PROGRESSO XANGHAI Maria do Socorro Quirino Silva Lima Cad. 1, pag. 2,Tribuna do Norte, Natal-RN 9/1/98. Ainda criança ouvia minha mãe e outros comerciantes lá em João Pessoa dizerem: “Isto é Xanghai!”, sempre que avaliavam um produto de mau gôsto e ordinário. Demorei a compreender que aquela expressão popular era sábia em revelar a significância das quinquilharias que abundavam o comércio, em decorrência do modelo econômico de substituição de importações. A linguagem figurada, que igualmente compreendi mais tarde exprimia na percepção infantil a dimensão exata da imagem caricata. Naquela época, o aluno primário conhecia com precisão a configuração geofísica dos continentes, países e possessões bem como a sua importância comercial, mas eu não lograva entender o por que de um tecido ou uma simples fivela de cabelo serem chamados Xanghai. Deduzia no meu pequeno mundo que se tratava de bugingangas que deviam vir desse lugar. Com o avanço da industrialização surge outra máxima da linguagem figurada do economês, os Tigres Asiáticos. Imagino o processamento mental que ocorre da leitura infantil ao ouvir das telas atuais, por exemplo, “o movimento da gobalização faz os Tigres e o Crash das bolsas estourarem por aqui”... Seria mais adequado dizer que houve um rombo nos cofres da Tailândia? Ou por exemplo, deu zebra na real brasileira? Acho que é de todo ininteligível e secundando Carlos Heitor Cony e, Jânio de Freitas, respectivamente eu nem sabia que na Tailândia tinha bolsa nem que as milhas que nos separam, numa teclada só pudessem bagunçar com o meu débil sossego. Ai Cazuza, não dá para ser feliz! Se o Juca Chaves fizesse um remake daquele deboche que considerávamos o hino máximo do nacionalismo “Quem disse meu amigo que o Brasil é lusitano, foi francês e agora digo será americano”. Seria coreano ou se americaniza, sem educação? Russo, que “País é este?!!! 1 Minha mãe que de Amélia só tinha o nome sempre diz que “no Brasil, nada regula minha filha”. Ou seja, segundo ela se quisessem destruir os grandes modos e organizações congêneres bastava experimentá-los por aqui e citava como exemplo o comunismo e a máfia. Ora, adágios à parte - o que felizmente por senilidade ela não sabe mais é que eu, igualmente ao Gonçalves em a Domingueira da Folha estou no auge da idade da revolta em decorrência da razão. Cá pra nós, oh maré braba, hein! Não dá pé viver se molestando no PROCON, quase diariamente: contra as contas de energia, água, telefone, maus serviços, propaganda enganosa, salários confiscados para obter sentenças favoráveis na justiça e o governo não pagar. “Sr. Juiz, pague agora!”. Meu pai por muito menos diria que “isto aqui já virou tirania e que esse homem é um fora da Lei”. A propósito, como legisla o Sr. Presidente! Lí que edita três medidas provisórias por dia que relembra uma estória do folclore universitário na UFRN, durante o frisson regulatório da ditadura. O colegiado superior baixou uma resolução de manhã impedindo os estudantes de se reunirem e à tarde foi reconvocado para baixar outra endurecendo a medida. O assessor jurídico Antonio Sobrinho, zeloso da ortodoxia do direito romano reagiu falando solene e pausadamente: “uma civilização que muito legisla está em decadência”. O Magnífico esbravejou: “Professor, o senhor por acaso está dizendo que a Gloriosa é decadente” ? Retrucou o jurista: “eu não Reitor, foram os romanos quem disseram”. Mas o sociólogo presidente legisla e inova o conceito de progresso a ponto de fazer o Lênin estrebuchar, pois exibe como eficácia do Real o aumento do consumo de próteses dentarias e de frangos como a glória, em um país de desdentados e famintos/ desnutridos pela fome crônica. Esta, a verdadeira violência silenciosa como categorizava esses tempos o meu saudoso professor Nelson Chaves, da UFPe. Finalmente, outra sabia canção popular baseada na teoria freudiana crava uma pérola do frevo pernambucano: “Carlos Pena tinha razão quando escreveu este refrão: são trinta copos de chopp, são trinta homens sentados, trezentos desejos presos, trinta mil sonhos frustrados, eu sou um daqueles trinta por ter meus sonhos não realizados, 2 era meu desejo ter o seu beijo, mas amei e nunca fui amado...” Nós que amamos os Beatlles e Rolling Stones, que idealizamos e lutamos por um país melhor dizemos _com os paraibanos, os gregos e os romanos_ sobre esses tempos da chamada pós modernidade: Isto é progresso, Xanghai!!! MSQSLima. 3