UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS MÁRCIA ROSANE VOLTZ TRAJETÓRIAS DE PRÁTICAS DE LEITURAS ESCOLARES Ijuí/RS 2013 MÁRCIA ROSANE VOLTZ TRAJETÓRIAS DE PRÁTICAS DE LEITURAS ESCOLARES Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação nas Ciências, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), para a obtenção do título de mestre. Orientadora: Profa. Dra. Maria Simone Schwengber Ijuí/RS 2013 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pela minha vida e, portanto, pela oportunidade de viver o sonho de concluir o mestrado. À minha família, pelo incentivo, pela torcida e pela paciência nas intermináveis horas de estudos. A meu pai Walter e minha mãe Mélia, pela inspiração de ser professora desde criança. Em especial à minha irmã Camila, meu porto seguro, que sempre esteve sempre ao meu lado na construção desta pesquisa. Aos meus filhos Cássio e Patrícia, pelo carinho, pelo afeto e pela compreensão nas horas em que estive ausente para estudar. Ao meu irmão Claudio, mestre, que é minha fonte de inspiração para continuar estudando, pelas palavras de apoio, incentivo e carinho. À minha avó, pelas informações significativas para a construção desta pesquisa, e à minha tia Arceli, pela torcida e pelos quitutes oferecidos nas horas de estudos. Aos professores que colaboraram nas minhas aprendizagens e nas bancas que qualificaram esta pesquisa. Agradeço imensamente à minha professora orientadora, Dra. Maria Simone Vione Schwengber, pela atenção, pela paciência e pelos conhecimentos adquiridos. RESUMO Esta dissertação discute questões referentes às práticas de leituras de alunos do Ensino Fundamental (alunos do 4º ao 6º ano), inseridos em uma escola pública. Sendo uma pesquisa de natureza qualitativa e de inspiração etnográfica, utilizam-se como estratégia teórica metodológica o diário de bordo e a entrevista semiestruturada com os alunos. Buscam-se discutir as seguintes questões de pesquisa: o que, onde, com quem e como estes alunos leem? Das análises que resultaram, é possível dizer que as práticas de leituras que os alunos do 4º ano realizam são as exigidas e oferecidas no espaço escolar. É a escola que oferece um espaço cultural. No entanto isso evidencia que é a escola quem escolhe os livros e outros materiais a serem lidos. Para os alunos do 5º ano, percebeu-se que a imagem influencia na escolha do livro ou outro material que vai ser lido, por isso existe preferência por gibis e livros com textos pequenos, mas com muitas imagens. Esses alunos procuram algumas leituras além das oferecidas pela escola. Os alunos do 6º ano demonstraram, em seus registros, a utilização das multimídias, MSN, Orkut, Facebook, blogs, formando um conjunto com a hipertextualidade (caminhos não lineares de leitura do texto). A estes alunos as leituras virtuais são as favoritas e as leituras escolares são feitas somente com a exigência dos professores. Quase todos os estudantes pesquisados consideram o ato de ler importante para o processo de autonomia e de criticidade desenvolvido através da leitura. Palavras-chave: Leitura. Escola. Leitor. Práticas. ABSTRACT This dissertation discusses issues related to the reading practices of elementary school students (from 4th to 6th year), inserted in a public school. As a qualitative research with ethnographic inspiration, it was used, as theoretical methodological strategy, the logbook and semi-structured interviews with students. The following research questions are discussed: what, where, with whom and how these students read? From the resulting analysis, it is possible to say that the reading practices performed by 4th year students are those required and offered at the school. It is the school that offers a cultural space. However it shows that it is the school that chooses the books and other materials to be read. For 5th year students, it was perceived that the image influences the choice of book or other material to be read, so there is a preference for comics and books with little text, but with many pictures. These students seek some reading beyond those offered by the school. Students from the 6th year showed in their records the use of multimedia, MSN, Facebook, blogs, forming a set with hypertextuality (nonlinear reading paths). To these students, the virtual readings are the favorite and school readings are made only by the requirement of teachers. Almost all the students surveyed consider the act of reading important to the process of autonomy and criticism developed by reading. Keywords: Reading. School. Reader. Practices. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Histórias que minha avó contava........................................................................ 12 Figura 2 – Meu primeiro livro.............................................................................................. 14 Figura 3 – A magia da leitura............................................................................................... 20 Figura 4 – Diário de bordo................................................................................................... 38 Figura 5 – Mensagem do diário de bordo............................................................................ 38 Figura 6 – Orientações sobre o diário de bordo................................................................... 39 Figura 7 – Mapa do município de Eugênio de Castro.......................................................... 44 Figura 8 – Foto aérea do município de Eugênio de Castro.................................................. 44 Figura 9 – Vista aérea do município de Eugênio de Castro com identificação da escola foco da pesquisa................................................................................................................... 45 Figura 10 – Biblioteca da Escola TAT................................................................................. 46 Figura 11 – Sala de mídias................................................................................................... 46 Figura 12 – Livros disponíveis na sala dos professores....................................................... 47 Figura 13 – Portaria n. 3, de 12 de março de 2010.............................................................. 48 Figura 14 – Índice do Ideb da Escola TAT (2009) ............................................................. 50 Figura 15 – Resultados do Saers da 6º ano da Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira................................................................................................... 51 Figura 16 – Padrão de desempenho conforme resultados do Saers do 6º ano da Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira................................................... 51 Figura 17 – Sala de leitura da escola TAT........................................................................... 52 Figura 18 – Momento de leitura........................................................................................... 53 Figura 19 – Desenho de aluna sobre a leitura...................................................................... 56 Figura 20 – Descrição de um dia de prática de leitura no diário de bordo........................... 61 Figura 21 – Tirinha de gibi................................................................................................... 62 Figura 22 – Relato de um dia de prática de leitura no diário de bordo................................ 65 Figura 23 – Entrevista semiestruturada de uma aluna do 6º ano......................................... 68 SUMÁRIO 1 AVENTURAS E LEITURAS: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS.............................. 9 1.1 JUSTIFICATIVA E PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA....................................... 9 2 AS PRÁTICAS DE LEITURAS E O CAMPO TEÓRICO................................ 21 2.1 FRAGMENTOS HISTÓRICOS DO ATO DE LER................................................ 21 2.2 OS ELEMENTOS DA LEITURA............................................................................ 24 2.3 A PRÁTICA DA LEITURA: CONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO DO SUJEITO................................................................................................................... 29 2.4 A PRÁTICA DA LEITURA: AMPLIAÇÃO DO VOCABULÁRIO...................... 32 3 A PESQUISA E O CAMPO EMPÍRICO............................................................. 35 3.1 METODOLOGIA..................................................................................................... 35 3.2 FERRAMENTAS DE PESQUISA........................................................................... 36 3.3 DIÁRIO DE BORDO............................................................................................... 37 3.4 A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA.............................................................. 39 3.5 DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES................................................................... 40 3.6 PERFIL DOS PARTICIPANTES............................................................................. 41 3.7 O CENÁRIO DA ESCOLA...................................................................................... 43 3.8 PROJETO REALIZADO DE LEITURA NA ESCOLA.......................................... 48 3.9 IDEB E OUTRAS AVALIAÇÕES EXTERNAS.................................................... 49 3.10 E ASSIM, A SALA DE LEITURA.......................... ............................................... 52 3.11 CONVERSAS COM QUEM ENSINA: O DISCURSO.......................................... 53 4 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS....................................................... 56 4.1 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 4º ANO...................................... 57 4.2 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 5º ANO...................................... 61 4.3 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 6º ANO...................................... 65 4.4 O QUE A LEITURA REPRESENTA NA VIDA DAS CRIANÇAS...................... 4.5 A LEITURA E A PRODUÇÃO DO SUJEITO........................................................ 72 69 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 75 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 78 ANEXO A – Ficha socioeconômica dos alunos.................................................... 82 ANEXO B – Plano de Intervenção Pedagógica.................................................... 84 9 1 AVENTURAS E LEITURAS: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS Neste primeiro capítulo, apresento a justificativa, a problematização do tema e o caminho que percorri para a definição do objeto de pesquisa. Inicialmente, abordo as minhas experiências de leitura, os livros que marcaram minha vida, as práticas de leituras significativas da construção do ato de ler. Este estudo vincula-se à linha de pesquisa Educação Popular em Movimentos e Organizações Sociais. 1.1 JUSTIFICATIVA E PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA Um livro é como uma janela. Quem não o lê, é como alguém que ficou distante da janela e só pode ver uma pequena parte da paisagem. (GIBRAN, 2000, p. 14). A epígrafe de Gibran possibilita pensar o quanto a leitura se expande no mundo e também nos interliga aos diferentes mundos culturais. Ler um livro é percorrer caminhos desconhecidos, navegar por águas distantes, conhecer culturas diferentes, porque ele é capaz de nos tirar do lugar em que estamos e nos transportar a um universo irrestrito de pensamento; permite à imaginação voar para outros mundos. A experiência de ler significa colher conhecimentos, culturas e ampliar os horizontes. Permite ao sujeito experiências sensíveis e ensina a pensar, indagando desde o cotidiano até um mundo mais amplo. Para Rangel (2005, p. 18), a prática da leitura “atua no sujeito que experiencia, através da linguagem, da leitura [...] o sujeito cresce cognitiva e intelectualmente”. Nessa perspectiva, para a construção do objeto desta dissertação, busco inicialmente alguns fragmentos nas inquietações das minhas experiências pessoais e profissionais a respeito da leitura. Discutir as práticas pedagógicas da leitura me instiga o interesse, sobretudo as práticas do ambiente escolar em que atuo profissionalmente. Considero a importância de problematizar as práticas da leitura na escola. Durante a construção do projeto de pesquisa, algumas dúvidas e dificuldades persistiam, como o que recortar. Assim, surgiu a curiosidade de pesquisar o que os alunos leem e se eles leem. Então, com o apoio da banca de qualificação do projeto, definiu-se meu ponto de partida: pesquisar as práticas de leituras dos alunos do Ensino Fundamental da escola em que trabalho. 10 Meu tema trata das práticas de leituras de um grupo de alunos do 4º ao 6º ano do Ensino Fundamental no ambiente escolar1. Escolhi estes anos porque se configuram num nível de ensino em que se dá a produção/aquisição de conhecimentos básicos de leitura e também a introdução de textos diversificados, como lendas, contos, poesias, parlendas, charges, histórias em quadrinhos, dentre outros. A leitura no Ensino Fundamental é compreendida não só como leitura de decifração das vogais, consoantes, sílabas, mas entendimento das palavras, dos contextos. Para Freire (1984, p. 8), “aprender a ler [...] alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade”. A leitura de mundo citada por Freire refere-se às vivências e às experiências do sujeito desde o seu nascimento. O sujeito lê o mundo muito antes de ler as palavras, e usa de sua capacidade sensitiva para ler. Aprende-se a ler o mundo também por intermédio de pessoas com quem convivemos. Um bebê que ainda não sabe falar aprende com seus pais os nomes das coisas que ele vê, sente, cheira, toca, e assim essas palavras vão se internalizando no sujeito, o qual passa a ler o mundo. Freire (1994, p. 22) sensibiliza-me a pensar o quanto “a leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”, que somos capazes de ler sem as palavras por intermédio da capacidade de percepção dos sentidos (olfato, tato, paladar, audição e visão). Segundo o autor (2000, p. 22), antes de ler a palavra, a criança já lê o mundo por meio de gestos, olhares, expressões faciais, cheiros e do tato. Ao escolher pesquisar sobre as práticas de leituras das crianças 2, reportei-me a momentos fundamentais de minha história, das minhas incursões no mundo da leitura. Isso iniciou muito tempo antes de frequentar a escola. Eu ainda era bebê e já ouvia histórias contadas em alemão por minha avó, ela lia as palavras, mas me mostrava as figuras, eu fazia a leitura das figuras, dos gestos, das expressões que minha avó usava para interpretar essas histórias. Como descrito por Freire (1994, p. 22), “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática”. A leitura de imagens é chamada de leitura não verbal, aquela em que o sujeito percebe e lê tudo o que está ao seu redor, sem utilizar as palavras. No entanto, quando se pergunta o 1 Quando me refiro à leitura, trago-a não só na perspectiva das leituras do contexto escolar, mas também as que acontecem fora deste. 2 Conforme consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 2º, considera-se criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. 11 que é leitura, seu pensamento imediatamente se remete ao texto escrito e não percebe a leitura não verbal que acontece sem as palavras. Nesse sentido, Alves (2008, p. 19) descreve que as “noções de texto e de linguagem, frequentemente, remetem-nos a textos e linguagens verbais, ou seja, aquelas que se exprimem por meio da palavra. Entretanto, sabemos que existem outras formas de linguagem e que, por meio destas, o homem também pode representar o mundo”. Minha mãe era professora, e assim fui crescendo em meio a livros, cadernos e materiais escolares. As experiências de leituras foram acontecendo, pois minha mãe ocupava a mesa da cozinha para preparar o seu material de aula, e lá estava eu, sentada em uma cadeira alta, na qual fazia minhas refeições, manuseando os livros, tomada de encantamento. Larrosa (2002a, p. 144) nos diz o que a leitura “tem a ver com aquilo que somos, com nossa formação e nossa transformação”. Minha avó também ocupava a mesma mesa para realizar as suas leituras da Bíblia, as cartas em alemão que recebia de suas amigas que estavam na Alemanha, jornais evangélicos, dentre outras, e lá estava eu novamente em meu lugar, participando de tudo. Esse ambiente de leituras onde os adultos, com seus exemplos, me mostravam que ler é importante foi decisivo para a minha formação leitora. Na opinião de Larrosa (ibidem, p. 142), “a experiência não é aquilo que nos passa, é o modo como atribuímos sentido a elas, senão como o modo pelo qual o mundo nos mostra sua face inteligível, a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade das coisas e dominá-las”. A maior alegria era quando, já mais crescida, as histórias eram lidas para mim com exclusividade. Havia um livro de histórias infantis que continha duas histórias com os títulos Rotkäppchen e SneeWittchen, respectivamente Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve, que pertencia à minha avó desde os seus seis anos. A língua oficial em minha casa era a alemã, e até os seis anos de idade eu só falava esse idioma. Enquanto o livro era lido, eu ficava imaginando a história. Larrosa (ibidem, p. 134) complementa que a imaginação “está do lado subjetivo. Vem daí a sua associação a termos como irrealidade, ficção, delírio, fantasia, alucinação, sonho etc.”. Apresento a seguir parte de um livro das minhas primeiras experiências de leituras, o qual foi dado à minha avó quando ela completou seis anos de idade. 12 Figura 1 – Histórias que minha avó contava Fonte:GOBHARDT, ( 1906, p. 1-2) Foi por volta dos quatro anos que ganhei o meu primeiro livro de histórias da senhora Frau Fharra Gaelzer – lê-se esposa do pastor Gaelzer. Minha família estava sempre envolvida com a igreja, e o pastor e a pastora frequentavam a nossa casa. Eles perceberam que ali se lia muito e, sem modéstia, gostavam muito de me estimular também para a leitura. O título do livro era Walter Telefonieren (Walter está telefonando), e o conteúdo era muito significativo dentro da língua alemã. Não esqueço, até hoje, o primeiro versinho que aprendi: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, Eine alte frau cocht Rüben, Eine alte frau cocht speck, Schneidert sich den finger veg. A tradução desse verso é a seguinte: “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, uma velha mulher cozinha cenoura, uma velha mulher cozinha gordura, corta o seu dedo fora”. O livro era ilustrado com a imagem de uma mulher cortando o dedo. Esses eram alguns dos versos que, quando chegava 13 visita, geralmente pediam para eu cantar em alemão, e assim quase todos se orgulhavam de mim. Eu, então, me sentia feliz por ser valorizada e reconhecida nessa experiência de ler. Larrosa (2002a, p. 134) aponta que “essa misteriosa atividade que é a leitura [é] como algo que tem a ver com aquilo que nos faz ser o que somos”. Mais tarde, com seis anos, comecei a frequentar a escola para aprender a falar a língua portuguesa e para iniciar minhas primeiras socializações em um ambiente diferente de interações com outras crianças. E assim, consequentemente, as experiências pedagógicas de leitura passaram a fazer parte de minha vida. Para Larrosa (ibidem, p. 142) a leitura “ensina a viver humanamente e a conseguir a excelência em todos os âmbitos da vida humana: no intelectual, no moral, no político, no estético etc.”. Lembro-me de minha primeira professora, que me acolheu com muito amor e paciência, pois os meus colegas falavam de modo diferente de mim; às vezes, não nos entendíamos, e ela, afetuosamente, traduzia o que eu queria dizer. Minha família, nessa época, mudou-se para a cidade3, pois minha mãe passou a trabalhar em outra escola. Lá ia eu com ela para a escola. Com seis anos de idade, não podia ser matriculada, então eu fazia as tarefas de brincadeira, mas, para mim, era muito sério; ficava a admirar, extasiada, as tarefas que executava nesse contexto escolar. Foi então que minha mãe, num belo dia, apareceu com um livro de histórias escrito em português. Que alegria! Tinha ilustrações em todas as páginas, que ajudavam a decifrar as palavras escritas. E, assim, esse e outros livros foram o incentivo para eu aprender a ler. Sentava na escada que dava para a cozinha, lia todos os dias. Primeiro as palavras, depois as frases isoladamente e, por último, as frases no contexto; tudo isso com a ajuda das ilustrações. Em certa ocasião, disse para minha mãe que já sabia ler; que tinha entendido o que estava escrito. Ela ficou muito surpresa, solicitando que eu lesse para que escutasse. A minha leitura deixou-a muito alegre e maravilhada. Larrosa (ibidem, p. 150) indica que “a literatura, nesse jogo de linguagem, se enrosca sobre si mesma, liberada de toda atadura exterior, as coisas, as ideias, os sujeitos, os contextos e os valores estão sempre postos como à distância de si mesmos”. Assim, as experiências vividas, proporcionadas por esses livros, ficaram impressas em minha memória, na minha alma e na minha carne. Nesse contexto, o conceito de experiência, segundo Larrosa (ibidem, p. 161), “vem do latim experiri, provar. A experiência é, em primeiro lugar, um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova”. 3 Minha família morava no interior de Augusto Pestana (RS), mais especificamente em Esquina Renz. Depois, foi morar na sede deste município. 14 Aquilo que o sujeito vê e vive é o conhecimento que se tem na/pela prática de vida, que passa e internaliza o indivíduo. A imagem a seguir é do primeiro livro que ganhei quando tinha cinco anos de idade, já na escola. Foi com ele que eu aprendi a ler em português e o guardo em minha memória, principalmente a história de Quiquita. Essas histórias sempre tinham uma moral para ensinar valores aos leitores, como se vê no excerto do livro. Figura 2 – Meu primeiro livro Fonte: IVONILDE E ZILTA, (1970, p. 15) Logo ingressei na escola. As lembranças da experiência de ler ficaram como que tatuadas em mim, a ponto de eu recordar de algumas até hoje. Ao final do período de aula, a professora marcava com um X a tarefa para ler em casa, que geralmente era um texto. Quando eu lia, viajava para dentro da história. Larrosa (2002a, p. 153) relaciona a leitura com a metáfora da viagem: “ler é como viajar, como seguir um itinerário através de um universo de signos que se deve saber interpretar corretamente, caso alguém não queira se perder”. A alegria tomava conta de mim, pois era tudo o que eu queria: ler em casa para a minha mãe e 15 só parar quando cansava de ler. Destaco que estudei esse nível de ensino em classes multisseriadas4. Em nossa sala, estudavam a primeira e a segunda série. Aprendia-se em conjunto. E assim foi até eu frequentar a escola estadual, a partir da quinta série. A partir daí, tenho poucas lembranças marcantes em relação à leitura, mas uma eu não esqueço: numa ocasião a professora estava estudando conosco os livros de Monteiro Lobato, em especial O Sítio do Pica-Pau Amarelo. Então, ela nos deu a tarefa de assistir ao primeiro episódio da minissérie lançada na Rede Globo. A expectativa para assistir ao programa, naquela época, foi grande. No outro dia fizemos comentários sobre os melhores momentos. Gostei muito dessa atividade. Esses momentos familiares e escolares são carregados de significados e perpassaram a minha infância com relação à leitura, mas, ao chegar à adolescência, foram morrendo. Depois dos dois primeiros anos escolares, poucas experiências de leitura me vêm à memória. Pergunto-me: como e por que essa experiência de ler, no meu processo de escolarização, foi perdendo sentido? Lembro que as visitas à biblioteca eram para retirar os livros de literatura que a professora de português pedia; aí tive o meu primeiro contato com Machado de Assis, José Lins do Rego, José de Alencar e outros. Certa vez, retirei o livro Iracema. Levei-o para casa e não consegui ler para minha mãe, pois possuía palavras muito difíceis e eu demorava a decifrá-las e pronunciá-las, então desisti de lê-lo. Sobre esse aspecto, Larrosa (2002a, p. 146) considera que “a atividade da leitura é às vezes experiência e às vezes não. Porque ainda que a atividade da leitura seja algo que fazemos regular e rotineiramente, a experiência da leitura é um acontecimento que tem lugar em raras ocasiões”. À medida que o tempo escolar foi passando, já não lia mais por gostar, mas por exigências escolares. Devíamos mostrar a professores e colegas o que líamos, e alguém nos dava nota pelo nosso desempenho. Tinha muito para ler e, às vezes, as leituras extensas, distantes dos meus interesses, causavam cansaço, e eu desistia. É na passagem dos Anos Iniciais para os Anos Finais do Ensino Fundamental que os modos de leituras se apresentam diferentes. Geralmente nos Anos Iniciais os alunos realizam leituras de livros de histórias onde o imaginário está presente. Já nos Anos Finais, geralmente realizam leituras exigidas pela escola, que contemplem os conteúdos. Larrosa (ibidem, p. 135) contribui com uma reflexão sobre a imaginação: 4 São aquelas em que alunos de níveis diferentes estudam juntos na mesma sala e o professor atende, simultaneamente, várias séries. 16 A imaginação está ligada à capacidade produtiva da linguagem: recorde-se que fictio deriva de facere, o que ficcionamos é algo fabricado e por sua vez, algo ativo. A imaginação, assim como a linguagem, produz realidade, a incrementa e a transforma. Por exemplo, uma criança que vê bons filmes, desenhos animados, lê livros, contos de fadas, literatura, lendas, poesias, ouve músicas, participa de atividades variadas, canta, dramatiza, enfim, que utiliza as várias linguagens, amplia seus repertórios linguísticos e culturais e sua visão de mundo. Quanto mais experiências ela tem, mais enriquece suas práticas de leituras e de mundo, porque, segundo Larrosa (2002a, p. 137), “tudo o que passa pode ser considerado um texto [...] algo a que temos de prestar a atenção. É como se os livros, assim como as pessoas, os objetos, as obras de arte, a natureza, ou os acontecimentos que sucedem ao nosso redor quisessem nos dizer alguma coisa”. Desse modo, não existe experiência sem o sujeito da experiência, porque o sujeito é quem experimenta. Nessa perspectiva, destaca-se dentro do conceito de experiência o “sujeito da experiência”, descrito por Larrosa (2004, p. 160) como o “território de passagem, algo como superfície de sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos”. Para o autor (ibidem, p. 161), o sujeito, nas práticas de leituras, [...] é um sujeito ex-posto. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a exposição (nossa maneira de pôr-nos), nem a o-posição (nossa maneira de opornos), nem a im-posição (nossa maneira de impor-nos), nem a pro-posição (nossa maneira de propor-nos), mas a ex-posição (nossa maneira de ex-por-nos), com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se expõe. É incapaz de experiência aquele a que nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada lhe toca, nada lhe chega, nada lhe afeta, a quem nada lhe ameaça, a quem nada lhe fere. Nas palavras de Larrosa, esse sujeito da experiência, sendo um sujeito “ex-posto”, que está aberto à “transformação” ou à “de-formação”, está ativo para as experiências de leituras cada vez mais complexas e variadas. As leituras apresentam-se através de vários instrumentos, e a tecnologia revolucionou os modos de interação entre suporte e leitor. Então o sujeito da experiência está “ex-posto” a novos modos de leituras. No século XX, multiplicam-se os meios considerados da mídia de massa: sonoros: telefone, rádio, podcast; escritos: livros, jornais, diários, revistas; audiovisuais: televisão, cinema; multimídias: diversos meios simultaneamente; hipermídias: TIC, CD-ROM, TV, ebook, hiperlivro, digital e internet, que agrupa as multimídias (diversos meios simultaneamente, como escritas e audiovisuais), formando um conjunto com a hipertextualidade (caminhos não lineares de leitura do texto). Essas rápidas transformações, 17 na opinião de Munari (2011), aconteceram porque “a humanidade modificou e ampliou os meios de leituras, buscando aquilo que fosse mais prático: mais rápido, portátil – o livro digital [...]”, presente para a geração Z5. Assim, como a internet e as demais conexões com o mundo mudam as maneiras de ler – do livro ao hiperlivro6, por exemplo –, cabe à escola saber como as novas gerações utilizam os suportes para lerem. No espaço da escola de hoje, percebe-se a presença de uma geração que utiliza a leitura virtual. A maioria das crianças possui um telefone celular, mesmo os alunos do 1º ano do Ensino Fundamental. Também usam os computadores para realizar pesquisas escolares. Os alunos dominam esses aparelhos, utilizando habilidades de leituras distintas das leituras de um texto. Como essas tecnologias passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas, as escolas, através de suas mantenedoras, instalaram laboratórios de informática, para o acesso daqueles alunos que não têm computador e internet em casa. A sociedade contemporânea abre um espaço enorme para que a leitura da palavra transforme-se em um processo cultural ampliado, e que sejam dadas às crianças oportunidades de diálogo num processo interativo e linguístico. É na escola que se amplia o domínio dos níveis de leitura e escrita, que orienta para a escolha de textos diversificados e desenvolve as relações entre leitura e sujeito em todas as suas interfaces. O professor tem a possibilidade de apurar o olhar e orientar, juntamente com as crianças, para aquelas áreas em que se dão os cruzamentos entre textos narrativos e ilustração. A leitura, como destaca Coelho (2000, p. 16), [...] estimula o exercício da mente; a percepção do real em múltiplas significações; a consciência do eu em relação ao outro; a leitura do mundo em seus vários níveis e, principalmente, dinamiza o estudo e conhecimento da língua, da expressão verbal significativa e consciente – condição sine qua non para a plena realidade do ser. Sabemos que o Brasil é um país de pessoas que não têm o hábito da leitura (CASEMIRO, 2002) ou leem pouco e mal. A prática da leitura é uma experiência que não faz parte do cotidiano de muitos brasileiros, que não têm acesso a livros e outras formas de comunicação escrita em seus lares. Com base nos dados de pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), sabe-se que, no Brasil, os estudantes da educação básica são os que têm o menor número de livros em casa. Entre os países 5 A grande nuance dessa geração é zapear. Daí o Z. Em comum, essa juventude muda de um canal para outro na televisão. Vai da internet para o telefone, do telefone para o vídeo e retorna novamente à internet. Também troca de uma visão de mundo para outra, na vida. 6 Para Munari (2011), o hiperlivro é portador de um texto que se transforma a partir dele, como aconteceu na passagem do rolo para o códice e deste para o livro. 18 pesquisados, o Brasil está em último lugar em leitura em casa, revelando, assim, a situação socioeconômica das famílias (CASEMIRO, 2002). Nas conversas entre professores, outro ponto que chama atenção é que é comum ouvir no cotidiano escolar, desde os Anos Iniciais, falas sobre a relação educando/ato de ler, como: “os alunos não sabem ler”; “esses alunos não leem”; “o que fazer para que estes alunos leiam?”; “os alunos não têm capacidade para ler”. A leitura, entre os professores, também se manifesta de forma frágil. Quando da minha chegada com livros recebidos do governo federal por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e expostos sobre a mesa dos professores para apreciação, ouvi alguns comentários, como: “não tenho tempo para ler”; “não venha com este monte de livros”... Dos dez professores que estavam ali, seis reviraram as obras para encontrar algo de seu interesse e quatro levaram livros para ler. Alguns, ainda, nem olharam para os livros, e outros disseram: “gostaria de ler todos, mas não sei quando”. Situação semelhante aconteceu com o jornal7 que foi posto sobre a mesa dos professores. As reações foram as mais diversas. A maioria nem olhou. Alguns levantaram e saíram, outros desviaram o olhar. Apenas uma pegou o jornal para fazer as palavras cruzadas. Esta pesquisa pretende debruçar-se sobre as práticas de leituras vividas pelos sujeitos (alunos) na interação escolar. Assim, olharei para as práticas escolares de leituras. Foucault (2004) sensibiliza-nos a olhar as práticas em que os sujeitos estão envolvidos, seus modos de operação, seus discursos, seus esquemas, suas ações, e não diretamente para os sujeitos. Ou seja, olhar como essas práticas de leituras constituem a subjetividade dos sujeitos pesquisados, como a leitura afeta o seu modo de ser e viver a realidade. Na opinião de Larrosa (2002a, p. 133), Pensar a leitura como formação implica pensá-la como atividade que tem a ver com a subjetividade do leitor (modos de subjetivação): não só com o que o leitor sabe, mas, também com aquilo que ele é. Trata-se de pensar a leitura como algo que nos constitui ou nos põe em questão naquilo que somos. Desse modo, o objetivo desta pesquisa é analisar as práticas escolares de leituras de 12 alunos, quatro por turma. Considerando que as turmas do 4º, do 5º e do 6º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira, do município de Eugênio de Castro/RS), têm em média 20 alunos, essa amostra corresponde a 20% do total de alunos por turma. 7 A escola mantém a assinatura do jornal Zero Hora, de circulação diária. 19 Desse modo, lanço as seguintes perguntas de pesquisa: Quais práticas de leituras são mobilizadas, pelos alunos, no contexto escolar? O que, como e onde leem? Com quem leem? Para Minayo (2008, p. 16), “toda investigação se inicia por uma questão, por um problema, por uma pergunta, por uma dúvida”. E, assim, inicio por estas perguntas. Inicialmente, busquei mapear dissertações publicadas nos últimos cinco anos que tratassem da leitura na escola. Para tanto, busquei em bancos de dados, teses e dissertações, como os sites do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), da Biblioteca Pública Digital, o SciElo (Scientific Eletronic Library Online), através do site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Busquei dissertações e teses já concluídas a partir de palavras-chave e também da combinação de algumas palavras, como: leitura, leitura-escola, leitura-aluno-ensino fundamental, práticas de leituras. Em algumas dessas dissertações, tive acesso ao texto integral; em outras, somente aos resumos. Trago-as aqui na direção de pontuar um certo estado de arte, pois nesses trabalhos há elementos que relacionam a temática das práticas de leitura na escola. Buscando essa interligação, encontrei a dissertação de mestrado A leitura nas classes populares: uma investigação na 5ª Série do Ensino Fundamental, desenvolvida por Tatiana Anflor (2007) junto a alunos e professores, através de entrevistas. Em suas análises, a autora destaca a descrição das experiências de leitura dos alunos de 5ª série. Os resultados permitem pensar na importância da escola no empenho de proporcionar práticas que levem as crianças a ler e escrever a sua própria história de leitura, transformando assim o quadro constatado de pouco convívio das classes populares com as obras literárias. A dissertação de Érica Alves (2008), Estratégias de leitura e a (re) significação de uma prática de leitura, apresentou como resultados a importância da aplicação de estratégias de leituras para a construção de sentidos do texto. Uma vez que tais procedimentos envolvem aspectos cognitivos e metacognitivos, o leitor levanta hipóteses, valida-as ou não, preenche as lacunas que o texto apresenta, o que o leva a refletir e controlar seu próprio conhecimento. A dissertação de Josilene da Silva (2011), (Re) descobrindo o prazer da leitura: uma interação entre teoria e prática em sala de aula, discorre sobre o interesse pela leitura lúdica e prazerosa que acompanha a criança desde o seio familiar até o 5º ano do Ensino Fundamental. Como resultados, a autora indicou que a maioria dos alunos pesquisados foi capaz de (re)descobrir a leitura lúdica, prazerosa. Com o intuito de preencher os espaços da alma com expressivas obras de grandes autores, esses alunos perceberam que o poético é capaz de tocar a nossa sensibilidade e desenvolvê-la. 20 Trago essas pesquisas para dizer que me aproximo em termos de recorte das práticas de leituras no Ensino Fundamental, porém detenho-me a pesquisar as práticas de leituras do 4º ao 6º ano do Ensino Fundamental. A imagem a seguir ilustra como a leitura provoca o leitor e leva-o a fazer descobertas encantadoras. A leitura utiliza-se da capacidade do leitor de transformar as palavras em imagens. Enquanto ele lê as palavras, em sua mente tudo acontece como se fosse um filme, ouve os sons, sente os gostos, se emociona com os personagens e ao final sente saudades da história que leu. Este é o poder da leitura. Figura 3 – A magia da leitura Fonte: COIMBRA, (2013, p. 46) 21 2 AS PRÁTICAS DE LEITURAS E O CAMPO TEÓRICO Neste capítulo, inicialmente compartilho alguns aspectos sobre fragmentos históricos da leitura, com a intenção de destacar a relevância desta nas sociedades e nos diferentes tempos históricos. Discuto também os elementos pedagógicos das práticas de leituras. 2.1 FRAGMENTOS HISTÓRICOS DO ATO DE LER O ato de ler, conforme Manguel (1997), é considerado uma passagem, sendo comemorada como um ritual importante. Considerei relevante essa posição porque percebo que nas classes de alfabetização há geralmente pouca valorização desse ato. A partir de falas do tipo “Se aprendeu a ler passa de ano, se não aprendeu fica mais um ano”, entrega-se ao educando a tarefa de aprender a ler e ainda se expõe um entendimento de que ler é algo fácil, sem muita importância. Em princípio, o ato de ler é uma ação do intelecto, das emoções, em que o sujeito utiliza seus conhecimentos prévios, suas experiências e transforma as informações culturalmente construídas. Manguel (ibidem, p. 20) afirma que “ler [...] vem antes de escrever. Uma sociedade pode existir – existem muitas, de fato – sem escrever, mas nenhuma sociedade pode existir sem ler”. Existem vários modos de ler que não empregam as palavras, e sim diferentes signos, que são oferecidos ao indivíduo, o qual tem a tarefa de decifrá-los, como descreve Manguel (ibidem, p. 20): Mesmo em sociedades que deixaram registros de sua passagem a leitura precede a escrita; o futuro escritor deve ser capaz de reconhecer e decifrar o sistema social de signos antes de colocá-lo no papel. Para a maioria das sociedades letradas – para o islã, para sociedades judaicas e cristãs como a minha, para os antigos maias, para as vastas culturas budistas –, ler está no princípio do contrato social; aprender a ler foi meu rito de passagem. Para as civilizações letradas, [...] aprender a ler tem algo de iniciação, de passagem ritualizada para fora de um estado de dependência e comunicação rudimentar. A criança, aprendendo a ler, é admitida na memória comunal [...] familiarizando-se assim com um passado comum que ela renova, em maior ou menor grau, a cada leitura. (ibidem, p. 89-90). O autor destaca que, em cada época, os métodos de ensino da leitura assumiam formas diferentes. Cada membro da sociedade, em uma idade específica, era iniciado no mundo letrado conforme sua cultura, cada uma com suas características. 22 Na sociedade judaica, medieval, por exemplo, o ritual de aprender a ler era celebrado explicitamente. Na festa do Shavuot, quando Moisés recebia a Torá das mãos de Deus, o menino a ser iniciado era envolvido num xale de orações e levado por seu pai ao professor. Este sentava o menino no colo e mostrava-lhe uma lousa onde estava escrito o alfabeto hebraico, um trecho das escrituras e as palavras “Possa a Torá ser tua ocupação”. O professor lia em voz alta cada palavra e o menino as respondia. A lousa então era coberta com mel e a criança a lambia, assimilando assim, corporalmente, as palavras sagradas. (MANGUEL, 1997, p. 90). Na sociedade medieval, todos os meninos e a maioria das meninas dos clérigos tinham acesso à aprendizagem da leitura desde muito cedo, e isso começava na família. Já na “sociedade cristã da baixa Idade Média e começo da Renascença aprender a ler e escrever – fora da Igreja – era o privilégio mais exclusivo da aristocracia e (depois do século XI) da alta burguesia” (ibidem, p. 90). Manguel destaca o papel da leitura, mas também adverte que esse aprendizado exige da criança maturidade intelectual, conforme as instruções contidas em um manual escrito no século I, na Europa: Quintiliano escreveu um manual pedagógico de 12 (doze) volumes, o Institutio Oratória de grande influência durante a Renascença. Nele aconselhava: Há quem defenda que os meninos não devem aprender a ler antes dos sete anos de idade, sendo essa a idade mais tenra em que podem tirar proveito da instrução e suportar a tensão de aprender. (ibidem, p. 91). Naquela época, havia distinção entre o acesso ao ensino da leitura entre meninos e meninas. Esse ensino era oferecido de várias formas: Depois do aprendizado das primeiras letras, contratavam-se professores como tutores particulares (se a família tivesse condições financeiras) dos meninos, enquanto a mãe se ocupava da educação das meninas. Embora no século XV os lares abastados em geral tivessem o espaço, a tranquilidade e o equipamento para oferecer o ensino em casa, a maioria dos estudiosos recomendava que os meninos fossem educados longe da família, na companhia de outros meninos. Os moralistas medievais, entretanto, questionavam acerbamente os benefícios da educação – pública ou privada – para as meninas. (ibidem, p. 91-92). O aprendizado das meninas era considerado perigoso pelos moralistas medievais, pois o acesso ao conhecimento poderia representar certa liberdade de pensamento, como Manguel (ibidem, p. 92) descreve: “não é apropriado que as meninas aprendam a ler e a escrever, exceto se quiserem ser freiras, pois de outra forma poderão, chegada a idade, escrever ou receber missivas amorosas”. O acesso das meninas ao mundo letrado era restrito. Do final do século XI até o século XIV na Europa, iniciou-se uma nova era da história da leitura: a união da leitura e escrita como sendo uma o complemento da outra, conforme destaca Ribeiro (2008, p. 5): Com o desenvolvimento da alfabetização, as práticas de escrita e as práticas de leitura antes separadas, aproximaram-se tornando-se função uma da outra: lê-se para 23 escrever e escreve-se para leitores. A escola agora é vista como o principal espaço onde se dará o ensino da leitura. O método escolástico era voltado para a leitura tecnicizada. Não se aprendia a ler por prazer, mas, sim, como uma ação técnica, na perspectiva da memorização. A capacidade de memória levou as pessoas, com o tempo, a não consultar mais as obras originais, mas trechos de textos selecionados por outros. Manguel (1997, p. 95-96) destaca: Poucos estudantes eram suficientemente ricos para comprar livros, e com frequência apenas o professor possuía esses volumes caros. Ele copiava no quadro-negro as complicadas regras de gramática – geralmente sem explicá-las pois, de acordo com a pedagogia escolástica, a compreensão não era uma exigência do conhecimento. Os alunos eram então forçados a aprender as regras de cor. Como seria de se esperar, os resultados eram amiúde decepcionantes. O método escolástico, ainda muito presente entre nós, destinava-se a manter o controle sobre o conhecimento a serviço do status quo. Para Manguel (1997, p. 92-93), consistia em “treinar o estudante a considerar um texto de acordo com certos critérios preestabelecidos e oficialmente aprovados, os quais eram incutidos neles às custas de muito trabalho e muito sofrimento [...] o ensino da leitura dependia mais da perseverança do aluno que de sua inteligência”. Assim, na segunda metade do século XV, o método escolástico começou a perder forças, abrindo espaço para modelos de ensino mais liberais. Ribeiro (2008, p. 6) conta que “a leitura vai se tornando responsabilidade do leitor no que tange à ligação do ato de ler com seu próprio mundo e experiências pessoais, afirmando sua autoridade sobre o texto”. Na Idade Moderna, mais precisamente nos séculos XVI a XIX, surgem em alguns países europeus novas categorias de leitores, condicionados às práticas de leituras escolares e à industrialização. A revolução causada pelo livro impresso – marcante no avanço tecnológico – trouxe rapidez e uniformidade aos textos. Para Ribeiro (ibidem, p. 6), Em países de forte tradição católica, os leitores procuraram desviar os olhos da censura, que insistiam cravar obstáculos para leitura de textos vistos como portadores de ideias perigosas contra a autoridade da Igreja e dos soberanos absolutos. A leitura no mundo contemporâneo, do século XIX aos dias atuais, “conhece uma nova dispersão dos modelos de leitura em virtude do crescimento geral da alfabetização e do uso da cultura impressa por novas classes de leitores (as mulheres, as crianças, os operários)” (ibidem, p. 10). Para Ribeiro (ibidem, p. 10), as mulheres do século XIX, “em decorrência da diminuição das taxas de analfabetismo, emergiram como público leitor, consumidor principal 24 dos livros de culinária, revistas e romance”. Igualmente ocorreu com as crianças do século XIX: Com a expansão da educação primária, tiveram um maior acesso ao mundo letrado. Mas o aprendizado da leitura de maneira tradicional, na maioria das vezes, era realizado através de cartões sem contato com os livros; a capacidade para ler era uma atividade que exigia paciência e repetição de exercícios. (RIBEIRO, 2008, p. 10). Ao propor-me a pesquisar sobre as práticas de leituras dos alunos, iniciei a busca por materiais de estudos que pudessem conduzir-me a um caminho a seguir. No trajeto dessa busca, descobri que também a leitura tem sua história. Na seção seguinte, apresento que o ato de ler é complexo e depende de alguns elementos para constituir-se. 2.2 OS ELEMENTOS DA LEITURA Aprender a ler, para Manguel (1997), é entendido como a passagem do estado de dependência para a autonomia de pensamento. Essa passagem é um processo doloroso e difícil para a criança, que exige a observação de alguns elementos centrais do processo de formação da leitura, como a língua, a linguagem, ler, leitura, leitura de mundo, leitura de um texto, ser leitor e alguns tipos de leitores. Para compreender melhor cada conceito, dialogo com alguns autores como Freire (1994, 1996, 2000), Foucambert (1994) e Santaella (2004). Para entender a complexa trama que envolve o ato de ler, inicio conceituando língua. Por que abordar, no entanto, o conceito de língua? Porque desde que nascemos somos parte da sociedade da comunicação, aprendemos a falar a língua materna. O Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2004, p. 459) diz que língua “é o conjunto das palavras e expressões, faladas ou escritas, usadas por um povo ou uma nação e o conjunto de regras da sua gramática”. Para Freire (1994), porém, o conceito de língua vai muito além; assume um papel social e cultural. Para o autor, língua é [...] a força mediadora do conhecimento; mas também é, ela mesma, conhecimento. Creio que tudo isto passa também através das classes sociais. Uma pedagogia crítica propõe essa compreensão cultural dinâmica e contraditória, e a natureza dinâmica e contraditória da educação como um objeto permanente de curiosidade por parte dos educandos. (ibidem, p. 35). Nessa língua, que é diferente conforme seu povo ou nação, aprende-se a palavra, que é a essência da comunicação. Larrosa (2002b, p. 21) explica: O homem é um vivente com palavra. E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas 25 que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo o humano tem a ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver próprio do vivente, que é o homem, se dá em palavras. Larrosa (2002b, p. 21) chama a atenção para o que representam as palavras: são produção de sentidos e de poder que traduz pensamentos: As palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. As palavras são usadas para expressar pensamentos, mas não usadas de qualquer forma. O sujeito que usa a palavra para expressar os pensamentos, tanto falados quanto escritos, busca aprimorar esses usos para ser entendido. Na opinião de Frantz (2006, p. 13), Palavras são como pontes que ligam os pensamentos, as experiências, os interesses e as necessidades dos seres humanos entre si. Entrelaçar pensamentos, experiências, interesses e necessidades, pela ponte das palavras, requer também capacidade de leitura [...] implica exercícios complexos de comunicação social, de expressão verbal. O poder de uso das palavras é o ponto central da distinção entre os seres humanos e os animais. São as palavras que permitem ao ser humano a incrível capacidade de comunicação verbal, porém, ao mesmo tempo, o ser humano busca a adaptação ao mundo das palavras, as quais se modificam. Para tanto, utiliza a linguagem falada ou escrita. Revisando a definição de linguagem, o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2004, p. 461) traz que linguagem é “o uso da palavra articulada (na voz) ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre as pessoas”. Nós, humanos, nos constituímos pela linguagem. Por meio dela e na troca com os outros, produzimos conhecimentos, tomamos consciência, reinterpretamos a condição humana e nos posicionamos. A capacidade de ler reserva-se aos seres humanos e, além de ser a habilidade que os humaniza, torna-os forte, permitindo o acesso ao conhecimento e ao poder, desenvolve o pensamento e possibilita a autonomia. Manguel (2011, p. 11) afirma: Ler é extensão de uma função biológica. Certos animais usam de camuflagem e outros criam defesas para atuar no mundo. Nossa espécie desenvolveu a imaginação. Uma forma de construir o mundo antes de experimentá-lo. Se posso imaginar como é por a mão na boca de um tigre, sim, vou por a mão. A imaginação faz com que inventemos histórias para reter nossa experiência. Para conhecê-las, desenvolvemos a leitura. Lemos e escrevemos para entender a experiência antes de tê-la e para ativar nossa própria experiência, para dizer que essa é a forma que sentimos e entendemos, para que as gerações futuras possam sabê-las. 26 Para Boufleuer (2001, p. 65), “quando vinculamos o conhecimento à mediação da linguagem nós o entendemos, também, como uma relação social argumentativa, ou seja, como prática social”. O uso da linguagem para representar o pensamento simbólico é capacidade exclusiva dos seres humanos, diante da necessidade de convivência coletiva e da organização em sociedade, pela qual, inclusive, nos distinguimos dos demais seres. A criança, quando chega à escola, traz consigo uma língua conhecida que aprendeu na sua vivência social e cultural, chamada dialeto. No espaço escolar, essa criança conhece as possibilidades de uso padrão da língua, considerando-se que em certas situações de comunicação são exigidos graus de formalidade para a linguagem oral. Vincula-se, assim, o aprendizado da língua ao conhecimento de formas de uso padrão. Nas classes de alfabetização, percebe-se certa dificuldade das crianças em adaptar a linguagem conhecida à linguagem formal padrão. A tendência é escrever como se fala, e é no espaço escolar que a criança irá perceber que essa língua conhecida passa por algumas modificações, tanto na escrita quanto na leitura. Sendo assim, saber ler, para Freire (2000), “é um processo difícil, que exige maturidade e persistência do sujeito, mas ao mesmo tempo prazeroso”. Para o autor, ler implica “que o leitor (a) se adentre na intimidade do texto para aprender sua mais profunda significação. Quanto mais fazemos o exercício disciplinadamente, vencendo todo o desejo de fuga da leitura, tanto mais nos preparamos para tornar futuras leituras menos difíceis” (ibidem, p. 76). Quando uma criança consegue ler uma palavra, é visível sua satisfação. Ela demonstra o quanto é doloroso ler, mas também a alegria ao perceber que conseguiu fazê-lo. A partir da leitura da palavra, a criança mentalmente relaciona que tudo o que está ao seu redor pode ser escrito e, principalmente, lido. Relato essas situações por acompanhar as classes de alfabetização na escola pesquisada e ter a oportunidade de ensinar muitas crianças a ler. É inesquecível ver os olhos brilhando das crianças quando descobrem que sabem ler, nem que seja somente uma palavra. Ao aprender a ler, a criança começa a fazer relações com o mundo. Sente-se pertencente ao mundo das letras. Percebo na escola pesquisada que os índices de casos de indisciplina nos três Anos Iniciais têm como um dos motivos o não saber ler. E isso gera conflitos internos nas crianças, que afeta as relações entre os seus pares, pois se demonstra o sentimento de não pertencer ao mundo letrado. Ao aprender a ler, as crianças se tranquilizam, pois superaram a dor de não saber ler. Nesse sentido, Foucambert (1994, p. 5) contribui lembrando que “ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas 27 respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é”. Dedico-me neste momento a pensar sobre o conceito de leitura. Para Foucambert (1994, p. 8), por exemplo, a palavra leitura nos abre um leque de possibilidades de entendê-la: para o autor leitura “é a atribuição de um significado ao texto escrito”. Ele ainda explicita que, para ler, o sujeito utiliza conhecimentos prévios necessários ao leitor, para que ele entenda o que vai ser lido e como encontrar as informações que precisa. A leitura exige do leitor bem mais informações a respeito do que vai ler. Isso pode ser percebido durante um diálogo entre a professora e uma criança do 1º ano do Ensino Fundamental. A professora pediu a um aluno para ler a palavra casa. Com muito esforço, a criança foi decifrando as sílabas, fazendo suas hipóteses de leitura, soletrando e juntando os sons das letras para formar a palavra. Ao terminar, estava toda suada em razão do esforço feito para ler. Ela olhou para a professora e disse: “Aqui está escrito casa?” “Sim”, respondeu a professora. E a criança disse: “Então já sei ler casa?”. Nessa situação, é útil observar a explicação de Foucambert (ibidem, p. 9): É um erro acreditar que uma palavra nova é simplesmente somada às que a criança já conhece: na verdade, a palavra nova obriga todo o sistema a se reorganizar. Por extensões e conflitos, por ensaios e erros, por equilíbrios e questionamentos. A criança elabora um sistema que explica, teoriza e organiza suas práticas de leitor. A leitura apresenta-se de várias formas. Uma leitura pode ser oral e silenciosa. Essas leituras estão diretamente ligadas às modalidades físicas do leitor. Como explica Chartier (2011, p. 82), o ato léxico “distingue uma leitura silenciosa, que é apenas o percurso dos olhos sobre a página, e uma outra que necessita da oralização, em voz alta ou baixa”. Durante a pesquisa na escola, observei que os alunos demonstram diferentes modos de leituras. A grande maioria lia em silêncio, mas alguns poucos precisavam ler em voz alta para entender o que estavam lendo. Assim, as leituras podem ser classificadas em: leitura oral (em voz alta): que, para Cagliari (2009, p. 142), é “decifrar o que está escrito e depois reproduzir oralmente o que foi decifrado”; leitura silenciosa, que, na concepção de Cagliari (2009, p. 138), [...] é muito mais comum entre as pessoas. Sua importância para a vida da maioria delas é muito maior que a dos outros tipos de leitura. A leitura visual tem grandes vantagens sobre os outros tipos de leitura, não só não inibe o leitor por questões linguísticas, como permite ainda uma velocidade de leitura maior, podendo ele parar onde quiser e recuperar passagens já lidas, o que a leitura oral de um texto não costuma permitir. Daí a conclusão de algumas pessoas de que a leitura silenciosa favorece mais a reflexão sobre o texto. 28 Para Freire (1996, p. 30), a leitura “crítica me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou, e de cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito”. Muito antes de uma criança saber que existem palavras para ler, ela já lê tudo o que está ao seu redor na interação com o mundo. É essa leitura que Freire denomina leitura de mundo; a leitura que “revela, evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo” (ibidem, p. 139). Para saber ler, no entanto, o sujeito utiliza-se das palavras e também da leitura de mundo. Para realizar a leitura, Freire (1994, p. 22) destaca que esta “implica sempre percepção crítica, interpretação e ‘re-escrita’ do lido” (grifo do autor). Ler um texto, portanto, é [...] algo mais demandante. Ler um texto não é “passear” licenciosamente, pachorrentamente, sobre as palavras. É apreender como se dão as relações entre as palavras na composição do discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde, determinado. Ler, enquanto estudo, é um processo difícil, até penoso, às vezes, mas sempre prazeroso também. (idem, 2000, p. 76). É na escola ainda que se vive o momento de formação do sujeito leitor ou não. Ser leitor, para Foucambert (1994, p. 30), é “querer saber o que se passa na cabeça do outro para compreender melhor o que se passa na nossa”. Cabe ao leitor ter acesso aos escritos socialmente produzidos, tendo a capacidade de escolher o que irá ler e onde encontrar o que quer ler. A partir da concepção do “ser leitor”, temos ainda os “tipos de leitores”, que, conforme Santaella (2004, p. 19), são: leitor contemplativo, meditativo: da idade pré-industrial; o leitor da era do livro impresso e da imagem expositiva, fixa; leitor movente, fragmentado: é o leitor do mundo em movimento, dinâmico, mundo híbrido, de misturas sígnicas, um leitor que é filho da Revolução Industrial e do aparecimento dos grandes centros urbanos. O homem na multidão. Esse leitor, que nasce com a explosão do jornal e com o universo reprodutivo da fotografia e do cinema, atravessa não só a era industrial, mas mantém suas características básicas quando se dá o advento da revolução eletrônica, era do apogeu da televisão; leitor imersivo, virtual: esse tipo de leitor é aquele que começa a emergir nos novos espaços incorpóreos da virtualidade. 29 Depois de apresentar essa base de reflexão sobre a complexidade do ato de ler e seus elementos, abordo como a leitura contribui para a construção da subjetividade do leitor. 2.3 A PRÁTICA DA LEITURA: CONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO DO SUJEITO A leitura tem o poder de despertar em nós regiões que estavam até então adormecidas. Tal como o belo príncipe do conto de fadas, o autor inclina-se sobre nós, toca-nos de leve com suas palavras e, de quando em quando, uma lembrança escondida se manifesta, uma sensação ou um sentimento que não saberíamos expressar revela-se com uma nitidez surpreendente. (PETIT, 2008, p. 7). A citação acima mostra como a leitura mexe com as emoções do sujeito. A forma como o escritor usa as palavras para tocar o leitor contribuem na constituição da subjetividade do leitor. São os escritores que usam as palavras para dizer o que há de mais íntimo em nós, como às vezes acontece conosco quando estamos lendo um livro, “este livro parece que foi escrito para mim”. São as leituras que revelam as pessoas que leem algo que estava oculto, o leitor identifica-se com o texto. Segundo Petit (2009, p. 266), “os livros são hospitaleiros e nos permitem os exílios de que cada vida é feita, pensá-los, construir nossos lares interiores, inventar um fio condutor para nossas histórias, reescrevê-las dia após dia”. Assim, a prática da leitura é uma experiência singular na vida de cada leitor. A prática de leitura tem capacidade de transportar o leitor para outros lugares, outros mundos, sem o leitor sair do lugar. Nesse sentido, ela está sendo incentivada aos detentos das penitenciárias, que através da leitura podem ultrapassar os muros dos presídios e habitar outros lugares, outras paisagens, conhecer outras culturas e outros povos. Martha Medeiros, em uma reportagem publicada no jornal Zero Hora, com o título Livro, um alvará de soltura, destaca a importância da leitura para os detentos de penitenciárias federais, que ao ler poderão ter suas penas diminuídas: “a cada publicação lida, a pena será diminuída em quatro dias, de acordo com a Portaria 276 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). No total a redução poderá chegar a 48 dias em um ano, com a leitura de 12 obras” (MEDEIROS, 2012, p. 34). Para demonstrar que leu, o detento precisa elaborar uma resenha da obra lida. Por acreditar que a leitura pode transformar a realidade e os sentimentos desses sujeitos que estão em outro mundo que não é o seu, a reinclusão destes na sociedade pode se dar através destas leituras, que permitem construção/reconstrução dos sujeitos. A autora ainda aponta: Leitura = liberdade ao alcance. Não é preciso ser criminoso para estar preso. O que não falta é gente confinada na ignorância, sem saber como escrever corretamente as palavras, como se vive em outras culturas, como deixar o pensamento voar. O livro é um passaporte para um universo irrestrito. O livro é a vista panorâmica que o presídio não tem, a viagem pelo mundo que o presídio impede. O livro transporta, transcende, tira você de onde você está. (ibidem, p. 34). 30 A leitura proporciona um momento para que o sujeito pare para pensar em si, na sua vida. A leitura oferece ao leitor a oportunidade de refletir sobre suas atitudes, um encontro com o seu interior para poder reorganizar-se. Para Petit (2009, p. 141), “a leitura favorece as transições entre corpo e psiquismo, dia e noite, passado e presente, dentro e fora, perto e longe, presente e ausente, inconsciente e consciente, razão e emoção. E entre eu e os outros”. Por isso, na sala de aula, a prática da leitura – a partir de histórias, por exemplo – ajuda a resolver muitos conflitos que acontecem com os alunos. Através da magia das palavras e do faz de conta, esses alunos vão se construindo para conviver em sociedade. É na adolescência que essas práticas se tornam importantes, como assevera Petit (2008, p. 79): O papel da leitura na construção de si mesmo é particularmente sensível na adolescência e na juventude, pode ser igualmente importante em todos os momentos da vida em que devemos nos reconstruir: quando somos atingidos por uma perda; uma angústia, seja por um luto, uma doença, um desgosto de amor, o desemprego, uma crise, todas as provas que são constituídos nosso destinos, todas as coisas que afetam negativamente a representação que temos de nós mesmos, o sentido de nossa existência. Essa construção de si mesmo está na íntima relação que o sujeito estabelece com o livro. A prática da leitura das obras literárias, na composição com a estrutura da linguagem, permite ao sujeito essa construção. É o que acontece com clássicos como os Contos de Grimm: são livros com histórias muito antigas, mas também atuais, que passam de geração em geração. Minha avó os lia para mim, eu lia para os meus filhos. Com certeza já lemos muitas vezes essas histórias, nelas encontramos um pouco de nós mesmos, temos um pouco de Cinderela, um pouco de Branca de Neve. Essas leituras permitem ao leitor a leitura de si mesmo e do mundo à sua volta. A capacidade de prática da leitura ou a falta desta pode ser fator de inclusão/exclusão. Para Petit (ibidem), a ausência das palavras escritas causa um abismo cultural. Na escola percebem-se os alunos que não dominam o ato de ler: quando são chamados a ler, negam-se, sentam-se no fundo da sala de aula, escondendo-se para que ninguém os veja, sentem-se excluídos do mundo letrado. Segundo Petit (ibidem, p. 72), “o que determina a vida dos seres humanos é em grande medida o peso das palavras, ou o peso de sua ausência”. Não me refiro aqui à decodificação das palavras, mas à leitura proficiente que esses alunos não realizam. A prática da leitura é um ato individual e significativo a todo sujeito. A cada leitura, ele amplia o seu capital cultural, se modifica e passa a fazer parte de uma sociedade em que o conhecimento oferece mais e melhores oportunidades profissionais a quem domina a arte de ler, e assim se distingue do outro. Nesse sentido, a prática de leitura também contribui para a formação de uma identidade coletiva. Assim, os alunos não proficientes na leitura estão 31 excluídos da ampliação de mundo que o sujeito elabora a partir das leituras que realiza. Após a prática de leitura, geralmente o sujeito já não é mais o que era ou pensava antes dessa leitura; algo mudou em si mesmo. Os alunos que não têm o hábito de ler apresentam dificuldades em todas as disciplinas, não só nas linguagens, mas também nas disciplinas em que são realizados cálculos. Petit (2009, p. 284) complementa: A literatura em particular, sob todas as suas formas (mitos e lendas, contos, poemas, romances, teatro, diários íntimos, histórias em quadrinhos, livros ilustrados), fornece um suporte notável para despertar a interioridade, colocar em movimento o pensamento, relançar a atividade de simbolização, de construção de sentido, e incita trocas inéditas de conhecimento. Para ler, utilizamos a língua, que é o instrumento de comunicação. O acesso a essa língua, tanto falada como escrita, define a posição do sujeito na sociedade, mas também pode representar uma barreira social. Certa vez, percebi que no caixa eletrônico de uma agência bancária estavam várias pessoas – mulheres e homens com idades entre 50 e 60 anos – em uma fila, a esperar pela funcionária da agência para sacar dinheiro, porque não sabiam realizar essa ação, para qual precisariam saber ler. Essa situação evidencia que tais sujeitos sempre estarão em situação de dependência de alguém que domina as palavras e a leitura para realizar atividades simples, como sacar dinheiro. É como explica Petit (2008, p. 70): Todas as pessoas, do campo ou da cidade, pensam que sem uma certa destreza no uso da língua não existe uma verdadeira cidadania. E que o iletrado é aquele que sempre necessita de assistência. Aquele que, também, ao dispor de poucas palavras, poucas expressões, é o mais frágil diante dos demagogos que fornecem respostas simplistas. Conhecer as palavras e saber usá-las emancipa o sujeito, permite a ele pertencer a uma sociedade e nela poder atuar, como aponta Petit (ibidem, p. 66): “a palavra é algo muito importante; [...] aquele que domina a escrita é necessariamente alguém que registra na memória sua experiência de vida e pode transmiti-la”. É o leitor, então, quem atribui sentido ao que lê, que compreende o que lê e que se transforma ao ler. No entanto a leitura pode acontecer de várias formas. O leitor lê não só as palavras, mas a leitura nos remete a infinitas dimensões: Leitores de livros, uma família em que eu estava entrando sem saber (sempre achamos que estamos sozinhos em cada descoberta e que cada experiência, da morte ao nascimento, é aterrorizantemente única), ampliam ou concentram uma função comum a todos nós. Ler as letras de uma página é apenas um de seus muitos disfarces. – o astrônomo lendo um mapa de estrelas que não existem mais; – o arquiteto japonês lendo a terra sobre a qual será erguida uma casa de modo a protegê-la das forças malignas; 32 – o zoólogo lendo os rastros de animais na floresta; – o jogador lendo os gestos do parceiro antes de jogar a carta vencedora; – a dançarina lendo as notações do coreógrafo e o público lendo os movimentos da dançarina no palco; – o tecelão lendo o desenho intrincado de um tapete sendo tecido; – o organista lendo várias linhas musicais simultâneas orquestradas na página; – os pais lendo nos rostos dos bebês sinais de alegria, medo ou admiração; – o adivinho chinês lendo as marcas antigas na carapaça de uma tartaruga; – o amante lendo cegamente o corpo amado à noite sob os lençóis; – o psiquiatra ajudando os pacientes a ler seus sonhos perturbadores; – o pescador havaiano lendo as correntes do oceano ao mergulhar a mão na água; – o agricultor lendo o tempo no céu– todos eles compartilham com os leitores de livros a arte de decifrar e traduzir signos. (MANGUEL, 1997, p. 19). Nessas infinitas dimensões, cabe ao leitor ler e dar sentido aos signos. Alguns desses signos foram criados pelo conhecimento, outros foram criados ao acaso. Contudo todas essas leituras dependem do leitor para a sua legibilidade. 2.4 A PRÁTICA DA LEITURA: AMPLIAÇÃO DO VOCABULÁRIO Por meio da leitura, penetramos no universo das palavras e no que elas dizem. Ao penetrar no universo das palavras, o leitor se entrega, sente, reage, é desafiado. Quanto mais uma criança lê, mais amplia e constrói o seu vocabulário. Nas palavras de Petit (2008), ela se refere ao uso mais desenvolto da língua, que insere o sujeito na sociedade. Quando se diz que um sujeito sabe ler e escrever, ele está alfabetizado, mas só será um sujeito ativo se souber utilizar essa língua para mudar a sua realidade. O acesso à língua, para a autora (ibidem, p. 66), é “o passaporte essencial para encontrar um lugar na sociedade, essa língua difere das faladas em família e na rua e conhecêla bem assegura um certo prestígio”. A prática da leitura leva o sujeito a perceber e compreender as relações existentes no/do mundo. Nesse sentido, a prática da leitura se inicia com a decodificação dos signos que compõem a linguagem escrita convencional, mas que não se restringe apenas à decodificação desses signos, pois o ato de ler requer do leitor a capacidade de interação com o mundo que o cerca. Saber ler é sentir-se pertencente culturalmente a um grupo. Saber ler é uma prática singular do sujeito e de cidadania a um mundo mais ampliado. Porém “a leitura, na realidade, é uma promessa de não pertencer somente a um pequeno círculo [...] a leitura permite romper o isolamento e possibilita o acesso a espaços mais amplos” (ibidem, p. 96). Quando lemos, trazemos à tona valores atitudes e crenças que revelam o grupo social a que pertencemos, que estão ligados às nossas raízes e, consequentemente, à formação da cidadania. 33 A prática da leitura permite a esse sujeito usar a palavra para pertencer ao grupo dos leitores de livros que conversam entre si sobre as leituras, ampliar a sociabilidade, diminuir a exclusão e se expressar. Esse sujeito se torna ativo, capaz de traçar o seu próprio caminho, de tomar as suas decisões, de escrever a sua história. Para Petit (2008, p. 100), uma cidadania ativa se constrói através do ato de ler: Ler pode fazer com que a pessoa se torne um pouco mais rebelde e dar-lhe a ideia de que é possível sair do caminho que tinham traçado para ela, escolher sua própria estrada, sua própria maneira de dizer, ter direito a tomar decisões e participar de um futuro compartilhado, em vez de sempre se submeter aos outros. Essa cidadania se constrói com o acesso a outros suportes de leituras, com fontes de informações diversificadas, mais novas e modernas tecnologias de acesso à leitura como: quadrinhos, filmes, internet, televisão, entre outros. Esses suportes oferecem ao leitor, conforme Petit (ibidem, p. 101), a “leitura que auxilia a simbolizar, a se mover, a sair do lugar e a se abrir para o mundo [...]”. As leituras trabalham com o pensamento do leitor, mesmo sendo textos diversos, como explica Cavalcanti (2011, p. 25): Costuma-se atribuir só à produção literária traços que a tornariam mais importante que outras produções, como a presença de recursos expressivos ou a discussão de temas relevantes. Se se leva em conta a própria natureza da linguagem, sua não explicitude, seu caráter dialógico, admite-se que todos os textos dos mais ‘simples’ aos mais sofisticados, agenciam diferentes recursos linguísticos, manifestam diferentes vozes sociais, revelam, de forma explícita ou silenciosa, diferentes pontos de vista. Essas novas maneiras de ler exigem do leitor novas experiências de cognição e de conhecimento. As práticas de leituras e os modos de ler transformam-se em nome do progresso. Essas transformações acontecem muito rapidamente, e os sujeitos têm que se adaptar e utilizar esses recursos em um curto espaço de tempo. Assim, tais leituras e modos de ler oferecem cada vez mais marcas de um tempo pouco duradouro e incerto, que se manifesta em diferentes maneiras de ler esses suportes textuais que a tecnologia disponibiliza em instrumentos e materiais. É a abertura em uma direção que não é possível antecipar, colocando o texto para uma escuta, para uma forma de atenção, para causar inquietude, para oferecer uma abertura. A experiência de leitura é transformadora do sujeito e está impressa nele, naquilo que ele é. Assim, as práticas de leitura e escrita, ao mesmo tempo em que carregam traços da tradição discursiva oral e escrita, colocam-se diante de textos e práticas sociais inéditos. No entanto o que vai incluir esse sujeito é o acesso a novos textos e práticas de leituras. Nesse sentido, a leitura é a construção de uma cidadania mais ativa, que leva a uma transformação 34 da sociedade, pois oferece ao sujeito desenvolver a sua capacidade de expressão e compreensão do mundo à sua volta, o que contribui para que os jovens sejam sujeitos de seu destino, cada sujeito expressando o seu modo de ver, viver e compreender a leitura. Após a abordagem desses enfoques teóricos que nortearam a pesquisa, passo a apresentar o campo empírico e a pesquisa. 35 3 A PESQUISA E O CAMPO EMPÍRICO Nesta etapa da minha investigação, descrevo a metodologia utilizada, as ferramentas de pesquisa, o diário de bordo e a entrevista semiestruturada. O espaço escolhido para realizar a pesquisa, seus dados (localização, habitantes...), as características físicas, sociais, estruturais e pedagógicas. Com essa descrição, o leitor pode compreender o contexto e a realidade dos sujeitos estudados. 3.1 METODOLOGIA Nesta seção, descrevo a metodologia utilizada para o caminho da investigação, ou seja, a opção pelo estudo de caso de natureza qualitativa e de inspiração etnográfica. Para Viégas (2007, p. 104), “a pesquisa qualitativa admite que o pesquisador participa da cena pesquisada”, e a inspiração etnográfica8 revela-se útil, uma vez que descrevo as práticas de leituras nos espaços culturais em que atuo. Decidi pesquisar as práticas de leituras das turmas do 4º ao 6º ano do Ensino Fundamental por acreditar ser o período de transição entre os Anos Iniciais e Finais e por se tratar de crianças na faixa etária de 09 a 12 anos. O parecer CNE/CEB n. 11/2010 enfatiza que os três primeiros anos do Ensino Fundamental sejam considerados um bloco de alfabetização. A criança disporia, assim, de três anos de escolarização para dominar a leitura, a escrita e o cálculo. Sendo assim, o 4º ano seria a transição do bloco de alfabetização; no ano seguinte, o aluno passa por mais uma transição, a passagem dos Anos Iniciais para os Anos Finais do Ensino Fundamental, em que nos Anos Iniciais há só um professor para ensinar e nos Anos Finais vários professores se revezam em um só turno de aula. Isso exige uma nova organização, bem como a exigência de várias leituras. Esta pesquisa passou pelo Comitê de Ética da Unijuí com a aprovação do Parecer Consubstanciado n. 032/2012. Encaminhei o consentimento e solicitei a autorização formal da escola para iniciar minha pesquisa. Escolhi estudar as crianças que frequentam o 4º, o 5º e o 6º ano do Ensino Fundamental, por acreditar que o processo de alfabetização estaria e/ou deveria estar consolidado. 8 Para Viégas (2007), etnografia é um método de pesquisa oriundo da antropologia social, cujo significado etimológico pode ser “descrição cultural”. 36 Assim, as intenções da pesquisa foram conforme Larrosa (2002a, p. 137), de “escuta” das vozes das práticas de leituras. E ainda a de buscar compreender como as crianças concebem o mundo da leitura e, particularmente, a leitura a partir dos desafios da escola. Cabe ressaltar que, para entrevistar crianças, existem algumas implicações legais, éticas. Surgiu a dúvida sobre quem daria o consentimento. E assim fui buscar inicialmente o consentimento informado da Mantenedora – 14ª Coordenadoria de Educação –, da escola e dos pais ou responsáveis pelas crianças. A outra etapa da pesquisa foi conversar com a equipe diretiva sobre as intenções da pesquisa e todos os procedimentos metodológicos que seriam desenvolvidos no espaço da escola e com os alunos. A diretora autorizou por escrito e ainda salientou a importância do estudo, pois poderia contribuir para a superação das dificuldades percebidas nas falas dos professores. Nessa oportunidade, me comprometi que retornarei à secretaria da escola com os resultados obtidos nesta pesquisa para proporcionar a análise e a reflexão com o corpo docente. Para este trabalho, foi imprescindível escolher um caminho metodológico em que pudesse ter informações substanciais e contínuas, em um determinado período de tempo. Para isso, um dos caminhos escolhidos foi a escrita do diário de bordo (1º semestre de 2012, mês de março, durante uma semana), no qual, diariamente, as crianças relataram suas práticas de leitura. No diário de bordo, cada participante registra as suas anotações conforme suas vivências e práticas de leituras. Como assevera Larrosa (2002a), a leitura se resolve geralmente em um espaço íntimo entre o texto e o leitor, e assim se poderia analisá-la como práticas de leituras. Outra estratégia metodológica utilizada foi a entrevista semiestruturada. A presença do pesquisador in loco permite a apropriação simbólica e a construção de significados sobre a realidade a ser sentida, olhada e significada. Para isso, coube-me ver, estar e compreender, por meio dos diários, aquilo que os alunos registram. A proximidade entre pesquisador e sujeitos pesquisados possibilitou escolher e analisar o particular dessas experiências. 3.2 FERRAMENTAS DE PESQUISA Para realizar a tarefa de escuta, observação e compreensão dos registros dos alunos, foram selecionadas as ferramentas de pesquisa que me ajudaram a detalhar, o contexto das práticas e os recortes durante as observações. Em seguida, dei início ao processo de organização dos dados gerados. 37 Tendo escolhido as formas de observação (diário de bordo e entrevista semiestruturada), as atenções se voltaram para os instrumentos de produção de informações. Entende-se também que essa produção dos dados de pesquisa é uma construção, por isso sofre alterações no percurso investigativo, tendo de ser avaliada e reestruturada durante o processo, então assim o fiz. 3.3 DIÁRIO DE BORDO As ferramentas metodológicas ajudaram-me na escuta das práticas individuais no ambiente escolar. A escolha pelo diário de bordo, portanto, foi substancial, por ser um objeto concreto no qual os sujeitos tinham posse. O pesquisador quase se transforma em um amigo e confidente de todas as horas dos alunos no decorrer do processo. Utilizei um diário de bordo que, para Minayo (2008, p. 71), é “um caderninho, uma caderneta ou um arquivo eletrônico no qual escrevemos todas as informações que não fazem parte do material formal de entrevistas em suas várias modalidades”. Nomeio o diário de bordo como um instrumento empregado na navegação para registro dos acontecimentos mais importantes. Poderíamos pensar aqui nos acontecimentos escolares em relação às práticas de leituras. Diário de bordo é um registro que se faz em forma de documento de controle de viagem, para protocolar as vivências ocorridas no período da pesquisa. Tomo-o aqui como um instrumento pedagógico de pesquisa no qual os alunos registram todas as suas práticas/vivências (ideia do comandante) em relação às leituras realizadas. Assim, entreguei um diário a cada participante para as anotações em relação às suas práticas de leitura, bem como suas maneiras de ler e seus instrumentos de leitura, e para apontar o que representam em suas vidas. Comprei inicialmente 12 cadernos pequenos; organizei cada um com uma folha de rosto, com a escrita de uma aluna em forma de poesia e um espaço para o nome fictício escolhido pelo participante (Figura 4). 38 Figura 4 – Diário de bordo Ler é uma magia do planeta, Ler é sempre estar de bem com as palavras, Ler é ser inteligente, É não ligar para o que as pessoas pensam, Ler é viajar só com os olhos e a imaginação, Ler é estar se preparando para um novo mundo. Natália Pereira – 4ª Série Crie um nome fantasia: ____________________________________________ Fonte: dados da pesquisa Na segunda página, citei uma mensagem escrita de Clarice Pacheco, como fonte de motivação e provocação para a tarefa. Figura 5 – Mensagem do diário de bordo Diário de Bordo Viajar pela leitura sem rumo, sem intenção para viver a aventura que é ter um livro nas mãos. É uma pena que só saiba disso quem gosta de ler. Experimente! Assim sem compromisso, você vai me entender. Mergulhe de cabeça na imaginação. Clarice Pacheco (2003, p. 1). Fonte: dados da pesquisa Na terceira página, apresentei as questões em forma de roteiro para reflexão e organização do pensamento e da escrita. 39 Figura 6 – Orientações sobre o diário de bordo Queridos alunos Estou realizando uma pesquisa para identificar as práticas de leituras dos alunos dos 4º, 5º e 6º Anos do Ensino Fundamental. Sua participação é muito importante, e poderá ajudar muitos de seus colegas a gostar de ler. Apresento aqui um instrumento chamado Diário de Bordo, desenvolvido para o aluno registrar todas as suas práticas/vivências em relação às leituras realizadas, para as anotações quanto às suas práticas como leitores, bem como maneiras de ler e instrumentos de leitura. Para tanto, apresento algumas perguntas orientadoras. Desde já agradeço a sua participação e atenção. Professora Márcia Fonte: dados da pesquisa Como se tratava de dados informativos, incentivei as descrições das práticas de leituras em forma de texto, ou seja, em forma de narrativas, como nos explica Larrosa (2002a, p. 145): “Se a vida tem uma forma, ainda que seja fragmentária, ainda que seja misteriosa, essa forma é a de uma narrativa: a vida humana se parece a uma novela”. 3.4 A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA O recurso da entrevista semiestruturada se deu porque os alunos do 6º ano, para minha surpresa, responderam-me que não queriam escrever muito, sobretudo em um diário como propus. Minha empolgação foi murchando, pois, conhecendo esses alunos, sabia que iriam colaborar com informações relevantes, mas deixaram claro que não usariam esse instrumento. Parti então para o plano B: reestruturei o caminho a seguir. O que fazer agora? Tive então a ideia de construir uma entrevista semiestruturada, para obter as informações. Certo dia, esses alunos estavam sem professora e a direção pediu-me para atendê-los; então apresentei a minha proposta de trabalho. Fiquei ansiosa até saber como eles iriam reagir e, felizmente, gostaram e realizaram a tarefa com entusiasmo. Para tanto, expliquei o que deveriam fazer para responder as questões. Como define Minayo (2008, p. 64), “a entrevista tem o objetivo de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo”. Sobre a entrevista semiestruturada, a autora declara que “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada” (ibidem, p. 64). 40 Foram aplicadas 23 entrevistas aos alunos do 6º ano. Inicialmente, estavam previstas quatro, mas, como a turma toda demonstrou interesse, mudei a estratégia, até para poder obter maior quantidade de informações e dados. Seguindo algumas normas éticas, as quais constam no projeto enviado ao Comitê de Ética, quando me propus a manter sigilo quanto às identidades dos sujeitos, sugeri que escolhessem um nome fantasia para ser usado. Percebi certa dificuldade em escolher esse nome. 3.5 DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES Depois das turmas escolhidas, o próximo passo foi o encontro com as professoras regentes das turmas que, de forma indireta, também são participantes da pesquisa, por aceitarem que a pesquisa fosse desenvolvida com seus alunos. Mostrei a cada uma o material com o qual eu iria trabalhar para criar laços de confiança, porque os docentes são sempre receosos com pesquisa, ainda mais com seus alunos. Enfatizei que o foco do trabalho de campo seria observar as práticas pedagógicas de leitura dos alunos. Tendo um conjunto de materiais e roteiros, a próxima etapa foi dar vida à pesquisa, e assim fizeram os educandos por intermédio das suas palavras. Com a devida permissão, entrei na sala de aula do 4º ano para fazer o convite. Expus a minha intenção de pesquisa e expliquei que para participar a única exigência era que a criança deveria ser leitora. Silêncio na sala. Todas olhavam para mim. Expliquei o processo novamente, então oito crianças aceitaram participar. O primeiro encontro foi com os alunos do 4º ano, para estreitar laços de amizade com as crianças, pois, por mais que nos vejamos diariamente, naquele momento eu seria a pesquisadora, e isso teria de aproximar-nos, sem deixá-las aflitas. Tivemos, então, uma conversa inicial, quando expliquei o porquê de estar ali fazendo esta pesquisa. Em seguida, entreguei o diário de bordo a todos. Estavam animados em manuseá-lo, e a primeira reação foi abrir o caderno e ver o que tinha dentro. As figuras chamaram a atenção para a leitura dos pequenos textos que as acompanhavam. Minha intenção no momento foi de motivar as crianças para as suas escritas, de registrar as suas práticas de leituras. Fizemos, na sequência, a leitura do diário de bordo e já escrevemos as práticas de leituras que elas tinham vivido nesse dia até aquele momento. Essas intervenções serviram para que entendessem a dinâmica do trabalho. Percebi que havia um aluno que, ao saber que teria de escrever diariamente, desinteressou-se. Concluí isso em suas 41 falas, do tipo: “Eu vou ter que escrever todos os dias?” Fiquei apreensiva, mas resolvi esperar o resultado. A maioria do grupo demonstrou satisfação e comprometimento com a proposta, e senti que realmente a fariam. Agora era só esperar. Combinamos que iriam trazer o diário em uma semana; assim, algumas vezes, perguntei como estavam indo, mais para lembrá-los. Aos alunos do 6º ano, apresentei a entrevista semiestruturada, instrumento de pesquisa com perguntas e respostas objetivas. Gostaram da ideia de participar, tanto que todos queriam fazer parte. Ao receber as entrevistas, olharam com curiosidade para ver se iriam conseguir responder, logo se acalmaram e responderam. Alguns perguntaram sobre algumas questões, demonstrando dúvidas. Com a escolha definida, sinto-me na obrigação de apresentar oficialmente os participantes desta pesquisa, porque são eles os protagonistas destas aprendizagens: Rosa, Estela, Lia, Joaquim, Iasmim, Raul, Davi, Leonora, Ângelo, Betina e Theo. 3.6 PERFIL DOS PARTICIPANTES Para poder descrever o perfil dos participantes, busquei dados da Pesquisa Socioantropológica que a escola pesquisada realizou no início do ano de 2012, em que foram realizadas visitas em quase todas as residências dos alunos. Assim, realizei muitas observações sobre o ambiente familiar e cultural oferecido aos estudantes, como descreverei a seguir. Dos alunos participantes do 4º ano, há três meninas e um menino: Rosa, Lia, Joaquim e Estela. Rosa tem nove anos de idade, mora no interior do município, mas em uma localidade próxima da cidade. Sua família sempre foi ativa nas atividades da igreja católica; sua mãe gosta de cantar, e em seus momentos de folga lê letras de música para decorar e cantar. Tem computador em casa. Esta família também participa das atividades escolares. É uma aluna que se destaca em conhecimento na sala de aula. Joaquim tem nove anos de idade, mora na cidade, somente com seu pai, que é separado de sua mãe. O seu pai conseguiu a sua guarda. O menino tem uma história de vida triste. Seu pai é muito enérgico. O menino lê muito, retira livros na biblioteca da escola, sobre vários assuntos, também gosta de fazer poesias. Não tem computador em casa. Em sala de aula, se destaca por seu conhecimento nas suas posições. O pai acompanha o desempenho de seu filho e faz visitas frequentes à escola. 42 Estela tem nove anos de idade, mora com seus pais na cidade e é filha única. Em visita à sua casa, não percebi a presença de livros. Não tem computador em casa. A mãe trabalha fora o dia inteiro e ela fica sozinha pela manhã, indo à tarde para a escola. Não relatou nenhuma circunstância de leitura dela ou por parte da família. Em sala de aula, tem dificuldades em escrever textos e se posicionar. A família pouco participa das atividades escolares. Lia tem nove anos de idade, mora com sua família nos arredores da cidade, tem um irmão. Possui computador em casa e adora utilizar Orkut e Facebook, estando por dentro de todos os perfis de seus amigos. Percebi em nossas conversas que sua família não se envolve em atividades de leitura. Em sala de aula, apresenta dificuldades em escrever corretamente as palavras e organizar textos. A família pouco participa das atividades escolares. Dos alunos do 5º ano, três alunos participaram, sendo duas meninas e um menino. Paloma tem 10 anos de idade, mora com sua mãe e seus irmãos nos arredores da cidade, viveu sua infância em hospitais. Ela e seu irmão são os alunos que mais retiram livros na biblioteca da escola. Não tem computador em casa, utilizando-o na escola. Sua mãe é a incentivadora para os estudos, apesar das circunstâncias difíceis em que vivem. A menina se destaca na sala de aula com suas ótimas posições. A família pouco participa das atividades escolares. Iasmim tem 10 anos de idade, mora no centro da cidade, é filha única e se destaca como aluna pelas suas intervenções inteligentes. Também gosta de matemática, possui computador em casa e faz muitas pesquisas. Percebe-se em seu diário de bordo que tem um bom vocabulário. A família se envolve com as atividades escolares. Davi tem 10 anos de idade, mora com os pais e o irmão no centro da cidade. Seus pais nunca compraram um livro para ele e em sua casa a Bíblia é a única leitura feita. Ele tem um sonho de ser como seu irmão e cursar o ensino superior. Tem computador em casa, a família pouco se envolve com as atividades escolares. Na sala de aula, apresenta algumas dificuldades de produção de texto. Do 6º ano, participaram quatro alunos, duas meninas e dois meninos. Leonora tem 11 anos de idade, mora no centro da cidade com seus pais e a irmã mais velha. É uma família envolvida com os estudos das filhas. A mais velha cursa Farmácia, e seus pais são grandes incentivadores. A menina pinta quadros em suas horas de folga, utiliza todos os tipos de instrumentos tecnológicos em busca do conhecimento. É uma aluna que se destaca em aula pela organização dos conhecimentos, produz desenhos maravilhosos e ótimos textos. Tem computador em casa. A família se envolve com as atividades escolares. 43 Betina tem 11 anos de idade, mora com sua mãe no centro da cidade. É uma menina um tanto tímida, mas se destaca em sala de aula. É muito estudiosa e tira boas notas; sua mãe é incentivadora dos seus estudos. Tem computador em casa e com regularidade retira livros da biblioteca da escola. Ela e sua mãe participam das atividades escolares. Ângelo tem 11 anos de idade, mora com sua família distante três quilômetros da cidade. Sua família está sempre envolvida com atividades da igreja e com os estudos dos filhos. A filha mais velha cursa Pedagogia e o irmão mais novo está no 3º ano do Ensino Fundamental e estuda na mesma escola. Tem computador em casa. Na sala de aula, é um aluno que tem as notas na média. Theo tem 11 anos de idade, mora no centro da cidade com sua família e irmã. Constantemente diz que não gosta de estudar. A família pouco participa das atividades da escola. Tem computador em casa. Em sala de aula, tem algumas dificuldades em se expressar, principalmente nos textos escritos. Não faz as tarefas de casa e os trabalhos. 3.7 O CENÁRIO DA ESCOLA Esta pesquisa ocorreu em uma escola e em segmentos de escolarização nos quais fiz a investigação. Privilegiei, então, a escola em que eu trabalho, por conhecer esse espaço e seu modo de funcionamento, a equipe diretiva, os professores e funcionários que, de certa forma, fazem parte da história da instituição. A Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira está situada no centro da cidade de Eugênio de Castro/RS, na região noroeste do estado. É uma cidade pequena, com 2.798 habitantes, conforme dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população rural engloba 1.318 pessoas e a urbana, 1.480. Atualmente, a escola funciona em três turnos. No turno da manhã, conta com o Ensino Fundamental – Anos Finais, com cem alunos, e no turno da tarde atende o Ensino Fundamental – Anos Iniciais, com 109 alunos. Escolhi pesquisar nesta escola porque é a realidade social em que estou inserida. Para Minayo (2008, p. 14), “a realidade social é a cena e o seio do dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados e significantes dela transbordante”. Os alunos dessa escola são oriundos da zona urbana e rural, e a instituição é a única que oferece o Ensino Médio, apresentando grande diversidade de elementos culturais. A escola, cenário da pesquisa, está situada na sede do município de Eugênio de Castro/RS. A Figura 7 apresenta o mapa do município. 44 Figura 7 – Mapa do município de Eugênio de Castro Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Eugênio de Castro, (1990, p. 1) A rede pública de ensino de Eugênio de Castro conta com duas escolas de Ensino Fundamental situadas no interior do município e uma escola de Educação Infantil situada na sede, atendendo aproximadamente 300 alunos. A escola em foco situa-se no centro da cidade, como podemos ver na Figura 8. Tem como mantenedora a 14ª Coordenadoria Regional de Educação, situada em Santo Ângelo. Figura 8 – Foto aérea do município de Eugênio de Castro Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Eugênio de Castro, (2009, p. 1) 45 Seu espaço físico possibilita a realização de atividades e eventos da comunidade em geral, por exemplo: concursos públicos, cursos técnicos promovidos pela Associação Comercial, aulas teóricas para aquisição de Carteira Nacional de Habilitação, dentre outros. A maioria dos alunos é do interior e utiliza transporte escolar. A escola conta atualmente com 300 alunos, distribuídos nos três turnos. Em seu quadro de recursos humanos dispõe de duas professoras da disciplina de Língua Portuguesa com carga horária semanal de 20 horas. O quadro funcional conta com 90% de seus docentes com formação superior, 70% destes com pós-graduação em nível Lato Sensu. Figura 9 – Vista aérea do município de Eugênio de Castro com identificação da escola foco da pesquisa Escola TAT Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Eugênio de Castro, (2009, p. 2) Os anos escolhidos para a pesquisa têm organização de carga horária diferente. O 4º ano integra o Ensino Fundamental dos Anos Iniciais e é atendido por uma professora. O 5º e o 6º ano têm seu tempo distribuído em períodos de 50 minutos e são atendidos por várias professoras. A disciplina de Língua Portuguesa é contemplada com quatro períodos de 50 minutos semanais. A infraestrutura da escola tem necessidade de ampliação de espaço físico, pois alguns setores estão improvisados em locais inadequados. A biblioteca, por exemplo, está instalada em uma sala de aula e possui aproximadamente 11 mil obras em seu acervo. Apesar disso, é um ambiente acolhedor. 46 Figura 10 – Biblioteca da Escola TAT Fonte: a autora (2011). A biblioteca dispõe de um computador com acesso à internet, o qual faz o controle e a organização das obras disponibilizadas e retiradas pelos alunos. Por meio do ProInfo9, do governo federal, a escola foi contemplada com dez computadores com acesso à internet banda larga gratuita. A escola dispõe de equipamentos de multimídia à disposição de professores e alunos. Figura 11 – Sala de mídias Fonte: a autora (2011) Na sala dos professores há um computador com acesso à internet que fica disponível aos docentes, bem como uma biblioteca com cerca de 200 obras para seus estudos. Alguns 9 O Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo) é um programa educacional criado pela Portaria n. 522/MEC, de 9 de abril de 1997, para promover o uso pedagógico de Tecnologias de Informática e Comunicações (TIC) na rede pública de Ensino Fundamental e Médio. 47 títulos foram adquiridos pela escola e outros por intermédio do FNDE, pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE acervo do professor) do governo federal, por meio do Ministério da Educação. O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE acervo do professor) fornece material de apoio teórico e metodológico para o trabalho do docente em sala de aula e contribui como ferramenta para o planejamento de aulas. A biblioteca de uso do professor possui em seu acervo 154 títulos, distribuídos por categorias: 53 títulos para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, 39 para os Anos Finais do Ensino Fundamental, 45 para o Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos e 17 para os Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental da Educação de Jovens e Adultos. A imagem a seguir mostra o acervo à disposição na sala dos professores. Figura 12 – Livros disponíveis na sala dos professores Fonte: a autora (2011) O acervo é constituído por publicações e periódicos distribuídos também pelo PNBE. A seguir, a relação de periódicos (Figura 13). 48 Figura 13 – Portaria n. 3, de 12 de março de 2010 Fonte: Brasil (2010b, p. 10) As salas de aula dessa escola estudada são climatizadas e possuem quadros verdes de fórmica, excelentes para escrever. A partir da descrição dos espaços culturais da escola, apresento o projeto Leitura na Escola como uma das estratégias para incentivar práticas de leitura, na tentativa de mostrar as estratégias da escola na direção da formação do leitor. 3.8 PROJETO REALIZADO DE LEITURA NA ESCOLA O projeto Leitura na Escola foi criado em 2008, com o objetivo de proporcionar momentos de leitura na escola para torná-la um hábito e também como forma de incentivá-la, pois as preocupações em relação a esta questão eram presentes na maioria das reuniões pedagógicas. Foi estabelecido um dia da semana em que os alunos seriam incentivados a ler durante 25 minutos sobre um assunto de seu interesse. Foram confeccionadas caixas com diferentes recursos e diversos gêneros textuais, como jornais, revistas, gibis, textos informativos retirados da internet e livros de literatura. Os alunos também podiam trazer de casa leituras, conforme seus interesses. Essas caixas eram retiradas na biblioteca pelos líderes de cada turma e podiam ser trocadas a cada semana. 49 Todos na escola, no mesmo dia e horário, tinham a oportunidade de ler, até mesmo os professores, os funcionários e a equipe diretiva. A escola inteira silenciava para realizar a leitura. Tudo funcionou muito bem durante algum tempo, quando começou o período de provas de final de trimestre. Os professores reclamaram que perderiam muito tempo de aula com a leitura, e precisariam aplicar as provas. Alguns desistiram, e o projeto parou por aí, sob protesto de alguns alunos, que gostavam desse tipo de atividade proposto pela escola. O projeto teve participação da maioria dos professores que atuam hoje com os alunos desta pesquisa, mas somente os alunos do 6º ano tiveram o privilégio de participar dessas práticas de leitura. 3.9 IDEB E OUTRAS AVALIAÇÕES EXTERNAS Mediante avaliações externas, como a Prova Brasil e o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers), pode-se ter a visibilidade dos problemas relacionados à aprendizagem dos alunos quanto à leitura e à escrita. A preocupante constatação do baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escola provocou os educadores à reflexão sobre suas práticas educativas. De acordo com os indicadores educacionais da Prova Brasil de 2009, dos 15 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, somente 4,7% alcançaram a média de proficiência nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Esses índices são considerados baixos e foram motivo para a escola ser contemplada pelo Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) do governo federal, pensado para melhorar a qualidade da educação no Brasil. Segundo o Ministério da Educação, O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola) é uma ferramenta gerencial que auxilia a escola a realizar melhor o seu trabalho: focalizar sua energia, assegurar que sua equipe trabalhe para atingir os mesmos objetivos e avaliar e adequar sua direção em resposta a um ambiente em constante mudança. O PDE-Escola constitui um esforço disciplinado da escola para produzir decisões e ações fundamentais que moldam e guiam o que ela é, o que faz e por que assim o faz, com um foco no futuro.10 Figura 14 – Índice do Idebda Escola TAT (2009) 10 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=176:apresentacao &catid=137:pde-plano-de-desenvolvimento-da-educacao>. Acesso em: 12 out. 2012. 50 Escola TAT TAT Fonte: <http://ideb.inep.gov.br/resultado/>. Acesso em 15 de abr. de 2013. O desempenho da escola na avaliação feita pelo governo estadual também não foi dos melhores, como destaquei. Seleciono aqui o perfil do leitor, pois os alunos da escola encontram-se no padrão de desempenho básico. Muitas reflexões aconteceram na escola em busca de soluções, dado o fraco desempenho em práticas de leitura, escrita e matemática. Para tentar superar essa dificuldade, o grupo de docentes elaborou um plano de intervenção pedagógica (ANEXO B), no qual cada educador, em sua disciplina, definiu suas metas para elevar o desempenho dos alunos. Nessas discussões, ficou claro que todas as disciplinas deveriam oportunizar a leitura e ensinar a ler. Todos deveriam assumir a responsabilidade de ensinar e incentivar a leitura e a escrita na escola. O próximo gráfico mostra a média de proficiência em Língua Portuguesa dos alunos do 6º ano da escola pesquisada. Figura 15 – Resultados do Saers da 6º ano da Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira 51 Fonte: RIO GRANDE DO SUL, (2007, p. 34) A média de acertos indica o padrão de desempenho em que os alunos se encontram. Esses padrões são referências importantes para o entendimento do ponto em que os alunos estão e servem também de subsídios para os professores. Para isso, foram criadas definições para esses grupos, considerando os níveis de interação que estabelecem com o texto. Os padrões de desempenho são divididos em abaixo do básico, básico, adequado e avançado. Os níveis de proficiência determinam o nível de leitura de cada aluno. O seguinte quadro traz o detalhamento das habilidades que os alunos do padrão de desempenho básico são capazes de realizar. Figura 16 – Padrão de desempenho conforme resultados do Saers do 6º ano da Escola Estadual de Educação Básica Theodorico Alves Teixeira Fonte: RIO GRANDE DO SUL, (2007, p. 34) Essas informações constam do Boletim de Resultados da Escola. Assim, destaco o movimento da escola para tentar suprir as dificuldades de leitura encontradas. Esses dados 52 foram estudados por todos os professores da escola, e as responsabilidades foram dividas com todos, porque não é só a disciplina de Língua Portuguesa que precisa ensinar a ler, mas é um esforço compartilhado por todas as disciplinas. 3.10 E ASSIM, A SALA DE LEITURA Diante desses números e após vários encontros de estudos entre professores e gestores da escola, surgiu a sugestão de criar um espaço de leitura para uso dos alunos, mas não na biblioteca. O espaço deveria ser amplo, agradável e que os professores pudessem organizar horários de visitas. Esse projeto teve que esperar por recursos, os quais vieram do governo federal. Através do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), a escola conseguiu adaptar um espaço aberto que havia em um dos prédios para a sala de leitura, de jogos, de teatro e de fantoches. Todo o mobiliário para armazenar os livros e a casinha para o teatro de fantoches também foram adquiridos com esses recursos. Para essa sala foram destinados os livros de literatura infantil fornecidos pelo FNDE. Tais obras não podem ser retiradas pelas crianças, pois devem estar à disposição para a utilização dos professores como recurso didáticopedagógico, incentivando os alunos à leitura. Com base nisso, a visitação dos alunos a essa sala foi organizada em horários semanais, contemplando todos os alunos da escola. Figura 17 – Sala de leitura da escola TAT Fonte: a autora (2011) Figura 18 – Momento de leitura 53 Fonte: a autora (2011) Os relatos dos professores em relação à sala de leitura mostram que os alunos esperavam ansiosos pelo dia de ir à sala de leitura, que esta movimentação, de sair da sala de aula e ir para a sala de leitura, ler em um ambiente diferente da sala de aula, motiva os alunos e que alguns destes aprenderam a ler nesta sala. Outro ponto que chama a atenção nos relatos dos professores é que nesse local os professores também leem, mostrando aos alunos que ler é importante. 3.11 CONVERSAS COM QUEM ENSINA: O DISCURSO Registro isso para mostrar o movimento da escola em relação ao desafio da leitura. Passaram-se dois anos da minha pesquisa e se torna fundamental narrar alguns fatos e aprendizagens que me conduziram até o ponto de partida desta caminhada investigativa em busca de alguns porquês das práticas vinculadas à leitura na escola. Muitas são as inquietações a respeito das questões educacionais; dentre elas, a mais importante é a formação de leitores. A preocupação está justamente em como transformar a leitura em acesso ao conhecimento de mundo. Segundo Cagliari (2009, p. 130), “é importante saber ler e saber escrever, é o melhor que a escola pode oferecer aos alunos, voltar-se para a leitura”. Na tentativa de mudar esse quadro, a escola realizou muitas ações: inúmeras reuniões pedagógicas, participação em seminários, palestras, fóruns, conferências e longas horas de formação continuada. Pergunto, porém: o que efetivamente refletiu em aprendizagem tanto para os professores, quanto para os alunos? 54 As avaliações externas mostram a realidade deficitária da experiência de leitura/escrita em números. Novamente, são urgentes as discussões, na tentativa de solucionar o aprendizado quanto à leitura e à escrita nessa escola. A experiência profissional, como regente de classe e com atuação nos mais diversos setores na escola, em especial na coordenação pedagógica, proporcionou contato com os docentes do Ensino Fundamental – Anos Finais mais intensamente. Assim, percebi o quanto a falta de leitura influencia no processo ensino-aprendizagem, pois, conforme Frantz (2006, p. 11), “a boa escrita e a leitura proveitosa são indicadores de aprendizagem. São práticas que expressam a capacidade dos sujeitos”. Essa constatação permitiu que eu voltasse o meu olhar a essas questões e escolhesse esse assunto para pesquisar. Diante dessas tensões, alguns questionamentos permanecem. Afinal, por que os alunos apresentam tantas dificuldades em relação à leitura escolar? O que lemos na escola? Para quem lemos? O que realmente significa ler? Como os educadores valorizam o aprendizado da leitura de uma criança? Com isso, quero mostrar um pouco o movimento e as estratégias que a escola faz para incentivar a leitura. Esse convívio com os professores ofereceu-me elementos de investigação que surgiram a partir das angústias diárias desses profissionais que, ao longo de vários anos, se queixam quanto às dificuldades dos alunos em relação às suas leituras, principalmente leituras didaticamente organizadas. Por isso, dispus-me a realizar esta investigação com o intuito de perceber quais são as práticas de leitura dos alunos e como elas acontecem. As crianças, desde muito pequenas, quando chegam à escola trazem dentro de si a expectativa de aprender a ler e a escrever. Ao questionar uma criança sobre o que vai fazer na escola, certamente ela responderá que vai lá para aprender a ler e a escrever. Essa expectativa também perpassa a ideia que os pais têm sobre a escola. Reflito, porém, e me questiono também sobre o professor leitor. Se enquanto docente não se tem a convicção de que ler é importante, como transmitir/ensinar essa habilidade aos alunos? O que representa a leitura para o docente? Esse é um eixo importante de estudos futuros. Conforme Maia, (2007, p. 33): É, pois, no espaço da sala de aula que as tão adversas condições enfrentadas pelo professor se fazem refletir. Há a transmissão de conteúdos dispensáveis e omissão de outros mais significativos; estimula-se, na teoria, o aluno a falar e escrever com suas próprias palavras, mas, na prática, exige-se a repetição de respostas dadas pelo autor do livro (interpretação?!); faz-se um discurso apologético sobre leitura, porém o professor não convence o aluno pelo exemplo, porque, ressalvadas as exceções, ele próprio não é leitor. Nesse sentido, complementa Lajolo (2006, p. 3): 55 [...] nem todo professor lê por prazer e existem ainda os que não têm acesso à leitura. Tenho a impressão de que grande parte da formação inicial e continuada oferecida ao professor o encara mais como um “formador de leitores” do que como uma pessoa que precisa ser formada como leitora. Ler significa fazer escolhas de diferentes tipos de leitura para a compreensão do mundo e sua participação efetiva neste. Ao lermos, estabelecemos relações entre o texto e o contexto, entre a palavra e o mundo. As leituras apresentam ritmos diferentes na escola e na vida. Silva e Martins (2010, p. 29) contribuem com esta reflexão: [...] a vida em sociedade requer inúmeras e imprevisíveis ações dos sujeitos leitores: ler para nos informarmos das notícias diárias, para exercer atividades rotineiras como tomar um ônibus, escolher direções na cidade; também para entretenimento, para acompanhar a charge do jornal diário, os quadrinhos ou as colunas sociais e notícias que, com frequência utilizam a piada, a ironia, de modo a colocar pelo avesso a realidade circundante. Tornamo-nos humanos quando, na cultura, na convivência social, buscamos o entendimento por meio da interlocução de saberes para resolver os problemas do mundo comum. No próximo capítulo, apresento as práticas de leituras dos alunos do 4º, do 5º e do 6º ano da escola pesquisada. 56 4 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS Escolhi a seguinte figura para fazer parte desta pesquisa, iniciando o quarto capítulo. Quem a fez foi Rosa, uma participante da pesquisa, dizendo-me que escrever no diário de bordo foi muito bom, por isso presenteou-me com este desenho, salientando que a leitura é muito importante para ela. Entre os participantes da pesquisa, os seus registros foram muito bem feitos, revelando o seu envolvimento com o diário de bordo, a ponto de enfeitar a capa e ao final dos registros despedir-se dele, como se o diário tivesse se tornado seu melhor amigo. Figura 19 – Desenho de aluna sobre a leitura Fonte: dados da pesquisa (2012) Após a escolha dos sujeitos, inúmeras leituras e releituras foram realizadas nos diários de bordo e nas entrevistas, a fim de organizar os dados sobre as práticas de leituras dos alunos, que me ajudaram a responder à pergunta de pesquisa sobre as práticas de leituras. 57 Com os olhos perscrutando cada linha escrita, em busca de elementos de análise, que é tarefa complexa para uma pesquisadora iniciante selecionar, dentre tantas, as informações pertinentes ao objeto de pesquisa. Foi um trabalho minucioso e demorado, quando me debrucei nos diários de bordo para definir as práticas de leituras que fazem parte do cotidiano dos educandos. A partir dos dados da minha pesquisa, é possível dizer que os alunos leem vários tipos de leituras, como livros de literatura infantojuvenil, gibis, revistas de passatempo e cruzadinhas. Na internet, leem no Facebook, em sites de moda e blogs. Também demonstram gostar muito de ouvir histórias contadas por alguém. 4.1 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 4º ANO Os alunos do 4º ano preferem as leituras de livros de literatura infantojuvenil e também as que trazem algum tipo de atividade desafiadora (revista com passatempo, cruzadinhas). Diz Joaquim (4º ano): “Hoje eu li uma revista de crianças chamada ‘Gênios’, eu gostei porque tinha passatempo que estimula o conhecimento”. O menino afirma a preferência pelos livros com atividades desafiadoras que estimulam o raciocínio, porque são organizados de modo a possibilitar aos leitores atividades lúdicas, como acrescenta Sousa (2005, p. 5): Para se ganhar/formar um leitor, é preciso despertar na criança o prazer de realizar inúmeras descobertas em um livro, em uma revista, em um gibi, em um jornal. Volumes que falem de seus interesses individuais, da realidade de seus cotidianos, das suas alegrias e tristezas, de suas dores e inquietações, dos seus sentimentos e de seus desejos secretos. Os alunos demonstram preferência pelos livros de literatura infantojuvenil, de ação e de aventura, com a justificativa de que estes possibilitam a viagem pelo mundo da imaginação. Novamente, Joaquim (4º ano) declara: “Hoje eu li um livro interessante chamado ‘Sepé Tiaraju’, e pensei como é legal poder entrar dentro da cena na minha imaginação e ter sido ele”. Conforme Petit (2009, p. 92), “Ler tem a ver com a liberdade de ir e vir, com a possibilidade de entrar a vontade em um outro mundo e dele sair. Por meio dessas idas e vindas, o leitor traça sua autonomia, mediante a qual se reconstrói”. Nesse sentido, o leitor/aluno utiliza a imaginação para viajar pelo mundo da leitura, para além da realidade, por intermédio da linguagem literária apreciada. Silva e Martins (2010, p. 32) expõem que [...] os textos literários costumam propositadamente trabalhar com imagens que falam à imaginação criadora, muitas vezes escondidas nas entrelinhas ou nos jogos de palavras, apresentam o potencial de levar o sujeito a produzir uma forma qualitativamente diferenciada de penetrar na realidade. De outro, podem provocar no 58 leitor a capacidade de experimentar algumas sensações pouco comuns em sua vida. [...] e passa a enxergar além de suas experiências cotidianas. A leitura nas redes sociais aparece entre os alunos do 4º ano. Rosa diz: “Eu li um blog na internet sobre um site de moda”. Conforme Silva (2006), “Uma das funções do blog é possibilitar interações. Através dele é possível, uma comunidade disponibilizar links para outros blogs como se fosse uma recomendação de boa leitura” (grifos do autor). Outra modalidade de leitura que esses alunos dizem ser uma experiência importante é a contação de histórias por outras pessoas, quando se tornam ouvintes e viajantes imaginários. Estela (4º ano) descreve: “A professora leu a lenda e eu acompanhei, eu fiquei imaginando coisas legais”. Nesse sentido, Manguel (1997, p. 143) contribui: O livro selecionado para ser interpretado, recitado por alguém a alguém é “um objeto que pode conter fábulas infinitas, palavras de sabedoria, crônicas de tempos passados, casos engraçados e revelações divinas – que dota o leitor do poder de criar uma história, e o ouvinte, de um sentimento de estar presente no momento da criação”. A contação de histórias assume contribuição importante na formação do leitor. Desse modo, refere-se ao professor/contador de histórias. Conforme Parreiras (2009, p. 35), o papel do contador de histórias é [...] levar o ouvinte a tornar-se leitor, além de proporcionar-lhe entretenimento na hora da contação, presta-lhe também informações sobre o livro onde a história se encontra, o nome de seu autor, a editora que a publicou. [...] O contador é, antes de tudo, um leitor privilegiado, que cumpre um papel ativo: faz leituras prévias, seleciona textos, informa-se sobre o autor, observa a ilustração do livro, memoriza o texto, interpreta suas intenções para transformá-las em modulações de voz e gestos. Destaca-se que a leitura para esses alunos tem sentido voltado ao imaginário, em razão do poder da linguagem em transmitir e fazer o leitor pensar na sua realidade, envolvendo-se com as coisas do mundo, encontrando-se consigo mesmo. Para Petit (2009, p. 76), a leitura trata-se “não de uma evasão do mundo, mas de ‘inventar um ponto de apoio para lidar com o mundo aqui e agora’, de ‘introduzir pontos na realidade’”. Conforme as informações dos diários de bordo, posso dizer que no 4º ano há preferência pela leitura em livros impressos e depois no computador, salientando que o formato do instrumento de leitura – aqui o livro impresso – influencia nas escolhas, por permitir talvez várias opções de utilização. Assim descreve Manguel (1997, p. 152): “de todas as formas que os livros assumiram ao longo do tempo, as mais populares foram aquelas que permitiam ao leitor mantê-lo confortavelmente nas mãos”. Esses materiais permitem ao leitor o manuseio. Sendo um material concreto, há possibilidade de tê-lo nas mãos e acompanhá-lo em qualquer ambiente de leitura – no quarto, na sala ou outro lugar. Assim, é o leitor quem 59 define o tempo de leitura e também permite as idas e vindas ao texto quantas vezes desejar. Esses alunos preferem a leitura individual, em retiro. A preferência pelo livro é identificada nos relatos a seguir: “Eu gosto de ler no livro porque é mais inteligente.” (Lia, 4º ano); “Eu gosto de ler no livro porque ele traz uma leitura mais tranquila.” (Rosa, 4º ano); “Para mim o mundo dos livros é o melhor de todos os mundos que podem existir.” (Rosa, 4º ano). O ato de ler em livros impressos estabelece uma relação física do leitor com o livro. Segundo Manguel (1997, p. 277), O ato de ler estabelece uma relação íntima, física, da qual todos os sentidos participam: os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons que estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta, papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a encadernação macia ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos do leitor são umedecidos na língua para virar a página. Essa relação física que envolve o leitor determina o tipo de instrumento escolhido para ler, como se percebe na fala de Estela (4º ano): “Ler no computador é ruim porque tu fica olhando e dói a cabeça”. Para Lia (4º ano), “No computador é muito ruim de ler porque se a gente se perder daí tem que estar mexendo o mouse”. Para Chartier (1998, p. 77), “os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. [...] Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram sua compreensão”. Essas escolhas determinam as velhas e novas maneiras de ler. Os alunos do 4º ano destacam que gostam de leitura de livros de histórias (literatura infantojuvenil). Nos relatos registrados nos diários de bordo aparece o título da história, a descrição de trechos do texto e dão a sua opinião: Rosa (4º ano): “Eu li um livro chamado ‘Os herdeiros do lobo’. Eu ainda não li todo o livro mas imaginei tudo o que acontecia. Também li três lendas chamadas ‘A espada do poder’, ‘Porque o cachorro é inimigo do gato... e o gato do rato’ e ‘Porque o sapo é cheio de calombos’.” Lia (4º ano): “Eu li um livro chamado “A pedra da memória’.” Rosa (4º ano): “De tarde eu li um texto, eu gostei porque o menino, mesmo ele sendo criado por uma loba, ele a amava.” Joaquim (4º ano): “Hoje eu li um trecho do livro de história chamado ‘História do Brasil’ que falava sobre a Guerra dos Farrapos e eu pensei como teria sido se os Farrapos não aceitassem o tratado de paz oferecido por Duque de Caxias”. “Hoje eu li um livro chamado ‘Chapeuzinho Amarelo’ e refleti como ela vivia sem fazer nada? Sem comer? Sem brincar e com medo de tudo? Será que ela era feliz ou triste? Devia ser triste, ela não comia, não brincava, tinha medo de trovão, de lobo etc.” 60 Essas práticas de leituras deixam marcas no aluno leitor. Contribui Petit (2008, p. 38), dizendo que “Ler permite ao leitor, às vezes decifrar sua própria experiência. É o texto que ‘lê’ o leitor, de certo modo é ele que o revela; é o texto que sabe muito sobre o leitor, de regiões dele que ele mesmo não saberia nomear. As palavras do texto constituem o leitor, lhe dão um lugar.”. Os alunos, como se observa nos excertos, estabelecem atos de comunicação e interação com o texto lido, revelando a relação íntima entre texto e subjetividade. Assim, saímos de alguma forma modificados das experiências de leituras, como observamos nos registros dos alunos. A leitura, quando realizada em casa, ocorre no quarto e na sala. Sobre isso Petit (ibidem, p. 62) considera: Ler em casa, quando se conta com os meios para isso ou na biblioteca, é também uma maneira de complementar o aprendizado da escola e dos livros escolares, graças a outras fontes de informação que permitem entender melhor os assuntos tratados [...] e também porque ali encontram um ambiente propício aos estudos, um lugar calmo onde reina uma certa disciplina; um lugar onde se incentivam uns aos outros às vezes pelos simples fato de verem o outro trabalhar. Rosa (4º ano) expõe: “De noite eu li mais um pouco do meu livro, eu li no meu quarto, sozinha”. Os ambientes de leitura escolhidos são o quarto e a sala. Em nenhuma residência dos alunos do 4º ano existe uma biblioteca e/ou espaço reservado para leitura. O ambiente favorito de leituras é a intimidade do quarto. Como se observa, não é um espaço comum (público), mas o quarto. Parece que as famílias não privilegiam um espaço próprio para que leitura e o estudo aconteçam. Os alunos do 4º ano destacam a prática de leitura solitária. Em raras vezes, dividem com alguém da família esse momento, conforme relato de Joaquim (4º ano): “Eu leio sozinho e também leio com a minha mãe”. De acordo com os relatos, é a figura materna talvez quem ainda compartilhe as experiências de leituras. Em nenhum momento fizeram alusão à participação de outros membros da família nessa ocasião. A figura a seguir é um fragmento do diário de bordo de Rosa. Apresento-a aqui por mostrar a relação íntima que a menina estabeleceu com o seu diário, também para mostrar como os alunos do 4º ano descrevem as suas práticas de leitura. Figura 20 – Descrição de um dia de prática de leitura no diário de bordo 61 Fonte: dados da pesquisa (2012) 4.2 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 5º ANO Os alunos do 5º ano registram que leem gibis, histórias em quadrinhos, livros didáticos e redes sociais. Chamo a atenção para a inserção do gênero história em quadrinhos no cotidiano leitor dos alunos. Relata Iasmim (5º ano): “pela manhã eu li um gibi da Magali. Eu gostei de ler gibi porque tinha figuras coloridas e eu li mais”. Pode-se dizer que ainda são fortes os laços entre o texto e a imagem para esses alunos. O gibi é lido pela maioria deles, e seu encantamento está na forma como se apresenta: para cada diálogo há uma cena correspondente que supõe movimento. Trago a imagem seguinte para demonstrar que os alunos do 5º ano interessam-se pela leitura de imagens e de texto. Poder ler e observar o movimento que os personagens transmitem aos leitores é de certa forma mágico; essas histórias exercem um fascínio, encantam crianças e adultos. Figura 21 – Tirinha de gibi 62 Fonte: http://guiaavare.com/noticia/3975/gibi-turma-da-monica Na faixa etária de 10 anos, a leitura começa a ter relação íntima com seu aprendizado. Isso é percebido nos próprios registros dos alunos, como no de Raul (5º ano): “tem livros que ensinam a não ser maus com outros” e “Eu senti muita importância pelo texto”. Para Davi (5º ano), “A leitura ensina muitas coisas e ela representa coisas legais para a gente ver, a gente aprende mais”. Também chama a atenção a relação feita pelos alunos do 5º ano entre a leitura de livros impressos e a leitura virtual. Raul (5º ano) descreve: “eu gosto de ler no computador porque ele não precisa virar de página”. Davi (5º ano) diz: “Eu gosto de ler no computador porque eu acho coisas interessantes, no computador a gente acha o que quer”. Nesse sentido, a prática da leitura está agregada à rapidez e à facilidade na procura do assunto de interesse. O modo de ler virtual exige do leitor certa aptidão física e cognitiva. Para Santaella (2004, p. 55), este tipo de leitura demanda [...] a sincronia da cognição com os aspectos sensório-motores, a motricidade física expressa na prontidão das respostas, em certo modo de reagir sensitivo e muscular, em suma, o controle motor exímio, e a agilidade e instantaneidade das ligações entre a mente que pensa, o olho que perscruta e o corpo que reage na extremidade da mão. Já quando se fala em leitura de livros impressos, Davi (5º ano) prioriza as leituras de literatura infantojuvenil, que apresentam muitas imagens e pouco texto escrito, como podemos perceber em sua fala: “eu gostei muito da história, porque ela era muito fácil de ler, porque as palavras eram pequenas” (fez esta descrição referindo-se à história O Observador de Nuvens). Davi declara-se leitor, porém em seu diário de bordo deixa claro que lê somente o que lhe é solicitado pela escola. Diz, ainda, que sua família não cobra leitura. A escolha dos tipos de história deste 5º ano parece que está diretamente ligada ao tamanho do texto escrito e o movimento que as imagens transmitem ao leitor. Raul (5º ano) diz: “Eu achei fácil porque era pequena e legal” (referindo-se à história A Bela 63 Envergonhada). Para este aluno, a leitura está relacionada ao tamanho do livro e à quantidade de texto, o que revela a sua capacidade de interpretação – decodifica as palavras e complementa o entendimento do texto escrito com as figuras. O que observo é que o aluno do 5º ano lê sem saber o que quer do texto, sem objetivo, o que talvez colabore para uma leitura restrita e limitada, com conhecimentos e capacidades também limitados e restritos. Para a leitura se tornar significativa, o papel do professor é desafiar/provocar os alunos a ler, na busca pela compreensão do sentido do texto e de comunicar e discutir tais sentidos. Destaca-se também a relação sentimental entre leitor-livro. Percebi isso no registro de Iasmim (5º ano): “quando eu leio fico bem mais calma”. Segundo Corsino (2010, p. 192), “nesta perspectiva na leitura cabem lágrimas, risos e toda a sorte de sentimentos que o texto for capaz de provocar”. Essas relações, nas suas formas de transmissão e pela sua estética, têm a ver com o que somos, como reagimos diante dessas experiências de leituras e com nossas transformações. A televisão aparece como um instrumento de leitura para os alunos do 5º ano. Eles reconhecem outros instrumentos de leituras e que estes estão presentes em todos os momentos. Amplia-se o universo da leitura, não sendo mais específica apenas na escola e para a escola, mas em todo o cotidiano. Os alunos do 5º ano classificam as leituras como: esporte, aventura, terror, gibi e animais. O que mais gostam de ler são as leituras de aventuras, histórias em quadrinhos e informativos; pela primeira vez, também aparece a poesia. Referem-se a leituras de diferentes gêneros discursivos, abrem-se os olhares para leituras prazerosas e dos mais variados interesses, mas as leituras oferecidas na escola ainda não interessam. Eles afirmam que a leitura é realizada apenas quando exigida pela escola. Segundo Petit (2008. p. 57), os jovens, durante a leitura, [...] caçam furtivamente nos textos, buscando algo que os toque independentemente das categorias, das classificações convencionais, das linhas de divisão entre gêneros mais ou menos legítimos. As divisões que estabelecem uma oposição entre leituras ‘úteis’ e leituras de ‘distração’ não valem mais: eles podem se divertir com o movimento das estrelas, e pensar que seja infinitamente ‘útil’ e precioso descobrir palavras que dão voz a seus medos ocultos ou sentido à sua vida. A maioria dos alunos do 5º ano não gosta de ler romance, como descreve Joaquim (5º ano): “Eu não gosto de livros de romance, eu acho chato e sem graça”. Se essas leituras não interessam, é porque elas não deixam marcas em seus leitores. 64 Os alunos também não gostam dos noticiários jornalísticos, em especial os que tratam de violência. Com isso, pode-se perceber que a leitura deles ainda é a da fantasia e não a da realidade; é a possibilidade de fugir da realidade, tanto social quanto pessoal (vida real). De acordo com os registros, percebe-se o leitor contemplativo, aquele que busca a quietude, a paz, o silêncio para ler. Raul (5º ano) diz: “Eu leio sozinho porque me sinto bem, ler um livro quieto”. E acrescenta: “Eu leio silencioso e sentado na minha caminha”. Já Davi (5º ano) expõe: “eu leio no quarto porque no quarto é mais calmo”. Como os alunos do 4º ano, preferem a intimidade do quarto para ler, onde é tranquilo e proporciona a imersão silenciosa do leitor em seu texto. Os alunos do 5º ano demonstram, ainda, a não exclusividade pelo quarto, podendo também ser na sala, como mostra a fala de Iasmim (5º ano): “Eu estava sozinha na sala enquanto lia o gibi”. “Eu leio sentada na minha cama, às vezes”. Para Manguel (1997, p. 68), “a leitura silenciosa permite a comunicação sem testemunhas entre o livro e o leitor e o singular ‘refrescamento da mente’”. Não importa, portanto, o lugar onde leem, desde que estejam sozinhos e possam concentrar-se em suas leituras. Paloma (5º ano) destaca: “Eu leio no quarto porque é um lugar silencioso, é um lugar tranquilo”. A predominância, porém, é a leitura no quarto. Apresentam-se os leitores imersivos, como assevera Santaella (2004, p. 23): “esse tipo de leitor nasce da relação íntima entre leitor e livro, leitura de manuseio, de intimidade, em retiro voluntário, num espaço retirado e privado”. Os registros anunciam que para esses alunos também prevalece a leitura solitária. Os amigos, colegas, professores e família participam depois desses momentos. Diz Paloma (5º ano): “Eu leio comigo mesma, com os colegas, os amigos, com o professor e familiares”. A leitura compartilhada com colegas e amigos remete à leitura virtual de redes sociais, nas quais dialogam entre si, e a própria tela do computador favorece visualizar e compartilhar as leituras com mais pessoas. Os registros dos alunos do 5º ano revelam que estes preferem as leituras com imagens, ou leituras de imagens que falam. As preferidas são as que apresentam pouco texto e muita figura. Como os alunos do 5º ano se expressam e constroem seus textos, suas descrições apontam muitos detalhes, o que demonstra o envolvimento com os registros no diário de bordo e que tal atividade foi relevante a esta aluna, como mostra a imagem seguinte: 65 Figura 22 – Relato de um dia de prática de leitura no diário de bordo Fonte: dados da pesquisa (2012) 4.3 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 6º ANO Os alunos do 6º ano mostram a preferência pelas leituras no computador – a leitura virtual ou de redes sociais. Diz Leonora: “ontem eu li no face os recados das minhas amigas”. Chartier (1998, p. 72) esclarece: “talvez os autores da era multimídia, um pouco como o autor de teatro, sejam governados, não mais pela tirania das formas do objeto-livro tradicional, mas no próprio processo da criação, pela pluralidade das formas de apresentação do texto permitida pelo suporte eletrônico”. 66 A faixa etária de 11 anos de idade é movida pela urgência em realizar algo. Os suportes midiáticos saciam a pressa desses leitores, bem como a diversidade de acessos aos assuntos de interesse. Ângelo (6º ano) enuncia: “eu li no MSN, no Orkut, Facebook, notícias de futebol na internet”. Esses suportes permitem ao leitor virtual acessar vários links ao mesmo tempo. Santaella (2004, p. 49-50) define estas possibilidades de conexão como sendo a hipermídia11, a qual [...] tem um sistema de conexões que lhe é próprio. O propósito básico desse sistema é conectar um nó a outro de acordo com algum desenho lógico, seja este analógico, arbóreo, em rede, hierárquico, etc. São essas conexões, geralmente ativadas por meio de um mouse, que permitem ao leitor da hipermídia mover-se através do documento. Descobrindo e seguindo pistas que são deixadas em cada nó 12, basta um instantâneo de um click para que, em um piscar de olhos, o leitor salte de um nó para outro. (grifos da autora). Com a hipermídia vêm o hipertexto e inúmeras possibilidades de interação entre o leitor e o instrumento de leitura. Segundo Silva (2006, p. 19), “é no universo do hipertexto que novos processos cognitivos e relações discursivas com a leitura estão sendo construídas. A opção de ler um pouco, de ler tudo, de copiar e colar, ou seja, a relação com o texto no suporte digital traz imbricadas novas maneiras de ler”. Para os alunos do 6º ano prevalece a preferência pela leitura no computador, o que demonstra ser esta leitura realmente atraente, interessante, provocativa e, acima de tudo, interativa. Santaella (2004, p. 52) acrescenta, sobre experiência de leituras, que a hipermídia [...] é uma linguagem eminentemente interativa. [...] O leitor não pode usá-la de modo reativo ou passivo. Ao final de cada página ou tela, é preciso escolher para onde seguir. É o usuário que determina qual informação deve ser vista, em que sequência ela deve ser vista e por quanto tempo. Quanto maior a interatividade, mais profunda será a experiência de imersão do leitor, imersão que se expressa na sua concentração, atenção, compreensão da informação e na sua interação instantânea e contínua com a volatilidade dos estímulos. 11 Santaella (2004, p. 48) explicita que “a hipermídia mescla textos, imagens fixas e animadas, vídeos, sons, ruídos em um todo complexo. É essa mescla de vários setores tecnológicos e várias mídias anteriormente separadas e agora convergentes em um único aparelho, o computador, que é comumente referida como convergência das mídias.”. 12 Santaella (2004, p. 49) nos apresenta uma definição de nós: “Os nós são as unidades básicas de informação em um hipertexto. Nós de informação, também chamados de molduras, consistem em geral daquilo que cabe em uma tela. Cada vez menos os hiperdocumentos estão constituídos apenas de texto verbal, mas estão integrados em tecnologias que são capazes de produzir e disponibilizar som, fala, ruído, gráficos, desenhos, fotos, vídeos etc. [...] Um nó pode ser um capítulo, uma sessão, uma tabela, uma nota de rodapé, uma coreografia imagética, um vídeo, ou qualquer outra subestrutura do documento.”. 67 A leitura de livros está em segundo lugar para os alunos do 6º ano, os quais afirmam que adoram desafios e desvendar os caminhos da tecnologia, que exigem a interação corpo/máquina. Quem a domina se autoafirma diante do grupo de convívio. É evidente que durante a passagem do 5º para o 6º ano a leitura mescla os seus sentidos, indo da leitura como aprendizagem para a busca da leitura prazerosa, interessante; cada um procura o assunto que lhe traga satisfação. Para Chartier (1998, p. 77), “a leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados”. Ocorre a passagem, ou o compartilhamento, da leitura do livro impresso à leitura em outros instrumentos. Os alunos evidenciam aqui a ideia de que o livro não é o único instrumento de leitura. Segundo os dados gerados, os alunos do 6º ano aumentam o interesse pelo gênero literário, trazendo novas hipóteses, tais como anuncia Betina (6º ano): “Eu gosto de ler livros de aventura, romance, histórias em quadrinhos, livros interessantes, livros clássicos, de mistério”. Santaella (2004, p. 24) descreve esse tipo de leitor, o leitor de livros: “é aquele que tem diante de si objetos e signos duráveis, imóveis, localizáveis, manuseáveis: livros, pinturas, gravuras, mapas, partituras [...] esse leitor não sofre, não é acossado pelas urgências do tempo”. Nas palavras de Betina (6º ano), fica clara a sua ligação de amizade com os livros. Theo (6º ano) relata: “Eu gosto de ler sobre notícias e problemas de Matemática, livros de adrenalina, aventura e muita diversão; na internet sobre jogos”. Sobre essa descrição, podemos fazer uma observação: as crianças têm vários instrumentos de leitura, mas no momento de dizer o que gostam de ler predomina a leitura do livro impresso. Na opinião de Santaella (2004, p. 23), “a leitura do livro é, por fim, essencialmente contemplação e ruminação, leitura que pode voltar as páginas, repetidas vezes, que pode ser suspensa imaginativamente para meditação de um leitor solitário e concentrado”. Os alunos destacam o desgosto pela leitura de revistas de celebridades, de fofocas, como nos relata Leonora (6º ano): “eu não gosto de ler revistas porque existem muitas fofocas e não tem nada a ver com a vida real”. Betina (6º ano) responde de modo semelhante: “eu não gosto de ler jornal, revistas de fofocas, porque falam coisas do dia a dia das pessoas que não mostram muita importância”. Neste ponto, é útil a contribuição de Petit (2008, p. 28): [...] o leitor não é passivo, ele opera um trabalho produtivo, ele reescreve. Altera o sentido, faz o que bem entende, distorce, reemprega, introduz variantes, deixa de lado os usos corretos. Mas ele também é transformado: encontra algo que não esperava e não sabe nunca aonde isso poderá levá-lo. A escolha do ambiente para as leituras obedece a um critério: o silêncio para a concentração. Betina (6º ano) diz: “eu leio sozinha, em casa, no quarto”. Leonora (6º ano) 68 deixa claro que o lugar da casa em que lê pode ser qualquer um, desde que esteja sozinha, como revela em seu depoimento: “eu leio sozinha, no quarto ou na sala”. Para Santaella (2004, p. 23), o espaço de leitura deve “ser de recolhimento [...] separado dos lugares de um divertimento mais mundano”. É evidente a estreita ligação entre o silêncio e a leitura; para entender o que leem, o silêncio é fundamental. Os alunos leem predominantemente sozinhos, conforme destaca Betina (6º ano): “gosto de ler com meus amigos, mas prefiro ler sozinha”. Em raros momentos dividem a leitura com outras pessoas. Ângelo anuncia (6º ano): “às vezes eu leio na companhia de minha mãe, dos meus irmãos, dos meus primos, do meu pai, dos meus amigos e colegas”. Os alunos do 6º ano, em seus registros, preferem as leituras virtuais, quando há possibilidade de leituras múltiplas em um mesmo tempo. Para realizar essas leituras, utilizam várias habilidades juntas: a visão para saber em que páginas ou links estão; o tato, para manusear o teclado e o mouse; e o cognitivo, para assimilar o conhecimento. Essas leituras são a preferência desses alunos porque estão cheias de desafios, e dominá-las causa certo status para os sujeitos. Tais leituras oferecem ainda a possibilidade de serem realizadas por mais de um leitor e atendem à urgência desses leitores que não querem perder tempo. Figura 23 – Entrevista semiestruturada de uma aluna do 6º ano Fonte: dados da pesquisa (2012) 69 4.4 O QUE A LEITURA REPRESENTA NA VIDA DAS CRIANÇAS Nesta seção, discuto, busco elementos capazes de responder e compreender o que a leitura significa para cada um desses alunos no contexto escolar. Não busco encontrar uma solução para a temática estudada, mas, sim, apontar uma direção entre os possíveis caminhos que permeiam a formação de leitores. As várias maneiras em que se apresenta a leitura podem contribuir na formação subjetiva do leitor, conforme Petit (2008, p. 72) “A leitura pode ser, em todas as idades, justamente um caminho privilegiado para se construir, se pensar, dar um sentido à própria experiência, à própria vida; para dar voz a seu sofrimento, dar forma a seus desejos e sonhos”. Sem dúvida, os registros sobre o que a leitura representa na vida de cada um dos alunos do 4º ano me surpreenderam em vários aspectos: pelo vocabulário utilizado, pela densidade de ideias, pela relação íntima e séria com o diário de bordo, pela quantidade de escrita e pela sua qualidade. Esses alunos demonstram que ler é importante. Para Joaquim (4º ano), as suas práticas de leituras o permitem viajar sem esquecer-se do conhecimento, como diz, “hoje eu li uma lenda legal e resolvi escrever nesse diário e deixei esta mensagem: Ler é a porta do mundo da fantasia onde só entra quem lê livros, ler também é pensar e soltar a imaginação e imaginar como esse mundo seria sem livro? Seria só tristeza e lágrimas.”. “Ler para mim significa aprender de um jeito divertido, é cultura, coisas novas e lendo, o mundo muda completamente e também as pessoas aprendem valores.”. Para Chartier (1998, p. 91-92), “cada leitor, para cada uma de suas leituras, em cada circunstância, é singular. Mas esta singularidade é ela própria atravessada por aquilo que faz que este leitor seja semelhante a todos aqueles que pertencem à mesma comunidade”. Em seus registros Lia (4º ano) traduz o que seria ler: “Para mim ler significa aprender as palavras e palavras novas”. Conforme Petit (2008, p. 37), “para falar do leitor trabalhado por seu encontro com um texto, passamos da leitura em geral para essa experiência particular que é a leitura de uma obra literária. Na literatura, o escritor faz justamente um trabalho de alteração da língua”. É através da leitura que o leitor se apropria das palavras, como afirma Frantz (2006, p. 13): “o leitor faz-se sujeito pela leitura, tomando posse das palavras. Pela apropriação das palavras, afirmando-se como sujeito da leitura, esta adquire uma função crítica, construtora, libertadora”. Lia destaca que a prática da leitura oferece a ampliação do vocabulário, aprender novas palavras. No momento em que aprende uma palavra nova e sua amplitude, esta começa a ser usada. 70 Para Rosa (4º ano), ler “significa um aprendizado divertido. Um aprendizado de cultura, ler mostra um mundo diferente, e também mostra que o mundo pode ser diferente. Também aprendemos valores com esta experiência”. Manguel (1997, p. 89) destaca que “a criança, aprendendo a ler, é admitida na memória comunal [...], familiarizando-se com um passado comum que ela renova, em maior e menor grau, a cada leitura”. Rosa destaca o aprendizado de valores, que constam nas histórias que lê. Segundo Davi (5º ano), “A leitura ensina muitas coisas e ela representa coisas legais e a gente aprende mais”. Esse registro da leitura é observado por Petit (2008, p. 64): “em qualquer idade, ler para ter acesso ao saber pode permitir que a pessoa mantenha um pouco o domínio sobre um mundo tão inconstante, sobretudo por meio de diversos suportes de informação escrita”. Neste registro, Iasmim (5º ano) descreve: “A leitura significa para mim aprendizado e imaginação. Quando eu leio um livro eu sinto que estou viajando nele”. Petit (2008, p. 28) afirma: Se a leitura desperta o espírito crítico, que é a chave de uma cidadania ativa, é porque permite um distanciamento, uma descontextualização; mas também porque abre um espaço para o devaneio no qual outras possibilidades são cogitadas. Complementa ainda que ‘não se deve opor a leitura considerada instrutiva àquela que estimula a imaginação. Uma e outra, uma aliada à outra, podem contribuir para o pensamento, que necessita lazer, desvios, passos fora do caminho. Nesses registros, percebe-se como a leitura é uma preocupação para os alunos. Não só saber ler, mas ler bem e quando solicitados a ler. Para Joaquim (5º ano), “significa aprender mais a ler, ler coisas difíceis, ser o melhor leitor, ler as histórias e conhecer mais os livros. Saber ler quando me pedem”. Para Petit (2008, p. 18), “a leitura bem feita exige certa paciência e tempo suficiente para penetrar nas profundezas das palavras dispostas nos textos. Só assim, os sentidos e significados se revelam e podem ser reconstruídos, no presente, pelo ato da leitura”. Ler é prazeroso para Paloma (5º ano), mas ela registra que a leitura também é conhecimento: “representa mais aprendizado tornar a leitura em conhecimento”. Petit (2008, p. 177) aponta que o encontro com os textos seja singular porque “a apropriação de um texto é um assunto individual: um texto nos apresenta notícias sobre nós mesmos, nos ensina mais sobre nós, nos dá as chaves, as armas para pensarmos sobre nossas vidas, pensarmos nossa relação com o que nos rodeia”. Para Ângelo (6º ano), a leitura significa “diversão, um modo de aprender etc. Eu acho importante saber ler, porque a gente se diverte, fica mais informado, aprende mais etc. Se a 71 leitura não existisse ninguém ia saber nada, ia falar com dificuldade, ninguém ia ser informado de nada”. Ângelo destaca que as leituras produzem, além do prazer, também acesso às informações no dia a dia. Ler um livro, para Leonora (6º ano), significa relacionar-se física e mentalmente com o texto: “eu fico mais calma, esqueço tudo de mal, fico mais pensativa”. Petit (2009, p. 114115) afirma: A leitura também recupere no dia a dia o que se esgarçou e controle aquilo que é estranho, inquietante. A ordenação sequencial, a elaboração estética, contida nos textos tranquilizam: o tempo é ordenado, os acontecimentos contingentes ganham sentido em uma história vista em perspectiva. E é como se, mediante a ordem secreta que emana da literatura, o caos do mundo interior pudesse assumir uma forma. Para Betina (6º ano), a leitura representa construir um projeto de vida: “Eu acho importante ler para estudar, quando eu for trabalhar, existem muitas pessoas que se aproveitam das pessoas que não sabem ler”. De acordo com Petit (2008, p. 103), “a leitura contribui assim para criar um pouco de ‘jogo’ no tabuleiro social, para que os jovens se tornem um pouco mais atores de suas vidas, um pouco mais donos de seus destinos [...]”. Os registros de Theo (6º ano) deixam transparecer sua preocupação com o futuro. Para ele, ler significa autonomia de pensamento e de conhecimento: “a leitura é boa para a gente aprender mais porque no futuro vai ser melhor a gente saber mais”. Segundo Frantz (2006, p. 17), a leitura faz parte do “processo de construção do sujeito social, [...] do processo de autoaperfeiçoamento intelectual de quem quer afirmar-se social e profissionalmente pelo caminho da educação, do estudo”. Esses alunos, em seus registros, sabem que a leitura significa muitas coisas, mas a principal é a relação do saber ler com o futuro; a relação da leitura com o conhecimento para uma vida profissional, ou melhores condições de vida. Petit (2008, p. 61) ressalta que “a leitura é um meio para se ter acesso ao saber, aos conhecimentos formais, e, sendo assim, pode modificar as linhas de nosso destino escolar, profissional e social”. Complementa ainda que “o saber é o que lhes dá apoio em seu percurso escolar e lhes permite constituir um capital cultural graças ao qual terão um pouco mais de oportunidade para conseguir um emprego”. Todos que deixaram seus pensamentos registrados revelam o lugar que a leitura ocupa na vida de cada um. Esse lugar é o empoderamento que o ato de ler, o acesso às palavras, aos signos, proporciona a quem sabe ler. Petit (ibidem, p. 43) ressalta: Ao compartilhar a leitura, ao contrário, cada pessoa pode experimentar um sentimento de pertencer a alguma coisa, a esta humanidade de nosso tempo ou de tempos passados, daqui ou de outro lugar, da qual pode sentir-se próxima. Se o fato de ler possibilita abrir-se para o outro, não é somente pelas formas de sociabilidade e 72 pelas conversas que se tecem em torno dos livros. È também pelo fato de que ao experimentar, em um texto, tanto sua verdade mais intima como a humanidade compartilhada, a relação com o próximo se transforma. Ler não isola do mundo. Ler introduz no mundo de forma diferente. O mais íntimo pode alcançar neste ato o mais universal. Para os alunos sujeitos da pesquisa, a leitura é a passagem do mundo da incompreensão para a liberdade de acesso ao conhecimento capaz de transformar as suas realidades sociais. É como se, a partir da leitura da primeira palavra, começasse um novo tempo, com a possibilidade de ler tudo o que existe no mundo. 4.5 A LEITURA E A PRODUÇÃO DO SUJEITO Nesta seção, discuto o que a leitura produz no sujeito leitor, o acesso à palavra, ao mundo letrado. Participar ativa e reflexivamente, pensando por si próprio, desenvolvendo a capacidade de simbolizar e imaginar. Compartilho da opinião de Petit (2008, p. 71), quando ela afirma: Quanto mais formos capazes de nomear o que vivemos, mais aptos estaremos para vivê-lo e transformá-lo. Enquanto o oposto, a dificuldade de simbolizar, pode vir acompanhado de uma agressividade incontrolada. Quando se é privado de palavras para pensar sobre si mesmo, para expressar sua angústia, sua raiva, suas esperanças, só resta o corpo para falar: seja o corpo que grita com todos os seus sintomas, seja o enfrentamento violento de um corpo com o outro, a passagem para o ato. Tenho vivido no ambiente escolar situações que ilustram a citação acima, as quais ilustro no diálogo a seguir: Em certa ocasião, após presenciar vários atos violentos de uma criança, e ter feito alguns registros de ocorrência como forma de advertência ao seu comportamento, através de um momento de reflexão sobre suas atitudes fiz a seguinte pergunta: - Você já sabe ler e escrever? E esta criança muito tristemente respondeu: - Não, profe. Novamente a indaguei: - Você quer aprender? - Sim. Então disse para ela: - Hoje aqui, comigo, você vai aprender a ler e escrever. A partir dessa conversa, desenvolvi um ditado. Apesar de não gostar de fazer ditado em função de não saber escrever, mesmo assim ela o fez. Mostrei para ela como fazer para descobrir as palavras através do som das letras, e assim 73 fui ditando as palavras e fazendo com que ela observasse bem a minha boca, enquanto pronunciava com as palavras, com a intenção de fazê-la descobrir o som das letras para escrever e ler as palavras. Quando ela percebeu que conseguia escrever, foi como se um peso tivesse sido tirado de suas costas. E esboçou um sorriso de satisfação, dizendo: - Então eu sei escrever! Na escola, diariamente, convivendo com situações como essa, a própria história da leitura também nos mostra que o acesso às palavras já foi um dia, e talvez ainda em alguns casos continua sendo, um grande instrumento de poder, dominação e status perante a sociedade. Porém o que tem prevalecido é a rotulação dos sujeitos leitores e a ascensão dos não leitores. Corso e Ozelame (2009, p. 74) questionam: “por que ser o chato, o CDF, o tapado, o intelectual da sala apenas pelo motivo de ler se o popular do colégio é o indivíduo que justamente não lê?” Se, para ser um leitor, significa possuir esses adjetivos, é importante trabalhar esses conceitos no ambiente escolar e retirar a carga preconceituosa imposta sobre eles e sobre a leitura. O que se percebe na sala de aula, nos discursos dos professores aos alunos, é aquele de que a leitura é importante, que os alunos devem ler, pois através da leitura terão mais conhecimento, e quem tem conhecimento tem maiores chances de ter um futuro melhor, um bom emprego e, assim, ser alguém na vida. Contudo esse discurso se torna distante da realidade escolar, pois apenas uma minoria acredita no conhecimento e nos caminhos que se abrem através dele. Talvez o discurso do professor seja um e sua prática seja outra, pois na hora de estar em sala de aula com o aluno trabalhando com leitura, as tentativas vão direto ao ponto: apresentam-se textos e propõe-se a leitura, sucedida de interpretação, sem as motivações preliminares que norteariam com mais êxito as atividades de leitura. Dispondo de pouco tempo, com aulas demarcadas em minutos, educadores são impulsionados a fazerem do processo de leitura uma aprendizagem mecânica, com tempo e finalidades delimitados. Gastar esse precioso tempo com leitura é para a maioria dos professores um desperdício. No entanto, onde estão as práticas leitoras dos docentes junto aos alunos? Que exemplo tem dado o docente com práticas leitoras para seus alunos? Como aprendemos a ser leitores? Tornamo-nos leitores em grande parte por influência de alguém. Petit (2009, p. 22) afirma que “o gosto pela leitura e sua prática são, em grande medida socialmente construídas”. Ainda conforme a autora (ibidem, p. 22): A leitura é uma arte que se transmite mais do que se ensina [...] é o que demonstram vários estudos. Estes revelam que a transmissão no seio da família permanece a mais frequente. Na maioria das vezes, tornamo-nos leitores porque vimos nossa mãe ou 74 nosso pai mergulhado nos livros quando éramos pequenos, porque os ouvimos ler histórias ou porque as obras que tínhamos em casa eram tema de conversa. Observando os registros nos diários de bordo e nas entrevistas, percebe-se que quanto mais os alunos avançam na escolaridade, menos demonstram o gosto pela leitura, reconhecendo-a como caminho ao conhecimento. Os professores dos Anos Iniciais ainda incentivam os alunos a ler, pois nessa fase a leitura ainda tem uma função lúdica, fantasiosa, imaginativa. Nos Anos Finais, conforme entrevista semiestruturada, Theo, aluno do 6º ano, coloca que “ontem eu li sobre uma pesquisa de ciências sobre uma lontra, onde ela vive, nome científico”. E Ângelo também relata “eu li texto no livro de história”. Percebe-se que eles relatam que leem esses textos, porém nenhum relatou que gosta de lê-los. Nessa perspectiva, a segmentação de várias disciplinas em um turno de aula contribui para a leitura de vários textos, um diferente do outro (em virtude da organização das disciplinas), com objetivos e conteúdos diferentes e, portanto, sem uma intertextualidade. Então, se cada disciplina exige que aluno desenvolva a leitura, e estas acontecem de maneira diferente com assuntos diferentes e em pouco tempo, pergunto: qual é a assimilação que o aluno faz de cada uma? Ou é só uma leitura mecânica, obrigatória? Portanto a constituição do leitor esta à mercê em grande parte de terceiros que transformam o ato de ler em obrigatoriedade, conforme ordem e vontade de alguém. No entanto, conforme Petit (2008, p. 141), “o que atrai a atenção da criança é o interesse profundo que os adultos têm pelos livros, seu desejo real, seu prazer real”. Na maioria das vezes, o sujeito, para se tornar leitor, depende das influências do seu meio social, o que vive, como vive e com quem vive, e a escola desempenha papel fundamental nesse processo de não romper ou modificar essas práticas de leitura, como, por exemplo, a passagem dos Anos Iniciais para os Anos Finais do Ensino Fundamental. A constituição do leitor depende também da construção de si mesmo, em que a leitura desempenha o papel de “conhecer-se um pouco melhor, poder pensar-se em sua subjetividade, manter um sentimento de individualidade” (ibidem, p. 73). Petit complementa, dizendo ainda que “a leitura pode ser uma via privilegiada para inventar um caminho singular para construir uma identidade aberta, em evolução, não excludente”. 75 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao finalizar esta pesquisa, as considerações aqui apresentadas mostram o caminho percorrido, as aprendizagens conquistadas e as inquietações que permaneceram. Esta pesquisa apontou que os alunos desenvolvem a prática da leitura na escola, leem aquilo que a escola quer que eles leiam. As práticas de leituras que os alunos consideram interessantes são pouco valorizadas pela escola, o que resulta no desinteresse e também um distanciamento das leituras que formam leitores, em nome de uma leitura exigida pela escola. Pude perceber que determinadas práticas de leituras modificam o leitor, pois este, com o auxílio de suas leituras, se torna capaz de superar conflitos em sua vida. Cada aluno tem a sua preferência de leitura e se apropria dela de forma peculiar, definindo-a. Assim, esse sujeito constitui as suas experiências de leituras. Acredito que o ponto-chave das práticas de leituras na escola sofre modificações no período de transição do 5º para o 6º ano do Ensino Fundamental e está na relação entre sujeito-livro. Nos Anos Iniciais, em que as áreas do conhecimento são trabalhadas de forma globalizada (um professor trabalha com todas elas), as práticas de leitura são oferecidas de forma individual e peculiar, e cada leitor escolhe o que quer ler. Por ser ensino globalizado, a professora incentiva que os alunos escolham qualquer tipo de livro, deixando-os livres para escolherem aquele que lhe interesse ou agrade, com frequentes visitas à biblioteca. Ao fazer a transição para os Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ano), as disciplinas são organizadas de forma fragmentada, não mantêm um diálogo entre si (apresentando-se como que em caixinhas separadas). A partir desse momento, geralmente quem oportuniza a escolha dos livros é a professora da disciplina de português que, apesar de proporcionar a opção de escolha do livro, acaba direcionando sua escolha de acordo com o que está sendo trabalhado ou que tenha a ver com a área do conhecimento trabalhado, no caso a Língua Portuguesa. E assim subsequentemente, cada professor exige que o aluno faça leituras que ele elege como importantes. Observei que as visitas à biblioteca já se tornam restritas. O papel da escola é fundamental porque não é na família que a maioria dos educandos da escola pública desenvolve práticas de leitura tidas como suficientes. Por isso, cabe à escola formar e incentivar práticas de leitura, privilegiando aos alunos o contato com a leitura. A pesquisa apontou que os professores dos Anos Iniciais incentivam as práticas de leitura dos mais diversos gêneros textuais e das mais diversas formas de apresentação desses textos, por exemplo: dramatização, contação de histórias, lendas, poesias, trava-línguas, dentre outros. Já os professores dos Anos Finais não assumem a responsabilidade do incentivo 76 às práticas de leitura. Ninguém se responsabiliza de fato pela leitura, deixando a exclusividade das práticas de leitura para a disciplina de Língua Portuguesa. No tocante ao momento da transição do 5º para o 6º ano, o aluno está ainda na fase da leitura pela imaginação, pelo faz de contas, pela linguagem figurativa, não estando pronto para a leitura mais exigente, com vocabulário mais difícil, sem imagens. No momento em que não compreendem o que estão lendo, já que a imagem não está presente como suporte de leitura, o ato de ler se torna desgastante, sem significação e obrigatório, pois, agora, ler “vale nota”. É fundamental a escola oferecer uma literatura compatível com essa fase de desenvolvimento, e também uma literatura atualizada diante dos novos interesses de leitura. Ao se referir à biblioteca, Petit (2009, p. 274) aponta que esta “deveria ser um espaço cultural, mais do que um complemento didático, para dar lugar a percursos singulares, a achados imprevistos”. Nessa perspectiva, concordo com Petit (2008), pois pude perceber que na biblioteca da escola o acervo disponível para essa faixa etária não é suficiente, limitando a biblioteca enquanto espaço cultural que deveria favorecer práticas de leituras não só do professor, mas também do aluno e da comunidade. A prática da leitura é uma responsabilidade coletiva entre escola, família e sociedade. Os dados desta pesquisa mostram que a leitura em e na família é privilegiada, incentivada principalmente pela figura materna. Os alunos salientam que a mãe é a companhia nas suas práticas de leitura. Talvez isso se dê por meio de concepções culturais ligadas ao fato de que a mãe conta histórias para o bebê dormir; é ela quem na maioria das vezes coloca a criança para dormir, contando-lhe uma história, colocando-a em contato com o imaginário, com o faz de contas e com o próprio ato de ler. Para incentivo dessa leitura familiar, uma boa opção seria a criação de projetos de práticas de leituras a partir da escola, em que o aluno e a família promovam uma leitura coletiva. Conforme Petit (2008, p. 140-141): A importância da familiaridade precoce com os livros, de sua presença física na casa, de sua manipulação, para que a criança se torne mais tarde, um leitor. A importância, também, de ver os adultos lerem. E ainda o papel das trocas de experiências relacionadas aos livros, em particular as leituras em voz alta, em que os gestos de ternura, a inflexão da voz, se misturam com as palavras. Em nenhum dos registros feitos pelos alunos se observa que em suas casas existe um espaço próprio para ler (biblioteca ou um lugar especial para os livros), então realizam suas leituras preferencialmente na sala e no quarto, salientando que o importante para ler é o silêncio, a solidão e a privacidade na hora da prática de leitura. 77 A escola participa ainda de modo tímido na formação do leitor. É preciso que ela reative seus projetos de práticas de leituras e as considere possíveis e significativas em seu cotidiano, porque o contato do sujeito com a leitura, seja ela qual for, coloca-o diante dos mais variados textos e práticas de leituras. Essas práticas podem servir de elementos propulsores do crescimento do aluno como leitor e como ser humano. Diante de tais observações, verifico que o espaço escolar é propício para oferecer as mais variadas práticas de leituras em seus mais variados suportes textuais, para que cada sujeito se aproprie desses textos e para que os ressignifiquem. Cada sujeito se apropria de suas leituras a seu modo, por isso não é possível prever o que cada leitura vai fazer com o sujeito. Este não se torna um leitor só porque o professor diz que é importante ler; a formação do leitor acontece nas práticas diversificadas de leitura que cada sujeito realiza. Esta pesquisa mostrou que as práticas de leitura na escola estão diretamente ligadas aos instrumentos que os alunos utilizam para ler. Por exemplo, a maioria dos alunos pesquisados declarara que lê no computador, que gosta da leitura virtual, pois esta permite uma leitura mais dinâmica e agiliza a procura pelo que mais interessa e pelo que mais é do seu entendimento. Assim, fica a pergunta: por que a escola não proporciona mais intensamente esse meio de leitura? Nessa perspectiva, ressalto ainda que, durante a análise dos dados gerados, todos os alunos pesquisados consideram a leitura importante para sua aprendizagem e para sua vida profissional, porém ainda falta desenvolver ou manter o encantamento por essa prática. O que é um tanto contraditório, pois mesmo sabendo da importância da leitura, não a praticam. Espero que o material teórico-reflexivo construído aqui se reverta em subsídio para reflexões na escola pesquisada, bem como para estudos de professores de outras escolas e pesquisadores. As informações aqui registradas mostram algumas práticas de leituras e a forma como os alunos as veem ou significam. Tais práticas podem servir de auxílio e subsídio para a percepção de um outro olhar dos professores a respeito desses diferentes modos de ler, tão relevantes na formação do leitor. Esta busca não se encerra com este desfecho. Nenhum estudo é completo e decisivo em si mesmo. Este trabalho apenas abre caminho para a reflexão das práticas de leitura que temos na escola e como talvez possamos melhorá-las para que a formação de leitores seja voltada para a autonomia e a criticidade desenvolvidas através da leitura. 78 REFERÊNCIAS ALVES, Érica Vaz. Estratégias de leitura e a (re)significação de uma prática de leitura. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. ANFLOR, Tatiana. A leitura nas classes populares: uma investigação na 5ª série do ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa: uma leitura de Habermas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 7, de 14 de dezembro de 2010. 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OBJETIVO Elevar a qualidade do desempenho dos alunos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio nos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, aperfeiçoando e modernizando as práticas pedagógicas e visando a reverter os índices não satisfatórios apontados pelos indicadores de eficácia evidenciados pelo sistema de avaliação – Saers. 3. PÚBLICO-ALVO Professores do Ensino Fundamental e Médio da escola estadual envolvida. 4. JUSTIFICATIVA O presente projeto justifica-se por considerarmos urgentes as mudanças voltadas para a melhoria do processo de ensino no contexto educacional da escola, tendo em vista as mesmas dificuldades de aprendizagem nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática. Apresentamos um único projeto de intervenção pedagógica, o qual subsidiará os trabalhos que serão desenvolvidos pelos docentes no dia a dia. 85 O diagnóstico nos levou à elaboração desta proposta. A aplicação deste projeto possibilitará aperfeiçoamentos para a atuação dos docentes na sala de aula. 5. DIAGNÓSTICO De acordo com os resultados em Língua Portuguesa na Escola T.A.T., constatamos a necessidade de avançarmos na leitura, porque nos encontramos em nível rudimentar e de leitor iniciante. Em Matemática, a Escola T.A.T. localiza-se no nível básico, apresentando conhecimentos parciais e restritos. 6. DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA 6.1. Ações - Realizar avaliação diagnóstica dos alunos do 2° ano do ensino Fundamental de 9 anos. - Introduzir sistemática de acompanhamento de desempenho dos alunos. - Elaborar programa de capacitação para os professores do 2° ano. - Realizar uma reunião mensal entre os professores para discutir dificuldades dos alunos e propor soluções. - Capacitar dois professores do Ensino Fundamental nos componentes curriculares de Matemática e Língua Portuguesa com carga horária de quatro horas. - Realizar oficinas para os professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, trazendo técnicas inovadoras e criativas de jogos para dinamizar as aulas. - Reunir os professores da escola para avaliar os resultados dos alunos e desempenho alcançado nas avaliações externas. - Adquirir duas coleções de livros pedagógicos de alfabetização e letramento para uso dos professores. - Adquirir os seguintes materiais de apoio pedagógico: 20 jogos diversos, 15 quebracabeças, 20 minidicionários para uso do aluno, 100 cadernos, 50 conjuntos de pincéis atômicos com seis unidades, 50 jogos de caneta hidrocor com 12 unidades, 20 grampeadores pequenos, 100 tesouras pequenas, 10 conjuntos de alfabeto móvel, 10 discos de fração, 10 loto numérica. - Elaborar, juntamente com os professores das disciplinas críticas, listas de materiais de apoio pedagógico que venham a facilitar a aprendizagem dos alunos em sala de aula. - Analisar com os professores da escola quais as maiores necessidades de acervo bibliográfico para material de consulta como apoio pedagógico. 86 - Contratar um consultor para capacitar todo o corpo docente e funcionários da escola com carga horária de 18 horas, com temática sobre montagem e desenvolvimento de projetos escolares. 6.2. Ementa a) Língua Portuguesa - Criar um varal de contos e poesias. - Manter uma biblioteca na sala de aula. - Interpretação de textos (quadrinhos, charges, notícias, tirinhas, curiosidades científicas). - Oferecer modelos de leitura, lendo para o aluno em voz alta a fim de que perceba as diferentes entonações e paradas nos sinais de pontuação. - Escrever, ler e discutir com a turma os textos que circulam na escola. - Criar uma rádio escolar, em que cada turma é encarregada de selecionar notícias, músicas, enfim a programação, por alguns minutos durante o turno. - Realizar atividades prazerosas, como bingos de sílabas, caça-palavras, palavras cruzadas. - Ler e discutir com a turma matérias jornalísticas que estejam mobilizando o grupo, incentivando um posicionamento crítico dos alunos em relação a elas. - Discutir com os alunos as interpretações possíveis para textos que conjugam linguagem verbal e não verbal (tirinhas, propagandas...). - Explorar o conteúdo implícito de textos diversos. - Questionar os alunos quanto à finalidade dos textos que leem, ao público ao qual se dirigem e à linguagem utilizada, levando-os a observar a forma do texto e de que modo ela pode contribuir para a interpretação de seu conteúdo. - Relacionar os fatos apresentados no texto às suas causas. - Identificar, num texto de comunicação científica, os argumentos que o autor emprega para sustentar suas afirmações, construindo, por exemplo, um esquema a partir de um texto informativo. - Incentivar a comparação entre textos de diferentes gêneros que abordam uma mesma temática. b) Matemática - Incentivar a observação de formas geométricas e representá-las por meio de desenhos ou construí-las utilizando materiais diversos. - Propor atividades lúdicas que envolvam troca entre moedas e cédulas. 87 - Realizar medições convencionais e não convencionais; registrar essas medições, operando com elas. - Relacionar semanas e dias, associando essas unidades de tempo. - Conhecer relógios de ponteiros e digital e construí-los. - Propor atividades com material dourado. - Facilitar a compreensão das trocas. - Explorar atividades na calculadora. - Cálculos mentais com situações do dia a dia. - Apresentar situações reais para trabalhar com as quatro operações e focalizar os diferentes significados destas. - Compreender, organizar, apresentar e montar gráficos dos dados. - Utilizar caixas e sólidos geométricos de diferentes formas e tamanhos; fazer planificações e construções de maquetes. - Trabalhar com representações gráficas e mapas. - Representar trajetórias, localização de pessoas ou objetos na sala de aula. - Comparar figuras geométricas, observar e anotar as propriedades específicas de cada uma, além de identificar suas semelhanças e diferenças. - Aplicar atividades envolvendo cálculo mental e estimativas. - Interpretar as informações contidas em gráficos e tabelas que aparecem frequentemente nos meios de comunicação, bem como registrar em gráficos as pesquisas realizadas pelos alunos. 7. FORMAS DE AVALIAÇÃO Acontecerá de maneira contínua e sistemática, considerando as produções realizadas no desenvolver das capacitações e, especialmente, na aplicabilidade das atividades vivenciadas na escola, bem como mediante realização e execução de projetos interdisciplinares no âmbito escolar. Espera-se também que possamos ressignificar o processo ensino-aprendizagem e, consequentemente, obtermos os bons êxitos não apenas nas próximas avaliações do Saers, mas durante toda a vida dos alunos/cidadãos. 8. MUDANÇA DE RESULTADOS ESPERADOS EM TERMOS DE INDICADORES Elevar os níveis de conhecimento dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática, objetivando resultados significativos nas avaliações do Saers.