo-se à suposição de progresso científico associado à garantia de progresso social. Verificar o sucesso de um método é outra concepção, desta vez associada à produção de dados globais, que servem de referência à ação local, além de identificar marcos direcionadores de novas ações. Demo (2000) e Feyerabend (2007) partilham a ideia de que o conhecimento que parece racionalmente determinado é afetado por escolhas subjetivas. A percepção de sucesso é uma delas. Em relação aos dados globais uma linha de montagem é um caso exemplar de estudo de produtividade. Porém, é necessário verificar os impactos sociais e ambientais ligados a esse desempenho produtivo. Essa perspectiva deixa evidente que não existem instrumentos puramente racionais, neutros e isentos de subjetividades. A percepção da Estatística como instrumento de controle e medição corresponde à ideia de que tudo deve ser o mensurado para identificar margens de erro e manter padrões. O conceito de margem de erro faz do conhecimento estatístico um instrumento de verificação, decisão e aceitação de qualidade do produto e um modo de prever a sua lucratividade. Com isso, as aplicações da Estatística ficam na fronteira entre o controle e a previsão, tratando a variabilidade como um inconveniente à produção em série. 5.4.4 Previsão Uma consideração da Estatística presente nas entrevistas com os alunos foi como vê-la como instrumento de planejamento e/ou mudanças ao direcionar decisões práticas. A professora comentou que o Engenheiro convive com processos 165 aleatórios e o seu raciocínio estocástico deve ser mais apurado, devendo também se acostumar às imprevisibilidades. A Probabilidade também foi considerada instrumento de previsão, que capacita seu conhecedor a antever possíveis acontecimentos ainda não testados. A previsão também foi percebida pela caracterização da Estatística como instrumento de análise que permite saber o como serão a demanda e o comportamento de mercados futuros. Dessa forma, possibilita descrever tais quadros além de ser capaz de prever e detalhar influências da atividade industrial sobre ambiente e a sociedade. A possibilidade de previsão inspira a segurança, quando associa o conhecimento à constatação de comportamentos, com objetivo de planejar o gerenciamento de pessoal. Sob esse ponto de vista a Estatística, por meio de categorizações da realidade, dispõe de meios para identificar o indivíduo em relação ao grupo e suas particularidades. Embora seja fruto da década de 1830, percebe-se viva a ideia de Adolphe Quételet e sua definição de homem médio (CAMARGO, 2009). Os alunos provavelmente desconheçam esse fato e também outro de grande importância: há menos de duzentos anos a média é elemento de comparação e homogeneização de dados. Ajustar as ações em busca de uma produção média é uma necessidade industrial. Porém, sem as necessárias críticas, levar o uso de um conceito estatístico para o campo da Sociologia pode gerar perigosos abusos na aplicação e gerar distorções de análise. A associação da análise estatística, à previsão e à antecipação de acontecimentos pode ser exemplificada pela declaração de um aluno, que comentou a necessidade de prever o esgotamento de fonte de recurso para o seu manejo e/ou fim de exploração. Outro exemplo é o do cálculo da proporção de dejetos e resíduos que o ambiente suporta. Neste caso, a previsão estatística determinaria valores máximos de elementos poluentes que podem ser liberados na natureza. A atividade industrial é impactante, poluidora e o planeta está cada vez mais a mercê de agressões ambientais. Em alguns depoimentos existe uma clara percepção de que a Estatística serve a estudos sobre o ambiente, com o potencial de, inclusive, prever riscos ambientais e esgotamento de recursos. Em meio apenas à tarefa de assimilar habilidades para o desempenho profissional, a Estatística não se constitui um instrumento pleno de crítica das próprias condições sociais e de 166 trabalho. AlrØ e Skovsmose (2010) e Gal e Garfield (1997) analisaram o ensino orientado para treinamento, que não favorece o desenvolvimento de sínteses e críticas de problemas reis. O profissional de produção é considerado alguém que sabe lidar com a incerteza, contornar a variabilidade na linha de produção e usar a informação estatística no ambiente industrial. Os próprios depoentes associaram a possibilidade da Estatística antecipar demandas e erros. Neste caso, assumem e compreendem a necessidade de produção e compreensão dos dados (GAISE COLLEGE REPORT FRANKLIN et al., 2005, p. 5). Eles também conhecem métodos para testar a consistência dos dados, mas a presença da variabilidade, quando percebida, é quantificada e explicada com o objetivo de eliminação, pois para a indústria não é estratégico ultrapassar determinados limites de diferenças. Por um lado isso é importante, pois garante que os produtos destinados aos consumidores não devem apresentar grandes diferenças entre si que cheguem a ser classificadas como defeitos de fabricação. Por outro, é necessário que essa busca de uniformidade não se torne traço de personalidade e faça do Engenheiro um indivíduo deslocado dentro em uma sociedade repleta de diferenças. 5.4.5 Manipulação A professora acredita que há interseções da aprendizagem da Estatística com a possibilidade dela ser utilizada para estudar o contexto social da atuação do Engenheiro, mas não especificou de que forma faria. Além disso, considerou as formas oral e a escrita como possibilidades de comunicar resultados estatísticos, embora veja mais utilidade para os gráficos. Na sua opinião, aprender a aplicar a ética e a responsabilidade da profissão relacionam-se ao poder, pois quem detém o conhecimento controla o poder. As informações podem ser usadas para o bem ou não e o seu detentor tem a possibilidade, inclusive, de transmitir a verdade de forma enviesada (viciada). A professora tocou em pontos da Educação Crítica (EC) discutidos por Skovsmose (2007). Primeiramente o conhecimento científico deve colaborar para elucidar consequências sociais de sua própria existência. Para ela, a Estatística 167 pode se valer de seus instrumentos para examinar, por exemplo, as relações de poder dentro da sociedade e os interesses que movem seus atores. Entre os alunos, a manipulação foi associada à ideia de manipulação dos dados e distorção do entendimento de uma realidade. Aqui, pode-se associar a declaração do aluno ao que Skovsmose (2007) chamou de fabricação de fatos. Para o depoente, o conhecimento estatístico pode tratar as informações divulgadas em diferentes mídias, descrevendo ou ocultando elementos que favoreçam determinados indivíduos. Camargo (2009) também discutiu outro aspecto do conhecimento estatístico: depois que os resultados são divulgados, o pesquisador já não tem mais controle sobre aquilo que produziu. A partir de então, quem tomou posse dos dados pode divulgá-los de acordo com conveniências pessoais. A manipulação de resultados estatísticos foi percebida como a possibilidade de favorecer um portador de opinião e influenciar a percepção de outros indivíduos. Conhecer estatística, portanto, permitiria confirmar se há manipulação de dados. Além disso, um aluno considera um risco a maioria da população desconhecer a Estatística, pois não percebe as distorções e torna-se suscetível de ser ludibriada. O depoente reforça uma discussão de Gal e Garfield (1997): o aluno deve compreender que processos de pesquisa estatística ajudam a obter conclusões melhores que as baseadas em intuições e deve aprender a elaborar estatísticas, ao invés de apenas consumi-las. Também verificou-se a Matemática associada à exatidão e certeza, características não atribuídas à Estatística. Aqui há um confronto pessoal entre a objetividade e a subjetividade de alguém que se confronta com duas linguagens científicas, das quais uma delas é considerada a que apresenta resultados precisos. Portanto, temos o que Demo (2000) e Feyerabend (2007) consideram contaminação por elementos desconhecidos pelo próprio profissional. Eles discutem a tradição das Ciências Naturais, que consideram confiáveis os dados fornecidos pelos sentidos em condições de normais. A Matemática, provedora da precisão, utiliza aproximações para números irracionais (como no caso do π) e, entretanto, a Estatística não é considerada precisa pela margem de erro e pelos intervalos de confiança. 168 5.4.6 Pensamento fragmentado A professora comentou que repetia o termo quantificar devido à sua personalidade, pois desde criança tem o hábito de contar tudo. Declarou que lhe é difícil descrever qualitativamente um fenômeno e, para ela, não é natural articular os pensamentos qualitativo e quantitativo. Disse que deseja ter a experiência de fazer uma pesquisa qualitativa, mas não entende minimamente o que é estudar com profundidade uma questão específica sem buscar padrões que a descrevam. Temos alguém que expressa uma concepção fragmentada sobre o próprio exercício profissional, o que pode ser reflexo do seu treinamento para uso do conhecimento científico. A restrição da imaginação provavelmente ocorre em decorrência de aprender a utilizar uma linguagem de maneira restrita (FEYERABEND, 2007) sem a construção de elos com outras metodologias, levando ao alinhamento com apenas um método de conhecer a realidade (DEMO, 2000). Segundo a professora, o Engenheiro de Produção tem formação diversificada, o que possibilita atuar em equipes multidisciplinares e, dessa forma, ajudar na compreensão e tratamento de diferentes aspectos das variáveis. A habilidade de atuar em equipes multidisciplinares é prevista na proposta a ABEPRO (2001) e pode ser melhor desenvolvida com a partilha do conhecimento com os seus semelhantes discutida por Lévy (2006). O autor considera a inteligência e a cognição elaborações sociais que podem ser desenvolvidas utilizando tecnologias que colaboram para socialização de experiências e saberes. Esse ponto de vista também foi expresso pelos autores do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). Eles argumentam que acumular dados não significa formular uma informação, pois é necessário tomar os dados e processá-los para lhes dar sentido. Os sentidos atribuídos coletivamente, o contexto e a compreensão de mensagens são elementos da comunicação que possuem valor educacional em relação à Estatística. A formulação de sentidos e a aprendizagem necessitam de contextos que situam o aluno frente ao objeto que deve compreender. Entre os alunos entrevistados ocorreu pensamento fragmentado, por exemplo, ao não se perceber como demandas sociais podem ser estudadas quantitativamente, apesar de conceber essa metodologia aplicável ao mesmo estudo quando o tema é o mercado consumidor. Entretanto, o conhecimento 169 estatístico foi associado ao tratamento de amostras para ensaios de ações sobre objetos pequenos para eles gerarem resultados em contextos maiores. Neste caso, as ideias de Lévy (2006) e do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) expostas no parágrafo acima podem ajudar a discutir as concepções de uso do conhecimento estatístico de forma compartimentada. As demandas sociais representam um tema que, para a professora, pode ser estudado com o uso da sua disciplina, porém considera tema de difícil tratamento. Sem uma amostragem justa e mantendo apenas juízo sobre o que conhece nas proximidades, a informação obtida ao fim do processo não é útil e a sociedade não será descrita como um todo. Segundo o GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) é necessário utilizar contextos para relacionar os conceitos estatísticos com o exame de situações reais. Essa atitude favorece a criação de redes nas quais os significados são articulados. O uso de dados reais é uma alternativa para envolver o estudante no processo de aprendizagem e aproximá-lo do objeto estudado. Pelo tempo de convivência com exercícios clássicos da formação de Engenheiros de Produção, certamente a professora está desacostumada a trabalhar com outros tipos de contextos. A docente comentou na segunda entrevista que muitos alunos se prendem aos métodos de cálculo e não se interessam em entender os conceitos. Percebeu em mais de uma turma que muitos deles executam os cálculos, mas não sabem explicar o que fazem. Considera necessário acompanhar esse tipo de aprendizagem e pensa em mudar seu modelo de avaliação da compreensão dos conceitos. Isso mostra duas preocupações com a aprendizagem: a primeira refere-se à compreensão de conceitos, um dos pontos da proposta do (GAISE COLLEGE REPORT, FRANKLIN et al., 2005); a segunda é tirar o foco dos cálculos, pois acredita que os graduandos se prendem aos algoritmos, decoram roteiros e repetem tudo até a hora da prova. Ela percebe que não deve avaliar somente as habilidades de uso dos algoritmos e a sua experiência levou à observação de que é necessário desenvolver o pensamento e a literacia estatística. 170 Associar a resolução de problemas administrativos à Matemática e não à Estatística foi outro aspecto da fragmentação apresentado nas entrevistas. Essa concepção foi explicada pela imprecisão atribuída ao conhecimento estatístico em comparação com a certeza e exatidão associada ao campo matemático. Entre os alunos existe a concepção de que medir desempenho não se restringe à área de Produção e que pode ser aplicado em outras situações. Por trás desta declaração encontra-se um ponto de interseção entre dois teóricos. Tanto Demo (2000) quanto Feyerabend (2007) discutem o alinhamento à lógica de um setor, que leva o indivíduo a considerar a atividade de medição de desempenho da produção transferível, podendo ser aplicada indistintamente em outros contextos. Mais uma vez apresenta-se o problema relacionado a um ensino científico sem a crítica de métodos e conteúdo. O indivíduo que pensa de forma fragmentada não percebe possibilidade de articular o conhecimento estatístico à compreensão de diferentes aspectos, tanto do cotidiano de trabalho, quanto da própria vida fora do ambiente laboral. A fragmentação ficou evidente com a falta de associação dos tópicos da pergunta 2 com a Estatística, além de não percebê-la como uma linguagem que pode favorecer a comunicação entre profissionais de diferentes atividades. Para alguém que passa por uma formação acadêmica fragmentada é fácil aceitar a ideia da extrema especialização profissional, assim como a formação dos Engenheiros de Produção parece preservar aspectos da hierarquização positivista. O pensamento fragmentado também se manifestou na falta de elos entre as três modalidades de comunicação: oral, escrita e gráfica, sendo quase atribuído a esta última a exclusividade de repassar dados e informações estatísticas. Lévy (2006) nos lembra que, além de meios materiais, necessitamos de relações sociais para desenvolver a inteligência e a cognição individual a partir do encontro com uma língua, com as tecnologias socialmente disponíveis e com os demais indivíduos. Pode-se considerar normal o desconhecimento dos alunos em relação à fragmentação, mas a discussão sobre necessidades de articulações não deve passar despercebida pelo professor. 171 Outro aspecto da fragmentação foi considerar a ética assunto privado e de cada instituição, ocorrendo o mesmo em relação à avaliação de impactos das atividades de engenharia no contexto social e ambiental, que também foram consideradas encargo de cada empresa. O excesso de simplificações que ocorrem no ensino de Ciências apontado por Feyerabend (2007) reflete-se nas limitações apresentadas já no ciclo básico das Engenharias. Como exemplo, pode-se pensar na dificuldade que o aluno de Engenharia tem para entender como adaptar os instrumentos estatísticos ao estudo de situações da própria sociedade em que vive. Outra ocorrência do pensamento fragmentado deu-se com a não articulação da compreensão de problemas socioeconômicos e ambientais à Estatística. Mais um viés dessa dissociação seria aceitar possíveis elos dos estudos de Economia com o conhecimento estatístico, pois não percebê-la aplicada à compreensão de fatos na sociedade seria negar que se vive dentro de determinadas condições econômicas. Não ver elos da realidade social com o conhecimento é um elemento dos jogos de poder envolvendo a utilização da produção científica com o objetivo de manter intactas as relações sociais vigentes (SKOVSMOSE, 2007). Sendo assim, temos como resultado a minoria de elementos de uma sociedade decidindo as pautas de desenvolvimento científico, tecnológico e econômico. 5.4.7 Desenvolvimento de habilidades A professora considera importante usar TICs para desenvolver o conteúdo de Estatística e fez uma crítica ao curso de graduação em EP, que na Instituição pesquisada não tem as disciplinas de Lógica e Algoritmos. Algumas turmas sequer desenvolvem a capacidade de programar e não passam da elaboração dos algoritmos em papel. Para a professora, Engenheiro deve conhecer alguma linguagem de programação para processar os dados na quantidade e com a rapidez necessária, pois o MS Excel não tem potência suficiente para a tarefa. A percepção da professora pode ser traduzida por dois itens da proposta do (GAISE COLLEGE REPORT, FRANKLIN et al., 2005). A primeira é a necessidade de promover a aprendizagem ativa na sala de aula, o que seria facilitado com a utilização de TICs, que permitem buscar bancos depositários de dados reais. A outra é que a utilização 172 dessas tecnologias proporcionaria mais tempo para desenvolver a compreensão dos conceitos e a análise de dados. O acesso a dados reais e a utilização de TICs para automatizar cálculos, trabalhar com gráficos e realizar simulações é uma necessidade apontada pelo GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005), pois possibilita interpretar resultados e não apenas assimilar rotinas de cálculos estatísticos. A aprendizagem de uma linguagem de programação articularia o tratamento de grandes quantidades de dados de forma rápida. Com isso, o tempo gasto em longas sequências de cálculos pode reverter no desenvolvimento da literacia e do pensamento estatístico. A percepção dos alunos sobre o desenvolvimento de habilidades também passou pelo reconhecimento de que a Estatística pode ajudar a desenvolver o raciocínio lógico. Isso foi associado à melhoria da capacidade de modelar a resolução dos exercícios apresentados pela professora. Nesse caso, mesmo com a professora utilizando semirealidades e por vezes trabalhando alinhada ao paradigma do exercício, um aluno considerou que as aulas de Estatística serviram para ampliar sua capacidade de compreender enunciados. Também considerou que isso facilitaria a abordagem de problemas reais. Porém, o trabalho realizado na disciplina está longe daquele preconizado pelos educadores estatísticos presentes no referencial. O GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005) propõe atividades de ensino e de avaliação ativas. Paralelo a isso, Gal e Garfield (1997) apontam a meta de fazer dos alunos cidadãos informados e capazes de compreender e lidar com a incerteza, a variabilidade e a informação estatística (além de serem produtores, intérpretes e comunicadores de dados). O uso de dados e situações reais, aliado à utilização de TICs, viabilizaria o contato do aluno com todo o percurso iniciado com a coleta de dados, passando pela análise e culminando na divulgação dos resultados. Inserindo o processo estatístico em um contexto, evita-se o afastamento entre sujeito e objeto, outro aspecto da fragmentação discutido por Demo (2000), Lévy (2006) e Feyerabend (2007). Tem-se uma oportunidade de colocar o aluno como sujeito histórico em um processo de elaboração de conhecimento, munido de tecnologia e comunicando-se por meio de diferentes linguagens. Assim, os contextos favorecem a criação de redes nas quais diversos significados são articulados. 173 5.4.8 Mudança de comportamento A subcategoria mudança de comportamento constitui-se nas alterações de percepção do aluno em relação aos usos do conhecimento estatístico. Com a aplicação do questionário, constatou-se que, no início do curso, a Estatística era considerada apenas mais uma disciplina curricular ou mesmo uma parte da Matemática. Inicialmente um dos alunos não via muita utilidade na Estatística e ainda guardava a postura do Ensino Médio, época em que foi submetido a um ensino simplificado, no qual o conhecimento estatístico não possuía vínculos com a realidade. Ao entrar na graduação ainda lidava com conceitos esparsos e pouco aplicados, mas ao longo do curso passou a perceber aplicações da Estatística e a necessidade de superar o estágio de conhecimento em que se encontrava. As aplicações tonaram-se mais relevantes e a média, por exemplo, aumentou de importância por representar comportamentos gerais, mais necessários à indústria. Mesmo trabalhando com semirrealidades e tratando com dados que não são reais, viu aplicações e pode esclarecer os temas que estudava. Variância e desvio padrão passaram a apresentar utilidade, pois juntamente com a curva normal norteiam o planejamento da produção. Nas articulações com outras disciplinas o próprio uso da curva normal ajudou a compreender como verificar concentrações de resultados mais prováveis e comportamentos centrais. Novamente nos deparamos com algo já apontado por Demo (2000), Feyerabend (2007) e Skovsmose (2007): o currículo condicionando o aprendiz à lógica de um setor, cumprindo o papel de selecionar e demarcar competências necessárias à transformação de conhecimento em força produtiva. As aplicações lembradas pelos alunos e a professora relacionam-se à linha de produção. Citações sobre outros estudos fora do mundo industrial ocorreram apenas quando perguntadas especificamente. Mesmo assim, quando isso foi feito, as articulações sugeriam a simples transferência de instrumentos e processos de pesquisa da indústria para os estudos socioeconômicos. Esse é um aspecto do currículo impregnado por um padrão tecnológico que não favorece desenvolver competência democrática em meio a uma graduação cujo egresso deverá trabalhar com pessoas. 174 A mudança de comportamento também pode ser observada em relação ao Cálculo, que antes era instrumento fundamental da Engenharia. Agora a Estatística passa a ser reconhecida como instrumento importante para a EP e isso coloca a percepção na fronteira entre a mudança de comportamento e o reconhecimento da relevância. 5.4.9 Relevância A professora relatou um choque sofrido ao cursar o mestrado em Engenharia Ambiental, pois percebeu que não havia estudado Estatística o suficiente, devido ao fato de que, na graduação, teve apenas um semestre da disciplina. Comentou que atualmente já existem sugestões de diminuir o total de aulas de Cálculo e aumentar o de Estatística em cursos de Engenharia. Pelo menos na EP existe a necessidade de tornar o currículo mais dinâmico e, na segunda entrevista, a professora apresentou a preocupação com o desempenho dos alunos. Essa declaração apresenta um momento de reflexão sobre a relevância de conteúdos para a EP. Entre os diferentes temas e conceitos da Estatística para o Engenheiro de Produção, a professora destacou os seguintes: entender o conceito de variável, o que ela representa e o fato das variáveis explicarem-se mutuamente. A regressão não ocorre somente na forma linear e deve ser conhecida pelo aprendiz, mesmo que não necessite usar imediatamente todas as formas. A professora também acha importante saber testar hipóteses e determinar intervalos de confiança e é necessário conhecer a estimação pontual e a estimação por intervalo de confiança. Essa noção tem relevância, porque o profissional testará amostras, já que não é possível testar a população total. Daí a importância da amostragem e da possibilidade de comparar amostras. É necessário entender o que é uma medida de tendência central e o conceito de dispersão, pois são conceitos necessários para perceber o quanto uma linha de produção está desajustada. No caso, erro significa dizer que não se está produzindo de acordo com o planejado. A experiência de ensinar Estatística e a conivência com os alunos em fase de aprendizagem indicam para a professora que é preciso tratar mais apuradamente 175 determinados tópicos e procedimentos, tendo em vista o progresso dos aprendizes. Mesmo trabalhando a partir de semirrealidades ao invés de dados reais, a sua preocupação é desenvolver o pensamento e a literacia estatística, além de enfatizar o entendimento conceitual. Os alunos também consideraram a Estatística relevante por vários motivos, entre eles a possibilidade de delimitar regiões de Probabilidade. Isso faz com que a Estatística lhes pareça concreta, pois quantificam possibilidades de um acontecimento. Entretanto, não percebem que trabalharam apenas com situações hipotéticas, sem estudar acontecimentos reais. A necessidade do tratamento de dados foi identificada ao verificar que a Engenharia necessita deles para as suas realizações. A partir dessa ideia, os alunos constataram que as aplicações do conhecimento estatístico são amplas. Uma das características do desenvolvimento do pensamento estatístico é o fato do aprendiz compreender a necessidade dos dados e reconhecer a importância de sua produção, destaque do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). Além disso, os alunos também consideraram que não basta conhecer os processos de cálculos estatísticos, mas os resultados devem estar dentro de padrões considerados verdadeiros. Portanto, os alunos perceberam a necessidade de verificar a consistência dos dados, apontando outra face do desenvolvimento do pensamento estatístico. A utilidade da disciplina foi acentuada pela ideia de que a Estatística será necessária no futuro. Na ausência desse conhecimento é difícil resolver situações práticas nas Engenharias e, sem saber analisar dados, pode-se tomar decisões incorretas. Nesse ponto, retornamos a Gal e Garfield (1997) que defendem a ideia de que o aluno deve compreender que processos de pesquisa estatística ajudam a concluir sobre uma situação de maneira mais apropriada do que fosse baseada em intuições ou experiências subjetivas. Também é necessário retornar ao que foi escrito por Skovsmose, (2007), ao dizer que existe o desafio dos currículos em áreas técnicas, nas quais predomina o desenvolvimento de habilidades operatórias desligadas da preocupação com as consequências sociais das aplicações do conhecimento. 176 A Estatística viabiliza planejamentos e mais de um entrevistado considerou fundamental aumentar a carga horária de Estatística. A disciplina é importante não apenas para a Engenharia, mas para a formação geral das pessoas. Essa ideia pode ser reforçada por Lopes (2013), que lembra um fato importante: em pleno século XXI, a análise de dados é essencial para desenvolver diversas habilidades em diferentes níveis de ensino. Porém é importante não deturpar a ideia de aumentar a carga horária de Estatística, pois diante das necessidades de formação do Engenheiro de Produção o conhecimento estatístico tem importância relativa. Não se pode torná-lo um novo elemento a reinar no ensino, seja em qualquer nível de conhecimento, conforme nos afirma Demo (2000) e Feyerabend (2007). 5.4.10 Complexidade A professora considera bom ter as disciplinas de Estatística I e II separadas e que elas não estão de forma alguma desarticuladas em relação às demais. Lembrou que os alunos têm a disciplinas que aplicam o conhecimento estatístico como, por exemplo, o CEQ e lembrou que a sua disciplina atravessa outros campos. Porém, é necessário que tanto a professora de Estatística quanto o professor da cada disciplina que utiliza procedimentos estatísticos tenham o cuidado de não dissipar excessivamente o aspecto complexo dos fenômenos que estudam. Muitas ações no cotidiano do Engenheiro são respaldadas por aplicações da Estatística que ocorrem dentro de contextos complexos (Como no caso do CEQ), e, dessa forma, não possibilitam decisões baseadas em análises fragmentadas. O conhecimento para a prática da EP, mesmo sob uma formação que lança mão de disciplinas solitárias (assim declarado pelo Aluno 1) é aplicado em meio a uma ecologia cognitiva (LÉVY, 2006). Perceber a solidão entre as disciplinas foi um indício da compreensão que a sua formação não deve ocorrer em meio a saberes desconexos. As atividades da EP são exercidas por coletivos de atores sociais munidos de diferentes linguagens em meio a diversas tecnologias, o que remete à necessidade de tratar articulada e simultaneamente diversos aspectos do mesmo objeto. É importante compreender que a resolução de problemas reais não se adequa aos modelos simplificados das aulas iniciais e uma a opção é incentivar a 177 aprendizagem ativa, proposta do GAISE College Report (FRANKLIN et al., 2005). A aprendizagem ativa favorece elaborar e compreender conceitos da Estatística, além de estimular o aluno a desenvolver o pensamento estatístico. As atividades de campo constituem-se em uma possibilidade didática que permite confrontar situações reais que levam à necessidade de mobilizar diversas habilidades. Além disso, existem as atividades em laboratórios e os trabalhos em grupo que podem promover a discussão de dados constituindo-se em possíveis instrumentos para ensinar a disciplina. 5.4.11 Relatividade A professora comentou que a convivência com a aleatoriedade deveria ser trabalhada desde o Ensino Fundamental. Normalmente ela convive com alunos que têm o primeiro contato apenas na graduação, o que acarreta dificuldades de compreender diversos conceitos ligados ao acaso e à Probabilidade. Um problema para ela é o aluno pensar que toda situação apresenta apenas um resultado esperado, o que não é verdade, pois a Estatística, ao trabalhar junto com a Probabilidade, trata de conjuntos de resultados possíveis, característicos de uma situação amostral. Após estudar Estatística e aplicá-la em diferentes disciplinas da formação profissional, os alunos começam a perceber o alcance do conhecimento estatístico. Voltamos a Feyerabend (2007) e a sua ideia de que a Educação Científica é excessivamente simplificadora, e que existe a necessidade de relativizar o potencial do conhecimento científico em ralação às explicações da realidade. Apesar da tendência de alguns entrevistados tratarem a Estatística como Ciência produtora de respostas exatas, houve a percepção de que é impossível afirmar que todos os resultados obtidos por meio da Estatística constituem-se verdade e certeza absoluta. Houve quem considerasse que o conhecimento estatístico não deve ser tratado como exato em sua essência e à Matemática foi atribuída a segurança que a Estatística não traduz. Essa falta de percepção de elos da Estatística com o mundo real é um indício de que o seu ensino muitas vezes é desconectado da realidade da profissão. 178 Os fenômenos naturais e sociais que se desenrolam no mundo concreto não apresentam apenas resultados exatos. Diante desse quadro existe a necessidade e a possibilidade de conceber um novo papel social para a Estatística como Ciência capaz de articular outros saberes em torno de si e ajudar a refletir sobre o conhecimento de uma forma geral. 5.5 Considerações sobre o capítulo Neste capítulo analisamos os dados emergentes do questionário e dos depoimentos frente aos teóricos e documentos oficiais. A proposta da ABEPRO (2001) e a resolução do CNE/CES (2002) apresentam habilidades, competências e conteúdos curriculares necessárias ao desempenho da profissão. Os planos de curso documentam de que maneira as recomendações devem ser seguidas. Todos os documentos destacam que a Estatística tem aplicações à modelagem de sistemas e é necessária para subsidiar tomadas de decisão. Também se considera relevante preparar o profissional para acompanhar os avanços tecnológicos e demandas de origem empresarial e social, o que leva à necessidade da formação estatística permitir ao Engenheiro compreender as formas pelas quais o conhecimento é utilizado no desenvolvimento tecnológico. Os documentos também incluem a necessidade de formar Engenheiros que reconheçam a importância dos cuidados ambientais na preservação de diferentes recursos. A formação para as capacidades de comunicação nas diferentes modalidades e de associação de conhecimentos também são contempladas. Apesar dos programas das disciplinas reportarem-se a situações ideais de ensino e aplicação do conhecimento estatístico, na prática o ensino e a avaliação da disciplina ocorreram de acordo com padrões convencionais, tais como a recorrência ao paradigma do exercício e às semirrealidades. A análise das respostas do questionário e das entrevistas sugere reflexos dessas práticas de ensino na formação estatística do grupo. Por sua vez, o referencial teórico aponta que os currículos escolares e as práticas pedagógicas são instrumentos de estratificação, servindo para ocultar e afastar aspectos sociais, políticos e culturais do ensino científico. 179 Entretanto, a fragmentação descrita não deve ser considerada definitiva nem irreversível. O reconhecimento de que a formação do Engenheiro é fragmentada pode ser o ponto de partida para a proposição de um ensino que atenda às necessidades de formar um profissional que simultaneamente seja consciente das responsabilidades técnicas do ofício e do seu lugar de cidadão atuante da sociedade. Nas considerações finais trataremos com mais detalhes os aspectos relacionados ao tipo de formação dos alunos envolvidos na pesquisa. 180 CONSIDERAÇÕES FINAIS A utilização dos progressos da ciência e da tecnologia para tornar a vida do homem menos angustiante parece-nos ser uma tarefa que escapa ao poder dos cientistas e, de fato, a impressão que se tem é que à medida que o progresso científico avança, menos e menos as realizações são voltadas para minorar o sofrimento do homem. (Ubiratan D’Ambrosio). Introdução Em geral, os profissionais da área de Engenharia consideram que a Estatística tem grande importância para a sua atuação profissional. Os alunos ingressantes na graduação em Engenharia com os quais temos contato quase diário consideram a disciplina um obstáculo a ser transposto na sua formação. Ao mesmo tempo em que se preocupam com a formação estatística de quem dependerá desse conhecimento para atuar profissionalmente, os professores da disciplina percebem a angústia dos alunos diante dos conteúdos. A partir desse quadro, surgiu uma curiosidade que depois tornou-se objetivo de estudo: saber qual lugar a Estatística ocupa no universo no estudante de Engenharia. Nesta pesquisa investigamos a formação estatística inicial do Engenheiro de Produção, buscando evidenciar quais demandas de formação seriam explicitadas pelos estudantes em relação à Estatística, as suas fragilidades e concepções equivocadas. Além disso, procuramos saber de que forma o Plano de Curso e os instrumentos de ensino e de avaliação da Estatística dialogam com as necessidades dos futuros engenheiros de Produção, expressas em documentos da associação de classe e as determinações do Ministério da Educação. Relembremos que a investigação contou com os depoimentos de cinco alunos escolhidos e/ou sorteados dentre os respondentes do questionário, além da professora de Estatística de uma turma do curso de Engenharia de Produção da 181 mesma Instituição Federal de Ensino da Grande Vitória. Os cinco alunos estudaram Estatística no Ensino Médio. A partir da questão “Como ocorre a formação estatística de futuros engenheiros de Produção?” Estudamos como o conhecimento estatístico contribui na formação dos alunos, quais são as perspectivas do uso desse conhecimento no prosseguimento da carreira, que percepções eles têm a respeito da disciplina, e quais articulações ela tem com outros componentes da matriz curricular do curso. Resultados e reflexões No início do trabalho, após a aplicação de um questionário de levantamento de perfil dos estudantes e primeiras análises interpretativas dos dados, as evidências coletadas mostravam diferentes percepções a respeito da Estatística. Parte considerava a disciplina como Ciência de análise de dados com aplicações que não se restringem ao ambiente industrial e outra a considerava apenas uma disciplina da formação do Engenheiro. Porém, havia uma terceira percepção, a de considerar a Estatística uma disciplina de caráter matemático. Portanto, devido a diferentes motivos, tínhamos um grupo que tinha pouca experiência com o conteúdo da disciplina e apresentava ideais difusas a seu respeito. A turma como um todo apresentava uma série de indícios do primeiro contato com a Estatística ter ocorrido igual aquele que se dá com a Matemática dentro de padrões tradicionais. Os depoimentos realizados após a aplicação do questionário indicam um ensino básico de Estatística que, quando ocorreu foi sob a tônica de trabalho, rotineiro com aplicação de fórmulas em exercícios de fixação e pouca atenção aos conceitos estatísticos. Outro reflexo de um deficitário ensino básico de Estatística surgido na aplicação do questionário foi em relação à conceituação de variável (qualitativa/quantitativa, discreta/contínua) e a indicação de uma representação gráfica. Há evidências de falta de compreensão dos conceitos. A deficiência na compreensão de representações gráficas das variáveis foi outra situação encontrada no primeiro levantamento. Considerando que a análise de dados necessita da compreensão de mensagens expressas graficamente, tínhamos um grupo com sérias deficiências em relação ao raciocínio e ao domínio da literacia estatística. 182 O ensino deficitário que transpareceu nas respostas do questionário apresentou outra situação: falta de elos do conteúdo ensinado com situações concretas. Uma pessoa que desconheça o que é variável (e sua importância no desenvolvimento da análise de dados) e não domine a compreensão e leitura de representações gráficas (instrumento que representa o comportamento da variável), certamente apresentará dificuldades de elaborar informações a partir dos dados disponíveis. Esse indivíduo também apresentará dificuldades de se situar frente ao conhecimento estatístico, deficiência em lidar com dados quantitativos para interpretar diferentes situações cotidianas (mesmo as mais simples). Essas deficiências, caso não sejam resolvidas, podem inclusive comprometer a continuidade dos estudos da Estatística. Com o decorrer das diversas etapas de entrevistas foi possível perceber mudanças de percepção em relação ao alcance da Estatística. Porém, ao mesmo tempo em que horizontes se ampliavam, algumas visões permaneceram inalteradas. Inicialmente, devido a ideias trazidas do Ensino Médio, a Estatística ainda não era considerada instrumento capaz de ajudar a entender determinadas realidades. Persistia a visão de algo que lidava com conceitos esparsos e pouco aplicados. Em geral, os alunos consideraram que as aplicações começaram a ganhar alguma visibilidade ao longo da Estatística I, mesmo que as situações estudadas ainda não fossem associadas a situações reais. Conceitos fundamentais como média, moda, variância e desvio padrão começaram a ter suas aplicações melhor compreendidas. Na Estatística II o cálculo de probabilidades passou a fazer parte das análises de dados e novas aplicações foram vistas. As aplicações do conhecimento estatístico foram percebidas com maior intensidade quando da sua utilização como linguagem e instrumento de resolução de problemas em outras disciplinas. Então, a versatilidade da Estatística se fez presente, habilidades foram desenvolvidas, a disciplina tornou-se relevante, sua inserção em situações complexas foi reconhecida. Sua utilidade como instrumento de comunicação e a relatividade de seu alcance e sua necessidade foram compreendidos. Porém, não foram esses apenas os aspectos da formação estatística constatados na formação do Engenheiro de Produção. 183 Ao mesmo tempo, o profissional que deve ter a habilidade de trabalhar em equipes multidisciplinares apresenta aspectos de fragmentação na sua formação estatística. Consideramos fragmentação a falta e/ou dificuldade em articular a Estatística à análise de algum objeto que pode ser estudado mobilizando o conhecimento desse campo. Primeiramente, apesar da percepção da variada aplicabilidade da Estatística, os entrevistados não identificaram como tratar de demandas sociais ou então as associaram com aquela que é gerada pelo mercado consumidor. Outro aspecto do conhecimento fragmentado foi a falta de associação entre as modalidades de comunicação oral, escrita e gráfica e à última foi atribuída a primazia da expressão de dados. Até o momento da última entrevista ainda havia quem não percebesse a importância de se comunicar oralmente. Tendo em vista que a futura profissão está ligada à convivência entre pessoas em um ambiente de trabalho, existe a necessidade de desenvolver a habilidade de explicar oralmente como dados devem ser aplicados e os procedimentos operacionais cumpridos. Um dos aspectos evidentes da fragmentação do pensamento, tanto do questionário quanto das entrevistas, foi a consideração de que a ética e a avaliação de impactos de atividades da engenharia (na sociedade e no ambiente) são assuntos que podem ser tratados de forma privada em cada instituição. O pensamento fragmentado também existiu quando não foi articulada a compreensão de problemas socioeconômicos e ambientais à Estatística, mesmo sabendo que ela pode ser utilizada para traduzir o pensamento dos economistas. Essa concepção materializa a negação de que a sociedade na qual o Engenheiro vive está submetida às suas condições econômicas. Outra dificuldade de associação pode ser percebida quando o aluno de Engenharia não entende que é necessário adaptar os instrumentos estatísticos aplicados ao planejamento e supervisão da produção para estudar situações de caráter social. Continuando a tratar das percepções obtidas dos entrevistados, a manipulação, a previsão e o controle foram três concepções da presença da Estatística encontradas nos depoimentos. A possibilidade de manipular a apresentação de resultados segundo conveniências e diferentes interesses foi uma preocupação apontada durante os depoimentos, pois a desvirtuação do trabalho estatístico pode levar a distorções da percepção da realidade. Em geral, os comentários referiram-se exatamente aos usos enviesados do produto de uma 184 pesquisa estatística. Quando o resultado do tratamento de dados não está mais sob o controle de quem os obteve, aquele que os detiver pode divulgá-los de forma honesta ou não. Isso implica em considerações éticas, pois dados distorcidos podem influenciar a opinião pessoal de diferentes indivíduos, de forma a favorecer o portador de determinado ponto de vista. Para os alunos, outra importante aplicação da Estatística seria a possibilidade de servir como instrumento de planejamento e/ou previsão de ações ou quadros futuros. Ela é importante em diferentes tipos de planejamentos, sejam eles da esfera pública ou privada e auxilia a decidir frente a diversas possibilidades. Ao mesmo tempo, possibilita descrever e detalhar influências da atividade industrial sobre ambiente e a sociedade. A análise estatística pode também ser utilizada para prever o esgotamento de fontes de recursos ou a proporção de dejetos e resíduos que o ambiente suporta, ou mesmo determinar valores máximos de poluentes que se permite liberar no ambiente. A Estatística é válida como instrumento de trabalho pelo fato de antecipar possibilidades, mas da mesma forma que os dados manipulados podem favorecer determinados interesses e influenciar a opinião pública, o mau uso de instrumentos estatísticos no planejamento e previsão também acarretam graves consequências para a sociedade. É problemático quando alguém, de posse de dados sobre riscos de um empreendimento toma uma decisão sem preocupação com a ética, mesmo ciente da possibilidade de graves danos ambientais e sociais. Esses riscos devem ser considerados pelos profissionais em formação, tendo em vista que resultados futuros não espelham necessariamente o planejamento. As atividades industriais são altamente impactantes para o ambiente e as considerações sobre o fato não podem ficar apenas a cargo das disciplinas ligadas ao controle de produção ou de gestão ambiental. Passando da previsão ao controle, outro uso da Estatística consiste em elaborar planos para controle de falhas na produção, pois a perda de insumos para os quais não se conhecem processos de reutilização constitui-se em problema ambiental. Portanto, existe a necessidade de cada vez mais refinar determinados processos de controle, como no caso das redes de distribuição de eletricidade. O problemático é pautar as aplicações da Estatística tanto no planejamento quanto no 185 controle e deixar de lado outros problemas. Existem outras necessidades como, por exemplo verificar quais são os impactos ligados à produção industrial. A perspectiva de que tudo pode ser mensurado para identificar padrões dentro de margens de erro não pode fazer do conhecimento estatístico um instrumento apenas de verificação voltado para a lucratividade de um empreendimento. Perspectivas, implicações e/ou recomendações As contribuições desta pesquisa não terão reflexos diretos ou mesmo a curto prazo sobre os alunos entrevistados mas, contribuiu para o próprio desenvolvimento pessoal e profissional do autor, tanto do ponto de vista do professor quanto do pesquisador. Do ponto de vista do professor, os resultados servem de alerta e, ao mesmo tempo, de estímulo. O alerta refere-se aos procedimentos de aula e a necessidade de cada vez mais buscar meios de articular os saberes de uma disciplina a diferentes contextos. Não basta focalizar apenas o desenvolvimento econômico ou tecnológico, pois seria continuar atrelando a formação profissional ao panorama de descuido com a vida e o planeta. A necessidade de formar Engenheiros cada vez mais competentes para o desempenho de suas funções não pode ser dissociada de sua preparação para o exercício da cidadania. Não se trata de uma cidadania que visa apenas o direito ao consumo em decorrência do acúmulo de riqueza. Na sociedade em que vivemos, cabe a quem domina os diferentes saberes científicos preocupar-se não apenas em proteger o patrimônio material, mas também avaliar as consequências da aplicação conhecimento elaborado no ambiente escolar. As Ciências e seus desdobramentos tecnológicos não podem ficar à mercê de aspectos utilitários, tais como o binômio lucro/prejuízo. Continuar com o modelo de ensino científico atual significa manter o aprisionamento a um padrão de aprendizagem que tem rendido catástrofes sociais e ambientais ao ser humano nos últimos três séculos. Portanto, é necessário um ensino de Estatística que contribua para desenvolver a percepção de que a disciplina é um instrumento capaz de contribuir para melhorar as condições de vida das pessoas nas sociedades contemporâneas e não apenas inserir o indivíduo no mercado de trabalho. 186 O estímulo ao professor é perceber que existe a possibilidade de modificar alguns cenários, a começar pelo próprio exercício da profissão. Lévy (2006) nos lembra que onde há seres humanos reunidos, munidos das tecnologias ao seu alcance, há troca de perspectivas e partilha de conhecimento. O objetivo de investigar a formação estatística de estudantes de um Curso Superior de Engenharia de Produção foi cumprido. Como ocorre essa formação? A princípio, no grupo pesquisado, da forma tradicional, apartada de maiores usos de TICs, apoiado na resolução repetitiva de exercícios e semirrealidades. O principal reflexo no caso é um conhecimento fragmentado, a serviço da medição e do controle. Esse aspecto ajuda a evidenciar outra função do ensino de Estatística: ele deve, desde o início, articular a compreensão dos conceitos com aplicações em situações reais, objetivando romper o isolamento entre a Academia, o mercado de trabalho e o mundo fora do ambiente da indústria. Por outro lado, deve também servir de instrumento de ruptura do isolamento disciplinar. Quais fragilidades e concepções equivocadas referentes ao conhecimento estatístico foram reveladas e percebidas nesses alunos da Engenharia de Produção? Entre as fragilidades encontradas, a ideia de que o conhecimento científico não tem valor por si próprio ou apenas pelas aplicações que se imaginem para ele. Além disso, existem indícios de uma orientação da Estatística para controle, previsão e medição incessantes, ou seja, de alinhamento (mesmo que involuntário) a uma formação concebida no século XIX. Como o Plano de Curso e os instrumentos de ensino e de avaliação da Estatística dialogam com as necessidades dos futuros engenheiros de Produção? Dialogam em parte com as necessidades de aprendizagem técnica para o desempenho da futura profissão. Falta a perspectiva de articular saberes das outras disciplinas em relação à Estatística mostrando, desde o início, que este conhecimento tem vasta aplicabilidade. Existe a necessidade de estabelecer um real diálogo entre as áreas e as disciplinas não devem apenas servir de pré requisito para os demais elementos presentes na matriz curricular. A formação do grupo pesquisado mostrou que a continuidade da obtenção de significados e aplicações dos conceitos ficou ao encargo de outras disciplinas, que podem ou não lançar mão de um conteúdo considerado já sabido na sua plenitude. Logo, é importante a 187 aproximação dos professores que trabalham nesse curso, para chegar a um consenso sobre possibilidades de articular diferentes saberes durante a graduação, ao mesmo tempo em que se respeitem as peculiaridades de cada área. Ao mesmo tempo, percebeu-se a falta orientação para articular o conhecimento estatístico ao mundo fora das atividades do Engenheiro. O ensino não deve ter somente a perspectiva de atender a demandas industriais, deixando outras perspectivas fora do campo de domínio da disciplina. Em pleno século XXI, quando a própria entidade de classe aponta a necessidade de formar um cidadão que é engenheiro, o panorama na graduação ainda é o do início do século XX: forma-se o engenheiro que é conhecedor especializado. Existe uma necessária especialização de aprendizagem que é imposta pela formação técnica, mas não se pode deixar de abordar os diferentes sentidos para os termos precisão, subjetividade e objetividade, quando se trata de assuntos científicos. Que demandas foram explicitadas? Primeiramente, entre os próprios entrevistados existe a percepção das disciplinas não articuladas entre si, prevalecendo a concepção de curso fragmentado. Outro ponto explicitado foi a necessidade de perceber a Estatística básica aplicada em diferentes situações e não à espera de sentidos para seus conceitos. Uma terceira demanda, agora implícita, é a necessidade de tratar mais da compreensão dos conceitos estatísticos do que das fórmulas, pois estas são um elemento a mobilizar depois que outras compreensões foram obtidas. Outra demanda também implícita é levar o ensino de Estatística para o domínio da literacia e desenvolvimento do pensamento estatístico. Um passo a dar para ultrapassar a fragmentação de saberes, seria tratar assuntos relevantes e perceber que as aplicações do conhecimento estatístico não podem servir apenas para medir, prever e controlar. Fora da Academia e da indústria existe uma sociedade que necessita ser estudada, compreendida e atendida em suas demandas, o que abre possibilidades para a identificação do caráter social da elaboração do conhecimento. A professora da turma nos lembrou que estamos em uma era na qual tudo é medido com objetivo de obter dados, usados na geração de informações sobre comportamentos, doenças, educação ou qualquer fato que se queira conhecer. Assume, portanto, a importância da Estatística como instrumento de investigação do 188 mundo. O argumento ético também está presente nas suas declarações e, na sua opinião, a ética e a responsabilidade da profissão relacionam-se ao poder e, atualmente, quem detém conhecimento controla o poder. Ela também considera que os instrumentos estatísticos podem ser utilizados para examinar as relações de poder na sociedade e os interesses que movem diferentes atores. Outro aspecto importante colhido no depoimento da professora foi a sua dificuldade de descrever qualitativamente um fenômeno, pois não lhe é natural articular os pensamentos qualitativo e quantitativo. Disse também que deseja ter a experiência de fazer uma pesquisa qualitativa, mas não entende como estudar com profundidade uma questão sem buscar padrões numéricos. Ao mesmo tempo em que assume as suas fragilidades, encontra-se receptiva a novas possibilidades de trabalho. Isso pode ser percebido em outra fala, quando considera variável um conceito simples, percebe que os alunos apresentam dificuldades de compreensão, não sabe o motivo dessa dificuldade e desconhece alguma sistematização que permita proceder com sucesso a conceituação. Essas preocupações podem ser as mesmas de outros profissionais que ensinam Estatística. Existe, portanto, a necessidade de buscar novas perspectivas para o professor trabalhar o conhecimento estatístico. Materiais didáticos, novos usos para as tecnologias existentes, renovação curricular e outras formas de tratar esses conteúdos nos livros são algumas necessidades imediatas. Na concepção desta pesquisa não se pensou, por exemplo, no acompanhamento das aulas dos cursos de Estatística I e II. Isso certamente será necessário, por exemplo, para acompanhar as fases de preparação e teste de novos materiais didáticos. Existem instrumentos para materializar todas essas ações necessárias, desde a utilização de tecnologias com objetivos bem definidos às propostas pedagógicas e de avaliação (que estão no referencial teórico deste trabalho e provavelmente em outras obras às quais ainda não tivemos acesso). Porém, o domínio do pensamento, das técnicas e da literacia estatística devem ter como finalidade uma tríplice libertação, que se daria da seguinte forma: 1) sobre os ombros do professor deixa de pesar as responsabilidades de juiz e fonte do saber; 2) o aluno fica livre das rotinas que não fazem mais sentido em uma época na qual os instrumentos eletrônicos têm capacidade de processamento maior do que 189 equipes de calculistas profissionais possuíam há cerca de 50 anos atrás; 3) sobra tempo para professor e aluno cumprirem o objetivo principal da sua presença na escola, que é desenvolver conhecimento. Atividades investigativas e apelo à realidade dos dados divulgados diariamente servem para aproximar ambos de diferentes realidades. O Engenheiro que sair desse ensino, a princípio, comunicar-se-ia melhor com seus semelhantes utilizando diferentes meios, seria mais hábil na leitura, escrita, comunicação oral e decodificação de mensagens visuais, livre de amarras burocráticas e poderia ver o seu lugar na profissão e na sociedade. Essa abertura intelectual também serviria para situar o outro não apenas como um dado, mas como um semelhante a si mesmo. Para que a formação do Engenheiro ocorra da forma aqui defendida, é necessário colocar o aluno diante de contextos diversos e complexos para que ele aprenda a avaliar diferentes situações mediante a utilização dos conteúdos estudados durante a graduação. De grande importância é aprender a lidar com situações abertas, cujos padrões de resolução não foram previamente estabelecidos. O professor que atuou como pesquisador não terminou a pesquisa apenas sabendo um pouco mais sobre uma Ciência, mas saiu consciente da necessidade de mudar determinados panoramas de formação técnica. Sai na companhia de pensadores com os quais entrou: pessoas do porte intelectual de Demo (2000 e 2006), Feyerabend (1991, 1996, 2001, 2007, 2010 e 2011) e Skovsmose (2001, 2007 e 208), que fizeram com que ele enxergasse as armadilhas e prisões que podem estar ocultas em um discurso de progresso e liberdade. O pesquisador ficou satisfeito, pois saiu de seu referencial teórico e encontrou novos objetivos e perspectivas para o conhecimento. A orientação recebida teve grande peso no processo. Não contou apenas a obra anterior da orientadora, mas o elemento principal foi a sua capacidade de, no diálogo franco e aberto, apresentar aspectos para os quais jamais pesquisador e professor havia atentado. Se o fruto da pesquisa terá impacto sobre a aprendizagem de outra pessoa, só o curso do tempo para sabê-lo. 190 Em todos os níveis de escolaridade é importante associar o conteúdo técnico à realidade do estudante e os cursos de Engenharia costumeiramente não cuidam da realidade fora do ambiente industrial, resultando profissionais que sabem especialmente lidar muito com equipamentos e instalações. Porém, é o ser humano que põe toda a estrutura em funcionamento e ele também deve ser foco de atenção. O ideal seria a Educação não cumprir apenas a tarefa de tornar o indivíduo hábil para manipular seus conceitos, desafiando-o sempre a romper o estágio de conhecimento em que se encontra. O estudante de Engenharia necessita ser constantemente estimulado a observar possíveis consequências de sua atuação e isso seria um grande passo para que o Engenheiro de Produção, além de um técnico qualificado, torne-se um cidadão atuante na sociedade. 191 REFERÊNCIAS AGUIAR JUNIOR, O. et al. 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São Paulo: Summus, 1993. 199 ANEXOS ANEXO A - Plano de curso de Estatística I 200 201 202 ANEXO B - Plano de curso de Estatística II Curso: ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Unidade Curricular: ESTATÍSTICA II Professor(es): Período Letivo: 2013/2 Carga Horária: 45H OBJETIVOS Gerais: Apresentar os conceitos fundamentais de Probabilidade e Estatística e suas aplicações em Engenharia. Específicos: Fazer cálculos que envolva a probabilidade de eventos. Compreender o que é um processo aleatório e as informações que os cálculos de probabilidade transmitem. Compreender os conceitos básicos de probabilidade e de distribuição de probabilidade. Compreender os princípios básicos da amostragem e as técnicas para estimar o tamanho de uma amostra. Conhecer as técnicas de formulação de hipótese e a verificação da significância dos testes. Compreendera as técnicas e os testes de comparação de duas ou mais médias. EMENTA VARIÁVEIS ALEATÓRIAS, DISTRIBUIÇÃO BINOMIAL, DISTRIBUIÇÃO DE POISSON, DISTRIBUIÇÃO NORMAL E DISTRIBUIÇÃO EXPONENCIAL. AMOSTRAGEM, ESTIMAÇÃO DE PARÂMETROS, INTERVALO DE CONFIANÇA, ESTIMATIVA DO TAMANHO DE UMA AMOSTRA, MARGEM DE ERRO, TESTE DE HIPÓTESE E SIGNIFICÂNCIA, DISTRIBUIÇÃO T DE STUDENT. COMPARAÇÃO DE DUAS MÉDIAS E TESTE DE HIPÓTESE PARA DIFERENÇA DE DUAS MÉDIAS. ANÁLISE DE VARIÂNCIA. PRÉ-REQUISITO Estatística I CONTEÚDOS CARGA HORÁRIA UNIDADE I: Variáveis aleatórias e distribuição de probabilidade 1.1. Definição de variável aleatória 1.2.Distribuição de probabilidade; 1.3.Valor esperado e variância de uma variável aleatória; 1.4.Distribuição binomial e distribuição de Poisson; 1.5.Variável aleatória continua; 1.6.Distribuição de probabilidade continuas; 1.7.Distribuição Normal; 1.8. Distribuição Exponencial; 1.9. p-value. 15 203 UNIDADE II: Técnicas de amostragem 2.1. População e amostra; 2.2. Tipos de amostragem; 2.3. Distribuição amostral dos estimadores; 10 2.4. Estimação por ponto e por intervalo; 2.5. Intervalo de confiança; 2.6. Estimativa do tamanho de uma amostra; Margem de erro. UNIDADE III: Teste de hipótese e significância 3.1. Procedimentos básicos para realizar teste de hipótese; 3.2.Distribuição t de Student e teste de hipótese; 20 3.3.Teste de hipótese para diferença de duas médias; 3.4. Análise de variância; ESTRATÉGIA DE APRENDIZAGEM Aulas Expositivas Interativas. Aplicação de listas de exercícios. Uso de software. Atendimento individualizado. RECURSOS METODOLÓGICOS São os recursos materiais utilizados como suporte ou complemento para o desenvolvimento do programa da disciplina: quadro e marcadores; computador; projetor de multimídia; dvds; software. AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM Critérios: Será priorizada a produção discente, sobretudo a articulação entre o saber estudado e a solução de problemas que a realidade apresenta. A avaliação processual se dará durante as aulas em atividades propostas aos alunos de forma individual ou em grupo. Instrumentos: Avaliação individual; Trabalho em grupo. Bibliografia Básica (títulos; periódicos etc.) Título/Periódico Autor Ed. Probabilidade: Aplicações à Estatística Paul L. Meyer 2ª Probabilidade e estatística para engenharia e ciência Estatística aplicada e Probabilidade para engenheiros Introdução à Estatística Local São Paulo DEVORE, Jay L. Editora Ano LTC 2000 Thomson 2006 MONTGOMERY, D.C.; RUNGER G.C. 5ª. Rio de Janeiro LTC 2003 TRIOLA, Mario F. 11ª. Rio de Janeiro LTC 1999 Local Editora Ano São Paulo Makron Books 1999 Bibliografia Complementar (títulos; periódicos etc.) Título/Periódico Estatística básica Estatística para os cursos de: economia, administração e ciência contábeis. V. 2 Autor Ed. MORETIN, L.G. SILVA; E.M et al. 1ª. São Paulo 1977 204 ANEXO C - Lista de exercícios 205 206 207 ANEXO D - Prova 209 APÊNDICES APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Declaro, por meio deste termo, que concordei em responder ao questionário, ser entrevistado (a) e participar na pesquisa de campo referente ao projeto de pesquisa intitulado “A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA DE FUTUROS ENGENHEIROS”, desenvolvido por Geraldo Bull da Silva Júnior. Fui informado(a), ainda, de que a pesquisa é orientada pela Profa. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes, a quem poderei contatar/consultar a qualquer momento que julgar necessário através do telefone nº 19 3869-5217 ou e-mail: [email protected]. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado(a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é analisar o processo de aprendizagem estatística de futuros engenheiros por meio do desenvolvimento de um projeto investigativo utilizando Modelagem Matemática e os meios materiais disponíveis na instituição, não implicando em qualquer transtorno ao andamento da disciplina em questão. Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio das informações expressas no questionário, na entrevista semi-estruturada, autorização das imagens realizadas durante os encontros de desenvolvimento do projeto e na apresentação pública do mesmo. A colaboração de cada um se fará de forma anônima, por meio das informações expressas em questionário, em entrevista semi-estruturada, em gravações, fotografias e/ou filmagem autorizada pelos envolvidos. As imagens e gravações realizadas durante os encontros de desenvolvimento do projeto preservarão a identidade de estudantes e da professora e o acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo pesquisador e sua orientadora. Autorizo a divulgação dos dados produzidos por meio de textos acadêmicos. Cariacica, ES, ____ de _________________ de _______. Assinatura do pesquisador: ______________________________________________________ Assinatura da testemunha: ______________________________________________________ 210 Apêndice B - Questionário de perfil estudantil Projeto de Pesquisa: “A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA DE FUTUROS ENGENHEIROS” Doutorando: Prof. Ms. Geraldo Bull da Silva Júnior Orientadora: Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes QUESTIONÁRIO - PERFIL ESTUDANTIL 1) Nome:__________________________________________________________________ 2) E-mail:___________________________ 3) Data de Nascimento:____________ 4) Semestre em que estuda:_______________ 5) Você já fez outro curso superior? Qual? _________________________________ 6) Você fez curso técnico? Qual?______________________________________ 7) Você fez Ensino Médio regular ou EJA?________________________________ 8) Você estudou Estatística durante o Ensino Médio? ________________ 9) O que significa Estatística para você? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 10) RESPONDA OS ITENS A SEGUIR APENAS SE VOCÊ JÁ CURSOU A DISCIPLINA DE ESTATÍSTICA EM ALGUM SEMESTRE NO PASSADO. a) Como você avalia a disciplina de Estatística cursada anteriormente? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ b) Cite conhecimentos que ela lhe trouxe. __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 11) Você é capaz de diferenciar variável qualitativa de variável quantitativa? Se a resposta foi sim, cite um exemplo de cada tipo de variável. __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 211 12) Você é capaz de diferenciar variável discreta de variável contínua? Se a resposta foi sim, cite um exemplo de cada tipo de variável. __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 13) Dentre os modelos de gráficos que já foram trabalhados, quais você julga que melhor se adaptam à descrição de variáveis qualitativas e melhor se adaptam à descrição de variáveis quantitativas? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 14) Dentre os modelos de gráficos que já foram trabalhados, quais você julga que melhor se adaptam à descrição de variáveis contínuas e melhor se adaptam à descrição de variáveis discretas? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 15) Você saberia atribuir significados para a palavra variabilidade? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 16) Você considera que alguns usos da Estatística e da Matemática podem influenciar o comportamento de setores da sociedade e de profissionais de diferentes áreas? Caso tenha respondido sim, cite alguns aspectos sociais e profissionais que você percebe sofrer influências? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 17) Você considera que alguns usos da Estatística e da Matemática podem contribuir para reconhecer aspectos sociais e políticos da sua futura profissão? Caso tenha respondido sim, que aspectos você gostaria de mencionar? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 18) Quais sugestões você teria para as aulas de Estatística? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 212 Apêndice C - Entrevista semiestruturada ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA Data: Horário: Local: Tempo de duração: Nome do entrevistado: 1) O que o(a) motivou a escolher o curso de Engenharia de Produção? 2) Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia de Produção constam diversas habilidades que devem desenvolvidas durante a formação do engenheiro de produção: - comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica; - atuar em equipes multidisciplinares; - compreender e aplicar a ética e a responsabilidade da profissão; - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental. Você vê possibilidades de ligações/conexões/relações entre a Estatística aprendida nas aulas e as habilidades citadas? Se sim: Quais são as ligações/conexões/relações que você vê? Se não: Você pensa que o que aprendeu em Estatística (ou a forma como ela foi desenvolvida) não permite a você estabelecer essas ligações/conexões/relações? 3) Um documento elaborado após diversas reuniões do grupo de trabalho da ABEPRO (Associação Brasileira de Engenharia de Produção) para a graduação recomenda que o formando tenha um perfil que inclui a capacidade de considerar aspectos humanos, econômicos, sociais e ambientais, dentro de uma visão ética e humanística, atendendo às demandas da sociedade. Você vê possibilidades de utilizar os conteúdos de Estatística como instrumento para identificar influências que os sistemas de produção exercem sobre o ambiente? Se sim: Em relação à utilização de recursos escassos e ao destino final de resíduos e rejeitos existe a necessidade de atentar para a exigência de sustentabilidade. Como o seu conhecimento estatístico pode colaborar no estudo dessas situações? Se não: Por que você se vê impossibilitado de perceber possibilidades de utilizar o conhecimento estatístico na análise de situações descritas na pergunta? 4) O documento da ABEPRO citado na pergunta anterior vê a necessidade de: - ter capacidade de identificar, modelar e resolver problemas; 213 - ter a compreensão dos problemas administrativos, socioeconômicos e do meio ambiente; - ter responsabilidade social e ambiental; - “Pensar globalmente, agir localmente”; Você poderia dizer se a Estatística pode ser ligada a essas habilidades? Se sim: Como se dariam essas ligações? Se não: Por que você pensa que essas habilidades não têm ligações com o conhecimento estatístico? Por quê? 5) Você vê ligações entre o conteúdo de Estatística estudado, demandas sociais e posicionamento político nos elementos citados nas perguntas anteriores (posicionamento político, mas não partidário)? 6) Até o presente momento, em relação à sua formação em Engenharia de Produção, que temas da Estatística foram mais significativos para você? Você pode explicar por que? 7) Você gostaria de acrescentar alguma coisa? Ou fazer comentários/considerações?