O USO DA SEMIÓTICA NO SINCRETISMO ENTRE “LINGUAGENS” PARA A APREENSÃO DE SENTIDOS: SHREK TERCEIRO Ana Lúcia Oliveira Fernandez Gil 1 RESUMO: O presente artigo refere-se ao estudo da semiótica como ferramenta para análise de diferentes linguagens: verbal, visual, sonoro e multimídia, ou seja, linguagens que estabelecem interlocuções na construção de textos sincréticos com o intuito de formular questões que possam abranger diversas análises a partir das principais vertentes teóricas da semiótica, estudadas na disciplina Leitura de Imagens. PALAVRAS-CHAVE: Semiótica, sincretismo, linguagens, produções de sentido. ABSTRACT: This article refers to the study of semiotics as a tool for analysis of different languages: verbal, visual, audio and multimedia, that is, languages that establish dialogues in the construction of syncretic texts in order to formulate questions that can cover several analysis from the main strands of theoretical semiotics, studied the discipline Reading Images KEYWORDS: Semiotics, syncretism, languages, production of meaning. A fim de propor articulações entre códigos e linguagens sincréticas deseja-se elucidar algumas questões a respeito do sistema audiovisual, por tratar-se de uma linguagem híbrida e polissêmica. Utilizando como fio condutor para as distintas concepções teóricas semióticas, recorro aos autores Jean Marie Floch, Greimas, Landowski, Ana Cláudia de Oliveira e Sandra Ramalho. Para tratar dos elementos e procedimentos próprios do sistema audiovisual, enfatizo os estudos dos autores: Eisenstein, R. Odin, Giacomantonio, Aumont, dentre outros. Com o intuito de promover leituras através destes diferentes códigos e linguagens, apresento o estudo do sincretismo entre mídias utilizando como objeto de estudo o filme Shrek Terceiro. O filme por se tratar de um texto sincrético, estabelece diferentes relações entre as linguagens (visual, verbal e sonora), com o intuito de instrumentalizar e propor novas significações e produções de sentido. Por se tratar de uma mídia que oferece este tipo de possibilidades de análise, a produção do percurso gerativo de sentido pode-se dar de maneira eclética e criativa, a partir dos vários elementos encontrados neste texto audiovisual, detendo-se aos subcódigos: 1 Possui graduação em Design pela Universidade Salvador (1999). Possui graduação em Educação Artística com habilitação - Artes Plásticas plea UDESC - Universiade do Estado de Santa Catarina (2010). 1 cor, plano, ângulo, montagem, seqüência, ritmo, atenção, devido à amplitude de relações que o código cinematográfico pode oferecer. 1. Análise dos níveis do percurso gerativo de sentido – estruturas e significações: planos de Expressão e Conteúdo De acordo com Greimas (in: Pietroforte, 2004, p. 11) “A semiótica estuda a significação, que é definida no conceito de texto”. Posteriormente propôs que o texto pode ser definido a partir de dois planos: o plano de expressão e o plano de conteúdo. O plano de expressão refere-se à sintaxe do texto, qualquer que seja, inclusive o sincrético (no caso, o filme a ser retratado), ou seja, a formulação das diferentes significações produzidas a partir das diversas estruturas encontradas no filme. O plano de expressão trata do objeto (filme) que está sendo analisado, é a questão formal, como se manifesta perante os nossos sentidos. A trama do filme consiste na morte do rei Harold, do Reino Tão Tão Distante, pai da Fiona, um dos personagens principais do filme. Vale dizer que o rei vira um sapo, e a princesa Fiona é uma ogra, que em filme anterior torna-se ogra por opção. Trata-se de um filme muito interessante, pois acontece uma inversão de concepções estéticas, morais e ideológicas préestabelecidas, consolidadas nas histórias infantis, onde o “belo” príncipe se casa com a “linda” princesa e tem um final feliz para sempre. Estabelecendo relações entre as linguagens em termos semióticos, propõe-se tratar as oposições semânticas. Este primeiro nível é chamado de Fundamental, ou seja, antes da história ser esclarecida e a trama desenvolvida, ocorrem oposições semânticas, necessárias para a construção das significações que vão sendo elucidadas a partir do percurso gerativo de sentido. O filme Shrek Terceiro utiliza-se de valores como o conceito de belo e feio, bem e mal, desconstruindo-os, consolidados nos contos de fadas. No filme, o vilão não é o ogro, e sim, o mocinho, invertendo a idéia de que o bom é o belo e o mal é o monstro, o horrendo. Inverte também os finais das histórias infantis, onde o sapo vira príncipe (no caso, o rei ao contrário, vira sapo no filme anterior). Antes de morrer, o rei Harold pede a Shrek e Fiona que cuidem dos “negócios”. O rei então pede a Shrek que vá a busca de Arthur, primo de Fiona. Com a 2 morte do rei, Shrek faz uma expedição em busca do Rei Arthur do Reino do Rock in Roll e, Fiona declara para o Shrek seu marido, que está grávida. Desse modo, o conto realiza o percurso morte – não morte – vida, como também a temática bela - não belo – feio, bem – não bem – mal, prevista neste modelo e análise. Além dos termos morte - vida, belo – feio, bem – mal, existem os termos contraditórios não morte – não vida, não belo – não feio, não bem – não mal, como oposições semânticas necessários para tecer as diferentes e diversas relações da trama. De maneira a formular a apreensão dos sentidos no texto sincrético abordado (no caso, o filme Shrek Terceiro), explicito, dando continuidade aos níveis do percurso gerativo de sentido, no caso o nível narrativo. O nível narrativo é aquele que se organiza a narratividade, é aquele das estruturas de significação, ou seja, quando há aproximações e a favorecimentos dos objetos de valor. Neste caso são definidos os personagens e seus papéis. Apesar de retratar um reino típico da Idade Média, o filme se desenvolve em diferentes temporalidades, pois satiriza e reúne personagens de vários contos de fadas, estabelecendo diferentes papéis e funções dentro do reino. Por exemplo: o Burro Falante, o Gato de Botas, o Pinóquio, o Lobo e os três porquinhos são “funcionários do reino”, executando funções que no conto original, não seriam as deles, enquanto personagens principais. No filme, estes personagens são coadjuvantes; Shrek e Fiona são os personagens principais. Segundo Metz: O código cinematográfico é visto como representação ilusionista do real. Assim ele reduz o cinema à estória, representação do mundo natural, equivalente à concepção figurativa nas artes visuais. (...) (in: RAMALHO 1998, p.143) A entrada do Reino Tão Tão Distante faz alusão a Hollywood, exibindo visualmente o monte com as tipologias idênticas às da atualidade, modificando o título, de Hollywood para Tão Tão Distante. Retrata também a avenida principal de Beverly Hills, com palmeiras e ruas largas, sendo contextualizada com casas no estilo arquitetônico da época medieval. 3 Sem Título Vale lembrar que as amigas de Fiona são as princesas Bela Adormecida, Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel e outro personagem que aparece na estória, como “feminino”, mas que na verdade é masculino, uma referência aos transformistas, contrapondo a temática infantil e ingênua dos contos de fadas. As princesas têm uma relação bem contemporânea, no que diz respeito aos seus comportamentos, trazendo para a trama costumes e expressões da atualidade, como chá de bebê, dentre outras manifestações; Branca de Neve, inclusive, dá de presente a Fiona um dos anões com chapéu de babá, informando que ela tem mais seis em casa. O anão assume o papel de empregado de Branca de Neve e não mais de amigo lenhador que a ajuda quando está perdida na floresta, como o conto tradicional mostra. Os padrões estéticos de beleza são questionados e os valores morais são desconstruídos. Um exemplo disso é quando as princesas aconselham Fiona a se cuidar após o parto, a fim de não estragar a relação matrimonial. Uma narrativa mínima consiste em uma transformação que ocorre a partir de um estado inicial para um estado final. Uma narrativa complexa compreende seqüências canônicas, as quais se desenvolvem em quatro fases: a manipulação, a competência, a performance e a sanção. Neste nível se dão as transformações do enredo e suas oscilações, conflitos que irão definir a posteriori as ações do filme. Neste caso trata-se de uma narrativa complexa, pois a partir de uma ação (no caso, a manipulação, quando o rei Harold pede para Shrek e Fiona cuidarem dos negócios do Reino Tão Tão Distante). Vale ressaltar que para que a estrutura torne-se inteligível, no filme, de acordo com a semiótica esta sensibilização pode acontecer de maneira positiva e negativa. Para a sensibilização positiva, utiliza-se o termo euforia e para o negativo, disforia. Ressalto que esses valores podem ser invertidos e oscilam de acordo com o desenrolar da trama, tornando-a dinâmica. 4 No caso do Shrek, os elementos que estão em conjunção são a morte, no primeiro momento do filme, e a disjunção com a vida, pois ao saber que Fiona está grávida, ele entra em desespero. O belo está em disjunção e o feio em conjunção, pois o belo Príncipe Charmoso (vilão retratado no filme) é o filho da fada madrinha, que no caso é “má” e deseja que ele tome o Reino Tão Tão Distante. No final da trama a vida entra em conjunção, com o nascimento dos bebês ogros e a morte em disjunção. A fase da competência é aquela na qual o sujeito que realizará a transformação central da narrativa é dotado de um querer fazer, de um dever fazer, de um saber fazer e de um poder fazer que torne possível sua ação. No caso aqui retratado é quando Shrek tem que viajar para trazer o Rei Artur para assumir o Reino Tão Tão Distante, ação essa promovida pela morte do Rei, através da de manipulação – pedido que o Rei Harold faz a Shrek antes de morrer. Shrek, ao levar Arthur para o Reino Tão Tão Distante sofre um naufrágio e pede ajuda ao Mago Merlin, que consegue achar o caminho do Reino. Chegando ao Reino, descobre que o Príncipe Charmoso invadiu o castelo, com a ajuda de Rapunzel, que trai a confiança de Fiona, fazendo-a prisioneira na torre, juntamente com a Rainha, sua mãe, Branca de Neve, Bela Adormecida e Cinderela. Shrek, ao chegar ao castelo, encontra Pinóquio que o informa sobre o seqüestro e aprisionamento de Fiona. A rainha consegue com golpes de arte marcial derrubar as paredes do castelo e queimam os sutiãs (uma referência ao Movimento Feminista); as princesas convocam outros personagens (Branca de Neve entra num solo de Rock in Roll, cantando para os passarinhos e outros animais, ao som de Led Zeppelin 2) para ajudá-las a resolverem a problemática, que consistia na retomada do Reino. A performance é um fazer, é a fase em que se dá a transformação central da narrativa. Contextualizando com a trama, é quando Shrek descobre onde o Príncipe Charmoso está; há uma briga entre os personagens e finalmente Shrek consegue abordá-lo e reconquistar o Reino. Encontra-se com Fiona, os dois beijam-se e resolvem passar a nomeação do Reino para Artur, que torna-se rei do Reino Tão Tão Distante. O terceiro nível do percurso gerativo de sentido é o do discurso ou das estruturas discursivas. Nele a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação, as formas abstratas do nível narrativo 2 Led Zeppelin foi uma banda britânica de rock, formada em setembro de 1968, por Jimmy Page (guitarra), John Bonham (bateria e percussão), John Paul Jones (baixo e teclado) e Robert Plant (vocalista e gaita). O grupo é frequentemente citado como um dos grandes progenitores do heavy metal e do hard rock, embora o estilo da banda tenha sido inspirado por fontes diversas e tenha transcendido qualquer gênero musical definido. Fonte: http://www.ledzeppelin.com/. Site oficial da banda. Acessado em 10 de julho de 2011. 5 são recobertas por termos que lhes dão concretude. No caso são as relações de sentido que se estabelecem ao final da trama e a mensagem que o texto sincrético disse, incitando inúmeras possibilidades no processo de significação e produções de sentido, a partir das análises realizadas. Começa no plano mais abstrato e termina-se no mais concreto e produtor de sentidos diversos. É a fase da sanção, na qual se dá o julgamento da trama. Shrek e Fiona resolvem voltar para a floresta, onde inicialmente Shrek morava, em filmes anteriores e Fiona dá a luz a três bebês ogros, renunciando ao reinado, vivendo felizes numa cabana simples. Riqueza e pobreza entram como valores de disjunção e conjunção, respectivamente. Landowski trabalha com as questões do percurso gerativo de sentido a partir da análise do sensível; enfatiza as questões estéticas para informar que qualquer linguagem visual, verbal, musical, arquitetônica pode virar texto, a partir da análise estética, ou seja, as manifestações do sensível fazem parte desse "ente que emana", valores que nos fazem sentir algo; a própria obra comunica por si. A exemplo dessa variedade e versatilidade nas relações entre as linguagens, dependendo do momento em que acontece a narrativa são ouvidas músicas clássicas em situações amenas apresentação de Fiona e Shrek para a sociedade do reino. Em outros momentos conflitantes da trama, o uso do Rock in Roll é explicitado (toca Beatles 3 na morte do Rei, Rush4 no momento da briga no castelo, por exemplo). Conforme Aumont: “A imagem narra antes de tudo quando ordena acontecimentos representados; não só a imagem verbal, mas também a visual, a gestual e mesmo a musical podem conter narrativas”. (in: RAMALHO, 1998, p.) Landowski defende a idéia de uma semiótica que se volta à experiência do cotidiano; a vida, o contexto sócio-cultural é o foco principal desta vertente teórica, que busca a produção de 3 The Beatles foi uma banda de rock britânica, formada em Liverpool em 1960 e o grupo musical mais comercialmente bem-sucedido e aclamado da história da música popular. A partir de 1962, o grupo era formado por John Lennon (guitarra rítmica e vocal), Paul McCartney (baixo e vocal), George Harrison (guitarra solo e vocal) e Ringo Starr (bateria e vocal). Enraizada do skiffle e do rock and roll da década de 1950, a banda veio mais tarde a assumir diversos gêneros que vão do folk rock ao rock psicodélico, muitas vezes incorporando elementos da música clássica e outros, em formas inovadoras e criativas. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Beatles 4 Rush é uma banda canadense de rock progressivo formada originalmente em agosto de 1968, na cidade de Toronto, Ontário, composta pelo baixista, tecladista e vocalista Geddy Lee, pelo guitarrista Alex Lifeson, e pelo baterista e letrista Neil Peart. Site oficial. Fonte: http://www.rush.com/clockworkangelstour.php. Acessado em 11 de julho de 2011. 6 sentido a partir das experiências vividas. Segundo o autor (2002, p.3): “Para que o mundo faça sentido e seja analisável enquanto tal é preciso que ele nos apareça como um universo articulado – como um sistema de relações”. Ao buscar apreender os sentidos de um texto, seja verbal, visual ou sincrético, a semiótica procura escrever e analisar o que o texto diz e como ele diz. Conforme Floch: O recurso de uma pluralidade de linguagens de manifestação para construir um texto sincrético, depende, cremos, de uma estratégia global de comunicação sincrética que “administra”, assim, o contínuo discursivo resultante da textualização (In: Greimas & Courtés, 1991, p. 234)”. Sandra Ramalho (2002) dá ênfase a análise da semiótica discursiva, formando estruturas que auxiliam na leitura imagens, utilizando-se dos elementos plásticos, eidéticos, topológicos, cromáticos, estabelecendo relações entre as diversas e dinâmicas produções de sentido ao tratar dos planos de expressão e conteúdo. Estruturam tópicos de análise com o intuito de tecer relações entre as significações produzidas a partir das estruturas sintáticas e semânticas que os textos sincréticos proporcionam a exemplo de Greimas (semiótica discursiva) e propiciando interlocuções com Landowski (semiótica estética). Ramalho utiliza as relações entre as linguagens na utilização de metodologias que visem o aprimoramento e produção de sentido no ensino das Artes Visuais, possibilitando diferentes leituras, propiciando reflexões críticas. De acordo com Sandra Ramalho: É possível, igualmente proceder “traduções” entre “linguagens” díspares, quando se faz um filme a partir de uma obra literária, ou mesmo quando se cria uma obra a partir de outra, da mesma linguagem: Chico Buarque traduziu a Ópera do Malandro da Ópera dos Três Vinténs, de Brecht, o qual a traduziu da Ópera dos Mendigos, de John Gay. Não se trata, neste caso específico, de tradução de um idioma para outro: trata-se de uma re-criação ou, no máximo de uma “tradução” (RAMALHO, 2002, p. 82-83). Tecendo relações a partir do plano de expressão, Shrek Terceiro explora um tratamento visual contemporâneo presentificado através da computação gráfica. Alguns elementos constitutivos (mais especificamente, eidéticos e cromáticos) são representados por padrões estéticos 7 “clássicos” 5, no que diz respeito ao cenário representado na trama - faz alusão às aquarelas dos contos de fada. Os personagens também apresentam um padrão estético tradicional, bem como os estilos arquitetônicos, remetendo a várias épocas da História da Arte, evidenciados nas colunas gregas, arcos com ogivas e vitrais bizantinos. O elemento cor além de estar trabalhando com um código cinematográfico, este também é infográfico, ou seja, a constituição das cores se dá através da combinação computacional da resolução em pixels e da proposta estética do filme, ao trabalhar texturas e efeitos de luz e sombra diferenciados. A utilização da escala tonal na produção do filme é um indicativo visual que remete às mais variadas significações. Quando se quer propor um efeito de mistério, suspense ou terror, onde as questões expressivas são mais valorizadas, normalmente o preto e branco é adotado enquanto estética cromática. Para gêneros de ação, comédia e principalmente no gênero infantil, o uso do elemento cromático é bem requisitado, pois enfatiza as questões do imaginário lúdico, como é o caso do filme a ser estudado, Shrek Terceiro. O plano de conteúdo refere-se ao recorte (montagem), moldura (plano) e suporte (câmera/computador), ou seja, os códigos significantes; pode ser associado à interpretação do espectador e sua produção de sentido advém dos elementos visuais do cenário, da narrativa do conto, dos sons explicitados nas cenas, contribuindo ou induzindo para momentos de tensão ou risos, conforme a intenção de todo um conjunto de elementos e subcódigos do texto audiovisual. Pode-se afirmar que apesar de representar a Idade Média, vários elementos aparecem de maneira sutil no texto sincrético, como por exemplo: a utilização de delineador de cílios quando Fiona e Shrek apresentam-se ao reino. O uso de serra elétrica para cortar as unhas do ogro, sendo que naquela época não existia eletricidade e sim velas. Sem Título 5 O termo clássico tem o sentido de modelo estético consagrado por gerações, não fazendo referência exclusiva à corrente clássica. 8 O Burro Falante promete à sua esposa dragão que vai se comunicar com ela através de e-mail. A representação das charretes com velocidade de carros, contextualizadas na forma de ônibus escolares norte-americanos. Sem Título A representação interna da quadra de esportes do Reino de Arthur (o Reino do Rock in Roll), com bolas de basquete e torcida feminina, são também citações sutis de comportamentos e costumes da contemporaneidade. Também fazem citação a outros filmes, como a representação das fardas do reino de Artur com as fardas usadas no filme Harry Poter. Sem Título O repertório midiático não pára por aí. Em vez do uso de trombetas, utiliza-se o megafone para convocar Arthur. Desconstrói valores estéticos e de juízos de valor, associados aos padrões que, numa determinada época, valorizava-se o sublime (o príncipe belo e educado com valores nobres aparece como vilão); as princesas por hora ingênuas e puras mostram-se feministas e emancipadas. O ogro e sua esposa são os personagens benévolos, não produzem o horror costumeiro dos contos de fadas, muito pelo contrário, eles é que são atacados e ameaçados. Segundo Ana Cláudia Oliveira: Assumindo a imanência do texto, atingir a significação é determinar tanto os modos de sua produção textual, quanto o sistema de valores que nela circula, na medida em que todo texto carrega valores datados 9 em sua construção, um determinado manuseio da linguagem e esse universo de historicidade, de referências intra e intertextuais vive em sua organização textual o que permite a análise de contexto do próprio texto. (OLIVEIRA, Ana Cláudia. Trecho extraído da Revista da Fundarte, Ano I, vol. I janeiro/julho de 2001). Apesar de várias oposições semânticas e inversão de paradigmas, Shrek, é um bom moço, perde sua característica contraventora, muito bem representada nos filmes anteriores. Ele preserva a família, a humildade, e acabam felizes, como nos contos de fadas, porém pobres. Sem Título Vale ressaltar que a proposta a partir do modelo de sintaxe a partir de elementos constitutivos para esquemas de imagens visuais fixas não seja suficiente para abarcar o hibridismo que as imagens audiovisuais possuem por utilizarem de diferentes códigos como os visuais, cênicos, sonoros e técnicos. 2. Efeitos geradores de sentido a partir da análise de imagens audiovisuais Visando estabelecer relações entre as diferentes linguagens, pode-se propor “re-criações”, utilizando-se do código cinematográfico, através dos modelos propostos por Almeida, R. Odin Eisenstein, Aumont e Giacomantonio, partindo de alguns subcódigos específicos dos textos audiovisuais que propiciam articulações dos efeitos de sentido com base nos procedimentos relacionais utilizados para a leitura da linguagem visual. Poder-se-ia dizer que de acordo com os elementos do sistema híbrido audiovisual, no caso aqui explicitado, o filme pode ser comparado ao plano de expressão, sua estrutura e procedimentos relacionais ao storyboard, por exemplo. Pode ser contextualizado a partir dos 10 quadros selecionados para narrar uma trajetória, a partir da ordem que é colocado, anuncia o acontecimento, que por sua composição e forma atribuídos de acordo com aquele espaço, preconiza o movimento da câmera, exibindo geralmente setas direcionais para indicar sua sucessão, quando da escolha da imagem precedente (seqüência). Ou seja, como na sintaxe visual, a disposição das formas e objetos no fotograma expressa uma intenção, um enunciado. A fim de contextualizar o plano de conteúdo e seus efeitos geradores de sentidos, os significantes do sistema audiovisual: plano, montagem, suporte serão analisados. Almeida conceitua plano de acordo com a orientação do olhar, proposto pelo movimento de câmera 6. Outro estudioso que aborda este conceito é R. Odin; discorre sobre a aproximação ou distanciamento da câmera, assim como Almeida. Aumont aprimora as questões de plano, definindo-os como enquadramento, quando se refere à moldura. Seu estudo analisa a imagem visual a partir de duas categorias: as imagens fixas e as em movimento. Pode-se tecer interlocuções com o estudo de Ramalho, partindo da leitura de imagens fixas, a respeito da estrutura dos elementos em relação à composição visual que o plano propõe. De acordo com Sandra Ramalho: Ainda a respeito do enquadramento Aumont concorda com Arnheim quanto às diversas possibilidades de centro de uma imagem, como o geométrico, o de gravidade visual, o narrativo e os secundários. O desenquadramento é considerado o esvaziamento, ou seja, a retirada da imagem do seu centro de significação, que consiste em enquadrar de modo diferenciado ao enquadramento tradicional. (RAMALHO, 1998, p. 145) Giacomantonio classifica os planos de acordo com a importância do tema em relação aos elementos presentes na imagem, bem como a distância do olhar do espectador da cena. Para o autor: “é provavelmente o elemento mais importante e, assim aquele a que se recorre mais freqüentemente. Determina o tempo de leitura da imagem e alguns efeitos psicológicos do observador” 7. O autor conceitua esse tempo de exposição como níveis de atenção. De forma a estabelecer relações com o tempo de exposição de uma cena e os efeitos psicológicos que ela produz, pode-se citar o movimento de câmera em relação ao ritmo. 6 Os planos distinguem-se um dos outros pela abrangência do ângulo de visão e por ser a moldura sempre da mesma dimensão, a abrangência coincide com a proximidade do olhar da cena filmada; quanto mais abrangente a imagem, menor a proximidade do olhar e vice-versa. M. de Almeida, Imagens e Sons: a nova cultura oral, 108 p. (In: RAMALHO, 1998, p. 138.) 7 (in: RAMALHO, 1998, p.148). 11 Segundo Aumont: “câmeras com movimentos acelerados eram muito utilizados para ilustrar cenas cômicas, enquanto que as câmeras lentas, muito associados os movimentos a filmes de arte” 8. O suporte, no caso a câmera, foi utilizado como significante, recorrendo ao ritmo (procedimento relacional) para transmitir um determinado enunciado. O ângulo da câmera também possibilita efeitos de sentido, quando posiciona sua objetiva numa determinada direção ou personagem a fim de provocar efeitos de juízo ao espectador. Aumont apresenta classificação dada pelo cinema, a qual se correlaciona com a tevê 9. (...) o ponto de vista da câmera oferece, de antemão, imagens impregnadas de significados conseguidos em virtude do tipo de enquadramento escolhido. O ângulo alto, além de oferecer a imagem à distância, pode apontar para o fato de a cena se desenvolver abaixo do olhar do espectador ou ainda minimizar o valor do objeto ou personagem, tornando-o inferior, frágil, impotente. O ângulo baixo, ao contrário, ressalta e valoriza o elemento assim enquadrado, tornando-o superior e poderoso. O ângulo plano coloca a imagem em pé de igualdade com o espactador, podendo em decorrência de outros elementos geradores de sentidos como a expressão facial, provocar a idéia de intimidade ou um clima de tensão. (RAMALHO, 1998, p. 146). Tratando das questões de oposição semântica a respeito da narrativa e efeitos de sentido, Odin destaca o uso das possibilidades de coincidência ou não entre som e imagem. O autor destaca o som como efeito de comentário10. Aumont discorre sobre o som quando fala dos significantes, divididos em modos: mimese, sem mimese e mista. Quando o som, como ruídos, trilha sonora se dão sem a participação dos personagens ocorre o modo não mimese, que equivale ao comentário de R. Odin. Segundo Eisenstein a montagem é considerada muito mais do que a estruturação dos planos em uma ordem; para o autor, tanto o pensamento humano quanto a construção da cultura são processos análogos ao da montagem cinematográfica. Diz o cineasta: “o menor fragmento 8 A citação refere-se aos efeitos gerados a partir do ponto de vista, onde Aumont infere três possibilidades: floculação, deformação e efeito como a imagem cristal, partindo de conceitos de Deleuze. (in: RAMALHO, 1998, p. 145 - 46). 9 L. Hildebrand, Comunicação Oficial Brasileira sobre Aids: um percursso pelas linhas e entrelinhas da telinha da tevê, ECA/USP, Tese dou, p.p- 59-61. (in: RAMALHO, 1998, p. 146). 10 O efeito comentário é equivalente àquele do coro no teatro grego clássico: dialogar com personagens, fazer o papel de outra personagem, emitir enunciação na terceira pessoa, inclusive juízos de valor sobre os acontecimentos em cena ou executar cantos. O. Reverbel, Teatro: uma síntese em atos e cenas, p.14. (In: RAMALHO, 1998, p. 142). 12 distorcível da natureza é o plano, engenhosidade em suas combinações é montagem”. 11. De fato, Eisenstein diferencia-se no tratamento dado à montagem, criando a sua narrativa através de “metáforas imagéticas”, indo além das questões técnicas, aperfeiçoando-se na cognição destas imagens que através desse “recorte” poderiam significar ao espectador. De acordo com Ramalho: (...) justapondo duas imagens sem aparente relação semântica, remete o espectador para um terceiro foco de significações (...). A composição dos planos em si, ou antes, dos fotogramas, apresenta elementos constitutivos visuais articulados por meio de regras de combinação. Se Eisentein não explicita como proceder a leitura microscópica – para usar uma palavra sua – dos subcódigos que compõem o código cinematográfico, ele remete para este modo de apreciação. (RAMALHO, 1998, p. 143). Vale ressaltar que as inúmeras possibilidades da técnica em evolução, permitem que cada manifestação audiovisual, independentemente do código ao qual pertença, apresenta estéticas próprias, um modo autêntico de elucidar efeitos de sentido por parte da estruturação de seus elementos, produzindo significados. Incitar a produção de reflexões críticas a partir dos modelos de análise propostos é um dos caminhos para instrumentalizar metodologias que propiciem essas produções de sentido, por parte dos alunos, de maneira a proporcionar aos discentes diferentes formas de análise para a construção de diversas e ecléticas significações, independente da mídia na qual se esteja trabalhando, possibilitando a transdisciplinaridade e mostrando que a Arte pode ser apreendida de outras formas não conteudistas e entediantes, com reproduções mal-feitas e com idéias remanescentes do tecnicismo, onde se privilegiava somente o fazer, associado à recreação, onde muitas vezes o ofício era privilegiado, não havendo uma práxis nas atividades propostas. Pode-se concluir, por fim, a relevância para a educação de instrumentalizar esses textos sincréticos, presentes no cotidiano dos alunos, de diferentes idades, apreendendo como os sentidos emergem das relações entre as diversas linguagens. Despertar a atenção para o que se olha e como se olha, conhecer o entendimento que os alunos têm dessas produções é um 11 Vale lembrar que a montagem possibilita promover combinações, contudo é um elemento do código cinematográfico, não sendo considerado como sintaxe. Montagem é um recurso técnico que propicia a construção de diversos procedimentos sintáticos. In: RAMALHO, 1998, p. 143. 13 modo de compreender suas idéias, percepções e significados a respeito de si e do mundo. Ao propor a leitura destes textos, pode-se provocar o deslocamento do olhar para outras criações contemporâneas. REFERÊNCIAS: FIORIN, José. Luiz. Percurso Gerativo de Sentido. In: FIORIN, J. L. Elementos da análise do discurso. São Paulo: contexto, 2007. LANDOWSKI, Eric. Modos de Presença do visível. (Traduzido do original francês: “Modes de présence du visible” In E. Landowisk; Passions sans nom. Essais de sócio sémiotique III. Paris, Presses Universitaires de France, 2004 (cap. IX), por Dilson Ferreira da Cruz. OLIVEIRA, Ana Cláudia. “As semioses pictóricas”. In Revista Face, n. 4, São Paulo, Educ – PUCSP: PPG em Comunicação Semiótica, 1994, p. 94-135, republicado e reformulado In: Semiótica plástica. OLIVEIRA, Ana Cláudia (Org), São Paulo: Hackers, 2002, p. 115 – 158. OLIVEIRA, Ana Cláudia. Lisibilidade da imagem. In: Revista da FUNDARTE, Ano I, vol. I, janeiro/julho de 2001. OLIVEIRA, Sandra Ramalho e. Relações entre “Linguagens”, Artigo In: MAKOWIECKY. Ensaios em Torno da Arte (Org). Florianópolis, Argos, 2008. OLIVEIRA, Sandra Ramalho e. Imagem também se lê. São Paulo, Rosari, 2005. PIETROFORTE, Antonio Vicente. Pequena Introdução à Semiótica. In: PIETROFORTE, A. V. Semiótica Visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2004. PILLAR, Analice Dutra. Sincretismo em Desenhos Animados da TV: O Laboratório de Dexter. In: Revista Educação & Realidade, N 30 vol. 2, p. 123 – 142; jul/dez 2005. 14