doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03022
O AMOR E A FELICIDADE EM SANTO AGOSTINHO COMO
ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO DO HOMEM
DE PAULA, Andriely Samanda. 1
PEREIRA MELO, José Joaquim. DFE/ PPE/ UEM2
Introdução:
Na busca pela compreensão do modelo de homem ideal em Santo Agostinho,
buscou-se nesse estudo proceder algumas reflexões sobre suas idéias relacionadas à
formação do homem cristão, homem que deveria tornar-se santificado, condição que
somente seria realizada com uma extensa caminhada de purificação moral na medida em
que o “homem exterior” cedesse espaço para o “homem interior”. Tal ação levaria a
aproximação de Deus, o Senhor do verdadeiro conhecimento, o que resultaria na
constituição do homem santificado.
O homem santificado na perspectiva agostiniana possui vida feliz e amor a si
mesmo, à Deus e aos homens, assim, Santo Agostinho discute sobre a questão do amor que
seria imprescindível no processo de tornar o homem feliz. Por outro lado, considerou
infeliz aquele que não ama, especialmente se não se ama a Deus. Nesse sentido, para ele, o
amor era significativo no processo de santificação do homem.
Assim como o amor desempenhava um papel importante no processo de
santificação do homem, a felicidade também o era, pois, ao amar, o homem se aproximava
mais de Deus, fonte de toda felicidade. Deste modo, para o pensador cristão, a verdadeira
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Formada em Pedagogia (2010) pela Universidade Estadual de Maringá:
[email protected]
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Docente do departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá:
[email protected]
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felicidade se realizaria com a caminhada em busca pela santificação, processo esse de
preparação e formação que permitiria ao homem desfrutar a verdadeira felicidade.
Consoante, a proposta desse estudo é levantar questionamentos acerca do papel da
educação, tendo como elemento norteador o amor e a felicidade em Santo Agostinho.
Metodologia:
Para o entendimento do processo histórico que Santo Agostinho vivenciou, assim
como a importância que suas reflexões assumiram para o processo educativo, buscou-se
considerar as relações sociais de seu tempo como um todo e não de forma isolada, de modo
a entender a materialidade de dado momento histórico enquanto meio favorável à
constituição da consciência humana e também sobre os modos pelos quais a sociedade se
organiza.
Referencial teórico:
Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizou-se como fonte primária o livro
Confissões. De caráter biográfico, trás a narração em primeira pessoa sobre suas vivências
particulares antes e após sua conversão ao cristianismo, dos quais, lhe possibilitou pôr em
discussão o modelo de formação do homem cristão.
A obra A Cidade de Deus, também de sua autoria, trata sobre a origem de duas
cidades, uma de Deus – A Cidade de Deus, e a outra do mundo – A Cidade Terrestre. Nela,
Santo Agostinho desenvolveu o conceito da cidade celeste, cujo objetivo era tornar as
pessoas mais suscetíveis à mudança de comportamento.
Assim, o ideal transmitido foi o de que mesmo se o homem no mundo sofresse
dificuldades, na vida celeste ele seria recompensado com uma vida melhor, porém, tal
promessa só seria revelada aos que em vida terrena tivessem um comportamento adequado,
condizente com os princípios cristãos, que visavam uma vida de obediência, fraternidade,
igualdade, bondade, caridade para com o próximo, e que por conseqüência não praticariam
atos como homicídios, adultérios, furtos, etc. Tal ideal cristão de sociedade revelou-se
como normas de conduta, possível a partir de um modelo educacional agostiniano.
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A Trindade (1994), a obra conta com quinze livros, que falam sobre o fundamento
da fé católica que se baseia na crença na trindade (unidade entre Pai, Filho e Espírito
Santo). O tratado também aborda sobre a missão do Filho ao mundo, bem como sua morte
como redenção dos pecados da humanidade.
A obra O Livre Arbítrio (2001) foi escrita em forma de diálogos e tem como ponto
central o relato de discussões de Santo Agostinho e seu amigo Evódio sobre a questão da
liberdade do homem bem como o problema da origem do mal. Segundo entendeu, Deus
não era o autor do mal, portanto, com base em conteúdos racionais, propôs discutir sobre a
origem do pecado no entendimento dos cristãos e sua importância no ato criativo de Deus.
Em seu entender, o mal ou o pecado está no abuso do livre-arbítrio.
Em A Doutrina Cristã (2002), Santo Agostinho discorre sobre os conteúdos
contidos nas escrituras sagradas, que eram os fundamentos da doutrina cristã, tidas pelos
cristãos como verdades a serem lidas e descobertas. Entre esses fundamentos, encontramse referências sobre a trindade, a soberania divina, os motivos da vinda de Cristo ao mundo
e a importância da fé.
Em sua reflexão A Vida Feliz (1996), Santo Agostinho por meio de um diálogo com
seu irmão Navígio discute a existência da alma e do corpo, enquanto condição do homem
em sua plenitude.
Com a intenção de convencer Navígio sobre o seu conceito de homem, Santo
Agostinho interroga-o com a seguinte frase: “Sabes, pelo menos que vives?” (SANTO
AGOSTINHO, 1996 p. 124). Sua finalidade é mostrar a Navígio de que o homem não pode
viver a menos que tenha vida, ou seja, o existir é condição fundamental para que haja vida
humana. Assim, traz a ideia de que o homem é composto de corpo e alma.
A obra Confissões (1984) possui caráter autobiográfico e seu discurso é em forma
de diálogo, por meio da interação entre o interlocutor para com Deus. Santo Agostinho
narra o seu passado, marcado por um afastamento de Deus, e sua vida após sua conversão,
onde o seu objetivo passou a ser viver para Deus.
De modo geral, as obras A Cidade de Deus, A Trindade, O livre Arbítrio, A
Doutrina Cristã e A Vida Feliz, assim como Confissões, do próprio Santo Agostinho,
compõe o quadro das fontes primárias utilizadas.
Como fonte secundária, optou-se pelas obras e seus respectivos autores, tais como:
O conceito de amor em Santo Agostinho, de Hannah Arendt, O homem, quem é ele?
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Elementos de antropologia filosófica, de Battista Mondin, História da Filosofia Cristã, de
Philotheus Bohener e Etienne Gilson, Os padres da Igreja, de Adalbert Hamman, que por
sua vez, trazem contribuições importantes à questão proposta neste trabalho.
Principalmente devido a propriedade de suas discussões, que ressaltam o contexto
histórico-social a qual Santo Agostinho estava envolvido.
Resultados e discussões:
O amor como princípio para a formação do homem cristão
Segundo o referencial teórico verificado, o amor em Santo Agostinho é tido como
principio para a santificação do homem. Nesse processo de formação do homem cristão
que passaria pela santificação Santo Agostinho reservou papel significativo ao amor, o que
deixou claro em suas ao considerar infeliz aquele que não ama, especialmente àquele que
não ama a Deus. Tendo em vista mostrar essa situação, exemplificou com ele próprio.
Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que
habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos! Disforme, lançavame sobre essas formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu não estava
convosco! (SANTO AGOSTINHO, 1984, p. 190).
De acordo com Hannah Arendt, Santo Agostinho considerou o amor como lei
existencial, uma vez que existe e integra o ser humano, sendo assim, o amor se harmoniza
com o ser, e envolvido com ele, passa a existir (ARENDT, 1978, p. 77).
Desse modo, para Santo Agostinho, o cristianismo trouxe um novo conceito de
amor, que recebeu um olhar diferente do que havia sido entendido por pensadores gregos
como Platão. O foco que se dava ao amor tomou um novo sentido. De eros que indicava
desejo, passou a ágape, que quer dizer caridade. Segundo Battista Mondin (1986, p. 127),
o amor no pensamento grego expressava a fraqueza espiritual humana que por sua vez era
acompanhada pelo desejo; já no cristianismo esse amor representava a perfeição do ser,
quanto mais o homem era perfeito, mais era dotado de amor e, por conseguinte, tinha uma
possibilidade maior de amar. Esse amor cristão revelava a caridade, por isso não se
restringia apenas às pessoas próximas como amigos e familiares, mas também aos
inimigos, devido seu caráter benevolente.
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Assim, o conceito de amor em Santo Agostinho foi visto sob duas perspectivas.
Para ele, existia o amor natural do homem, que habitava a cidade terrena, e o amor de
Deus, que era a base da cidade celeste. Dentre eles, somente o amor de Deus
proporcionaria a felicidade ao homem.
[...] sabemos que há uma cidade de Deus da qual aspiramos ser cidadãos
movidos pelo amor que o seu fundador infundiu em nós. A este fundador
da cidade santa preferem os cristãos da Cidade Terrestre os seus próprios
deuses, ignorando que Ele é o Deus dos deuses – não dos deuses falsos
(SANTO AGOSTINHO, 2000, p. 988)
Para Santo Agostinho o fato de que o principal motivo responsável pela vinda de
Jesus Cristo ao mundo seria a expressão de seu amor para com a humanidade, e que
“apesar de o homem ser pecador, sacrificou sua vida em seu favor” (Romanos, 1996, 5:8).
Mediante esse fundamento, nos ensinamentos agostinianos, o amor deveria ser
buscado por todos os que visavam a santificação. Após essa conquista, o amor deveria ser
compartilhado entre os irmãos e, em gratidão à salvação pessoal adquirida, o homem
deveria “doar” sua vida aos irmãos que compartilhavam a mesma fé. Desta forma, o amor
ao próximo, segundo Bohener e Gilson, significava amar também a si mesmo, ao próximo
e de modo igualitário.
Para Santo Agostinho, o homem em sua condição existencial é corrompido pelo
pecado, e o amor, por sua vez, traria regeneração a esse homem à medida que amasse a si
próprio, pois, assim, se afastaria da sua condição de miséria, o que o levaria a situação de
homem perfeito. Fundado no principio bíblico de que o homem deveria amar a Deus de
todo o coração e ao próximo como a si mesmo, Santo Agostinho exortou que o homem
somente amaria a si mesmo se amasse a Deus com todo seu ser.
O pecador, contudo, enquanto pecador, não merece ser amado: mas todo
homem, enquanto tal deve ser amado por causa de Deus. Deus, porém,
por si próprio é digno de amor. E já que Deus deve ser amado mais do
que todos os homens, cada um deve amar a Deus mais do que a si próprio
(SANTO AGOSTINHO, 2002, p. 74).
Para ele, o amor que o homem sente por Deus reverte em seu próprio beneficio,
sendo assim, se o homem envolvido pelo pecado lhe negar seu amor, Deus não perderia
coisa alguma, mas o homem sim muito ganharia se verdadeiramente o amasse.
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(HAMMAN, 1980, p. 240) Pois, assim, ficaria inerte à morte e teria a vida eterna.
“Quando Vos procuro, Deus meu, busco a vida feliz. Procurar-Vos-ei para que a minha
alma viva” (SANTO AGOSTINHO, 1984, p. 185).
Seguindo essa perspectiva, o homem não poderia amar a si próprio antes de
conhecer a Deus. Em outras palavras, antes de se achegar a Deus, o homem se odiava a si
mesmo, a Deus e ao próximo.
Neste sentido, novamente Santo Agostinho aponta o seu exemplo de vida: antes de
conhecer a Deus não amava a sua alma com o amor completo que implica na felicidade,
antes, seu amor era voltado às coisas terrenas: “Gostando de amar, procurava um objeto
para esse amor: odiava a minha vida estável e o caminho isento de riscos, porque sentia
dentro de mim uma fonte de alimento interior – de Vós, ó meu Deus” (SANTO
AGOSTINHO, 1984, p. 41). Nesta passagem, em consonância com seu pensar cristão,
Santo Agostinho se refere às vontades que considerava desordenadas e pecaminosas que
dominavam seu ser antes de sua conversão.
Nessas mesmas Confissões, ele relatou como se deu a sua entrega ao “amor” a
Deus.
Porém, chamaste-me com uma voz tão forte que rompestes a minha
surdez! Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira!
Exalastes perfume: respirei-o, suspirando por Vós. Saboreei-Vos, e agora
tenho fome e sede de Vós. Tocaste-me e ardi no desejo da vossa paz
(SANTO AGOSTINHO, 1984, p. 190).
Assim sendo, o amor para Santo Agostinho fazia parte do processo de santificação
do homem. Ao amar a Deus, o homem amava o próximo, e esse amor permitiria que
vivessem de forma harmônica, em sociedade. O amor ao próximo faria com que o homem
se sentisse parte do outro, em outras palavras, é como se o outro lhe pertencesse, não com
um sentimento de posse, mas se instituiu no homem um desejo de querer o bem ao outrem.
Portanto, o amor, em Santo Agostinho, passou a expressar a totalidade do ser no outro, à
medida que aquele que ama vai em direção ao outro, e nessa incidência, há uma expressão
verdadeira do ser tal como ele é.
A importância que o pensador cristão atribuiu ao amor constitui-se como processo
formativo do homem de seu tempo, partindo do pressuposto de que o amor ágape refletia o
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caráter de Deus. Este amor, portanto, deveria ser seguido pelo homem, que em
contrapartida, deveria afastar-se do Eros, ou seja, de todos os seus desejos e instintos.
O homem corrompido pelo pecado encontraria a regeneração por intermédio do
amor ágape- amor celeste, que assumia a finalidade de educar o amor tido por Santo
Agostinho como terrestre – Eros.
Ao aceitar o amor espiritual, que representava a total perfeição do ser, e negar o
amor carnal, identificado como as paixões e concupiscências, o homem reeducaria o seu
ser para não viver em conformidade com os padrões terrestres, como o amor egocêntrico,
antes a sua busca pelo amor à Deus criaria nele um caráter de caridade e amor ao próximo.
Nessas condições, “[...] o próximo é o homem a quem devemos prestar serviço de
misericórdia, caso esteja em dificuldade, ou a quem devemos prestar ajuda, caso
necessitasse” (SANTO AGOSTINHO, 2002, p. 77).
Essa conduta de vida deveria ser seguida, antes de tudo, pela devida obediência à
doutrina cristã.
O amor era elemento básico a ser cumprido, uma vez que, estava
explicitado sob forma de mandamento ou lei.
Destarte, o pensamento educacional agostiniano continha a ideia do amor ligado à
esperança e à felicidade. Visto que, o amor espiritual proporcionava felicidade.
Conseqüentemente, aquele que não amava a Deus era infeliz.
Tais conceitos de amor e felicidade assumiram um papel norteador na formação do
cristão ideal, visto como o cidadão celeste. A união do homem a Deus promovia nele a
esperança. A esperança em Deus era responsável por conduzir o homem à Cidade Celeste
(SANTO AGOSTINHO, 2000, p. 400).
Segundo seu entender, os costumes dos homens que não amavam a Deus se
baseavam na luxúria e na cobiça. O cidadão celeste, provido de amor, conquistaria um
lugar glorioso, a cidade celeste (SANTO AGOSTINHO, 2000, p. 87).
Por isso, a formação do homem cristão precisava necessariamente passar por um
processo de reajustamento da conduta humana que teve o amor como elemento educativo.
Do mesmo modo que o amor desempenhava um papel importante no processo de
santificação do homem, a felicidade também o era, pois, ao amar, o homem se aproximava
mais de Deus, fonte da verdadeira felicidade.
A verdadeira felicidade: uma conquista humana
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Ainda que para Santo Agostinho a felicidade plena somente seria alcançada com o
retorno da criatura a seu criador – a Deus, concretizada pela morte, ele exortava que
mesmo na terra, o homem poderia ser feliz, à medida que buscasse o caminho da
santificação, o processo de ascensão ao céu, e, daí poder desfrutar da verdadeira felicidade,
do possuir a Deus. Tal esforço se dava por meio da busca interior do homem, que requer o
afastamento da natureza exterior, ao mesmo tempo que, cede espaço para que a natureza
interior possa desabrochar. Conforme exortou em a obra A vida feliz, o homem alcançaria a
felicidade se estivesse ligado a Deus e a ele não seria necessário possuir qualquer bem ou
riqueza material, pois possuir a Beleza eterna era a garantia de uma vida feliz, sendo feliz
aquele que conhecia a Deus. Como ele próprio escreveu: “é feliz quem possui a Deus”
(SANTO AGOSTINHO, 1996, p. 155).
Santo Agostinho acreditava que todos os homens possuíam um interesse comum, o
de ser feliz: “Ainda que um siga por um caminho e outro por outro, esforçam-se por chegar
a um só fim, que é alegrarem-se” (SANTO AGOSTINHO, 1984, p. 187).
Com a afirmação de que a felicidade é um desejo mútuo de toda a natureza humana,
pois todos querem ser felizes; a filosofia agostiniana entendia que o caminho que o homem
deveria seguir deveria ser ligado as coisas de natureza espiritual e, para isso, era preciso
purificar o coração. Conforme evidenciou em A Trindade (1998), todos os homens
pretendem ser felizes, mas nem todos possuem fé para alcançar a felicidade esperada. Este
caminho em procura da felicidade não é buscado por todos e só pode alcançá-lo aquele que
desejar e purificar seu coração.
Apesar de haver um interesse em comum entre os homens ao desejar a felicidade, a
vida feliz se encontrava no homem cuja alma era habitada pela tranqüilidade, calma e
constância (SANTO AGOSTINHO, 2001, p. 61).
Diante disto, discutiu sobre os motivos pelos quais nem todos os homens alcançam
tal felicidade. Segundo entendeu, aqueles que buscam ser felizes precisam ser do mesmo
modo bons; o que só era possível aos retos. Desta forma, os que viviam afastados da
retidão se tornavam desventurados e não podiam alcançar a felicidade, ao contrário dos
retos que atingiriam a bem-aventurança. “[...] todos querem ser felizes, mas sem poder sêlo. Pois nem todos querem viver com retidão, e é só com essa boa vontade que têm o
direito à vida feliz” (SANTO AGOSTINHO, 2001, p. 63).
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A partir dessa discussão, vê-se que a felicidade estava diretamente relacionada à
retidão, sendo que o homem que escolhesse viver retamente se alegraria de tal modo a
encontrar o chamado bem verdadeiro.
Esse pensar agostiniano rompe com a filosofia clássica, uma vez que, para os
pensadores tidos como pagãos pelos cristãos, a filosofia era a fonte da felicidade, pois era
um questionamento sob a condição do homem a procura do belo. Mas, com esse novo
pensar, a filosofia pensada por Santo Agostinho atribuiu a Deus a verdadeira felicidade.
Mesmo quando todos os homens querem ser felizes, para Santo Agostinho, somente alguns
têm a fé necessária para alcançar a felicidade.
Posto que, mesmo não possuindo o que almejou para si em sua vida terrena, o
homem deveria se conformar e manter a esperança da posse dessa felicidade em termos
futuros em uma vida espiritual.
A busca pelo amor e felicidade como fenômenos auto-educativos
A busca agostiniana para conciliação entre a fé e a razão apontou o motivo pelo
qual não houvesse a total desconsideração do conhecimento clássico, pois para ele, tudo o
que aquela cultura tinha de bom, provinha de Deus, o que, por sua vez, estava qualificada
para contribuir com a formação do homem cristão: “Quando, porém, alguém se separa,
pela inteligência, dessa miserável sociedade pagã, tendo se tornado cristão, deve
aproveitar-se dessas verdades, em justo uso, para a pregação do evangelho” (SANTO
AGOSTINHO, 2002, p. 60).
No processo formativo do homem cristão, além das verdades da fé, o homem
deveria viabilizar o exercício intelectual, para que pudesse chegar ao ideal buscado pelo
cristianismo, a descoberta da verdadeira sabedoria, que poderia ser encontrada em si
próprio, em sua interioridade. No entanto, o homem deveria preparar-se para esse evento
superior, ou seja, para a atuação imediata de Deus na produção das suas idéias: a
Iluminação Divina.
Na tese agostiniana da Iluminação Divina, o conhecimento é concedido única e
exclusivamente por Deus: “[...] o homem só aprende quando é iluminado interiormente
[...], a luz interior da verdade que ensina e esclarece o homem interior (HAMMAN, 1980,
p. 220). Motivo de o conhecimento não se dar do professor para o aluno pela transmissão,
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embora ele contribuísse nesse processo, o mesmo se realizava pela ação imediata de Deus
na produção das idéias. Pois, para Santo Agostinho, “[...] só Deus é mestre e que os
professores, na realidade, nada ensinam, limitando-se a motivar os alunos para o
conhecimento”. (HAMMAN, 1980, p. 219). Deste modo, o papel do professor é incitar,
questionar, provocar o aluno para que ele busque, recorde o conhecimento.
Para Santo Agostinho, o homem enquanto ser racional dotado de inteligência
deveria buscar a Verdade, processo que se realizaria a partir da Iluminação Divina. No
entanto, o homem só poderia atingir o conhecimento na medida em que purificava sua
mente. Desse modo, Deus era visto como luz responsável por iluminar o homem e este, por
conseguinte seria envolvido por um processo de purificação interior a fim de que pudesse
contemplar a Deus. “[...] devemos purificar nosso espírito para que possa contemplar essa
luz e a ela aderir quando contemplada” (SANTO AGOSTINHO, 2002, p. 59). O processo
de purificação assumido pelo cristianismo era possível em função da ação de Deus ao
enviar seu filho ao mundo sob forma carnal para que fosse modelo de vida aos homens.
E assim como os médicos quando fazem curativos sobre as feridas não o
fazem de modo inábil, mas com cuidado, de modo que a utilidade do
curativo venha acompanhada de certa estética, do mesmo modo a
medicina da Sabedoria divina tomando forma humana aplicou seu
remédio a nossos males (SANTO AGOSTINHO, 2002, p. 61-62)
Daí o fato de a educação caracterizar-se como uma caminhada para a perfeição
moral, alcançada por meio de uma peregrinação, em que o homem exterior, dotado de
materialidade, cedia lugar para o homem interior, isto é, espiritualizado. Tal ação o levaria
a aproximar-se de Deus, o Senhor do verdadeiro conhecimento, o resultado seria a
constituição do homem santificado.
Considerações finais:
Com a decadência do Império Romano Ocidental, a Igreja cristã, como única
instituição organizada, assumiu a condição de coordenar aquela sociedade. Dentre as
personalidades cristãs desses primeiros séculos do cristianismo, destaque é dado a Santo
Agostinho, visto as suas preocupações, não apenas com a Igreja, mas principalmente com
os homens do seu tempo. Em suas reflexões contribuiu para transformar a filosofia em um
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instrumento do cristianismo, fato este que lhe atribuiu um lugar de grande importância
entre os Padres da Igreja, sendo considerado um dos principais representantes da patrística
e um dos mais profundos filósofos cristãos e ainda um dos gênios da teologia de todos os
tempos, o que fez com que seu pensamento se expandisse para além da Antiguidade.
Foi com Santo Agostinho que o pensamento cristão ganhou uma nova visão, pois,
passou a melhor articular elementos do pensamento clássico com princípios cristãos para
melhor adequar e fundamentar os ideais cristãos.
A sua preocupação com a formação do homem do seu tempo, também fez de Santo
Agostinho um dos grandes educadores da Antiguidade cristã.
No seu modelo formativo, tendo em vista chegar ao ideal cristão, o homem
santificado, mesmo atribuindo a Deus papel essencial, valorizou o papel do homem nesse
processo, ou seja, a sua vontade, no sentido de chegar ao bem maior, a felicidade,
configurando-se, assim, um processo auto-educativo. Formação, mesmo sendo que
desencadeada pelo homem para ele, era Deus o responsável pela sua efetivação.
A importância do pensamento agostiniano, não limitou-se ao seu tempo, mas
atravessou séculos, e ainda hoje, pode ser identificado, não apenas no magistério da Igreja
católica, mas no magistério das igrejas cristãs, nessas, mesmo que de maneira não tão
explícita.
As questões conforme se colocam, por si só legitimam a importância de Santo
Agostinho para a cultura ocidental, como resultado, para o fenômeno educativo do homem
cristão.
REFERÊNCIAS
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Diniz. Lisboa: Instituto Piaget, 1978.
BÍBLIA. Português. BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1996.
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: desde as origens
até Nicolau de Cusa. 8. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
HAMMAN, A. Agostinho de Hipona. In: ______. Os padres da Igreja. 3. ed. São Paulo:
Edições Paulinas, 1980.
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MONDIN, Battista. O homem, quem é ele? Elementos de antropologia filosófica;
[traduziram R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari; revisão de Danilo Morales. São Paulo:
Edições Paulinas, 1980.
SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus: contra os pagãos. Volume II, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
______. A Doutrina Cristã. São Paulo: Paulus, 2002.
______. A trindade. São Paulo: Paulus, 1998.
______. A Vida Feliz. São Paulo: Paulus, 1996.
______. Confissões. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
______. O Livre-Arbítrio. São Paulo: Paulus, 2001.
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