ARQUIVOS, FONTES E HISTORIOGRAFIA CAPIXABA: TECENDO
ESPAÇOS/TEMPOS DE REFLEXÃO, PRODUÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E
INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO
Regina Helena Silva Simões – PPGE/UFES
Sebastião Pimentel Franco – PPGHIS/UFES
Introdução
Ao analisar a pesquisa e o ensino de História nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil,
Ciampi (2000) pontua incertezas, a complexidade e os desafios inerentes à pesquisa e ao
ensino-aprendizagem da História nas universidades.
No âmbito do ensino fundamental, estudos realizados
(BITTENCOURT, 1998;
FONSECA, 1993; NIKITIUK, 1996; NUNES, 1996) apontam igualmente as décadas de
1970 e 1980 como importantes pontos de inflexão na área. Como registra Fonseca (1993,
p.85-86),
[...] a bibliografia especializada passa a revelar uma ampliação do
universo dos objetos e dos documentos, uma diversidade de
interpretações que nos possibilita apreender múltiplas leituras do social
(grifo nosso).
Outros pontos destacados pela autora são a ampliação dos debates promovidos por
associações científicas, nos quais se enfatizavam temas como a ruptura com o modelo
reprodutor de ensino da História, a crítica ao livro didático, o ensino temático, a
diversificação de linguagens e recursos didático-pedagógicos e as reformulações legais e
curriculares ocorridas sob a pressão do movimento organizado.
No contexto acima delineado,
Resgatar o papel da História no currículo passa a ser a tarefa primordial
depois de vários anos em que o livro didático assumiu a forma
curricular, tornando-se quase que fonte ‘exclusiva’ e ‘indispensável’
para o processo de ensino-aprendizagem (FONSECA, 1993, p. 86 grifo
nosso)
Especialmente a partir da década de 1990, questões como a ambigüidade, a
desconstrução e a dispersão de rumos, dentre outros fatores de desestabilização e
reinvenção que caracterizam a chamada “crise de paradigmas” (HELLER et al., 1999),
ecoam em tempos/espaços da história vivida, pensada e ensinada, enquanto os seus
desdobramentos multiplicam-se ou metamorfoseiam-se no caldo da pós-modernidade.
No campo da História da Educação, como não poderia deixar de ser, os
movimentos acima delineados ganham contornos igualmente complexos. Assim, como
aponta a literatura contemporânea, o crescente interesse pelos estudos históricos da
educação tem sido proporcional aos desafios teórico-metodológicos dirigidos aos
pesquisadores na área. Dentre outros pontos, as análises propostas destacam questões
derivadas da gênese da História da Educação como campo disciplinar no Brasil, da
ausência de uma sólida tradição de pesquisas voltadas para a compreensão histórica da
educação e da transição paradigmática em curso (FARIA FILHO, 2000; LOPES, 1995;
LOPES, GALVÃO, 2001; MENDONÇA, 1994; NAGLE, 1984; SAVIANI, LOMBARDI,
SANFELICE, 1998; WARDE, 1991).
Buscando responder a alguns desafios postos à pesquisa e ao ensino-aprendizagem
da História da Educação, apresentamos a seguir um relato de reflexões e experiências
acumuladas ao longo do caminho percorrido em nossas vivências e estudos como
professores/pesquisadores de História e de História da Educação. Apontamos, nesse
processo, algumas pistas visando à fertilização de reflexões e práticas na confluência da
História, da Educação e das novas tecnologias.
1 . Questões sobre o ensino e pesquisa da História da Educação: tateando a semiinvisibilidade...
Tecendo considerações sobre a perplexidade, a ambigüidade, a desconstrução, a
dispersão de rumos e a desestabilização características da chamada “crise de paradigmas”,
Santos (2001) evidencia duas faces da transição paradigmática: a epistemológica e a
societal. Como argumenta o autor, transições paradigmáticas caracterizam-se pela
semicegueira e pela semi-invisibilidade, apontando a importância de
[...] um pensamento construído, ele próprio, com economia de
pilares e habituado a transformar silêncios, sussurros e ressaltos
insignificantes em preciosos sinais de orientação (p. 15).
Nesse tipo de pensamento residiria a utopia1, cuja configuração demanda a crítica
radical tanto aos modelos regulatórios quanto dos emancipatórios, de modo a delinear
“[...]os primeiros traços de horizontes emancipatórios novos em que eventualmente se
anuncia o paradigma emergente” (p. 16).
Se, como indica Santos (2001), uma das implicações do conhecimentoemancipação, voltado para a solidariedade (em contraposição ao colonialismo) reside no
reconhecimento multicultural; se o diálogo entre culturas tem sido dificultado pelo
silenciamento despontencializador das diferenças, acreditamos que valha a pena pensar a
possibilidade da História da Educação constituir-se também como
[...] teoria de tradução que sirva de suporte epistemológico às práticas
emancipatórias, todas elas finitas e incompletas e, por isso, apenas
sustentáveis quando ligadas em rede (SANTOS, 2001, p. 27)
Para tanto, partimos do pressuposto de que, ao tatear a semi-invisiblidade da
transição paradigmática, a ênfase ao “mergulho nas fontes” em busca de novas e ampliadas
interpretações da realidade, com economia de pilares, reveste-se de especial importância
para os professores/pesquisadores da história e, conseqüentemente, da História da
Educação.
Outro pressuposto assumido é que, se as novas abordagens da ciência alargam e
desafiam os caminhos da pesquisa histórica tendo a educação como objeto, acabam
também por dirigir novas exigências ao tratamento de fontes, considerando-as no contexto
das novas tecnologias e desafios lançados pelas diferentes vertentes que orientam a
produção e a socialização do conhecimento histórico. Dentre essas exigências, destacamos
a importância de possibilitar a professores, pesquisadores e estudantes o acesso e a análise
de fontes como forma de suscitar novas leituras e interpretações históricas da educação.
Vidal (2000, p.38) assinala, dentre as mudanças operadas no campo da
historiografia nas últimas décadas, “[...] o interesse pelo cotidiano e pela materialidade dos
objetos culturais e a necessidade do descarte e da referenciação documental”.
Em face aos novos interesses evidenciados no cenário historiográfico, sugere a
autora que se faz urgente pensar
[...] uma política de preservação e de descarte documental [...] sob
risco de legarmos ao futuro o que o passado nos legou: documentos
que sobreviveram a uma espécie de seleção natural (seja ela
intempérie, seja descuido humano ou razões menos aleatórias...) (p.
38).
Nesse processo de valorização do acesso e preservação de fontes históricas da
educação, outro ponto destacado tem sido o desenvolvimento de estudos regionais e
locais, como forma de dar visibilidade a realidades e sujeitos normalmente ignorados ou
obscurecidos na escrita da História universalizante. No caso de Espírito Santo, pelo menos
dois outros desafios se apresentam aos pesquisadores preocupados com a escrita da
História da Educação local: a) a escassez da produção historiográfica dirigida ao Estado
como um todo e à realidade educacional em particular; b) a precariedade e a dispersão de
fontes.
2 . Revisitando caminhos percorridos em busca da fontes sobre a História da
Educação no Espírito Santo
Buscando responder às questões citadas, produzimos um catálogo de fontes sobre a
história da educação no Espírito Santo (SIMÕES; FRANCO, 2004), no qual aplicamos a
tecnologia digital no processo de organização, registro, análise e consulta interativa às
fontes inventariadas. Na composição do referido catálogo (digitalizado em forma de banco
de dados), identificamos, inventariamos e analisamos fontes necessárias à análise histórica
da educação no Espírito Santo, enfocando, dentre outros aspectos, a formação e as práticas
de professores em diferentes contextos.
Até o presente momento, concluímos o inventário e a análise das 475 fontes
encontradas no acervo do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo até o final de 2003.
Esse material
encontra-se digitalizado em formato de banco de dados (CD-ROM
interativo), com entrada por autor, título, descritores, data e resumo analítico.
Os documentos foram selecionados obedecendo aos seguintes critérios: a) títulos
relativos à historiografia capixaba; b) títulos referentes à educação no Espírito Santo e; c)
títulos relacionados com a historiografia da educação. Posteriormente, foram analisados e
resumidos para a composição final do catálogo de fontes. Utilizando o software SPSS,
procedemos ao tratamento inicial dos dados, agrupando os documentos de acordo com os
seguintes temas: 1) Companhia de Jesus no Espírito Santo (29); 2) Teorias e práticas
pedagógicas (63); 3) Historiografia e História do Espírito Santo (59); 4) Obras de
referência (7); 5) Formação para o trabalho (20); 6) Educação e cultura (9); 7) Políticas,
legislação e planejamento da educação (93); 8) Profissionalidade docente (32); 9) Ensino
superior (46); 10) Biografias (13); 11); Séries estatísticas (17); 12) Educação e sociedade
(8); 13) Educação de jovens e adultos (4); 14) História da Educação no Espírito Santo (9);
15) Educação no meio rural (21); 16) Instituições públicas (14); 17) Formação moral (2);
18) Fins da educação (2); 19) Bibliografias (7); 20) Educação e saúde (2); 21) Educação
cívica (3); 22) Livros didáticos (5); 23) Educação e comunicação (4); 24) Trabalho
feminino (1). Cinco documentos estiveram indisponíveis para consulta. Com relação às
teorias e práticas pedagógicas, identificamos os seguintes subtemas: Educação artística;
Educação infantil; Educação especial; Educação ambiental; Museus e bibliotecas escolares;
Currículos e programas; Ensino de Português; Ensino de Matemática; Ensino de
Geografia; Ensino de História; Avaliação Escolar. Políticas, legislação e planejamento da
educação compreende Normas e regimentos escolares, Decretos e leis estaduais e
municipais, Constituições e Relatórios de governo. Profissionalidade docente abrange
Associação Brasileira de Educação (ABE); Formação de professores; Valorização, carreira
e salário. Quanto ao Ensino superior, identificamos como subtema Estudantes e
movimentos estudantis. Educação e sociedade compreende Ação social;
Escola e
comunidade; Movimentos sociais. A temática Instituições públicas inclui Institutos,
Bibliotecas e Escolas.
Os tipos de documentos encontrados foram: Anais (4); Catálogos (12);
Conferências, discursos e palestras (7); Dissertações e monografias (5); Livros (88);
Periódicos (274); Projetos de pesquisa (1); Publicações oficiais (74) e Relatórios (10).
Apenas dois documentos são anteriores a 1930. Grande parte deles foi produzida entre
1964-1985 (132) e 1930-1945 (90), ou seja, durante os dois períodos de governo ditatorial
que marcaram a República Brasileira no século XX. Com relação aos periódicos, apenas
quatro dos 21 títulos computados dirigem-se exclusivamente à educação. Nesses quatro,
estão contidos 177 dos 274 artigos inventariados. Em números da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Espírito Santo, encontramos 21 artigos cujos temas são ligados
à educação.
O elemento disparador do projeto de elaboração do catálogo de fontes foi a lacuna
percebida por professores e alunos da linha do pesquisa Formação e Prática de
Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, interessados na
abordagem histórica do tema. Evidenciou-se, dessa forma, a necessidade de garimpar,
inventariar e organizar fontes sobre a História da Educação no Espírito Santo, para
viabilizar e dar suporte a estudos realizados na área.
Como essas questões em mente começamos, em 2003, o trabalho que resultou na
elaboração do catálogo de fontes sobre a educação capixaba aqui descrito. A equipe de
pesquisa compunha-se de seis mestrandos, uma professora, uma bibliotecária, todos do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito
Santo, e um professor do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS), interessado,
como os outros participantes do grupo, em explorar questões históricas da educação. A
pesquisa acolheu, ainda, alunos bolsistas dos cursos de Pedagogia (1) e História (2).
Aos pesquisadores (professoras e mestrandos) da linha de pesquisa Formação e
Prática de Professores do PPGE interessava/interessa buscar, sistematizar e analisar fontes
que pudessem subsidiar estudos e pesquisas no campo da história da educação, focalizando
especialmente a formação e a prática de professores no Espírito Santo. Ao pesquisador do
Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS) interessava/interessa estudar as
políticas públicas educacionais do século XIX. Ao conjunto dos atores interessava articular
estudos e pesquisas realizados por pesquisadores da História e da Educação que, por
atuarem em diferentes centros da UFES, tendem a manter-se isolados e, principalmente,
encontrar meios de socializar os resultados obtidos.
O financiamento obtido do Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia (FACITEC),
mantido pela Prefeitura Municipal de Vitória, foi decisivo para concretizarmos parte da
socialização pretendida, uma vez que permitiu a montagem de um banco de dados em CDROM interativo distribuído entre pesquisadores, professores e instituições dedicadas ao
ensino e à pesquisa. A escolha desse formato traz vantagens como a possibilidade de
atualização permanente, da localização facilitada dos documentos, sem necessidade inicial
do deslocamento do pesquisador até os locais de armazenamento e do cruzamento de
dados. As entradas por autor, título, data, resumo analítico e descritores, submetidas a uma
série de diferentes combinações por meio do CD-ROM acabam tendo um potencial gerador
de estudos e pesquisas, ao evidenciarem, por exemplo, lacunas e recorrências em diferentes
momentos da História da Educação no Espírito Santo.
Outra forma de divulgação foi a publicação do catálogo pela Editora da
Universidade Federal do Espírito Santo em 2004. Tanto o CD-ROM quanto o livro serão
doados a instituições de ensino e pesquisa, professores e pesquisadores. Esse trabalho
inicial disparou outras necessidades e interesses, cujos desdobramentos descrevemos no
momento seguinte.
4 . Tecendo espaços/tempos de reflexão, produção, socialização e investigação
histórica da educação no Espírito Santo
De modo geral, os debates realizados em torno da pesquisa histórica da educação
tendem a convergir em um ponto: a importância do tratamento e do acesso às fontes. Por
outro lado, observa-se que, na atualidade, esses dois aspectos não podem ser pensados ao
largo das novas tecnologias.
Analisando as falas apresentadas no Seminário “O impacto das novas tecnologias
na pesquisa e na formação do pesquisador em História da Educação”, no qual um dos
temas abordados foi as novas tecnologias em interface com a pesquisa em História da
Educação, Gondra (2000, p. 7) salienta duas recorrências nos discursos enunciados sobre a
questão:
. O emprego dos novos suportes na pesquisa histórica constitui-se
em uma imposição do tempo presente não devendo, contudo,
restringir-se à dimensão técnica, nem ficar restrito a uma área do
conhecimento. A presença ativa do pesquisador da área,
estabelecendo interfaces com outros campos disciplinares parece
indicar uma referência que deveria pautar a relação com os novos
suportes.
. Combinar a reflexão acerca da recepção, seleção, descarte e
preservação com a questão da linguagem exigida pelos novos e
diferentes suportes é também um outro alerta assinalado[...]
Com isso em mente, buscamos explorar a possibilidade da utilização de novas
tecnologias como suporte à pesquisa histórica e à ampliação do acesso e consulta a fontes.
Ao fazê-lo, propusemos a criação do Núcleo de Estudos sobre Educação e História no
Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, reunindo professores
e pesquisadores que atuam nas áreas de confluência da Educação, da História, da
arquivologia e da informática, com o objetivo de promover, integrar e divulgar estudos e
pesquisas sobre o tema.
Ao trabalharmos a composição de banco de dados com o objetivo de promover e ampliar a
interação entre os pesquisadores e as fontes da história, entendemos, como Vidal (2000, p. 30-40)
que
Buscar profissionais sensíveis às questões da preservação da memória e dispostos a
reavaliar suas práticas de trabalho impõe estabelecer diálogos em que o historiador
também se permite o desafio de compreender as novas tecnologias e de reavaliar os
supostos do seu campo de atuação. A composição de banco de dados não é uma
tarefa fácil nem superficial que possa ser deixada com o técnico. Como estantes de
uma biblioteca, os bancos armazenam informações que se não são apropriadamente
organizadas podem desaparecer[...].
Buscando dimensionar os rumos tomados pelo grupo de pesquisadores, organizamos um
quadro indicando pesquisas e estudos realizados e em andamento.
PROJETOS
História da Educação no Espírito Santo: Catálogo de Fontes
Início
2003
Término
EA
Impressões de estudantes: um estudo sobre a publicação
Excelsior, do “Colégio Nossa Senhora Auxiliadora” (1942-1952)
2004
2004
Pela Virgem Maria e pela Pátria: o Colégio do Carmo e a 2003
2003
formação de mulheres capixabas nas décadas de 1930 e 1940
As relações entre o ensino e a pesquisa no processo de formação
2002
EA
de professores
O patrimônio como fonte no ensino-aprendizagem de História
2003
EA
Construção histórica da profissionalidade docente no Espírito 2003
EA
Santo (1908-1930)
Construção histórica da identidade profissional do homem como 2004
EA
docente das séries iniciais do ensino fundamental
Relação museu-escola: abordagens da temática capixaba na 2003
EA
formação continuada de professores de História
A utilização de documentários no processo de ensino- 2004
EA
aprendizagem de História
Novas tecnologias e formação continuada de professores
2003
EA
Políticas públicas educacionais no Espírito Santo, no século XIX
2003
EA
Estado do conhecimento sobre a História da Educação no Espírito 2004
EA
Santo
Quadro I - Núcleo de Estudos sobre Educação e História no Centro de Educação da
Universidade Federal do Espírito Santo: estudos e pesquisas
A expectativa é que, ao instituirmos o Núcleo de Estudos sobre Educação e
História no Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, tendo
como eixo inicial de sustentação o inventário, a sistematização e a análise de fontes sobre a
História da Educação capixaba, possamos tecer redes de produção e socialização de
conhecimentos, explorando as interfaces da educação, da história e das novas tecnologias
tanto no âmbito da história pesquisada e ensinada quanto no campo da História da
Educação.
Como ponto de partida, parece-nos fundamental investir sistematicamente na
alimentação do banco de dados, o que estaremos operando por meio de levantamentos
realizados na Biblioteca Pública Estadual e na Biblioteca da Universidade Federal do
Espírito Santo.
De pronto, ao analisarmos os documentos disponíveis no Arquivo Público, alguns
pontos parecem evidentes: a) a falta de critério na composição e organização do acervo,
expressa na descontinuidade e na extrema heterogeneidade dos documentos armazenados;
b) a ausência, em 2003, quando realizamos a pesquisa, de registros posteriores ao ano de
2000; c) a precariedade de meios disponíveis para o tratamento das obras e para o
desenvolvimento da pesquisa nas dependências do Arquivo. Essas e outras questões
remetem à ausência de políticas públicas voltadas para a preservação de fontes.
Com o presente trabalho e seus desdobramentos, esperamos dar visibilidade à
importância da pesquisa histórica sobre a educação no Espírito Santo, compondo parcerias
entre academia, professores, pesquisadores e órgãos responsáveis pela preservação da
memória capixaba. Ao fazê-lo, pretendemos alargar o desafio para além da composição,
guarda e manutenção de acervos, ainda que essa tarefa já pareça suficientemente árdua em
face à precariedade de meios. Indagamos, na verdade, sobre a possibilidade de tecer, com
base em acervos locais, espaços/tempos de reflexão, produção, socialização e investigação
histórica da educação capixaba.
Sem dúvida, trata-se de interfaces problemáticas, quer seja pela polissemia da
História e da Educação, quer seja pela complexa constituição da História da Educação
como campo epistemológico. Em 1991, Warde dizia que
[...] a tarefa de enfrentar a História é arriscada; os problemas brotam de todos
os lados e ganham as mais diferentes formas. Mas, a tarefa com relação à
História da Educação é arriscadíssima. Os historiadores, mesmo admitindo
as suas dissenções, pelo menos aludem-se mutuamente, porque, bem ou mal,
reconhecem o ofício de historiador. Mas a quem se reporta aquele que
investiga a História da Educação?
(p. 3).
De lá até aqui, águas turbulentas e freqüentemente turvas têm rolado sob a ponte
exigindo dos pesquisadores da História, da Educação e da História da Educação
criatividade e coragem para novos mergulhos. Nesse contexto, tecer redes de solidariedade
e de trocas de conhecimentos, buscando fazer dialogar pesquisadores, professores e
estudantes na confluência da História e da Educação, parece-nos uma ferramenta
importante na busca de novas pistas para pesquisar, pensar e, especialmente, viver a
História da Educação.
Referências
BITTENCOURT, Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de
História. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 1998.
CIAMPI, Helenice. A História pensada e ensinada: da geração das certezas à geração das
incertezas. São Paulo: EDUC, 2000
FARIA FILHO, Luciano Mendes de (Org.). Arquivos, fontes e novas tecnologias:
questões para a história da educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.
FONSECA, Selva G. Caminhos da história ensinada. São Paulo: Papirus, 1993.
GONDRA, José G. A leveza dos Bits: história da educação e as novas tecnologias. In:
FARIA FILHO, Luciano Mendes de (Org.). Arquivos, fontes e novas tecnologias:
questões para a história da educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.
HELLER, Agnes et al. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o
século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
LOPES, Eliane Marta Teixeira. Perspectivas históricas da educação. São Paulo:
Ática, 1995.
LOPES, Eliane Marta Teixeira, GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da
educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MENDONÇA, Ana Walesca P. Campos. A história da educação face à “crise dos
paradigmas” In: BRANDÃO, Zaia (Org.). A crise dos paradigmas e a educação. São
Paulo: Cortez, 1994.
NIKITIUK, Sônia L. (Org.). Repensando o ensino de história. São Paulo: Cortez, 1996.
NUNES, Silma do Carmo. Concepções de mundo no ensino de história. Campinas, SP:
Papirus, 1996.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o
desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2001.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São
Paulo: Cortez, 1980.
SAVIANI, Dermeval; LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luís (Org.).
História e história da educação: o debate teórico-metodológico atual. Campinas, SP:
Autores Associados, 1998.
SIMÕES, Regina Helena Silva.; FRANCO, Sebastião Pimentel (Org.). História da
educação no Espírito Santo: catálogo de fontes. Vitória: EDUFES, 2004.
VIDAL, Diana Gonçalves. Fim do mundo do fim: avaliação, preservação e descarte
documental. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes de (Org.). Arquivos, fontes e novas
tecnologias: questões para a história da educação. Campinas, SP: Autores Associados,
2000.
WARDE, Miriam Jorge. Contribuição da história para a educação. Em Aberto,
Brasília, p. 3-11, mar.1991.
1
Utopia, na definição de Santos (1997) significa [...] exploração de novas possibilidades e
vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só
porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de
desejar e por que vale a pena lutar. A utopia é, assim, duplamente relativa. Por um lado é
uma chamada de atenção para o que não existe como (contra)parte integrante, mas
silenciada, do que existe. Pertence à época pelo modo como se aparta dela. Por outro
lado, a utopia é sempre desigualmente utópica, na medida em que a imaginação do novo é
composta em parte por novas combinações e novas escalas do que existe. Uma
compreensão profunda da realidade é assim essencial ao exercício da utopia, condição
para que a radicalidade da imaginação não colida com o seu realismo ( p. 323)
Download

arquivos, fontes e historiografia capixaba