UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PÓS-GRADUAÇÃO STRITO SENSU EM ARQUITETURA E URBANISMO MARCIA PINTO DA SILVA A PRIVATIZAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DESDE AS REVOLUÇÕES BURGUESAS E O CONFORTO SUBJETIVO EM ARQUITETURA SÃO PAULO 2013 MARCIA PINTO DA SILVA A PRIVATIZAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DESDE AS REVOLUÇÕES BURGUESAS E O CONFORTO SUBJETIVO EM ARQUITETURA Dissertação apresentada ao Curso de Pósgraduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu para obtenção do título de mestre. Orientador: Prof. Dr. Adilson Costa de Macedo. SÃO PAULO 2013 Silva, Marcia Pinto da A privatização dos comportamentos desde as revoluções burguesas e o conforto subjetivo em arquitetura / Marcia Pinto da Silva. – 2013. 68 f. : il. color. ; 30 cm. Orientação: Prof. Dr. Adilson Costa de Macedo. Dissertação (Mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, 2013. 1. Conforto doméstico. 2. Design de Interiores. I. Silva, Marcia Pinto da. II. Universidade São Judas Tadeu (Curso de Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo). III. A privatização dos comportamentos desde as revoluções burguesas e o conforto subjetivo em arquitetura. MARCIA PINTO DA SILVA A PRIVATIZAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DESDE AS REVOLUÇÕES BURGUESAS E O CONFORTO SUBJETIVO EM ARQUITETURA Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu para obtenção do título de mestre. Dissertação defendida e aprovada em 05 de setembro de 2013 pela banca examinadora: Prof. Dr. Adilson Costa de Macedo (Universidade São Judas Tadeu) Orientador Prof. Dr. Roberto Monaco (Centro Universitário Belas Artes de São Paulo) Profa. Dra. Katia Azevedo Teixeira (Universidade São Judas Tadeu) . Dedico este trabalho a todos os profissionais que, nas suas especialidades, dedicaram-se ao ofício de formar designers de interiores no país pelo entendimento de ser este um dever especial; uma incumbência, uma ocupação que zela pela vida. AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente as equipes docentes e administrativas das instituições de ensino em que pude construir esta experiência de dissertação, seja na condição de professora, seja na condição de aluna, a saber: Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, ETEC Carlos de Campos e Universidade São Judas Tadeu. Sou grata ao suporte institucional da CAPES, sem o qual a viabilidade dos estudos necessários a este trabalho não seria possível. A todos os alunos e alunas que compartilharam direta e indiretamente de minha trajetória profissional até este momento: meu muito obrigada! E agradeço, de todo o meu coração, o companheirismo transcendente de três pessoas que, sem exageros, transformam(ram) a minha vida: Marta Vieira Bogéa, Jethero Cardoso de Miranda e Adilson Costa de Macedo. “Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me? Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. (...)” (Carlos Drummond de Andrade) RESUMO Presumindo a hipótese de haver uma relação entre o conceito de conforto doméstico na atualidade e o chamado conjunto das revoluções burguesas do século XVIII, responsáveis pela crise do Ancien Regime, na passagem do capitalismo comercial para o industrial (mercantilismo), o objeto de estudo escolhido para esta dissertação é o conceito de conforto como parâmetro projetual do espaço doméstico. As revoluções científicas, culturais, militares e industriais ocorridas destacadamente nos últimos 350 anos preconizadas pelo pensamento racionalista alteraram o cenário das relações mundiais e, mesmo, comportamentos de consumo de bens e serviços de cada grupo de indivíduos, inclusive, na condução e conformação de seus lares e do cotidiano doméstico e suas prerrogativas de privacidade, segurança e conforto físico e psicológico. No referente à transformação da vida privada – hábitos e habitat-, esta dissertação constitui-se de uma ambientação histórica da vida social aristocrática na França “dos” Luíses, reis entre 1643 e 1792, prossegue com as transformações que a industrialização do século XIX promoveu com as utilidades domésticas quando também incute a higiene asséptica como valor de superioridade social ao mesmo passo dos sanitaristas e do saneamento básico nas cidades e apresenta, na etapa final de sua elaboração, uma reflexão sobre em que medida os interiores domésticos denotam os interesses hedonistas e as necessidades da “sociedade de consumo” que são mais amplas hoje que as necessidades básicas ou biológicas da vida. Estão mais próximas da relação que se estabelece entre o indivíduo e a sociedade, mediada pela posse dos objetos, que atende às vontades do indivíduo, ressignificando-o perante ele próprio e a sociedade. O impacto que esse legado projeta na concepção de moradias atualmente exige uma compreensão plural sobre as transformações históricas específicas quanto ao conceito cultural de conforto que, como qualquer conceito cultural, é permeável ao seu próprio passado. Palavras-chave: Conforto doméstico. Design de Interiores. Higiene do lar. ABSTRACT Assuming the hypothesis that there is a connection between the current concept of domestic comfort and the so-called XVII century bourgeois revolution, responsible for the Ancien Regime crisis, in the transition of the commercial capitalism to the industrial capitalism, the object of study chosen for this dissertation is the concept of comfort as parameter for the project of the domestic space. The scientific, cultural, military and industrial revolutions which took place markedly over the past 350 years acknowledged by the rationalist thought altered the scenario of world relationships and even the individual pattern of consumption of goods and services including the running and arrangement of homes and the domestic routine and the prerogative of privacy, safety, physical and psychological comfort. As regards the transformation of private life, habits and habitat, this dissertation consists of a historical description of the aristocratic social life in the king “Louises´” France between 1643 and 1792, it advances to the transformations that the XIX century industrialization promoted through the domestic appliances when it also establishes the aseptic hygiene as social superiority value, alongside with sanitation specialists and public sanitation services in the cities and finally it brings a reflection over the extent to which domestic interiors denote hedonist interests and the needs of the “consumerism society” which are ampler than basic biological needs in life. They are closer to the relationship established between the individual and the society mediated by the ownership of objects which cater for the individual desires resignifying themselves and the society. The impact of such legacy on the current conception of houses demands a plural understanding of the specific historical transformations as for the cultural concept of comfort, which like any other cultural concept, is permeable to its own past. Keywords: Domestic comfort. Interior Design. Home hygiene. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Luís XIV visitando a Fábrica de Gobelins ......................................................... 19 Figura 2 - Palácio de Versalhes ........................................................................................... 20 Figura 3 - Grande galeria de Versalhes ............................................................................... 21 Figura 4 - Palácio de Versalhes visto do jardim ............................................................... 21 Figura 5 - Ilustração de época de um canapé ...................................................................... 23 Figura 6 - Poltrona bergère em babriolet francesa ............................................................ 23 Figura 7 - Retratos de Madame de Pompadour, entre os anos de 1750 e 1760 ................. 25 Figura 8 - Poltrona estilo Luís XIV ..................................................................................... 26 Figura 9 - Poltrona estilo Luís XV ...................................................................................... 26 Figura 10 - Poltrona estilo Luís XVI ................................................................................... 26 Figura 11 - Duchesse estilo Chippendale ............................................................................ 27 Figura 12 - Cômoda francesa ............................................................................................. 28 Figura 13 - Capa e contracapa da publicação Cours d’architecture .................................. 29 Figura 14 - Desenho de banheira ......................................................................................... 32 Figura 15 - A Toilette de Vênus .......................................................................................... 33 Figura 16 - Planta baixa de mansão-modelo constante da Encyclopédie ........................... 34 Figura 17 – Capa do primeiro volume do Curso de Arquitetura e prancha de desenho da mesma obra ......................................................................................................................... 35 Figura 18 - O amanhecer .................................................................................................. 36 Figura 19 - Madame Boucher ............................................................................................. 39 Figura 20 - A Toalete .......................................................................................................... 40 Figura 21 - La Liberté guidant le people ............................................................................ 42 Figura 22 - Banheiro Twyfords ......................................................................................... 47 Figura 23 - Banheiro Twyfords .......................................................................................... 48 Figura 24 - Ilustração da pirâmide de necessidades biológicas humanas de Maslow ........ 59 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 10 1. A TRANSFORMAÇÃO DO CONCEITO DE MORADIA DESDE AS REVOLUÇÕES BURGUESAS DOS SÉCULOS XVII E XVIII .............................................................................. 14 1.1 Antecedentes do conceito de conforto na cultura europeia ....................................................... 15 1.2 Concepção francesa de conforto ................................................................................................ 18 1.3 O conforto como valor semântico .............................................................................................. 28 1.4 A privatização dos comportamentos e do cotidiano .................................................................. 33 1.5 Os interesses hedonistas e os interiores domésticos .................................................................. 38 2. A INDUSTRIALIZAÇÃO E AS TECNOLOGIAS DOMÉSTICAS DO SÉCULO XIX ............ 43 2.1 A mulher, o moralismo vitoriano e a assepsia virtuosa ............................................................. 43 2.2 O lar eficiente e as utilidades domésticas .................................................................................. 44 2.3 Higiene e beleza como valores de superioridade social ............................................................ 46 2.4 Higienistas, indústria e publicidade: o aspirador de pó ............................................................. 48 3. O MOVIMENTO MODERNO E A MASSIFICAÇÃO DE PRODUTOS E SERVIÇOS PARA AS MORADIAS ............................................................................................................................. 50 3.1 Racionalização: indústria e conforto .......................................................................................... 50 3.2 A interação humana com os objetos: a distinção recíproca ....................................................... 56 3.3 Paradigmas do conforto biológico ............................................................................................. 58 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 66 10 INTRODUÇÃO Entre os fatores mais inquietantes para o indivíduo civilizado, possivelmente, está a premência constante de alinhamento dos comportamentos e desejos com os códigos de consumo das sociedades (contemporâneas ou não), com o status quo dos grupos socioculturais dominantes, com o ajuste formal de seu modus vivendi no interesse não estrito, mas predominante, de pertencer ao conjunto social. As aspirações individuais e/ou coletivas de determinados períodos no referente à habitação, os arranjos e manejos das moradias, os desejo que – espontâneos ou induzidos podem sinalizar em quais sentidos as residências são uma fronteira da individualidade ou do modo como os usuários se apropriam do espaço edificado, adequando-os aos seus exercícios de produção de significados. Nesse sentido, a própria vontade de expressão individual, tão característica da época atual (BOTTON, 2007, p.12), torna-se aliada importante dos meios de comunicação e marketing1, dos promotores de anseios e de novas necessidades. Circunstância que facilita, para a indústria imobiliária, potencializar os interesses de comercialização do bem imóvel a cada época, tanto com a presença de “estilos arquitetônicos” que faz ressurgir, como com as adaptações promovidas no dimensionamento de ambientes da moradia e no fomento de outras necessidades acrescentadas ao programa arquitetônico2, incidindo diretamente na economia do setor da construção civil. Além disso, mesmo com a estrutura da habitação mantendo a tradicional tripartição burguesa (área social, íntima e de serviços), a complexidade dos programas de necessidades e a especialização funcional dos diversos parcelamentos e subdivisões das moradias aumentam o número de designações: cozinha gourmet, living balcony, home office, living externo, sala de banho, APA (área de preparação de alimento), terraço social com lareira, home theater. Contribuem para tais alterações as diversas formas contemporâneas de relacionamento social – desde as novas composições dos grupos familiares e os novos arranjos sociais destes - ou ainda as mudanças de comportamento causadas pelo intenso convívio com os 1 “marketing SM (ingl) Propag 1 Comercialização. 2 Execução de todos os atos de comércio que sirvam para dirigir o escoamento de mercadorias e serviços do produtor ao consumidor. 3 Conjunto de operações que envolvem a vida do produto, desde a planificação de sua produção até o momento em que é adquirido pelo consumidor”. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=marketing. Acesso em: jul. 2013. 2 O programa arquitetônico é o conjunto sistematizado de requisitos para determinado uso de uma construção. É usado nas fases iniciais do projeto a fim de nortear as decisões a serem tomadas. Ajustar a edificação às restrições legais é a base a que serão somados os interesses de comercialização do bem imóvel: a cada época correspondem características nos programas de necessidade. 11 eletroeletrônicos nas habitações (tanto em razão do barateamento dos bens existentes dessa natureza, quanto da ampliação constante da oferta de novos aparelhos). Tais transformações, como já referido, manifestam-se na concepção de lar (palavra que reúne o significado de casa e família)3 e no conceito cultural de conforto na contemporaneidade, assunto esse que funda o interesse desta dissertação de forma particular. Em São Paulo - a maior cidade do país e uma entre as 10 mais populosas do mundo 4, em contínuo crescimento vertical, paralelamente à expansão horizontal também contínua no cinturão perimetral / periferia -, tais alterações na moradia de alto padrão (em particular) são frequentemente propostas e aceitas, culminando em sua difusão, gradativamente, às edificações destinadas aos estratos sociais imediatamente abaixo, ainda que com programa, espaços, dimensionamentos, materiais e construção inferiores. 5 A tradição do liberalismo assim estabelece: a ascensão social é um processo mimético (sabido como mania de imitação e mesmo disfarce). Situação que pode ser testemunhada na cidade a partir da década de 1970, quando ocorre uma irrevogável verticalização das moradias na cidade, juntamente com a grande valorização dos preços de m² dos terrenos, o alto custo das taxas de juros dos financiamentos e a consequente redução do poder aquisitivo. Acrescenta-se ainda como fator que incide no preço excessivo das unidades a pouca racionalização dos meios de produção e industrialização da construção civil. Em conjunto, essas circunstâncias estão diretamente relacionadas à revisão do programa de necessidades e das dimensões, adotadas nos lançamentos de edifícios de apartamentos designados de alto padrão ou padrão luxo, pelo mercado imobiliário. A concepção do projeto pode ser considerada, assim, no mercado imobiliário residencial, uma operação dos departamentos de marketing das construtoras e incorporadoras; esses (departamentos) sim os responsáveis pela interpretação das expectativas 3 “Lar - sm (lat lare) 1 Lugar na cozinha em que se acende o fogo; lareira; fogão. 2 Superfície do forno onde se põe o pão para cozer. 3 Face inferior do pão, que fica assente sobre a superfície do forno. 4 Torrão natal; pátria. 5 Casa de habitação. 6 Família. (...) L. doméstico: a casa da família”. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=lar. Acesso em: jul. 2012. 4 “A Rede C40 de Grandes Cidades (C-40 Large Cities Climate Leadership Group) é uma organização que reúne a cada dois anos, as maiores cidades do mundo para a discussão do papel dos governos locais no combate às mudanças climáticas desde 2005”. Disponível em: http://www.c40cities.org/c40cities/sao-paulo. Acesso em: jul. 2012. 5 Disponível em: http://classificados.folha.uol.com.br/imoveis/1190115-hit-de-lancamentos-varanda-gourmetganha-outros-usos.shtml. Acesso em: 25 nov. 2012. Por meio desse endereço eletrônico, observa-se como, nos empreendimentos mais luxuosos, há terraços com mais de 40 m2 de área, onde cabem cadeiras, mesas, churrasqueiras e fornos. Outros, porém, podem ser bem menores e ter cerca de 6m2 e acomodar equipamentos semelhantes na função. 12 de personalização dos imóveis ou pela criação de desejos. Assim, os apartamentos decorados constantes nos lançamentos dos edifícios, por exemplo, são o reflexo do acúmulo de desejos dos consumidores potenciais que os vários níveis do mercado de decoração - mídia impressa, televisiva, construtoras, lojas, arquitetos e designers - ajudam a predefinir. Essas circunstâncias e o cenário econômico que delas decorre apresentam condições para que esta pesquisa, de interesse justamente na privatização dos comportamentos e da vida familiar dentro mesmo do espaço doméstico, possa considerar tal privatização decorrente das tradições burguesas oriundas da Anglomania, da concepção vitoriana de virtude - moralismo, limpeza, assepsia - concomitante à elaboração patrimonial do "lar" e à formalização de sua inviolabilidade pelo Código Penal de 1791 (na Revolução Francesa). Outro episódio decisivo é a publicação profusa e detalhada (entre os anos de 1670 e 1750 aproximadamente) que arquitetos em Paris fazem de seus projetos para espaços públicos e privados, especialmente para mansões: nos periódicos, comerciantes anunciam tecidos, móveis e instalações sanitárias. Tal “cruzamento” sinergético entre arquitetos, marceneiros, artífices e desenhistas com clientes ricos e exigentes, uma expressiva população nouveaux rich, promove as mudanças em curso até os dias atuais no “mundo” doméstico: as escolhas da aristocracia e de financistas, móveis sob medida, novas tecnologias e disposições internas radicalmente inovadoras para o período passam a ser aspiração coletiva e motriz da mudança no parcelamento do espaço das moradias e na cultura do morar no continente europeu. Não se pode omitir a instauração da Manufacture Royale des Meubles de la Couronne6 em 1667 e sua vocação de centro difusor das artes aplicadas e de várias oficinas de fábrica não só para tapeçaria e mobiliário (Gobelins), mas também para cerâmica e mosaicos, ourivesaria, seda, cristal e uma variedade de outros ofícios.7 Os desdobramentos na industrialização inglesa de produtos de limpeza (sabonete, desinfetantes, latrinas e banheiras) com o enaltecimento irreversível dos valores de higiene e nobreza como símbolo do status quo da classe dominante são um conjunto de eventos em repercussão até os dias atuais enquanto força dominante do programa de necessidades dos projetos de moradias de alto e médio padrões. 6 Manufatura dos Móveis para a Coroa (tradução da autora) A manufatura dos GOBELINS, inicialmente denominada “Manufatura dos Móveis da Coroa”, foi criada por Henri IV para pôr fim às dispendiosas importações de tapeçarias estrangeiras e fornecer à Coroa criações de prestígio tecidas e fabricadas no território nacional, sendo reorganizada em 1667, por Jean-Baptiste Colbert (1619-1693), Ministro de Estado e da economia de Luís XIV, que quis tornar a França a nação mais rica do continente, e, para isso, implantou o mercantilismo industrial, incentivando a produção de manufaturas de luxo visando à exportação. Nomeia para a direção da autarquia o principal pintor da corte de Luís XIV, Charles Le Brun (1619-1690), responsável pelo estilo real. Disponível em: http://www.charleslebrun.com. Acesso em: jan. 2013. 7 13 O quadro teórico da pesquisa compreende dois aspectos principais: a) as características e a evolução da moradia desde as revoluções burguesas (séc. XVII a XIX) e a industrialização de bens e produtos domésticos considerando, entre outras, as obras de Witold Rybczynski, Joan E. DeJean e Michelle Perrot (et al).; b) a produção, distribuição e consumo dos referidos artigos domésticos e sua relação com a distinção social e a massificação dos desejos, considerando especialmente os autores Adrian Forty e Abraham Moles nas obras listadas nas referências bibliográficas. 14 1. A TRANSFORMAÇÃO DO CONCEITO DE MORADIA DESDE AS REVOLUÇÕES BURGUESAS DOS SÉCULOS XVII E XVIII A organização humana, inconsciente e necessária (regnum hominis, instinto, sobrevivência), influencia total e diretamente a produção de arquitetura, objetos, a saúde pública, corpos sociais e individuais: formas regulares, ordem, recorrência rítmica são alguns dos cânones do mimetismo que nas manifestações humanas surgem em ciclos. A reverência ao passado se torna frequente por constituir um parâmetro de segurança e perpetuação: realidades contemporâneas têm exigido potencialmente que os indivíduos se exponham de forma inusitada a situações de relacionamento nunca dantes nem sequer previstas a partir da vivência cotidiana dos seres com a teleinformática. As revoluções científicas, culturais, militares e industriais vividas no passado e em curso no Ocidente, destacadamente nos últimos 350 anos, alteraram drasticamente as relações e atividades diplomáticas entre nações quando consideramos os cenários políticos e comerciais e, mesmo, comportamentos de adequação de consumo de bens e serviços de cada um de nós, inclusive, na condução e conformação de nossos lares e de nossas vidas domésticas, quando circunscrevemos os microacontecimentos, o cotidiano das pessoas. No referente à transformação da vida privada – hábitos e habitat- são irrefutáveis as determinantes históricas elaboradas não somente pela “feminização” da moradia na Holanda do século XVII ou pela classe média vitoriana do século XIX na Inglaterra e suas colônias, mas, destacadamente, pela vida social aristocrática na França “dos” Luíses, reis da França entre 1643 a 1792 (Luís XIV, de 1643 – 1715; Luís XV, de 1715 – 1774, e Luís XVI, de 1774 - 1792). Elas representam alguns episódios exponenciais do chamado conjunto das Revoluções Burguesas do século XVIII, responsáveis pela crise do Ancien Regime, na passagem do capitalismo comercial para o industrial, mercantilismo. Esses eventos situados no conjunto complexo de acontecimentos socioeconômicos (Reforma Protestante, Independência dos Estados Unidos) levam-nos ao legado do que conhecemos na atualidade como “lar”: produção de casas em ambientes domésticos como expressão da transformação macroeconômica ocidental. O impacto que esse legado projeta na concepção de moradias atualmente exige uma compreensão plural sobre as transformações históricas específicas quanto ao conceito cultural de conforto, que, como qualquer conceito cultural, é permeável ao seu próprio passado. A consciência da tradição é recorrente e reflete um desejo por hábitos e rotinas em um mundo 15 caracterizado por mudanças e inovações constantes; os resistentes parâmetros de organização do espaço doméstico podem ser considerados residuais do pensamento liberal iluminista sobre a inviolabilidade do lar como artigo constante do Código Penal Francês de 1791, que, graças à Revolução Francesa, despontou para diferenciar o Estado Absolutista e Tirânico do Estado Constitucional. 1.1 Antecedentes do conceito de conforto na cultura europeia Transformações nítidas a partir do século XIII alteraram, a seu tempo e ocorrência, a visão de mundo do continente europeu: as grandes expedições navegadoras, a redescoberta do humanismo greco-romano, o desenvolvimento da ciência e das evidências físicas, a industrialização. Assim, em aproximadamente 500 anos (de 1200 a 1850) podemos aferir que se dá a alteração irrevogável da perspectiva humana de mística-autoritária para céticadiscutível: essas são as considerações para percebermos que o conhecimento humano produzido e difundido no referido período não permitiriam que as questões concernentes à moradia passassem a largo. Ainda que se considere a Idade Média como um período opaco da história humana e que se abram diversas interpretações quanto a isso, não se podem ignorar as mudanças revolucionárias entre os séculos X e XIII: óculos, catedral, minas de carvão, relógio mecânico, roda d’água, bomba a sucção, arado profundo, rotatividade agrícola. “Longe de ser um buraco negro da tecnologia, a Idade Média marcou o verdadeiro início da industrialização na Europa.” (RYBCZYNSKI, 2002, p. 36). Mas, o curso do racionalismo compendiado pelo filósofo René Descartes (1596 – 1650) e exposto essencialmente na sua obra o Discurso do Método (1637) como afirmação do poder do pensamento e da razão situa o racionalismo cartesiano como protagonista da época das revoluções. Sem entrar em detalhes, a evolução do renascimento ao neoclassicismo consiste na introdução de graus mais elevados de racionalismo em detrimento das legitimações mitológicas ou religiosas. [...] Em grande parte das correntes que vão do renascimento ao neoclassicismo ocorre uma identificação entre classicismo e racionalismo. Razão, natureza e classicismo se unificam no advento da Ilustração. (DESCARTES, 1637 apud MONTANER, 2001, p. 61-62) Tal obra, publicada originalmente em francês há quase 400 anos, é resultante de notável esforço científico e filosófico para a concepção indissociável de sabedoria e ciência, não separando a metafísica, a filosofia e a ciência. Na sua primeira parte, o autor revela-se decepcionado com métodos tradicionais para a investigação das circunstâncias da natureza, 16 pois diversos postulados clericais ou aristotélicos são assumidos como verdades absolutas e, para Descartes, não há verdade que não possa ser redescoberta. Na segunda parte, passa a expor mais detalhadamente seu método e expressa o seu apreço pelo "ato de duvidar", como fonte de se chegar à verdade. Descartes deixa clara sua preferência pelo matematismo como método, pois apenas os matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações da verdade que expunham. A obra é o postulado da ideia de que a razão deve permear todos os domínios da vida humana e que a apreciação racional é parâmetro para todas as coisas, numa atividade libertadora, voltada contra qualquer dogmatismo. Assim, com o exposto, inferimos que o racionalismo que “fundou” a Era Iluminista (cujo ápice é a obra Encyclopédie)8 considera a Idade Média irracional e supersticiosa. Passamos, então, ao que se pode aferir sobre a trajetória histórica do continente europeu no afã de apresentar as prerrogativas da cultura do morar, em especial da França, que desenvolveu um senso até então inédito de privacidade, domesticidade, intimidade entre pessoas em ambientes restritos como o da moradia. O tempo histórico da Renascença é cíclico, de preservação, sem ruptura, naturalista; o Renascimento compreendido entre os séculos XIV e XVI assume a interpretação da natureza feita desde o Classicismo, com seus princípios estilísticos de pluralidade reconhecíveis. Nas artes visuais, refazem-se as concepções da Antiguidade; arte medieval como herança da Antiguidade Clássica. Primazia da tradição: sequência de fases (bizantina, românica, gótica), cristalização de processos (TASSINARI, 2006). O século XVII instaura, no tocante à organização social, algumas mudanças óbvias como os progressos do aquecimento e da mecânica hidráulica; os móveis para sentar ficam mais adaptáveis ao corpo e ao relaxamento, mas esse mesmo século também realiza outras mudanças sutis como o modo de usar os cômodos ou o grau privacidade acústica que conferem aos usuários. À luz da historiografia, entende-se na atualidade como Revoluções Burguesas o conjunto de processos históricos que consolidaram o poder econômico da burguesia, bem como sua ascensão ao poder político. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a burguesia se demonstrará como uma classe social revolucionária, destruindo a ordem feudal, consolidando o capitalismo e transformando o Estado para atender seus interesses. 8 Encyclopédie, de 28 volumes, editada por Jean le Rond d’Alembert e Denis Diderot , produzida entre 1751 e 1772, tendo como colaboradores Rousseau, Voltaire, Montesquieu e outros ensaístas ilustres. Disponível em: http://encyclopedie.uchicago.edu/. Acesso em: mar. 2013. 17 Não se pode, contudo, considerar a Idade Média como uma obliteração da vida civilizada, uma “opacidade” da vida humana desprovida de tecnologia ou conquistas racionais. Inegável que no período medieval, com suas privações, servos e pobres moravam muito mal, sem saneamento ou mobiliário, tendo apenas elementos básicos à sobrevivência. Desfrutavam de festivais pagãos e religiosos como um antídoto para os sofrimentos da existência tão vulnerável, mesmo embotados pelas péssimas condições da vida cotidiana. Mesmo que nos dias atuais não possamos compreender o valor de um “fogo de lareira”, um “casaco de pele”, uma “cama macia”, é nesse período que surgem as cidades livres (separadas do campo predominantemente feudal) como invenção que promoverá o conceito de conforto, próximo ao entendimento que dele temos na atualidade. O que remete o burguês ao cerne de qualquer discussão sobre conforto doméstico é que, diferente do aristocrata, que vivia em um castelo fortificado, ou do clérigo, que vivia em um mosteiro, ou do servo, que vivia num casebre, o burguês vivia em uma casa. (RYBCZYNSKI, 2002, p. 38) A casa típica do burguês era, ao mesmo, tempo moradia e local de trabalho: trava-se de construções longas e estreitas, geralmente assobradadas, sendo o térreo ou o porão destinados aos trabalhos e o andar principal constituído de um único cômodo onde se cozinhava, comia, dormia e se entretinha, havendo, assim, poucos móveis, uma tapeçaria na parede, baús (para estocagem de produtos e assentos). Nesse período, cadeiras tinham assento reto e duro, encosto alto e de rendilhados góticos, com função mais decorativa ou eclesiástica do que ergonômica, por óbvio. Entre meados dos séculos XVII e XVIII, a casa foi radicalmente redesenhada para abrigar novos ambientes, muitos dedicados à privacidade do morador, uma vez que a moradia é onde temos mais controle dos nossos comportamentos, onde há uma crença latente pelo direito inato ao conforto. Mesmo com dispendioso conflito militar conhecido como a Guerra da Liga de Ausburgo (1688 a 1697) somado a um inverno rigoroso, o Rei Luís XIV fechou o inovador Centro de Design, a Manufatura Real de Móveis. Os piores tempos se mostraram lucrativos para alguns. Em 1690, financistas e fornecedores militares fizeram fortuna e financiaram dispendiosos projetos, “ditando tendências”. O desenvolvimento urbano estimulou essa mudança crucial na influência, que deu aos novos-ricos espaço para se exibirem: caso exemplar é o da Place Vendôme, que alterou completamente o estilo de vida francês, uma vez que, em pouco tempo (12 anos), os indivíduos de mais nobre sangue azul se viram no “caldeirão” criado pela praça/condomínio. 18 No início do séc. XVIII, a arquitetura “moderna” começava a expandir seu domínio sobre Paris, estendendo-se à praça, o distrito financeiro de Faubourg Saint-Honoré (imediações), e à nova Pont Royal, a primeira a cruzar todo o Rio Sena em uma só envergadura, que levaria à área chamada Faubourg Saint-Germain, com seu grande Hôtel des Invalides, último dos grandes projetos públicos de Luís XIV (um “lar” para veteranos de guerra). E assim, não mais adjacente ao Palácio Tradicional de Sua Majestade, o Louvre, a cidade e sua arquitetura de conforto expandem nessas novas regiões. Faubourg significa cercania da cidade, arrabaldes, periferia9. Nessas primeiras áreas suburbanas, as residências se espalham horizontalmente, com jardins privativos e prazeres do campo: arquitetos não estavam presos por construções preexistentes e poderiam dispor de todo o espaço para os devaneios dos proprietários. Os detalhes dos lares desses nouveaux riches, ascendências totalmente novas na classe dominante, as amantes reais (as marquesas de Maintenon – Luís XIV – e de Pompadour – Luís XV), a explosão da “cena arquitetônica” (com muitas publicações dos projetos e objetos detalhadamente registrados e dirigidos a leigos e profissionais), o Iluminismo (que promoveu a superioridade dos artesãos e artífices nas inovações de design dos móveis e acabamentos) podem em especial ser considerados os vetores decisivos para que a capital parisiense pudesse experienciar a privacidade e o conforto no período compreendido entre 1670 e 1760, aproximadamente. A sincronização dos campos da arquitetura, do design e da decoração que aconteceu naquele momento deu à cidade a oportunidade de exercer um papel que se provou diversas vezes [...]: o centro de desenvolvimento da vanguarda artística, capital cultural do ocidente. (DEJEAN, 2012, p. 49) 1.2 Concepção francesa de conforto No caso da França, país que atrai especial atenção desta dissertação, a sua consolidação mercantilista é alcançada pelas ações dos comissários ministeriais de finanças e guerra, bem como pelas políticas de relações exteriores do reinado de Luís XIII de Bourbon (Rei da França e Navarra entre 1614 e 1643), o Justo, cujo conselheiro exponencial era o Cardeal de Richilieu e seu legatário imediato, seu filho, o Rei Luís XIV, monarca absolutista entre 1643 e 1715, Rei-Sol, “ primogênito da França”. Vale assinalar que seu principal 9 Conforme descrito em http://www.larousse.com/es/diccionarios/francesespanol/faubourg/32910. Acesso em: jul. 2013. 19 assessor e Chefe de Finanças foi Jean- Baptiste Colbert10 - um protagonista do mercantilismo, cujo nome é substantivo para essa prática comercial (colbertismo): conselheiro do rei aos 30 anos de idade, em 1649, e promotor da reserva de mercado de manufaturas com o protecionismo mercantil dos Gobelins, também chamados gobelinos, são tapeçarias feitas em tecidos ricamente ilustrados que foram assim chamados em homenagem a Jean e Philibert Gobelin, tintureiros do século XV11. Figura 1 - Luís XIV visitando a Fábrica de Gobelins (tapeçaria de 1673, de 3,7 x 5,8 m, que compõe o acervo do Museu Nacional do Château de Versailles ) Disponível em: http://www.larousse.fr/encyclopedie/images/15 Acesso em: nov. 2012 Os precedentes sobre o conforto na história ocidental podem ser considerados oriundos da cidade de Paris, centro urbano irradiador de cultura, artes e efervescência social, por volta 10 Jean-Baptiste Colbert (1619 - 1683) - Financista francês que em 1653 foi nomeado controlador geral de finanças reformando o caótico sistema financeiro da França, assumindo o tesouro e restaurando o equilíbrio entre despesas governamentais e as receitas. “Desenvolveu uma reforma radical na estrutura financeira e econômica do país. Estabeleceu um novo sistema de arrecadação de impostos e normalizou seu recebimento por meio de um férreo controle dos contribuintes e uma devassa entre os cobradores oficiais desonestos. Promoveu a indústria nacional aumentando as tarifas alfandegárias e favorecendo as exportações, fomentou a instalação de novas indústrias, atraindo operários estrangeiros especializados, criou fábricas protegidas e subvencionadas pelo estado e ditou diversos regulamentos concernentes à produção e à organização administrativa dessas fábricas. Para ajudar o comércio, ele patrocinou a construção de estradas e canais. [...] foi nomeado controlador geral das finanças (1665). Nomeado secretário de estado para a Marinha (1668), estimulou a navegação e a construção de embarcações, ao mesmo tempo em que promovia uma política colonialista destinada a abrir novos mercados para os produtos franceses”. Entre outras, fundou a Academia Real de Arquitetura criando uma revista periódica direcionada a novos livros lançados. Odiado pelos seus compatriotas por ter aumentado os impostos para cobrir as despesas de guerra feitas pelo rei Luís XIV e pela construção do Palácio de Versalhes. Disponível em: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JeanBaCo.html. Acesso em: 15 nov. 2012. 11 Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/Gobelins. Acesso em: nov. 2012 20 de 1670. Antes do século XVIII, não temos muitos registros sobre artefatos que tornaram a vida mais fácil. É na virada desse século que se podem perceber registros em crônicas jornalísticas, cartas e diários sobre um novo campo de interesse: cadeiras, mesas, camas e quartos. Em Paris, guias turísticos indicavam aos turistas os melhores banheiros e quartos de dormir da cidade. É, então, no início do séc. XVIII, que se tem ampla documentação detalhada sobre essa transformação de costume e sobre o reconhecimento da arquitetura residencial como ambiente de repercussão sobre a cultura do morar, sobre o conforto doméstico. Assim, o “bem-estar” tornou-se tanto desejável quanto possível em larga escala na Paris por volta da década de 1670, momento em que o principal papel da arquitetura era o de prova irrefutável do status do cliente. A construção do Palácio de Versalhes (1680) por Luís XIV é a prova cabal desse argumento: grandioso e desconfortável, suprassumo do esplendor e da formalidade, apogeu da “sociedade espartilhada”, imponente, protocolar, burocrática. O decreto de 1678, portanto, marcou um importante passo no caminho da arquitetura da intimidade. E esse passo foi dado em um momento bem oportuno. Em agosto de 1678 foi assinado o Tratado de Nijmegen, colocando fim à Guerra Franco-Prussiana, que exauriram a Europa durante seis anos. Os dez anos seguintes foram de muita prosperidade para a França, e grande parte da riqueza foi gasta em artes decorativas e arquitetura. Essa foi a década mais importante na construção do ápice da magnificência francesa, o palácio de Versalhes. A mesma década também testemunhou o surgimento de modos de vestir mais informais, a invenção do sofá e o momento em que tecidos de algodão se tornaram o padrão tanto no vestuário quanto na decoração . (DEJEAN, 2012, p. 44) Figura 2 - Palácio de Versalhes (fachada principal na atualidade ) Disponível em: http://www.chateauversailles.fr/chateau Acesso em: nov. 2012 21 Figura 3 - Grande galeria de Versalhes (atualmente conhecida por Salão dos Espelhos do Palácio) Disponível em: http://www.chateauversailles.fr/chateau Acesso em: nov. 2012 Figura 4 - Palácio de Versalhes visto do jardim (gravura da época, de autoria de Gabriel Perelle) Disponível em: http://www.arthermitage.org/Series-Views-of-France-and-Paris.html Acesso em: nov. 2012 Durante o reinado de Luís XV, a vida na corte tem lugar no Palácio, onde a delicadeza de motivos decorativos pode ser entendida como uma “reação’ aos excessos de ostentação absolutista do Rei Luís XIV, o Rei-Sol. Nas últimas décadas do século XVII, novos espaços na casa foram destinados para atividades privadas (dormir, tomar banho e usar o sanitário) como não acontecera anteriormente no continente europeu até então. Conforto, higiene e relaxamento tornam-se 22 prioridades comuns. Pode-se aferir que o conforto moderno foi inventado por arquitetos e desenhistas visionários e clientes dispostos a bancar novas tecnologias e pagar por móveis sob medida, além de novas disposições de plantas baixas em seus imóveis. A consagração desse modo de habitar ocorre sob o reinado de Luís XV, em Versalhes, quando os móveis passam a ter a função não mais ritualística (Igreja) ou funcional, mas de conforto, para melhor propiciar o desfrute do lazer. Invenções como o sofá e a água corrente usada na descarga dos sanitários finalmente apareceram nas residências graças não somente aos investimentos realizados pelos proprietários, mas ao fato de a popularização das publicações a respeito ser uma realidade no período. Durante a primeira metade do séc. XVIII, todas as publicações sobre construção e design da França e até mesmo os guias incluíam uma breve história da arquitetura ocidental, sempre contada da mesma maneira: primeiro prestadas as primeiras homenagens aos grandes monumentos da Antiguidade, em seguida às catedrais góticas e finalmente a arquitetura renascentista italiana. [...] a época da arquitetura italiana havia chegado ao fim e agora eram os franceses que reinavam soberanos. A transferência do poder tinha começado [...] com a conclusão dos arquitetos franceses de que todas as residências anteriormente célebres eram praticamente inabitáveis. (DEJEAN, 2012, p. 73) O século XVIII: a era de ouro para o design de móveis. Mesas ganharam destaque na indústria moveleira: mesas de cabeceira, de café, de costura, de jogos e de lanches. O repertório moveleiro doméstico teve uma verdadeira explosão de desenhos e formas (cômodas e armários para resolver problemas de armazenamento de pertences de cozinha, refeições, biblioteca ou remédios). Ocorre uma transformação significativa das cadeiras e assentos: o vestuário e a arquitetura de interiores passaram a ser severamente remodelados. Das cadeiras de braços introduzidas no século XVII (encosto alto, reto e estreito) passa-se à poltrona de comodidade (fauteuils de commodité – articulada e estofada). 23 Figura 5 - Ilustração de época de um canapé (autor desconhecido) Fonte: PONTE, 1985 Antes do final do século XVII, surge o canapé (cadeira de braços dupla) e, finalmente, o sofá (acolchoados na frente, na lateral e encosto e estofado com tecido). Antes o tecido era usado para revestir paredes e o estofamento era usado em cabeceiras de camas e cortinados. Em 1710, o assento sanitário estava acolchoado: ampliação do papel do estofador e das técnicas de acabamento. Antes da metade do século XVIII, há publicação sobre o conforto não só como atributo de maciez, mas de apoio principalmente para a região lombar (“ortopedia”: ciência da prevenção de problemas do esqueleto). Figura 6 - Poltrona bergère em babriolet francesa (réplica de peça de 1788). Disponível em: http://www.metmuseum.org/toah/hd/ffurn/hd_ffurn.htm. Acesso em: jan. 2013 Assim posto, é na França de Luís XV que a corte, com seus interesses, passa a promover o surgimento de um mobiliário relativo às novas posturas informais dos indivíduos para ouvir música, jogar cartas, conversar: 24 Os franceses resolveram o problema dos móveis confortáveis de uma maneira tipicamente racional. Eles não abandonaram os tipos tradicionais e formais de móveis que haviam caracterizado os interiores de Luís XIV, mas criaram uma nova categoria de assentos adicionais que não sofriam as rígidas restrições das necessidades estéticas e que correspondiam ao seu desejo por uma postura mais à vontade para sentar. Os dois tipos de assentos eram conhecidos como sièges meublants e sièges courants. Os primeiros designavam o tipo de assento que continuou sendo considerado parte da decoração. [...] ”móveis arquitetônicos”, sendo escolhidos e posicionados pelo arquiteto; [...] as costas das cadeiras, como nunca eram vistas, frequentemente não tinham acabamento. As sièges courants, por outro lado, [...] não tinham lugar fixo, podiam ser agrupadas informalmente [...] eram chamadas de fauteuils em cabriolet – literalmente “cadeiras saltitantes. (RYBCZYNSKI, 2002, p. 94-95). Este fragmento do texto do quarto capítulo, intitulado “Comodidade e Encanto” (RYBCZYNSKI, 2002, p. 87-109), é esclarecedor quanto à mudança do paradigma da moradia das classes abastadas: mais privacidade para moradores, a casa tornando-se menos pública, diminuindo de tamanho. A casa, portanto, não era mais um abrigo contra as intempéries ou invasores – funções primevas -, mas estava, nesse momento particular na França, tornando-se um lar (privacidade e domesticidade). Os cômodos poderiam ser divididos em categorias: cerimônia, recepção formal e área de uso privado do dono da casa, para este se sentir à vontade. Na corte de Luís XV, instala-se a diferenciação entre luxo e conforto: separaram-se os ambientes das moradias. A área pública, ostentadora e social, palaciana e devassada, atendia aos caprichos das aparências; a área íntima, acolhedora e secreta, priorizava o sigilo e o descanso. Segundo o autor, nessa última, ficava o cenário onde seria possível surgir a noção de conforto que sobrevive até os dias atuais. Outro aspecto relevante, quiçá, decisivo é: Será que a busca pela comodidade era uma fuga pagã da religiosidade medieval que havia dominado a decoração doméstica por tanto tempo? [...] a preocupação do século XVIII com o conforto físico resultou do declínio da fé religiosa ou, de qualquer modo, de uma redução do fervor religioso. (PEEL, 1978 apud RYBCZYNSKI, 2002, p.103)12 Poucas décadas depois, em 1728, o rei Luís XV, provê ao palácio de Versalhes a instalação de banheiros – “então designados, em francês, “quartos de banheiras”” (RYBCZYNSKI, 2002, p.102) e encanamentos nos aposentos reais e demais dependências, pois havia indícios de que tomar banho era um passatempo prazeroso. A iniciativa não pode ser atribuída apenas ao rei, mas, principalmente, à sua amante, a Madame de Pompadour, que, em 1751, partilhava e encorajava a vida confortável: residências fabulosas e a demonstração do status dos donos; o conforto interno era tão importante para o 12 PELL, John Hug Brignal. An Englishman’s Home, Devon: David&Charles, 1978. 25 monarca como para os burgueses. Patrona de parte significativa da produção artística do período, cabendo destacar entre artistas da época o pintor real François Boucher, possivelmente a maior expressão do estilo Rococó, estilo esse dedicado exclusivamente para os interiores e suas exigências formais. Figura 7 - Retratos de Madame de Pompadour , entre os anos de 1750 e 1760 (pinturas de François Boucher,) Disponível em: http://www.francoisboucher.org/ Acesso em: nov. 2012 Os quadros apresentam a Madame seja no ambiente de privacidade, seja na paisagem externa, sentada confortavelmente, com as pernas elevadas e repousadas no assento prolongado da poltrona. No período, esse tipo de móvel assim como as chaises longues, a 26 marquise e a duchesse são como espreguiçadeiras, cadeiras reclináveis, com braços recuados, para a acomodação das saias amplas; encosto baixo, para prover espaço para penteados e assento prolongado, para o apoio das pernas longe do chão. Figura 8 – Poltrona estilo Luís XIV Figura 9 – Poltrona estilo Luís XV Figura 10 – Poltrona estilo Luís XVI Disponíveis em: http://www.archiexpo.com/ Acesso em: jul. 2013 O conforto é definido por meio do cruzamento privilegiado entre arquitetos, marceneiros, artífices e desenhistas com clientes ricos e exigentes: aristocracia e financistas. Como dito, móveis sob medida, tecnologias novas e disposições internas radicalmente inusitadas são as expressões arquitetônicas que configuram o novo modus vivendi da referida corte de burgueses e especuladores. As atividades privadas, o conforto, a higiene e o relaxamento tornaram-se prioridade. Tanto assim é, que o idioma francês adota vocabulário relativo ao conforto a partir de 1670, seja nas publicações, seja nos salões da corte. 27 Figura 11 - Duchesse estilo Chippendale (1760 - data provável) Disponível em http://chestofbooks.com/home-improvement/furniture Acesso em: jul. 2013 Revolução sistemática: redefinição irreversível da noção de lar. Arquitetos param de se concentrar em fachadas imponentes e passam à arquitetura de interiores: as prioridades particulares orientam os projetistas; as demandas familiares fizeram proliferar as hipóteses e diagramações das casas com a diminuição das dimensões dos cômodos e aumento do número de cômodos especializados. As cadeiras eram confortáveis não somente porque acomodavam a estrutura do corpo, mas também porque “acomodavam” a estrutura do comportamento, das atitudes, das posturas da época. Pequenas poltronas com encosto sólido, curso e estofado (bergère – pastora); a cadeira com um anteparo acolchoado sobre o encosto alto, que permitia que uma pessoa se apoiasse nela por trás e assistisse ao jogo de cartas ou à conversa (voyeuse – “cadeira de ver”); um pequeno divã para a pessoa se reclinar (veilleuse – cadeira de vigília); a cadeira pequena, baixa e sem braço, ideal para calçar meias e sapatos e que se aproximava das lareiras (chauffeuse – “cadeira que aquece”) são os exemplos de que os novos costumes demadavam novos móveis (RYBCZYNSKI, 2002, p. 107). O século XVIII pode ser considerado a era do ouro do design de móveis. As peças especialmente planejadas para combinar elementos decorativos e desenho dos ambientes são as mesas (mais comodidade, menos ostentação): mesa de café, de costura, para lanches, de cabeceira, de jogos etc. A ideia encantadora de haver móveis masculinos e femininos – antes desconhecida – também enfatizava uma realidade social que se evidenciava através de roupas e de modos (RYBCZYNSKI, 2002, p. 109). 28 Figura 12 - Cômoda francesa (de André-Charles Boulle, feita em torno de 1710 – 32) Disponível em: http://www.metmuseum.org/toah/hd/ffurn/hd_ffurn.htm Acesso em: jan. 2013 1.3 O conforto como valor semântico A suntuosidade da arquitetura residencial e palaciana em 1670 (Versalhes, 1680, Luís XIV) pode ser entendida como demonstrações de posição social, etiqueta e protocolo rígidos, aparições públicas em roupas formais: “a sociedade espartilhada”, como já foi dito. O surgimento da palavra conforto no contexto do bem-estar doméstico não é só ilustrativo, pois pode ser entendido como resultante das tentativas de refinamento da linguagem para suprir uma necessidade específica, a articulação de um valor, uma ideia existente que um determinado grupo humano precisa expressar. A palavra confortável não se referia originalmente ao prazer ou à satisfação do corpo. “Sua raiz latina é confortare e na teologia, o termo foi usado como “Comforter”, em inglês, o Espírito Santo.” (RYBCZYNSKI, 2002, p. 34). A partir da década de 1670, duas palavras em francês ganharam destaque: o adjetivo commode – cômodo -, indicando conveniência, e o substantivo commodité – comodidade -, indicando conveniência e limpeza, sobretudo, significando a limpeza das cidades. A partir daí, commode e commodité passam a significar bem-estar no tocante a casas, roupas, carruagens e cadeiras. No inglês, só no final do século XVIII é que as palavras comfort/confortable (conforto e confortável, respectivamente) “passaram a adquirir suas acepções 29 contemporâneas. São originárias do francês réconfort – assistência, consolo.” (DEJEAN, 2012, p. 17). A palavra commodité, utilizada em janeiro de 1678 no periódico de maior circulação na França, num suplemento extra, é relacionada com um conceito do universo da moda (as mulheres da corte francesa haviam decidido que queriam se liberar do grand habitat, vestuário formal extremamente apertado). Vestir-se informalmente tornou-se comum; em poucas décadas, um hábito consolidado. Então, na segunda metade do século XVII, cria-se o ambiente propício para que a vida doméstica permita desfrutar de todo o conforto que o dinheiro possa comprar: a geração de arquitetos que sustentava o “gosto” pelo modelo renascentista italiano da arquitetura é suplantada pela nova geração que se declara “moderna”. Em 1691, a publicação do Cours d’Architecture, de Augustin Charles d’Aviler, marca o surgimento da diferenciação entre os appartaments de parade – salões de recepção, espaços públicos - e os appartaments de commodité, onde os indivíduos viviam de fato, sendo os cômodos destes, segundo o autor, menos grandiosos e mais usados. Figura 13 - Capa e contracapa da publicação Cours d’architecture (Augustin Charles d’Aviler) Disponível em: http://www.liveauctioneers.com Acesso em: jan. 2013 Tantas inovações se originaram desses projetos que eles podem ser considerados as fundações do que viria a se chamar arquitetura moderna. Na primeira metade do século XVIII, os arquitetos franceses Jean Courtonne, Jean Mariette e Jacques-François Blondel13 13 Jacques - François Blondel (1705 – 1774) - arquiteto de Luís XV criador da primeira escola de arquitetura moderna, a Ècole dês Arts, oficialmente aprovada pela Academia Real de Arquitetura em 1743. Nessa instituição, Blondel (que pertencia a uma dinastia de arquitetos: treinado e formado pelos seus tios Jean-François 30 alardearam a novidade de que “a arquitetura francesa moderna tinha inventado completamente uma arte desconhecida pelos antigos: a arte de tornar as casas confortáveis.” (DEJEAN, 2012, p. 18) A doutrina vitruviana da arquitetura (comodidade, firmeza e encanto) foi perseguida na produção de Jacques-François Blondel, que insistia que a base da arquitetura bem-sucedida era a primazia da “comodidade”, designando conveniência e adequação ao uso humano, “e ele a distinguia do que fosse puramente estético (“encanto”) ou do que fosse necessário à estrutura (“firmeza”).” (RYBCZYNSKI, 2002, p. 100). Quando Blondel publica a sua monumental obra Architecture Française, de 4 volumes, cuja primeira edição data de 1752, a definição do conceito de appartements já estava bem delimitada (não designavam apenas, como originalmente, um grupo de cômodos que formava uma unidade dentro de uma residência) e os apartamentos apresentavam-se divididos em três categorias: os cômodos de cerimônia (appartements de parade), os cômodos de recepção formal (appartementes de societé) e, em terceiro lugar, a categoria que ele chamava de uso privado do morador-proprietário (appartementes de commodité). Estes últimos (também mencionados na referida obra como quartos de inverno, menores que os demais e mais aquecidos) podiam ser verdadeiros bastidores para eventual convalescência, em que dispensavam-se perucas ou quaisquer outros protocolos de indumentária ou modos. A longa trajetória das sociedades em relação ao estabelecimento de critérios de limpeza dos ambientes e higiene pessoal como as mais eficientes estratégias de perpetuação e preservação da existência exige uma investigação antropológica que, seguramente, excede esta dissertação. Neste momento, caberá somente um esforço de diferenciação do o asseio pessoal de um indivíduo da classe dominante a partir do século XVIII do continente europeu em relação a seus equipamentos móveis domésticos: bacia, descarga, bidê, banheira. Por volta de 1715, um novo tipo de banheiro, para uso frequente, apareceu nas mansões da Place Vendome e adjacências em Paris. Se na Antiguidade, parte das civilizações antigas desenvolveu a cultura do banho (muitas vezes como uma experiência pública, coletiva, mesmo sem diferença de gênero nas banheiras), na Idade Média, a água era até temida em razão da abertura dos poros do corpo pelo contraste térmico, bem como da possibilidade de contaminação e infecção pelo compartilhamento da água do banho. Blondel e Nocolas-François Blondel) ensinava profissionais compatriotas e estrangeiros (que levavam para seus países de origem os valores da nova arquitetura francesa). Foi assim que Blondel se tornou o mais influente teórico da arquitetura na época. Foi ele quem formou André Jocob Roubo, mestre em design de móveis e na arte da gravura; o que permitiu que este produzisse uma série de manuais de design fartamente ilustrados (DEJEAN, 2012, p. 74-75). 31 Do fim da Idade Média até o século XVII, as pessoas podiam trocar a roupa de cama com frequência, podiam banhar-se em rios ou, à Luís XIV, passar um lenço úmido no rosto e nas mãos, mas quase nunca se tomava banho. (DEJEAN, 2012, p. 102) Pode se atribuir à Marquesa de Montespan, amante do Rei-Sol, Luís XIV, o pioneirismo de considerar essencial um cômodo separado para a higiene do corpo. Além de construir anexos nos palacetes em que viveu com o rei, especialmente o Chateau de Clagny, no Palácio de Versalhes foram construídos majestosos banheiros, com banheiras esculpidas em mármore e paredes revestidas com o mesmo material. A partir de então, o banheiro deixa de ser “decorativo”, para exibição (como descrito em alguns palacetes renascentistas) e passa a ser um cômodo específico essencial, para ser desfrutado na privacidade, para deleite do morador, “pelo prazer e pela limpeza” (DEJEAN, 2012, p. 116). Os banheiros na França , uma vez dedicados ao prazer e bem-estar , surgiram associados ao quarto de dormir, ao quarto de vestir, sendo a sala de banho um cômodo para o vaso sanitário. Segundo o relato de Dejean (op. cit.), o banheiro moderno surgiu primeiro na ala feminina de um hotel, em 1715: o banho, então, era o novo luxo pessoal. Blondel foi o primeiro a tratar do banheiro em suas publicações como um ambiente de destaque das residências e estabeleceu um padrão bastante alto para a experiência moderna do banho. De acordo com ele, o banho devia ser tomado em banheiras de metal que deveriam ser cheias por torneiras (não criados trazendo água); sendo uma para água quente, outra para água fria e, além disso, deveria haver um ralo para escoar a água servida. Uma sala de banho apenas não seria o suficiente: era necessário um conjunto de aposentos: uma sala para o aquecedor, uma para secar e aquecer os panos de linho usados pelas pessoas (toalhas) e uma sala para a banheira propriamente. Poderia haver ainda outros cômodos conexos: um quarto para cochilo pós-banho, cômodo para a bacia sanitária, cômodo para a criadagem aguardar instruções e apoio. A partir disso, o termo suíte popularizasse até chegar à Encyclopédie como “um conjunto de vários cômodos” (DEJEAN, 2007, p. 107) que as casas particulares deveriam prover aos proprietários. Em meados de 1760, passa a ser comum que nos anúncios imobiliários de venda de casas seja mencionada a “comodidade moderna” salle de bains (nome utilizado até os dias atuais na França para designar o banheiro). Dessa forma, o banheiro passa de último item a item essencial na lista das dependências privadas da arquitetura francesa. Em poucos anos, as banheiras passaram a ser decoradas tal qual o item do mobiliário mais apreciado de todos, o sofá. 32 Figura 14 - Desenho de banheira (de cerca de 1760) Fonte: DEJEAN, 2012, p. 108 As salas de banho nas residências exigiram uma revolução no fornecimento e na demanda por água encanada. Nesse aspecto, ocorre a interação perfeita entre o período do Iluminismo e o século do conforto. A tecnologia, cujo financiamento ocorrera, em boa parte, pelos interesses da elite aristocrática, acabaria por oferecer o serviço de abastecimento de água a um público mais amplo. É assim que em Paris associam-se, portanto, conforto e bemestar com disponibilidade de água. Em 1782, casas novas incluíam banheiros, e isso movimentava ainda mais a predileção por esse cômodo, esse benefício. Mais de 60 anos antes, o Palácio de Versalhes já usufruía das salas de banho, mas é nesse final de século que aquecedores, cisternas, encanamentos e metais sanitários passam a ser consumidos por grande contingente de pessoas. 33 Figura 15 - A Toilette de Vênus (François Boucher, feita em 1751) Disponível em: http://www.metmuseum.org/Collections/search-the-collections. Acesso em: jul. 2013 Essa tela de Boucher era uma entre as que ladeavam as portas laterais da sala de banho da Marquesa de Pompadour, em Bellevue. A inspiração era da própria Marquesa, que queria ser associada à deusa, com o frescor típico do pós-banho: a deusa inclusive reclina-se sobre um canapé. A nudez no banho seria um hábito incorporado em meados de 1760, com o conceito de prazer máximo do corpo, próximo do prazer erótico. 1.4 A privatização dos comportamentos e do cotidiano As transformações econômicas, políticas e sociais dos séculos XVII e princípios do século XVIII se manifestaram no plano filosófico, num movimento de crítica ao Antigo Regime (o Estado Absolutista e o Mercantilismo), denominado Iluminismo, cuja obra literária documental é a já mencionada Encyclopédie, publicada entre 1751 e 1752 – máxima valorização da razão e da atividade científica. Blondel, que desenhou para a Encyclopédie, de Diderot e d’Alembert, uma “grande mansão”, uma casa modelo que demonstrava, em escala monumental, a visão da vida confortável desenvolvida pelos arquitetos franceses em meados do século XVIII, com vários “graus” de isolamento e privacidade, diferentes combinações de recolhimento e intimidade, formaliza as conquistas do campo da arquitetura de interiores nessa publicação. Na planta, 34 Blondel usa o termo “hôtel”, que designava as moradias aristocráticas e que, em poucos anos, seria sinônimo de qualquer grande residência. . Figura 16 - Planta baixa de mansão-modelo constante da Encyclopédie (projeto de J.F. Blondel) Fonte: DEJEAN, 2012, p. 81 Cabe destaque a alguns aspectos apresentados por essa planta, entre eles: aposentos cerimoniais (apenas para exibição dos tecidos elegantes e do mobiliário imponente); salão redondo no centro para interromper a monotomia dos ambientes quadrados; os cômodos sociais, divididos em duas zonas: semiprivados de família, com saleta de recepção (salle de compagnie) que levava a uma galeria onde podiam ser expostas coleções de arte, a sala de jantar e a sala privada de toalete (banheiro), onde sempre havia um vaso com descarga, grande inovação tecnológica, que apenas pessoas da intimidade da família podiam ousar solicitar o uso, e os semiprivados de negócios (sala de trabalho chamadas serre-papiers ), pois os grandes financistas recebiam em casa seus parceiros para negócios que levavam aos cômodos de privacidade (quartos de vestir, dormir e de banho). Ainda é importante salientar os espaços criados para circulação e articulação entre os setores (dégagements): espaços de serviço, de saídas de emergência, de escadas pequenas (petits escaliers), corredores de acesso para a rouparia. Quando bem planejadas, essas “passagens” permitiam a circulação do usuário pelo palacete sem ser visto. 35 Poucos anos após essa publicação, o arquiteto-educador publica o Cours d’arquitecture, uma entre as obras que referenciam a produção arquitetônica no período e que podia ser lida não só por alunos ou técnicos, mas também por leigos. Figura 17 - Capa do primeiro volume do Curso de Arquitetura (1771 - Cours d architecture, ou trait de la d coratio , distri utio co structio des ti e ts) e prancha de desenho da mesma obra (JacquesFrançois Blondel) Disponível em: http://openlibrary.org/authors/OL1064051A/Jacques-Francois_Blondel Acesso em: jul. 2012 Como já foi dito, também as pinturas de François Boucher são um testemunho admirável dos valores de convivência, intimidade e domesticidade francesas, como na obra O amanhecer, de 1746, em que uma fidalga realiza a rotina de preparar-se nos trajes do dia com o auxílio de serviçal, ajoelhada, em que são vistos os pertences e apetrechos de ornamentação: fitas, laços, caixas, frascos, adereços da vestimenta. A luz do sol atravessa a janela e invade o ambiente, alcançando as duas figuras humanas e mesmo o animal doméstico, que repousa na poltrona estofada e com braços. O cortinado da janela não é o único tecido exposto: também é possível observar tecidos pendurados desde o teto rodeando a cama, o dossel do leito. O trabalho de ornamentação das paredes feito de ornatas com estilização da flora entalhada em madeira (boieserie) também pode ser apreciado. 36 Figura 18 - O amanhecer (François Boucher , 1746) Disponível em: http://www.francoisboucher.org/ Acesso em: jan. 2012 O século do conforto é o título de uma obra recentemente traduzida para o português por Catharina Epprecht e editada pela Civilização Brasileira no Rio de Janeiro, de autoria de Joan E. DeJean, uma professora da Universidade da Pensilvânia. Nesse livro, pode-se perceber como as ideias fundamentais do conceito de lar e de vida doméstica são uma ordenação social conexa com a manufatura de móveis e objetos e com a produção arquitetônica das cidades. A arquitetura da época apresentada como o “século do conforto” (1670 a 1760, aproximadamente) surge, segundo a autora, do desejo da elite de relaxar e ser informal, privacidade extrema. Ocorre uma mudança de estilo de vida da corte de Versalhes. Quanto à conduta de ostentação do Rei Luís XIV, era mantida a grandiosidade, mas havia já a preocupação com o conforto. Em 1728, acontece a instalação de encanamentos para banheiros no Palácio de Versalhes. Um exemplo é o bidê de Luís XV: esse acessório de higiene íntima promoveu um novo conceito de conforto, objeto funcional do cotidiano transformado em algo luxuoso e agradável. O bisneto de Luís XIV e seu sucessor, Luís XV, muito afeiçoado a planejar junto aos arquitetos da corte as mudanças de diagramação dos cômodos, criou cômodos internos para pessoas íntimas, acessados por entradas secretas e escadas ocultas. Fuga da vida pública e oficial. Isso possibilita ao rei viver de forma mais simples, passando a ser esse estilo de vida 37 uma tendência em 1690. Na década de 1720, os quartos de dormir da burguesia francesa eram bastante aconchegantes, com pisos de madeira, prezando o melhor conforto térmico e acústico possível. O foco muda, como dito, da arquitetura externa (fachadas imponentes, grandes cômodos únicos) para a arquitetura de interiores (vida familiar, convívio, descanso): redefinição sistemática da noção de lar. O espaço privado começou a ocupar o espaço reservado ao público: o tamanho dos cômodos diminui e aumenta a quantidade de cômodos específicos para cada tipo de atividade. O espaço residencial protagoniza a produção arquitetônica de objetos e serviços para a burguesia. Novos cômodos, novos móveis. Assim como a nova arquitetura, constitui-se o novo vestuário, a nova “arte do bem estar confortável” torna-se típica da burguesia francesa. A produção têxtil acompanhou essa transformação, os tecidos pesados, rijos e formais foram sendo substituídos entre 1670 e 1710 pelas gazes e musselinas (sedas leves). Novas padronagens, estampas e cores em tecidos de algodão estavam em toda parte das novas salas e cômodos (nas paredes, cortinados, assentos e encostos das poltronas com apoio lombar). Essa proliferação de novos tipos de espaços, de móveis e de usos para os tecidos levou à decoração de interiores nos ambientes domésticos de atividades particulares (anteriormente a decoração era restrita aos salões palacianos). As casas e mansões são aquelas da elite não apenas econômica, mas também cultural disposta a patrocinar e identificar-se intramuros. O novo estilo de vida baseava-se na redefinição do conceito de luxo: o conforto se tornara o grande luxo. A ambientação dos interiores passa a uma dimensão fundamental da produção arquitetônica do período, interessada na descontinuidade dos ambientes, na opacidade, na privacidade extrema, na multiplicação de paredes divisórias, na inflexibilidade dos espaços: tudo regido pela burguesia e sua nova cultura de convivência e prazer. Dimensões menores para os ambientes, e mesmo o pé direito é reduzido pela metade ou menos (de mínimos 5,5 metros, como era usual nos palacetes, para 3 metros para os quartos privativos). O atual prédio do Ministério da Agricultura da França, em Paris, no Faubourg SaintGermain (região periférica na margem oposta do Palácio de Versalhes), foi uma casa construída com três quartos, de dimensões aconchegantes, listada por Blondel como a de melhor desenho na arquitetura moderna. O século XVIII promove e enaltece o particular, mudança do foco da vida pública para a privada: época das correspondências pessoais, romances em primeira pessoa, memórias e autobiografias. Relatos escritos que se ocupam das características pessoais e do cotidiano da 38 figura pública de maior notoriedade (Rei Luís XV) “continham a expressão dans l’interieur, o que queria dizer que em apenas nos seus aposentos pessoais e em particular o rei se revelava.” (DEJEAN, 2012, p. 25). 1.5 Os interesses hedonistas e os interiores domésticos No decorrer dos séculos XVI e XVII, a burguesia desenvolveu-se, graças à ampliação da produção de mercadorias e das práticas do mercantilismo - que auxiliaram no processo de acumulação de capitais. No entanto, a partir de certo desenvolvimento das chamadas forças produtivas (e decorrente processo de acumulação financeira), a intervenção do Estado Absolutista nos assuntos econômicos passou a se transformar em um obstáculo para o pleno desenvolvimento do capitalismo. Os conflitos religiosos entre anglicanos (religião oficial do Estado inglês) e outras correntes religiosas – calvinistas (grupo mais numeroso e composto de camadas populares), luteranos e presbiterianos – somavam-se aos interesses da burguesia inglesa. Chamados de puritanos, os protestantes de modo geral cultivavam o espírito calvinista (poupança e trabalho), e a relação puritanismo e capitalismo são as condicionantes sociais para a acumulação de riquezas, para o desenvolvimento do liberalismo econômico e consequente favorecimento das bases para a revolução industrial. [...] ao contrário do que ocorreu na França, [...] a Revolução de 1789 completou a obra de centralização do poder iniciada pelo Antigo Regime, marcando, pois, não uma ruptura, mas uma continuidade com o passado; [...] progressiva e milagrosa de uma antiga constituição [...]. Em outros termos, se na Inglaterra acabou por, no final das contas, vingar um tipo de Estado monárquico, descentralizado e baseado numa forma de governo misto – expresso na fórmula king in parliament, [...] na França acabou por, no final das contas, vingar um tipo de Estado republicano, centralizado e baseado em um soberano único, como no Antigo Regime, mas diferentemente do Antigo Regime, em um soberano único coletivo, vale dizer, os representantes da nação. (FLORENZANO, 2007)14 A ascensão burguesa e as mudanças provocadas na cultura de povos e nações compõem uma complexa constelação de fatos que vão minando tal preservação de valores, hábitos e costumes. Irrefutável transformação que afeta decisivamente a concepção de lar: a constituição da burguesia urbana foi condição essencial para o surgimento do que a sociedade contemporânea circunscreve como conforto doméstico (SCHMID, 2005, p. 68). 14 “O texto foi originalmente intitulado “O Estado moderno: origens, componentes essenciais e evolução” e foi apresentado como prova de erudição no concurso de professor titular de História Moderna, que teve lugar em junho de 2006, na FFLCH-USP.” Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/39834486/FLORENZANO-ModestoSobre-as-Origens-e-Desenv-Do-Estado-Moderno# . Acesso em: jul. 2012. 39 Outro autor seminal para a compreensão dessas revoluções e seus impactos na construção do conceito de conforto doméstico é o arquiteto canadense-americano de origem polonesa Rybczynsk (2002), escritor do livro Casa: pequena história de uma idéia15, em que realiza um minucioso levantamento bibliográfico e histórico sobre a moradia burguesa, seus antecedentes e desdobramentos. Importante destacar que o esforço do autor é recompensador em fatos e dados, porém suas reflexões sobre conforto doméstico e os atributos de domesticidade das casas evocam reflexões pessoais indubitavelmente a todos os profissionais da área e interessados no tema. Segundo o autor, com a morte de Luís XIV em 1715 e com a ascensão do seu jovem bisneto Luís XV ao trono, as formalidades foram substituídas pela vivacidade. A ideia que fazemos desse período foi tingida pela atitude desaprobatória dos puritanos do século XIX, para quem a busca do prazer era uma extravagância devassa; e um estilo de vida sofisticada, a base de corrupção. No entanto, foi exatamente durante esse período, e principalmente aos seus interesses hedonistas, que os móveis confortáveis surgiram em primeiro lugar. Figura 19 - Madame Boucher (François Boucher, 1743) Disponível em: http://www.francoisboucher.org Acesso em: jan. 2013 15 Publicado primeiramente nos EUA, em 1986. Segundo o prefácio, o autor é um arquiteto escocês, formado na McGill, University de Montreal, onde foi professor e pesquisador quando da publicação do referido livro. No prefácio, o autor declara que percebe a pobreza dos ideais arquitetônicos modernistas no referente ao conforto doméstico, à domesticidade. Projetando e construindo casas para clientes percebeu questões desconcertantes, mas ao projetar e construir para si mesmo uma casa é que se defrontou com seus valores e com a necessidade de estudá-los. 40 Figura 20 - A Toalete (François Boucher, 1739) Disponível em: http://www.francoisboucher.org Acesso em: jan. 2013 O autor apresenta muitos aspectos elucidativos sobre a história da moradia burguesa: cabe destacar o momento em que situa o estilo rococó qual o primeiro a ser desenvolvido exclusivamente para o interior desta. Isso realça que a parte interna das casas estava sendo entendida como muito diferente da parte externa e que ocorria uma importante distinção entre a decoração de interiores e a arquitetura. O foco muda da arquitetura externa (fachadas imponentes, grandes cômodos únicos) para a arquitetura de interiores (vida familiar, convívio, descanso): redefinição sistemática da noção de lar. Como dito, o espaço privado começou a tomar parte do espaço reservado ao público: o tamanho dos cômodos foi reduzido e ampliada a quantidade de cômodos específicos para cada tipo de atividade. Marcadamente no final do século XVIII, algo como “durante a Revolução Francesa”, em que as fronteiras entre a vida pública e a vida privada se mostram oscilantes. A vida pública, o espírito público invadiram os domínios habitualmente privados da vida doméstica. Não resta dúvida de que o desenvolvimento do espaço público e a politização da vida cotidiana foram definitivamente responsáveis pela redefinição mais clara do espaço privado no início do século XIX. O domínio da vida pública, principalmente entre 1789 e 1794, ampliou-se de maneira constante, preparando o movimento romântico do fechamento do indivíduo sobre si mesmo e da dedicação à família, num espaço doméstico determinado com uma maior precisão. (PERRENOT,1991, p. 21) 41 As consequências na definição dos ambientes públicos e no relacionamento dos cidadãos acentuam as diferenças entre masculino e feminino: homens políticos, mulheres domésticas. Os direitos civis dos cidadãos percebem contornos antes nem previstos. A Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão (26/08/1789) legitimou o governo que se iniciava com o afastamento do rei Luís XVI (que seria decapitado quatro anos depois, em 1793). As relações sociais são remodeladas, ainda que num ambiente patriarcal. O direito ao divórcio, por exemplo, é uma conquista que consolida a nova ordem social e provoca o legado religioso de perpetuidade matrimonial. De maneiras diferentes, a suposta ligação dos monarcas com Deus estava desmistificada. [...] os direitos do indivíduo, esse direito à segurança no qual começa a se fazer presente um habeas corpus que, ainda hoje na França, carece de uma garantia mais sólida; ela lhe confere uma primeira base inicial: a inviolabilidade do domicílio, cuja transgressão está sujeita, desde 1791, a penas severas pelo artigo 184 do Código Penal. (PERRENOT, 1991, p. 17) Paris, com já foi mencionado, passa pela condição de visibilidade internacional, de grande metrópole do continente europeu; cuja população maciçamente alfabetizada recebe comerciantes e viajantes de muitos pontos diferentes do planeta. Circulam periódicos que formam a opinião pública local e internacional. Oferece-se base cosmopolita ao desenvolvimento de muitos setores da sociedade nos anos em que Napoleão construiu seu domínio. Os objetos do espaço privado não foram esquecidos. Os mais íntimos objetos trazem a marca do ardor revolucionário. Na residência dos patriotas abastados, encontram-se ‘camas estilo Revolução’ ou ‘estilo Federação’. As porcelanas e faianças são enfeitadas com divisas ou vinhetas republicanas. [...] e até os jarros de lavatório são decorados com cenas das jornadas revolucionárias ou com alegorias. [...] é certo que a invasão dos novos símbolos públicos nos espaços privados foi determinante para a criação de uma tradição revolucionária . (PERRENOT, 1991, p. 28) A figura feminina da deusa romana da Liberdade “entra”, de forma confiável, futurística, nos lares da população francesa como um sinal de adesão aos valores revolucionários. Os símbolos da vida familiar e doméstica podiam exercer um efeito político (e, portanto, público) durante esse período de confusão entre a vida pública e a vida privada. O emblema da República, a deusa romana da Liberdade, [...] assumia o aspecto familiar de uma jovem donzela ou de uma jovem mãe. [...]. A mulher e a mãe, tão desprovidas de qualquer direito político, foram capazes, apesar disso (ou justamente por isso?) de se converter nos emblemas da Nova República. [...] O discurso político e a iconografia da década revolucionária contam uma história de família. (PERRENOT,1991, p. 31) 42 Na França, a composição social entre camponeses (maioria esmagadora), proletariado urbano, burgueses e aristocratas no período de tempo referido, situados no conjunto das condicionantes históricas, propiciou a unidade nacional e promoveu a democracia liberal. O século XIX, assim, esboçaria uma idade de ouro do privado, onde as palavras e as coisas se precisam e as noções se refinam. Entre a sociedade civil, o privado, o íntimo e o individual traçam-se círculos idealmente concêntricos e efetivamente entrecruzados. (PERRENOT, 1991, p. 10) Figura 21 - La Liberté guidant le peuple (A liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix , 1830) Disponível em: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1353 Acesso em: jan. 2013 43 2. A INDUSTRIALIZAÇÃO E AS TECNOLOGIAS DOMÉSTICAS DO SÉCULO XIX 2.1 A mulher, o moralismo vitoriano e a assepsia virtuosa. De qualquer forma, a complexidade do assunto excede as considerações socioculturais e econômicas. A casa, o espaço interior, vai seguir sua vocação de separar física e emocionalmente os indivíduos do seu local de trabalho ao longo dos séculos XVIII e XIX, quando se consolida a industrialização como modus operandi da sociedade urbana. É óbvio que as fábricas são o resultado de uma revolução ambiental mas raramente pensamos que os lares, tal como o conhecemos hoje, são uma criação da mesma revolução. Antes, a maior parte da produção e do comércio era realizada nas residências dos artesãos, comerciantes ou profissionais envolvidos, e compreendiase a casa como o lugar que incorporava o trabalho às atividades de morar, comer, dormir e assim por diante. Porém, quando o trabalho produtivo foi removido para as fábricas, escritórios ou lojas, o lar tornou-se um lugar exclusivamente para comer, dormir, criar filhos e desfrutar do ócio. A casa adquiriu um caráter novo e diferenciado, que foi vividamente representado em sua decoração e no design de seus objetos. (FORTY, 2007, p. 137-138) Não só o atendimento às demandas de socialização das massas e seu acesso aos bens de produção e consumo exigiram novas relações. A burguesia do século XIX impôs valores, procurando dar à vida familiar uma importância sem precedentes; o declínio da vida pública no século XVIII, o recuo no convívio e conversas livres em jardins, cafés e teatros são o desdobramento das novas circunstâncias de urbanização. As noções do que é apropriado e, portanto, belo no lar deram forma ao design de artigos para o uso doméstico. Porém a relação também funciona na direção oposta: ao mesmo tempo em que se conforma ao consenso do gosto, o design diz às pessoas o que elas devem pensar sobre a casa e como devem comportar-se dentro dela. (FORTY, 2007, p. 132) Segundo Forty (2007), estabelece-se, fortemente, a conexão entre virtude feminina e a casa. A partir da década de 1860, mulheres profissionalizam-se, e o que antes era “resolvido” por tapeceiros e estofadores passa a ser competência técnica e pessoal de decoradores(as) independentes: À medida que os ambientes domésticos passaram a ser considerados sinais do caráter de seus ocupantes, as pessoas começaram a se esforçar para apresentar uma imagem satisfatória delas mesmas. O conselho oferecido em manuais e revistas de decoração do lar baseava-se no pressuposto de que a mobília indicava personalidade, enquanto o comércio de móveis se aproveitava do fato de que seus clientes estavam comprando o que era considerado uma imagem deles mesmos. Privadas de outras maneiras de expressar suas personalidades, as pessoas foram procurar uma persona nos catálogos dos móveis residenciais. (FORTY, 2007, p. 137-138). 44 Para a classe social abastada europeia do século XIX, lar significava sentimento, sinceridade, honestidade, verdade, amor. Esse “divórcio” forçado entre defeitos e virtudes no lar, como “observariam Sigmund Freud e Joseph Breuer na década de 1890, propiciaram o clima para a histeria, um dos males mais comuns das mulheres burguesas do séc. XIX.” (FORTY, 2007, p. 140). As mulheres desempenhavam “papéis” dentro do lar; especialmente separando do mundo doméstico qualquer alusão ao trabalho: o ócio é que imperava (ou assim deveria). O lar deveria ser a antítese do trabalho; assim, as casas deveriam ser mais coloridas, com tonalidades leves, aristocráticas Os escritórios deveriam, então, ser mobiliados com austeridade, superfícies duras, cores utilitárias. Desde a metade do século XIX, as casas (melhor dizendo, os lares), na cultura anglosaxônica, deveriam expressar a “personalidade” das mulheres, e as condições materiais da sociedade moderna tornaram essa associação especialmente forte. Uma vez excluídas da vida pública, da urbe, de todas as formas de trabalho, as mulheres burguesas administravam e adornavam os lares (só as solteiras podiam trabalhar como enfermeiras ou governantas). A partir da década de 1860, a composição do espaço doméstico (móveis, objetos, diagramação) tornou-se uma atividade assumida pelas mulheres, uma atividade até mesmo esperada pela classe burguesa de que as mulheres da classe dominante e sua “sensibilidade” pudessem se responsabilizar pela tarefa como fuga do ócio forçado: manuais ofereciam muitos conselhos para a decoração de ambientes, paredes e mobiliário. A ideia de que a decoração do lar expressava o caráter pessoal da dona da casa difundiu o fascínio pela aparência, o estudo dos mínimos detalhes, o grande esforço para a apresentação de imagens satisfatórias de si mesmo: “as pressões sobre as mulheres para participarem dessa charada burguesa eram com consideráveis.” (FORTY, 2007, p. 146). Privadas de outras maneiras de expressar suas personalidades publicamente, as pessoas foram procurar uma persona nos catálogos de móveis residenciais. E nesse ponto se estabelece o paradoxo: como compatibilizar preceitos e recomendações dos catálogos com a individualidade extrema que os lares “devem” apresentar? 2.2 O lar eficiente e as utilidades domésticas A burguesia do século XIX procurava dar à vida familiar, a casa, uma importância sem precedentes, um virtuosismo moral típico do fervor religioso e da austeridade protestante: isso também está associado à crença de que a beleza e a higiene da vida da família no ambiente 45 doméstico cunhavam nos indivíduos uma moral benéfica. É então com a aristocracia cosmopolita da próspera Inglaterra vitoriana da primeira metade do século XIX que, pela preservação da religiosidade que não era mais de frequência rigorosa às igrejas, o lar passa a ocupar a condição de “céu”, de santidade, longe e livre (física e emocionalmente) das preocupações do mundo do trabalho e das tentações mundanas. A aparência um tanto pesada, sub-renascentista da primeira mobília vitoriana foi substituída por um estilo um pouco mais simples, sob o impacto do renascimento religioso da metade do século e dos reformadores do design associados ao Movimento de Artes e Ofícios. (FORTY, 2007, p. 151) Na passagem dos séculos XIX para o XX, podemos afirmar que se dá a mudança do conceito de lar como sinal de caráter e virtude, e seu papel principal passa a ser fonte de bemestar físico. Não só a aparência dos cômodos e a de seu móveis mudam, mas outras diferenças surgem em outros aspectos subjacentes das casas: a sala de visitas, estar e jantar não mais será o ambiente de maior dedicação dos investimentos de decoração, mas a cozinha e o banheiro é que receberão mais atenção do que até então. A nova realidade social que a expansão da classe média sem criados apresenta é a de que a higiene e a funcionalidade dos equipamentos substituíram as instruções sobre costura e virtudes cristãs. “Na prática, isso foi simbolizado pela inversão das papéis entre a salas e a cozinha como o centro da casa. A mudança aconteceu em ambos os lados do Atlântico nas duas primeiras metades do século XX.” (FORTY, 2007, p. 157) O crescimento da indústria influencia deveras a conformação dos lares. Os fabricantes de utensílios domésticos dão, ao tecido social, o que é importante no contexto de aumento constante da propriedade privada como forma dominante de posses durante todo o séc. XX: coisas. As condições domésticas e de moradia são entendidas como um trunfo nacional: os cuidados maternos de higiene e saúde são o mais seguro controle de saúde pública. São criadas escolas para educação de mães em puericultura e trabalhos domésticos: “a família era a base da nação e o dever de aperfeiçoar suas condições estava nas mãos dos pais, especialmente das mães.” (FORTY, 2007, p. 160). Entre as décadas de 1920 e 1930, a higiene pessoal e no lar atingiram a mais alta expressão: pias e banheiras esmaltadas, o design do banheiro reflete o valor atribuído à higiene com paredes azulejadas, acessórios cromados, acabamentos rijos e brilhantes. A busca pela higiene e a eficiência do trabalho doméstico na educação e nutrição dos filhos passam a ser uma campanha política com abordagem estimulada pelas escolas de ciência doméstica para o que era conhecido como “trabalho no lar”. As indústrias criaram uma demanda por equipamentos e aparelhos de limpeza e facilitação do trabalho doméstico: 46 os fabricantes se aproveitaram da intensificação do senso de responsabilidade das mães e da escassez de criados. Entre 1920 e 1950, as características recorrentes da casa que economiza trabalho – água quente e fria encanada em todos os andares, elevador para transportar comida e frisos livres de pó – eram todos os meios de reduzir o trabalho doméstico. A melhor aparência do lar passa a ser a que permitir à dona de casa cuidar com mais eficiência de seus filhos provendo e promovendo a saúde da família. Por mais que a individualidade e a virtude pessoal de cada dona de casa pudessem ser expressas com o arranjo de sua mobília e itens de decoração doméstica, as mulheres se veem oprimidas e constrangidas pela indústria de equipamentos e utensílios, que, em algumas medidas, impõelhes obrigações e determinam, assim, seu papel de donas de casa e mães. Se por um lado o lar é o local de inalienável liberdade individual e afirmação pessoal, por outro o valor do individualismo nada significa quando as mulheres, protagonistas de uma engrenagem industrial, são compelidas ao consumo das ideias dominantes de higiene e eficiência da modernidade. 2.3 Higiene e beleza como valores de superioridade social Na virada do século XIX para o XX, a redução do número de mortes por doenças infecciosas deveria ser preocupação de toda a sociedade como almejavam os reformistas sociais. Movimentos de saúde pelas décadas de 1840 e 1850 concentraram-se nas melhorias sanitárias e objetivavam reduzir a incidência da tuberculose (como havia sido conseguido com o tifo e a cólera). Nessa época, a teoria miasmática (combustão espontânea de odores fétidos ar estagnado – oriundos de material orgânico em putrefação nos lençóis freáticos contaminados16) ainda estava em vigor, e a única maneira de evitar as moléstias era manter uma ventilação constante. Mesmo sendo difícil indicar razões conclusivas de por que a limpeza passou a importar tanto na virada do século XIX ao XX, muito pode ser atribuído à adoção por parte da classe média de um dispositivo social de grande alcance e de segurança mesmo psicológica proporcionada pela assepsia total do ambiente doméstico. O cultivar de hábitos de limpeza por parte da classe trabalhadora também apresentava a perspectiva de controle social por parte da classe dominante. Na década de 1890, já consolidada a teoria microbiana, tudo que pudesse carregar germes (moscas, mãos sujas, 16 Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?livro_id=6&area_id=2&autor_id=&capitulo _id= 13&arquivo= ver_conteudo_2 . Acesso em: jul. 2013. 47 poeira especialmente) estava ligado à transmissão de doenças, e o único caminho de longo alcance era a educação. Foi somente quando anunciantes, designers e fabricantes começaram a usar imagens de higiene que o público em geral assimilou plenamente as lições que os higienistas vinham dando. (FORTY, 2007, p. 221) Muitos acontecimentos sucederam até que banheiras de ferro fundido esmaltado, sustentadas pelos pés, chegassem às casas da classe trabalhadora (casas essas que eram subsidiadas pelo Estado na Inglaterra) e eram, seguramente, um símbolo de status da classe média nas primeiras décadas do século XX. A partir da década de 1930, banheiros ganham uma combinação sofisticada e harmoniosa de acessórios, diferenciando o predomínio de branco exigido nos ambientes hospitalares desde meados de 1890, que igualava os banheiros da classe média e operária. Figura 22 - Banheiro Twyfords (1911) Fonte: FORTY, 2007, p. 226 48 Figura 23 - Banheiro Twyfords (1935 ) Fonte: FORTY, 2007, p. 228 Os higienistas provocaram, como já foi mencionado, uma ansiedade sem precedentes na população em geral, estabelecendo, em uma relação direta, que cada traço de sujeira correspondia a uma moléstia em potencial. O trabalho doméstico e a limpeza ganharam, de fato, enorme significação emocional e comportamental, e essa é uma base importante para a relação entre o princípio do design em afetar a saúde, e a arquitetura doméstica atender os preceitos higienistas, sem os quais uma nação sucumbiria. 2.4 Higienistas, indústria e publicidade: o aspirador de pó Um evento seminal assinalou o conflito entre o conforto e a higiene: em 1884, a Exposição Internacional de Saúde, em Londres, apresentou o tema do design de casas saudáveis e seus utensílios, apoiados por uma publicação anterior cujo título é Decoração e Móveis para Casas Urbanas17. Estava então condenado qualquer móvel que pudesse abrigar pó com entalhes e frisos, acumulação de ornamentos inúteis e o uso de tecidos felpudos que retivessem a poeira (recomendação de tapetes e não carpetes), estofados de couro em vez de veludo e utensílios de mesas de formas mais simples e fáceis de limpar. 17 EDIS, Robert. Decoration and Furniture of Town Houses, [S.l.: s.n.], 1881. Coronel Sir Robert Edis (1839 – 1927) foi um arquiteto militar de expressão no estilo Queen Anne. Disponível em: http://www.twickenhammuseum.org.uk/detail.asp?ContentID=436. Acesso em: jul. 2013. 49 De todos os móveis discutidos, caberá destaque para a armação das camas (estrados), sobre a qual, ao dormir, não se percebem os perigos das condições do ar e, assim, recomendase o uso de ferro ou material fundido. No final do séc. XIX, parte expressiva do mobiliário para a classe média e popular já incorporava traços “higiênicos”. A popularização do aspirador de pó pode ser entendida como exemplar em relação ao design de equipamentos, à sua comercialização em virtude da fobia de sujeira. A articulação entre higienistas reformadores, industriais e comercialização de produtos, no caso do aspirador de pó, permite a compreensão plural de que não somente água corrente, banheiras e pias, mas também desodorantes, máquinas de lavar e sabão em pó fazem parte da multiplicidade de produtos e serviços que, em nome da saúde, não poderiam prescindir do cotidiano das famílias. Na década de 1890, com o avanço da Teoria Microbiana (desde os trabalhos de Louis Pasteur18) e as preocupações com a aeração dos ambientes, especialmente os hospitalares ou os espaços públicos (teatros, lojas de departamentos), o aspirador, para os ambientes domésticos, figura como o único instrumento eliminador da “poeira letal” que se acumulava nos ambientes da casa. Na década de 1900, surgem os primeiros aspiradores elétricos portáteis relativamente baratos que poderiam ser operados por uma criada. Desenvolvidos com escovas giratórias e bombas de sucção, não facilitavam a limpeza nem tinham aparência amistosa e segura, porém a realizavam com extrema eficiência e assim eram anunciados, de forma que as mães aceitavam o custo ou o transtorno do uso da peça, pois teriam como retorno um novo padrão de limpeza nos seu lares, mais seguro e mais desejável. Todo descaso com a limpeza era indesculpável, inferior e danoso à vida humana. Assim, é a comercialização da limpeza e seu enraizamento entre os consumidores que conforma a estética da pureza, da beleza limpa, da arquitetura eficiente, do lar saudável, da “máquina de morar”19. 18 Louis Pasteur (1822 – 1895) - pioneiro na microbiologia, pesquisador humanista que desenvolveu a técnica da vacinação (imunização) e que consolidou procedimentos e noções básicas de assepsia e esterilização de equipamentos nas ações cirúrgicas. Disponível em: http://www.cdcc.usp.br/ciencia/artigos/art_31. Acesso em: jul. 2013. 19 Expressão cunhada por Le Corbusier em referência à moradia para o séc. XX. 50 3. O MOVIMENTO MODERNO E A MASSIFICAÇÃO DE PRODUTOS E SERVIÇOS PARA AS MORADIAS 3.1 Racionalização: indústria e conforto O século XX é marcado pelas direções dadas pela lógica, pelo racionalismo tecnológico permitido pela eletricidade, pelas máquinas e utilidades domésticas, “o homem universal e abstrato, sem atributos, sem necessidades psicológicas, que a sociedade produtiva de Frederich. W. Taylor e Henry Ford tentou gerar” (MONTANER, 2001) e “para o qual a iconização nefasta de produtos do Modernismo” (SCHMID, op. cit.) estava voltada. Sendo assim, a manutenção dos espaços interiores é questão permanente na arquitetura do século XX. Como dito anteriormente, a industrialização passa de embrionária à amadurecida entre os séculos XVII e XIX, na Inglaterra vitoriana, onde a transformação da paisagem do século XIX pode ser representada, simbolicamente, pela locomotiva no crescente processo de industrialização. É nesse ambiente que surgem as primeiras críticas às “máquinas”. O percurso socioeconômico e cultural que designa a modernidade pelas grandes mudanças tecnológicas e sociais que transformaram a visão humana do mundo de místicaautoritária para cética-discutível (como dito inicialmente nesta dissertação) e que tem seu ponto crítico no final do século XIX é consequência da combinação de muitos episódios, como industrialização, crescimento populacional, inúmeras novidades tecnológicas e nos meios de transporte, explosão de uma cultura de consumo de massa e outros episódios tão relevantes quanto os citados. As manifestações internacionais sobre os preceitos de Le Corbusier quanto à necessidade de renovar a arquitetura para fazê-la corresponder à era industrial, emparelhar a arquitetura e a engenharia podem ser reunidas nos em cinco pressupostos de acordo com Argan: 1) A deliberação de fazer uma arte em conformidade com sua época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo; 2) o desejo de diminuir a distância entre as artes “maiores” (arquitetura, pintura e escultura) e as “aplicações” aos diversos campos da produção econômica (construção civil corrente, decoração, vestuário, etc.); 3) a busca de uma funcionalidade decorativa; 4) a aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou europeia; 5) o esforço em interpretar a espiritualidade que se dizia (com um pouco de ingenuidade e um pouco de hipocrisia) inspirar e redimir o industrialismo. Por isso, mesclam-se nas correntes modernistas, muitas vezes de maneira confusa, motivos materialistas e 51 espiritualistas, técnico-científicos e alegórico-poéticos, humanitários e sociais. (ARGAN, 1996, p. 185) O Modernismo consagra a função como o elemento principal da produção em urbanismo, na arquitetura e no design. Era necessário estabelecer a reorganização urbana em função da cidade do trabalho, pois havia uma grande incompatibilidade entre a organização da cidade tradicional e a cidade da época industrial, já que as cidades foram “deturpadas” pela industrialização, enegrecidas pela fumaça das chaminés e cercadas por “infectados” bairros operários. Com sua tipologia estética, o movimento da Arte Nova atendia às artes decorativas e figurativas, ao ornamento pessoal, ao espetáculo, à arquitetura, aos equipamentos urbanos. A Arte Nova impregnou com seu estilo tudo o que era consumido à época, provocando a reformulação de conceitos e comportamentos e dando início a uma necessidade de instalar o “novo” como um símbolo de atualização. Pelo modo que se propaga, é uma verdadeira moda, no sentido e com toda a importância (já intuída e explicada por Baudelaire) que a moda assume numa sociedade industrial, inclusive em termos econômicos como fator de obsolescência e substituição dos produtos. É o gosto da burguesia moderna, sem preconceitos, adepta do progresso industrial, que considera como um privilégio intelectual próprio e a que também correspondem responsabilidades sociais. Penetra, na verdade, em todas as camadas da sociedade burguesa: a alta burguesia possui arquétipos, trabalhados por artistas e artesãos qualificados em materiais nobres; a média e a pequena burguesia consomem produtos do mesmo tipo, mas banalizados pelos processos repetitivos da produção industrial [...] Assim, o Art Nouveau, enquanto estilo “moderno”, corresponde ao que, na história econômica da civilização industrial, é chamado de ‘o fetichismo da mercadoria. (ARGAN, 1996, p.199). Entre as características da Arte Nova estão a influência da arte japonesa, a temática naturalista, a juventude, a liberdade e a novidade, que, coincidentemente, foram os nomes com que o movimento foi batizado em vários países. Na Itália, o Stile Liberty; o termo alemão Jugendstil foi tirado de Jugend (juventude) e Art Nouveau, na França, foi expressão retirada do nome de uma loja que comercializava produtos de Henry van de Velde. Como definição, citaremos Argan, que sintetiza essa importante manifestação da seguinte forma: O ambiente visual que o Art Nouveau tece em torno da sociedade não só favorece sua atividade, como também lhe oferece um reconforto em sua labuta, fornecendolhe uma imagem idealizada e otimista: a nascente civilização das máquinas não a condena a um mecanismo obscuro e opressor; pelo contrário, libertando-a da necessidade e do trabalho, permitirá que ela plane nos céus da poesia. (ARGAN,1996, p. 202). O grau de qualidade atingido na elaboração da arquitetura, de mobiliário e de objetos, além da complexidade na construção de qualquer dos objetos desse estilo, necessitava de bons projetos e um minucioso conhecimento das possibilidades estéticas dos materiais. 52 Tal condição só foi possível por causa do movimento Artes e Ofícios, em que os artistas e os artesãos nas guildas trabalhavam coletivamente desde o projeto até em sua produção, de forma integrada, testando e experimentando as possibilidades físico-químicas dos materiais, ferramentas e maquinários. No entanto, a Arte Nova esconde atrás de sua exuberante produção técnica os conflitos da problemática social, sendo o estilo produzido para a elite, consumo ufanista da classe burguesa, pois somente os ricos podiam comprar seus produtos, na medida em que eram caros e não concorriam em preço com os objetos industrializados. A Arte Nova estabeleceu uma relação com a produção artística, espaço em que a intenção era utilizar o trabalho do artista no quadro da economia capitalista. A indústria assume o seu entendimento da divisão de classes e toma partido dessa produzindo para vários segmentos produtos diferentes, embora esses tenham a mesma finalidade. Nesse momento, inicia-se o reconhecimento e a importância do designer que trabalha para a indústria com o objetivo de agregar valor à mercadoria através de sua proposta estética. A reurbanização das cidades com a iluminação pública, entre outros fatores, modificou os hábitos da sociedade. Paralela a esses eventos, a crescente produção industrial necessitava utilizar os veículos de informação disponíveis para atingir o maior número de consumidores. A publicidade em jornais e revistas e a produção de catálogos passam a veicular a produção industrial, e alguns dos exemplos mais notáveis são os famosos catálogos da SEARS, que, segundo Charney (2001, p. 226), “chegou a pesar 2,7 quilos, atingindo 1.500 páginas, listou cem mil produtos e chegou nos lares de vinte milhões de norte-americanos”. Estava selada, desde então, uma interdependência entre a produção industrial e a veiculação de seus produtos junto ao público consumidor através dos veículos de comunicação e dos magazines, que se transformaram em um ponto de encontro sofisticado. A partir da segunda década do século XX, o Modernismo atende pela denominação de Art Deco, que reúne influências da Arte Nova, do Cubismo, da Bauhaus, da arte asteca, da arte egípcia e estabelece uma proximidade com a indústria, já que suas formas limpas e retilíneas são favoráveis aos processos de industrialização. Art Deco é o termo para definir o estilo formalizado na Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris em 1925, e, entre seus principais expoentes, estão Le Corbusier, Jean Puiforcat, Preiss, John Jesse, Chiparus, John Vassos, Dufrene, Yvette Barran, Frank Lloyd Wright. 53 Com essa base para a instalação da ideologia funcionalista no movimento moderno, em que a forma deveria ser resultado de sua função, há uma transformação desse pensamento em um paradigma fundamental em quase toda produção estética do século XX. Evidencia-se que a partir da Arte Nova começou uma aproximação entre a indústria e os artistas, que se torna um compromisso durante a exposição de 1925 de Artes Decorativas em Paris. A aproximação significava a apropriação por parte da indústria do saber do artífice20, que, somado às possibilidades reprodutivas, poderia ampliar a colocação de seus produtos no mercado. Havia uma movimentação de vários setores defendendo uma simplificação estética dos objetos. Le Corbusier21 condenava toda e qualquer ornamentação apresentada na exposição de Paris, coincidentemente a indústria desejava a simplificação do fazer e simultaneamente a eliminação do “supérfluo e do decorativo” nos objetos. Uma ideologia de culto à máquina se erguia no início do século, tendo em Le Corbusier um de seus adeptos: “A cultura deu um passo e a decoração hierárquica caiu. Os dourados se apagaram e o pardieiro não tardará a ser suprimido. Parece mesmo que trabalhamos para o estabelecimento de uma simples e econômica escala humana.” (LE CORBUSIER, 1994, p. 39). Uma crítica aos aspectos decorativos se estabeleceu, e a produção de uma nova estética estava a caminho, uma estética vinculada aos processos industriais, que acreditava que a racionalidade e a simplificação do produto iriam proporcionar o acesso aos bens industrializados a todos os seres humanos. Em 1919, a Bauhaus surge como uma escola que reúne o fazer e o criar num mesmo espaço, sua metodologia de ensino influenciou conceitualmente toda a produção do design e da arquitetura do século XX, transformando-se em uma expressiva referência da modernidade. A proposta da Bauhaus era unir o conhecimento das várias manifestações artísticas através de uma ação conjunta compreendendo a estrutura multiforme da construção em seu 20 Artífice, operário ou artesão, que trabalha em determinados ofícios; artista. “A arte decorativa moderna não tem decoração. Mas afirmam que a decoração é necessária à nossa existência. Retifiquemos: a arte nos é necessária, ou seja, uma paixão desinteressada que nos eleva. Basta, pois, para entender com clareza, distinguir entre sensações desinteressadas e necessidades utilitárias. As necessidades utilitárias requerem a ferramenta, aperfeiçoada em tudo, da mesma forma que se manifestou certa perfeição na indústria. Trata-se então do magnífico programa da arte decorativa. Dia a dia, a indústria produz objetos perfeitamente convenientes, perfeitamente úteis de cuja elegância de concepção, pureza de execução e eficácia de serviços emana um verdadeiro luxo, que deleita nosso espírito. Essa perfeição racional e determinação precisa, particular a cada um deles, criam vínculos suficientes de solidariedade entre eles e tais vínculos permitem reconhecer-lhes um estilo.” (LE CORBUSIER,1994, p. 80). 21 54 todo e em suas partes, emprestando ao objeto construído uma unidade. As várias oficinas com seus artesãos e artistas trabalhando juntos se constituíram em um polo de pesquisa e criação gerando um processo de experimentação extraordinário. (ARGAN, 1996, p. 394). A meta da Bauhaus era a formação de designers dotados de talento artístico para a produção do desenho industrial. A base da formação consistia em treinamento manual, técnico e artístico, visando atender às necessidades do ser humano em toda sua complexidade. Baseado na formulação de Walter Gropius, a nova arquitetura proposta como estilo moderno tinha como objetivo a superação de qualquer outro estilo possível, a unidade pretendida entre o processo técnico e o processo estético evitaria a possibilidade de erro, e esse conceito levou o Modernismo a avançar na busca pela solução de todos os problemas. (MUNARI, 1984, p. 10). Essa formulação estava ancorada em um dos períodos mais dramáticos, o da construção da metrópole para acolher a densidade demográfica, um fator ímpar na história da humanidade. Servindo de base para diversas ideologias e seus diversos postulados desenvolvimentistas, transforma-se em um estilo internacional, impondo, com seu “racionalismo”, uma configuração urbana que é abraçada pela ascendente burguesia industrial. O contexto em que nasceram as premissas do design é a próspera Inglaterra da Rainha Vitória, que se encontrava em plena expansão industrial e espalhava seus domínios políticos, comerciais e militares por todo o planeta. A consolidação da burguesia na regência da política econômica e sua ansiedade em conquistar mercados e acumular capital, através de um processo político liberal, acabaram por instalar uma instabilidade nas relações comerciais nacionais e internacionais. Segundo Pevsner (1995), a jornada de trabalho era constituída de doze a quatorze horas diárias: a filosofia liberal ensinava que cada um devia dar livre curso à sua energia a fim de atingir o progresso, instituindo dessa maneira uma ideia ilusória de que o sucesso era possível. Essa realidade acordada entre as partes (empregador e empregados) evidenciou as condições de exploração trabalhista presente na história da humanidade. Os salários eram cada vez menores, o número de candidatos ao trabalho, cada vez maior, e a mão de obra humana ia sendo substituída pela máquina, pois era contínuo o desenvolvimento tecnológico e dos métodos produtivos. O processo de mecanização da produção, no decorrer da revolução industrial, gerou uma série de desdobramentos de ordem social, política, econômica e filosófica, promovendo durante o século XIX o afloramento de correntes de pensamento que interpretam os modos e 55 os princípios da organização social e política da humanidade, fomentando a complexidade do mercado financeiro ainda hoje em curso. Os métodos produtivos investiam na divisão do trabalho, na reprodução seriada e em uma grande quantidade de produtos. Pevsner observa que a conquista de novos mercados não podia esperar por aprimoramentos formais, estéticos e industriais, apresentando, portanto, ausência de informações estéticas e culturais, pois tinham como objetivo apenas o lucro rápido e não tinham maior respeito pelas questões relativas à harmonia e à beleza de suas mercadorias, fato esse observado na Grande Exposição Industrial de 1851, planejada e realizada em Londres pelo Príncipe Albert. A ausência de uma estética industrial instalou o império do mau gosto e do exagero nos produtos industrializados. Toda e qualquer regra de composição decorativa foi ignorada pelas indústrias presentes na grande exposição do Palácio de Cristal (Ibdem). O que se cultuava era o “progresso” e a “inventividade” dos meios produtivos em detrimento da qualidade estética dos produtos. Logo após a grande demonstração do poderio industrial da Inglaterra e de seu respectivo mau gosto, surgiram por toda Europa questionamentos sobre o fracasso da qualidade estética dos produtos da famosa Exposição no Hyde Park. A feira internacional de Londres também expôs o distanciamento tecnológico entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, afirmando a superioridade daquelas sobre as demais. A nova ordem política e econômica para o século XX estava traçada. O mundo seguiria para uma divisão econômica inevitável, resultado da política liberal colonialista dos séculos anteriores. Nações detentoras de tecnologia e nações dependentes de tecnologia, eis, enfim, a tônica da nova ordem política e econômica do próximo século no universo da propriedade intelectual. (CORRÊA, 2012) Entre os séculos XVII e XIX, a industrialização, como dito, passa de embrionária à amadurecida. O funcionalismo passa então a conduzir os processos fabris e a determinar as relações sociais: cabe recapitular como Pevsner, no livro provavelmente mais lido sobre design, Os pioneiros do desenho moderno, nos faz crer que a sequência de invenções mecânicas inerentes ao parque industrial foi a causa da deterioração do design. Assim posto, a “máquina” fica dada como uma influência maligna e que levava a um design inferior: Os argumentos apresentados pelos reformadores do design do século XIX e seguidos por Pevsner repousam sobre o pressuposto de que as máquinas usurparam o controle do artesão sobre a forma do produto: as máquinas, acreditavam eles, haviam mudado a prática do design ao separar a responsabilidade pela aparência do produto da tarefa de fabricá-lo, com uma consequente deterioração do design. (FORTY, 2007, p. 61), 56 A estética da limpeza então, posteriormente à década de 1930, domina o ambiente doméstico. A visão de limpeza deverá ser superlativa no design de equipamentos como a geladeira. Cabe aqui mencionar a célebre obra de Le Corbusier, 22 Vers une Architecture, publicada em 192323, uma coleção de ensaios reunidos, que originam um manual estabelecendo os requisitos mínimos que os indivíduos deveriam ter em suas casas, já que a arquitetura não se ocupava mais de palácios e sim de casas para os homens comuns: Um quarto ao lado deve ser o vestiário, onde você possa se vestir e se despir. Jamais tire a roupa no banheiro. Não é uma coisa limpa e deixa o lugar horrivelmente desleixado (...). Exija paredes lisas no quarto, na sal de estar e na sala de jantar, Acessórios embutidos para substituir boa parte da mobília, que é cara de comprar, ocupa muito espaço e precisa de cuidados. (...). Ensine seus filhos que uma casa é habitável somente quando está cheia de luz e ar, e quando os pisos e paredes são claros. Para manter o piso em ordem, elimine móveis pesados e carpetes espessos. (LE CORBUSIER apud FORTY, 2007, p. 216). Nessa obra, fica evidente a crença do arquiteto na dimensão funcionalista da arquitetura, a superação da ostentação e o alinhamento da arquitetura com o homem moderno, a Revolução Industrial, o desenvolvimento da civilização. O princípio da limpeza será compartilhado pela sociedade e entendido como base da beleza, classificando experiências de vida doméstica e impondo ordem na ambientação da vida familiar. A ansiedade em relação à sujeira pode ser percebia no uso de branco para móveis de interiores domésticos e pode revelar um sintoma de autoridade social da classe abastada em relação ao proletariado. 3.2 A interação humana com os objetos: a distinção recíproca Com a sedimentação dos processos produtivos em larga escala, os objetos ganharam grande importância em nosso ambiente cotidiano e passaram a exercer um papel de mediador entre o indivíduo e a sociedade, pois estão cada vez mais carregados de valores e seus consequentes significados. Nesse sentido, o objeto constitui-se também enquanto mensagem social, produto de todo o pensar e o fazer humano, modificador de uma situação que se estabelece entre o homem e seu meio ambiente, servindo até mesmo como uma “prótese” do corpo humano, que lhe permite outros tipos de conexões com o seu entorno. 22 Le Corbusier (1887- 1965) - arquiteto suíço naturalizado francês entre os de maior importância na arquitetura do séc. XX. Disponível em: http://www.fondationlecorbusier.fr/corbuweb/morpheus.aspx?sysId. Acesso em: jul. 2013 23 A obra é considerada, na atualidade, um “manifesto” do movimento moderno em arquitetura. 57 O relacionamento entre o ser humano e seu sistema de objetos pode distanciar o homem de seu ambiente natural, criando um espaço artificial ilimitado em suas possibilidades. Os processos de comunicação de massa, desenvolvimento tecnológico e de produção em larga escala funcionam inter-relacionados, submetendo a sociedade ao impacto de um ciclo sinérgico massificante que altera o comportamento social. O ser humano perde parte de seu livre arbítrio, enquanto é promovida uma valorização da capacidade de consumo individual dentro de um espectro pré-determinado de produtos. O objeto se constitui autonomamente em um sistema como testemunha de um processo existencial de uma sociedade, é resultado dos caminhos trilhados pelo desenvolvimento tecnológico e cultural, carrega em sua forma a expressão nítida de seu tempo, é suporte para a expressão de mensagem fora dele próprio, muito além de sua materialidade. O objeto faz parte de um processo comunicativo que se estende além de sua função específica, a relação entre sua função e o corpo humano passa através de sua forma, como um estímulo, que provoca reações e reflexos motores e interage por meio do toque, de sua textura e estrutura, gerando a interação com seu usufrutuário. No design de interiores, além do significado de cada objeto, há a relação que se estabelece entre a população de objetos de um determinado ambiente e suas funções objetivas e subjetivas, que transformam a coleção de objetos ou seu sistema em um museu individual e permanente de nossa cultura pessoal. Os objetos cotidianos de nosso ambiente, comprados ou utilizados e rejeitados, exercem as mesmas funções de comunicação que os jornais, as cópias do museu imaginário e os concertos radiofônicos. A sua circulação na sociedade segue, regra geral, as mesmas leis e exerce as mesmas ações que eles, mobiliando o cérebro do indivíduo com formas e reações. A originalidade ou a banalização, a alienação ou o domínio do ambiente, manifestar-se-ão neste ambiente. (MOLES, 1981, p. 22) Ainda de acordo com Moles (1981), o objeto é portador de mensagens funcionais e simbólicas, como o significado de um objeto entregue como presente ao outro; desta maneira o objeto é assinado antes pelo seu expedidor do que pelo seu criador, transformando-se em uma espécie de vínculo entre seres humanos. O valor estético do objeto é imanente à relação que se estabelece entre o prazer sensual que o indivíduo obtém através das sensações de posse de um objeto, de um sistema de objetos ou de um ambiente, independente de sua utilização ou funcionalidade específica. 58 O prazer pode ser provocado pelo olhar, pelo toque, pelo odor ou pelas experiências vividas, que, por sua vez, estabelecem conexões entre o que é percebido, comparado, rememorável e concluído através do repertório de informações, vivências e o pensamento. As necessidades da “sociedade de consumo” são mais amplas hoje que as necessidades básicas ou biológicas da vida. Estão mais próximas da relação que se estabelece entre o indivíduo e a sociedade, mediada pela posse dos objetos, que atende às vontades do indivíduo, ressignificando-o perante ele próprio a sociedade. À pergunta “por que consumimos?” podemos dar a resposta de que o fazemos para a “satisfação das necessidades”; “procura do prazer”; “defesa ou afirmação de status”; “imitação dos outros”, e, ainda, busca de respostas para “questões relacionadas à natureza da realidade e ao verdadeiro propósito da existência”, ou seja, para as clássicas perguntas “quem sou eu?” ou “qual é a minha identidade?” (CAMPBELL, 2006). Podemos considerar três como as motivações principais do consumo: 1- busca da satisfação de necessidades diretamente ligadas à funcionalidade dos produtos, que significa consumir buscando predominantemente usufruir as funções para as quais os bens em questão foram originalmente criados; 2- busca de prazer emocional sem papel de comunicação social, que significa que a compra foi motivada não somente pelos benefícios funcionais ligados a atributos técnicos da mercadoria, mas, sobretudo, pela vontade do consumidor de vivenciar uma “emoção” por meio dela. O termo “emoção” pode ser entendido aqui como sentimento intenso de prazer não ligado à funcionalidade básica do bem comprado, sentimento que culmina no “desejo” (“querer” intenso) por aquilo que gerou tal emoção (CAMPBELL, 2006, p. 66); 3- busca de prazer emocional por meio do uso das mercadorias/marcas como comunicadores sociais. A esta última estariam ligadas motivações mais específicas: de comunicar status – seja no intuito de “distinção” visando à “competição” com alguém, ou de “inserção”, visando ao reconhecimento de alguém – e, ainda, de comunicar mensagens a outras pessoas sem objetivos de competição ou ingresso em um grupo. 3.3 Paradigmas do conforto biológico Quanto às necessidades biológicas, cabe uma observação sobre a pirâmide de necessidades de Maslow24, psicólogo que teorizou e estabeleceu diferentes níveis de 24 A. Maslow (1908-1970) - psicólogo norte-americano que estudou diversas correntes da psicologia, como a psicanálise, Gestalt e a humanista. Trabalhou em pesquisas sobre sexualidade humana com o psicólogo E. L. Thorndike na Universidade de Columbia. Também coordenou o curso de psicologia em Brandeis. Foi 59 hierarquia para a satisfação de necessidades do ser humano. Maslow afirmava que as necessidades ligadas aos aspectos fisiológicos do corpo – fome, sede, sexo, sono, excreção, abrigo – deveriam ser atendidas em primeira instância, para que necessidades de outros níveis pudessem surgir e passar a constituir motivação para o crescimento do indivíduo. Dividiu-as em cinco níveis, deixando para a parte superior da pirâmide as necessidades de realização pessoal. Segundo esse psicólogo, níveis superiores só se constituiriam como necessidades a partir da satisfação dos níveis mais baixos (MASLOW, s.d.). Figura 24 - Ilustração da pirâmide de necessidades biológicas humanas de Maslow Disponível em: http://www.dekasseguirico.org/tag/piramide-de-maslow/ Acesso em: jan. 2013 Produtos e espaços possuem diferentes funções, que podem ser hierarquizadas por importância, necessidade ou qualquer outro mister. A função principal é sempre acompanhada de funções secundárias, muitas vezes ignoradas não pela ausência de valor, mas por responsável pela publicação da Revista de Psicologia Humanista juntamente com Anthony Sutich, pioneiro nos estudos da psicologia transpessoal, em 1961, e incentivou criação de uma revista sobre o assunto. A teoria mais famosa de Maslow é a da hierarquia das necessidades, segundo a qual, as necessidades fisiológicas estavam na base de outras: segurança, afetividade, estima e realização pessoal. Nessa ordem, uma necessidade só poderia ser satisfeita se a anterior fosse concretizada. Disponível em: http://www.e-biografias.net/abraham_maslow/. Acesso em: 10 jun. 2012. 60 requererem, para a sua identificação, aprofundamento do problema com vistas a se alcançarem outros patamares de avaliação. No mundo do design, pode-se fazer referência às funções de ordem prática, estética e simbólica, todas presentes na organização dos espaços interiores, e que só podem ser alcançadas, em seus diferentes níveis, com a instauração de uma “verticalização” projetual. 25 O conceito de projetar vai além da organização do espaço de acordo com funções práticas, que, se pode dizer, é o programa das necessidades. Mas, há ainda as funções estética e simbólica. Estas são obtidas, no que concerne à compreensão do espaço, através da leitura e decodificação de seus elementos constitutivos, necessitando de uma reflexão mais apurada. Assim como na hierarquia de necessidades de Maslow, a verticalização projetual e os aspectos ligados à configuração dos espaços alcançam níveis em que não apenas se buscam a segurança e os parâmetros objetivos do conforto (térmico, acústico e lumínico) como questões norteadoras, mas também a criação de ambientes facilitadores da interação social, do desenvolvimento do indivíduo e da sua autorrealização. Aprofundando o problema interposto – o programa e suas particularidades, o território, a função, o usuário - identificando os seus vários níveis a partir de um conhecimento mais crítico acerca de equipamentos, materiais, processos e sua relação com os contextos psicológicos, históricos, culturais e tecnológicos, tornamo-nos capazes de compreender a natureza complexa e transdisciplinar da práxis projetual no entendimento da singularidade dos indivíduos e grupos com foco no bem comum que responde à demanda da contemporaneidade. Os jogos em curso, desenvolvidos pelas necessidades de sobrevivência do mercado em sua forma atual, geram necessidades de consumo no indivíduo; o objeto produzido pela indústria é fruto e instrumento desse jogo, que, através dos processos de produção, de serviços e de comunicação, coloca-se diante do indivíduo consumidor gerando nele vontades que somente são aplacadas através da troca de significados que se estabelece entre o indivíduo, o objeto e a sociedade. Esse jogo incessante movimenta todos os setores produtivos, que por sua vez, geram novos paradigmas existenciais, dividindo a sociedade em segmentos, identificando-os e atendendo às suas subjetividades detalhadamente através dos recursos da área de marketing. 25 GEOFFROY, Nora, MIRANDA, Jethero C., SOUZA, Aline T. Atribuições na Formação do Designer de Interiores em nível de Bacharelado. In: V ENCONTRO NACIONAL DE COORDENADORES E PROFESSORES DA ABD – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESIGNERS DE INTERIORES. Itu/SP: 27 e 28 de maio de 2011. 61 O objeto na sociedade contemporânea oferece a possibilidade de aquisição de algo que é disponibilizado ao coletivo e que pode pertencer ao individuo através de sua escolha, que é carregada emocionalmente desde que o sujeito renuncie a todas as outras alternativas e adquira o objeto, pois “o prazer último da beleza é possuí-la” (MOLES, 1981, p. 128). Desde os tempos ditos pré-históricos, o homem em todas as “tribos” coloca em seu corpo e em seu entorno objetos que considera atraentes. O objeto se transforma em um mediador entre a situação e o ato, estabelece, através de sua função estética, as relações entre o indivíduo e a sociedade e abranda a incontida necessidade do ser em possuir o belo. Os objetos possuem em sua constituição o valor da matéria prima, somado no mais ao valor da mão-de-obra, mais o lucro por sua comercialização. Dependendo do material utilizado em sua confecção e da qualidade da mão de obra, com o passar do tempo, o objeto pode adquirir um valor agregado como a aura de antiguidade, fato que promove a incorporação de mais um valor, superior ao seu preço inicial. Dessa forma, uma cadeira, um prato ou um tapete adquirem em alguns casos um prestígio absoluto advindo de uma função psicológica. O valor por sua antiguidade pode ser comprovado por especialistas e, dependendo dessa avaliação, o objeto tem em seu preço elevado em muitas vezes o preço da matéria prima e da qualidade da mão de obra utilizada em sua execução. Pode-se ainda agregar um valor especial por sua relação de pertencimento a uma importante personagem da história: desde um imperador, um artista de cinema, um pop star ou mesmo um mártir, desconsiderando o fato de o objeto ser seriado, despossuído de valor ou mesmo tratar-se de artigo banal em outras circunstâncias. Um ciclo sociocultural geral é percorrido pelo objeto, mensagem de formas e matérias, portador de signos, ciclo que não se fecha completamente pois o objeto [...] no final de seu curso sedimenta-se nas funções de beleza com pretensão de eternidade, da qual apenas o subproduto, a reação estética, agiria sobre a sociedade. (MOLES, 1981, p. 132) Os objetos constituem os interiores, que, por sua vez, caracterizam o cenário pessoal ou coletivo, público ou privado, localizando no tempo a existência circunscrita aos fatores culturais de sua origem, os modos de vida e sua categorização social. Assim considerando, um dos trabalhos do designer é alimentar a indústria com novos objetos, e esta, a sociedade de consumo, suscitando desejos irreprimíveis, criando diferentes hierarquias sociais que tendem a substituir as antigas classes sociais. Através da estética e seus recursos, o objeto transformar-se-á em um veículo de identificação desses novos nichos sociais. Estará em curso 62 assim uma dimensão operativa do conforto humano que norteará (ou assim poderá fazer) a produção arquitetônica do espaço da habitação humana. Em recente entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, exibida em 21/01/201326, o sociólogo e escritor Domenico de Masi, celebrado na atualidade como um entre os mais expressivos cientistas sociais, expõe sobre as crises de grande impacto na história da humanidade, destacando que o incremento da dimensão da racionalidade (como proposto por Kant) é um dos fatores que sustentam os eventos revolucionários do mundo contemporâneo: Na metade do século XVIII, a Europa estava nas mãos dos monarcas absolutistas [...], a Igreja era poderosíssima, extremamente obscurantista, a inquisição era terrível. E uma quinzena de jovens, não mais do que isso, de nomes na França como Voltaire, Diderot, D’ Alembert, D’ Holbach; na Itália, Filangieri, Galiane; nos EUA, Franklin; na Inglaterra, Smith e outros, os Iluministas, “os iluminados”, pensaram um modelo completamente novo, que nada tinha a ver com o absolutismo real, com a Igreja. Estes gênios desenharam um modelo novo de sociedade baseado na tolerância, no predomínio da razão, na libertação da servidão às escrituras sagradas, na expansão da instrução. Em 1750, em Paris, não havia analfabetos (...) os testemunhos da época contam que todos liam, os empregados, os patrões, os cocheiros; havia uma cultura difundida que criou os novos tempos, e não foram os proletários, mas os aristocratas que o criaram, dizendo que era necessário renovar a sociedade senão tempos difíceis iriam chegar. Não foram ouvidos. E em 1789 chegou a revolução francesa e 3000 aristocratas foram para a guilhotina. (MASI, 2013)27 “Toda revolução promove uma transferência forçada de poder onde dois grupos distintos, com pretensões incompatíveis, almejam o controle do Estado”. (TILLY, 1996, p. 23). O entendimento desse processo pressupõe a compreensão da estratificação social que lhe dá sustentação (condicionantes sociais) e o conjunto de mudanças associadas (condicionantes históricos). Esta dissertação procurou apresentar uma investigação sobre a referida estratificação e suas implicações sobre o conceito de conforto doméstico que possa permitir a compreensão de sua trajetória dinâmica. De qualquer forma, sem um mergulho profundo no tempo e no espaço, que disseque a moradia para ver como as funções da habitação foram e estão sendo exercidas no espaço arquitetônico, não poderemos planejar nada. (LEMOS,1978, p. 12) 26 Entrevista televisionada com Domenico de Masi. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=CLO jkmil2UI. Acesso em: jan. 2013. 27 À íntegra do programa pode-se assistir no endereço eletrônico mencionado na nota anterior. 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS Quanto de tudo que podemos ser é devido às casas que nos abrigaram? Neste trecho final da dissertação, esperamos compreender a jornada histórica da moradia como desdobramento da trajetória humana no ocidente, em especial no continente europeu, no período da segunda metade do século XVII à primeira metade do século XX. Podemos, ao entrar em contato com os escritos, ter acesso a essa jornada em que os requisitos de convivência privada são resultantes das necessidades e desejos de um grupo dominante, cercado por especialistas em arquitetura, tapeçaria, tecelagem, marcenaria, vidros e outras artes aplicadas. Apesar de a habitação ser uma necessidade humana básica, no sistema de produção capitalista, ela é uma mercadoria e seu valor está atrelado a três variáveis determinantes no mundo cosmopolita, desde a constituição do espaço urbano: localização, padrão construtivo e área construída. As transformações das plantas das unidades residenciais refletem e refratam aspirações pessoais e coletivas de um determinado período; podem sinalizar em quais sentidos as moradias são uma fronteira de individualidade e como os usuários apropriam-se do espaço edificado em razão de seus exercícios de produção de significados para seus lares. Em razão da experiência profissional docente desta autora em Design de Interiores 28, escolheu-se uma temática que relaciona a arquitetura e o design de interiores para efeito de distinção dos conceitos de casa e lar: Casa entendida como espaço construído, físico e lar, como espaço doméstico, de uso e intimidade. As habitações em suas diferentes modalidades (coletivas, temporárias, unifamiliares, multifamiliares) mantiveram-se como questão permanente na produção arquitetônica dos últimos quatro séculos. O programa arquitetônico constituído pelo conjunto sistematizado de requisitos para determinado uso de uma construção é usado nas fases iniciais do projeto, a fim de nortear as decisões a serem tomadas. Ajustar a edificação às restrições legais é a base a que serão somados os interesses de comercialização do bem imóvel: a cada época correspondem características nos programas de necessidade, e esta dissertação procurou apresentar as alterações que a arquitetura e a industrialização promoveram no dimensionamento de novos produtos (arquitetônicos, eletrodomésticos e de higiene asséptica) no fomento de novas necessidades. 28 Em nível técnico como docente e coordenadora do Curso de Design de Interiores da ETEC Carlos de Campos (CETEPS – Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza) desde 1995 e, em nível superior, como docente no curso de Graduação em Design de Interiores do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo desde 1997; ambos ininterruptamente até a presente data. 64 Mesmo com a estrutura doméstica mantida na tripartição burguesa (social, íntima e serviços), a complexidade dos programas de necessidades e a especialização funcional dos cômodos aumentaram a classificação nominal de cada setor e ambiente. O acúmulo de equipamentos, a assepsia virtuosa da mulher vitoriana, o mercado publicitário, a cultura de massa são algumas das questões expostas que marcam deveras o setor imobiliário doméstico no país. As mudanças de comportamento, as diversas práticas cotidianas e composição de novos grupos familiares ou mesmo os arranjos socioeconômicos do setor terciário na distribuição de produtos e serviços são outros vetores no fomento dos programas de necessidades e seus desdobramentos. As transformações na arquitetura residencial (sendo ela palaciana ou modesta) são devidas ao impacto que novas formas de relacionamento socioeconômico e tecnologias causaram na distribuição interna do espaço da moradia. Tais transformações manifestam-se na concepção de lar e no conceito subjetivo de conforto doméstico na contemporaneidade. O parcelamento e o manejo do espaço na arquitetura das unidades residenciais são um registro das transformações do mercado imobiliário e seus critérios de comercialização. São também esses registros um documento dialético do projeto arquitetônico que dá lugar ao produto imobiliário: não se ignora também o incremento da indústria imobiliária no desenvolvimento ininterrupto de produtos que atendam a “modismos” de consumo do setor da construção: Na inventariação das transformações do espaço doméstico do continente europeu desde meados do século XVII, ousamos supor tratar-se do fenômeno de busca de persona: as proposições projetuais de móveis sob medida, a extrema personalização dos ambientes, a múltipla denominação funcional dos cômodos (assumindo requintes permitidos pelos indivíduos e promovidos pelo mercado imobiliário), pela indústria de produtos e serviços e a incessante busca por “novidades” e por todo varejo e suas estratégias de publicidade e propaganda. Apartamento Luxo – Os prédios devem possuir 1 ou 2 unidades por andar, piscina, ampla área de lazer, salão de festas, +de 3 vagas de garagem, 3 suítes a 5 dormitórios, 4 elevadores, acabamento de 1ª, piso de madeira, armários de madeira sob medida, hidromassagem, mármore importado ou granito / porcelanato, fechamento da sacada com cristal, ar condicionado, teto com iluminação indireta, pias modernas, gesso nas paredes e teto, clube no condomínio, portaria 24 horas e blindada, sacada, área útil de 150m2, lavabo, boa localização, varanda gourmet, esquadrias de alumínio, gabinetes na cozinha e banheiros, etc. (CRECISP, 2011, grifo nosso) O intrincado relacionamento entre a indústria de utilidades domésticas, a arquitetura, a publicidade dos produtos de higiene, a saúde pública, o controle epidêmico, o marketing imobiliário nas metrópoles não esgota as reflexões que podemos realizar sobre o material 65 documental e o patrimônio preservado no referente às moradias da elite cultural e econômica de parte do ocidente. As tradições se perpetuam na proporção das estratificações sociais. As rupturas revolucionárias inerentes à civilização promovem relações inusitadas entre interesses sociais, econômicos, políticos. Não será simples perceber em qual momento de nossas existências será chegada a conciliação entre habitação e habitat.. 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABUSSAMRA. Jorge Munif. O edifício residencial paulistanos nos anos 70, 80 e 90: a arquitetura e o mercado imobiliário. 2007. 254 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)–Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2007. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Trad. Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Cia das Letras, 1996. ______. Projeto e destino. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Editora Ática, 2000. BOTTON, Alain de. A arquitetura da felicidade. Trad. Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. BRYSON, Bill. Em casa: uma breve história da vida doméstica. Trad. Isa Mara Lando. São Paulo: Cia das Letras, 2011. 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