Cultura > “Prof. Lúcio Craveiro da Silva” – Univ. do Minho (Braga) – 15-10-2014 [Foto de Avelino Lima] QUARTA-FEIRA • 26 DE NOVEMBRO DE 2014 Diário do Minho Este suplemento faz parte da edição n.º 30507 de 26 de novembro de 2014, do jornal Diário do Minho, não podendo ser vendido separadamente II Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014 Diário do Minho Amanhã, na Universidade do Minho Colóquio de homenagem ao Prof. Lúcio Craveiro da Silva Ocorre amanhã, 27 de novembro, o 1.º Centenário do Nascimento do Prof. Lúcio Craveiro da Silva, sacerdote jesuíta que foi Reitor da Universidade do Minho (o primeiro reitor eleito em Portugal, por sua própria exigência...). Homem de elevadíssima cultura e de grande visão estratégica, tinha também uma maneira muito particular de se relacionar com as pessoas, fossem elas ou não do seu nível cultural. O “Diário do Minho”, através deste caderno cultural, associa-se à homenagem que é promovida pela Universidade do Minho e pela Biblioteca de que é patrono. Para o efeito, para além do número que lhe dedicámos há uma semana, editamos hoje um caderno especial que reúne “testemunhos” de algumas pessoas que lidaram de perto com o Prof. Lúcio Craveiro. Este sacerdote, falecido em agosto de 2007, tendo nascido em Tortosendo (Covilhã), fez de Braga “a sua casa” – e esta muito lhe deve, como aliás já reconheceu ao atribuir o seu nome a uma das suas instituições mais “nobres”: a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. 1.º Centenário do Nascimento Programa do Colóquio / Homenagem Universidade do Minho – Salão Nobre da Reitoria – Largo do Paço – Braga – 27 de novembro de 2014 — Entrada livre 09h00 – Abertura: António M. Cunha (Reitor da Universidade do Minho); António Ponte (Diretor Regional de Cultura do Norte em representação do Secretário de Estado da Cultura); Miguel Bandeira (Vereador da C. M. de Braga em representação da Edilidade bracarense); Eduarda Keating (Presidente do Conselho Cultural da UMinho); Eunice Ribeiro (Presidente do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho). 09h45 – Lúcio Craveiro da Silva e a abertura ao exterior. Moderador: João Ribeiro Mendes (do Instituto de Letras da UMinho). Participantes: Manuel Morujão (Superior dos Jesuítas em Braga) – O perfil humano de serviço de Lúcio Craveiro da Silva; Henrique Barreto Nunes (Vice--Presidente do Conselho Cultural da UMinho) – Lúcio Craveiro da Silva e o Conselho Cultural; Aida Alves (Diretora da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva) – Apresentação do site sobre o patrono da Biblioteca. 11h30 – Lúcio Craveiro da Silva na Univ. do Minho: A visão de ex-Reitores. Moderador: Acílio Estanqueiro Rocha (Departamento de Filosofia do Instituto de Letras da UMinho). Participantes: Sérgio Machado dos Santos, Licínio Chainho Pereira e António Guimarães Rodrigues. 14h30 – Lúcio Craveiro da Silva na “construção” de uma Universidade. Moderador: Luís Diário do Minho Cultura N.º 778 26.Novembro. 2014 Lobo-Fernandes (Escola de Economia e Gestão da UMinho). Participantes: Adriano Moreira (Academia das Ciências de Lisboa): Lúcio Craveiro da Silva: Construção de uma Universidade (Minho e Évora); F. Carvalho Guerra (Univ. Católica Portuguesa) – Lúcio Craveiro da Silva; Manuel Santos Silva (Univ. da Beira Interior): Lúcio Craveiro da Silva: um humanista beirão; Fátima Ferreira (Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da UMinho): Lúcio Craveiro da Silva e o ensino superior no norte de Portugal. 16h30 – Lúcio Craveiro da Silva – Homem de Pensamento. Moderador: Manuel Gama (Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho). Participantes: António Melo (Faculdade de Filosofia da Univ. Católica / Braga): Apresentação da tradução da obra “Curso de Filosofia Moral”, de Lúcio Craveiro da Silva; Manuel Ferreira Patrício (Universidade de Évora): A presença da radicalidade universal na filosofia situada de Lúcio Craveiro da Silva; Acílio Estanqueiro Rocha (Depart. de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho): O Pensamento Filosófico de Lúcio Craveiro da Silva; Fernando Machado (Depart. de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho): Lúcio Craveiro da Silva, o jesuíta que se preocupou com a felicidade na terra – um olhar sobre o social; José Marques Fernandes (Depart. de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho): Lúcio Craveiro da Silva ‘iluminado’ por Antero de Quental. Envio de trabalhos para publicação neste suplemento Diário do Minho / Secção Cultural Rua de S.ta Margarida, 4 - 4710-306 Braga; Fax: 253609469. E-mail: [email protected] Diário do Minho Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014 III A responsabilidade de ser o primeiro Damião Pereira Diretor do Diário do Minho O Prof. Doutor Lúcio Craveiro da Silva, de que amanhã se comemora o 100.º aniversário do nascimento, foi (e continua a ser) uma das mais ilustres e prestigiadas figuras da cultura portuguesa – e, por maioria de razão, da “cultura bracarense”. A sua ação como diretor da Faculdade de Filosofia de Braga (embrião da Universidade Católica Portuguesa), que ajudou a fundar e a desenvolver, e como reitor da Universidade do Minho (e, posteriormente, presidente do seu Conselho Cultural), seria, por si só, motivo mais que suficiente para merecer as mais subidas honrarias e para perpetuar a sua memória – que Braga, felizmente, soube já referenciar ao atribuir o seu nome a uma das suas mais importantes valências culturais: a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. Todavia, o agora homenageado não se distinguiu apenas como gestor de instituições académicas que transformaram por completo o panorama cultural bracarense e nacional. Ele foi também um Académico de nível superior, com um “Pensamento” peculiar no âmbito da Filosofia e da Cultura Portuguesa. E foi também um sacerdote (jesuíta) de grande e reconhecida espiritualidade, que assumiu em pleno a sua “condição” de padre – como, aliás, deixou inequivocamente expresso no seu único livro de poemas (“Pègadas no Caminho”), nomeamente quando afirma: “Senhor, / és a minha única esperança / na dor e na alegria, / na vida e na morte / desde que ouvi a Tua voz”... Finalmente (mas não menos importante!), o Prof. Lúcio Craveiro foi um “homem de afetos”, como lucidamente salientou o Prof. Aníbal Alves em artigo publicado, na passada semana, neste mesmo suplemento. A sua ímpar capacidade de relacionamento com os outros é por todos reconhecida – e salientada nos diversos “testemunhos” que divulgamos neste número do caderno “Cultura”, a cujos autores agradecemos a disponibilidade para se associarem ao “Diário do Minho” nesta singela homenagem a um dos Homens que, pelo que fez em vida, conseguiu vencer a morte! ◗ Distingue-se na história das Academias Universitárias o facto de o Doutor Lúcio Craveiro da Silva ter sido o primeiro reitor de Portugal eleito por sufrágio directo. Um pormenor que se reveste de um significado muito particular. Em primeiro lugar, foi o reconhecimento inequívoco de uma liderança madura quando as universidades viviam ainda tempos de gestação. Dadas as abundantes provas do seu valor, em múltiplas ocasiões e circunstâncias, o génio de Lúcio Craveiro da Silva foi reconhecido individualmente pelos seus pares. Quando alguém abre horizontes é, com naturalidade, tido como uma referência. Neste caso, podemos afirmar que se constituiu como o alicerce seguro no edifício de uma nova universidade envolta em desafios. Fê-lo em virtude da sua com- petência universitária, da sua capacidade de ver o todo de um projecto que nascia e do seu engenho ao integrar diferentes visões para a construção de uma identidade nacional. Eram tempos onde o conhecimento hospedava a promessa de construir um futuro melhor. Em segundo lugar, gostaria de salientar outra dimensão estruturante da vida do Doutor Lúcio Craveiro da Silva. Ninguém ignorava a sua vocação e a sua condição de padre. Ao mesmo tempo, jamais alguém ousou afirmar que impunha as suas convicções. Vários testemunhos relatam que interpelava, ao invés, pelos valores em que acreditava, mesmo quando o silêncio das palavras se sobrepunha ao testemunho das atitudes e comportamentos. Os cargos de responsabilidade, quando solicitados, devem ser ocupados sem medo. Neste sentido, gostaria de evocar o Programa Pastoral da Arquidiocese centrado nas exigências da Fé que se faz vida. Fé que se D. Jorge Ortiga Arcebispo Primaz faz vida e que simultaneamente grava presença nos círculos estruturantes de qualquer biografia humana: cultura, economia, política e família. São espaços concretos onde a fé deve assomarse em todo o seu esplendor. Poderá este diálogo cultural e religioso nutrir um estilo eloquente de perpetuar a memória do Professor Lúcio Craveiro? Estou certo que sim. Assim como estou certo – ao olhar para o testemunho deste padre jesuíta – que os valores e a consciência católica comungam dos mesmos ideais do ensino superior. ◗ Lúcio Craveiro da Silva: Um Homem de todos os tempos “Pègadas, no caminho da vida, são momentos ricos que passaram e permanecem vivos como testemunhas da caminhada. Conservei apenas algumas, quase ao acaso; as outras, a maioria, resolvi, bem ou mal, apagá-las.” Lúcio Craveiro da Silva foi um Homem de ‘pegadas’ únicas, cujas marcas deixadas pela sua passagem irão prevalecer infindavelmente. Uma pessoa que trilhou o seu caminho num longo percurso repleto de sucesso, tornando-se numa referência para todos, desempenhando um papel preponderante para Braga. Homem insubstituível, figura tutelar da Cultura nacional e local, deixou-nos uma obra que considero simplesmente memorável. Filósofo, Professor, Sacerdote, Poeta... Lúcio Craveiro da Silva congregou em si várias ‘personagens’, todas elas de um relevo incomparável. Braga é uma Cidade que honra o seu legado, e a aposta na Cultura terá sempre que contar com o contributo insofismável deste notável, que dedicou a sua vida à causa pública. Foi o primeiro Reitor eleito em Portugal, facto que só de si merece especial destaque e muito nos enche de orgulho. Ilustre personalidade Bracarense, o seu nome não podia estar dissociado do projecto comum entre a Câmara Municipal de Braga e a Universidade do Minho, tornandose o patrono da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. Condecorado como Grande Oficial da Ordem da Instrução Pública privilegiava o diálogo e deixou um rasto de tolerância, agregando pensamentos e convicções, tornando-se num ícone moral da sociedade atual. Lúcio Craveiro da Silva elevou o patriotismo dos seus textos, clamando a Liberdade, e como é timbre dos verdadeiros notáveis, mais do que um homem do seu tempo, ele foi um homem de todos os tempos, distinguindo-se pela sua lucidez e audácia, que não cediam às modas do momento, nem se deixavam levar pelo aplauso fácil das maiorias dominantes. Reconhecimento e gratidão são actos que enobrecem o ser humano. Os bons exemplos precisam passar por esse processo, pois espalham uma semente Ricardo Rio Presidente da Câmara Municipal de Braga positiva na sociedade e, no dia em que se celebra o primeiro centenário do seu nascimento, esta homenagem sublinha o enorme contributo desta notável figura Bracarense. A sua história é conhecida e reconhecida por muitos, foi construída com determinação, força, carisma e coragem, que veio revelar a pessoa apaixonada por tudo aquilo que fazia. Digno do nosso respeito, da nossa gratidão e do nosso reconhecimento, a sua trajectória é um exemplo para nós de superação, determinação, optimismo e rectidão, lembrando-nos que é sempre possível dar o nosso contributo para uma sociedade melhor. ◗ IV Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014 Diário do Minho Prof. Lúcio Craveiro: António M. Cunha Reitor da Universidade do Minho Recordar e prestar tributo à memória do Professor Lúcio Craveiro da Silva requer necessariamente que se refira a sua dimensão de gestor e responsável da Universidade do Minho (UMinho), caraterizada pela exigência e pela abertura a abordagens inovadoras, garantindo com uma sabedoria e um estilo de liderança muito próprios a consolidação e a afirmação da Instituição. Na UMinho, Lúcio Craveiro da Silva foi membro da Comissão Instaladora, desde a sua primeira hora, em 17 de fevereiro de 1974. Idealizou e foi o primeiro Presidente da Unidade Científico Pedagógica de Letras e Artes, antecessora do atual Instituto de Letras e Ciências Humanas (ILCH). Foi Vice-Reitor, coad- Um gestor aberto à inovação juvando os Reitores Lloyd Braga (em 1980) e Barbosa Romero (entre julho de 1980 e setembro de 1981). Em 25 de novembro de 1981 tornou-se o primeiro reitor eleito de uma universidade portuguesa, após ter exercido o cargo interinamente desde setembro desse ano. Sob a visão e direção de Lúcio Craveiro da Silva, num período difícil para a vida da Universidade, a UMinho foi pioneira na criação de cursos universitários na área das línguas vivas e das relações internacionais, que vieram a conhecer grande sucesso, bem como na consolidação de uma oferta alargada de licenciaturas em ensino, que adotaram um modelo de formação que se tornou referência no nosso país. Foi igualmente no seu mandato que se procedeu à aquisição de terrenos do atual campus de Azurém e se lançaram as bases para o planeamento das instalações definitivas da Universidade. Após o término do seu mandato, por limite de idade, em 1984, continuou fortemente ligado à UMinho, tendo assumido, desde a sua criação, a 2 de junho de 1986, e durante mais de 20 anos, a presidência do Conselho Cultural, órgão que se tornou uma das marcas distintivas da Universidade, possibilitando modos particulares de realizar a sua missão através da promoção de um amplo leque de atividades culturais. Foi ainda neste âmbito que dirigiu, desde o seu início, a revista Forum, um dos mais antigos projetos editoriais da Universidade. A UMinho deve a Lúcio Craveiro da Silva e à sua sabedoria humanista a capacidade de construir as pontes que permitiram uma transição segura entre os anos iniciais da UMinho, correspondentes a um período de instabilidade social e política e de reivindicações de natureza regional, e a fase de crescimento que se lhe seguiu, marcada por um intenso esforço de construção, de aumento de número de estudantes e de alargamento das áreas de atividade, num quadro que a integração europeia veio a favorecer decisivamente. A Lúcio Craveiro da Silva, a UMinho será sempre devedora da sua natureza de Universidade Completa que articula, de forma efetiva, um amplo leque de saberes estruturantes do ensino, da investigação e dos modos de interagir com a sociedade. Com Lúcio Craveiro da Silva, a então muito jovem UMinho aprendeu a tolerância e a importância do interno, que, ainda hoje, a tornam diferente. Este é um legado que responsabiliza a UMinho. Por isso, no centenário do seu nascimento recordamos, com saudade e gratidão, a memória do Professor Lúcio Craveiro da Silva. ◗ A história do Prof. Lúcio confunde-se com a história da UMinho A primeira imagem que guardo do Professor Lúcio Craveiro da Silva remonta ao início dos anos 90, quando, recém-chegada à Universidade do Minho e ao Conselho Científico do Instituto de Letras e Ciências Humanas, encontrei aquele senhor discreto – a única pessoa a quem era permitido fumar durante as reuniões, em que parecia dormitar durante uma grande parte do tempo; até que a dada altura pedia a palavra e nos apercebíamos sempre com alguma surpresa que não “tinha perdido pitada” do que se passava à sua volta, prestando atenção a todos assuntos, integrando-os numa perspetiva mais ampla e, como gostava de dizer, “mais universitária”. Rapidamente me apercebi da grandeza do seu currículo na Universida- de – primeiro Reitor eleito, Presidente do Conselho Cultural durante mais de 20 anos, grande filósofo e homem de cultura. No ILCH, onde ensinou durante muitos anos no então departamento de Filosofia e Cultura, o Prof. Lúcio acompanhou sempre de perto e com interesse os novos projetos, em diferentes áreas, muitas vezes propostos por gente jovem e inexperiente, que aconselhava discretamente, com sabedoria, exigência e rigor. A ação do Prof. Lúcio Craveiro da Silva no desenvolvimento da dimensão cultural e humanista da Universidade do Minho foi enorme, como todos sabemos. Abrangeu a criação de cursos e áreas de investigação em ciências humanas, ciências sociais e em áreas inovadoras como as relações internacionais. Abrangeu também a criação e desenvolvimento das Unidades Culturais e do Conselho Cultural, projeto a que se dedicou imediatamente após ter saído da Reitoria, que procurou afirmar a nível de toda a instituição e também do exterior – a universidade como casa de cultura. A história do Prof. Lúcio na Universidade do Minho confunde-se com a história da própria instituição e com a sua identidade, que ajudou a desenvolver e definir desde a sua criação, numa perspetiva integrada e de diálogo entre as diferentes áreas que a constituem. A atribuição do seu nome à biblioteca de leitura pública de Braga – Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva – veio justamente perpetuar na comunidade a memória da imensa ação cultural que desenvolveu. As saudades que o seu desaparecimento em 2007 deixou são hoje um estímulo Eduarda Keating Atual Presidente do Conselho Cultural da Universidade do Minho para todos nós, no sentido de honrarmos a sua memória, continuando o melhor que soubermos a obra que nos deixou. ◗ Novembro de 2014 Diário do Minho Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014 V Fé e Cultura de mãos dadas P. Manuel Morujão Superior dos Jesuítas em Braga Convivi com o P. Lúcio Craveiro da Silva na mesma comunidade dos jesuítas ligados à Faculdade de Filosofia de Braga, durante uma vintena de anos, em períodos distintos. Foi meu Superior local e também Provincial, quem me admitiu na Companhia de Jesus. A proximidade amiga pode dificultar-nos a imparcialidade, mas julgo que o meu testemunho poderá pecar mais por defeito do que por excesso. Sempre encontrei nele um homem afetuoso, sem medo de usar o coração, amigo dos seus amigos, mas liberto, sem ter de arranjar algum grupo de adversários, um seu «partido de oposição». Era um coração sem fronteiras, acolhedor e aberto ao encontro e ao diálogo com pessoas de diferentes quadrantes: de esquerda ou direita, crentes, indiferentes ou ateus. Com ele, todos se podiam sentir em casa, sem abdicar das suas ideias, convicções e fé. Mas o coração do P. Lúcio estava ligado a uma grande cabeça. Homem de invulgar cultura, de vistas largas, em que o global e o pontual tinham uma boa relação de complementaridade. Usando uma imagem: quando contemplava uma árvore, não esquecia a floresta; quando olhava para a floresta, não perdia de vista as árvores concretas. um homem de fé arraigada, sacerdote e jesuíta, e de convicções, não usava a sua firmeza como trincheira ou castelo, mas tinha a arte de criar à sua volta um átrio de compreensão, diálogo e acolhimento. Certamente que não estava de acordo com todos, mas as suas ideias e convicções nunca foram arma de arremesso, mas pontes de encontro entre diferentes margens. O padre e jesuíta Lúcio Craveiro da Silva, que o foi a cem por cento, foi também o escritor insigne, o académico notável, o reitor magnífico, o professor culto, o intelectual profundo, tudo isto também a cem por cento. Fé e cultura viveram em complementar harmonia na sua pessoa. A sua vasta cultura, em diversos ramos do saber, não desvirtuou a sua fé em Cristo, «perfeito Deus e perfeito homem», sendo um religioso de piedade sólida, um homem de oração que celebrava diariamente a Eucaristia e cultivava uma particular devoção a Nossa Senhora. Mas também a sua fé não fez sombra nem desvirtuou a cultura, sendo uma pessoa perfeitamente integrada no mundo universitário, académico, cultural e social. Por tudo isto, o padre Lúcio pertence ao grupo de «aqueles que, por obras valerosas, se vão da lei da morte libertando». Por isso é que o lusíada Lúcio Craveiro da Silva continua a ser tão atual. ◗ Para um retrato de Lúcio Craveiro da Silva Conheci pessoalmente o Professor Lúcio Craveiro da Silva em Outubro de 1976, quando tomei a decisão, perante a anarquia pós-revolucionária que se instalara na Universidade de Coimbra, de vir ensinar, em regime de comissão de serviço, na nova Universidade do Minho, que então iniciava formalmente os seus inovadores cursos de Formação de Professores na área de Línguas e Literaturas Modernas. Relembro com emoção as modestíssimas instalações, na rua D. Pedro V, da Unidade Científico-Pedagógica de Letras e Artes, da qual era presidente o Professor Lúcio Craveiro, onde trabalharam durante vários anos, com admirável espírito de missão e exemplar competência científica e pedagógica, jovens docentes que viriam a realizar brilhantes carreiras académicas e aos quais se ficou a dever o desenvolvimento, nos planos do ensino e da investigação, das Letras e das Ciências Humanas na Universidade do Minho. A imagem que guardo dos primeiros encontros com o Professor Lúcio Craveiro da Silva é a de uma pessoa cortês, de discurso parcimonioso, acolhedora, prudente e serena. À medida que as nossas relações pessoais e universitárias se foram aprofundando, esta primeira imagem confirmou-se e enriqueceu-se, mas fui descobrindo e admirando na personalidade do Professor Lúcio Craveiro outros predicados que muito contribuíram para fundamentar e fecundar a nossa longa amizade: a dedicação à causa da educação e em particular ao desenvolvimento do ensino universitário; o gosto pela cultura filosófico-literária; o empenhamento na solução justa dos problemas sociais; o afecto profundo, não patrioteiro, ao país em que nos coube nascer. Lúcio Craveiro sabia bem que Portugal possuía escassos recursos económicos naturais e que por isso o seu desenvolvimento económico-social tinha de se fundar na qualificação cultural, científica e técnica dos seus meios humanos, o que equivalia a atribuir à Escola, desde o ensino básico ao ensino universitário, uma relevância cimeira no quadro de qualquer política nacional. Numerosas vezes ouvi Lúcio Craveiro lamentar que Portugal, ao contrário da Espanha, não tivesse criado, em tempo oportuno, uma Universidade no seu império ultramarino e que tivesse confinado praticamente durante séculos o ensino universitário a uma única instituição. Coerentemente, dedicou grande parte da sua vida à criação e ao desenvolvimento inovador de instituições do ensino superior, desde o Instituto Superior Económico e Social de Évora até à Universidade Católica Portuguesa e à Universidade do Minho. Em todas estas realizações institucionais, investiu o Professor Lúcio Craveiro, para além do seu saber, a sua singular sabedoria, o seu apurado conhecimento das circunstâncias, das conjunturas históricas e dos homens. Era um pensador que, sem prejuízo dos seus ideais religiosos e filosóficos, foi um homem de acção – um homem de acção modelarmente coerente, justo, dialogante, discreto e prudente. Não posso deixar de me referir ao profundo gosto e ao interesse genuíno com que o Professor Lúcio Craveiro me falou sempre da literatura e dos estudos literários – gosto e interesse de que deixou múltiplos testemunhos na sua actividade docente e sobretudo em diversos ensaios felizmente coligidos em volumes publicados na Vítor Aguiar e Silva Prof. Jubilado (e antigo Vice-Reitor) da Universidade do Minho última década do século XX. Antero de Quental foi o poeta-filósofo que mais admirou e a cuja obra dedicou desvelada atenção. Em Antero confluíam os grandes vectores que sempre nortearam a actividade espiritual e mental de Lúcio Craveiro: a indagação metafísica; o culto da poesia filosófica; a preocupação com a justiça social; o anseio de redimir Portugal de uma decadência secular. ◗ Setembro de 2014 Prof. Lúcio Craveiro e Prof. Aguiar e Silva Segundo o Professor Lúcio, «uma Universidade vale o que valerem os seus professores; tudo o mais vem por acréscimo» («Nos 25 anos dos Cursos de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho», 2004). Ao declarar esta sua convicção, um dos nomes que tinha em mente era precisamente o do Professor Aguiar e Silva, que trazia consigo da Universidade da Lusa Atenas para a tenra Universidade do Minho um precioso património de saber, de saber fazer e de saber ensinar. Deste eminente co-fundador dos Cursos de Letras e Ciências Humanas na Universidade do Minho, diz o Professor Lúcio: «Coimbra estava distraída ou confusa quando deixou que o Professor Aguiar e Silva preferisse esta Universidade. É que a sua preferência foi decisiva para o desenvolvimento mais rápido e progressivo da Unidade de Letras e Artes – hoje Instituto de Letras e Ciências Humanas – não só do ensino do português (…), mas de todo o Instituto. Eu ainda apareci timidamente, no Guia de 1980-1981, à frente das Letras e das Artes, mas já então no Centro de Estudos Portugueses (antecessor do Centro de Estudos Humanísticos) fui substituído com vantagem indiscutível, sem humildade o digo, pelo Prof. Aguiar e Silva como presidente.» (Ibid.). ◗ VI Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014 Manuel Gama Professor da UMinho e antigo aluno do Prof. Lúcio Craveiro Recordando Lúcio Craveiro Tive a sorte de conviver de forma assídua com o Prof. Lúcio Craveiro da Silva, durante mais de trinta anos. Primeiro, no âmbito da Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa e, depois, na Universidade do Minho, mas sempre em clima de amizade, que incluiu também a persistente confraternização familiar. Digo “sorte”, pois no meu percurso vital, para além de outros casos de especial apreço, o Prof. Lúcio foi das pessoas que, pelo seu exemplo, pela sua atitude, pela sua cosmovisão, me leva a dizer que sem o seu convívio a minha vida teria sido diferente. Referirei algumas dimensões da sua pessoa que, ao serem assumidas por mim, continuam a influenciar os meus horizontes e a servir de bússola na procura dos caminhos mais corretos. O equilíbrio, a harmonia, a paz, eram traços distintivos do seu caráter. Suportados onde? Por um lado, nos seus educadores. Ele próprio rememorou de forma escrita esta dimensão. Do seu professor primário, ficou-lhe o entusiasmo pelas coisas. Dos seus familiares, herdou valores sólidos: do avô, o sentido de justiça; do pai, a seriedade de caráter, a honradez; da mãe, o equilíbrio, a delicadeza no trato, o saber escutar. Mas, entre todos, a figura mais marcante – como ele confessava – foi a mãe, sobretudo no saber aceitar as pessoas, no ser amigo das pessoas. Depois, aquele seu equilíbrio tão caraterístico, enraizava numa áurea de silêncio e reflexão, que ele buscava “disfarçadamente”. Para além do perfil de intelectual, ele tinha um fundo místico. Aliás, os cargos que exerceu (e foram muitos: dentro da Companhia de Jesus e no mundo civil) foram uma segunda pele; a sua assunção era uma resposta externa e interna à nobre função do “serviço”. Nunca o vimos na expetativa de esperar qualquer recompensa. Há outra faceta muito caraterística, que podemos denominar de vertente diplomática. Como era extremamente arguto na “leitura” que fazia das pessoas (expressa em observações certeiras, sem serem ofensivas, que muitas vezes me confidenciava no percurso das boleias, em que nos fazíamos companhia), tinha uma sensibilidade especial no trato pessoal e na forma como contribuía para resolver as dificuldades que iam aparecendo. Ele próprio confessava a sua admiração por ser chamado para resolver situações difíceis. Por fim, admirava-lhe ainda a estima, sem desânimo, por Portugal. Mas, contrariamente à tónica da mentalidade do comum dos portugueses, não lhe ouvíamos lamentações ou apelar “ao meu tempo”. O seu olhar tinha como horizonte o futuro e, especialmente, as novas gerações. Em conclusão, a memória do Prof. Lúcio que mais frequentemente me ocorre ao espírito é a sua sabedoria aliada à simplicidade, a sua tolerância e o seu manso sentido de humor. ◗ Braga, outono de 2014 Diário do Minho “A cultura e os problemas portugueses são a casa onde vivo e respiro” (Lúcio Craveiro da Silva) Miguel Gonçalves Diretor da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica / Braga Do conjunto dos mestres mais destacados da “Escola de Filosofia Bracarense” – António Dias de Magalhães, Cassiano Abranches, Diamantino Martins, José Bacelar e Oliveira, Júlio Fragata, Vitorino de Sousa Alves, Roque Cabral e Lúcio Craveiro da Silva (mestres de idêntico prestígio, jesuítas ou não, como António Freire, Manuel Morais e Amadeu Torres não integram, porém, esta escola) –, apenas não conheci o primeiro. Dos restantes, fui aluno de Júlio Fragata, Vitorino de Sousa Alves e de Roque Cabral, o que significa que, relativamente a Lúcio Craveiro da Silva, o meu testemunho, se, por um lado, pode ter o distanciamento crítico sempre necessário a qualquer intento de objetividade, por outro, poderá não ter a proximidade que um depoimento desta natureza não deixa de também reclamar. Das três vezes em que foi Diretor da FacFil, apenas tive o privilégio de conviver com o Prof. Lúcio Craveiro já nos últimos mandatos, sendo eu, então, um jovem assistente estagiário. Honrou-me com a sua presença (e dignificando o ato), ao presidir ao júri que apreciou as minhas Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, e do qual faziam parte outros dois vultos da universidade bracarense: os Profs. Doutor Amadeu Torres (UCP-UM) e J. Azevedo Ferreira (UM). Desse período (final da década de 80, início da de 90), respigo breves marcas da sua passagem pela Direção da FacFil, que de alguma forma ilustram a sua permanente forma de ser. Em nome da especificidade da “sua Faculdade” no seio da UCP, sobretudo quando comparada com as Escolas de Direito e Gestão nascentes, reclamou, com êxito, não só a manutenção da dedicação exclusiva, mas também a tabela salarial indexada à das universidades públicas. Quase em simultâneo, quando nas “universidades novas” a chamada “formação em exercício” começava a ser uma realidade, respondeu favoravelmente ao repto lançado pelos assistentes estagiários e assistentes, contra o parecer de alguns, para que idêntico processo fosse aprovado; finalmente, ante a distração e a teimosia dos que persistiam na imitação dos modelos vigentes, sobretudo na parte continental da Europa, com a sua persistência e tenacidade, fez vingar a visão anglo-americana, conseguindo, através de uma combinação pouco provável, a aprovação do Curso de Filosofia e Desenvolvimento da Empresa, na FacFil. Sacerdote por vocação e filósofo de formação, representou a síntese harmoniosa entre a Fé e a Cultura – “a cultura e os problemas portugueses são a casa onde vivo e respiro” –, sendo, consabidamente, uma referência na história do pensamento filosófico português e em temas de natureza ética e social. Simultaneamente, era um homem tão tolerante quanto firme nas suas certezas e convicções; permanentemente aberto ao diálogo, mas nem por isso menos pragmático; defensor convicto do progresso e da inovação, mas sem qualquer cedência em relação à tradição. Viveu totalmente dedicado à cidade e às suas universidades, e estas, de uma forma geral, têm sabido ser-lhe gratas. Olhando-o diariamente no meu gabinete de trabalho, sinto-me um aprendiz que tem o dever de seguir-lhe as pegadas num caminho que, afinal, todos deviam tentar trilhar. ◗ A obra do Prof. Lúcio Craveiro constitui um marco relevante no panorama da Filosofia em Portugal Desde o início da minha carreira académica, em 1982, comecei a ter como referência de excelência a personalidade e a obra do Prof. Doutor Lúcio Craveiro da Silva. A obra de Lúcio Craveiro constitui um marco da maior relevância no panorama da Filosofia em Portugal, já de si não muito profícuo. Lúcio Craveiro não foi apenas um historiador da filosofia, rigoroso e exigente, mas um pensador com percurso próprio e profundamente sugestivo, tendose também afirmado como professor e dedicado gestor universitário, com vincado pendor institucionalista. ◗ Pedro Calafate Universidade de Lisboa Professor Catedrático do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Diretor do Centro de Filosofia da mesma Universidade. Diário do Minho Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014 VII Brevíssima evocação Vai fazer no próximo dia 6 de Dezembro 40 anos que o Professor Carlos Lloyd Braga, reitor da Universidade do Minho, me deu posse como técnico dos Serviços de Documentação daquela instituição, começando logo a trabalhar no edifício da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital onde a Comissão Instaladora da UM estava sedeada. Da CIUM fazia parte o Professor Lúcio Craveiro da Silva, um jesuíta beirão (da Serra da Estrela) desde muito novo conquistado pelo Minho, “a província mais alegre e festeira de Portugal”, o seu membro que melhor conhecia a região, pois aqui tinha estudado, sido professor e se doutorara em Filosofia (depois de ter feito a sua formação académica na Espanha, Inglaterra e Bélgica) no Instituto que seria o embrião da Faculdade de Filosofia de Braga, a qual posteriormente viria a dirigir, por 3 vezes. Embora de vez em quando me cruzasse com o Prof. Lúcio nos corredores e salões daquele palácio, só o comecei a contactar regularmente no início de 1976, depois de eu ter elaborado a pedido do Reitor um relatório sobre a “Situação da arqueologia bracarense” e a CODEP ter iniciado o seu combate pela preservação e estudo de Bracara Augusta. O Prof. Lúcio foi indicado pelo Reitor para acompanhar o doutor Jorge de Alarcão numa visita promovida pela CODEP às ruínas então postas a descoberto e a participar no debate público então promovido, em Fev. 1976, sendo eu o seu interlocutor mais directo. Começou assim uma relação de verdadeira e profunda amizade e admiração (quase diria veneração) que me uniu ao Prof Lúcio até aos últimos dias da sua vida que, tenho a veleidade de dizer, sabia ser recíproca (a amizade, claro). O Prof. Lúcio era um homem profundamente culto, com um gosto entranhado pelo livro e pela leitura. Lamentava-se por vezes que os inúmeros cargos que ocupara o tinham impedido de fazer aquilo de que mais gostava, a leitura e o estudo, a investigação e a escrita. Tendo vindo para Braga em 1934, depois de uma breve passagem pela Galiza, então com 20 anos, Lúcio Craveiro chegara a frequentar a Biblioteca Pública ainda instalada nos Congregados, o que levara Alberto Feio a querer saber quem era aquele jovem que requisitava livros tão eruditos. Foi durante a sua vida um utilizador constante da BPB e foi com gosto que com a CIUM “começou a trabalhar nas perdidas salas da Biblioteca, acompanhada de longas filas de livros encanecidos pelos séculos e documentos tão antigos como sugestivos a que era necessário dar nova vida”, como efectivamente veio a verificar-se. Radicado em Braga, não ignorava a importância do seu Património e do seu passado histórico, das suas origens, o que o levou a escrever sobre Bracara Augusta e a Galécia, considerando-a berço da Idade Média europeia. Por sua iniciativa a Universidade do Minho editou as traduções, pela primeira vez em português, realizadas pelo dr. José Cardoso, da “Crónica” de Idácio e da “História contra os pagãos”, de Paulo Orósio (de provável origem braca- Henrique Barreto Nunes Antigo Diretor da Bibl. Pública e do ADB e atual Vice-Presidente do Cons. Cultural da UMinho rense), tendo ele próprio dedicado a sua atenção a S. Martinho de Dume, realçando o seu papel na génese do pensamento europeu. Também por essas razões o Prof. Lúcio acompanhou sempre com grande interesse o trabalho da Unidade de Arqueologia da Univ. do Minho, o que se reflectia no apoio que dava, no seio do Conselho Cultural, ao seu trabalho, bem como na presença constante nas conferências e palestras que, a convite da BPB, Francisco Sande Lemos e Manuela Martins frequentemente realizaram. Foi muito feliz e oportuno o convite que a reitoria da Univ. do Minho lhe fez para ser presidente do Conselho Cultural, funções que desempenhou entre 1986 e 2007, dedicando-se a apoiar, unir e desenvolver, graças à sua “magistratura de influência” e às suas qualidades humanas, as actividades das 7/8 unidades culturais da Universidade, conseguindo que a sua presença na universidade e a relação com a comunidade ganhassem grande dimensão. Estes são apenas breves apontamentos evocativos de alguns aspectos do perfil cultural, rico e multifacetado, do Professor Lúcio Craveiro da Silva, um verdadeiro humanista que, não deixando de ser profundamente religioso e jesuíta, era um homem de grande abertura de espírito e de enorme tolerância. Frequentemente recorri ao seu apoio e conselho, por isso foi um Amigo cuja falta ainda hoje continuo irremediavelmente a sentir. ◗ Evocação pessoal do Prof. Lúcio Craveiro A generosidade e a perspicácia do Professor Lúcio foram sempre para mim as suas características de personalidade mais marcantes, e aquelas que mais deixaram marca indelével, e para sempre saudosa, na minha memória. A primeira imagem que dele guardo, tinha eu acabado de ingressar na Universidade do Minho como Assistente estagiária, tinha então 23 anos. O Professor Lúcio, então Presidente da chamada Unidade Pedagógica de Letras e Artes, a funcionar em instalações mais que provisórias na Rua de D. Pedro V, era presença assídua nas Letras, como então já dizíamos, profundamente atento em relação aos jovens docentes que, como eu, dávamos os primeiros passos na Academia, e creio poder dizer, expectante quanto ao contributo que nós poderíamos vir a dar para o crescimento da UPLA. E isso constituiu um incentivo fundamental para os jovens Assistentes, numa Universidade tão jovem quanto nós. Foi um tempo de abertura total, uma explosão de crescimento da Educação pelo país inteiro, um tempo também conturbado, que exigiu coragem e generosidade, palavras fortes, um pouco em desuso hoje. O Professor Lúcio falava connosco de um modo próximo e afectivo, sem ser paternalista, e passava-nos também o seu entusiamo pelo projecto de construção de uma Universidade nova, e mais importante que tudo, acreditava em nós, que era aquilo de que mais precisávamos para integrarmos com ânimo o projecto colectivo. E foi assim que várias de nós, fruto do seu incentivo, assim como da sua generosidade de acreditar em nós, partimos das Letras pouco mais de dois anos após ter ingressado, e fomos fazer as nossas pós-graduações no estrangeiro, Inglaterra e França, na maior parte dos casos, sendo que os cursos de Mestrado e Doutoramento eram então praticamente inexistentes em Portugal. E todas as que passámos por essa experiência ímpar, a ele ficamos a dever a aprendizagem dessa pérola rara que é a auto-estima e a exigência pessoal. Quanto à proverbial perspicácia do Professor Lúcio, guardo entre várias imagens, a sua presença discreta no Conselho Científico das Letras, vários anos após D. Pedro V, agora já no campus de Gualtar, o Professor Lúcio já então jubilado, e mesmo assim assídua presença entre nós, fumando tranquilamente nessas reuniões o seu “pensativo cigarro”, outras vezes parecendo dormitar, para sem qualquer sobressalto aparente nos surpreender com uma achega fundamental num assunto em discussão, ou um comentário acutilante! Os restantes entreolhávamonos sorrindo, conhecedores da capacidade reflexiva do Mestre. Lembro-me, ainda, que num momento menos bom da minha vida pessoal, após a morte de alguém muito próximo, o Professor Lúcio me interpelou sem “falinhas mansas” e me disse: “É preciso reagir, menina. Desconheço-a assim”. Por fim, lembro a sua figura de Presidente do Conselho Cultural da Universidade do Minho, a sua sabedoria, a sua experiência humana e o seu conhecimento profundo da Academia, e o estremecimento que tive quando o Professor António Cunha, no Ana Gabriela Macedo Antiga Presidente do Conselho Cultural da UMinho início do seu primeiro mandato reitoral, me convidou para o cargo. Creio que o Professor Lúcio me enviou um sorriso cúmplice nessa altura, apesar da inquietação que uma herança de tal responsabilidade provocou em mim. Bem-haja, Professor Lúcio! ◗ Braga, 5 Outubro 2014 VIII Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014 Prof. Lúcio Craveiro: um Filósofo-Poeta... Temos milhões de encontros na vida e outros tantos desencontros. Ficam-nos uns na memória – e esboroam-se imensos. Outros gravam-se nas raízes da alma – e lá permanecem como inscrições tumulares. Ao longo das minhas atividades académica, docente e jornalística encontrei-me diversas vezes com o Prof. Lúcio Craveiro. Mas nenhum desses encontros ficou tão indelevelmente gravado no meu espírito como o primeiro. Ocorreu há cerca de três décadas, era ele presidente do Conselho Cultural da UMinho (havia deixado há pouco o cargo de Reitor, por limite de idade) – e eu um jovenzinho recém-licenciado, a dar os primeiros passos na docência e a tirocinar no jornalismo. Por intercessão do saudosíssimo Prof. Amadeu Torres (ai que saudades, Deus meu!), encontrámo-nos numa confortável salinha por onde borboleteavam intensos anéis de fumo, que se exalavam dos cigarros que ele sugava com a placidez de um sábio oriental. Falámos durante mais de duas horas. Sobre tudo e sobre nada... (Mas, ainda assim, também acerca do seu livro “Antero de Quental – evolução do seu pensamento filosófico”, assunto que motivara aquele, para mim, inolvidável encontro...) Já no crepúsculo da conversa, mostrando saber que eu havia editado há pouco tempo um singelo livrinho de poemas (por certo uma propositada inconfidência do Prof. Amadeu...), o Professor Lúcio retirou de uma pastinha quase negra um exemplar do seu volume “Pègadas no Caminho” – e ofereceu-mo de olhos semicerrados, com um sorriso lânguido. Ainda conservo (e preservo) esse exemplar como se fora a minha “Custódia de Belém”! Na altura, confessoume ele (e sirvo-me do que, nesse dia, escrevi no meu diário daquele ano, que despudoradamente ainda mantenho!): “Sabe?, não sei fazer versos! Mas lá me saíram estes... pobrezitos... apenas para mim e para dar aos amigos mais chegados!”. E acrescentou, vagarosamente: “Veja lá que até esqueci de pôr o meu nome na capa!...” (Mas teria sido mesmo... “esquecimento”? Há gestos simples de Grandes Homens que nos ensinam mais do que todos os livros da Biblioteca de Alexandria...) Sempre que falo do Prof. Lúcio com amigos comuns (e utilizo o presente, porque... quem ousa dizer que ele morreu?!), exaltam-lhe eles as facetas de Pensador, de Filósofo, de Gestor “visionário”... Eu, porém, calado sempre a este respeito, penso de mim para mim: “Pensador?... Filósofo?... Gestor?... Sim, claro. Mas, na verdade, ele foi essencialmente um Poeta!”. Porque só um poeta sonha o Impossível. E do Impossível nunca se desiste. E ele nunca desistiu de nada! Nem mesmo dos Impossíveis que permaneciam ocultos aos outros – mas que ele antevia, com incomensurável nitidez, no lado escondido do horizonte... (O Prof. Lúcio nunca desistiu de nada... Porque tinha sempre presente a famosa sentença de Cícero: “Não basta alcançar a Sabedoria: é preciso usá-la”! ◗ À Serra da Estrela Lúcio Craveiro da Silva, Covilhã, 1963 (In “Pègadas no Caminho”, 1976) A Serra da Estrela é alta da altura do olhar: Vê-se a Serra a subir nunca se vê acabar... Ai Serra que me caíste dentro do meu coração. Não pensei que a Serra alta tivesse tal dimensão. És alta como um olhar funda como um coração, e a minha vida passou fez de ti habitação. Ó minha Serra da Estrela Ó Serra da minha sorte, dá-me a Estrela para a vida dá-me a Serra para a morte. ◗ Um Tortosendense que, mesmo longe, não esqueceu a sua Terra Adélia Craveiro Carvalho Mineiro Vice-presidente da LAT – Liga dos Amigos do Tortosendo (Covilhã) Em 21 de dezembro de 1990, o senhor Professor Lúcio Craveiro da Silva veio ao Tortosendo, a convite da LAT – Liga dos Amigos do Tortosendo – fazer uma Conferência na qual ele incluiu um ponto prévio: Testemunho de um Tortosendense. Em geral, vinha à Covilhã passar o Natal com sua irmã, Sra. D. Mariazinha, e era aí visitado por seu primo Ângelo Craveiro, o elo de ligação com a Terra Natal. Afortunadamente, no ano de 1994, o casal de professores universitários Elfrida Ralha (do Tortosendo) e Rui Ralha transferiram-se da Universidade da Beira Interior para a Universidade do Minho, onde foram acolhidos, com especial simpatia, pelo senhor Prof. Lúcio. Através de convivência, criaram-se laços de amizade que lhe proporcionaram uma maior aproximação ao Tortosendo. Numa das obras que me ofereceu, postou a dedicatória: «Aqui lhe deixo uma recordação sentida de um Tortosendense que, mesmo longe, não esquece a sua Terra». Em 26 de dezembro de 1998, a família «Craveiro» realizou o seu primeiro encontro. Durante o jantar convívio, o senhor Professor Lúcio leu um poema de sua autoria: Na Terra onde nasci Abílio Peixoto Diário do Minho Tortosendo minha Terra quem me dera ir ao Largo da Amoreira à casa onde vivi e retornar à lareira junto aos Pais, ao berço brando onde alegre adormeci o meu futuro embalando! (…) – Aonde vais?! nem berço, nem Amoreira nem os Pais nem a lareira… tudo o tempo levou! Apenas dentro de mim uma voz me segredou: nem tudo mudou assim pois resta dentro de ti a luz que brilha e rebrilha, e te encaminha na vida e que… despontou aqui, … – na «Terra onde nasci»! Após a realização do encontro, e a pedido da LAT, escreveu um texto que intitulou «Testemunho de um tortosendense na diáspora», de onde destaco: «Mas foi no canteiro de Tortosendo que floresci e a planta participa para sempre da força da Terra onde lançou raízes. Por isso, alguma coisa da minha vida profunda devo-a certamente à minha terra. (…) Na minha família havia republicanos de vários partidos e até monárquicos e todos se respeitavam e conviviam familiarmente. (…) Creio que esta é a faceta que distingue logo um tortosendense. Sabe dialogar, sabe respeitar as divergências, sabe conviver. E por isso aprendi, desde muito novo, a compreender e a defender a vida difícil do trabalhador e do operário e a respeitar os valores humanos de todas as classes sociais. Na vida universitária (…), isto esteve presente desde a tese de doutoramento sobre a “Idade do Social” e no primeiro livro em que depois reuni algumas conferências que proferi por esse Portugal fora sobre “O Movimento Operário”. Talvez por compreender quanto devo à minha terra e quanto me sinto ligado de alguma maneira a ela, já há mais de trinta anos costumo desfrutar invariavelmente as minhas férias no alto da Serra da Estrela”. Fica bem patente, pois, que Lúcio Craveiro, um humanista, um Mestre respeitado e querido pelos seus pares, um Filho Maior do Tortosendo, não esqueceu a Terra onde nasceu. Ditosa a Terra que tais filhos tem! ◗ Nota: O “Diário do Minho” agradece ao Dr. David José Carriço Raposo da Silva, presidente da Junta de Freguesia de Tortosendo (terra natal do Prof. Lúcio Craveiro), pelos esforços que envidou no sentido de o Povo Tortosendense estar “representado” neste caderno cultural – designadamente através deste artigo da autoria da Prof.ª Doutora Adélia Mineiro, em cujas veias ainda corre sangue da Família Craveiro.