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ANO 6
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Nº 5
TIRAGEM:
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SETEMBRO/2010 ■
20 000 EXEMPLARES
Festival da Record, 1967
UMA NOITE QUE
(NÃO) PASSOU EM NOSSAS VIDAS
té meados de agosto, depois de três semanas em cartaz,
o documentário brasileiro Uma Noite em 67 já havia sido
visto por mais de 41 mil espectadores. O número é irrisório se comparado aos totais que algumas superproduções
estrangeiras ostentavam naquele momento em sua avassaladora carreira nas salas comerciais do país. Shrek Para Sempre, por exemplo, havia atingido 7,1 milhões de
espectadores em seis semanas. Eclipse precisara
de sete semanas para chegar a 6,2 milhões de
espectadores. Toy Story 3 conquistara 4,2 milhões de espectadores em nove semanas.
A comparação soa tão injusta quanto o embate entre um rinoceronte e um bem-te-vi, mas
serve para desfazer eventuais equívocos sobre a
quem pertence o mercado cinematográfico
mundial. Com uma ou outra exceção,
como a Índia, ele é território quase exclusivo do filme de ficção, preferencialmente vindo dos EUA ou feito com participação expressiva de capital norte-americano. As migalhas sobram para os outros filmes de ficção, e os restos das migalhas para os documentários. Nesse
contexto, os números de Uma Noite em 67
são, na verdade, muito expressivos. Poucos documentários brasileiros ultrapassam a faixa de 10 mil espectadores.
Dirigido por Renato Terra e Ricardo
Calil, o filme tem formato conservador, semelhante ao de um programa
especial de TV. Imagens de arquivo
combinam-se com entrevistas realizadas nos últimos anos para reconstituir o que teria sido a
mais acirrada finalíssima na história dos festivais de música organizados por emissoras brasileiras de TV. Em 21 de
outubro de 1967, a Record – em sua primeira encarnação,
que não deve ser confundida com a atual – promoveu no
teatro Paramount, em São Paulo, o encerramento do seu
III Festival de Música Popular Brasileira. Diante de uma
plateia ruidosa que se dividia em blocos de fãs como se
fossem torcidas de times de futebol, os 12 finalistas subiram ao palco para se submeter à avaliação do júri.
No documentário, as imagens daquela noite mostram
algumas dessas apresentações e também entrevistas realizadas nos bastidores durante a transmissão ao vivo do even-
Sérgio Rizzo
Especial para Mundo
Documentário revive a noite mágica
de 21 de outubro de 1967, quando os
então jovens Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes,
Roberto Carlos, Edu Lobo e outros
disputaram a finalíssima do
III Festival de MPB
Montagem: Reprodução
A
to. Graças a elas, tem-se uma ideia de como o festival,
criado por Solano Ribeiro, deu origem a um bem-sucedido programa de TV que, em sua derradeira edição, caminhava para o clímax (e para um consequente pico de audiência) à medida em que eram anunciadas, em ordem decrescente, as cinco primeiras colocações. E quem as disputava? Um elenco de jovens na faixa dos 20 e poucos anos,
alguns já conhecidos do público graças a edições anteriores do festival, e que reunia Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Roberto Carlos e Edu
Lobo, entre outros.
“Ponteio”, “Roda Viva”, “Domingo no Parque” e “Alegria, Alegria”, as canções favoritas do público, galvanizaram na competição a atenção de todos e se estabeleceram, com o tempo, em clássicos da MPB – sigla que também se consolidou naquele período, graças sobretudo aos
festivais da Record. Uma Noite em 67 investiga o caráter
lendário daquela final, como se houvesse ali algo de mágico sobre aquele tempo e sobre a importância que seus
participantes exerceriam no cenário cultural brasileiro nas
décadas seguintes. É fácil concordar com essa tese, principalmente se a nostalgia do espectador entra em cena,
mas Terra e Calil descobriram vozes dissonantes: para alguns dos próprios participantes, como Chico e Caetano,
aquilo foi apenas um rio que passou em suas vidas, e já
faz tempo – e, aliás, eles nem mesmo lembram direito
como foi.
Mas, como se podia observar nas salas que exibiram o
filme, a significativa parcela jovem do público – cujos
pais talvez fossem crianças no final dos anos 60, ou talvez ainda não tivessem nascido – reagiu a essas considerações com humor, como se a desimportância alegada
por esses ícones da MPB fosse apenas jogo de cena ou
falsa modéstia. Afinal, o mundo que se vislumbra em Uma
Noite em 67 parece pertencer a uma outra ordem, incomparavelmente mais nobre e estimulante do que a atual.
Vivia-se sob ditadura militar e, ainda assim, vivia-se intensamente – inclusive para dar conta dos desafios de
viver sob regime ditatorial. Enchia-se um teatro e alcançavam-se elevados índices de audiência não por causa de
uma eliminação no Big Brother, mas para assistir a um
desafio de música em que letras de protesto encontravam
arena privilegiada para circular.
É possível também, no entanto, que uma parcela desse público tenha se deixado seduzir apenas pelo modo
como o filme se insere na lógica das celebridades que
governa hoje a mídia. De acordo com esse raciocínio,
Uma Noite em 67 equivaleria a um divertido vídeo do
YouTube ao mostrar que alguns dos venerados sessentões
(e setentões) da MPB um dia foram rapazes e moças ainda em pleno e sinuoso processo de descobertas.
Sérgio Rizzo é jornalista e professor da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, da FAAP,
da Academia Internacional de Cinema e da Casa
do Saber. E-mail: [email protected]
HISTÓRIA & CULTURA HISTÓRIA & CULTURA M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O
UCA OU ARAP
Gilson Schwartz
Especial para Mundo
A distribuição de um computador por aluno em
escola pública coloca vários problemas complexos
que não se resolvem na teoria, mas demandam
muita pesquisa, estudos e debates. Alguns dados já
disponíveis, resultados de pesquisas científicas,
recomendam muita cautela. Eles mostram que há
equipamentos nas escolas, mas seu uso ainda é
muito mais burocrático do que pedagógico.
Tecnologia na escola: a conexão é mais em cima
A questão mais essencial não é decifrar o computador para saber se ele é útil ou inútil, libertário ou totalitário,
alavanca do progresso ou modernizador do atraso, fadado a decair em robotização de educadores ou predestinado a
revelar novos talentos e potenciais criativos, bom ou ruim. Esse maniqueísmo não leva a nada e, a bem da verdade, os dois
lados do chip precisam ser levados em conta.
O fato é que essa polêmica não se resolve na teoria. A luz precisa acender ao longo do túnel. Somente pesquisando,
estudando esse processo de digitalização da vida escolar (e da vida em geral), medindo seus resultados e promovendo o
debate sobre possibilidades e riscos da virtualização de processos de aprendizagem por meio de interfaces tecnológicas e
audiovisuais cada vez mais complexas (como os videogames e os telefones ceulares) será possível aproveitar o que a
tecnologia tem de bom e, na medida do possível, evitar as armadilhas da nova escravização digital.
Alguns dados já disponíveis, resultado de pesquisas científicas, recomendam muita cautela. Os números mostram
que há equipamentos nas escolas, mas seu uso ainda é muito mais burocrático do que pedagógico. Segundo pesquisa
coordenada pela professora Roseli de Deus Lopes, da Escola Politécnica da USP (patrocinada pela Fundação Victor
Civita), os funcionários administrativos nas escolas acessam as máquinas 4,7 vezes por semana, em média – enquanto os
professores só fazem isso 3,2 vezes por semana e os alunos ainda menos: 2,6 vezes por semana. Para os defensores do
UCA, a ampla distribuição de equipamentos vai alterar radicalmente a audiência e a frequência dos três tipos de usuários
típicos de uma escola: o gestor, o professor e o aluno. A pesquisa revela que quanto mais computadores a escola tem,
maior é a frequência de uso com participação de estudantes.
Mas alguns casos de quem já recebeu os UCAs revelam um lado escuro da história: nem todas as escolas de fato
conseguem acessar a internet e, quando o acesso existe, a largura da banda é insuficiente para atender os quase mil alunos
que em média frequentam uma escola pública. Ou seja, ganha-se uma traquitana altamente tecnológica, mas desconectada
da internet real e muito distante da internet educacional que aos poucos vai abrindo caminho em meio à pornografia,
jogos de azar ou violência gratuita e mera propaganda disfarçada de “conteúdo” (o que tem de blogueiro trabalhando por
jabás e em troca de pequenos favores e promoções é algo pouco discutido ou divulgado).
A pesquisa revela que as escolas que têm apenas conexão discada acabam utilizando as máquinas apenas para atividades administrativas ou para tarefas muito básicas, como ler notícias, copiar conteúdos, consultar mapas, usar calculadora
ou planilha eletrônica. Já nas escolas em que os professores fazem um uso mais avançado da tecnologia em atividades com
os alunos (como criar blogs e páginas na web, programar ou desenvolver projetos de iniciação científica ou usar robótica
educacional e programas de modelagem 3D), o acesso é quase sempre via banda larga. Mas essa qualidade de acesso é,
ainda, um privilégio de escolas privadas de alto padrão e de umas poucas escolas públicas em condições especiais (como
aquelas que funcionam dentro dos campi universitários, como a Escola de Aplicação da USP).
Segundo Roseli Lopes de Deus, a pesquisadora do Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (LSI/USP) que coordenou o estudo, a questão da mobilidade é essencial para um bom uso das
máquinas a serviço da aprendizagem. Nos próximos anos, ela acredita que o “hardware” adequado estará mais para
telefone celular do que para computador portátil. Dessa perspectiva, a distribuição de milhares de notebooks pode ser
uma aposta interessante, mas que já é um pequeno trambolho numa sociedade em que a informação circula mais rápido
por quase 200 milhões de celulares pré e pós-pagos, já com banda larga integrada.
O risco, nesse caso, é começarmos a descobrir entulhos digitais com centenas de milhares de laptops do UCA descartados depois do primeiro estrago, de uma peça de baixa qualidade cuja reposição é mais cara que a compra de um celular
mais potente. O UCA pode até virar revestimento de barraco, quando não virar entulho e carga pesada para ser reciclada
ou remanufaturada.
O número que mais preocupa são os 18% de escolas que já têm laboratório de informática mas não usam o recurso
para trabalhar com os alunos. Sem uma cultura de uso em rede e aberta à criatividade que é possível quando se usa
inteligentemente a tecnologia, a distribuição de “um computador por aluno” pode empacar naquilo que afinal é a essência de qualquer processo de ensino e aprendizagem: a capacitação dos professores, a existência de projetos pedagógicos e
a habilidade de alunos para assumir o protagonismo na busca, na criação e no compartilhamento de conhecimento.
© Pierre Duarte/Folhapress
utopia de uma educação altamente tecnológica, virtual, on-line, portátil e ubíqua, presente na sala de aula mas
também nas múltiplas interfaces virtuais e redes sociais de
alunos, professores e familiares, está chegando às escolas
públicas brasileiras. Ou será uma distopia, ou seja, uma
utopia perversa em que a realidade é o oposto de tudo o
que se considera como uma sociedade ideal? A dúvida deixou de ser apenas filosófica e agora ocupa espaço nas mochilas e mesas de milhares de professores e estudantes em
escolas públicas de todo o Brasil que estão recebendo banda larga e “um computador por aluno” (UCA).
O projeto saiu das pranchetas do Ministério da Educação e da Casa Civil da Presidência da República, mas
nasceu mesmo no célebre Massachussetts Institute of
Technology (MIT), um dos mais importantes celeiros de
tecnologia e políticas públicas exportadas pelos Estados
Unidos para o mundo todo (seu maior propagandista é o
guru de alta tecnologia do Media Lab do MIT, Nicholas
Negroponte, autor do livro já clássico Vida Digital). Originalmente, o projeto OLPC (one laptop per child) era
uma aliança entre empresas norte-americanas para levar
a inclusão digital ao Terceiro Mundo. Logo o consórcio
do MIT passou a enfrentar concorrência, em países como
a Índia as autoridades preferiram adaptar o modelo e, no
Brasil, após um período de testes e uma penosa trajetória
pelas burocracias federais, em 2010 muitos alunos de escolas públicas estão ganhando o que parecia utópico –
cada um com seu computador pessoal.
O Projeto Um Computador Por Aluno tem a finalidade de promover a inclusão digital, por meio da distribuição de um computador portátil (laptop) para cada
estudante e professor de educação básica em escolas públicas. Em 2007 foram selecionadas 5 escolas como experimentos iniciais, nas cidades de São Paulo (SP), Porto
Alegre (RS), Palmas (TO), Piraí (RJ) e Brasília (DF). Em
2008 era prevista a compra de 150 mil laptops para 300
escolas públicas em todos estados (cada escola com um
número médio de 500 alunos e professores beneficiados).
Coincidentemente ou não, o fato é que centenas de
escolas públicas estão ganhando o equipamento nesse ano
eleitoral. Para os entusiastas do projeto, ele é o prenúncio de uma revolução não apenas na educação pública,
mas na própria relação entre as públicas e as pagas, já que
na maioria das escolas privadas o nível de inclusão digital
sempre foi muito maior que nas escolas municipais, estaduais ou federais.
Para os críticos, que não são poucos, o mimo pode
custar caro e o UCA afinal se revelar uma “arapuca”, ou
seja, uma armadilha que em vez de libertar o potencial
criativo de cada criança e adolescente representará só outro mecanismo de controle. O computador pode se tornar
uma espécie de “tornozeleira eletrônica” em que a escola,
que já tem muito de prisão ou hospital, será transformada
num espaço de monitoramento digital de cada atividade,
fabricando uma verdadeira distopia na qual a mais clássica
ficção científica torna-se realidade e o big brother sai da
televisão para colonizar mentalmente alunos e professores.
Tecnologias do futuro podem recriar terrores do passado na sala de aula
© Freestockphotos
A
2010 SETEMBRO
M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA
N G E A M&
UN
D O PA N GHISTÓRIA
E A M U N D&
O PA
N G E A 2-HC
HISTÓRIA
CULTURA
CULTURA
PUCA?
Qual é, será ou deveria ser o conteúdo adequado e mais estimulante para um aprendizado autêntico, que explora
todas as vantagens da digitalização contemporânea? Como produzir conteúdo, material didático e experiências de aprendizagem que ampliem as competências de cada aluno, em vez de apenas torná-lo mais um número na massa indiferenciada
que responde a provinhas e “assiste” às aulas dadas por vídeos ou robôs fantasiados como professores-avatares?
O fato é que os governos, com medo de perder o trem da história tecnológica contemporâena, assim como as escolas
privadas, que também vendem supostas virtudes pedagógicas travestidas de acesso à mais moderna ferramenta digital, na
maioria dos casos parecem colocar o carro na frente dos bois, comprando, treinando professores e obrigando alunos a
usar essas interfaces sem de fato saber onde está a inovação, onde está a mera automação e redução de certos custos (como
oferecer aulas de reforço em grande escala ou simplesmente usar os softwares para facilitar o registro de notas e presença).
Com circuitos e chips capazes de emitir ondas de rádio de curta distância, os UCAs podem efetivamente servir mais para
controlar a massa do que para estimular os talentos individuais, ainda que cada aluno tenha o seu computador próprio.
Entre as áreas de maior inovação na busca de um casamento mais feliz e durável entre educação e tecnologia estão a
telefonia celular, o uso de videogames em sala de aula (e mesmo fora do espaço convencional da escola) e a disseminação
de livros eletrônicos, por meio de bibliotecas públicas cada vez mais amplas, que conversam entre si e abrem espaços vivos
e virtuais de aprendizagem coletiva quase autogestionária.
A Unesco tem destaque nessa frente, assim como a União Europeia, que investe muito na preservação da memória e
na construção de fabulosos acervos de cultura digital. No lugar do UCA, podem surgeir propostas de UEBA (um e-book
por aluno).
O uso de videogames tem sido apontado por especialistas como uma das frentes mais promissoras. São os chamados
“jogos sérios” ou “jogos engajados”, “pela mudança”, em que temas áridos de segurança, saúde, biologia, história, economia, geografia e meio-ambiente, mais que “ensinados”, são vivenciados por estudantes e especialistas em redes sociais e
jogos colaborativos em que a competição existe, mas o resultado é o ganho de conhecimento, consciência ou prazer
estético, ético e moral.
O fato é que a vivência, comparada com a simples leitura, ativa mais neurônios. Se a memória é um processo que
envolve não apenas a razão, mas também sentimentos e associações inspiradas e inspiradoras, certamente é mais fácil
aprender e lembrar quando entramos num ambiente virtual 3D em que a sobrevivência do planeta ou a observação de
um experimento físico ou biológico, mesmo que fictício, acontece com a nossa intervenção ou protagonismo.
Mais que “um computador por aluno”, o mais provável é que a humanidade precise de “uma pedagogia por aluno”
(seria o UPA!). Se de fato respeitamos a singularidade de nossa existência inteligente e sensível, se queremos e podemos
nos diferenciar de matilhas, rebanhos e cardumes, é porque sabemos colocar a natureza, a tecnologia e a cultura a serviço
de projetos, crenças, interesses e desejos que, na contracorrente da massificação, afirmam ao mesmo tempo nossa peculiar
criatividade individual em meio a um oceano azul de inteligência coletiva.
Entre o UCA e o UPA, existem muitas armadilhas camufladas no hardware, no software e na cultura predominante
entre professores, alunos, funcionários e familiares. Enquanto essa cultura permanecer no século XII, vai ser difícil fazer
proveito da tecnologia do século XXI.
© Freestockphotos
© Marcia Ribeiro/Folhapress
Games criativos: entre o lúcido e o lúdico
Gilson Schwartz é economista, sociólogo e
jornalista, criador e líder do grupo de pesquisa
Cidade do Conhecimento na USP
(www.cidade.usp.br). É um dos coordenadores da
pesquisa “Tecnologias de Informação e
Comunicação nas Escolas”, promovida pelo
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br),
que ao longo dos próximos quatro anos vai avaliar
as práticas de apropriação de tecnologia nas escolas
brasileiras, em particular do programa UCA. É o
curador no Brasil do videogame Conflitos Globais
(www.conflitosglobais.com.br), com apoio do
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Infográfico da pesquisa:
http://revistaescola.abril.com.br/img/tecnologia/
esp_029_infraestrutura_04.jpg
SETEMBRO 2010
HC-3 HISTÓRIA
PA N G E A M
&UCULTURA
N D O PA N G
HISTÓRIA
EAMUND
& OCULTURA
PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O
EUROPA TEME EXPANSÃO ISLÂMICA
A
Europa não pode vacilar, quando se
trata da defesa de sua identidade própria,
cristã e ocidental. Hoje, a identidade
europeia é ameaçada pelo Islã, tanto pelas
turbulências políticas que ganham aspecto
cada vez mais explosivos e abrangentes no
Oriente Médio e Ásia central (região estratégica, onde estão situadas as mais vastas
reservas de petróleo do planeta), quanto
pelas agitações e tensões religiosas e culturais dentro dos próprios países europeus,
potencializadas pela ameaça de terrorismo.
A percepção exposta acima, com algumas diferenças de grau de radicalismo,
reflete, na média, os pontos de vista da
Igreja Católica e dos setores mais conservadores da direita europeia, em geral identificados, no âmbito político, com a Democracia Cristã (veja matérias sobre o assunto nas págs. 6 a 8 desta edição de
Mundo). É a lógica da suposta “guerra de
civilizações” que está em curso.
Mas uma breve análise da história da
formação da cultura europeia demonstra
que esse conceito é impraticável e irreal, pois
não há como isolar nenhuma “civilização”
pura. O próprio Islã ofereceu contribuições
decisivas para a construção de uma “identidade europeia”, como mostra claramente
a história da Península Ibérica.
A conquista da Península Ibérica foi iniciada no séc. VIII, por berberes (povos que
viviam no norte da África) convertidos ao
Islã por Tarique. À época, os povos ibéricos
– majoritariamente formado por visigodos,
de maioria cristã e judaica – não ofereceram
grande resistência. Os berberes, em
contrapartida, exerceram o seu poder através da cobrança de impostos (a jazia), mas
nunca pela imposição religiosa, obedecendo ao princípio da liberdade de culto exposto no Corão. Foi o processo que permitiu a
construção e o magnífico desenvolvimento
do Califado de Córdoba e da Andaluzia.
Apesar disso, há uma grande possibilidade de choque entre as culturas
islâmica e ocidental, segundo afirma o
professor português sociólogo das religiões Moisés Espírito Santo, entrevistado
em Lisboa. Isso não se deve a supostos
antagonismos religiosos ou doutrinários,
mas ao acelerado processo de massificação
do islamismo no mundo. “Tchetchênia,
Cazaquistão, Uzbequistão e Afeganistão
eram repúblicas laicas, que hoje são
islâmicas por maioria. Hoje, todo o Ori-
Em 20 anos a África será “islamizada”, como aconteceu com os povos da Ásia central, afirma o
sociólogo das religiões Moisés Espírito Santo. É o catolicismo – que não se confunde com o
cristianismo – que demonstrou, historicamente, a sua intolerância
tado inglês que é oficialmente protestante, mas
tem como parceiros todas as outras religiões,
como na Suécia e na Noruega. Os países nórdicos não são laicos no sentido latino. O estado tem uma matriz religiosa, que é a protestante, mas as religiões várias são parceiras com
iguais direitos da religião do estado.
Mundo – O que aconteceu na Península
Ibérica após a implantação do catolicismo?
MES – O catolicismo não deriva de Cristo, mas de Constantino. O catolicismo
nasceu de um ato político. O imperador
Teodósio decretou, no século IV, que toda
a Europa seria católico-romana, e previa
pena de morte para os dissidentes. Todos
os bens das antigas religiões passaram por
decreto para a Igreja Cristã Romana, como
se chama. A religião do imperador se sobrepôs a liberdade religiosa dos cidadãos
Mundo – Houve conflito com o Islã na Península Ibérica?
MES – Quando o Islã conquista a Península Ibérica em 711, através dos berberes, fazem isso com facilidade. Não houve guerra.
Não havia estado, havia vários reinos e todos eles incapazes de impor a ordem. Naquele tempo coexistiam o cristianismo popular, anárquico, com seus cultos locais, além
do catolicismo romano e do judaísmo.
© Senise
Renato Mendes, de Lisboa
Da Equipe de Colaboradores
ente Médio até a China está em conquista
permanente pelo Islã”.
Em 20 anos o continente africano será
islamizado, afirma o professor, com exceção dos estados fortemente centralizados
e dotados de vitalidade institucional. Para
ele, a maioria dos países africanos vive um
estado social de anomia, que caracteriza
os povos que sofrem a perda de identidade cultural. A falta de coesão social, a difusão ideológica e a ausência de uma proposta de salvação religiosa fazem com que
as características simples do islamismo e a
sua forte coerência teológica sejam altamente sedutoras para os povos do continente africano. Veja a entrevista:
Mundo – Quais são as matrizes culturais
e religiosas da Europa?
Moisés Espírito Santo – A matrizes são
muito antigas e tem a ver com o Império
Romano, com a religião e direito romano, que é um direito com características
modernas, centralizado e organizado. O
Império Romano era laico, permitia que
todas as religiões existissem desde que
mantivessem a ordem pública. Essas tradições foram respeitadas pelo cristianismo
primitivo, que era tolerante e livre, mas
não pelo catolicismo romano. A matriz
religiosa europeia é de laicidade.
Mundo – Pode ser feita uma analogia
entre passado e presente religioso na Península Ibérica?
MES – Foi na Península Ibérica onde a religião católica mais se assemelhou à prática do
antigo Império Romano. Até Constantino,
no séc. IV, existia a religião oficial do império, mas também tolerância e liberdade para
os povos. Faz lembrar um pouco o atual Es-
Mundo – O judaísmo também contribui
com a cultura e a religião na península.
MES – No século IV, as comunidades judaicas eram as mais importantes do ponto de vista de uma doutrina monoteísta.
Eles chegaram na Península Ibérica muito antes do nascimento de Cristo. Toda
uma cultura médio oriental se instalou por
aqui, com os fenícios, os púnicos etc. Até
o séc. XIV, metade da população portuguesa era judaica. Portugal e Espanha foram dos povos mais judaizantes. Era um
judaísmo que vinha do norte de África.
Mundo – Havia liberdade religiosa na
Península Ibérica?
MES – Aqui, entre os séculos VIII e XII,
sob ocupação islâmica, funcionou a plena
liberdade religiosa, coisa que não exista em
nenhuma outra parte da Europa. Alguns
dos aspectos da diversidade religiosa, que
se praticam nos dias de hoje, foram afirmados nessa época.
2010 SETEMBRO
M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA
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