UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
MÁRCIA ROSANE VOLTZ
TRAJETÓRIAS DE PRÁTICAS DE LEITURAS ESCOLARES
Ijuí/RS
2013
MÁRCIA ROSANE VOLTZ
TRAJETÓRIAS DE PRÁTICAS DE LEITURAS ESCOLARES
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação nas Ciências, da
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (Unijuí), para a
obtenção do título de mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Simone Schwengber
Ijuí/RS
2013
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pela minha vida e, portanto, pela oportunidade de
viver o sonho de concluir o mestrado.
À minha família, pelo incentivo, pela torcida e pela paciência nas intermináveis horas
de estudos. A meu pai Walter e minha mãe Mélia, pela inspiração de ser professora desde
criança. Em especial à minha irmã Camila, meu porto seguro, que sempre esteve sempre ao
meu lado na construção desta pesquisa.
Aos meus filhos Cássio e Patrícia, pelo carinho, pelo afeto e pela compreensão nas
horas em que estive ausente para estudar.
Ao meu irmão Claudio, mestre, que é minha fonte de inspiração para continuar
estudando, pelas palavras de apoio, incentivo e carinho.
À minha avó, pelas informações significativas para a construção desta pesquisa, e à
minha tia Arceli, pela torcida e pelos quitutes oferecidos nas horas de estudos.
Aos professores que colaboraram nas minhas aprendizagens e nas bancas que
qualificaram esta pesquisa.
Agradeço imensamente à minha professora orientadora, Dra. Maria Simone Vione
Schwengber, pela atenção, pela paciência e pelos conhecimentos adquiridos.
RESUMO
Esta dissertação discute questões referentes às práticas de leituras de alunos do Ensino
Fundamental (alunos do 4º ao 6º ano), inseridos em uma escola pública. Sendo uma pesquisa
de natureza qualitativa e de inspiração etnográfica, utilizam-se como estratégia teórica
metodológica o diário de bordo e a entrevista semiestruturada com os alunos. Buscam-se
discutir as seguintes questões de pesquisa: o que, onde, com quem e como estes alunos leem?
Das análises que resultaram, é possível dizer que as práticas de leituras que os alunos do 4º
ano realizam são as exigidas e oferecidas no espaço escolar. É a escola que oferece um espaço
cultural. No entanto isso evidencia que é a escola quem escolhe os livros e outros materiais a
serem lidos. Para os alunos do 5º ano, percebeu-se que a imagem influencia na escolha do
livro ou outro material que vai ser lido, por isso existe preferência por gibis e livros com
textos pequenos, mas com muitas imagens. Esses alunos procuram algumas leituras além das
oferecidas pela escola. Os alunos do 6º ano demonstraram, em seus registros, a utilização das
multimídias, MSN, Orkut, Facebook, blogs, formando um conjunto com a hipertextualidade
(caminhos não lineares de leitura do texto). A estes alunos as leituras virtuais são as favoritas
e as leituras escolares são feitas somente com a exigência dos professores. Quase todos os
estudantes pesquisados consideram o ato de ler importante para o processo de autonomia e de
criticidade desenvolvido através da leitura.
Palavras-chave: Leitura. Escola. Leitor. Práticas.
ABSTRACT
This dissertation discusses issues related to the reading practices of elementary school
students (from 4th to 6th year), inserted in a public school. As a qualitative research with
ethnographic inspiration, it was used, as theoretical methodological strategy, the logbook and
semi-structured interviews with students. The following research questions are discussed:
what, where, with whom and how these students read? From the resulting analysis, it is
possible to say that the reading practices performed by 4th year students are those required and
offered at the school. It is the school that offers a cultural space. However it shows that it is
the school that chooses the books and other materials to be read. For 5th year students, it was
perceived that the image influences the choice of book or other material to be read, so there is
a preference for comics and books with little text, but with many pictures. These students seek
some reading beyond those offered by the school. Students from the 6th year showed in their
records the use of multimedia, MSN, Facebook, blogs, forming a set with hypertextuality
(nonlinear reading paths). To these students, the virtual readings are the favorite and school
readings are made only by the requirement of teachers. Almost all the students surveyed
consider the act of reading important to the process of autonomy and criticism developed by
reading.
Keywords: Reading. School. Reader. Practices.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Histórias que minha avó contava........................................................................
12
Figura 2 – Meu primeiro livro.............................................................................................. 14
Figura 3 – A magia da leitura............................................................................................... 20
Figura 4 – Diário de bordo...................................................................................................
38
Figura 5 – Mensagem do diário de bordo............................................................................
38
Figura 6 – Orientações sobre o diário de bordo...................................................................
39
Figura 7 – Mapa do município de Eugênio de Castro.......................................................... 44
Figura 8 – Foto aérea do município de Eugênio de Castro..................................................
44
Figura 9 – Vista aérea do município de Eugênio de Castro com identificação da escola
foco da pesquisa...................................................................................................................
45
Figura 10 – Biblioteca da Escola TAT................................................................................. 46
Figura 11 – Sala de mídias...................................................................................................
46
Figura 12 – Livros disponíveis na sala dos professores.......................................................
47
Figura 13 – Portaria n. 3, de 12 de março de 2010..............................................................
48
Figura 14 – Índice do Ideb da Escola TAT (2009) .............................................................
50
Figura 15 – Resultados do Saers da 6º ano da Escola Estadual de Educação Básica
Theodorico Alves Teixeira................................................................................................... 51
Figura 16 – Padrão de desempenho conforme resultados do Saers do 6º ano da Escola
Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira...................................................
51
Figura 17 – Sala de leitura da escola TAT...........................................................................
52
Figura 18 – Momento de leitura........................................................................................... 53
Figura 19 – Desenho de aluna sobre a leitura......................................................................
56
Figura 20 – Descrição de um dia de prática de leitura no diário de bordo........................... 61
Figura 21 – Tirinha de gibi................................................................................................... 62
Figura 22 – Relato de um dia de prática de leitura no diário de bordo................................
65
Figura 23 – Entrevista semiestruturada de uma aluna do 6º ano.........................................
68
SUMÁRIO
1
AVENTURAS E LEITURAS: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS..............................
9
1.1
JUSTIFICATIVA E PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA....................................... 9
2
AS PRÁTICAS DE LEITURAS E O CAMPO TEÓRICO................................
21
2.1
FRAGMENTOS HISTÓRICOS DO ATO DE LER................................................
21
2.2
OS ELEMENTOS DA LEITURA............................................................................ 24
2.3
A PRÁTICA DA LEITURA: CONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO DO
SUJEITO................................................................................................................... 29
2.4
A PRÁTICA DA LEITURA: AMPLIAÇÃO DO VOCABULÁRIO......................
32
3
A PESQUISA E O CAMPO EMPÍRICO.............................................................
35
3.1
METODOLOGIA.....................................................................................................
35
3.2
FERRAMENTAS DE PESQUISA........................................................................... 36
3.3
DIÁRIO DE BORDO...............................................................................................
37
3.4
A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA..............................................................
39
3.5
DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES...................................................................
40
3.6
PERFIL DOS PARTICIPANTES............................................................................. 41
3.7
O CENÁRIO DA ESCOLA...................................................................................... 43
3.8
PROJETO REALIZADO DE LEITURA NA ESCOLA.......................................... 48
3.9
IDEB E OUTRAS AVALIAÇÕES EXTERNAS....................................................
49
3.10
E ASSIM, A SALA DE LEITURA.......................... ...............................................
52
3.11
CONVERSAS COM QUEM ENSINA: O DISCURSO..........................................
53
4
PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS.......................................................
56
4.1
PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 4º ANO...................................... 57
4.2
PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 5º ANO...................................... 61
4.3
PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 6º ANO...................................... 65
4.4
O QUE A LEITURA REPRESENTA NA VIDA DAS CRIANÇAS......................
4.5
A LEITURA E A PRODUÇÃO DO SUJEITO........................................................ 72
69
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................
75
REFERÊNCIAS......................................................................................................
78
ANEXO A – Ficha socioeconômica dos alunos....................................................
82
ANEXO B – Plano de Intervenção Pedagógica....................................................
84
9
1 AVENTURAS E LEITURAS: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS
Neste primeiro capítulo, apresento a justificativa, a problematização do tema e o
caminho que percorri para a definição do objeto de pesquisa. Inicialmente, abordo as minhas
experiências de leitura, os livros que marcaram minha vida, as práticas de leituras
significativas da construção do ato de ler. Este estudo vincula-se à linha de pesquisa Educação
Popular em Movimentos e Organizações Sociais.
1.1 JUSTIFICATIVA E PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA
Um livro é como uma janela. Quem não o lê, é como alguém que ficou distante da
janela e só pode ver uma pequena parte da paisagem. (GIBRAN, 2000, p. 14).
A epígrafe de Gibran possibilita pensar o quanto a leitura se expande no mundo e
também nos interliga aos diferentes mundos culturais. Ler um livro é percorrer caminhos
desconhecidos, navegar por águas distantes, conhecer culturas diferentes, porque ele é capaz
de nos tirar do lugar em que estamos e nos transportar a um universo irrestrito de pensamento;
permite à imaginação voar para outros mundos.
A experiência de ler significa colher conhecimentos, culturas e ampliar os horizontes.
Permite ao sujeito experiências sensíveis e ensina a pensar, indagando desde o cotidiano até
um mundo mais amplo. Para Rangel (2005, p. 18), a prática da leitura “atua no sujeito que
experiencia, através da linguagem, da leitura [...] o sujeito cresce cognitiva e
intelectualmente”.
Nessa perspectiva, para a construção do objeto desta dissertação, busco inicialmente
alguns fragmentos nas inquietações das minhas experiências pessoais e profissionais a
respeito da leitura. Discutir as práticas pedagógicas da leitura me instiga o interesse,
sobretudo as práticas do ambiente escolar em que atuo profissionalmente. Considero a
importância de problematizar as práticas da leitura na escola. Durante a construção do projeto
de pesquisa, algumas dúvidas e dificuldades persistiam, como o que recortar. Assim, surgiu a
curiosidade de pesquisar o que os alunos leem e se eles leem. Então, com o apoio da banca de
qualificação do projeto, definiu-se meu ponto de partida: pesquisar as práticas de leituras dos
alunos do Ensino Fundamental da escola em que trabalho.
10
Meu tema trata das práticas de leituras de um grupo de alunos do 4º ao 6º ano do
Ensino Fundamental no ambiente escolar1. Escolhi estes anos porque se configuram num
nível de ensino em que se dá a produção/aquisição de conhecimentos básicos de leitura e
também a introdução de textos diversificados, como lendas, contos, poesias, parlendas,
charges, histórias em quadrinhos, dentre outros. A leitura no Ensino Fundamental é
compreendida não só como leitura de decifração das vogais, consoantes, sílabas, mas
entendimento das palavras, dos contextos. Para Freire (1984, p. 8), “aprender a ler [...]
alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não
numa manipulação mecânica de palavras mas numa relação dinâmica que vincula linguagem
e realidade”.
A leitura de mundo citada por Freire refere-se às vivências e às experiências do sujeito
desde o seu nascimento. O sujeito lê o mundo muito antes de ler as palavras, e usa de sua
capacidade sensitiva para ler. Aprende-se a ler o mundo também por intermédio de pessoas
com quem convivemos. Um bebê que ainda não sabe falar aprende com seus pais os nomes
das coisas que ele vê, sente, cheira, toca, e assim essas palavras vão se internalizando no
sujeito, o qual passa a ler o mundo. Freire (1994, p. 22) sensibiliza-me a pensar o quanto “a
leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da
leitura daquele”, que somos capazes de ler sem as palavras por intermédio da capacidade de
percepção dos sentidos (olfato, tato, paladar, audição e visão). Segundo o autor (2000, p. 22),
antes de ler a palavra, a criança já lê o mundo por meio de gestos, olhares, expressões faciais,
cheiros e do tato.
Ao escolher pesquisar sobre as práticas de leituras das crianças 2, reportei-me a
momentos fundamentais de minha história, das minhas incursões no mundo da leitura. Isso
iniciou muito tempo antes de frequentar a escola. Eu ainda era bebê e já ouvia histórias
contadas em alemão por minha avó, ela lia as palavras, mas me mostrava as figuras, eu fazia a
leitura das figuras, dos gestos, das expressões que minha avó usava para interpretar essas
histórias. Como descrito por Freire (1994, p. 22), “a leitura da palavra não é apenas precedida
pela leitura do mundo, mas por certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de
transformá-lo através de nossa prática”.
A leitura de imagens é chamada de leitura não verbal, aquela em que o sujeito percebe
e lê tudo o que está ao seu redor, sem utilizar as palavras. No entanto, quando se pergunta o
1
Quando me refiro à leitura, trago-a não só na perspectiva das leituras do contexto escolar, mas também as que
acontecem fora deste.
2
Conforme consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 2º, considera-se criança a pessoa
de até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.
11
que é leitura, seu pensamento imediatamente se remete ao texto escrito e não percebe a leitura
não verbal que acontece sem as palavras. Nesse sentido, Alves (2008, p. 19) descreve que as
“noções de texto e de linguagem, frequentemente, remetem-nos a textos e linguagens verbais,
ou seja, aquelas que se exprimem por meio da palavra. Entretanto, sabemos que existem
outras formas de linguagem e que, por meio destas, o homem também pode representar o
mundo”.
Minha mãe era professora, e assim fui crescendo em meio a livros, cadernos e
materiais escolares. As experiências de leituras foram acontecendo, pois minha mãe ocupava
a mesa da cozinha para preparar o seu material de aula, e lá estava eu, sentada em uma cadeira
alta, na qual fazia minhas refeições, manuseando os livros, tomada de encantamento. Larrosa
(2002a, p. 144) nos diz o que a leitura “tem a ver com aquilo que somos, com nossa formação
e nossa transformação”. Minha avó também ocupava a mesma mesa para realizar as suas
leituras da Bíblia, as cartas em alemão que recebia de suas amigas que estavam na Alemanha,
jornais evangélicos, dentre outras, e lá estava eu novamente em meu lugar, participando de
tudo. Esse ambiente de leituras onde os adultos, com seus exemplos, me mostravam que ler é
importante foi decisivo para a minha formação leitora. Na opinião de Larrosa (ibidem, p.
142), “a experiência não é aquilo que nos passa, é o modo como atribuímos sentido a elas,
senão como o modo pelo qual o mundo nos mostra sua face inteligível, a série de
regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade das coisas e dominá-las”.
A maior alegria era quando, já mais crescida, as histórias eram lidas para mim com
exclusividade. Havia um livro de histórias infantis que continha duas histórias com os títulos
Rotkäppchen e SneeWittchen, respectivamente Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve, que
pertencia à minha avó desde os seus seis anos. A língua oficial em minha casa era a alemã, e
até os seis anos de idade eu só falava esse idioma. Enquanto o livro era lido, eu ficava
imaginando a história. Larrosa (ibidem, p. 134) complementa que a imaginação “está do lado
subjetivo. Vem daí a sua associação a termos como irrealidade, ficção, delírio, fantasia,
alucinação, sonho etc.”.
Apresento a seguir parte de um livro das minhas primeiras experiências de leituras, o
qual foi dado à minha avó quando ela completou seis anos de idade.
12
Figura 1 – Histórias que minha avó contava
Fonte:GOBHARDT, ( 1906, p. 1-2)
Foi por volta dos quatro anos que ganhei o meu primeiro livro de histórias da senhora
Frau Fharra Gaelzer – lê-se esposa do pastor Gaelzer. Minha família estava sempre
envolvida com a igreja, e o pastor e a pastora frequentavam a nossa casa. Eles perceberam que
ali se lia muito e, sem modéstia, gostavam muito de me estimular também para a leitura. O
título do livro era Walter Telefonieren (Walter está telefonando), e o conteúdo era muito
significativo dentro da língua alemã. Não esqueço, até hoje, o primeiro versinho que aprendi:
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,
Eine alte frau cocht Rüben,
Eine alte frau cocht speck,
Schneidert sich den finger veg.
A tradução desse verso é a seguinte: “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, uma velha mulher cozinha
cenoura, uma velha mulher cozinha gordura, corta o seu dedo fora”. O livro era ilustrado com
a imagem de uma mulher cortando o dedo. Esses eram alguns dos versos que, quando chegava
13
visita, geralmente pediam para eu cantar em alemão, e assim quase todos se orgulhavam de
mim. Eu, então, me sentia feliz por ser valorizada e reconhecida nessa experiência de ler.
Larrosa (2002a, p. 134) aponta que “essa misteriosa atividade que é a leitura [é] como algo
que tem a ver com aquilo que nos faz ser o que somos”.
Mais tarde, com seis anos, comecei a frequentar a escola para aprender a falar a língua
portuguesa e para iniciar minhas primeiras socializações em um ambiente diferente de
interações com outras crianças. E assim, consequentemente, as experiências pedagógicas de
leitura passaram a fazer parte de minha vida. Para Larrosa (ibidem, p. 142) a leitura “ensina a
viver humanamente e a conseguir a excelência em todos os âmbitos da vida humana: no
intelectual, no moral, no político, no estético etc.”. Lembro-me de minha primeira professora,
que me acolheu com muito amor e paciência, pois os meus colegas falavam de modo diferente
de mim; às vezes, não nos entendíamos, e ela, afetuosamente, traduzia o que eu queria dizer.
Minha família, nessa época, mudou-se para a cidade3, pois minha mãe passou a
trabalhar em outra escola. Lá ia eu com ela para a escola. Com seis anos de idade, não podia
ser matriculada, então eu fazia as tarefas de brincadeira, mas, para mim, era muito sério;
ficava a admirar, extasiada, as tarefas que executava nesse contexto escolar.
Foi então que minha mãe, num belo dia, apareceu com um livro de histórias escrito em
português. Que alegria! Tinha ilustrações em todas as páginas, que ajudavam a decifrar as
palavras escritas. E, assim, esse e outros livros foram o incentivo para eu aprender a ler.
Sentava na escada que dava para a cozinha, lia todos os dias. Primeiro as palavras, depois as
frases isoladamente e, por último, as frases no contexto; tudo isso com a ajuda das ilustrações.
Em certa ocasião, disse para minha mãe que já sabia ler; que tinha entendido o que estava
escrito. Ela ficou muito surpresa, solicitando que eu lesse para que escutasse. A minha leitura
deixou-a muito alegre e maravilhada. Larrosa (ibidem, p. 150) indica que “a literatura, nesse
jogo de linguagem, se enrosca sobre si mesma, liberada de toda atadura exterior, as coisas, as
ideias, os sujeitos, os contextos e os valores estão sempre postos como à distância de si
mesmos”.
Assim, as experiências vividas, proporcionadas por esses livros, ficaram impressas em
minha memória, na minha alma e na minha carne. Nesse contexto, o conceito de experiência,
segundo Larrosa (ibidem, p. 161), “vem do latim experiri, provar. A experiência é, em
primeiro lugar, um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova”.
3
Minha família morava no interior de Augusto Pestana (RS), mais especificamente em Esquina Renz. Depois,
foi morar na sede deste município.
14
Aquilo que o sujeito vê e vive é o conhecimento que se tem na/pela prática de vida, que passa
e internaliza o indivíduo.
A imagem a seguir é do primeiro livro que ganhei quando tinha cinco anos de idade, já
na escola. Foi com ele que eu aprendi a ler em português e o guardo em minha memória,
principalmente a história de Quiquita. Essas histórias sempre tinham uma moral para ensinar
valores aos leitores, como se vê no excerto do livro.
Figura 2 – Meu primeiro livro
Fonte: IVONILDE E ZILTA, (1970, p. 15)
Logo ingressei na escola. As lembranças da experiência de ler ficaram como que
tatuadas em mim, a ponto de eu recordar de algumas até hoje. Ao final do período de aula, a
professora marcava com um X a tarefa para ler em casa, que geralmente era um texto. Quando
eu lia, viajava para dentro da história. Larrosa (2002a, p. 153) relaciona a leitura com a
metáfora da viagem: “ler é como viajar, como seguir um itinerário através de um universo de
signos que se deve saber interpretar corretamente, caso alguém não queira se perder”. A
alegria tomava conta de mim, pois era tudo o que eu queria: ler em casa para a minha mãe e
15
só parar quando cansava de ler. Destaco que estudei esse nível de ensino em classes
multisseriadas4. Em nossa sala, estudavam a primeira e a segunda série. Aprendia-se em
conjunto.
E assim foi até eu frequentar a escola estadual, a partir da quinta série. A partir daí,
tenho poucas lembranças marcantes em relação à leitura, mas uma eu não esqueço: numa
ocasião a professora estava estudando conosco os livros de Monteiro Lobato, em especial O
Sítio do Pica-Pau Amarelo. Então, ela nos deu a tarefa de assistir ao primeiro episódio da
minissérie lançada na Rede Globo. A expectativa para assistir ao programa, naquela época, foi
grande. No outro dia fizemos comentários sobre os melhores momentos. Gostei muito dessa
atividade.
Esses momentos familiares e escolares são carregados de significados e perpassaram a
minha infância com relação à leitura, mas, ao chegar à adolescência, foram morrendo. Depois
dos dois primeiros anos escolares, poucas experiências de leitura me vêm à memória.
Pergunto-me: como e por que essa experiência de ler, no meu processo de escolarização, foi
perdendo sentido?
Lembro que as visitas à biblioteca eram para retirar os livros de literatura que a
professora de português pedia; aí tive o meu primeiro contato com Machado de Assis, José
Lins do Rego, José de Alencar e outros. Certa vez, retirei o livro Iracema. Levei-o para casa e
não consegui ler para minha mãe, pois possuía palavras muito difíceis e eu demorava a
decifrá-las e pronunciá-las, então desisti de lê-lo. Sobre esse aspecto, Larrosa (2002a, p. 146)
considera que “a atividade da leitura é às vezes experiência e às vezes não. Porque ainda que a
atividade da leitura seja algo que fazemos regular e rotineiramente, a experiência da leitura é
um acontecimento que tem lugar em raras ocasiões”.
À medida que o tempo escolar foi passando, já não lia mais por gostar, mas por
exigências escolares. Devíamos mostrar a professores e colegas o que líamos, e alguém nos
dava nota pelo nosso desempenho. Tinha muito para ler e, às vezes, as leituras extensas,
distantes dos meus interesses, causavam cansaço, e eu desistia.
É na passagem dos Anos Iniciais para os Anos Finais do Ensino Fundamental que os
modos de leituras se apresentam diferentes. Geralmente nos Anos Iniciais os alunos realizam
leituras de livros de histórias onde o imaginário está presente. Já nos Anos Finais, geralmente
realizam leituras exigidas pela escola, que contemplem os conteúdos. Larrosa (ibidem, p. 135)
contribui com uma reflexão sobre a imaginação:
4
São aquelas em que alunos de níveis diferentes estudam juntos na mesma sala e o professor atende,
simultaneamente, várias séries.
16
A imaginação está ligada à capacidade produtiva da linguagem: recorde-se que fictio
deriva de facere, o que ficcionamos é algo fabricado e por sua vez, algo ativo. A
imaginação, assim como a linguagem, produz realidade, a incrementa e a
transforma.
Por exemplo, uma criança que vê bons filmes, desenhos animados, lê livros, contos de
fadas, literatura, lendas, poesias, ouve músicas, participa de atividades variadas, canta,
dramatiza, enfim, que utiliza as várias linguagens, amplia seus repertórios linguísticos e
culturais e sua visão de mundo. Quanto mais experiências ela tem, mais enriquece suas
práticas de leituras e de mundo, porque, segundo Larrosa (2002a, p. 137), “tudo o que passa
pode ser considerado um texto [...] algo a que temos de prestar a atenção. É como se os livros,
assim como as pessoas, os objetos, as obras de arte, a natureza, ou os acontecimentos que
sucedem ao nosso redor quisessem nos dizer alguma coisa”.
Desse modo, não existe experiência sem o sujeito da experiência, porque o sujeito é
quem experimenta. Nessa perspectiva, destaca-se dentro do conceito de experiência o “sujeito
da experiência”, descrito por Larrosa (2004, p. 160) como o “território de passagem, algo
como superfície de sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo, produz
alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos”. Para o autor
(ibidem, p. 161), o sujeito, nas práticas de leituras,
[...] é um sujeito ex-posto. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem
a exposição (nossa maneira de pôr-nos), nem a o-posição (nossa maneira de opornos), nem a im-posição (nossa maneira de impor-nos), nem a pro-posição (nossa
maneira de propor-nos), mas a ex-posição (nossa maneira de ex-por-nos), com tudo
o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência
aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se expõe. É
incapaz de experiência aquele a que nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a
quem nada lhe sucede, a quem nada lhe toca, nada lhe chega, nada lhe afeta, a quem
nada lhe ameaça, a quem nada lhe fere.
Nas palavras de Larrosa, esse sujeito da experiência, sendo um sujeito “ex-posto”, que
está aberto à “transformação” ou à “de-formação”, está ativo para as experiências de leituras
cada vez mais complexas e variadas. As leituras apresentam-se através de vários
instrumentos, e a tecnologia revolucionou os modos de interação entre suporte e leitor. Então
o sujeito da experiência está “ex-posto” a novos modos de leituras.
No século XX, multiplicam-se os meios considerados da mídia de massa: sonoros:
telefone, rádio, podcast; escritos: livros, jornais, diários, revistas; audiovisuais: televisão,
cinema; multimídias: diversos meios simultaneamente; hipermídias: TIC, CD-ROM, TV, ebook, hiperlivro, digital e internet, que agrupa as multimídias (diversos meios
simultaneamente, como escritas e audiovisuais), formando um conjunto com a
hipertextualidade (caminhos não lineares de leitura do texto). Essas rápidas transformações,
17
na opinião de Munari (2011), aconteceram porque “a humanidade modificou e ampliou os
meios de leituras, buscando aquilo que fosse mais prático: mais rápido, portátil – o livro
digital [...]”, presente para a geração Z5.
Assim, como a internet e as demais conexões com o mundo mudam as maneiras de ler
– do livro ao hiperlivro6, por exemplo –, cabe à escola saber como as novas gerações utilizam
os suportes para lerem. No espaço da escola de hoje, percebe-se a presença de uma geração
que utiliza a leitura virtual. A maioria das crianças possui um telefone celular, mesmo os
alunos do 1º ano do Ensino Fundamental. Também usam os computadores para realizar
pesquisas escolares. Os alunos dominam esses aparelhos, utilizando habilidades de leituras
distintas das leituras de um texto. Como essas tecnologias passaram a fazer parte do cotidiano
das pessoas, as escolas, através de suas mantenedoras, instalaram laboratórios de informática,
para o acesso daqueles alunos que não têm computador e internet em casa. A sociedade
contemporânea abre um espaço enorme para que a leitura da palavra transforme-se em um
processo cultural ampliado, e que sejam dadas às crianças oportunidades de diálogo num
processo interativo e linguístico.
É na escola que se amplia o domínio dos níveis de leitura e escrita, que orienta para a
escolha de textos diversificados e desenvolve as relações entre leitura e sujeito em todas as
suas interfaces. O professor tem a possibilidade de apurar o olhar e orientar, juntamente com
as crianças, para aquelas áreas em que se dão os cruzamentos entre textos narrativos e
ilustração. A leitura, como destaca Coelho (2000, p. 16),
[...] estimula o exercício da mente; a percepção do real em múltiplas significações; a
consciência do eu em relação ao outro; a leitura do mundo em seus vários níveis e,
principalmente, dinamiza o estudo e conhecimento da língua, da expressão verbal
significativa e consciente – condição sine qua non para a plena realidade do ser.
Sabemos que o Brasil é um país de pessoas que não têm o hábito da leitura
(CASEMIRO, 2002) ou leem pouco e mal. A prática da leitura é uma experiência que não faz
parte do cotidiano de muitos brasileiros, que não têm acesso a livros e outras formas de
comunicação escrita em seus lares. Com base nos dados de pesquisa do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), sabe-se que, no Brasil, os estudantes da
educação básica são os que têm o menor número de livros em casa. Entre os países
5
A grande nuance dessa geração é zapear. Daí o Z. Em comum, essa juventude muda de um canal para outro na
televisão. Vai da internet para o telefone, do telefone para o vídeo e retorna novamente à internet. Também troca
de uma visão de mundo para outra, na vida.
6
Para Munari (2011), o hiperlivro é portador de um texto que se transforma a partir dele, como aconteceu na
passagem do rolo para o códice e deste para o livro.
18
pesquisados, o Brasil está em último lugar em leitura em casa, revelando, assim, a situação
socioeconômica das famílias (CASEMIRO, 2002).
Nas conversas entre professores, outro ponto que chama atenção é que é comum ouvir
no cotidiano escolar, desde os Anos Iniciais, falas sobre a relação educando/ato de ler, como:
“os alunos não sabem ler”; “esses alunos não leem”; “o que fazer para que estes alunos
leiam?”; “os alunos não têm capacidade para ler”.
A leitura, entre os professores, também se manifesta de forma frágil. Quando da minha
chegada com livros recebidos do governo federal por meio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) e expostos sobre a mesa dos professores para
apreciação, ouvi alguns comentários, como: “não tenho tempo para ler”; “não venha com este
monte de livros”... Dos dez professores que estavam ali, seis reviraram as obras para
encontrar algo de seu interesse e quatro levaram livros para ler. Alguns, ainda, nem olharam
para os livros, e outros disseram: “gostaria de ler todos, mas não sei quando”. Situação
semelhante aconteceu com o jornal7 que foi posto sobre a mesa dos professores. As reações
foram as mais diversas. A maioria nem olhou. Alguns levantaram e saíram, outros desviaram
o olhar. Apenas uma pegou o jornal para fazer as palavras cruzadas.
Esta pesquisa pretende debruçar-se sobre as práticas de leituras vividas pelos sujeitos
(alunos) na interação escolar. Assim, olharei para as práticas escolares de leituras. Foucault
(2004) sensibiliza-nos a olhar as práticas em que os sujeitos estão envolvidos, seus modos de
operação, seus discursos, seus esquemas, suas ações, e não diretamente para os sujeitos. Ou
seja, olhar como essas práticas de leituras constituem a subjetividade dos sujeitos
pesquisados, como a leitura afeta o seu modo de ser e viver a realidade. Na opinião de Larrosa
(2002a, p. 133),
Pensar a leitura como formação implica pensá-la como atividade que tem a ver com
a subjetividade do leitor (modos de subjetivação): não só com o que o leitor sabe,
mas, também com aquilo que ele é. Trata-se de pensar a leitura como algo que nos
constitui ou nos põe em questão naquilo que somos.
Desse modo, o objetivo desta pesquisa é analisar as práticas escolares de leituras de 12
alunos, quatro por turma. Considerando que as turmas do 4º, do 5º e do 6º ano do Ensino
Fundamental da Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira, do
município de Eugênio de Castro/RS), têm em média 20 alunos, essa amostra corresponde a
20% do total de alunos por turma.
7
A escola mantém a assinatura do jornal Zero Hora, de circulação diária.
19
Desse modo, lanço as seguintes perguntas de pesquisa: Quais práticas de leituras são
mobilizadas, pelos alunos, no contexto escolar? O que, como e onde leem? Com quem leem?
Para Minayo (2008, p. 16), “toda investigação se inicia por uma questão, por um problema,
por uma pergunta, por uma dúvida”. E, assim, inicio por estas perguntas.
Inicialmente, busquei mapear dissertações publicadas nos últimos cinco anos que
tratassem da leitura na escola. Para tanto, busquei em bancos de dados, teses e dissertações,
como os sites do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(Capes), da Biblioteca Pública Digital, o SciElo (Scientific Eletronic Library Online), através
do site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Busquei
dissertações e teses já concluídas a partir de palavras-chave e também da combinação de
algumas palavras, como: leitura, leitura-escola, leitura-aluno-ensino fundamental, práticas de
leituras. Em algumas dessas dissertações, tive acesso ao texto integral; em outras, somente aos
resumos. Trago-as aqui na direção de pontuar um certo estado de arte, pois nesses trabalhos
há elementos que relacionam a temática das práticas de leitura na escola.
Buscando essa interligação, encontrei a dissertação de mestrado A leitura nas classes
populares: uma investigação na 5ª Série do Ensino Fundamental, desenvolvida por Tatiana
Anflor (2007) junto a alunos e professores, através de entrevistas. Em suas análises, a autora
destaca a descrição das experiências de leitura dos alunos de 5ª série. Os resultados permitem
pensar na importância da escola no empenho de proporcionar práticas que levem as crianças a
ler e escrever a sua própria história de leitura, transformando assim o quadro constatado de
pouco convívio das classes populares com as obras literárias.
A dissertação de Érica Alves (2008), Estratégias de leitura e a (re) significação de
uma prática de leitura, apresentou como resultados a importância da aplicação de estratégias
de leituras para a construção de sentidos do texto. Uma vez que tais procedimentos envolvem
aspectos cognitivos e metacognitivos, o leitor levanta hipóteses, valida-as ou não, preenche as
lacunas que o texto apresenta, o que o leva a refletir e controlar seu próprio conhecimento.
A dissertação de Josilene da Silva (2011), (Re) descobrindo o prazer da leitura: uma
interação entre teoria e prática em sala de aula, discorre sobre o interesse pela leitura lúdica
e prazerosa que acompanha a criança desde o seio familiar até o 5º ano do Ensino
Fundamental. Como resultados, a autora indicou que a maioria dos alunos pesquisados foi
capaz de (re)descobrir a leitura lúdica, prazerosa. Com o intuito de preencher os espaços da
alma com expressivas obras de grandes autores, esses alunos perceberam que o poético é
capaz de tocar a nossa sensibilidade e desenvolvê-la.
20
Trago essas pesquisas para dizer que me aproximo em termos de recorte das práticas
de leituras no Ensino Fundamental, porém detenho-me a pesquisar as práticas de leituras do 4º
ao 6º ano do Ensino Fundamental.
A imagem a seguir ilustra como a leitura provoca o leitor e leva-o a fazer descobertas
encantadoras. A leitura utiliza-se da capacidade do leitor de transformar as palavras em
imagens. Enquanto ele lê as palavras, em sua mente tudo acontece como se fosse um filme,
ouve os sons, sente os gostos, se emociona com os personagens e ao final sente saudades da
história que leu. Este é o poder da leitura.
Figura 3 – A magia da leitura
Fonte: COIMBRA, (2013, p. 46)
21
2 AS PRÁTICAS DE LEITURAS E O CAMPO TEÓRICO
Neste capítulo, inicialmente compartilho alguns aspectos sobre fragmentos históricos
da leitura, com a intenção de destacar a relevância desta nas sociedades e nos diferentes
tempos históricos. Discuto também os elementos pedagógicos das práticas de leituras.
2.1 FRAGMENTOS HISTÓRICOS DO ATO DE LER
O ato de ler, conforme Manguel (1997), é considerado uma passagem, sendo
comemorada como um ritual importante. Considerei relevante essa posição porque percebo
que nas classes de alfabetização há geralmente pouca valorização desse ato. A partir de falas
do tipo “Se aprendeu a ler passa de ano, se não aprendeu fica mais um ano”, entrega-se ao
educando a tarefa de aprender a ler e ainda se expõe um entendimento de que ler é algo fácil,
sem muita importância.
Em princípio, o ato de ler é uma ação do intelecto, das emoções, em que o sujeito
utiliza seus conhecimentos prévios, suas experiências e transforma as informações
culturalmente construídas. Manguel (ibidem, p. 20) afirma que “ler [...] vem antes de
escrever. Uma sociedade pode existir – existem muitas, de fato – sem escrever, mas nenhuma
sociedade pode existir sem ler”. Existem vários modos de ler que não empregam as palavras,
e sim diferentes signos, que são oferecidos ao indivíduo, o qual tem a tarefa de decifrá-los,
como descreve Manguel (ibidem, p. 20):
Mesmo em sociedades que deixaram registros de sua passagem a leitura precede a
escrita; o futuro escritor deve ser capaz de reconhecer e decifrar o sistema social de
signos antes de colocá-lo no papel. Para a maioria das sociedades letradas – para o
islã, para sociedades judaicas e cristãs como a minha, para os antigos maias, para as
vastas culturas budistas –, ler está no princípio do contrato social; aprender a ler foi
meu rito de passagem.
Para as civilizações letradas,
[...] aprender a ler tem algo de iniciação, de passagem ritualizada para fora de um
estado de dependência e comunicação rudimentar. A criança, aprendendo a ler, é
admitida na memória comunal [...] familiarizando-se assim com um passado comum
que ela renova, em maior ou menor grau, a cada leitura. (ibidem, p. 89-90).
O autor destaca que, em cada época, os métodos de ensino da leitura assumiam formas
diferentes. Cada membro da sociedade, em uma idade específica, era iniciado no mundo
letrado conforme sua cultura, cada uma com suas características.
22
Na sociedade judaica, medieval, por exemplo, o ritual de aprender a ler era
celebrado explicitamente. Na festa do Shavuot, quando Moisés recebia a Torá das
mãos de Deus, o menino a ser iniciado era envolvido num xale de orações e levado
por seu pai ao professor. Este sentava o menino no colo e mostrava-lhe uma lousa
onde estava escrito o alfabeto hebraico, um trecho das escrituras e as palavras
“Possa a Torá ser tua ocupação”. O professor lia em voz alta cada palavra e o
menino as respondia. A lousa então era coberta com mel e a criança a lambia,
assimilando assim, corporalmente, as palavras sagradas. (MANGUEL, 1997, p. 90).
Na sociedade medieval, todos os meninos e a maioria das meninas dos clérigos tinham
acesso à aprendizagem da leitura desde muito cedo, e isso começava na família. Já na
“sociedade cristã da baixa Idade Média e começo da Renascença aprender a ler e escrever –
fora da Igreja – era o privilégio mais exclusivo da aristocracia e (depois do século XI) da alta
burguesia” (ibidem, p. 90). Manguel destaca o papel da leitura, mas também adverte que esse
aprendizado exige da criança maturidade intelectual, conforme as instruções contidas em um
manual escrito no século I, na Europa:
Quintiliano escreveu um manual pedagógico de 12 (doze) volumes, o Institutio
Oratória de grande influência durante a Renascença. Nele aconselhava: Há quem
defenda que os meninos não devem aprender a ler antes dos sete anos de idade,
sendo essa a idade mais tenra em que podem tirar proveito da instrução e suportar a
tensão de aprender. (ibidem, p. 91).
Naquela época, havia distinção entre o acesso ao ensino da leitura entre meninos e
meninas. Esse ensino era oferecido de várias formas:
Depois do aprendizado das primeiras letras, contratavam-se professores como
tutores particulares (se a família tivesse condições financeiras) dos meninos,
enquanto a mãe se ocupava da educação das meninas. Embora no século XV os lares
abastados em geral tivessem o espaço, a tranquilidade e o equipamento para oferecer
o ensino em casa, a maioria dos estudiosos recomendava que os meninos fossem
educados longe da família, na companhia de outros meninos. Os moralistas
medievais, entretanto, questionavam acerbamente os benefícios da educação –
pública ou privada – para as meninas. (ibidem, p. 91-92).
O aprendizado das meninas era considerado perigoso pelos moralistas medievais, pois
o acesso ao conhecimento poderia representar certa liberdade de pensamento, como Manguel
(ibidem, p. 92) descreve: “não é apropriado que as meninas aprendam a ler e a escrever,
exceto se quiserem ser freiras, pois de outra forma poderão, chegada a idade, escrever ou
receber missivas amorosas”. O acesso das meninas ao mundo letrado era restrito.
Do final do século XI até o século XIV na Europa, iniciou-se uma nova era da história
da leitura: a união da leitura e escrita como sendo uma o complemento da outra, conforme
destaca Ribeiro (2008, p. 5):
Com o desenvolvimento da alfabetização, as práticas de escrita e as práticas de
leitura antes separadas, aproximaram-se tornando-se função uma da outra: lê-se para
23
escrever e escreve-se para leitores. A escola agora é vista como o principal espaço
onde se dará o ensino da leitura.
O método escolástico era voltado para a leitura tecnicizada. Não se aprendia a ler por
prazer, mas, sim, como uma ação técnica, na perspectiva da memorização. A capacidade de
memória levou as pessoas, com o tempo, a não consultar mais as obras originais, mas trechos
de textos selecionados por outros. Manguel (1997, p. 95-96) destaca:
Poucos estudantes eram suficientemente ricos para comprar livros, e com frequência
apenas o professor possuía esses volumes caros. Ele copiava no quadro-negro as
complicadas regras de gramática – geralmente sem explicá-las pois, de acordo com a
pedagogia escolástica, a compreensão não era uma exigência do conhecimento. Os
alunos eram então forçados a aprender as regras de cor. Como seria de se esperar, os
resultados eram amiúde decepcionantes.
O método escolástico, ainda muito presente entre nós, destinava-se a manter o controle
sobre o conhecimento a serviço do status quo. Para Manguel (1997, p. 92-93), consistia em
“treinar o estudante a considerar um texto de acordo com certos critérios preestabelecidos e
oficialmente aprovados, os quais eram incutidos neles às custas de muito trabalho e muito
sofrimento [...] o ensino da leitura dependia mais da perseverança do aluno que de sua
inteligência”.
Assim, na segunda metade do século XV, o método escolástico começou a perder
forças, abrindo espaço para modelos de ensino mais liberais. Ribeiro (2008, p. 6) conta que “a
leitura vai se tornando responsabilidade do leitor no que tange à ligação do ato de ler com seu
próprio mundo e experiências pessoais, afirmando sua autoridade sobre o texto”.
Na Idade Moderna, mais precisamente nos séculos XVI a XIX, surgem em alguns
países europeus novas categorias de leitores, condicionados às práticas de leituras escolares e
à industrialização. A revolução causada pelo livro impresso – marcante no avanço tecnológico
– trouxe rapidez e uniformidade aos textos. Para Ribeiro (ibidem, p. 6),
Em países de forte tradição católica, os leitores procuraram desviar os olhos da
censura, que insistiam cravar obstáculos para leitura de textos vistos como
portadores de ideias perigosas contra a autoridade da Igreja e dos soberanos
absolutos.
A leitura no mundo contemporâneo, do século XIX aos dias atuais, “conhece uma
nova dispersão dos modelos de leitura em virtude do crescimento geral da alfabetização e do
uso da cultura impressa por novas classes de leitores (as mulheres, as crianças, os operários)”
(ibidem, p. 10). Para Ribeiro (ibidem, p. 10), as mulheres do século XIX, “em decorrência da
diminuição das taxas de analfabetismo, emergiram como público leitor, consumidor principal
24
dos livros de culinária, revistas e romance”. Igualmente ocorreu com as crianças do século
XIX:
Com a expansão da educação primária, tiveram um maior acesso ao mundo letrado.
Mas o aprendizado da leitura de maneira tradicional, na maioria das vezes, era
realizado através de cartões sem contato com os livros; a capacidade para ler era
uma atividade que exigia paciência e repetição de exercícios. (RIBEIRO, 2008, p.
10).
Ao propor-me a pesquisar sobre as práticas de leituras dos alunos, iniciei a busca por
materiais de estudos que pudessem conduzir-me a um caminho a seguir. No trajeto dessa
busca, descobri que também a leitura tem sua história. Na seção seguinte, apresento que o ato
de ler é complexo e depende de alguns elementos para constituir-se.
2.2 OS ELEMENTOS DA LEITURA
Aprender a ler, para Manguel (1997), é entendido como a passagem do estado de
dependência para a autonomia de pensamento. Essa passagem é um processo doloroso e
difícil para a criança, que exige a observação de alguns elementos centrais do processo de
formação da leitura, como a língua, a linguagem, ler, leitura, leitura de mundo, leitura de um
texto, ser leitor e alguns tipos de leitores. Para compreender melhor cada conceito, dialogo
com alguns autores como Freire (1994, 1996, 2000), Foucambert (1994) e Santaella (2004).
Para entender a complexa trama que envolve o ato de ler, inicio conceituando língua.
Por que abordar, no entanto, o conceito de língua? Porque desde que nascemos somos parte da
sociedade da comunicação, aprendemos a falar a língua materna. O Dicionário Aurélio
(FERREIRA, 2004, p. 459) diz que língua “é o conjunto das palavras e expressões, faladas ou
escritas, usadas por um povo ou uma nação e o conjunto de regras da sua gramática”. Para
Freire (1994), porém, o conceito de língua vai muito além; assume um papel social e cultural.
Para o autor, língua é
[...] a força mediadora do conhecimento; mas também é, ela mesma, conhecimento.
Creio que tudo isto passa também através das classes sociais. Uma pedagogia crítica
propõe essa compreensão cultural dinâmica e contraditória, e a natureza dinâmica e
contraditória da educação como um objeto permanente de curiosidade por parte dos
educandos. (ibidem, p. 35).
Nessa língua, que é diferente conforme seu povo ou nação, aprende-se a palavra, que é
a essência da comunicação. Larrosa (2002b, p. 21) explica:
O homem é um vivente com palavra. E isto não significa que o homem tenha a
palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas
25
que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo o humano tem a
ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver
próprio do vivente, que é o homem, se dá em palavras.
Larrosa (2002b, p. 21) chama a atenção para o que representam as palavras: são
produção de sentidos e de poder que traduz pensamentos:
As palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como
potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das
palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras
fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não
pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma
suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras.
As palavras são usadas para expressar pensamentos, mas não usadas de qualquer
forma. O sujeito que usa a palavra para expressar os pensamentos, tanto falados quanto
escritos, busca aprimorar esses usos para ser entendido. Na opinião de Frantz (2006, p. 13),
Palavras são como pontes que ligam os pensamentos, as experiências, os interesses e
as necessidades dos seres humanos entre si. Entrelaçar pensamentos, experiências,
interesses e necessidades, pela ponte das palavras, requer também capacidade de
leitura [...] implica exercícios complexos de comunicação social, de expressão
verbal.
O poder de uso das palavras é o ponto central da distinção entre os seres humanos e os
animais. São as palavras que permitem ao ser humano a incrível capacidade de comunicação
verbal, porém, ao mesmo tempo, o ser humano busca a adaptação ao mundo das palavras, as
quais se modificam. Para tanto, utiliza a linguagem falada ou escrita. Revisando a definição
de linguagem, o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2004, p. 461) traz que linguagem é “o uso
da palavra articulada (na voz) ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre as
pessoas”. Nós, humanos, nos constituímos pela linguagem. Por meio dela e na troca com os
outros, produzimos conhecimentos, tomamos consciência, reinterpretamos a condição humana
e nos posicionamos.
A capacidade de ler reserva-se aos seres humanos e, além de ser a habilidade que os
humaniza, torna-os forte, permitindo o acesso ao conhecimento e ao poder, desenvolve o
pensamento e possibilita a autonomia. Manguel (2011, p. 11) afirma:
Ler é extensão de uma função biológica. Certos animais usam de camuflagem e
outros criam defesas para atuar no mundo. Nossa espécie desenvolveu a imaginação.
Uma forma de construir o mundo antes de experimentá-lo. Se posso imaginar como
é por a mão na boca de um tigre, sim, vou por a mão. A imaginação faz com que
inventemos histórias para reter nossa experiência. Para conhecê-las, desenvolvemos
a leitura. Lemos e escrevemos para entender a experiência antes de tê-la e para ativar
nossa própria experiência, para dizer que essa é a forma que sentimos e entendemos,
para que as gerações futuras possam sabê-las.
26
Para Boufleuer (2001, p. 65), “quando vinculamos o conhecimento à mediação da
linguagem nós o entendemos, também, como uma relação social argumentativa, ou seja, como
prática social”. O uso da linguagem para representar o pensamento simbólico é capacidade
exclusiva dos seres humanos, diante da necessidade de convivência coletiva e da organização
em sociedade, pela qual, inclusive, nos distinguimos dos demais seres.
A criança, quando chega à escola, traz consigo uma língua conhecida que aprendeu na
sua vivência social e cultural, chamada dialeto. No espaço escolar, essa criança conhece as
possibilidades de uso padrão da língua, considerando-se que em certas situações de
comunicação são exigidos graus de formalidade para a linguagem oral. Vincula-se, assim, o
aprendizado da língua ao conhecimento de formas de uso padrão.
Nas classes de alfabetização, percebe-se certa dificuldade das crianças em adaptar a
linguagem conhecida à linguagem formal padrão. A tendência é escrever como se fala, e é no
espaço escolar que a criança irá perceber que essa língua conhecida passa por algumas
modificações, tanto na escrita quanto na leitura. Sendo assim, saber ler, para Freire (2000), “é
um processo difícil, que exige maturidade e persistência do sujeito, mas ao mesmo tempo
prazeroso”. Para o autor, ler implica “que o leitor (a) se adentre na intimidade do texto para
aprender sua mais profunda significação. Quanto mais fazemos o exercício disciplinadamente,
vencendo todo o desejo de fuga da leitura, tanto mais nos preparamos para tornar futuras
leituras menos difíceis” (ibidem, p. 76).
Quando uma criança consegue ler uma palavra, é visível sua satisfação. Ela demonstra
o quanto é doloroso ler, mas também a alegria ao perceber que conseguiu fazê-lo. A partir da
leitura da palavra, a criança mentalmente relaciona que tudo o que está ao seu redor pode ser
escrito e, principalmente, lido. Relato essas situações por acompanhar as classes de
alfabetização na escola pesquisada e ter a oportunidade de ensinar muitas crianças a ler. É
inesquecível ver os olhos brilhando das crianças quando descobrem que sabem ler, nem que
seja somente uma palavra.
Ao aprender a ler, a criança começa a fazer relações com o mundo. Sente-se
pertencente ao mundo das letras. Percebo na escola pesquisada que os índices de casos de
indisciplina nos três Anos Iniciais têm como um dos motivos o não saber ler. E isso gera
conflitos internos nas crianças, que afeta as relações entre os seus pares, pois se demonstra o
sentimento de não pertencer ao mundo letrado. Ao aprender a ler, as crianças se tranquilizam,
pois superaram a dor de não saber ler. Nesse sentido, Foucambert (1994, p. 5) contribui
lembrando que “ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas
27
respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa
construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é”.
Dedico-me neste momento a pensar sobre o conceito de leitura. Para Foucambert
(1994, p. 8), por exemplo, a palavra leitura nos abre um leque de possibilidades de entendê-la:
para o autor leitura “é a atribuição de um significado ao texto escrito”. Ele ainda explicita que,
para ler, o sujeito utiliza conhecimentos prévios necessários ao leitor, para que ele entenda o
que vai ser lido e como encontrar as informações que precisa.
A leitura exige do leitor bem mais informações a respeito do que vai ler. Isso pode ser
percebido durante um diálogo entre a professora e uma criança do 1º ano do Ensino
Fundamental. A professora pediu a um aluno para ler a palavra casa. Com muito esforço, a
criança foi decifrando as sílabas, fazendo suas hipóteses de leitura, soletrando e juntando os
sons das letras para formar a palavra. Ao terminar, estava toda suada em razão do esforço
feito para ler. Ela olhou para a professora e disse: “Aqui está escrito casa?” “Sim”, respondeu
a professora. E a criança disse: “Então já sei ler casa?”. Nessa situação, é útil observar a
explicação de Foucambert (ibidem, p. 9):
É um erro acreditar que uma palavra nova é simplesmente somada às que a criança
já conhece: na verdade, a palavra nova obriga todo o sistema a se reorganizar. Por
extensões e conflitos, por ensaios e erros, por equilíbrios e questionamentos. A
criança elabora um sistema que explica, teoriza e organiza suas práticas de leitor.
A leitura apresenta-se de várias formas. Uma leitura pode ser oral e silenciosa. Essas
leituras estão diretamente ligadas às modalidades físicas do leitor. Como explica Chartier
(2011, p. 82), o ato léxico “distingue uma leitura silenciosa, que é apenas o percurso dos olhos
sobre a página, e uma outra que necessita da oralização, em voz alta ou baixa”.
Durante a pesquisa na escola, observei que os alunos demonstram diferentes modos de
leituras. A grande maioria lia em silêncio, mas alguns poucos precisavam ler em voz alta para
entender o que estavam lendo. Assim, as leituras podem ser classificadas em:

leitura oral (em voz alta): que, para Cagliari (2009, p. 142), é “decifrar o que está
escrito e depois reproduzir oralmente o que foi decifrado”;

leitura silenciosa, que, na concepção de Cagliari (2009, p. 138),
[...] é muito mais comum entre as pessoas. Sua importância para a vida da maioria
delas é muito maior que a dos outros tipos de leitura. A leitura visual tem grandes
vantagens sobre os outros tipos de leitura, não só não inibe o leitor por questões
linguísticas, como permite ainda uma velocidade de leitura maior, podendo ele parar
onde quiser e recuperar passagens já lidas, o que a leitura oral de um texto não
costuma permitir. Daí a conclusão de algumas pessoas de que a leitura silenciosa
favorece mais a reflexão sobre o texto.
28
Para Freire (1996, p. 30), a leitura “crítica me compromete de imediato com o texto
que a mim se dá e a que me dou, e de cuja compreensão fundamental me vou tornando
também sujeito”. Muito antes de uma criança saber que existem palavras para ler, ela já lê
tudo o que está ao seu redor na interação com o mundo. É essa leitura que Freire denomina
leitura de mundo; a leitura que “revela, evidentemente, a inteligência do mundo que vem
cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito
no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo” (ibidem, p. 139).
Para saber ler, no entanto, o sujeito utiliza-se das palavras e também da leitura de
mundo. Para realizar a leitura, Freire (1994, p. 22) destaca que esta “implica sempre
percepção crítica, interpretação e ‘re-escrita’ do lido” (grifo do autor). Ler um texto, portanto,
é
[...] algo mais demandante. Ler um texto não é “passear” licenciosamente,
pachorrentamente, sobre as palavras. É apreender como se dão as relações entre as
palavras na composição do discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde,
determinado. Ler, enquanto estudo, é um processo difícil, até penoso, às vezes, mas
sempre prazeroso também. (idem, 2000, p. 76).
É na escola ainda que se vive o momento de formação do sujeito leitor ou não. Ser
leitor, para Foucambert (1994, p. 30), é “querer saber o que se passa na cabeça do outro para
compreender melhor o que se passa na nossa”. Cabe ao leitor ter acesso aos escritos
socialmente produzidos, tendo a capacidade de escolher o que irá ler e onde encontrar o que
quer ler.
A partir da concepção do “ser leitor”, temos ainda os “tipos de leitores”, que,
conforme Santaella (2004, p. 19), são:

leitor contemplativo, meditativo: da idade pré-industrial; o leitor da era do livro
impresso e da imagem expositiva, fixa;

leitor movente, fragmentado: é o leitor do mundo em movimento, dinâmico,
mundo híbrido, de misturas sígnicas, um leitor que é filho da Revolução Industrial
e do aparecimento dos grandes centros urbanos. O homem na multidão. Esse
leitor, que nasce com a explosão do jornal e com o universo reprodutivo da
fotografia e do cinema, atravessa não só a era industrial, mas mantém suas
características básicas quando se dá o advento da revolução eletrônica, era do
apogeu da televisão;

leitor imersivo, virtual: esse tipo de leitor é aquele que começa a emergir nos
novos espaços incorpóreos da virtualidade.
29
Depois de apresentar essa base de reflexão sobre a complexidade do ato de ler e seus
elementos, abordo como a leitura contribui para a construção da subjetividade do leitor.
2.3 A PRÁTICA DA LEITURA: CONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO DO SUJEITO
A leitura tem o poder de despertar em nós regiões que estavam até então
adormecidas. Tal como o belo príncipe do conto de fadas, o autor inclina-se sobre
nós, toca-nos de leve com suas palavras e, de quando em quando, uma lembrança
escondida se manifesta, uma sensação ou um sentimento que não saberíamos
expressar revela-se com uma nitidez surpreendente. (PETIT, 2008, p. 7).
A citação acima mostra como a leitura mexe com as emoções do sujeito. A forma
como o escritor usa as palavras para tocar o leitor contribuem na constituição da subjetividade
do leitor. São os escritores que usam as palavras para dizer o que há de mais íntimo em nós,
como às vezes acontece conosco quando estamos lendo um livro, “este livro parece que foi
escrito para mim”. São as leituras que revelam as pessoas que leem algo que estava oculto, o
leitor identifica-se com o texto. Segundo Petit (2009, p. 266), “os livros são hospitaleiros e
nos permitem os exílios de que cada vida é feita, pensá-los, construir nossos lares interiores,
inventar um fio condutor para nossas histórias, reescrevê-las dia após dia”. Assim, a prática da
leitura é uma experiência singular na vida de cada leitor.
A prática de leitura tem capacidade de transportar o leitor para outros lugares, outros
mundos, sem o leitor sair do lugar. Nesse sentido, ela está sendo incentivada aos detentos das
penitenciárias, que através da leitura podem ultrapassar os muros dos presídios e habitar
outros lugares, outras paisagens, conhecer outras culturas e outros povos. Martha Medeiros,
em uma reportagem publicada no jornal Zero Hora, com o título Livro, um alvará de soltura,
destaca a importância da leitura para os detentos de penitenciárias federais, que ao ler poderão
ter suas penas diminuídas: “a cada publicação lida, a pena será diminuída em quatro dias, de
acordo com a Portaria 276 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). No total a
redução poderá chegar a 48 dias em um ano, com a leitura de 12 obras” (MEDEIROS, 2012,
p. 34). Para demonstrar que leu, o detento precisa elaborar uma resenha da obra lida. Por
acreditar que a leitura pode transformar a realidade e os sentimentos desses sujeitos que estão
em outro mundo que não é o seu, a reinclusão destes na sociedade pode se dar através destas
leituras, que permitem construção/reconstrução dos sujeitos. A autora ainda aponta:
Leitura = liberdade ao alcance. Não é preciso ser criminoso para estar preso. O que
não falta é gente confinada na ignorância, sem saber como escrever corretamente as
palavras, como se vive em outras culturas, como deixar o pensamento voar. O livro
é um passaporte para um universo irrestrito. O livro é a vista panorâmica que o
presídio não tem, a viagem pelo mundo que o presídio impede. O livro transporta,
transcende, tira você de onde você está. (ibidem, p. 34).
30
A leitura proporciona um momento para que o sujeito pare para pensar em si, na sua
vida. A leitura oferece ao leitor a oportunidade de refletir sobre suas atitudes, um encontro
com o seu interior para poder reorganizar-se. Para Petit (2009, p. 141), “a leitura favorece as
transições entre corpo e psiquismo, dia e noite, passado e presente, dentro e fora, perto e
longe, presente e ausente, inconsciente e consciente, razão e emoção. E entre eu e os outros”.
Por isso, na sala de aula, a prática da leitura – a partir de histórias, por exemplo – ajuda a
resolver muitos conflitos que acontecem com os alunos. Através da magia das palavras e do
faz de conta, esses alunos vão se construindo para conviver em sociedade. É na adolescência
que essas práticas se tornam importantes, como assevera Petit (2008, p. 79):
O papel da leitura na construção de si mesmo é particularmente sensível na
adolescência e na juventude, pode ser igualmente importante em todos os momentos
da vida em que devemos nos reconstruir: quando somos atingidos por uma perda;
uma angústia, seja por um luto, uma doença, um desgosto de amor, o desemprego,
uma crise, todas as provas que são constituídos nosso destinos, todas as coisas que
afetam negativamente a representação que temos de nós mesmos, o sentido de nossa
existência.
Essa construção de si mesmo está na íntima relação que o sujeito estabelece com o
livro. A prática da leitura das obras literárias, na composição com a estrutura da linguagem,
permite ao sujeito essa construção. É o que acontece com clássicos como os Contos de
Grimm: são livros com histórias muito antigas, mas também atuais, que passam de geração
em geração. Minha avó os lia para mim, eu lia para os meus filhos. Com certeza já lemos
muitas vezes essas histórias, nelas encontramos um pouco de nós mesmos, temos um pouco
de Cinderela, um pouco de Branca de Neve. Essas leituras permitem ao leitor a leitura de si
mesmo e do mundo à sua volta.
A capacidade de prática da leitura ou a falta desta pode ser fator de inclusão/exclusão.
Para Petit (ibidem), a ausência das palavras escritas causa um abismo cultural. Na escola
percebem-se os alunos que não dominam o ato de ler: quando são chamados a ler, negam-se,
sentam-se no fundo da sala de aula, escondendo-se para que ninguém os veja, sentem-se
excluídos do mundo letrado. Segundo Petit (ibidem, p. 72), “o que determina a vida dos seres
humanos é em grande medida o peso das palavras, ou o peso de sua ausência”. Não me refiro
aqui à decodificação das palavras, mas à leitura proficiente que esses alunos não realizam.
A prática da leitura é um ato individual e significativo a todo sujeito. A cada leitura,
ele amplia o seu capital cultural, se modifica e passa a fazer parte de uma sociedade em que o
conhecimento oferece mais e melhores oportunidades profissionais a quem domina a arte de
ler, e assim se distingue do outro. Nesse sentido, a prática de leitura também contribui para a
formação de uma identidade coletiva. Assim, os alunos não proficientes na leitura estão
31
excluídos da ampliação de mundo que o sujeito elabora a partir das leituras que realiza. Após
a prática de leitura, geralmente o sujeito já não é mais o que era ou pensava antes dessa
leitura; algo mudou em si mesmo. Os alunos que não têm o hábito de ler apresentam
dificuldades em todas as disciplinas, não só nas linguagens, mas também nas disciplinas em
que são realizados cálculos.
Petit (2009, p. 284) complementa:
A literatura em particular, sob todas as suas formas (mitos e lendas, contos, poemas,
romances, teatro, diários íntimos, histórias em quadrinhos, livros ilustrados), fornece
um suporte notável para despertar a interioridade, colocar em movimento o
pensamento, relançar a atividade de simbolização, de construção de sentido, e incita
trocas inéditas de conhecimento.
Para ler, utilizamos a língua, que é o instrumento de comunicação. O acesso a essa
língua, tanto falada como escrita, define a posição do sujeito na sociedade, mas também pode
representar uma barreira social. Certa vez, percebi que no caixa eletrônico de uma agência
bancária estavam várias pessoas – mulheres e homens com idades entre 50 e 60 anos – em
uma fila, a esperar pela funcionária da agência para sacar dinheiro, porque não sabiam realizar
essa ação, para qual precisariam saber ler. Essa situação evidencia que tais sujeitos sempre
estarão em situação de dependência de alguém que domina as palavras e a leitura para realizar
atividades simples, como sacar dinheiro. É como explica Petit (2008, p. 70):
Todas as pessoas, do campo ou da cidade, pensam que sem uma certa destreza no
uso da língua não existe uma verdadeira cidadania. E que o iletrado é aquele que
sempre necessita de assistência. Aquele que, também, ao dispor de poucas palavras,
poucas expressões, é o mais frágil diante dos demagogos que fornecem respostas
simplistas.
Conhecer as palavras e saber usá-las emancipa o sujeito, permite a ele pertencer a uma
sociedade e nela poder atuar, como aponta Petit (ibidem, p. 66): “a palavra é algo muito
importante; [...] aquele que domina a escrita é necessariamente alguém que registra na
memória sua experiência de vida e pode transmiti-la”. É o leitor, então, quem atribui sentido
ao que lê, que compreende o que lê e que se transforma ao ler. No entanto a leitura pode
acontecer de várias formas. O leitor lê não só as palavras, mas a leitura nos remete a infinitas
dimensões:
Leitores de livros, uma família em que eu estava entrando sem saber (sempre
achamos que estamos sozinhos em cada descoberta e que cada experiência, da morte
ao nascimento, é aterrorizantemente única), ampliam ou concentram uma função
comum a todos nós. Ler as letras de uma página é apenas um de seus muitos
disfarces.
– o astrônomo lendo um mapa de estrelas que não existem mais;
– o arquiteto japonês lendo a terra sobre a qual será erguida uma casa de modo a
protegê-la das forças malignas;
32
– o zoólogo lendo os rastros de animais na floresta;
– o jogador lendo os gestos do parceiro antes de jogar a carta vencedora;
– a dançarina lendo as notações do coreógrafo e o público lendo os movimentos da
dançarina no palco;
– o tecelão lendo o desenho intrincado de um tapete sendo tecido;
– o organista lendo várias linhas musicais simultâneas orquestradas na página;
– os pais lendo nos rostos dos bebês sinais de alegria, medo ou admiração;
– o adivinho chinês lendo as marcas antigas na carapaça de uma tartaruga;
– o amante lendo cegamente o corpo amado à noite sob os lençóis;
– o psiquiatra ajudando os pacientes a ler seus sonhos perturbadores;
– o pescador havaiano lendo as correntes do oceano ao mergulhar a mão na água;
– o agricultor lendo o tempo no céu– todos eles compartilham com os leitores de
livros a arte de decifrar e traduzir signos. (MANGUEL, 1997, p. 19).
Nessas infinitas dimensões, cabe ao leitor ler e dar sentido aos signos. Alguns desses
signos foram criados pelo conhecimento, outros foram criados ao acaso. Contudo todas essas
leituras dependem do leitor para a sua legibilidade.
2.4 A PRÁTICA DA LEITURA: AMPLIAÇÃO DO VOCABULÁRIO
Por meio da leitura, penetramos no universo das palavras e no que elas dizem. Ao
penetrar no universo das palavras, o leitor se entrega, sente, reage, é desafiado. Quanto mais
uma criança lê, mais amplia e constrói o seu vocabulário. Nas palavras de Petit (2008), ela se
refere ao uso mais desenvolto da língua, que insere o sujeito na sociedade. Quando se diz que
um sujeito sabe ler e escrever, ele está alfabetizado, mas só será um sujeito ativo se souber
utilizar essa língua para mudar a sua realidade.
O acesso à língua, para a autora (ibidem, p. 66), é “o passaporte essencial para
encontrar um lugar na sociedade, essa língua difere das faladas em família e na rua e conhecêla bem assegura um certo prestígio”. A prática da leitura leva o sujeito a perceber e
compreender as relações existentes no/do mundo. Nesse sentido, a prática da leitura se inicia
com a decodificação dos signos que compõem a linguagem escrita convencional, mas que não
se restringe apenas à decodificação desses signos, pois o ato de ler requer do leitor a
capacidade de interação com o mundo que o cerca.
Saber ler é sentir-se pertencente culturalmente a um grupo. Saber ler é uma prática
singular do sujeito e de cidadania a um mundo mais ampliado. Porém “a leitura, na realidade,
é uma promessa de não pertencer somente a um pequeno círculo [...] a leitura permite romper
o isolamento e possibilita o acesso a espaços mais amplos” (ibidem, p. 96). Quando lemos,
trazemos à tona valores atitudes e crenças que revelam o grupo social a que pertencemos, que
estão ligados às nossas raízes e, consequentemente, à formação da cidadania.
33
A prática da leitura permite a esse sujeito usar a palavra para pertencer ao grupo dos
leitores de livros que conversam entre si sobre as leituras, ampliar a sociabilidade, diminuir a
exclusão e se expressar. Esse sujeito se torna ativo, capaz de traçar o seu próprio caminho, de
tomar as suas decisões, de escrever a sua história. Para Petit (2008, p. 100), uma cidadania
ativa se constrói através do ato de ler:
Ler pode fazer com que a pessoa se torne um pouco mais rebelde e dar-lhe a ideia de
que é possível sair do caminho que tinham traçado para ela, escolher sua própria
estrada, sua própria maneira de dizer, ter direito a tomar decisões e participar de um
futuro compartilhado, em vez de sempre se submeter aos outros.
Essa cidadania se constrói com o acesso a outros suportes de leituras, com fontes de
informações diversificadas, mais novas e modernas tecnologias de acesso à leitura como:
quadrinhos, filmes, internet, televisão, entre outros. Esses suportes oferecem ao leitor,
conforme Petit (ibidem, p. 101), a “leitura que auxilia a simbolizar, a se mover, a sair do lugar
e a se abrir para o mundo [...]”. As leituras trabalham com o pensamento do leitor, mesmo
sendo textos diversos, como explica Cavalcanti (2011, p. 25):
Costuma-se atribuir só à produção literária traços que a tornariam mais importante
que outras produções, como a presença de recursos expressivos ou a discussão de
temas relevantes. Se se leva em conta a própria natureza da linguagem, sua não
explicitude, seu caráter dialógico, admite-se que todos os textos dos mais ‘simples’
aos mais sofisticados, agenciam diferentes recursos linguísticos, manifestam
diferentes vozes sociais, revelam, de forma explícita ou silenciosa, diferentes pontos
de vista.
Essas novas maneiras de ler exigem do leitor novas experiências de cognição e de
conhecimento. As práticas de leituras e os modos de ler transformam-se em nome do
progresso. Essas transformações acontecem muito rapidamente, e os sujeitos têm que se
adaptar e utilizar esses recursos em um curto espaço de tempo. Assim, tais leituras e modos de
ler oferecem cada vez mais marcas de um tempo pouco duradouro e incerto, que se manifesta
em diferentes maneiras de ler esses suportes textuais que a tecnologia disponibiliza em
instrumentos e materiais. É a abertura em uma direção que não é possível antecipar,
colocando o texto para uma escuta, para uma forma de atenção, para causar inquietude, para
oferecer uma abertura. A experiência de leitura é transformadora do sujeito e está impressa
nele, naquilo que ele é.
Assim, as práticas de leitura e escrita, ao mesmo tempo em que carregam traços da
tradição discursiva oral e escrita, colocam-se diante de textos e práticas sociais inéditos. No
entanto o que vai incluir esse sujeito é o acesso a novos textos e práticas de leituras. Nesse
sentido, a leitura é a construção de uma cidadania mais ativa, que leva a uma transformação
34
da sociedade, pois oferece ao sujeito desenvolver a sua capacidade de expressão e
compreensão do mundo à sua volta, o que contribui para que os jovens sejam sujeitos de seu
destino, cada sujeito expressando o seu modo de ver, viver e compreender a leitura.
Após a abordagem desses enfoques teóricos que nortearam a pesquisa, passo a
apresentar o campo empírico e a pesquisa.
35
3 A PESQUISA E O CAMPO EMPÍRICO
Nesta etapa da minha investigação, descrevo a metodologia utilizada, as ferramentas
de pesquisa, o diário de bordo e a entrevista semiestruturada. O espaço escolhido para realizar
a pesquisa, seus dados (localização, habitantes...), as características físicas, sociais, estruturais
e pedagógicas. Com essa descrição, o leitor pode compreender o contexto e a realidade dos
sujeitos estudados.
3.1 METODOLOGIA
Nesta seção, descrevo a metodologia utilizada para o caminho da investigação, ou
seja, a opção pelo estudo de caso de natureza qualitativa e de inspiração etnográfica. Para
Viégas (2007, p. 104), “a pesquisa qualitativa admite que o pesquisador participa da cena
pesquisada”, e a inspiração etnográfica8 revela-se útil, uma vez que descrevo as práticas de
leituras nos espaços culturais em que atuo.
Decidi pesquisar as práticas de leituras das turmas do 4º ao 6º ano do Ensino
Fundamental por acreditar ser o período de transição entre os Anos Iniciais e Finais e por se
tratar de crianças na faixa etária de 09 a 12 anos. O parecer CNE/CEB n. 11/2010 enfatiza que
os três primeiros anos do Ensino Fundamental sejam considerados um bloco de alfabetização.
A criança disporia, assim, de três anos de escolarização para dominar a leitura, a escrita e o
cálculo. Sendo assim, o 4º ano seria a transição do bloco de alfabetização; no ano seguinte, o
aluno passa por mais uma transição, a passagem dos Anos Iniciais para os Anos Finais do
Ensino Fundamental, em que nos Anos Iniciais há só um professor para ensinar e nos Anos
Finais vários professores se revezam em um só turno de aula. Isso exige uma nova
organização, bem como a exigência de várias leituras.
Esta pesquisa passou pelo Comitê de Ética da Unijuí com a aprovação do Parecer
Consubstanciado n. 032/2012. Encaminhei o consentimento e solicitei a autorização formal da
escola para iniciar minha pesquisa. Escolhi estudar as crianças que frequentam o 4º, o 5º e o
6º ano do Ensino Fundamental, por acreditar que o processo de alfabetização estaria e/ou
deveria estar consolidado.
8
Para Viégas (2007), etnografia é um método de pesquisa oriundo da antropologia social, cujo significado
etimológico pode ser “descrição cultural”.
36
Assim, as intenções da pesquisa foram conforme Larrosa (2002a, p. 137), de “escuta”
das vozes das práticas de leituras. E ainda a de buscar compreender como as crianças
concebem o mundo da leitura e, particularmente, a leitura a partir dos desafios da escola.
Cabe ressaltar que, para entrevistar crianças, existem algumas implicações legais,
éticas. Surgiu a dúvida sobre quem daria o consentimento. E assim fui buscar inicialmente o
consentimento informado da Mantenedora – 14ª Coordenadoria de Educação –, da escola e
dos pais ou responsáveis pelas crianças. A outra etapa da pesquisa foi conversar com a equipe
diretiva sobre as intenções da pesquisa e todos os procedimentos metodológicos que seriam
desenvolvidos no espaço da escola e com os alunos. A diretora autorizou por escrito e ainda
salientou a importância do estudo, pois poderia contribuir para a superação das dificuldades
percebidas nas falas dos professores. Nessa oportunidade, me comprometi que retornarei à
secretaria da escola com os resultados obtidos nesta pesquisa para proporcionar a análise e a
reflexão com o corpo docente.
Para este trabalho, foi imprescindível escolher um caminho metodológico em que
pudesse ter informações substanciais e contínuas, em um determinado período de tempo. Para
isso, um dos caminhos escolhidos foi a escrita do diário de bordo (1º semestre de 2012, mês
de março, durante uma semana), no qual, diariamente, as crianças relataram suas práticas de
leitura. No diário de bordo, cada participante registra as suas anotações conforme suas
vivências e práticas de leituras. Como assevera Larrosa (2002a), a leitura se resolve
geralmente em um espaço íntimo entre o texto e o leitor, e assim se poderia analisá-la como
práticas de leituras. Outra estratégia metodológica utilizada foi a entrevista semiestruturada.
A presença do pesquisador in loco permite a apropriação simbólica e a construção de
significados sobre a realidade a ser sentida, olhada e significada. Para isso, coube-me ver,
estar e compreender, por meio dos diários, aquilo que os alunos registram. A proximidade
entre pesquisador e sujeitos pesquisados possibilitou escolher e analisar o particular dessas
experiências.
3.2 FERRAMENTAS DE PESQUISA
Para realizar a tarefa de escuta, observação e compreensão dos registros dos alunos,
foram selecionadas as ferramentas de pesquisa que me ajudaram a detalhar, o contexto das
práticas e os recortes durante as observações. Em seguida, dei início ao processo de
organização dos dados gerados.
37
Tendo escolhido as formas de observação (diário de bordo e entrevista
semiestruturada), as atenções se voltaram para os instrumentos de produção de informações.
Entende-se também que essa produção dos dados de pesquisa é uma construção, por isso sofre
alterações no percurso investigativo, tendo de ser avaliada e reestruturada durante o processo,
então assim o fiz.
3.3 DIÁRIO DE BORDO
As ferramentas metodológicas ajudaram-me na escuta das práticas individuais no
ambiente escolar. A escolha pelo diário de bordo, portanto, foi substancial, por ser um objeto
concreto no qual os sujeitos tinham posse. O pesquisador quase se transforma em um amigo e
confidente de todas as horas dos alunos no decorrer do processo.
Utilizei um diário de bordo que, para Minayo (2008, p. 71), é “um caderninho, uma
caderneta ou um arquivo eletrônico no qual escrevemos todas as informações que não fazem
parte do material formal de entrevistas em suas várias modalidades”. Nomeio o diário de
bordo como um instrumento empregado na navegação para registro dos acontecimentos mais
importantes. Poderíamos pensar aqui nos acontecimentos escolares em relação às práticas de
leituras.
Diário de bordo é um registro que se faz em forma de documento de controle de
viagem, para protocolar as vivências ocorridas no período da pesquisa. Tomo-o aqui como um
instrumento pedagógico de pesquisa no qual os alunos registram todas as suas
práticas/vivências (ideia do comandante) em relação às leituras realizadas. Assim, entreguei
um diário a cada participante para as anotações em relação às suas práticas de leitura, bem
como suas maneiras de ler e seus instrumentos de leitura, e para apontar o que representam
em suas vidas.
Comprei inicialmente 12 cadernos pequenos; organizei cada um com uma folha de
rosto, com a escrita de uma aluna em forma de poesia e um espaço para o nome fictício
escolhido pelo participante (Figura 4).
38
Figura 4 – Diário de bordo
Ler é uma magia do planeta,
Ler é sempre estar de bem com as palavras,
Ler é ser inteligente,
É não ligar para o que as pessoas pensam,
Ler é viajar só com os olhos e a imaginação,
Ler é estar se preparando para um novo mundo.
Natália Pereira – 4ª Série
Crie um nome fantasia:
____________________________________________
Fonte: dados da pesquisa
Na segunda página, citei uma mensagem escrita de Clarice Pacheco, como fonte de
motivação e provocação para a tarefa.
Figura 5 – Mensagem do diário de bordo
Diário de Bordo
Viajar pela leitura sem rumo, sem intenção para viver
a aventura que é ter um livro nas mãos.
É uma pena que só saiba disso quem gosta de ler.
Experimente!
Assim sem compromisso, você vai me entender.
Mergulhe de cabeça na imaginação.
Clarice Pacheco (2003, p. 1).
Fonte: dados da pesquisa
Na terceira página, apresentei as questões em forma de roteiro para reflexão e
organização do pensamento e da escrita.
39
Figura 6 – Orientações sobre o diário de bordo
Queridos alunos
Estou realizando uma pesquisa para identificar as práticas de leituras dos alunos
dos 4º, 5º e 6º Anos do Ensino Fundamental.
Sua participação é muito importante, e poderá ajudar muitos de seus colegas a
gostar de ler.
Apresento aqui um instrumento chamado Diário de Bordo, desenvolvido para o
aluno registrar todas as suas práticas/vivências em relação às leituras realizadas,
para as anotações quanto às suas práticas como leitores, bem como maneiras de
ler e instrumentos de leitura.
Para tanto, apresento algumas perguntas orientadoras.
Desde já agradeço a sua participação e atenção.
Professora Márcia
Fonte: dados da pesquisa
Como se tratava de dados informativos, incentivei as descrições das práticas de
leituras em forma de texto, ou seja, em forma de narrativas, como nos explica Larrosa (2002a,
p. 145): “Se a vida tem uma forma, ainda que seja fragmentária, ainda que seja misteriosa,
essa forma é a de uma narrativa: a vida humana se parece a uma novela”.
3.4 A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
O recurso da entrevista semiestruturada se deu porque os alunos do 6º ano, para minha
surpresa, responderam-me que não queriam escrever muito, sobretudo em um diário como
propus. Minha empolgação foi murchando, pois, conhecendo esses alunos, sabia que iriam
colaborar com informações relevantes, mas deixaram claro que não usariam esse instrumento.
Parti então para o plano B: reestruturei o caminho a seguir. O que fazer agora? Tive
então a ideia de construir uma entrevista semiestruturada, para obter as informações. Certo
dia, esses alunos estavam sem professora e a direção pediu-me para atendê-los; então
apresentei a minha proposta de trabalho. Fiquei ansiosa até saber como eles iriam reagir e,
felizmente, gostaram e realizaram a tarefa com entusiasmo. Para tanto, expliquei o que
deveriam fazer para responder as questões.
Como define Minayo (2008, p. 64), “a entrevista tem o objetivo de construir
informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de
temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo”. Sobre a entrevista semiestruturada,
a autora declara que “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada”
(ibidem, p. 64).
40
Foram aplicadas 23 entrevistas aos alunos do 6º ano. Inicialmente, estavam previstas
quatro, mas, como a turma toda demonstrou interesse, mudei a estratégia, até para poder obter
maior quantidade de informações e dados.
Seguindo algumas normas éticas, as quais constam no projeto enviado ao Comitê de
Ética, quando me propus a manter sigilo quanto às identidades dos sujeitos, sugeri que
escolhessem um nome fantasia para ser usado. Percebi certa dificuldade em escolher esse
nome.
3.5 DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES
Depois das turmas escolhidas, o próximo passo foi o encontro com as professoras
regentes das turmas que, de forma indireta, também são participantes da pesquisa, por
aceitarem que a pesquisa fosse desenvolvida com seus alunos. Mostrei a cada uma o material
com o qual eu iria trabalhar para criar laços de confiança, porque os docentes são sempre
receosos com pesquisa, ainda mais com seus alunos. Enfatizei que o foco do trabalho de
campo seria observar as práticas pedagógicas de leitura dos alunos.
Tendo um conjunto de materiais e roteiros, a próxima etapa foi dar vida à pesquisa, e
assim fizeram os educandos por intermédio das suas palavras. Com a devida permissão, entrei
na sala de aula do 4º ano para fazer o convite. Expus a minha intenção de pesquisa e expliquei
que para participar a única exigência era que a criança deveria ser leitora. Silêncio na sala.
Todas olhavam para mim. Expliquei o processo novamente, então oito crianças aceitaram
participar.
O primeiro encontro foi com os alunos do 4º ano, para estreitar laços de amizade com
as crianças, pois, por mais que nos vejamos diariamente, naquele momento eu seria a
pesquisadora, e isso teria de aproximar-nos, sem deixá-las aflitas. Tivemos, então, uma
conversa inicial, quando expliquei o porquê de estar ali fazendo esta pesquisa. Em seguida,
entreguei o diário de bordo a todos. Estavam animados em manuseá-lo, e a primeira reação foi
abrir o caderno e ver o que tinha dentro. As figuras chamaram a atenção para a leitura dos
pequenos textos que as acompanhavam.
Minha intenção no momento foi de motivar as crianças para as suas escritas, de
registrar as suas práticas de leituras. Fizemos, na sequência, a leitura do diário de bordo e já
escrevemos as práticas de leituras que elas tinham vivido nesse dia até aquele momento. Essas
intervenções serviram para que entendessem a dinâmica do trabalho. Percebi que havia um
aluno que, ao saber que teria de escrever diariamente, desinteressou-se. Concluí isso em suas
41
falas, do tipo: “Eu vou ter que escrever todos os dias?” Fiquei apreensiva, mas resolvi esperar
o resultado. A maioria do grupo demonstrou satisfação e comprometimento com a proposta, e
senti que realmente a fariam. Agora era só esperar. Combinamos que iriam trazer o diário em
uma semana; assim, algumas vezes, perguntei como estavam indo, mais para lembrá-los.
Aos alunos do 6º ano, apresentei a entrevista semiestruturada, instrumento de pesquisa
com perguntas e respostas objetivas. Gostaram da ideia de participar, tanto que todos queriam
fazer parte. Ao receber as entrevistas, olharam com curiosidade para ver se iriam conseguir
responder, logo se acalmaram e responderam. Alguns perguntaram sobre algumas questões,
demonstrando dúvidas.
Com a escolha definida, sinto-me na obrigação de apresentar oficialmente os
participantes desta pesquisa, porque são eles os protagonistas destas aprendizagens: Rosa,
Estela, Lia, Joaquim, Iasmim, Raul, Davi, Leonora, Ângelo, Betina e Theo.
3.6 PERFIL DOS PARTICIPANTES
Para poder descrever o perfil dos participantes, busquei dados da Pesquisa
Socioantropológica que a escola pesquisada realizou no início do ano de 2012, em que foram
realizadas visitas em quase todas as residências dos alunos. Assim, realizei muitas
observações sobre o ambiente familiar e cultural oferecido aos estudantes, como descreverei a
seguir.
Dos alunos participantes do 4º ano, há três meninas e um menino: Rosa, Lia, Joaquim
e Estela.
Rosa tem nove anos de idade, mora no interior do município, mas em uma localidade
próxima da cidade. Sua família sempre foi ativa nas atividades da igreja católica; sua mãe
gosta de cantar, e em seus momentos de folga lê letras de música para decorar e cantar. Tem
computador em casa. Esta família também participa das atividades escolares. É uma aluna que
se destaca em conhecimento na sala de aula.
Joaquim tem nove anos de idade, mora na cidade, somente com seu pai, que é
separado de sua mãe. O seu pai conseguiu a sua guarda. O menino tem uma história de vida
triste. Seu pai é muito enérgico. O menino lê muito, retira livros na biblioteca da escola, sobre
vários assuntos, também gosta de fazer poesias. Não tem computador em casa. Em sala de
aula, se destaca por seu conhecimento nas suas posições. O pai acompanha o desempenho de
seu filho e faz visitas frequentes à escola.
42
Estela tem nove anos de idade, mora com seus pais na cidade e é filha única. Em visita
à sua casa, não percebi a presença de livros. Não tem computador em casa. A mãe trabalha
fora o dia inteiro e ela fica sozinha pela manhã, indo à tarde para a escola. Não relatou
nenhuma circunstância de leitura dela ou por parte da família. Em sala de aula, tem
dificuldades em escrever textos e se posicionar. A família pouco participa das atividades
escolares.
Lia tem nove anos de idade, mora com sua família nos arredores da cidade, tem um
irmão. Possui computador em casa e adora utilizar Orkut e Facebook, estando por dentro de
todos os perfis de seus amigos. Percebi em nossas conversas que sua família não se envolve
em atividades de leitura. Em sala de aula, apresenta dificuldades em escrever corretamente as
palavras e organizar textos. A família pouco participa das atividades escolares.
Dos alunos do 5º ano, três alunos participaram, sendo duas meninas e um menino.
Paloma tem 10 anos de idade, mora com sua mãe e seus irmãos nos arredores da
cidade, viveu sua infância em hospitais. Ela e seu irmão são os alunos que mais retiram livros
na biblioteca da escola. Não tem computador em casa, utilizando-o na escola. Sua mãe é a
incentivadora para os estudos, apesar das circunstâncias difíceis em que vivem. A menina se
destaca na sala de aula com suas ótimas posições. A família pouco participa das atividades
escolares.
Iasmim tem 10 anos de idade, mora no centro da cidade, é filha única e se destaca
como aluna pelas suas intervenções inteligentes. Também gosta de matemática, possui
computador em casa e faz muitas pesquisas. Percebe-se em seu diário de bordo que tem um
bom vocabulário. A família se envolve com as atividades escolares.
Davi tem 10 anos de idade, mora com os pais e o irmão no centro da cidade. Seus pais
nunca compraram um livro para ele e em sua casa a Bíblia é a única leitura feita. Ele tem um
sonho de ser como seu irmão e cursar o ensino superior. Tem computador em casa, a família
pouco se envolve com as atividades escolares. Na sala de aula, apresenta algumas dificuldades
de produção de texto.
Do 6º ano, participaram quatro alunos, duas meninas e dois meninos.
Leonora tem 11 anos de idade, mora no centro da cidade com seus pais e a irmã mais
velha. É uma família envolvida com os estudos das filhas. A mais velha cursa Farmácia, e
seus pais são grandes incentivadores. A menina pinta quadros em suas horas de folga, utiliza
todos os tipos de instrumentos tecnológicos em busca do conhecimento. É uma aluna que se
destaca em aula pela organização dos conhecimentos, produz desenhos maravilhosos e ótimos
textos. Tem computador em casa. A família se envolve com as atividades escolares.
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Betina tem 11 anos de idade, mora com sua mãe no centro da cidade. É uma menina
um tanto tímida, mas se destaca em sala de aula. É muito estudiosa e tira boas notas; sua mãe
é incentivadora dos seus estudos. Tem computador em casa e com regularidade retira livros da
biblioteca da escola. Ela e sua mãe participam das atividades escolares.
Ângelo tem 11 anos de idade, mora com sua família distante três quilômetros da
cidade. Sua família está sempre envolvida com atividades da igreja e com os estudos dos
filhos. A filha mais velha cursa Pedagogia e o irmão mais novo está no 3º ano do Ensino
Fundamental e estuda na mesma escola. Tem computador em casa. Na sala de aula, é um
aluno que tem as notas na média.
Theo tem 11 anos de idade, mora no centro da cidade com sua família e irmã.
Constantemente diz que não gosta de estudar. A família pouco participa das atividades da
escola. Tem computador em casa. Em sala de aula, tem algumas dificuldades em se expressar,
principalmente nos textos escritos. Não faz as tarefas de casa e os trabalhos.
3.7 O CENÁRIO DA ESCOLA
Esta pesquisa ocorreu em uma escola e em segmentos de escolarização nos quais fiz a
investigação. Privilegiei, então, a escola em que eu trabalho, por conhecer esse espaço e seu
modo de funcionamento, a equipe diretiva, os professores e funcionários que, de certa forma,
fazem parte da história da instituição.
A Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira está situada no
centro da cidade de Eugênio de Castro/RS, na região noroeste do estado. É uma cidade
pequena, com 2.798 habitantes, conforme dados do último Censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). A população rural engloba 1.318 pessoas e a urbana, 1.480.
Atualmente, a escola funciona em três turnos. No turno da manhã, conta com o Ensino
Fundamental – Anos Finais, com cem alunos, e no turno da tarde atende o Ensino
Fundamental – Anos Iniciais, com 109 alunos. Escolhi pesquisar nesta escola porque é a
realidade social em que estou inserida. Para Minayo (2008, p. 14), “a realidade social é a cena
e o seio do dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados e
significantes dela transbordante”. Os alunos dessa escola são oriundos da zona urbana e rural,
e a instituição é a única que oferece o Ensino Médio, apresentando grande diversidade de
elementos culturais.
A escola, cenário da pesquisa, está situada na sede do município de Eugênio de
Castro/RS. A Figura 7 apresenta o mapa do município.
44
Figura 7 – Mapa do município de Eugênio de Castro
Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Eugênio de Castro, (1990, p. 1)
A rede pública de ensino de Eugênio de Castro conta com duas escolas de Ensino
Fundamental situadas no interior do município e uma escola de Educação Infantil situada na
sede, atendendo aproximadamente 300 alunos.
A escola em foco situa-se no centro da cidade, como podemos ver na Figura 8. Tem
como mantenedora a 14ª Coordenadoria Regional de Educação, situada em Santo Ângelo.
Figura 8 – Foto aérea do município de Eugênio de Castro
Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Eugênio de Castro, (2009, p. 1)
45
Seu espaço físico possibilita a realização de atividades e eventos da comunidade em
geral, por exemplo: concursos públicos, cursos técnicos promovidos pela Associação
Comercial, aulas teóricas para aquisição de Carteira Nacional de Habilitação, dentre outros. A
maioria dos alunos é do interior e utiliza transporte escolar. A escola conta atualmente com
300 alunos, distribuídos nos três turnos. Em seu quadro de recursos humanos dispõe de duas
professoras da disciplina de Língua Portuguesa com carga horária semanal de 20 horas. O
quadro funcional conta com 90% de seus docentes com formação superior, 70% destes com
pós-graduação em nível Lato Sensu.
Figura 9 – Vista aérea do município de Eugênio de Castro com identificação da escola foco da pesquisa
Escola
TAT
Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Eugênio de Castro, (2009, p. 2)
Os anos escolhidos para a pesquisa têm organização de carga horária diferente. O 4º
ano integra o Ensino Fundamental dos Anos Iniciais e é atendido por uma professora. O 5º e o
6º ano têm seu tempo distribuído em períodos de 50 minutos e são atendidos por várias
professoras. A disciplina de Língua Portuguesa é contemplada com quatro períodos de 50
minutos semanais.
A infraestrutura da escola tem necessidade de ampliação de espaço físico, pois alguns
setores estão improvisados em locais inadequados. A biblioteca, por exemplo, está instalada
em uma sala de aula e possui aproximadamente 11 mil obras em seu acervo. Apesar disso, é
um ambiente acolhedor.
46
Figura 10 – Biblioteca da Escola TAT
Fonte: a autora (2011).
A biblioteca dispõe de um computador com acesso à internet, o qual faz o controle e a
organização das obras disponibilizadas e retiradas pelos alunos. Por meio do ProInfo9, do
governo federal, a escola foi contemplada com dez computadores com acesso à internet banda
larga gratuita. A escola dispõe de equipamentos de multimídia à disposição de professores e
alunos.
Figura 11 – Sala de mídias
Fonte: a autora (2011)
Na sala dos professores há um computador com acesso à internet que fica disponível
aos docentes, bem como uma biblioteca com cerca de 200 obras para seus estudos. Alguns
9
O Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo) é um programa educacional criado pela Portaria n.
522/MEC, de 9 de abril de 1997, para promover o uso pedagógico de Tecnologias de Informática e
Comunicações (TIC) na rede pública de Ensino Fundamental e Médio.
47
títulos foram adquiridos pela escola e outros por intermédio do FNDE, pelo Programa
Nacional Biblioteca na Escola (PNBE acervo do professor) do governo federal, por meio do
Ministério da Educação.
O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE acervo do professor) fornece
material de apoio teórico e metodológico para o trabalho do docente em sala de aula e
contribui como ferramenta para o planejamento de aulas. A biblioteca de uso do professor
possui em seu acervo 154 títulos, distribuídos por categorias: 53 títulos para os Anos Iniciais
do Ensino Fundamental, 39 para os Anos Finais do Ensino Fundamental, 45 para o Ensino
Médio e Educação de Jovens e Adultos e 17 para os Anos Iniciais e Finais do Ensino
Fundamental da Educação de Jovens e Adultos. A imagem a seguir mostra o acervo à
disposição na sala dos professores.
Figura 12 – Livros disponíveis na sala dos professores
Fonte: a autora (2011)
O acervo é constituído por publicações e periódicos distribuídos também pelo PNBE.
A seguir, a relação de periódicos (Figura 13).
48
Figura 13 – Portaria n. 3, de 12 de março de 2010
Fonte: Brasil (2010b, p. 10)
As salas de aula dessa escola estudada são climatizadas e possuem quadros verdes de
fórmica, excelentes para escrever.
A partir da descrição dos espaços culturais da escola, apresento o projeto Leitura na
Escola como uma das estratégias para incentivar práticas de leitura, na tentativa de mostrar as
estratégias da escola na direção da formação do leitor.
3.8 PROJETO REALIZADO DE LEITURA NA ESCOLA
O projeto Leitura na Escola foi criado em 2008, com o objetivo de proporcionar
momentos de leitura na escola para torná-la um hábito e também como forma de incentivá-la,
pois as preocupações em relação a esta questão eram presentes na maioria das reuniões
pedagógicas. Foi estabelecido um dia da semana em que os alunos seriam incentivados a ler
durante 25 minutos sobre um assunto de seu interesse.
Foram confeccionadas caixas com diferentes recursos e diversos gêneros textuais,
como jornais, revistas, gibis, textos informativos retirados da internet e livros de literatura. Os
alunos também podiam trazer de casa leituras, conforme seus interesses. Essas caixas eram
retiradas na biblioteca pelos líderes de cada turma e podiam ser trocadas a cada semana.
49
Todos na escola, no mesmo dia e horário, tinham a oportunidade de ler, até mesmo os
professores, os funcionários e a equipe diretiva. A escola inteira silenciava para realizar a
leitura. Tudo funcionou muito bem durante algum tempo, quando começou o período de
provas de final de trimestre. Os professores reclamaram que perderiam muito tempo de aula
com a leitura, e precisariam aplicar as provas. Alguns desistiram, e o projeto parou por aí, sob
protesto de alguns alunos, que gostavam desse tipo de atividade proposto pela escola.
O projeto teve participação da maioria dos professores que atuam hoje com os alunos
desta pesquisa, mas somente os alunos do 6º ano tiveram o privilégio de participar dessas
práticas de leitura.
3.9 IDEB E OUTRAS AVALIAÇÕES EXTERNAS
Mediante avaliações externas, como a Prova Brasil e o Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers), pode-se ter a visibilidade dos problemas
relacionados à aprendizagem dos alunos quanto à leitura e à escrita.
A preocupante constatação do baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) da escola provocou os educadores à reflexão sobre suas práticas
educativas. De acordo com os indicadores educacionais da Prova Brasil de 2009, dos 15
alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, somente 4,7% alcançaram a média de proficiência
nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Esses índices são considerados baixos e
foram motivo para a escola ser contemplada pelo Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)
do governo federal, pensado para melhorar a qualidade da educação no Brasil. Segundo o
Ministério da Educação,
O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola) é uma ferramenta gerencial
que auxilia a escola a realizar melhor o seu trabalho: focalizar sua energia, assegurar
que sua equipe trabalhe para atingir os mesmos objetivos e avaliar e adequar sua
direção em resposta a um ambiente em constante mudança. O PDE-Escola constitui
um esforço disciplinado da escola para produzir decisões e ações fundamentais que
moldam e guiam o que ela é, o que faz e por que assim o faz, com um foco no
futuro.10
Figura 14 – Índice do Idebda Escola TAT (2009)
10
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=176:apresentacao
&catid=137:pde-plano-de-desenvolvimento-da-educacao>. Acesso em: 12 out. 2012.
50
Escola
TAT
TAT
Fonte: <http://ideb.inep.gov.br/resultado/>. Acesso em 15 de abr. de 2013.
O desempenho da escola na avaliação feita pelo governo estadual também não foi
dos melhores, como destaquei. Seleciono aqui o perfil do leitor, pois os alunos da escola
encontram-se no padrão de desempenho básico. Muitas reflexões aconteceram na escola em
busca de soluções, dado o fraco desempenho em práticas de leitura, escrita e matemática.
Para tentar superar essa dificuldade, o grupo de docentes elaborou um plano de
intervenção pedagógica (ANEXO B), no qual cada educador, em sua disciplina, definiu suas
metas para elevar o desempenho dos alunos. Nessas discussões, ficou claro que todas as
disciplinas deveriam oportunizar a leitura e ensinar a ler. Todos deveriam assumir a
responsabilidade de ensinar e incentivar a leitura e a escrita na escola.
O próximo gráfico mostra a média de proficiência em Língua Portuguesa dos alunos
do 6º ano da escola pesquisada.
Figura 15 – Resultados do Saers da 6º ano da Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira
51
Fonte: RIO GRANDE DO SUL, (2007, p. 34)
A média de acertos indica o padrão de desempenho em que os alunos se encontram.
Esses padrões são referências importantes para o entendimento do ponto em que os alunos
estão e servem também de subsídios para os professores. Para isso, foram criadas definições
para esses grupos, considerando os níveis de interação que estabelecem com o texto. Os
padrões de desempenho são divididos em abaixo do básico, básico, adequado e avançado. Os
níveis de proficiência determinam o nível de leitura de cada aluno. O seguinte quadro traz o
detalhamento das habilidades que os alunos do padrão de desempenho básico são capazes de
realizar.
Figura 16 – Padrão de desempenho conforme resultados do Saers do 6º ano da Escola Estadual de Educação
Básica Theodorico Alves Teixeira
Fonte: RIO GRANDE DO SUL, (2007, p. 34)
Essas informações constam do Boletim de Resultados da Escola. Assim, destaco o
movimento da escola para tentar suprir as dificuldades de leitura encontradas. Esses dados
52
foram estudados por todos os professores da escola, e as responsabilidades foram dividas com
todos, porque não é só a disciplina de Língua Portuguesa que precisa ensinar a ler, mas é um
esforço compartilhado por todas as disciplinas.
3.10 E ASSIM, A SALA DE LEITURA
Diante desses números e após vários encontros de estudos entre professores e gestores
da escola, surgiu a sugestão de criar um espaço de leitura para uso dos alunos, mas não na
biblioteca. O espaço deveria ser amplo, agradável e que os professores pudessem organizar
horários de visitas.
Esse projeto teve que esperar por recursos, os quais vieram do governo federal.
Através do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), a escola conseguiu adaptar um
espaço aberto que havia em um dos prédios para a sala de leitura, de jogos, de teatro e de
fantoches. Todo o mobiliário para armazenar os livros e a casinha para o teatro de fantoches
também foram adquiridos com esses recursos. Para essa sala foram destinados os livros de
literatura infantil fornecidos pelo FNDE. Tais obras não podem ser retiradas pelas crianças,
pois devem estar à disposição para a utilização dos professores como recurso didáticopedagógico, incentivando os alunos à leitura. Com base nisso, a visitação dos alunos a essa
sala foi organizada em horários semanais, contemplando todos os alunos da escola.
Figura 17 – Sala de leitura da escola TAT
Fonte: a autora (2011)
Figura 18 – Momento de leitura
53
Fonte: a autora (2011)
Os relatos dos professores em relação à sala de leitura mostram que os alunos
esperavam ansiosos pelo dia de ir à sala de leitura, que esta movimentação, de sair da sala de
aula e ir para a sala de leitura, ler em um ambiente diferente da sala de aula, motiva os alunos
e que alguns destes aprenderam a ler nesta sala. Outro ponto que chama a atenção nos relatos
dos professores é que nesse local os professores também leem, mostrando aos alunos que ler é
importante.
3.11 CONVERSAS COM QUEM ENSINA: O DISCURSO
Registro isso para mostrar o movimento da escola em relação ao desafio da leitura.
Passaram-se dois anos da minha pesquisa e se torna fundamental narrar alguns fatos e
aprendizagens que me conduziram até o ponto de partida desta caminhada investigativa em
busca de alguns porquês das práticas vinculadas à leitura na escola.
Muitas são as inquietações a respeito das questões educacionais; dentre elas, a mais
importante é a formação de leitores. A preocupação está justamente em como transformar a
leitura em acesso ao conhecimento de mundo. Segundo Cagliari (2009, p. 130), “é importante
saber ler e saber escrever, é o melhor que a escola pode oferecer aos alunos, voltar-se para a
leitura”.
Na tentativa de mudar esse quadro, a escola realizou muitas ações: inúmeras reuniões
pedagógicas, participação em seminários, palestras, fóruns, conferências e longas horas de
formação continuada. Pergunto, porém: o que efetivamente refletiu em aprendizagem tanto
para os professores, quanto para os alunos?
54
As avaliações externas mostram a realidade deficitária da experiência de leitura/escrita
em números. Novamente, são urgentes as discussões, na tentativa de solucionar o aprendizado
quanto à leitura e à escrita nessa escola.
A experiência profissional, como regente de classe e com atuação nos mais diversos
setores na escola, em especial na coordenação pedagógica, proporcionou contato com os
docentes do Ensino Fundamental – Anos Finais mais intensamente. Assim, percebi o quanto a
falta de leitura influencia no processo ensino-aprendizagem, pois, conforme Frantz (2006, p.
11), “a boa escrita e a leitura proveitosa são indicadores de aprendizagem. São práticas que
expressam a capacidade dos sujeitos”. Essa constatação permitiu que eu voltasse o meu olhar
a essas questões e escolhesse esse assunto para pesquisar.
Diante dessas tensões, alguns questionamentos permanecem. Afinal, por que os alunos
apresentam tantas dificuldades em relação à leitura escolar? O que lemos na escola? Para
quem lemos? O que realmente significa ler? Como os educadores valorizam o aprendizado da
leitura de uma criança? Com isso, quero mostrar um pouco o movimento e as estratégias que a
escola faz para incentivar a leitura.
Esse convívio com os professores ofereceu-me elementos de investigação que
surgiram a partir das angústias diárias desses profissionais que, ao longo de vários anos, se
queixam quanto às dificuldades dos alunos em relação às suas leituras, principalmente leituras
didaticamente organizadas. Por isso, dispus-me a realizar esta investigação com o intuito de
perceber quais são as práticas de leitura dos alunos e como elas acontecem.
As crianças, desde muito pequenas, quando chegam à escola trazem dentro de si a
expectativa de aprender a ler e a escrever. Ao questionar uma criança sobre o que vai fazer na
escola, certamente ela responderá que vai lá para aprender a ler e a escrever. Essa expectativa
também perpassa a ideia que os pais têm sobre a escola.
Reflito, porém, e me questiono também sobre o professor leitor. Se enquanto docente
não se tem a convicção de que ler é importante, como transmitir/ensinar essa habilidade aos
alunos? O que representa a leitura para o docente? Esse é um eixo importante de estudos
futuros. Conforme Maia, (2007, p. 33):
É, pois, no espaço da sala de aula que as tão adversas condições enfrentadas pelo
professor se fazem refletir. Há a transmissão de conteúdos dispensáveis e omissão
de outros mais significativos; estimula-se, na teoria, o aluno a falar e escrever com
suas próprias palavras, mas, na prática, exige-se a repetição de respostas dadas pelo
autor do livro (interpretação?!); faz-se um discurso apologético sobre leitura, porém
o professor não convence o aluno pelo exemplo, porque, ressalvadas as exceções, ele
próprio não é leitor.
Nesse sentido, complementa Lajolo (2006, p. 3):
55
[...] nem todo professor lê por prazer e existem ainda os que não têm acesso à
leitura. Tenho a impressão de que grande parte da formação inicial e continuada
oferecida ao professor o encara mais como um “formador de leitores” do que como
uma pessoa que precisa ser formada como leitora.
Ler significa fazer escolhas de diferentes tipos de leitura para a compreensão do
mundo e sua participação efetiva neste. Ao lermos, estabelecemos relações entre o texto e o
contexto, entre a palavra e o mundo. As leituras apresentam ritmos diferentes na escola e na
vida. Silva e Martins (2010, p. 29) contribuem com esta reflexão:
[...] a vida em sociedade requer inúmeras e imprevisíveis ações dos sujeitos leitores:
ler para nos informarmos das notícias diárias, para exercer atividades rotineiras
como tomar um ônibus, escolher direções na cidade; também para entretenimento,
para acompanhar a charge do jornal diário, os quadrinhos ou as colunas sociais e
notícias que, com frequência utilizam a piada, a ironia, de modo a colocar pelo
avesso a realidade circundante.
Tornamo-nos humanos quando, na cultura, na convivência social, buscamos o
entendimento por meio da interlocução de saberes para resolver os problemas do mundo
comum.
No próximo capítulo, apresento as práticas de leituras dos alunos do 4º, do 5º e do 6º
ano da escola pesquisada.
56
4 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS
Escolhi a seguinte figura para fazer parte desta pesquisa, iniciando o quarto capítulo.
Quem a fez foi Rosa, uma participante da pesquisa, dizendo-me que escrever no diário de
bordo foi muito bom, por isso presenteou-me com este desenho, salientando que a leitura é
muito importante para ela. Entre os participantes da pesquisa, os seus registros foram muito
bem feitos, revelando o seu envolvimento com o diário de bordo, a ponto de enfeitar a capa e
ao final dos registros despedir-se dele, como se o diário tivesse se tornado seu melhor amigo.
Figura 19 – Desenho de aluna sobre a leitura
Fonte: dados da pesquisa (2012)
Após a escolha dos sujeitos, inúmeras leituras e releituras foram realizadas nos diários
de bordo e nas entrevistas, a fim de organizar os dados sobre as práticas de leituras dos
alunos, que me ajudaram a responder à pergunta de pesquisa sobre as práticas de leituras.
57
Com os olhos perscrutando cada linha escrita, em busca de elementos de análise, que é
tarefa complexa para uma pesquisadora iniciante selecionar, dentre tantas, as informações
pertinentes ao objeto de pesquisa. Foi um trabalho minucioso e demorado, quando me
debrucei nos diários de bordo para definir as práticas de leituras que fazem parte do cotidiano
dos educandos.
A partir dos dados da minha pesquisa, é possível dizer que os alunos leem vários tipos
de leituras, como livros de literatura infantojuvenil, gibis, revistas de passatempo e
cruzadinhas. Na internet, leem no Facebook, em sites de moda e blogs. Também demonstram
gostar muito de ouvir histórias contadas por alguém.
4.1 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 4º ANO
Os alunos do 4º ano preferem as leituras de livros de literatura infantojuvenil e
também as que trazem algum tipo de atividade desafiadora (revista com passatempo,
cruzadinhas). Diz Joaquim (4º ano): “Hoje eu li uma revista de crianças chamada ‘Gênios’, eu
gostei porque tinha passatempo que estimula o conhecimento”. O menino afirma a preferência
pelos livros com atividades desafiadoras que estimulam o raciocínio, porque são organizados
de modo a possibilitar aos leitores atividades lúdicas, como acrescenta Sousa (2005, p. 5):
Para se ganhar/formar um leitor, é preciso despertar na criança o prazer de realizar
inúmeras descobertas em um livro, em uma revista, em um gibi, em um jornal.
Volumes que falem de seus interesses individuais, da realidade de seus cotidianos,
das suas alegrias e tristezas, de suas dores e inquietações, dos seus sentimentos e de
seus desejos secretos.
Os alunos demonstram preferência pelos livros de literatura infantojuvenil, de ação e
de aventura, com a justificativa de que estes possibilitam a viagem pelo mundo da
imaginação. Novamente, Joaquim (4º ano) declara: “Hoje eu li um livro interessante chamado
‘Sepé Tiaraju’, e pensei como é legal poder entrar dentro da cena na minha imaginação e ter
sido ele”. Conforme Petit (2009, p. 92), “Ler tem a ver com a liberdade de ir e vir, com a
possibilidade de entrar a vontade em um outro mundo e dele sair. Por meio dessas idas e
vindas, o leitor traça sua autonomia, mediante a qual se reconstrói”. Nesse sentido, o
leitor/aluno utiliza a imaginação para viajar pelo mundo da leitura, para além da realidade, por
intermédio da linguagem literária apreciada. Silva e Martins (2010, p. 32) expõem que
[...] os textos literários costumam propositadamente trabalhar com imagens que
falam à imaginação criadora, muitas vezes escondidas nas entrelinhas ou nos jogos
de palavras, apresentam o potencial de levar o sujeito a produzir uma forma
qualitativamente diferenciada de penetrar na realidade. De outro, podem provocar no
58
leitor a capacidade de experimentar algumas sensações pouco comuns em sua vida.
[...] e passa a enxergar além de suas experiências cotidianas.
A leitura nas redes sociais aparece entre os alunos do 4º ano. Rosa diz: “Eu li um blog
na internet sobre um site de moda”. Conforme Silva (2006), “Uma das funções do blog é
possibilitar interações. Através dele é possível, uma comunidade disponibilizar links para
outros blogs como se fosse uma recomendação de boa leitura” (grifos do autor).
Outra modalidade de leitura que esses alunos dizem ser uma experiência importante é
a contação de histórias por outras pessoas, quando se tornam ouvintes e viajantes imaginários.
Estela (4º ano) descreve: “A professora leu a lenda e eu acompanhei, eu fiquei imaginando
coisas legais”. Nesse sentido, Manguel (1997, p. 143) contribui:
O livro selecionado para ser interpretado, recitado por alguém a alguém é “um
objeto que pode conter fábulas infinitas, palavras de sabedoria, crônicas de tempos
passados, casos engraçados e revelações divinas – que dota o leitor do poder de criar
uma história, e o ouvinte, de um sentimento de estar presente no momento da
criação”.
A contação de histórias assume contribuição importante na formação do leitor. Desse
modo, refere-se ao professor/contador de histórias. Conforme Parreiras (2009, p. 35), o papel
do contador de histórias é
[...] levar o ouvinte a tornar-se leitor, além de proporcionar-lhe entretenimento na
hora da contação, presta-lhe também informações sobre o livro onde a história se
encontra, o nome de seu autor, a editora que a publicou. [...] O contador é, antes de
tudo, um leitor privilegiado, que cumpre um papel ativo: faz leituras prévias,
seleciona textos, informa-se sobre o autor, observa a ilustração do livro, memoriza o
texto, interpreta suas intenções para transformá-las em modulações de voz e gestos.
Destaca-se que a leitura para esses alunos tem sentido voltado ao imaginário, em razão
do poder da linguagem em transmitir e fazer o leitor pensar na sua realidade, envolvendo-se
com as coisas do mundo, encontrando-se consigo mesmo. Para Petit (2009, p. 76), a leitura
trata-se “não de uma evasão do mundo, mas de ‘inventar um ponto de apoio para lidar com o
mundo aqui e agora’, de ‘introduzir pontos na realidade’”.
Conforme as informações dos diários de bordo, posso dizer que no 4º ano há
preferência pela leitura em livros impressos e depois no computador, salientando que o
formato do instrumento de leitura – aqui o livro impresso – influencia nas escolhas, por
permitir talvez várias opções de utilização. Assim descreve Manguel (1997, p. 152): “de todas
as formas que os livros assumiram ao longo do tempo, as mais populares foram aquelas que
permitiam ao leitor mantê-lo confortavelmente nas mãos”. Esses materiais permitem ao leitor
o manuseio. Sendo um material concreto, há possibilidade de tê-lo nas mãos e acompanhá-lo
em qualquer ambiente de leitura – no quarto, na sala ou outro lugar. Assim, é o leitor quem
59
define o tempo de leitura e também permite as idas e vindas ao texto quantas vezes desejar.
Esses alunos preferem a leitura individual, em retiro.
A preferência pelo livro é identificada nos relatos a seguir: “Eu gosto de ler no livro
porque é mais inteligente.” (Lia, 4º ano); “Eu gosto de ler no livro porque ele traz uma leitura
mais tranquila.” (Rosa, 4º ano); “Para mim o mundo dos livros é o melhor de todos os mundos
que podem existir.” (Rosa, 4º ano). O ato de ler em livros impressos estabelece uma relação
física do leitor com o livro. Segundo Manguel (1997, p. 277),
O ato de ler estabelece uma relação íntima, física, da qual todos os sentidos
participam: os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons
que estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta,
papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a encadernação macia
ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos do leitor são umedecidos na
língua para virar a página.
Essa relação física que envolve o leitor determina o tipo de instrumento escolhido para
ler, como se percebe na fala de Estela (4º ano): “Ler no computador é ruim porque tu fica
olhando e dói a cabeça”. Para Lia (4º ano), “No computador é muito ruim de ler porque se a
gente se perder daí tem que estar mexendo o mouse”. Para Chartier (1998, p. 77), “os gestos
mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. [...] Elas colocam em
jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais
que asseguram sua compreensão”. Essas escolhas determinam as velhas e novas maneiras de
ler.
Os alunos do 4º ano destacam que gostam de leitura de livros de histórias (literatura
infantojuvenil). Nos relatos registrados nos diários de bordo aparece o título da história, a
descrição de trechos do texto e dão a sua opinião:
Rosa (4º ano): “Eu li um livro chamado ‘Os herdeiros do lobo’. Eu ainda não
li todo o livro mas imaginei tudo o que acontecia. Também li três lendas
chamadas ‘A espada do poder’, ‘Porque o cachorro é inimigo do gato... e o
gato do rato’ e ‘Porque o sapo é cheio de calombos’.”
Lia (4º ano): “Eu li um livro chamado “A pedra da memória’.”
Rosa (4º ano): “De tarde eu li um texto, eu gostei porque o menino, mesmo
ele sendo criado por uma loba, ele a amava.”
Joaquim (4º ano): “Hoje eu li um trecho do livro de história chamado
‘História do Brasil’ que falava sobre a Guerra dos Farrapos e eu pensei como
teria sido se os Farrapos não aceitassem o tratado de paz oferecido por
Duque de Caxias”. “Hoje eu li um livro chamado ‘Chapeuzinho Amarelo’ e
refleti como ela vivia sem fazer nada? Sem comer? Sem brincar e com medo
de tudo? Será que ela era feliz ou triste? Devia ser triste, ela não comia, não
brincava, tinha medo de trovão, de lobo etc.”
60
Essas práticas de leituras deixam marcas no aluno leitor. Contribui Petit (2008, p. 38),
dizendo que “Ler permite ao leitor, às vezes decifrar sua própria experiência. É o texto que
‘lê’ o leitor, de certo modo é ele que o revela; é o texto que sabe muito sobre o leitor, de
regiões dele que ele mesmo não saberia nomear. As palavras do texto constituem o leitor, lhe
dão um lugar.”. Os alunos, como se observa nos excertos, estabelecem atos de comunicação e
interação com o texto lido, revelando a relação íntima entre texto e subjetividade.
Assim, saímos de alguma forma modificados das experiências de leituras, como
observamos nos registros dos alunos. A leitura, quando realizada em casa, ocorre no quarto e
na sala. Sobre isso Petit (ibidem, p. 62) considera:
Ler em casa, quando se conta com os meios para isso ou na biblioteca, é também
uma maneira de complementar o aprendizado da escola e dos livros escolares, graças
a outras fontes de informação que permitem entender melhor os assuntos tratados
[...] e também porque ali encontram um ambiente propício aos estudos, um lugar
calmo onde reina uma certa disciplina; um lugar onde se incentivam uns aos outros
às vezes pelos simples fato de verem o outro trabalhar.
Rosa (4º ano) expõe: “De noite eu li mais um pouco do meu livro, eu li no meu quarto,
sozinha”. Os ambientes de leitura escolhidos são o quarto e a sala. Em nenhuma residência
dos alunos do 4º ano existe uma biblioteca e/ou espaço reservado para leitura. O ambiente
favorito de leituras é a intimidade do quarto. Como se observa, não é um espaço comum
(público), mas o quarto. Parece que as famílias não privilegiam um espaço próprio para que
leitura e o estudo aconteçam.
Os alunos do 4º ano destacam a prática de leitura solitária. Em raras vezes, dividem
com alguém da família esse momento, conforme relato de Joaquim (4º ano): “Eu leio sozinho
e também leio com a minha mãe”. De acordo com os relatos, é a figura materna talvez quem
ainda compartilhe as experiências de leituras. Em nenhum momento fizeram alusão à
participação de outros membros da família nessa ocasião.
A figura a seguir é um fragmento do diário de bordo de Rosa. Apresento-a aqui por
mostrar a relação íntima que a menina estabeleceu com o seu diário, também para mostrar
como os alunos do 4º ano descrevem as suas práticas de leitura.
Figura 20 – Descrição de um dia de prática de leitura no diário de bordo
61
Fonte: dados da pesquisa (2012)
4.2 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 5º ANO
Os alunos do 5º ano registram que leem gibis, histórias em quadrinhos, livros didáticos
e redes sociais. Chamo a atenção para a inserção do gênero história em quadrinhos no
cotidiano leitor dos alunos. Relata Iasmim (5º ano): “pela manhã eu li um gibi da Magali. Eu
gostei de ler gibi porque tinha figuras coloridas e eu li mais”. Pode-se dizer que ainda são
fortes os laços entre o texto e a imagem para esses alunos. O gibi é lido pela maioria deles, e
seu encantamento está na forma como se apresenta: para cada diálogo há uma cena
correspondente que supõe movimento.
Trago a imagem seguinte para demonstrar que os alunos do 5º ano interessam-se pela
leitura de imagens e de texto. Poder ler e observar o movimento que os personagens
transmitem aos leitores é de certa forma mágico; essas histórias exercem um fascínio,
encantam crianças e adultos.
Figura 21 – Tirinha de gibi
62
Fonte: http://guiaavare.com/noticia/3975/gibi-turma-da-monica
Na faixa etária de 10 anos, a leitura começa a ter relação íntima com seu aprendizado.
Isso é percebido nos próprios registros dos alunos, como no de Raul (5º ano): “tem livros que
ensinam a não ser maus com outros” e “Eu senti muita importância pelo texto”. Para Davi (5º
ano), “A leitura ensina muitas coisas e ela representa coisas legais para a gente ver, a gente
aprende mais”.
Também chama a atenção a relação feita pelos alunos do 5º ano entre a leitura de
livros impressos e a leitura virtual. Raul (5º ano) descreve: “eu gosto de ler no computador
porque ele não precisa virar de página”. Davi (5º ano) diz: “Eu gosto de ler no computador
porque eu acho coisas interessantes, no computador a gente acha o que quer”. Nesse sentido, a
prática da leitura está agregada à rapidez e à facilidade na procura do assunto de interesse.
O modo de ler virtual exige do leitor certa aptidão física e cognitiva. Para Santaella
(2004, p. 55), este tipo de leitura demanda
[...] a sincronia da cognição com os aspectos sensório-motores, a motricidade física
expressa na prontidão das respostas, em certo modo de reagir sensitivo e muscular,
em suma, o controle motor exímio, e a agilidade e instantaneidade das ligações entre
a mente que pensa, o olho que perscruta e o corpo que reage na extremidade da mão.
Já quando se fala em leitura de livros impressos, Davi (5º ano) prioriza as leituras de
literatura infantojuvenil, que apresentam muitas imagens e pouco texto escrito, como
podemos perceber em sua fala: “eu gostei muito da história, porque ela era muito fácil de ler,
porque as palavras eram pequenas” (fez esta descrição referindo-se à história O Observador
de Nuvens). Davi declara-se leitor, porém em seu diário de bordo deixa claro que lê somente o
que lhe é solicitado pela escola. Diz, ainda, que sua família não cobra leitura.
A escolha dos tipos de história deste 5º ano parece que está diretamente ligada ao
tamanho do texto escrito e o movimento que as imagens transmitem ao leitor. Raul (5º ano)
diz: “Eu achei fácil porque era pequena e legal” (referindo-se à história A Bela
63
Envergonhada). Para este aluno, a leitura está relacionada ao tamanho do livro e à quantidade
de texto, o que revela a sua capacidade de interpretação – decodifica as palavras e
complementa o entendimento do texto escrito com as figuras.
O que observo é que o aluno do 5º ano lê sem saber o que quer do texto, sem objetivo,
o que talvez colabore para uma leitura restrita e limitada, com conhecimentos e capacidades
também limitados e restritos. Para a leitura se tornar significativa, o papel do professor é
desafiar/provocar os alunos a ler, na busca pela compreensão do sentido do texto e de
comunicar e discutir tais sentidos.
Destaca-se também a relação sentimental entre leitor-livro. Percebi isso no registro de
Iasmim (5º ano): “quando eu leio fico bem mais calma”. Segundo Corsino (2010, p. 192),
“nesta perspectiva na leitura cabem lágrimas, risos e toda a sorte de sentimentos que o texto
for capaz de provocar”. Essas relações, nas suas formas de transmissão e pela sua estética,
têm a ver com o que somos, como reagimos diante dessas experiências de leituras e com
nossas transformações.
A televisão aparece como um instrumento de leitura para os alunos do 5º ano. Eles
reconhecem outros instrumentos de leituras e que estes estão presentes em todos os
momentos. Amplia-se o universo da leitura, não sendo mais específica apenas na escola e para
a escola, mas em todo o cotidiano.
Os alunos do 5º ano classificam as leituras como: esporte, aventura, terror, gibi e
animais. O que mais gostam de ler são as leituras de aventuras, histórias em quadrinhos e
informativos; pela primeira vez, também aparece a poesia. Referem-se a leituras de diferentes
gêneros discursivos, abrem-se os olhares para leituras prazerosas e dos mais variados
interesses, mas as leituras oferecidas na escola ainda não interessam. Eles afirmam que a
leitura é realizada apenas quando exigida pela escola.
Segundo Petit (2008. p. 57), os jovens, durante a leitura,
[...] caçam furtivamente nos textos, buscando algo que os toque independentemente
das categorias, das classificações convencionais, das linhas de divisão entre gêneros
mais ou menos legítimos. As divisões que estabelecem uma oposição entre leituras
‘úteis’ e leituras de ‘distração’ não valem mais: eles podem se divertir com o
movimento das estrelas, e pensar que seja infinitamente ‘útil’ e precioso descobrir
palavras que dão voz a seus medos ocultos ou sentido à sua vida.
A maioria dos alunos do 5º ano não gosta de ler romance, como descreve Joaquim (5º
ano): “Eu não gosto de livros de romance, eu acho chato e sem graça”. Se essas leituras não
interessam, é porque elas não deixam marcas em seus leitores.
64
Os alunos também não gostam dos noticiários jornalísticos, em especial os que tratam
de violência. Com isso, pode-se perceber que a leitura deles ainda é a da fantasia e não a da
realidade; é a possibilidade de fugir da realidade, tanto social quanto pessoal (vida real).
De acordo com os registros, percebe-se o leitor contemplativo, aquele que busca a
quietude, a paz, o silêncio para ler. Raul (5º ano) diz: “Eu leio sozinho porque me sinto bem,
ler um livro quieto”. E acrescenta: “Eu leio silencioso e sentado na minha caminha”. Já Davi
(5º ano) expõe: “eu leio no quarto porque no quarto é mais calmo”. Como os alunos do 4º ano,
preferem a intimidade do quarto para ler, onde é tranquilo e proporciona a imersão silenciosa
do leitor em seu texto.
Os alunos do 5º ano demonstram, ainda, a não exclusividade pelo quarto, podendo
também ser na sala, como mostra a fala de Iasmim (5º ano): “Eu estava sozinha na sala
enquanto lia o gibi”. “Eu leio sentada na minha cama, às vezes”. Para Manguel (1997, p. 68),
“a leitura silenciosa permite a comunicação sem testemunhas entre o livro e o leitor e o
singular ‘refrescamento da mente’”. Não importa, portanto, o lugar onde leem, desde que
estejam sozinhos e possam concentrar-se em suas leituras.
Paloma (5º ano) destaca: “Eu leio no quarto porque é um lugar silencioso, é um lugar
tranquilo”. A predominância, porém, é a leitura no quarto. Apresentam-se os leitores
imersivos, como assevera Santaella (2004, p. 23): “esse tipo de leitor nasce da relação íntima
entre leitor e livro, leitura de manuseio, de intimidade, em retiro voluntário, num espaço
retirado e privado”.
Os registros anunciam que para esses alunos também prevalece a leitura solitária. Os
amigos, colegas, professores e família participam depois desses momentos. Diz Paloma (5º
ano): “Eu leio comigo mesma, com os colegas, os amigos, com o professor e familiares”. A
leitura compartilhada com colegas e amigos remete à leitura virtual de redes sociais, nas quais
dialogam entre si, e a própria tela do computador favorece visualizar e compartilhar as leituras
com mais pessoas.
Os registros dos alunos do 5º ano revelam que estes preferem as leituras com imagens,
ou leituras de imagens que falam. As preferidas são as que apresentam pouco texto e muita
figura. Como os alunos do 5º ano se expressam e constroem seus textos, suas descrições
apontam muitos detalhes, o que demonstra o envolvimento com os registros no diário de
bordo e que tal atividade foi relevante a esta aluna, como mostra a imagem seguinte:
65
Figura 22 – Relato de um dia de prática de leitura no diário de bordo
Fonte: dados da pesquisa (2012)
4.3 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 6º ANO
Os alunos do 6º ano mostram a preferência pelas leituras no computador – a leitura
virtual ou de redes sociais. Diz Leonora: “ontem eu li no face os recados das minhas amigas”.
Chartier (1998, p. 72) esclarece: “talvez os autores da era multimídia, um pouco como o autor
de teatro, sejam governados, não mais pela tirania das formas do objeto-livro tradicional, mas
no próprio processo da criação, pela pluralidade das formas de apresentação do texto
permitida pelo suporte eletrônico”.
66
A faixa etária de 11 anos de idade é movida pela urgência em realizar algo. Os
suportes midiáticos saciam a pressa desses leitores, bem como a diversidade de acessos aos
assuntos de interesse. Ângelo (6º ano) enuncia: “eu li no MSN, no Orkut, Facebook, notícias
de futebol na internet”. Esses suportes permitem ao leitor virtual acessar vários links ao
mesmo tempo.
Santaella (2004, p. 49-50) define estas possibilidades de conexão como sendo a
hipermídia11, a qual
[...] tem um sistema de conexões que lhe é próprio. O propósito básico desse sistema
é conectar um nó a outro de acordo com algum desenho lógico, seja este analógico,
arbóreo, em rede, hierárquico, etc. São essas conexões, geralmente ativadas por
meio de um mouse, que permitem ao leitor da hipermídia mover-se através do
documento. Descobrindo e seguindo pistas que são deixadas em cada nó 12, basta um
instantâneo de um click para que, em um piscar de olhos, o leitor salte de um nó para
outro. (grifos da autora).
Com a hipermídia vêm o hipertexto e inúmeras possibilidades de interação entre o
leitor e o instrumento de leitura. Segundo Silva (2006, p. 19), “é no universo do hipertexto
que novos processos cognitivos e relações discursivas com a leitura estão sendo construídas.
A opção de ler um pouco, de ler tudo, de copiar e colar, ou seja, a relação com o texto no
suporte digital traz imbricadas novas maneiras de ler”.
Para os alunos do 6º ano prevalece a preferência pela leitura no computador, o que
demonstra ser esta leitura realmente atraente, interessante, provocativa e, acima de tudo,
interativa. Santaella (2004, p. 52) acrescenta, sobre experiência de leituras, que a hipermídia
[...] é uma linguagem eminentemente interativa. [...] O leitor não pode usá-la de
modo reativo ou passivo. Ao final de cada página ou tela, é preciso escolher para
onde seguir. É o usuário que determina qual informação deve ser vista, em que
sequência ela deve ser vista e por quanto tempo. Quanto maior a interatividade, mais
profunda será a experiência de imersão do leitor, imersão que se expressa na sua
concentração, atenção, compreensão da informação e na sua interação instantânea e
contínua com a volatilidade dos estímulos.
11
Santaella (2004, p. 48) explicita que “a hipermídia mescla textos, imagens fixas e animadas, vídeos, sons,
ruídos em um todo complexo. É essa mescla de vários setores tecnológicos e várias mídias anteriormente
separadas e agora convergentes em um único aparelho, o computador, que é comumente referida como
convergência das mídias.”.
12
Santaella (2004, p. 49) nos apresenta uma definição de nós: “Os nós são as unidades básicas de informação em
um hipertexto. Nós de informação, também chamados de molduras, consistem em geral daquilo que cabe em
uma tela. Cada vez menos os hiperdocumentos estão constituídos apenas de texto verbal, mas estão integrados
em tecnologias que são capazes de produzir e disponibilizar som, fala, ruído, gráficos, desenhos, fotos, vídeos
etc. [...] Um nó pode ser um capítulo, uma sessão, uma tabela, uma nota de rodapé, uma coreografia imagética,
um vídeo, ou qualquer outra subestrutura do documento.”.
67
A leitura de livros está em segundo lugar para os alunos do 6º ano, os quais afirmam
que adoram desafios e desvendar os caminhos da tecnologia, que exigem a interação
corpo/máquina. Quem a domina se autoafirma diante do grupo de convívio.
É evidente que durante a passagem do 5º para o 6º ano a leitura mescla os seus
sentidos, indo da leitura como aprendizagem para a busca da leitura prazerosa, interessante;
cada um procura o assunto que lhe traga satisfação. Para Chartier (1998, p. 77), “a leitura é
sempre apropriação, invenção, produção de significados”. Ocorre a passagem, ou o
compartilhamento, da leitura do livro impresso à leitura em outros instrumentos. Os alunos
evidenciam aqui a ideia de que o livro não é o único instrumento de leitura.
Segundo os dados gerados, os alunos do 6º ano aumentam o interesse pelo gênero
literário, trazendo novas hipóteses, tais como anuncia Betina (6º ano): “Eu gosto de ler livros
de aventura, romance, histórias em quadrinhos, livros interessantes, livros clássicos, de
mistério”. Santaella (2004, p. 24) descreve esse tipo de leitor, o leitor de livros: “é aquele que
tem diante de si objetos e signos duráveis, imóveis, localizáveis, manuseáveis: livros,
pinturas, gravuras, mapas, partituras [...] esse leitor não sofre, não é acossado pelas urgências
do tempo”. Nas palavras de Betina (6º ano), fica clara a sua ligação de amizade com os livros.
Theo (6º ano) relata: “Eu gosto de ler sobre notícias e problemas de Matemática, livros
de adrenalina, aventura e muita diversão; na internet sobre jogos”. Sobre essa descrição,
podemos fazer uma observação: as crianças têm vários instrumentos de leitura, mas no
momento de dizer o que gostam de ler predomina a leitura do livro impresso. Na opinião de
Santaella (2004, p. 23), “a leitura do livro é, por fim, essencialmente contemplação e
ruminação, leitura que pode voltar as páginas, repetidas vezes, que pode ser suspensa
imaginativamente para meditação de um leitor solitário e concentrado”.
Os alunos destacam o desgosto pela leitura de revistas de celebridades, de fofocas,
como nos relata Leonora (6º ano): “eu não gosto de ler revistas porque existem muitas fofocas
e não tem nada a ver com a vida real”. Betina (6º ano) responde de modo semelhante: “eu não
gosto de ler jornal, revistas de fofocas, porque falam coisas do dia a dia das pessoas que não
mostram muita importância”. Neste ponto, é útil a contribuição de Petit (2008, p. 28):
[...] o leitor não é passivo, ele opera um trabalho produtivo, ele reescreve. Altera o
sentido, faz o que bem entende, distorce, reemprega, introduz variantes, deixa de
lado os usos corretos. Mas ele também é transformado: encontra algo que não
esperava e não sabe nunca aonde isso poderá levá-lo.
A escolha do ambiente para as leituras obedece a um critério: o silêncio para a
concentração. Betina (6º ano) diz: “eu leio sozinha, em casa, no quarto”. Leonora (6º ano)
68
deixa claro que o lugar da casa em que lê pode ser qualquer um, desde que esteja sozinha,
como revela em seu depoimento: “eu leio sozinha, no quarto ou na sala”. Para Santaella
(2004, p. 23), o espaço de leitura deve “ser de recolhimento [...] separado dos lugares de um
divertimento mais mundano”. É evidente a estreita ligação entre o silêncio e a leitura; para
entender o que leem, o silêncio é fundamental.
Os alunos leem predominantemente sozinhos, conforme destaca Betina (6º ano):
“gosto de ler com meus amigos, mas prefiro ler sozinha”. Em raros momentos dividem a
leitura com outras pessoas. Ângelo anuncia (6º ano): “às vezes eu leio na companhia de minha
mãe, dos meus irmãos, dos meus primos, do meu pai, dos meus amigos e colegas”.
Os alunos do 6º ano, em seus registros, preferem as leituras virtuais, quando há
possibilidade de leituras múltiplas em um mesmo tempo. Para realizar essas leituras, utilizam
várias habilidades juntas: a visão para saber em que páginas ou links estão; o tato, para
manusear o teclado e o mouse; e o cognitivo, para assimilar o conhecimento. Essas leituras
são a preferência desses alunos porque estão cheias de desafios, e dominá-las causa certo
status para os sujeitos. Tais leituras oferecem ainda a possibilidade de serem realizadas por
mais de um leitor e atendem à urgência desses leitores que não querem perder tempo.
Figura 23 – Entrevista semiestruturada de uma aluna do 6º ano
Fonte: dados da pesquisa (2012)
69
4.4 O QUE A LEITURA REPRESENTA NA VIDA DAS CRIANÇAS
Nesta seção, discuto, busco elementos capazes de responder e compreender o que a
leitura significa para cada um desses alunos no contexto escolar. Não busco encontrar uma
solução para a temática estudada, mas, sim, apontar uma direção entre os possíveis caminhos
que permeiam a formação de leitores.
As várias maneiras em que se apresenta a leitura podem contribuir na formação
subjetiva do leitor, conforme Petit (2008, p. 72) “A leitura pode ser, em todas as idades,
justamente um caminho privilegiado para se construir, se pensar, dar um sentido à própria
experiência, à própria vida; para dar voz a seu sofrimento, dar forma a seus desejos e sonhos”.
Sem dúvida, os registros sobre o que a leitura representa na vida de cada um dos
alunos do 4º ano me surpreenderam em vários aspectos: pelo vocabulário utilizado, pela
densidade de ideias, pela relação íntima e séria com o diário de bordo, pela quantidade de
escrita e pela sua qualidade. Esses alunos demonstram que ler é importante.
Para Joaquim (4º ano), as suas práticas de leituras o permitem viajar sem esquecer-se
do conhecimento, como diz, “hoje eu li uma lenda legal e resolvi escrever nesse diário e
deixei esta mensagem: Ler é a porta do mundo da fantasia onde só entra quem lê livros, ler
também é pensar e soltar a imaginação e imaginar como esse mundo seria sem livro? Seria só
tristeza e lágrimas.”. “Ler para mim significa aprender de um jeito divertido, é cultura, coisas
novas e lendo, o mundo muda completamente e também as pessoas aprendem valores.”. Para
Chartier (1998, p. 91-92), “cada leitor, para cada uma de suas leituras, em cada circunstância,
é singular. Mas esta singularidade é ela própria atravessada por aquilo que faz que este leitor
seja semelhante a todos aqueles que pertencem à mesma comunidade”.
Em seus registros Lia (4º ano) traduz o que seria ler: “Para mim ler significa aprender
as palavras e palavras novas”. Conforme Petit (2008, p. 37), “para falar do leitor trabalhado
por seu encontro com um texto, passamos da leitura em geral para essa experiência particular
que é a leitura de uma obra literária. Na literatura, o escritor faz justamente um trabalho de
alteração da língua”. É através da leitura que o leitor se apropria das palavras, como afirma
Frantz (2006, p. 13): “o leitor faz-se sujeito pela leitura, tomando posse das palavras. Pela
apropriação das palavras, afirmando-se como sujeito da leitura, esta adquire uma função
crítica, construtora, libertadora”. Lia destaca que a prática da leitura oferece a ampliação do
vocabulário, aprender novas palavras. No momento em que aprende uma palavra nova e sua
amplitude, esta começa a ser usada.
70
Para Rosa (4º ano), ler “significa um aprendizado divertido. Um aprendizado de
cultura, ler mostra um mundo diferente, e também mostra que o mundo pode ser diferente.
Também aprendemos valores com esta experiência”. Manguel (1997, p. 89) destaca que “a
criança, aprendendo a ler, é admitida na memória comunal [...], familiarizando-se com um
passado comum que ela renova, em maior e menor grau, a cada leitura”. Rosa destaca o
aprendizado de valores, que constam nas histórias que lê.
Segundo Davi (5º ano), “A leitura ensina muitas coisas e ela representa coisas legais e
a gente aprende mais”. Esse registro da leitura é observado por Petit (2008, p. 64): “em
qualquer idade, ler para ter acesso ao saber pode permitir que a pessoa mantenha um pouco o
domínio sobre um mundo tão inconstante, sobretudo por meio de diversos suportes de
informação escrita”.
Neste registro, Iasmim (5º ano) descreve: “A leitura significa para mim aprendizado e
imaginação. Quando eu leio um livro eu sinto que estou viajando nele”. Petit (2008, p. 28)
afirma:
Se a leitura desperta o espírito crítico, que é a chave de uma cidadania ativa, é
porque permite um distanciamento, uma descontextualização; mas também porque
abre um espaço para o devaneio no qual outras possibilidades são cogitadas.
Complementa ainda que ‘não se deve opor a leitura considerada instrutiva àquela
que estimula a imaginação. Uma e outra, uma aliada à outra, podem contribuir para
o pensamento, que necessita lazer, desvios, passos fora do caminho.
Nesses registros, percebe-se como a leitura é uma preocupação para os alunos. Não só
saber ler, mas ler bem e quando solicitados a ler. Para Joaquim (5º ano), “significa aprender
mais a ler, ler coisas difíceis, ser o melhor leitor, ler as histórias e conhecer mais os livros.
Saber ler quando me pedem”. Para Petit (2008, p. 18), “a leitura bem feita exige certa
paciência e tempo suficiente para penetrar nas profundezas das palavras dispostas nos textos.
Só assim, os sentidos e significados se revelam e podem ser reconstruídos, no presente, pelo
ato da leitura”.
Ler é prazeroso para Paloma (5º ano), mas ela registra que a leitura também é
conhecimento: “representa mais aprendizado tornar a leitura em conhecimento”. Petit (2008,
p. 177) aponta que o encontro com os textos seja singular porque “a apropriação de um texto é
um assunto individual: um texto nos apresenta notícias sobre nós mesmos, nos ensina mais
sobre nós, nos dá as chaves, as armas para pensarmos sobre nossas vidas, pensarmos nossa
relação com o que nos rodeia”.
Para Ângelo (6º ano), a leitura significa “diversão, um modo de aprender etc. Eu acho
importante saber ler, porque a gente se diverte, fica mais informado, aprende mais etc. Se a
71
leitura não existisse ninguém ia saber nada, ia falar com dificuldade, ninguém ia ser
informado de nada”. Ângelo destaca que as leituras produzem, além do prazer, também
acesso às informações no dia a dia.
Ler um livro, para Leonora (6º ano), significa relacionar-se física e mentalmente com
o texto: “eu fico mais calma, esqueço tudo de mal, fico mais pensativa”. Petit (2009, p. 114115) afirma:
A leitura também recupere no dia a dia o que se esgarçou e controle aquilo que é
estranho, inquietante. A ordenação sequencial, a elaboração estética, contida nos
textos tranquilizam: o tempo é ordenado, os acontecimentos contingentes ganham
sentido em uma história vista em perspectiva. E é como se, mediante a ordem
secreta que emana da literatura, o caos do mundo interior pudesse assumir uma
forma.
Para Betina (6º ano), a leitura representa construir um projeto de vida: “Eu acho
importante ler para estudar, quando eu for trabalhar, existem muitas pessoas que se
aproveitam das pessoas que não sabem ler”. De acordo com Petit (2008, p. 103), “a leitura
contribui assim para criar um pouco de ‘jogo’ no tabuleiro social, para que os jovens se
tornem um pouco mais atores de suas vidas, um pouco mais donos de seus destinos [...]”.
Os registros de Theo (6º ano) deixam transparecer sua preocupação com o futuro. Para
ele, ler significa autonomia de pensamento e de conhecimento: “a leitura é boa para a gente
aprender mais porque no futuro vai ser melhor a gente saber mais”. Segundo Frantz (2006, p.
17), a leitura faz parte do “processo de construção do sujeito social, [...] do processo de
autoaperfeiçoamento intelectual de quem quer afirmar-se social e profissionalmente pelo
caminho da educação, do estudo”.
Esses alunos, em seus registros, sabem que a leitura significa muitas coisas, mas a
principal é a relação do saber ler com o futuro; a relação da leitura com o conhecimento para
uma vida profissional, ou melhores condições de vida. Petit (2008, p. 61) ressalta que “a
leitura é um meio para se ter acesso ao saber, aos conhecimentos formais, e, sendo assim,
pode modificar as linhas de nosso destino escolar, profissional e social”. Complementa ainda
que “o saber é o que lhes dá apoio em seu percurso escolar e lhes permite constituir um
capital cultural graças ao qual terão um pouco mais de oportunidade para conseguir um
emprego”. Todos que deixaram seus pensamentos registrados revelam o lugar que a leitura
ocupa na vida de cada um. Esse lugar é o empoderamento que o ato de ler, o acesso às
palavras, aos signos, proporciona a quem sabe ler. Petit (ibidem, p. 43) ressalta:
Ao compartilhar a leitura, ao contrário, cada pessoa pode experimentar um
sentimento de pertencer a alguma coisa, a esta humanidade de nosso tempo ou de
tempos passados, daqui ou de outro lugar, da qual pode sentir-se próxima. Se o fato
de ler possibilita abrir-se para o outro, não é somente pelas formas de sociabilidade e
72
pelas conversas que se tecem em torno dos livros. È também pelo fato de que ao
experimentar, em um texto, tanto sua verdade mais intima como a humanidade
compartilhada, a relação com o próximo se transforma. Ler não isola do mundo. Ler
introduz no mundo de forma diferente. O mais íntimo pode alcançar neste ato o mais
universal.
Para os alunos sujeitos da pesquisa, a leitura é a passagem do mundo da
incompreensão para a liberdade de acesso ao conhecimento capaz de transformar as suas
realidades sociais. É como se, a partir da leitura da primeira palavra, começasse um novo
tempo, com a possibilidade de ler tudo o que existe no mundo.
4.5 A LEITURA E A PRODUÇÃO DO SUJEITO
Nesta seção, discuto o que a leitura produz no sujeito leitor, o acesso à palavra, ao
mundo letrado. Participar ativa e reflexivamente, pensando por si próprio, desenvolvendo a
capacidade de simbolizar e imaginar. Compartilho da opinião de Petit (2008, p. 71), quando
ela afirma:
Quanto mais formos capazes de nomear o que vivemos, mais aptos estaremos para
vivê-lo e transformá-lo. Enquanto o oposto, a dificuldade de simbolizar, pode vir
acompanhado de uma agressividade incontrolada. Quando se é privado de palavras
para pensar sobre si mesmo, para expressar sua angústia, sua raiva, suas esperanças,
só resta o corpo para falar: seja o corpo que grita com todos os seus sintomas, seja o
enfrentamento violento de um corpo com o outro, a passagem para o ato.
Tenho vivido no ambiente escolar situações que ilustram a citação acima, as quais
ilustro no diálogo a seguir:
Em certa ocasião, após presenciar vários atos violentos de uma criança, e ter
feito alguns registros de ocorrência como forma de advertência ao seu
comportamento, através de um momento de reflexão sobre suas atitudes fiz a
seguinte pergunta:
- Você já sabe ler e escrever?
E esta criança muito tristemente respondeu:
- Não, profe.
Novamente a indaguei:
- Você quer aprender?
- Sim.
Então disse para ela:
- Hoje aqui, comigo, você vai aprender a ler e escrever.
A partir dessa conversa, desenvolvi um ditado. Apesar de não gostar de fazer
ditado em função de não saber escrever, mesmo assim ela o fez. Mostrei para
ela como fazer para descobrir as palavras através do som das letras, e assim
73
fui ditando as palavras e fazendo com que ela observasse bem a minha boca,
enquanto pronunciava com as palavras, com a intenção de fazê-la descobrir
o som das letras para escrever e ler as palavras. Quando ela percebeu que
conseguia escrever, foi como se um peso tivesse sido tirado de suas costas. E
esboçou um sorriso de satisfação, dizendo:
- Então eu sei escrever!
Na escola, diariamente, convivendo com situações como essa, a própria história da
leitura também nos mostra que o acesso às palavras já foi um dia, e talvez ainda em alguns
casos continua sendo, um grande instrumento de poder, dominação e status perante a
sociedade. Porém o que tem prevalecido é a rotulação dos sujeitos leitores e a ascensão dos
não leitores. Corso e Ozelame (2009, p. 74) questionam: “por que ser o chato, o CDF, o
tapado, o intelectual da sala apenas pelo motivo de ler se o popular do colégio é o indivíduo
que justamente não lê?” Se, para ser um leitor, significa possuir esses adjetivos, é importante
trabalhar esses conceitos no ambiente escolar e retirar a carga preconceituosa imposta sobre
eles e sobre a leitura.
O que se percebe na sala de aula, nos discursos dos professores aos alunos, é aquele de
que a leitura é importante, que os alunos devem ler, pois através da leitura terão mais
conhecimento, e quem tem conhecimento tem maiores chances de ter um futuro melhor, um
bom emprego e, assim, ser alguém na vida. Contudo esse discurso se torna distante da
realidade escolar, pois apenas uma minoria acredita no conhecimento e nos caminhos que se
abrem através dele.
Talvez o discurso do professor seja um e sua prática seja outra, pois na hora de estar
em sala de aula com o aluno trabalhando com leitura, as tentativas vão direto ao ponto:
apresentam-se textos e propõe-se a leitura, sucedida de interpretação, sem as motivações
preliminares que norteariam com mais êxito as atividades de leitura. Dispondo de pouco
tempo, com aulas demarcadas em minutos, educadores são impulsionados a fazerem do
processo de leitura uma aprendizagem mecânica, com tempo e finalidades delimitados. Gastar
esse precioso tempo com leitura é para a maioria dos professores um desperdício. No entanto,
onde estão as práticas leitoras dos docentes junto aos alunos? Que exemplo tem dado o
docente com práticas leitoras para seus alunos? Como aprendemos a ser leitores?
Tornamo-nos leitores em grande parte por influência de alguém. Petit (2009, p. 22)
afirma que “o gosto pela leitura e sua prática são, em grande medida socialmente
construídas”. Ainda conforme a autora (ibidem, p. 22):
A leitura é uma arte que se transmite mais do que se ensina [...] é o que demonstram
vários estudos. Estes revelam que a transmissão no seio da família permanece a mais
frequente. Na maioria das vezes, tornamo-nos leitores porque vimos nossa mãe ou
74
nosso pai mergulhado nos livros quando éramos pequenos, porque os ouvimos ler
histórias ou porque as obras que tínhamos em casa eram tema de conversa.
Observando os registros nos diários de bordo e nas entrevistas, percebe-se que quanto
mais os alunos avançam na escolaridade, menos demonstram o gosto pela leitura,
reconhecendo-a como caminho ao conhecimento. Os professores dos Anos Iniciais ainda
incentivam os alunos a ler, pois nessa fase a leitura ainda tem uma função lúdica, fantasiosa,
imaginativa.
Nos Anos Finais, conforme entrevista semiestruturada, Theo, aluno do 6º ano, coloca
que “ontem eu li sobre uma pesquisa de ciências sobre uma lontra, onde ela vive, nome
científico”. E Ângelo também relata “eu li texto no livro de história”. Percebe-se que eles
relatam que leem esses textos, porém nenhum relatou que gosta de lê-los. Nessa perspectiva, a
segmentação de várias disciplinas em um turno de aula contribui para a leitura de vários
textos, um diferente do outro (em virtude da organização das disciplinas), com objetivos e
conteúdos diferentes e, portanto, sem uma intertextualidade. Então, se cada disciplina exige
que aluno desenvolva a leitura, e estas acontecem de maneira diferente com assuntos
diferentes e em pouco tempo, pergunto: qual é a assimilação que o aluno faz de cada uma? Ou
é só uma leitura mecânica, obrigatória?
Portanto a constituição do leitor esta à mercê em grande parte de terceiros que
transformam o ato de ler em obrigatoriedade, conforme ordem e vontade de alguém. No
entanto, conforme Petit (2008, p. 141), “o que atrai a atenção da criança é o interesse
profundo que os adultos têm pelos livros, seu desejo real, seu prazer real”.
Na maioria das vezes, o sujeito, para se tornar leitor, depende das influências do seu
meio social, o que vive, como vive e com quem vive, e a escola desempenha papel
fundamental nesse processo de não romper ou modificar essas práticas de leitura, como, por
exemplo, a passagem dos Anos Iniciais para os Anos Finais do Ensino Fundamental.
A constituição do leitor depende também da construção de si mesmo, em que a leitura
desempenha o papel de “conhecer-se um pouco melhor, poder pensar-se em sua subjetividade,
manter um sentimento de individualidade” (ibidem, p. 73). Petit complementa, dizendo ainda
que “a leitura pode ser uma via privilegiada para inventar um caminho singular para construir
uma identidade aberta, em evolução, não excludente”.
75
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar esta pesquisa, as considerações aqui apresentadas mostram o caminho
percorrido, as aprendizagens conquistadas e as inquietações que permaneceram.
Esta pesquisa apontou que os alunos desenvolvem a prática da leitura na escola, leem
aquilo que a escola quer que eles leiam. As práticas de leituras que os alunos consideram
interessantes são pouco valorizadas pela escola, o que resulta no desinteresse e também um
distanciamento das leituras que formam leitores, em nome de uma leitura exigida pela escola.
Pude perceber que determinadas práticas de leituras modificam o leitor, pois este, com
o auxílio de suas leituras, se torna capaz de superar conflitos em sua vida. Cada aluno tem a
sua preferência de leitura e se apropria dela de forma peculiar, definindo-a. Assim, esse
sujeito constitui as suas experiências de leituras.
Acredito que o ponto-chave das práticas de leituras na escola sofre modificações no
período de transição do 5º para o 6º ano do Ensino Fundamental e está na relação entre
sujeito-livro. Nos Anos Iniciais, em que as áreas do conhecimento são trabalhadas de forma
globalizada (um professor trabalha com todas elas), as práticas de leitura são oferecidas de
forma individual e peculiar, e cada leitor escolhe o que quer ler. Por ser ensino globalizado, a
professora incentiva que os alunos escolham qualquer tipo de livro, deixando-os livres para
escolherem aquele que lhe interesse ou agrade, com frequentes visitas à biblioteca. Ao fazer a
transição para os Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ano), as disciplinas são organizadas
de forma fragmentada, não mantêm um diálogo entre si (apresentando-se como que em
caixinhas separadas). A partir desse momento, geralmente quem oportuniza a escolha dos
livros é a professora da disciplina de português que, apesar de proporcionar a opção de
escolha do livro, acaba direcionando sua escolha de acordo com o que está sendo trabalhado
ou que tenha a ver com a área do conhecimento trabalhado, no caso a Língua Portuguesa. E
assim subsequentemente, cada professor exige que o aluno faça leituras que ele elege como
importantes. Observei que as visitas à biblioteca já se tornam restritas.
O papel da escola é fundamental porque não é na família que a maioria dos educandos
da escola pública desenvolve práticas de leitura tidas como suficientes. Por isso, cabe à escola
formar e incentivar práticas de leitura, privilegiando aos alunos o contato com a leitura.
A pesquisa apontou que os professores dos Anos Iniciais incentivam as práticas de
leitura dos mais diversos gêneros textuais e das mais diversas formas de apresentação desses
textos, por exemplo: dramatização, contação de histórias, lendas, poesias, trava-línguas,
dentre outros. Já os professores dos Anos Finais não assumem a responsabilidade do incentivo
76
às práticas de leitura. Ninguém se responsabiliza de fato pela leitura, deixando a exclusividade
das práticas de leitura para a disciplina de Língua Portuguesa.
No tocante ao momento da transição do 5º para o 6º ano, o aluno está ainda na fase da
leitura pela imaginação, pelo faz de contas, pela linguagem figurativa, não estando pronto
para a leitura mais exigente, com vocabulário mais difícil, sem imagens. No momento em que
não compreendem o que estão lendo, já que a imagem não está presente como suporte de
leitura, o ato de ler se torna desgastante, sem significação e obrigatório, pois, agora, ler “vale
nota”. É fundamental a escola oferecer uma literatura compatível com essa fase de
desenvolvimento, e também uma literatura atualizada diante dos novos interesses de leitura.
Ao se referir à biblioteca, Petit (2009, p. 274) aponta que esta “deveria ser um espaço cultural,
mais do que um complemento didático, para dar lugar a percursos singulares, a achados
imprevistos”. Nessa perspectiva, concordo com Petit (2008), pois pude perceber que na
biblioteca da escola o acervo disponível para essa faixa etária não é suficiente, limitando a
biblioteca enquanto espaço cultural que deveria favorecer práticas de leituras não só do
professor, mas também do aluno e da comunidade.
A prática da leitura é uma responsabilidade coletiva entre escola, família e sociedade.
Os dados desta pesquisa mostram que a leitura em e na família é privilegiada, incentivada
principalmente pela figura materna. Os alunos salientam que a mãe é a companhia nas suas
práticas de leitura. Talvez isso se dê por meio de concepções culturais ligadas ao fato de que a
mãe conta histórias para o bebê dormir; é ela quem na maioria das vezes coloca a criança para
dormir, contando-lhe uma história, colocando-a em contato com o imaginário, com o faz de
contas e com o próprio ato de ler. Para incentivo dessa leitura familiar, uma boa opção seria a
criação de projetos de práticas de leituras a partir da escola, em que o aluno e a família
promovam uma leitura coletiva.
Conforme Petit (2008, p. 140-141):
A importância da familiaridade precoce com os livros, de sua presença física na
casa, de sua manipulação, para que a criança se torne mais tarde, um leitor. A
importância, também, de ver os adultos lerem. E ainda o papel das trocas de
experiências relacionadas aos livros, em particular as leituras em voz alta, em que os
gestos de ternura, a inflexão da voz, se misturam com as palavras.
Em nenhum dos registros feitos pelos alunos se observa que em suas casas existe um
espaço próprio para ler (biblioteca ou um lugar especial para os livros), então realizam suas
leituras preferencialmente na sala e no quarto, salientando que o importante para ler é o
silêncio, a solidão e a privacidade na hora da prática de leitura.
77
A escola participa ainda de modo tímido na formação do leitor. É preciso que ela
reative seus projetos de práticas de leituras e as considere possíveis e significativas em seu
cotidiano, porque o contato do sujeito com a leitura, seja ela qual for, coloca-o diante dos
mais variados textos e práticas de leituras. Essas práticas podem servir de elementos
propulsores do crescimento do aluno como leitor e como ser humano.
Diante de tais observações, verifico que o espaço escolar é propício para oferecer as
mais variadas práticas de leituras em seus mais variados suportes textuais, para que cada
sujeito se aproprie desses textos e para que os ressignifiquem. Cada sujeito se apropria de suas
leituras a seu modo, por isso não é possível prever o que cada leitura vai fazer com o sujeito.
Este não se torna um leitor só porque o professor diz que é importante ler; a formação do
leitor acontece nas práticas diversificadas de leitura que cada sujeito realiza.
Esta pesquisa mostrou que as práticas de leitura na escola estão diretamente ligadas
aos instrumentos que os alunos utilizam para ler. Por exemplo, a maioria dos alunos
pesquisados declarara que lê no computador, que gosta da leitura virtual, pois esta permite
uma leitura mais dinâmica e agiliza a procura pelo que mais interessa e pelo que mais é do seu
entendimento. Assim, fica a pergunta: por que a escola não proporciona mais intensamente
esse meio de leitura?
Nessa perspectiva, ressalto ainda que, durante a análise dos dados gerados, todos os
alunos pesquisados consideram a leitura importante para sua aprendizagem e para sua vida
profissional, porém ainda falta desenvolver ou manter o encantamento por essa prática. O que
é um tanto contraditório, pois mesmo sabendo da importância da leitura, não a praticam.
Espero que o material teórico-reflexivo construído aqui se reverta em subsídio para
reflexões na escola pesquisada, bem como para estudos de professores de outras escolas e
pesquisadores. As informações aqui registradas mostram algumas práticas de leituras e a
forma como os alunos as veem ou significam. Tais práticas podem servir de auxílio e subsídio
para a percepção de um outro olhar dos professores a respeito desses diferentes modos de ler,
tão relevantes na formação do leitor.
Esta busca não se encerra com este desfecho. Nenhum estudo é completo e decisivo
em si mesmo. Este trabalho apenas abre caminho para a reflexão das práticas de leitura que
temos na escola e como talvez possamos melhorá-las para que a formação de leitores seja
voltada para a autonomia e a criticidade desenvolvidas através da leitura.
78
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ANEXO A – Ficha socioeconômica dos alunos
83
84
ANEXO B – Plano de Intervenção Pedagógica
1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1.1. Nome da Escola: ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA THEODORICO
ALVES TEIXEIRA
1.2. Endereço: Rua Valter Sausen, s/nº
1.3. Fone/fax: (55) 3335 1165
1.4. E-mail: [email protected]
1.5. Município: Eugênio de Castro/RS
1.6. Níveis de Ensino: Fundamental e Médio
1.7. Turnos de Funcionamento: manhã, tarde e noite
1.8. Código: 4306099
1.9. Equipe Administrativa-Pedagógica:
Diretora: Ivete Clair Röpke Teixeira
Vice-diretoras:
Manhã: Maria Valdete Schneider
Tarde: Rosenara Matte Vidor
Noite: Márcia Rosane Voltz
2. OBJETIVO
Elevar a qualidade do desempenho dos alunos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio nos
componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, aperfeiçoando e modernizando
as práticas pedagógicas e visando a reverter os índices não satisfatórios apontados pelos
indicadores de eficácia evidenciados pelo sistema de avaliação – Saers.
3. PÚBLICO-ALVO
Professores do Ensino Fundamental e Médio da escola estadual envolvida.
4. JUSTIFICATIVA
O presente projeto justifica-se por considerarmos urgentes as mudanças voltadas para a
melhoria do processo de ensino no contexto educacional da escola, tendo em vista as mesmas
dificuldades de aprendizagem nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática. Apresentamos
um único projeto de intervenção pedagógica, o qual subsidiará os trabalhos que serão
desenvolvidos pelos docentes no dia a dia.
85
O diagnóstico nos levou à elaboração desta proposta. A aplicação deste projeto possibilitará
aperfeiçoamentos para a atuação dos docentes na sala de aula.
5. DIAGNÓSTICO
De acordo com os resultados em Língua Portuguesa na Escola T.A.T., constatamos a
necessidade de avançarmos na leitura, porque nos encontramos em nível rudimentar e de
leitor iniciante.
Em Matemática, a Escola T.A.T. localiza-se no nível básico, apresentando conhecimentos
parciais e restritos.
6. DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA
6.1. Ações
- Realizar avaliação diagnóstica dos alunos do 2° ano do ensino Fundamental de 9 anos.
- Introduzir sistemática de acompanhamento de desempenho dos alunos.
- Elaborar programa de capacitação para os professores do 2° ano.
- Realizar uma reunião mensal entre os professores para discutir dificuldades dos alunos e
propor soluções.
- Capacitar dois professores do Ensino Fundamental nos componentes curriculares de
Matemática e Língua Portuguesa com carga horária de quatro horas.
- Realizar oficinas para os professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, trazendo
técnicas inovadoras e criativas de jogos para dinamizar as aulas.
- Reunir os professores da escola para avaliar os resultados dos alunos e desempenho
alcançado nas avaliações externas.
- Adquirir duas coleções de livros pedagógicos de alfabetização e letramento para uso dos
professores.
- Adquirir os seguintes materiais de apoio pedagógico: 20 jogos diversos, 15 quebracabeças, 20 minidicionários para uso do aluno, 100 cadernos, 50 conjuntos de pincéis
atômicos com seis unidades, 50 jogos de caneta hidrocor com 12 unidades, 20
grampeadores pequenos, 100 tesouras pequenas, 10 conjuntos de alfabeto móvel, 10 discos
de fração, 10 loto numérica.
- Elaborar, juntamente com os professores das disciplinas críticas, listas de materiais de
apoio pedagógico que venham a facilitar a aprendizagem dos alunos em sala de aula.
- Analisar com os professores da escola quais as maiores necessidades de acervo
bibliográfico para material de consulta como apoio pedagógico.
86
- Contratar um consultor para capacitar todo o corpo docente e funcionários da escola com
carga horária de 18 horas, com temática sobre montagem e desenvolvimento de projetos
escolares.
6.2. Ementa
a) Língua Portuguesa
- Criar um varal de contos e poesias.
- Manter uma biblioteca na sala de aula.
- Interpretação de textos (quadrinhos, charges, notícias, tirinhas, curiosidades científicas).
- Oferecer modelos de leitura, lendo para o aluno em voz alta a fim de que perceba as
diferentes entonações e paradas nos sinais de pontuação.
- Escrever, ler e discutir com a turma os textos que circulam na escola.
- Criar uma rádio escolar, em que cada turma é encarregada de selecionar notícias, músicas,
enfim a programação, por alguns minutos durante o turno.
- Realizar atividades prazerosas, como bingos de sílabas, caça-palavras, palavras cruzadas.
- Ler e discutir com a turma matérias jornalísticas que estejam mobilizando o grupo,
incentivando um posicionamento crítico dos alunos em relação a elas.
- Discutir com os alunos as interpretações possíveis para textos que conjugam linguagem
verbal e não verbal (tirinhas, propagandas...).
- Explorar o conteúdo implícito de textos diversos.
- Questionar os alunos quanto à finalidade dos textos que leem, ao público ao qual se
dirigem e à linguagem utilizada, levando-os a observar a forma do texto e de que modo ela
pode contribuir para a interpretação de seu conteúdo.
- Relacionar os fatos apresentados no texto às suas causas.
- Identificar, num texto de comunicação científica, os argumentos que o autor emprega para
sustentar suas afirmações, construindo, por exemplo, um esquema a partir de um texto
informativo.
- Incentivar a comparação entre textos de diferentes gêneros que abordam uma mesma
temática.
b) Matemática
- Incentivar a observação de formas geométricas e representá-las por meio de desenhos ou
construí-las utilizando materiais diversos.
- Propor atividades lúdicas que envolvam troca entre moedas e cédulas.
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- Realizar medições convencionais e não convencionais; registrar essas medições, operando
com elas.
- Relacionar semanas e dias, associando essas unidades de tempo.
- Conhecer relógios de ponteiros e digital e construí-los.
- Propor atividades com material dourado.
- Facilitar a compreensão das trocas.
- Explorar atividades na calculadora.
- Cálculos mentais com situações do dia a dia.
- Apresentar situações reais para trabalhar com as quatro operações e focalizar os diferentes
significados destas.
- Compreender, organizar, apresentar e montar gráficos dos dados.
- Utilizar caixas e sólidos geométricos de diferentes formas e tamanhos; fazer planificações
e construções de maquetes.
- Trabalhar com representações gráficas e mapas.
- Representar trajetórias, localização de pessoas ou objetos na sala de aula.
- Comparar figuras geométricas, observar e anotar as propriedades específicas de cada uma,
além de identificar suas semelhanças e diferenças.
- Aplicar atividades envolvendo cálculo mental e estimativas.
- Interpretar as informações contidas em gráficos e tabelas que aparecem frequentemente
nos meios de comunicação, bem como registrar em gráficos as pesquisas realizadas pelos
alunos.
7. FORMAS DE AVALIAÇÃO
Acontecerá de maneira contínua e sistemática, considerando as produções realizadas no
desenvolver das capacitações e, especialmente, na aplicabilidade das atividades vivenciadas
na escola, bem como mediante realização e execução de projetos interdisciplinares no âmbito
escolar.
Espera-se também que possamos ressignificar o processo ensino-aprendizagem e,
consequentemente, obtermos os bons êxitos não apenas nas próximas avaliações do Saers,
mas durante toda a vida dos alunos/cidadãos.
8. MUDANÇA DE RESULTADOS ESPERADOS EM TERMOS DE INDICADORES
Elevar os níveis de conhecimento dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática,
objetivando resultados significativos nas avaliações do Saers.
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Márcia Rosane Voltz - Biblioteca Digital da UNIJUÍ