Cultura
> “Prof. Lúcio Craveiro da Silva”
– Univ. do Minho (Braga) – 15-10-2014
[Foto de Avelino Lima]
QUARTA-FEIRA • 26 DE NOVEMBRO DE 2014
Diário do Minho
Este suplemento faz parte da edição n.º 30507
de 26 de novembro de 2014, do jornal Diário do Minho,
não podendo ser vendido separadamente
II
Cultura
QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014
Diário do Minho
Amanhã, na Universidade do Minho
Colóquio de homenagem
ao Prof.
Lúcio
Craveiro da Silva
Ocorre amanhã, 27 de novembro, o 1.º Centenário do Nascimento do Prof. Lúcio Craveiro
da Silva, sacerdote jesuíta que foi Reitor da
Universidade do Minho (o primeiro reitor
eleito em Portugal, por sua própria exigência...). Homem de elevadíssima cultura e de
grande visão estratégica, tinha também uma
maneira muito particular de se relacionar
com as pessoas, fossem elas ou não do seu
nível cultural.
O “Diário do Minho”, através deste caderno
cultural, associa-se à homenagem que é promovida pela Universidade do Minho e pela
Biblioteca de que é patrono. Para o efeito,
para além do número que lhe dedicámos
há uma semana, editamos hoje um caderno especial que reúne “testemunhos”
de algumas pessoas que lidaram de perto
com o Prof. Lúcio Craveiro.
Este sacerdote, falecido em agosto de
2007, tendo nascido em Tortosendo
(Covilhã), fez de Braga “a sua casa” –
e esta muito lhe deve, como aliás já
reconheceu ao atribuir o seu nome a
uma das suas instituições mais “nobres”:
a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.
1.º Centenário
do Nascimento
Programa do Colóquio / Homenagem
Universidade do Minho – Salão Nobre da Reitoria – Largo do Paço – Braga – 27 de novembro de 2014 — Entrada livre
09h00 – Abertura: António M. Cunha (Reitor da Universidade do Minho); António Ponte
(Diretor Regional de Cultura do Norte em representação do Secretário de Estado da Cultura);
Miguel Bandeira (Vereador da C. M. de Braga em representação da Edilidade bracarense);
Eduarda Keating (Presidente do Conselho Cultural da UMinho); Eunice Ribeiro (Presidente
do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho).
09h45 – Lúcio Craveiro da Silva e a abertura ao exterior. Moderador: João Ribeiro Mendes
(do Instituto de Letras da UMinho). Participantes: Manuel Morujão (Superior dos Jesuítas em
Braga) – O perfil humano de serviço de Lúcio Craveiro da Silva; Henrique Barreto Nunes
(Vice--Presidente do Conselho Cultural da UMinho) – Lúcio Craveiro da Silva e o Conselho
Cultural; Aida Alves (Diretora da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva) – Apresentação do site
sobre o patrono da Biblioteca.
11h30 – Lúcio Craveiro da Silva na Univ. do Minho: A visão de ex-Reitores. Moderador: Acílio
Estanqueiro Rocha (Departamento de Filosofia do Instituto de Letras da UMinho). Participantes:
Sérgio Machado dos Santos, Licínio Chainho Pereira e António Guimarães Rodrigues.
14h30 – Lúcio Craveiro da Silva na “construção” de uma Universidade. Moderador: Luís
Diário do Minho
Cultura
N.º 778
26.Novembro.
2014
Lobo-Fernandes (Escola de Economia e Gestão da UMinho). Participantes: Adriano Moreira
(Academia das Ciências de Lisboa): Lúcio Craveiro da Silva: Construção de uma Universidade
(Minho e Évora); F. Carvalho Guerra (Univ. Católica Portuguesa) – Lúcio Craveiro da Silva;
Manuel Santos Silva (Univ. da Beira Interior): Lúcio Craveiro da Silva: um humanista beirão;
Fátima Ferreira (Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da UMinho): Lúcio
Craveiro da Silva e o ensino superior no norte de Portugal.
16h30 – Lúcio Craveiro da Silva – Homem de Pensamento. Moderador: Manuel Gama
(Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho). Participantes: António Melo (Faculdade
de Filosofia da Univ. Católica / Braga): Apresentação da tradução da obra “Curso de Filosofia
Moral”, de Lúcio Craveiro da Silva; Manuel Ferreira Patrício (Universidade de Évora): A presença da radicalidade universal na filosofia situada de Lúcio Craveiro da Silva; Acílio Estanqueiro Rocha (Depart. de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho): O
Pensamento Filosófico de Lúcio Craveiro da Silva; Fernando Machado (Depart. de Filosofia
do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho): Lúcio Craveiro da Silva, o jesuíta que
se preocupou com a felicidade na terra – um olhar sobre o social; José Marques Fernandes
(Depart. de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da UMinho): Lúcio Craveiro
da Silva ‘iluminado’ por Antero de Quental.
Envio de trabalhos para publicação neste suplemento
Diário do Minho / Secção Cultural
Rua de S.ta Margarida, 4 - 4710-306 Braga; Fax: 253609469. E-mail: [email protected]
Diário do Minho
Cultura
QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014
III
A responsabilidade
de ser o primeiro
Damião Pereira
Diretor
do Diário do Minho
O Prof. Doutor Lúcio Craveiro da Silva,
de que amanhã se comemora o 100.º
aniversário do nascimento, foi (e continua a ser) uma das mais ilustres e prestigiadas figuras da cultura portuguesa
– e, por maioria de razão, da “cultura
bracarense”.
A sua ação como diretor da Faculdade de Filosofia de Braga (embrião da
Universidade Católica Portuguesa),
que ajudou a fundar e a desenvolver, e
como reitor da Universidade do Minho
(e, posteriormente, presidente do seu
Conselho Cultural), seria, por si só, motivo mais que suficiente para merecer as
mais subidas honrarias e para perpetuar
a sua memória – que Braga, felizmente,
soube já referenciar ao atribuir o seu
nome a uma das suas mais importantes
valências culturais: a Biblioteca Lúcio
Craveiro da Silva.
Todavia, o agora homenageado não se
distinguiu apenas como gestor de instituições académicas que transformaram
por completo o panorama cultural
bracarense e nacional. Ele foi também
um Académico de nível superior, com
um “Pensamento” peculiar no âmbito
da Filosofia e da Cultura Portuguesa. E
foi também um sacerdote (jesuíta) de
grande e reconhecida espiritualidade,
que assumiu em pleno a sua “condição”
de padre – como, aliás, deixou inequivocamente expresso no seu único livro
de poemas (“Pègadas no Caminho”),
nomeamente quando afirma: “Senhor,
/ és a minha única esperança / na dor e
na alegria, / na vida e na morte / desde
que ouvi a Tua voz”...
Finalmente (mas não menos importante!), o Prof. Lúcio Craveiro foi um
“homem de afetos”, como lucidamente
salientou o Prof. Aníbal Alves em artigo
publicado, na passada semana, neste
mesmo suplemento. A sua ímpar capacidade de relacionamento com os
outros é por todos reconhecida – e
salientada nos diversos “testemunhos”
que divulgamos neste número do
caderno “Cultura”, a cujos autores
agradecemos a disponibilidade para se
associarem ao “Diário do Minho” nesta
singela homenagem a um dos Homens
que, pelo que fez em vida, conseguiu
vencer a morte! ◗
Distingue-se na história das Academias Universitárias o facto de o
Doutor Lúcio Craveiro da Silva ter
sido o primeiro reitor de Portugal
eleito por sufrágio directo. Um pormenor que se reveste de um significado muito particular.
Em primeiro lugar, foi o reconhecimento inequívoco de uma liderança
madura quando as universidades
viviam ainda tempos de gestação.
Dadas as abundantes provas do
seu valor, em múltiplas ocasiões
e circunstâncias, o génio de Lúcio
Craveiro da Silva foi reconhecido
individualmente pelos seus pares.
Quando alguém abre horizontes é,
com naturalidade, tido como uma
referência. Neste caso, podemos
afirmar que se constituiu como o
alicerce seguro no edifício de uma
nova universidade envolta em desafios. Fê-lo em virtude da sua com-
petência universitária, da sua capacidade
de ver o todo de um projecto que nascia
e do seu engenho ao integrar diferentes
visões para a construção de uma identidade nacional. Eram tempos onde o conhecimento hospedava a promessa de construir
um futuro melhor.
Em segundo lugar, gostaria de salientar
outra dimensão estruturante da vida do
Doutor Lúcio Craveiro da Silva. Ninguém
ignorava a sua vocação e a sua condição
de padre. Ao mesmo tempo, jamais alguém
ousou afirmar que impunha as suas convicções. Vários testemunhos relatam que
interpelava, ao invés, pelos valores em que
acreditava, mesmo quando o silêncio das
palavras se sobrepunha ao testemunho das
atitudes e comportamentos.
Os cargos de responsabilidade, quando solicitados, devem ser ocupados sem medo.
Neste sentido, gostaria de evocar o Programa Pastoral da Arquidiocese centrado nas
exigências da Fé que se faz vida. Fé que se
D. Jorge Ortiga
Arcebispo Primaz
faz vida e que simultaneamente grava
presença nos círculos estruturantes de
qualquer biografia humana: cultura,
economia, política e família. São espaços concretos onde a fé deve assomarse em todo o seu esplendor.
Poderá este diálogo cultural e religioso
nutrir um estilo eloquente de perpetuar
a memória do Professor Lúcio Craveiro?
Estou certo que sim. Assim como estou
certo – ao olhar para o testemunho
deste padre jesuíta – que os valores e
a consciência católica comungam dos
mesmos ideais do ensino superior. ◗
Lúcio Craveiro da Silva:
Um Homem de todos os tempos
“Pègadas, no caminho da vida, são
momentos ricos que passaram e
permanecem vivos como testemunhas da caminhada. Conservei
apenas algumas, quase ao acaso;
as outras, a maioria, resolvi, bem
ou mal, apagá-las.”
Lúcio Craveiro da Silva foi um
Homem de ‘pegadas’ únicas, cujas
marcas deixadas pela sua passagem irão prevalecer infindavelmente. Uma pessoa que trilhou o
seu caminho num longo percurso
repleto de sucesso, tornando-se
numa referência para todos, desempenhando um papel preponderante para Braga.
Homem insubstituível, figura
tutelar da Cultura nacional e local,
deixou-nos uma obra que considero simplesmente memorável. Filósofo, Professor, Sacerdote, Poeta...
Lúcio Craveiro da Silva congregou
em si várias ‘personagens’, todas
elas de um relevo incomparável.
Braga é uma Cidade que honra
o seu legado, e a aposta na Cultura terá sempre que contar com
o contributo insofismável deste
notável, que dedicou a sua vida à causa
pública.
Foi o primeiro Reitor eleito em Portugal,
facto que só de si merece especial destaque e muito nos enche de orgulho. Ilustre
personalidade Bracarense, o seu nome
não podia estar dissociado do projecto
comum entre a Câmara Municipal de Braga e a Universidade do Minho, tornandose o patrono da Biblioteca Lúcio Craveiro
da Silva.
Condecorado como Grande Oficial da Ordem da Instrução Pública privilegiava o
diálogo e deixou um rasto de tolerância,
agregando pensamentos e convicções,
tornando-se num ícone moral da sociedade atual.
Lúcio Craveiro da Silva elevou o patriotismo dos seus textos, clamando a Liberdade, e como é timbre dos verdadeiros
notáveis, mais do que um homem do seu
tempo, ele foi um homem de todos os
tempos, distinguindo-se pela sua lucidez
e audácia, que não cediam às modas do
momento, nem se deixavam levar pelo
aplauso fácil das maiorias dominantes.
Reconhecimento e gratidão são actos
que enobrecem o ser humano. Os bons
exemplos precisam passar por esse
processo, pois espalham uma semente
Ricardo Rio
Presidente da Câmara
Municipal de Braga
positiva na sociedade e, no dia em
que se celebra o primeiro centenário
do seu nascimento, esta homenagem
sublinha o enorme contributo desta
notável figura Bracarense.
A sua história é conhecida e reconhecida por muitos, foi construída com
determinação, força, carisma e coragem, que veio revelar a pessoa apaixonada por tudo aquilo que fazia.
Digno do nosso respeito, da nossa
gratidão e do nosso reconhecimento,
a sua trajectória é um exemplo para
nós de superação, determinação,
optimismo e rectidão, lembrando-nos
que é sempre possível dar o nosso contributo para uma sociedade melhor. ◗
IV
Cultura
QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014
Diário do Minho
Prof. Lúcio Craveiro:
António M. Cunha
Reitor
da Universidade
do Minho
Recordar e prestar tributo à memória
do Professor Lúcio Craveiro da Silva
requer necessariamente que se refira a
sua dimensão de gestor e responsável
da Universidade do Minho (UMinho),
caraterizada pela exigência e pela
abertura a abordagens inovadoras,
garantindo com uma sabedoria e um
estilo de liderança muito próprios a
consolidação e a afirmação da Instituição.
Na UMinho, Lúcio Craveiro da Silva foi
membro da Comissão Instaladora, desde a sua primeira hora, em 17 de fevereiro de 1974. Idealizou e foi o primeiro
Presidente da Unidade Científico Pedagógica de Letras e Artes, antecessora
do atual Instituto de Letras e Ciências
Humanas (ILCH). Foi Vice-Reitor, coad-
Um gestor
aberto à inovação
juvando os Reitores Lloyd Braga (em 1980)
e Barbosa Romero (entre julho de 1980 e
setembro de 1981). Em 25 de novembro
de 1981 tornou-se o primeiro reitor eleito
de uma universidade portuguesa, após
ter exercido o cargo interinamente desde
setembro desse ano.
Sob a visão e direção de Lúcio Craveiro
da Silva, num período difícil para a vida
da Universidade, a UMinho foi pioneira na
criação de cursos universitários na área
das línguas vivas e das relações internacionais, que vieram a conhecer grande
sucesso, bem como na consolidação de
uma oferta alargada de licenciaturas em
ensino, que adotaram um modelo de formação que se tornou referência no nosso
país. Foi igualmente no seu mandato que
se procedeu à aquisição de terrenos do
atual campus de Azurém e se lançaram as
bases para o planeamento das instalações
definitivas da Universidade.
Após o término do seu mandato, por limite de idade, em 1984, continuou fortemente ligado à UMinho, tendo assumido,
desde a sua criação, a 2 de junho de 1986,
e durante mais de 20 anos, a presidência
do Conselho Cultural, órgão que se tornou
uma das marcas distintivas da Universidade, possibilitando modos particulares de
realizar a sua missão através da promoção
de um amplo leque de atividades culturais. Foi ainda neste âmbito que dirigiu,
desde o seu início, a revista Forum, um
dos mais antigos projetos editoriais da
Universidade.
A UMinho deve a Lúcio Craveiro da Silva e
à sua sabedoria humanista a capacidade
de construir as pontes que permitiram
uma transição segura entre os anos iniciais da UMinho, correspondentes a um
período de instabilidade social e política
e de reivindicações de natureza regional,
e a fase de crescimento que se lhe seguiu,
marcada por um intenso esforço de
construção, de aumento de número
de estudantes e de alargamento das
áreas de atividade, num quadro que a
integração europeia veio a favorecer
decisivamente.
A Lúcio Craveiro da Silva, a UMinho
será sempre devedora da sua natureza
de Universidade Completa que articula, de forma efetiva, um amplo leque
de saberes estruturantes do ensino, da
investigação e dos modos de interagir
com a sociedade.
Com Lúcio Craveiro da Silva, a então
muito jovem UMinho aprendeu a tolerância e a importância do interno, que,
ainda hoje, a tornam diferente.
Este é um legado que responsabiliza a
UMinho. Por isso, no centenário do seu
nascimento recordamos, com saudade
e gratidão, a memória do Professor
Lúcio Craveiro da Silva. ◗
A história do Prof. Lúcio
confunde-se com a história da UMinho
A primeira imagem que guardo do
Professor Lúcio Craveiro da Silva
remonta ao início dos anos 90, quando, recém-chegada à Universidade
do Minho e ao Conselho Científico do
Instituto de Letras e Ciências Humanas, encontrei aquele senhor discreto
– a única pessoa a quem era permitido fumar durante as reuniões, em que
parecia dormitar durante uma grande
parte do tempo; até que a dada altura
pedia a palavra e nos apercebíamos
sempre com alguma surpresa que não
“tinha perdido pitada” do que se passava à sua volta, prestando atenção a
todos assuntos, integrando-os numa
perspetiva mais ampla e, como gostava de dizer, “mais universitária”.
Rapidamente me apercebi da grandeza do seu currículo na Universida-
de – primeiro Reitor eleito, Presidente
do Conselho Cultural durante mais de
20 anos, grande filósofo e homem de
cultura. No ILCH, onde ensinou durante
muitos anos no então departamento de
Filosofia e Cultura, o Prof. Lúcio acompanhou sempre de perto e com interesse
os novos projetos, em diferentes áreas,
muitas vezes propostos por gente jovem
e inexperiente, que aconselhava discretamente, com sabedoria, exigência e rigor.
A ação do Prof. Lúcio Craveiro da Silva no
desenvolvimento da dimensão cultural e
humanista da Universidade do Minho foi
enorme, como todos sabemos. Abrangeu
a criação de cursos e áreas de investigação em ciências humanas, ciências sociais e em áreas inovadoras como as relações internacionais. Abrangeu também a
criação e desenvolvimento das Unidades
Culturais e do Conselho Cultural, projeto
a que se dedicou imediatamente após ter
saído da Reitoria, que procurou afirmar a
nível de toda a instituição e também do
exterior – a universidade como casa de
cultura.
A história do Prof. Lúcio na Universidade
do Minho confunde-se com a história da
própria instituição e com a sua identidade, que ajudou a desenvolver e definir
desde a sua criação, numa perspetiva
integrada e de diálogo entre as diferentes
áreas que a constituem. A atribuição do
seu nome à biblioteca de leitura pública de Braga – Biblioteca Lúcio Craveiro
da Silva – veio justamente perpetuar na
comunidade a memória da imensa ação
cultural que desenvolveu.
As saudades que o seu desaparecimento
em 2007 deixou são hoje um estímulo
Eduarda Keating
Atual Presidente
do Conselho Cultural
da Universidade do Minho
para todos nós, no sentido de honrarmos a sua memória, continuando
o melhor que soubermos a obra que
nos deixou. ◗
Novembro de 2014
Diário do Minho
Cultura
QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014
V
Fé e Cultura de mãos dadas
P. Manuel Morujão
Superior
dos Jesuítas
em Braga
Convivi com o P. Lúcio Craveiro da Silva na mesma comunidade dos
jesuítas ligados à Faculdade de Filosofia de Braga, durante uma vintena de anos, em períodos distintos. Foi meu Superior local e também
Provincial, quem me admitiu na Companhia de Jesus.
A proximidade amiga pode dificultar-nos a imparcialidade, mas julgo que
o meu testemunho poderá pecar mais por defeito do que por excesso.
Sempre encontrei nele um homem afetuoso, sem medo de usar o coração, amigo dos seus amigos, mas liberto, sem ter de arranjar algum
grupo de adversários, um seu «partido de oposição». Era um coração
sem fronteiras, acolhedor e aberto ao encontro e ao diálogo com pessoas de diferentes quadrantes: de esquerda ou direita, crentes, indiferentes ou ateus. Com ele, todos se podiam sentir em casa, sem abdicar
das suas ideias, convicções e fé.
Mas o coração do P. Lúcio estava ligado a uma grande cabeça. Homem
de invulgar cultura, de vistas largas, em que o global e o pontual tinham uma boa relação de complementaridade. Usando uma imagem:
quando contemplava uma árvore, não esquecia a floresta; quando
olhava para a floresta, não perdia de vista as árvores concretas. um
homem de fé arraigada, sacerdote e jesuíta, e de convicções, não usava
a sua firmeza como trincheira ou castelo, mas tinha a arte de criar
à sua volta um átrio de compreensão, diálogo e acolhimento. Certamente que não estava de acordo com todos, mas as suas ideias e
convicções nunca foram arma de arremesso, mas pontes de encontro entre diferentes margens.
O padre e jesuíta Lúcio Craveiro da Silva, que o foi a cem por
cento, foi também o escritor insigne, o académico notável, o reitor magnífico, o professor culto, o intelectual profundo, tudo isto
também a cem por cento. Fé e cultura viveram em complementar
harmonia na sua pessoa. A sua vasta cultura, em diversos ramos
do saber, não desvirtuou a sua fé em Cristo, «perfeito Deus e perfeito homem», sendo um religioso de piedade sólida, um homem
de oração que celebrava diariamente a Eucaristia e cultivava uma
particular devoção a Nossa Senhora. Mas também a sua fé não fez
sombra nem desvirtuou a cultura, sendo uma pessoa perfeitamente
integrada no mundo universitário, académico, cultural e social.
Por tudo isto, o padre Lúcio pertence ao grupo de «aqueles que,
por obras valerosas, se vão da lei da morte libertando». Por isso é
que o lusíada Lúcio Craveiro da Silva continua a ser tão atual. ◗
Para um retrato de Lúcio Craveiro da Silva
Conheci pessoalmente o Professor
Lúcio Craveiro da Silva em Outubro de
1976, quando tomei a decisão, perante
a anarquia pós-revolucionária que se
instalara na Universidade de Coimbra,
de vir ensinar, em regime de comissão
de serviço, na nova Universidade do
Minho, que então iniciava formalmente
os seus inovadores cursos de Formação de Professores na área de Línguas
e Literaturas Modernas.
Relembro com emoção as modestíssimas instalações, na rua D. Pedro V,
da Unidade Científico-Pedagógica de
Letras e Artes, da qual era presidente o Professor Lúcio Craveiro, onde
trabalharam durante vários anos, com
admirável espírito de missão e exemplar competência científica e pedagógica, jovens docentes que viriam a
realizar brilhantes carreiras académicas
e aos quais se ficou a dever o desenvolvimento, nos planos do ensino e da
investigação, das Letras e das Ciências
Humanas na Universidade do Minho.
A imagem que guardo dos primeiros encontros com o Professor Lúcio
Craveiro da Silva é a de uma pessoa
cortês, de discurso parcimonioso, acolhedora, prudente e serena. À medida que as
nossas relações pessoais e universitárias se
foram aprofundando, esta primeira imagem confirmou-se e enriqueceu-se, mas
fui descobrindo e admirando na personalidade do Professor Lúcio Craveiro outros
predicados que muito contribuíram para
fundamentar e fecundar a nossa longa
amizade: a dedicação à causa da educação
e em particular ao desenvolvimento do
ensino universitário; o gosto pela cultura
filosófico-literária; o empenhamento na
solução justa dos problemas sociais; o
afecto profundo, não patrioteiro, ao país
em que nos coube nascer.
Lúcio Craveiro sabia bem que Portugal
possuía escassos recursos económicos
naturais e que por isso o seu desenvolvimento económico-social tinha de se
fundar na qualificação cultural, científica
e técnica dos seus meios humanos, o
que equivalia a atribuir à Escola, desde o
ensino básico ao ensino universitário, uma
relevância cimeira no quadro de qualquer
política nacional. Numerosas vezes ouvi
Lúcio Craveiro lamentar que Portugal, ao
contrário da Espanha, não tivesse criado,
em tempo oportuno, uma Universidade
no seu império ultramarino e que tivesse
confinado praticamente durante séculos o
ensino universitário a uma única instituição. Coerentemente, dedicou grande parte
da sua vida à criação e ao desenvolvimento inovador de instituições do ensino
superior, desde o Instituto Superior Económico e Social de Évora até à Universidade
Católica Portuguesa e à Universidade do
Minho. Em todas estas realizações institucionais, investiu o Professor Lúcio Craveiro, para além do seu saber, a sua singular
sabedoria, o seu apurado conhecimento
das circunstâncias, das conjunturas históricas e dos homens. Era um pensador que,
sem prejuízo dos seus ideais religiosos e
filosóficos, foi um homem de acção – um
homem de acção modelarmente coerente,
justo, dialogante, discreto e prudente.
Não posso deixar de me referir ao profundo gosto e ao interesse genuíno com que
o Professor Lúcio Craveiro me falou sempre da literatura e dos estudos literários –
gosto e interesse de que deixou múltiplos
testemunhos na sua actividade docente e
sobretudo em diversos ensaios felizmente coligidos em volumes publicados na
Vítor Aguiar e Silva
Prof. Jubilado
(e antigo Vice-Reitor)
da Universidade do Minho
última década do século XX. Antero de
Quental foi o poeta-filósofo que mais
admirou e a cuja obra dedicou desvelada atenção. Em Antero confluíam os
grandes vectores que sempre nortearam
a actividade espiritual e mental de Lúcio
Craveiro: a indagação metafísica; o culto
da poesia filosófica; a preocupação com
a justiça social; o anseio de redimir Portugal de uma decadência secular. ◗
Setembro de 2014
Prof. Lúcio Craveiro e Prof. Aguiar e Silva
Segundo o Professor Lúcio, «uma Universidade vale o que valerem os seus professores; tudo o mais vem por acréscimo» («Nos 25 anos dos Cursos de Letras
e Ciências Humanas da Universidade do Minho», 2004). Ao declarar esta sua
convicção, um dos nomes que tinha em mente era precisamente o do Professor
Aguiar e Silva, que trazia consigo da Universidade da Lusa Atenas para a tenra
Universidade do Minho um precioso património de saber, de saber fazer e de
saber ensinar. Deste eminente co-fundador dos Cursos de Letras e Ciências
Humanas na Universidade do Minho, diz o Professor Lúcio: «Coimbra estava
distraída ou confusa quando deixou que o Professor Aguiar e Silva preferisse
esta Universidade. É que a sua preferência foi decisiva para o desenvolvimento mais rápido e progressivo da Unidade de Letras e Artes – hoje Instituto de
Letras e Ciências Humanas – não só do ensino do português (…), mas de todo
o Instituto. Eu ainda apareci timidamente, no Guia de 1980-1981, à frente das
Letras e das Artes, mas já então no Centro de Estudos Portugueses (antecessor
do Centro de Estudos Humanísticos) fui substituído com vantagem indiscutível,
sem humildade o digo, pelo Prof. Aguiar e Silva como presidente.» (Ibid.). ◗
VI
Cultura
QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014
Manuel Gama
Professor
da UMinho
e antigo aluno
do Prof. Lúcio
Craveiro
Recordando
Lúcio Craveiro
Tive a sorte de conviver de forma assídua com o Prof.
Lúcio Craveiro da Silva, durante mais de trinta anos. Primeiro, no âmbito da Faculdade de Filosofia de Braga da
Universidade Católica Portuguesa e, depois, na Universidade do Minho, mas sempre em clima de amizade, que
incluiu também a persistente confraternização familiar.
Digo “sorte”, pois no meu percurso vital, para além de
outros casos de especial apreço, o Prof. Lúcio foi das
pessoas que, pelo seu exemplo, pela sua atitude, pela sua
cosmovisão, me leva a dizer que sem o seu convívio a
minha vida teria sido diferente. Referirei algumas dimensões da sua pessoa que, ao serem assumidas por mim,
continuam a influenciar os meus horizontes e a servir de
bússola na procura dos caminhos mais corretos.
O equilíbrio, a harmonia, a paz, eram traços distintivos
do seu caráter. Suportados onde? Por um lado, nos seus
educadores. Ele próprio rememorou de forma escrita
esta dimensão. Do seu professor primário, ficou-lhe o
entusiasmo pelas coisas. Dos seus familiares, herdou
valores sólidos: do avô, o sentido de justiça; do pai, a
seriedade de caráter, a honradez; da mãe, o equilíbrio, a
delicadeza no trato, o saber escutar. Mas, entre todos, a
figura mais marcante – como ele confessava – foi a mãe,
sobretudo no saber aceitar as pessoas, no ser amigo das
pessoas. Depois, aquele seu equilíbrio tão caraterístico,
enraizava numa áurea de silêncio e reflexão, que ele buscava “disfarçadamente”. Para além do perfil de intelectual,
ele tinha um fundo místico. Aliás, os cargos que exerceu
(e foram muitos: dentro da Companhia de Jesus e no
mundo civil) foram uma segunda pele; a sua assunção
era uma resposta externa e interna à nobre função do
“serviço”. Nunca o vimos na expetativa de esperar qualquer recompensa.
Há outra faceta muito caraterística, que podemos denominar de vertente diplomática. Como era extremamente
arguto na “leitura” que fazia das pessoas (expressa em
observações certeiras, sem serem ofensivas, que muitas
vezes me confidenciava no percurso das boleias, em
que nos fazíamos companhia), tinha uma sensibilidade
especial no trato pessoal e na forma como contribuía
para resolver as dificuldades que iam aparecendo. Ele
próprio confessava a sua admiração por ser chamado
para resolver situações difíceis.
Por fim, admirava-lhe ainda a estima, sem desânimo,
por Portugal. Mas, contrariamente à tónica da mentalidade do comum dos portugueses, não lhe ouvíamos
lamentações ou apelar “ao meu tempo”. O seu olhar
tinha como horizonte o futuro e, especialmente, as
novas gerações.
Em conclusão, a memória do Prof. Lúcio que mais frequentemente me ocorre ao espírito é a sua sabedoria
aliada à simplicidade, a sua tolerância e o seu manso
sentido de humor. ◗
Braga, outono de 2014
Diário do Minho
“A cultura e os problemas portugueses
são a casa onde vivo e respiro”
(Lúcio Craveiro da Silva)
Miguel
Gonçalves
Diretor
da Faculdade
de Filosofia
da Universidade
Católica / Braga
Do conjunto dos mestres mais destacados da “Escola
de Filosofia Bracarense” – António Dias de Magalhães,
Cassiano Abranches, Diamantino Martins, José Bacelar e Oliveira, Júlio Fragata, Vitorino de Sousa Alves,
Roque Cabral e Lúcio Craveiro da Silva (mestres de
idêntico prestígio, jesuítas ou não, como António
Freire, Manuel Morais e Amadeu Torres não integram,
porém, esta escola) –, apenas não conheci o primeiro.
Dos restantes, fui aluno de Júlio Fragata, Vitorino de
Sousa Alves e de Roque Cabral, o que significa que,
relativamente a Lúcio Craveiro da Silva, o meu testemunho, se, por um lado, pode ter o distanciamento
crítico sempre necessário a qualquer intento de objetividade, por outro, poderá não ter a proximidade que um depoimento desta natureza não deixa de também reclamar.
Das três vezes em que foi Diretor da FacFil, apenas
tive o privilégio de conviver com o Prof. Lúcio Craveiro já nos últimos mandatos, sendo eu, então, um
jovem assistente estagiário. Honrou-me com a sua
presença (e dignificando o ato), ao presidir ao júri que
apreciou as minhas Provas de Aptidão Pedagógica e
Capacidade Científica, e do qual faziam parte outros
dois vultos da universidade bracarense: os Profs. Doutor
Amadeu Torres (UCP-UM) e J. Azevedo Ferreira (UM).
Desse período (final da década de 80, início da de 90),
respigo breves marcas da sua passagem pela Direção
da FacFil, que de alguma forma ilustram a sua
permanente forma de ser. Em nome da especificidade da “sua Faculdade” no seio da UCP, sobretudo quando comparada com as Escolas de Direito
e Gestão nascentes, reclamou, com êxito, não
só a manutenção da dedicação exclusiva, mas
também a tabela salarial indexada à das universidades públicas. Quase em simultâneo, quando
nas “universidades novas” a chamada “formação
em exercício” começava a ser uma realidade,
respondeu favoravelmente ao repto lançado
pelos assistentes estagiários e assistentes, contra
o parecer de alguns, para que idêntico processo
fosse aprovado; finalmente, ante a distração e
a teimosia dos que persistiam na imitação dos
modelos vigentes, sobretudo na parte continental
da Europa, com a sua persistência e tenacidade,
fez vingar a visão anglo-americana, conseguindo,
através de uma combinação pouco provável, a
aprovação do Curso de Filosofia e Desenvolvimento da Empresa, na FacFil.
Sacerdote por vocação e filósofo de formação,
representou a síntese harmoniosa entre a Fé
e a Cultura – “a cultura e os problemas portugueses são a casa onde vivo e respiro” –, sendo,
consabidamente, uma referência na história do
pensamento filosófico português e em temas
de natureza ética e social. Simultaneamente, era
um homem tão tolerante quanto firme nas suas
certezas e convicções; permanentemente aberto
ao diálogo, mas nem por isso menos pragmático;
defensor convicto do progresso e da inovação, mas
sem qualquer cedência em relação à tradição.
Viveu totalmente dedicado à cidade e às suas
universidades, e estas, de uma forma geral, têm
sabido ser-lhe gratas. Olhando-o diariamente no
meu gabinete de trabalho, sinto-me um aprendiz
que tem o dever de seguir-lhe as pegadas num
caminho que, afinal, todos deviam tentar trilhar. ◗
A obra do Prof. Lúcio Craveiro
constitui um marco relevante
no panorama
da Filosofia em Portugal
Desde o início da minha carreira académica, em 1982, comecei a ter como
referência de excelência a personalidade e a obra do Prof. Doutor Lúcio
Craveiro da Silva.
A obra de Lúcio Craveiro constitui um marco da maior relevância no panorama da Filosofia em Portugal, já de si não muito profícuo.
Lúcio Craveiro não foi apenas um historiador da filosofia, rigoroso e exigente,
mas um pensador com percurso próprio e profundamente sugestivo, tendose também afirmado como professor e dedicado gestor universitário, com
vincado pendor institucionalista. ◗
Pedro Calafate
Universidade de Lisboa
Professor Catedrático do Departamento
de Filosofia da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa
e Diretor do Centro de Filosofia
da mesma Universidade.
Diário do Minho
Cultura
QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014
VII
Brevíssima evocação
Vai fazer no próximo dia 6
de Dezembro 40 anos que o
Professor Carlos Lloyd Braga,
reitor da Universidade do
Minho, me deu posse como
técnico dos Serviços de Documentação daquela instituição, começando logo a trabalhar no edifício da Biblioteca
Pública e Arquivo Distrital
onde a Comissão Instaladora
da UM estava sedeada.
Da CIUM fazia parte o Professor Lúcio Craveiro da Silva,
um jesuíta beirão (da Serra
da Estrela) desde muito novo
conquistado pelo Minho,
“a província mais alegre e
festeira de Portugal”, o seu
membro que melhor conhecia a região, pois aqui tinha
estudado, sido professor e se
doutorara em Filosofia (depois de ter feito a sua formação académica na Espanha,
Inglaterra e Bélgica) no
Instituto que seria o embrião
da Faculdade de Filosofia de
Braga, a qual posteriormente
viria a dirigir, por 3 vezes.
Embora de vez em quando
me cruzasse com o Prof.
Lúcio nos corredores e salões
daquele palácio, só o comecei a
contactar regularmente no início
de 1976, depois de eu ter elaborado a pedido do Reitor um relatório
sobre a “Situação da arqueologia
bracarense” e a CODEP ter iniciado
o seu combate pela preservação e
estudo de Bracara Augusta.
O Prof. Lúcio foi indicado pelo
Reitor para acompanhar o doutor Jorge de Alarcão numa visita
promovida pela CODEP às ruínas
então postas a descoberto e a
participar no debate público então
promovido, em Fev. 1976, sendo
eu o seu interlocutor mais directo.
Começou assim uma relação de
verdadeira e profunda amizade
e admiração (quase diria veneração) que me uniu ao Prof Lúcio até
aos últimos dias da sua vida que,
tenho a veleidade de dizer, sabia
ser recíproca (a amizade, claro).
O Prof. Lúcio era um homem
profundamente culto, com um
gosto entranhado pelo livro e
pela leitura. Lamentava-se por
vezes que os inúmeros cargos
que ocupara o tinham impedido de fazer aquilo de que mais
gostava, a leitura e o estudo, a
investigação e a escrita.
Tendo vindo para Braga em
1934, depois de uma breve passagem pela Galiza, então com
20 anos, Lúcio Craveiro chegara
a frequentar a Biblioteca Pública
ainda instalada nos Congregados, o que levara Alberto Feio a
querer saber quem era aquele
jovem que requisitava livros
tão eruditos. Foi durante a sua
vida um utilizador constante da
BPB e foi com gosto que com
a CIUM “começou a trabalhar
nas perdidas salas da Biblioteca,
acompanhada de longas filas de
livros encanecidos pelos séculos
e documentos tão antigos como
sugestivos a que era necessário
dar nova vida”, como efectivamente veio a verificar-se.
Radicado em Braga, não ignorava
a importância do seu Património
e do seu passado histórico, das
suas origens, o que o levou a
escrever sobre Bracara Augusta e
a Galécia, considerando-a berço
da Idade Média europeia.
Por sua iniciativa a Universidade
do Minho editou as traduções,
pela primeira vez em português,
realizadas pelo dr. José Cardoso,
da “Crónica” de Idácio e da “História contra os pagãos”, de Paulo
Orósio (de provável origem braca-
Henrique
Barreto Nunes
Antigo Diretor
da Bibl. Pública e do ADB
e atual Vice-Presidente
do Cons. Cultural da UMinho
rense), tendo ele próprio dedicado
a sua atenção a S. Martinho de
Dume, realçando o seu papel na
génese do pensamento europeu.
Também por essas razões o Prof.
Lúcio acompanhou sempre com
grande interesse o trabalho da
Unidade de Arqueologia da Univ.
do Minho, o que se reflectia no
apoio que dava, no seio do Conselho Cultural, ao seu trabalho,
bem como na presença constante nas conferências e palestras
que, a convite da BPB, Francisco
Sande Lemos e Manuela Martins
frequentemente realizaram.
Foi muito feliz e oportuno
o convite que a reitoria da
Univ. do Minho lhe fez para
ser presidente do Conselho
Cultural, funções que desempenhou entre 1986 e 2007,
dedicando-se a apoiar, unir
e desenvolver, graças à sua
“magistratura de influência” e
às suas qualidades humanas,
as actividades das 7/8 unidades culturais da Universidade, conseguindo que a sua
presença na universidade e a
relação com a comunidade
ganhassem grande dimensão.
Estes são apenas breves
apontamentos evocativos de
alguns aspectos do perfil cultural, rico e multifacetado, do
Professor Lúcio Craveiro da
Silva, um verdadeiro humanista que, não deixando de
ser profundamente religioso
e jesuíta, era um homem de
grande abertura de espírito e
de enorme tolerância.
Frequentemente recorri ao
seu apoio e conselho, por
isso foi um Amigo cuja falta
ainda hoje continuo irremediavelmente a sentir. ◗
Evocação pessoal do Prof. Lúcio Craveiro
A generosidade e a perspicácia do Professor Lúcio foram sempre para mim as
suas características de personalidade
mais marcantes, e aquelas que mais
deixaram marca indelével, e para sempre saudosa, na minha memória. A primeira imagem que dele guardo, tinha
eu acabado de ingressar na Universidade do Minho como Assistente estagiária, tinha então 23 anos. O Professor
Lúcio, então Presidente da chamada
Unidade Pedagógica de Letras e Artes,
a funcionar em instalações mais que
provisórias na Rua de D. Pedro V, era
presença assídua nas Letras, como então já dizíamos, profundamente atento
em relação aos jovens docentes que,
como eu, dávamos os primeiros passos
na Academia, e creio poder dizer, expectante quanto ao contributo que nós
poderíamos vir a dar para o crescimento da UPLA. E isso constituiu um incentivo fundamental para os jovens Assistentes, numa Universidade tão jovem
quanto nós. Foi um tempo de abertura
total, uma explosão de crescimento
da Educação pelo país inteiro, um tempo
também conturbado, que exigiu coragem
e generosidade, palavras fortes, um pouco
em desuso hoje. O Professor Lúcio falava
connosco de um modo próximo e afectivo, sem ser paternalista, e passava-nos
também o seu entusiamo pelo projecto
de construção de uma Universidade nova,
e mais importante que tudo, acreditava
em nós, que era aquilo de que mais precisávamos para integrarmos com ânimo o
projecto colectivo. E foi assim que várias
de nós, fruto do seu incentivo, assim como
da sua generosidade de acreditar em nós,
partimos das Letras pouco mais de dois anos
após ter ingressado, e fomos fazer as nossas
pós-graduações no estrangeiro, Inglaterra
e França, na maior parte dos casos, sendo
que os cursos de Mestrado e Doutoramento
eram então praticamente inexistentes em
Portugal. E todas as que passámos por essa
experiência ímpar, a ele ficamos a dever
a aprendizagem dessa pérola rara que é a
auto-estima e a exigência pessoal.
Quanto à proverbial perspicácia do Professor Lúcio, guardo entre várias imagens, a
sua presença discreta no Conselho Científico das Letras, vários anos após D. Pedro
V, agora já no campus de Gualtar, o Professor Lúcio já então jubilado, e mesmo
assim assídua presença entre nós, fumando tranquilamente nessas reuniões
o seu “pensativo cigarro”, outras vezes
parecendo dormitar, para sem qualquer
sobressalto aparente nos surpreender
com uma achega fundamental num
assunto em discussão, ou um comentário
acutilante! Os restantes entreolhávamonos sorrindo, conhecedores da capacidade
reflexiva do Mestre.
Lembro-me, ainda, que num momento
menos bom da minha vida pessoal, após a
morte de alguém muito próximo, o Professor Lúcio me interpelou sem “falinhas
mansas” e me disse: “É preciso reagir,
menina. Desconheço-a assim”.
Por fim, lembro a sua figura de Presidente
do Conselho Cultural da Universidade do
Minho, a sua sabedoria, a sua experiência
humana e o seu conhecimento profundo
da Academia, e o estremecimento que tive
quando o Professor António Cunha, no
Ana Gabriela Macedo
Antiga Presidente
do Conselho Cultural
da UMinho
início do seu primeiro mandato reitoral, me convidou para o cargo. Creio
que o Professor Lúcio me enviou um
sorriso cúmplice nessa altura, apesar
da inquietação que uma herança de tal
responsabilidade provocou em mim.
Bem-haja, Professor Lúcio! ◗
Braga, 5 Outubro 2014
VIII
Cultura
QUARTA-FEIRA, 26 de novembro de 2014
Prof. Lúcio Craveiro:
um Filósofo-Poeta...
Temos milhões de encontros na vida e outros tantos desencontros. Ficam-nos uns na memória – e esboroam-se
imensos. Outros gravam-se nas raízes da alma – e lá permanecem como inscrições tumulares. Ao longo das minhas atividades académica, docente e jornalística encontrei-me diversas vezes com o Prof. Lúcio Craveiro. Mas nenhum desses encontros ficou tão indelevelmente gravado no meu espírito como o primeiro. Ocorreu há cerca
de três décadas, era ele presidente do Conselho Cultural
da UMinho (havia deixado há pouco o cargo de Reitor,
por limite de idade) – e eu um jovenzinho recém-licenciado, a dar os primeiros passos na docência e a tirocinar
no jornalismo. Por intercessão do saudosíssimo Prof. Amadeu Torres (ai que saudades, Deus meu!), encontrámo-nos
numa confortável salinha por onde borboleteavam intensos anéis de fumo, que se exalavam dos cigarros que ele
sugava com a placidez de um sábio oriental. Falámos durante mais de duas horas. Sobre tudo e sobre nada...
(Mas, ainda assim, também acerca do seu livro
“Antero de Quental – evolução do seu pensamento
filosófico”, assunto que motivara aquele, para mim,
inolvidável encontro...)
Já no crepúsculo da conversa, mostrando saber que eu
havia editado há pouco tempo um singelo livrinho de poemas
(por certo uma propositada inconfidência do Prof. Amadeu...), o Professor Lúcio retirou de uma pastinha quase
negra um exemplar do seu volume “Pègadas no Caminho”
– e ofereceu-mo de olhos semicerrados, com um sorriso
lânguido. Ainda conservo (e preservo) esse exemplar como
se fora a minha “Custódia de Belém”! Na altura, confessoume ele (e sirvo-me do que, nesse dia, escrevi no meu diário
daquele ano, que despudoradamente ainda mantenho!):
“Sabe?, não sei fazer versos! Mas lá me saíram estes... pobrezitos... apenas para mim e para dar aos amigos mais
chegados!”. E acrescentou, vagarosamente: “Veja lá que até
esqueci de pôr o meu nome na capa!...”
(Mas teria sido mesmo... “esquecimento”? Há gestos
simples de Grandes Homens que nos ensinam mais do
que todos os livros da Biblioteca de Alexandria...)
Sempre que falo do Prof. Lúcio com amigos comuns (e
utilizo o presente, porque... quem ousa dizer que ele morreu?!), exaltam-lhe eles as facetas de Pensador, de Filósofo,
de Gestor “visionário”... Eu, porém, calado sempre a este
respeito, penso de mim para mim: “Pensador?... Filósofo?...
Gestor?... Sim, claro. Mas, na verdade, ele foi essencialmente
um Poeta!”. Porque só um poeta sonha o Impossível. E do
Impossível nunca se desiste. E ele nunca desistiu de nada!
Nem mesmo dos Impossíveis que permaneciam ocultos aos
outros – mas que ele antevia, com incomensurável nitidez,
no lado escondido do horizonte...
(O Prof. Lúcio nunca desistiu de nada... Porque tinha
sempre presente a famosa sentença de Cícero: “Não
basta alcançar a Sabedoria: é preciso usá-la”! ◗
À Serra
da Estrela
Lúcio Craveiro
da Silva,
Covilhã, 1963
(In “Pègadas
no Caminho”, 1976)
A Serra da Estrela é alta
da altura do olhar:
Vê-se a Serra a subir
nunca se vê acabar...
Ai Serra que me caíste
dentro do meu coração.
Não pensei que a Serra alta
tivesse tal dimensão.
És alta como um olhar
funda como um coração,
e a minha vida passou
fez de ti habitação.
Ó minha Serra da Estrela
Ó Serra da minha sorte,
dá-me a Estrela para a vida
dá-me a Serra para a morte. ◗
Um Tortosendense que,
mesmo longe,
não esqueceu a sua Terra
Adélia Craveiro
Carvalho Mineiro
Vice-presidente da LAT
– Liga dos Amigos
do Tortosendo (Covilhã)
Em 21 de dezembro de 1990, o senhor Professor
Lúcio Craveiro da Silva veio ao Tortosendo, a
convite da LAT – Liga dos Amigos do Tortosendo
– fazer uma Conferência na qual ele incluiu um
ponto prévio: Testemunho de um Tortosendense.
Em geral, vinha à Covilhã passar o Natal com sua
irmã, Sra. D. Mariazinha, e era aí visitado por seu
primo Ângelo Craveiro, o elo de ligação com a
Terra Natal.
Afortunadamente, no ano de 1994, o casal de
professores universitários Elfrida Ralha (do Tortosendo) e Rui Ralha transferiram-se da Universidade
da Beira Interior para a Universidade do Minho, onde
foram acolhidos, com especial simpatia, pelo senhor
Prof. Lúcio. Através de convivência, criaram-se laços
de amizade que lhe proporcionaram uma maior
aproximação ao Tortosendo.
Numa das obras que me ofereceu, postou a dedicatória: «Aqui lhe deixo uma recordação sentida
de um Tortosendense que, mesmo longe, não
esquece a sua Terra».
Em 26 de dezembro de 1998, a família «Craveiro»
realizou o seu primeiro encontro. Durante o jantar
convívio, o senhor Professor Lúcio leu um poema
de sua autoria:
Na Terra onde nasci
Abílio
Peixoto
Diário do Minho
Tortosendo minha Terra
quem me dera
ir ao Largo da Amoreira
à casa onde vivi
e retornar à lareira
junto aos Pais,
ao berço brando
onde alegre adormeci
o meu futuro embalando!
(…)
– Aonde vais?!
nem berço, nem Amoreira
nem os Pais
nem a lareira…
tudo o tempo levou!
Apenas dentro de mim
uma voz me segredou:
nem tudo mudou assim
pois resta dentro de ti
a luz que brilha e rebrilha,
e te encaminha na vida
e que… despontou aqui, …
– na «Terra onde nasci»!
Após a realização do encontro, e a pedido da LAT,
escreveu um texto que intitulou «Testemunho de
um tortosendense na diáspora», de onde destaco:
«Mas foi no canteiro de Tortosendo que floresci e
a planta participa para sempre da força da Terra
onde lançou raízes. Por isso, alguma coisa da
minha vida profunda devo-a certamente à minha
terra. (…) Na minha família havia republicanos
de vários partidos e até monárquicos e todos se
respeitavam e conviviam familiarmente. (…) Creio
que esta é a faceta que distingue logo um tortosendense. Sabe dialogar, sabe respeitar as divergências, sabe conviver. E por isso aprendi, desde
muito novo, a compreender e a defender a vida
difícil do trabalhador e do operário e a respeitar os
valores humanos de todas as classes sociais. Na
vida universitária (…), isto esteve presente desde
a tese de doutoramento sobre a “Idade do Social”
e no primeiro livro em que depois reuni algumas
conferências que proferi por esse Portugal fora
sobre “O Movimento Operário”. Talvez por compreender quanto devo à minha terra e quanto me
sinto ligado de alguma maneira a ela, já há mais
de trinta anos costumo desfrutar invariavelmente
as minhas férias no alto da Serra da Estrela”.
Fica bem patente, pois, que Lúcio Craveiro, um humanista, um Mestre respeitado e querido pelos seus
pares, um Filho Maior do Tortosendo, não esqueceu a
Terra onde nasceu. Ditosa a Terra que tais filhos tem! ◗
Nota: O “Diário do Minho” agradece ao Dr. David José
Carriço Raposo da Silva, presidente da Junta de Freguesia
de Tortosendo (terra natal do Prof. Lúcio Craveiro), pelos
esforços que envidou no sentido de o Povo Tortosendense
estar “representado” neste caderno cultural – designadamente
através deste artigo da autoria da Prof.ª Doutora Adélia Mineiro, em cujas veias ainda corre sangue da Família Craveiro.
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"Diário do Minho" - 26nov2014 ()