UEFS
SAMPAIO, Maria de Lurdes Morgado. Nas margens dos
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Miguel Torga. In: MARINHO, Maria de Fátima (Org.)
ACTAS DO COLÓQUIO COMEMORATIVO DO
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SANTANA, Maria Helena. Notícias do Paraíso: o povo rural
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SEIXAS, Cid. O conto como metáfora da criação artística.
Qvinto Império. Revista de cultura e literaturas de língua
portuguesa. Salvador, Primeiro Semestre de 1986, n. 1, p.
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SOARES, Mário. Apresentação. In: TORGA, Miguel.
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Nova Fronteira, 1996b.
TORGA, Miguel. Portugal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1996c.
Marcelo Brito da Silva é Mestrando do Programa de PósGraduação em Literatura e Diversidade Cultural da UEFS.
Bolsista da FAPESB. E-mail: [email protected] Cadernos de Literatura e Diversidade
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A R T I G O
O olhar cuidadoso
para com o outro
e a morte como metamorfose
Mayara Michele Santos de Novais
Orientador: Aleilton Fonseca
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar o
conto “O sorriso da Estrela”, de Aleilton Fonseca, observando a relação do cuidado de Estela perante o irmão e do irmão perante a irmã no momento em que este
consegue perceber o que é a diferença e a importância
de aceitação do outro, enxergar no outro o seu eu além
de si, assim como a morte é colocada, sem pregar nenhuma religião, mas sendo esta um momento que levará
à plenitude do ser, seja no “descanso”, seja no âmbito
espiritual ou ainda, na ressurreição.
Palavras-chave: Cuidado. Morte. Metamorfose. Conto.
Aleilton Fonseca.
ABSTRACT: This paper aims at analyzing the story “The
Smile of the Star,” of Aleilton Fonseca, and the
relationship of care to the brother of Stella and brother
before her sister at the moment it can perceive what is
the difference and importance of acceptance of others,
see your self in the other beyond itself, as well as death
is placed, without preaching any religion but this is a
moment that will lead to fullness of being, whether at
rest, either in spirit or in resurrection.
Key-words: Care. Death. Metamorphosis. Tale. Aleilton
Fonseca.
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UEFS
CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
Aleilton Fonseca nasceu em 1959 em Itamirim,
hoje Firmino Alves, na Bahia. Escreve ficção, poesia e
ensaios. É licenciado em Letras pela UFBA (1982),
com mestrado pela UFPB (1992) e doutorado pela
USP (1997). É professor titular pleno da UEFS, lecionando na graduação e no mestrado. É coeditor de
Iararana- Revista de arte, crítica e literatura e Légua
e meia- Revista de Literatura e Diversidade cultural.
Participou de várias coletâneas e antologias no Brasil
e no exterior, além de ter organizado vários livros. É
membro da Academia de Letras da Bahia, da UBE- SP
e do PEN Clube do Brasil. Segundo Damulakis,
“Aleilton Fonseca firmou-se no conto, arrebanhou prêmios, escreveu romances, um deles transposto para o
teatro e exerceu a crítica atenta, andando por seu caminho com firmeza e seriedades exemplares”. (DAMULAKIS, 2010, p. 12)
O conto “O sorriso da Estrela” pode ser encontrado no livro Jaú dos Bois (1997) e Desterro dos
Mortos (2001), além de coletâneas, como é o nosso
caso, conto presente no livro O conto em vinte e cinco baianos (2009). Com Jaú dos Bois (1997), pequeno volume de contos, primeira publicação em que
consta o conto a ser analisado, Aleilton Fonseca conquistou o 3° Prêmio Nacional de Contos da Fundação
Cultural do Estado da Bahia.
Partindo de algumas concepções do gênero conto, podemos dizer nas palavras de Júlio Cortazar que
conto é um “gênero de tão difícil definição, tão esqui-
vo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos, e, em
última análise, tão secreto e voltado para si mesmo,
caracol da linguagem, irmão misterioso da poesia em
outra dimensão do tempo literário”. (CORTÁZAR,
1974, p. 149) Cyro de Mattos postula, por sua vez,
que “conto é aquilo que conta alguma coisa, desenvolvendo-se a história nos momentos de princípio, meio
e fim, acham os clássicos. Síntese de emoção aguda,
acidente de vida, tensão e concisão no espaço que prevalece sobre o tempo, acham os modernos”. (MATTOS, 2009, p. 12)
O presente conto, “O sorriso da Estrela”, narra a
história de dois irmãos, Pedro e Estela. A relação entre eles não era muito amigável, Estela demonstrava
seu cuidado, amor e atenção para o irmão o tempo todo,
mas Pedro não percebia isso, a chamava de “sua doida”, a diferente. Estela aos treze anos morre e só neste
momento, Pedro, de 10 anos, começa a perceber o
quanto amava a irmã. A narrativa começa no velório de
Estela e Pedro reevoca momentos passados, percebe
o cuidado e como era o cuidado da irmã para com ele;
além de sentir falta e querer se desculpar por não ter
sentido aquele sentimento antes. Assim, Pedro recorda da irmã, sempre amável, que agora está morta.
O conto descreve a tristeza de Pedro e como a
morte de Estela o afetou, que mesmo com o passar
dos anos, a saudade, a memória, a melancolia e a visão
da morte da irmã como algo além do carnal, o sorriso
de Estela permanece pelo olhar da estrela, a estrela
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UEFS
CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
que sorri eternamente para Pedro, visto que o cuidado
ultrapassa os limites. Segundo Cortazar um bom conto deve conter uma “tensão que se deve manifestar desde as primeiras cenas” (CORTAZAR, 1974, p. 152),
como podemos observar nas primeiras palavras da narrativa: “Estava morta a minha irmã, ali entre jasmins e
rosas, minha mãe à cabeceira chorava”. (FONSECA,
2009, p. 35)
Outro dado salientado por Cortazar é a densidade de uma obra, não importa a quantidade de páginas
ou o tema, mas sim como é trabalhado o assunto e o
sentimento que é empregado no texto, nisso “o contista sabe que não pode proceder acumulativamente,
que não tem o tempo por aliado; seu único recurso é
trabalhar em profundidade”. (CORTÁZAR, 1974, p.
152) Assim, o narrador declara que “Estela estava morta, aos treze anos. E eu sentia dentro de mim esta morte. Era um pouco também eu morto, sem tempo de me
redimir e poder amar minha irmã, como — só agora!
— eu sabia ser capaz”. (FONSECA, 2009, p. 35)
Esse sentir já é uma prova de que Pedro começa
a perceber a relação com o outro, era um cuidado, apesar de descoberto tarde, para com a irmã, um pedido
de perdão, enxergar-se no Outro, pois ele sentia a
morte dentro de si, um pouco também morto. E Pedro
já com mais idade lembra-se dos fatos que marcam
sua vida, vale-se da memória. Para Eduardo França,
“toda reprodução ou renovamento, seja voluntária ou
não, de qualquer ideia, percepção ou outra qualquer mo-
dificação do espírito é um ato de memória, é uma lembrança”. (FRANÇA, 1973, p. 362)
O conto nos mostra explicitamente que “as imagens desfilavam na minha memória”. (FONSECA,
2009, p. 36) Memória, elemento de resgate do já vivido, presentificação do passado, evocação e releitura
do pretérito. Memória, constituinte de todo ser humano, “a memória é um elemento essencial do que se
costuma chamar identidade, individual ou coletiva,
cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”. (LE GOFF, 2003, p. 469)
Nesse tempo atual, o garoto já homem lembra, e
a “lembrança é uma reconstrução do passado com a
ajuda de dados tomados de empréstimo ao presente e
preparados por outras reconstruções feitas em épocas
anteriores” (HALBWACHS, 2006, p. 91) Ao voltar
ao passado o narrador pensa: “Por que ela existia? Eu
não me dirigia a Estela. Mudava de rumo, baixava os
olhos para não dar com ela. Eu a considerava um estrago na minha vida. Quis muito que morresse”. (FONSECA, 2009, p. 36)
Assim pensava o garoto, que não enxergava o ser
diferente, não percebia a importância da relação “eu
com o outro” e principalmente, não tinha a noção do
que é a ausência do ser amado. Segundo Aleilton Fonseca em seu livro O canto da Alvorada “lembrar é
travar o tempo para, de repente, ver melhor”. (FONSECA, 2003, p. 46) Ao resgatar o tempo pretérito, o
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
narrador protagonista, Pedro, faz um diálogo do passado com o presente, mesmo que de modo melancólico. E perante a morte o homem reconhece sua fragilidade, sendo a memória, elemento que guarda e resgata
o tempo.
Pensando no papel do narrador, que nesse contexto é um narrador protagonista, que vivencia o ocorrido, conforme Walter Benjamin “o narrador retira da
experiência o que ele conta: sua própria experiência
ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes”. (BENJAMIN,
1996, p. 201) O narrador participa, experimenta sensações, conforme observado, “ela me cercava os olhos,
inventava brincadeiras cada vez mais estranhas para
conquistar minha atenção”. (FONSECA, 2009, p. 37)
Ainda de acordo com Benjamin sobre o papel do
narrador, este
va o irmão de Dindinho, ainda que ele não aceitasse.
Observe:
— Aleilton Fonseca nasceu em 1959 em Itamirim, hoje
Firmino Alves, na Bahia. Escreve ficção, poesia e ensaios. É licenciado em Letras pela UFBA (1982), com
mestrado pela UFPB (1992) e doutorado pela USP
(1997). É professor titular pleno da UEFS, lecionando
na graduação e no mestrado. É coeditor de IararanaRevista de arte, crítica e literatura e Légua e meia- Revista de Literatura e Diversidade cultural. Participou de
várias coletâneas e antologias no Brasil e no exterior,
além de ter organizado vários livros. É membro da Academia de Letras da Bahia, da UBE- SP e do PEN Clube
do Brasil. Segundo Damulakis, “Aleilton Fonseca firmou-se no conto, arrebanhou prêmios, escreveu romances, um deles transposto para o teatro e exerceu a crítica atenta, andando por seu caminho com firmeza e seriedades exemplares”. (DAMULAKIS, 2010, p. 12)
Pedro e Estela, como todos os irmãos, brigam,
mas Estela reconhece o outro, tinha um olhar cuidadoso diferente de Pedro. Em diálogos ela chama-
O conto “O sorriso da Estrela” pode ser encontrado no livro Jaú dos Bois (1997) e Desterro dos
Mortos (2001), além de coletâneas, como é o nosso
caso, conto presente no livro O conto em vinte e cinco baianos (2009). Com Jaú dos Bois (1997), pequeno volume de contos, primeira publicação em que
consta o conto a ser analisado, Aleilton Fonseca conquistou o 3° Prêmio Nacional de Contos da Fundação
Cultural do Estado da Bahia.
Partindo de algumas concepções do gênero conto, podemos dizer nas palavras de Júlio Cortazar que
conto é um “gênero de tão difícil definição, tão esqui-
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pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida
que não inclui apenas a própria experiência, mas em
grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à
sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir
dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade
é contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia
deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida. (BENJAMIN, 1996, p. 221)
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
vo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos, e, em
última análise, tão secreto e voltado para si mesmo,
caracol da linguagem, irmão misterioso da poesia em
outra dimensão do tempo literário”. (CORTÁZAR,
1974, p. 149) Cyro de Mattos postula, por sua vez,
que “conto é aquilo que conta alguma coisa, desenvolvendo-se a história nos momentos de princípio, meio
e fim, acham os clássicos. Síntese de emoção aguda,
acidente de vida, tensão e concisão no espaço que prevalece sobre o tempo, acham os modernos”. (MATTOS, 2009, p. 12)
O presente conto, “O sorriso da Estrela”, narra a
história de dois irmãos, Pedro e Estela. A relação entre eles não era muito amigável, Estela demonstrava
seu cuidado, amor e atenção para o irmão o tempo todo,
mas Pedro não percebia isso, a chamava de “sua doida”, a diferente. Estela aos treze anos morre e só neste
momento, Pedro, de 10 anos, começa a perceber o
quanto amava a irmã. A narrativa começa no velório de
Estela e Pedro reevoca momentos passados, percebe
o cuidado e como era o cuidado da irmã para com ele;
além de sentir falta e querer se desculpar por não ter
sentido aquele sentimento antes. Assim, Pedro recorda da irmã, sempre amável, que agora está morta.
O conto descreve a tristeza de Pedro e como a
morte de Estela o afetou, que mesmo com o passar
dos anos, a saudade, a memória, a melancolia e a visão
da morte da irmã como algo além do carnal, o sorriso
de Estela permanece pelo olhar da estrela, a estrela
que sorri eternamente para Pedro, visto que o cuidado
ultrapassa os limites. Segundo Cortazar um bom conto deve conter uma “tensão que se deve manifestar desde as primeiras cenas” (CORTAZAR, 1974, p. 152),
como podemos observar nas primeiras palavras da narrativa: “Estava morta a minha irmã, ali entre jasmins e
rosas, minha mãe à cabeceira chorava”. (FONSECA,
2009, p. 35)
Outro dado salientado por Cortazar é a densidade de uma obra, não importa a quantidade de páginas
ou o tema, mas sim como é trabalhado o assunto e o
sentimento que é empregado no texto, nisso “o contista sabe que não pode proceder acumulativamente,
que não tem o tempo por aliado; seu único recurso é
trabalhar em profundidade”. (CORTÁZAR, 1974, p.
152) Assim, o narrador declara que “Estela estava morta, aos treze anos. E eu sentia dentro de mim esta morte. Era um pouco também eu morto, sem tempo de me
redimir e poder amar minha irmã, como — só agora!
— eu sabia ser capaz”. (FONSECA, 2009, p. 35)
Esse sentir já é uma prova de que Pedro começa
a perceber a relação com o outro, era um cuidado, apesar de descoberto tarde, para com a irmã, um pedido
de perdão, enxergar-se no Outro, pois ele sentia a
morte dentro de si, um pouco também morto. E Pedro
já com mais idade lembra-se dos fatos que marcam
sua vida, vale-se da memória. Para Eduardo França,
“toda reprodução ou renovamento, seja voluntária ou
não, de qualquer ideia, percepção ou outra qualquer mo-
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dificação do espírito é um ato de memória, é uma lembrança”. (FRANÇA, 1973, p. 362)
O conto nos mostra explicitamente que “as imagens desfilavam na minha memória”. (FONSECA,
2009, p. 36) Memória, elemento de resgate do já vivido, presentificação do passado, evocação e releitura
do pretérito. Memória, constituinte de todo ser humano, “a memória é um elemento essencial do que se
costuma chamar identidade, individual ou coletiva,
cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”. (LE GOFF, 2003, p. 469)
Nesse tempo atual, o garoto já homem lembra, e
a “lembrança é uma reconstrução do passado com a
ajuda de dados tomados de empréstimo ao presente e
preparados por outras reconstruções feitas em épocas
anteriores”. (HALBWACHS, 2006, p. 91) Ao voltar
ao passado o narrador pensa: “Por que ela existia? Eu
não me dirigia a Estela. Mudava de rumo, baixava os
olhos para não dar com ela. Eu a considerava um estrago na minha vida. Quis muito que morresse”. (FONSECA, 2009, p. 36)
Assim pensava o garoto, que não enxergava o ser
diferente, não percebia a importância da relação “eu
com o outro” e principalmente, não tinha a noção do
que é a ausência do ser amado. Segundo Aleilton Fonseca em seu livro O canto da Alvorada “lembrar é
travar o tempo para, de repente, ver melhor”. (FONSECA, 2003, p. 46) Ao resgatar o tempo pretérito, o
narrador protagonista, Pedro, faz um diálogo do passado com o presente, mesmo que de modo melancólico. E perante a morte o homem reconhece sua fragilidade, sendo a memória, elemento que guarda e resgata
o tempo.
Pensando no papel do narrador, que nesse contexto é um narrador protagonista, que vivencia o ocorrido, conforme Walter Benjamin “o narrador retira da
experiência o que ele conta: sua própria experiência
ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes”. (BENJAMIN,
1996, p. 201) O narrador participa, experimenta sensações, conforme observado, “ela me cercava os olhos,
inventava brincadeiras cada vez mais estranhas para
conquistar minha atenção”. (FONSECA, 2009, p. 37)
Ainda de acordo com Benjamin sobre o papel do
narrador, este
Pedro e Estela, como todos os irmãos, brigam,
mas Estela reconhece o outro, tinha um olhar cuidadoso diferente de Pedro. Em diálogos ela chamava o
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pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida
que não inclui apenas a própria experiência, mas em
grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à
sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir
dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade
é contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia
deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida. (BENJAMIN, 1996, p. 221)
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irmão de Dindinho, ainda que ele não aceitasse. Observe:
—Vamos brincar, Dindinho.
— Não me chame de Dindinho! Meu nome é Pedro —
respondia áspero, sem sequer olhar, e ia saindo.
Eu pensava odiar o fato de ter uma irmã assim. Ela insistia, amorosa, que me dava um constrangimento.
— Não, ninguém sabe, mas é Dindinho, seu nome bonito, eu chamo— dizia, como se eu continuasse presente.
(FONSECA, 2009, p. 36)
Essas lembranças do tempo em vida com Estela,
de suas conversas, são recordadas até o instante atual,
todavia, Pedro guarda na memória e é um ser melancólico. Conforme Olgária Matos, “melancólico é alguém que tem dificuldade de esquecer, que fica preso
ao passado porque não consegue esquecer com facilidade”. (MATOS, 1987, p. 16)
Estela nos lembra estrela assim como Pedro remete à pedra, conforme o dicionário de símbolos, pedra possui várias significações, entre elas, pedra representa a sabedoria estática, “sendo a dureza, bem entendido, em primeiro lugar, a da pedra” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 697), e estrela, entre várias
definições, apresenta a ideia de luz. Para Chevalier e
Gheerbrant,
no que concerne à estrela, costuma-se reter sobretudo
sua qualidade de luminar, de fonte de luz (...) Seu caráter celeste faz com que eles sejam também símbolos do
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
espírito e, particularmente, do conflito entre as forças
espirituais (ou de luz) e as forças materiais (ou das trevas). As estrelas transpassam a obscuridade; são faróis
projetados na noite do inconsciente. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 404)
Desde muito tempo há a ideia de que mulher pode
expressar seus sentimentos e os homens devem ser
racionais. Maximiliano Torres no seu artigo “O
Ecofeminismo: ‘um termo novo para um saber antigo’” acentua conforme Alison Jaggar que “na sociedade contemporânea, homens são definidos como ativos, mulheres como passivas; homens são intelectuais, mulheres são intuitivas; homens são impassíveis,
mulheres emotivas; homens são fortes, mulheres são
frágeis; homens são dominadores, mulheres são submissas”. (TORRES, 2009, p. 168) Concepções que
apesar de já modificadas, ainda são propagadas por
muitos, como no próprio conto, Estela que demonstra
e Pedro que esconde, age pelos padrões masculinos
empregados.
No conto, percebemos explicitamente a morte
como consequência, um luto, mas devido a assuntos
não bem resolvidos no passado, como a relação entre
os irmãos, o narrador personagem Pedro é um ser melancólico, visto que a lembrança ainda permanece e dói
ao ser memorada, “o tempo me deu estes cabelos brancos, mas a minha memória guarda os sinais do semblante de Estela, com suas alegrias sem nenhum motivo”. (FONSECA, 2009, p. 40) Meneses diz que no
conto “O sorriso da Estrela” a revelação ocorre pela
partida, “o narrador somente passa a compreender e
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UEFS
CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
‘fala’ com a irmã, após sua morte- é após essa morte
que ele passa a conhecê-la de fato e, mais que isso, a
conhecer-se”. (MENESES, 2008, p. 308)
Pedro é um sujeito melancólico, visto que “uma
parte das características da melancolia é tomada de
empréstimo ao luto e outra parte ao processo de regressão da escolha narcísica de objeto ao narcisismo”
(FREUD, 1992, p. 136), nessa concepção freudiana
caracterizamos a melancolia como diferente do luto,
mas com pontos de contato. É interessante ressaltar
também que as lembranças constroem a existência humana e que com as perdas obtidas pela vida o narrador
percebe ser o passado irresgatável (não há como se
voltar atrás, a não ser por evocação do pretérito), daí a
melancolia, a interiorização do sentimento, o narrador
se mostra pensativo, ensimesmado, “o silêncio de sua
ausência no quintal se mostrou dentro de mim em tons
de uma saudade estranha”. (FONSECA, 2009, p. 35)
Ao acreditar na possível melancolia subjetiva,
própria de quem perdeu algo e que permanece preso
ao passado por não o ter solucionado, ou seja, o
narrador sabe que poderia ter sido melhor, mas não foi;
daí seu silêncio, seu sentimento de constante perda,
“ali, enxerguei os contornos deste vazio que até hoje
carrego”. (FONSECA, 2009, p. 38)
Estela é uma menina morta, sendo a morte a única certeza da vida, o elemento que nos une e nos
humaniza, “ora, é no momento da morte que o saber e
a sabedoria do homem e, sobretudo sua existência vi-
vida- e é dessa substância que são feitas as históriasassumem pela primeira vez uma forma transmissível”
(BENJAMIN, 1996, p. 207). Segundo Meneses, “a
questão da morte é tema recorrente na obra de Aleilton
Fonseca” (MENESES, 2008, p. 305), e após a morte
da irmã, nesse instante, Pedro percebe a alteridade, que
na concepção de Paterson “resulta de uma passagem a
um outro plano que pressupõe a presença de um grupo
de referência” (PATERSON, 2007, p. 14), ele entende
como é olhar além de si, se “ela não morresse, eu iria
brincar com ela, nunca mais uma zombaria, nem desprezo, nunquíssimo a chamaria de ‘sua doida’. Pois agora eu começava a compreender sua linguagem” (FONSECA, 2009, p. 35).
Somente na ausência, no distanciamento, quando Estela vai para o hospital que ele percebe que a
amava, que sentia ternura também, como a própria palavra provém, uma atitude de preocupação, quando a
existência do outro é importante para mim que surge o
cuidado. No caso especial, o cuidado se deu quando a
existência terrena era uma incógnita, “e me deitei na
cama de Estela, deixando na alfazema do travesseiro o
sal dos meus olhos” (FONSECA, 2009, p. 38). Podemos perceber também no trecho, “pela primeira vez,
eu dialogava com a minha irmã: — Estela, acorde, vamos conversar com as pedras — sussurrei no seu ouvido, ninguém me escutasse” (FONSECA, 2009, p. 36).
No artigo de Libanori o ser-para-a-morte é discutido, pela visão de Heidegger, a própria morte. Re-
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
conhecemos se tratar de um tema complicado, que sábios e ignorantes discutem de igual para igual. Mas
nossa intenção não é dizer para onde vamos, nem de
onde viemos, nem tampouco descrever a vida além da
morte ou o momento da morte, e sim notar que a vida
existe porque existe a morte e vice-versa, numa relação intrínseca. O homem é um ser-para-a-morte e assim deve se assumir, visto que “a cotidianidade é justamente o ser ‘entre’ nascimento e morte”. (HEIDEGGER apud LIBANORI, 2007, p. 24) A ideia de morte
como evasão é possível de ser percebida no trecho:
“Eu me vi vivendo o melhor que nossa realidade. Estela
me sorria, corria de mim, eu não tinha pressa de apanhála, era talvez picula. O nosso quintal se alargava, o caminho de plantas, paus e pedras ia-se margeando em
nuvens sem um fim que se avistasse”. (FONSECA,
2009, p. 38)
Ainda no artigo citado, notamos a presente
constatação de que “a morte compele o homem ao silêncio, pois ele sente cortada a palavra e ultrapassando
o repertório de conhecimentos que fundamenta os
juízos e conceitos humanos”. (LIBANORI, 2007, p.
23) Por não se ter uma certeza da morte, a não ser a da
incerteza, o narrador declara “iam fechar o caixão [...]
Eu me guardei no silêncio, peguei um ramo de rosas
que estava próximo ao rosto de Estela”. (FONSECA,
2009, p. 39)
O velório de Estela acontecia, e o corpo seria
levado para o cemitério, “as pessoas iam chegando, a
hora do enterro se aproximava”. (FONSECA, 2009, p.
39) Heidegger pontua sobre o corpo do morto, o porquê da celebração da morte.
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O finado é objeto de “ocupação” nos funerais, no enterro, nas cerimônias e cultos dos mortos. E isso porque,
em seu modo de ser, ele é “ainda mais” do que um instrumento simplesmente no mundo circundante e passível de ocupação. Junto com ele, na homenagem do culto, os que ficaram para trás são e estão com ele, no
modo de uma preocupação reverencial . (HEIDEGGER
apud LIBANORI, 2007, p. 25)
Celebrar a morte é uma tarefa do ser humano
enquanto se há vida, os vivos podem velar pelos mortos. É o momento de solidariedade, momento de reconhecimento da fragilidade, de esquecer a loucura capitalista em que vivemos e olhar para nós mesmos,
olhar para a composição humana. E o que significa a
morte numa vida?
O que significa a morte? Para o homem-corpo representa o termo de uma caminhada por esse mundo
espácio-temporal. Para o homem-alma-espírito, a possibilidade de uma plena realização de seus dinamismos
latentes que não conseguiam irromper devido aos condicionamentos do tempo e do espaço. A morte do homem-corpo tem a função de fazer cair todas as barreiras. E assim o homem-alma-espírito se liberta de todas
as amarras e seu impulso interior pode realizar-se segundo a lógica infinita. (BOFF, 2004, p. 152)
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
Estela sentia-se em sintonia com o mistério, com
as coisas, com a natureza, com o outro. O olhar cuidadoso dela sempre existiu, e na sua partida os outros
começam a ter este olhar para com ela, visto que vivemos numa sociedade em que somos feitos da mesma
matéria, necessitamos do outro até mesmo para se reconhecer como indivíduo,
tro o ser vive melhor. Estela era a natureza, era indivíduo que praticava a alteridade. Conforme Boff, “o ser
humano precisa sentir-se natureza. Quanto mais mergulha nela, mais sente quando deve mudar e quando
deve conservar em sua vida e em suas relações” (BOFF,
2004, p. 116). Note no seguinte trecho a relação de
Estela e da natureza, e como Pedro começa a sentir
esse relacionamento:
uma vez que não existe um eu isolado, o ser-com-o-outro
promove o acesso do homem ao próprio homem, dado o
surgimento da alteridade. Sem esse contato, o homem dispersar-se-ia no vazio dos impulsos e movimentos subjetivamente vividos, o que impediria o reconhecimento da
própria face porque o outro estava ausente como ponto
de referência. (LIBANORI, 2007, p. 29)
Pedro que fugia de ter uma irmã para ele estranha, de ser “o irmão da doida. Dindinho, eu mesmo
não!” (FONSECA, 2009, p. 36), percebe que está envolvido afetivamente com ela, que começa a se preocupar, observá-la, amá-la tal como é. Leonardo Boff
acrescenta sobre o cuidado correspondente à ideia de
que “cuidar das coisas implica ter intimidade; sentilas dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e
repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, auscultarlhes o ritmo e afinar-se com ele”. (BOFF, 2004, p. 96)
Parece dito popular, mas muitas desavenças só
são curadas no leito da morte. Pela morte o homem
deixa sua “casca”, percebe o seu destino, sente-se mais
gente, mais Eu, mais o Outro. Pela relação com o ou62
Madrinha varreu a casa, dos fundos para a porta da
frente, juntando as folhas e restos de flores e tocos de
velas. Deixou o montinho no pé de jambo que Estela
chamava de “meu segundo amor”. Era onde minha irmã
costumava ficar à sombra, enfeitando-se com as flores
rubras de jambo. Ali eu derramei as minhas derradeiras
lágrimas. (FONSECA, 2009, p. 39)
Ao derramar suas lágrimas ele age com amor,
“fundamento do fenômeno social e não uma conseqüência dele” (BOFF, 2004, p. 110), amor que a irmã sempre teve e que pedia essa manifestação por um simples
sorriso. Ele se recorda das conversas, do presente.
No começo da noite, ela, depois de tanto silêncio, me
propôs com a maior certeza do mundo:
— Eu lhe dou uma coisa para sempre, aquela estrela
grande será só sua a vida toda e depois, Dindinho.
— Ora, quem pode ter uma estrela, “sua doida”? —
desdenhei.
— Pois pode, porque é minha e eu lhe dou só pra você,
Dindinho. Mas só se você sorrir para mim, todo dia, uma
vez... só uma... você quer?
63
UEFS
Nunca soube sorrir para você, Estela, me perdoe. Quando
eu tomava posse de mim mesmo em mais profundo,
quando um sorriso germinava no fundo de minha alma
— e seria seu! — você já não estava aqui. Até hoje só
me vêm as lágrimas que nunca tive antes, quando você
vivia em seu mundo de imagens que só percebi depois.
(FONSECA, 2009, p. 37)
CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
Nessa passagem de Estela para o plano espiritual, Pedro descobre o cuidado que sempre teve, mas
nunca expressou. Flávia Rocha no seu artigo sobre a
transcendência questiona a respeito do próprio conto
analisado, se Estela “estaria oferecendo aquilo que a
constituía e nomeava, Estela, estrela, habitante das esferas celestes? Estaria buscando uma forma de doar
sua essência?” (ROCHA, 2008, p. 331) Segundo Boff,
“morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor.
A morte significa a metamorfose para esse novo modo
de ser em plenitude”. (BOFF, 2004, p. 153)
Esse novo modo de ser em plenitude é o que nos
espera, independente de crenças, sabemos que no fim
poderemos viver melhor, uma vida plena. Para Pedro,
Estela e a natureza entraram em fusão, tornaram-se uma
só, como podemos notar nas seguintes declarações:
“Estela ia-se distanciando, eu me surpreendi no cansaço desse vôo [...] Ela se foi fazendo em cor de nuvem,
aos poucos me vi sem olhos para tê-la” (FONSECA,
2009, p. 38), ou ainda, “quando me mandaram olhar
minha irmã pela última vez, não chorei, pois me pare-
ceu que ela sorria um sorriso longe só para eu sentir.
Então percebi que ela agora se tornava como nuvens”.
(FONSECA, 2009, p. 39)
Os olhos que não enxergam, o sorriso que só ele
sente é a certeza de que nosso dado originário é o
pathos, o sentimento, “a capacidade de simpatia e
empatia, a dedicação, o cuidado e a comunhão com a
diferente. Tudo começa com o sentimento. É o sentimento que nos faz gostar ou desgostar. É o sentimento
que nos une às coisas e nos envolve com as pessoas”
(BOFF, 2004, p. 99-100). Conforme disse Nelson
Souza, “somos solidários em nosso destino comum”
(SOUZA, 1994, p. 43), essa solidariedade vem do cuidado assim como é a morte para Boff, um peregrinar
para a fonte, “ela pertence à vida e representa o modo
sábio que a própria vida encontrou para chegar a uma
plenitude negada neste universo demasiadamente pequeno para seu impulso e demasiadamente estreito para
sua ânsia de infinito. Somente o Infinito pode saciar
uma sede infinita”. (BOFF, 2004, p. 153)
Estela tinha a sede do infinito, percebemos isso
em poucos diálogos que ela travava com o irmão, porém intensos, em um desses, ela indagou “— Quando
você morrer, Dindinho, de que cor você quer suas asas
no céu?” (FONSECA, 2009, p. 37), ou o presente que
seria para “a vida toda e depois”. Nesse sentido ela já
transcendia ao mundo dito moderno, pois só quando
conseguimos enxergar no outro o ser humano, conseguimos nos enxergar.
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UEFS
Os iacutos acreditam que “as estrelas são as janelas do mundo” (CHEVALIER; GHEERBRANT,
1999, p. 405), ideia semelhante na glíptica maia, para
quem as estrelas são os olhos, raios de luz, e “na
Guatemala, elas ainda hoje representam, na crença popular, as almas dos mortos”. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 405) O narrador finaliza suas
rememorações, voltando-se ao passado e o
presentificando, “Minha irmã, ainda hoje eu contemplo a tua estrela e tenho uma vontade enorme de que
fosse minha. Eu vejo tua imagem se projetando de lá,
num sorriso longe que não me deixa desamparado. Era
essa luz que você me oferecia, por apenas um sorriso
que já era seu sem que eu soubesse”. (FONSECA,
2009, p. 39)
Sem que soubesse já era o cuidado, sem pedir
nada em troca Estela o cuidava, sem deixar a morte
acabar com a luz, o sentimento os une. No livro O Pequeno Príncipe uma frase ficou eternizada, “só se vê
bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”
(SAINT-EXUPERY, 1980, p. 74), por isso Pedro reconhece pelo olhar cuidadoso com o outro como
Estela por ele tinha, vendo na morte uma passagem para
uma possível plenitude, que o cuidado é essa união com
o universo, declarando que “em nosso quintal, as pedras, os tocos de pau, as folhagens ao vento puxam
conversa comigo, mas eu continuo mudo. No entanto,
agora sinto: eu sou Dindinho”. (FONSECA, 2009,
p. 40)
66
CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
Vamos brincar, Dindinho.
— Não me chame de Dindinho! Meu nome é Pedro —
respondia áspero, sem sequer olhar, e ia saindo.
Eu pensava odiar o fato de ter uma irmã assim. Ela insistia, amorosa, que me dava um constrangimento.
— Não, ninguém sabe, mas é Dindinho, seu nome bonito, eu chamo— dizia, como se eu continuasse presente.
(FONSECA, 2009, p. 36)
Essas lembranças do tempo em vida com Estela,
de suas conversas, são recordadas até o instante atual,
todavia, Pedro guarda na memória e é um ser melancólico. Conforme Olgária Matos, “melancólico é alguém que tem dificuldade de esquecer, que fica preso
ao passado porque não consegue esquecer com facilidade”. (MATOS, 1987, p. 16)
Estela nos lembra estrela assim como Pedro remete à pedra, conforme o dicionário de símbolos, pedra possui várias significações, entre elas, pedra representa a sabedoria estática, “sendo a dureza, bem entendido, em primeiro lugar, a da pedra” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 697), e estrela, entre várias
definições, apresenta a ideia de luz. Para Chevalier e
Gheerbrant,
no que concerne à estrela, costuma-se reter sobretudo
sua qualidade de luminar, de fonte de luz (...) Seu caráter celeste faz com que eles sejam também símbolos do
espírito e, particularmente, do conflito entre as forças
espirituais (ou de luz) e as forças materiais (ou das trevas). As estrelas transpassam a obscuridade; são faróis
67
UEFS
projetados na noite do inconsciente. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 404)
CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
Desde muito tempo há a ideia de que mulher pode
expressar seus sentimentos e os homens devem ser
racionais. Maximiliano Torres no seu artigo “O
Ecofeminismo: ‘um termo novo para um saber antigo’” acentua conforme Alison Jaggar que “na sociedade contemporânea, homens são definidos como ativos, mulheres como passivas; homens são intelectuais, mulheres são intuitivas; homens são impassíveis,
mulheres emotivas; homens são fortes, mulheres são
frágeis; homens são dominadores, mulheres são submissas”. (TORRES, 2009, p. 168) Concepções que
apesar de já modificadas, ainda são propagadas por
muitos, como no próprio conto, Estela que demonstra
e Pedro que esconde, age pelos padrões masculinos
empregados.
No conto, percebemos explicitamente a morte
como consequência, um luto, mas devido a assuntos
não bem resolvidos no passado, como a relação entre
os irmãos, o narrador personagem Pedro é um ser melancólico, visto que a lembrança ainda permanece e dói
ao ser memorada, “o tempo me deu estes cabelos brancos, mas a minha memória guarda os sinais do semblante de Estela, com suas alegrias sem nenhum motivo”. (FONSECA, 2009, p. 40) Meneses diz que no
conto “O sorriso da Estrela” a revelação ocorre pela
partida, “o narrador somente passa a compreender e
‘fala’ com a irmã, após sua morte- é após essa morte
que ele passa a conhecê-la de fato e, mais que isso, a
conhecer-se”. (MENESES, 2008, p. 308)
Pedro é um sujeito melancólico, visto que “uma
parte das características da melancolia é tomada de
empréstimo ao luto e outra parte ao processo de regressão da escolha narcísica de objeto ao narcisismo”
(FREUD, 1992, p. 136), nessa concepção freudiana
caracterizamos a melancolia como diferente do luto,
mas com pontos de contato. É interessante ressaltar
também que as lembranças constroem a existência humana e que com as perdas obtidas pela vida o narrador
percebe ser o passado irresgatável (não há como se
voltar atrás, a não ser por evocação do pretérito), daí a
melancolia, a interiorização do sentimento, o narrador
se mostra pensativo, ensimesmado, “o silêncio de sua
ausência no quintal se mostrou dentro de mim em tons
de uma saudade estranha”. (FONSECA, 2009, p. 35)
Ao acreditar na possível melancolia subjetiva,
própria de quem perdeu algo e que permanece preso
ao passado por não o ter solucionado, ou seja, o
narrador sabe que poderia ter sido melhor, mas não foi;
daí seu silêncio, seu sentimento de constante perda,
“ali, enxerguei os contornos deste vazio que até hoje
carrego”. (FONSECA, 2009, p. 38)
Estela é uma menina morta, sendo a morte a única certeza da vida, o elemento que nos une e nos
humaniza, “ora, é no momento da morte que o saber e
a sabedoria do homem e, sobretudo sua existência vivida- e é dessa substância que são feitas as histórias-
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
assumem pela primeira vez uma forma transmissível”.
(BENJAMIN, 1996, p. 207) Segundo Meneses, “a
questão da morte é tema recorrente na obra de Aleilton
Fonseca” (MENESES, 2008, p. 305), e após a morte
da irmã, nesse instante, Pedro percebe a alteridade, que
na concepção de Paterson “resulta de uma passagem a
um outro plano que pressupõe a presença de um grupo
de referência” (PATERSON, 2007, p. 14), ele entende
como é olhar além de si, se “ela não morresse, eu iria
brincar com ela, nunca mais uma zombaria, nem desprezo, nunquíssimo a chamaria de ‘sua doida’. Pois agora eu começava a compreender sua linguagem”. (FONSECA, 2009, p. 35)
Somente na ausência, no distanciamento, quando Estela vai para o hospital que ele percebe que a
amava, que sentia ternura também, como a própria palavra provém, uma atitude de preocupação, quando a
existência do outro é importante para mim que surge o
cuidado. No caso especial, o cuidado se deu quando a
existência terrena era uma incógnita, “e me deitei na
cama de Estela, deixando na alfazema do travesseiro o
sal dos meus olhos” (FONSECA, 2009, p. 38). Podemos perceber também no trecho, “pela primeira vez,
eu dialogava com a minha irmã: – Estela, acorde, vamos conversar com as pedras – sussurrei no seu ouvido, ninguém me escutasse”. (FONSECA, 2009, p. 36)
No artigo de Libanori o ser-para-a-morte é discutido, pela visão de Heidegger, a própria morte. Reconhecemos se tratar de um tema complicado, que sá-
bios e ignorantes discutem de igual para igual. Mas
nossa intenção não é dizer para onde vamos, nem de
onde viemos, nem tampouco descrever a vida além da
morte ou o momento da morte, e sim notar que a vida
existe porque existe a morte e vice-versa, numa relação intrínseca. O homem é um ser-para-a-morte e assim deve se assumir, visto que “a cotidianidade é justamente o ser ‘entre’ nascimento e morte”. (HEIDEGGER apud LIBANORI, 2007, p. 24) A ideia de morte
como evasão é possível de ser percebida no trecho:
“Eu me vi vivendo o melhor que nossa realidade. Estela
me sorria, corria de mim, eu não tinha pressa de apanhála, era talvez picula. O nosso quintal se alargava, o caminho de plantas, paus e pedras ia-se margeando em
nuvens sem um fim que se avistasse”. (FONSECA,
2009, p. 38)
Ainda no artigo citado, notamos a presente
constatação de que “a morte compele o homem ao silêncio, pois ele sente cortada a palavra e ultrapassando
o repertório de conhecimentos que fundamenta os
juízos e conceitos humanos” (LIBANORI, 2007, p. 23).
Por não se ter uma certeza da morte, a não ser a da
incerteza, o narrador declara “iam fechar o caixão [...]
Eu me guardei no silêncio, peguei um ramo de rosas
que estava próximo ao rosto de Estela”. (FONSECA,
2009, p. 39)
O velório de Estela acontecia, e o corpo seria
levado para o cemitério, “as pessoas iam chegando, a
hora do enterro se aproximava”. (FONSECA, 2009, p.
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
39) Heidegger pontua sobre o corpo do morto, o porquê da celebração da morte.
começam a ter este olhar para com ela, visto que vivemos numa sociedade em que somos feitos da mesma
matéria, necessitamos do outro até mesmo para se reconhecer como indivíduo,
O finado é objeto de “ocupação” nos funerais, no enterro, nas cerimônias e cultos dos mortos. E isso porque,
em seu modo de ser, ele é “ainda mais” do que um instrumento simplesmente no mundo circundante e passível de ocupação. Junto com ele, na homenagem do culto, os que ficaram para trás são e estão com ele, no
modo de uma preocupação reverencial . (HEIDEGGER
apud LIBANORI, 2007, p. 25)
Celebrar a morte é uma tarefa do ser humano
enquanto se há vida, os vivos podem velar pelos mortos. É o momento de solidariedade, momento de reconhecimento da fragilidade, de esquecer a loucura capitalista em que vivemos e olhar para nós mesmos,
olhar para a composição humana. E o que significa a
morte numa vida?
uma vez que não existe um eu isolado, o ser-com-ooutro promove o acesso do homem ao próprio homem,
dado o surgimento da alteridade. Sem esse contato, o
homem dispersar-se-ia no vazio dos impulsos e movimentos subjetivamente vividos, o que impediria o reconhecimento da própria face porque o outro estava ausente como ponto de referência. (LIBANORI, 2007,
p. 29)
Estela sentia-se em sintonia com o mistério, com
as coisas, com a natureza, com o outro. O olhar cuidadoso dela sempre existiu, e na sua partida os outros
Pedro que fugia de ter uma irmã para ele estranha, de ser “o irmão da doida. Dindinho, eu mesmo
não!” (FONSECA, 2009, p. 36), percebe que está envolvido afetivamente com ela, que começa a se preocupar, observá-la, amá-la tal como é. Leonardo Boff
acrescenta sobre o cuidado correspondente à ideia de
que “cuidar das coisas implica ter intimidade; sentilas dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e
repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, auscultarlhes o ritmo e afinar-se com ele”. (BOFF, 2004, p. 96)
Parece dito popular, mas muitas desavenças só
são curadas no leito da morte. Pela morte o homem
deixa sua “casca”, percebe o seu destino, sente-se mais
gente, mais Eu, mais o Outro. Pela relação com o outro o ser vive melhor. Estela era a natureza, era indivíduo que praticava a alteridade. Conforme Boff, “o ser
72
73
O que significa a morte? Para o homem-corpo representa o termo de uma caminhada por esse mundo
espácio-temporal. Para o homem-alma-espírito, a possibilidade de uma plena realização de seus dinamismos
latentes que não conseguiam irromper devido aos condicionamentos do tempo e do espaço. A morte do homem-corpo tem a função de fazer cair todas as barreiras. E assim o homem-alma-espírito se liberta de todas
as amarras e seu impulso interior pode realizar-se segundo a lógica infinita. (BOFF, 2004, p. 152)
UEFS
humano precisa sentir-se natureza. Quanto mais mergulha nela, mais sente quando deve mudar e quando
deve conservar em sua vida e em suas relações”. (BOFF,
2004, p. 116) Note no seguinte trecho a relação de
Estela e da natureza, e como Pedro começa a sentir
esse relacionamento:
Madrinha varreu a casa, dos fundos para a porta da
frente, juntando as folhas e restos de flores e tocos de
velas. Deixou o montinho no pé de jambo que Estela
chamava de “meu segundo amor”. Era onde minha irmã
costumava ficar à sombra, enfeitando-se com as flores
rubras de jambo. Ali eu derramei as minhas derradeiras
lágrimas. (FONSECA, 2009, p. 39)
Ao derramar suas lágrimas ele age com amor,
“fundamento do fenômeno social e não uma conseqüência dele” (BOFF, 2004, p. 110), amor que a irmã sempre teve e que pedia essa manifestação por um simples
sorriso. Ele se recorda das conversas, do presente.
No começo da noite, ela, depois de tanto silêncio, me
propôs com a maior certeza do mundo:
— Eu lhe dou uma coisa para sempre, aquela estrela
grande será só sua a vida toda e depois, Dindinho.
— Ora, quem pode ter uma estrela, “sua doida”? —
desdenhei.
— Pois pode, porque é minha e eu lhe dou só pra você,
Dindinho. Mas só se você sorrir para mim, todo dia, uma
vez... só uma... você quer?
Nunca soube sorrir para você, Estela, me perdoe. Quando
eu tomava posse de mim mesmo em mais profundo,
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CADERNOS DE LITERATURA E DIVERSIDADE
quando um sorriso germinava no fundo de minha alma
— e seria seu! — você já não estava aqui. Até hoje só
me vêm as lágrimas que nunca tive antes, quando você
vivia em seu mundo de imagens que só percebi depois.
(FONSECA, 2009, p. 37)
Nessa passagem de Estela para o plano espiritual, Pedro descobre o cuidado que sempre teve, mas
nunca expressou. Flávia Rocha no seu artigo sobre a
transcendência questiona a respeito do próprio conto
analisado, se Estela “estaria oferecendo aquilo que a
constituía e nomeava, Estela, estrela, habitante das esferas celestes? Estaria buscando uma forma de doar
sua essência?” (ROCHA, 2008, p. 331). Segundo Boff,
“morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor.
A morte significa a metamorfose para esse novo modo
de ser em plenitude” (BOFF, 2004, p. 153).
Esse novo modo de ser em plenitude é o que nos
espera, independente de crenças, sabemos que no fim
poderemos viver melhor, uma vida plena. Para Pedro,
Estela e a natureza entraram em fusão, tornaram-se uma
só, como podemos notar nas seguintes declarações:
“Estela ia-se distanciando, eu me surpreendi no cansaço desse vôo [...] Ela se foi fazendo em cor de nuvem,
aos poucos me vi sem olhos para tê-la” (FONSECA,
2009, p. 38), ou ainda, “quando me mandaram olhar
minha irmã pela última vez, não chorei, pois me pareceu que ela sorria um sorriso longe só para eu sentir.
Então percebi que ela agora se tornava como nuvens”.
(FONSECA, 2009, p. 39)
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Os olhos que não enxergam, o sorriso que só ele
sente é a certeza de que nosso dado originário é o
pathos, o sentimento, “a capacidade de simpatia e
empatia, a dedicação, o cuidado e a comunhão com a
diferente. Tudo começa com o sentimento. É o sentimento que nos faz gostar ou desgostar. É o sentimento
que nos une às coisas e nos envolve com as pessoas”.
(BOFF, 2004, p. 99-100) Conforme disse Nelson Souza, “somos solidários em nosso destino comum” (SOUZA, 1994, p. 43), essa solidariedade vem do cuidado
assim como é a morte para Boff, um peregrinar para a
fonte, “ela pertence à vida e representa o modo sábio
que a própria vida encontrou para chegar a uma plenitude negada neste universo demasiadamente pequeno
para seu impulso e demasiadamente estreito para sua
ânsia de infinito. Somente o Infinito pode saciar uma
sede infinita”. (BOFF, 2004, p. 153)
Estela tinha a sede do infinito, percebemos isso
em poucos diálogos que ela travava com o irmão, porém intensos, em um desses, ela indagou “— Quando
você morrer, Dindinho, de que cor você quer suas asas
no céu?” (FONSECA, 2009, p. 37), ou o presente que
seria para “a vida toda e depois”. Nesse sentido ela já
transcendia ao mundo dito moderno, pois só quando
conseguimos enxergar no outro o ser humano, conseguimos nos enxergar.
Os iacutos acreditam que “as estrelas são as janelas do mundo” (CHEVALIER; GHEERBRANT,
1999, p. 405), ideia semelhante na glíptica maia, para
quem as estrelas são os olhos, raios de luz, e “na
Guatemala, elas ainda hoje representam, na crença popular, as almas dos mortos”. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 405) O narrador finaliza suas
rememorações, voltando-se ao passado e o
presentificando, “Minha irmã, ainda hoje eu contemplo a tua estrela e tenho uma vontade enorme de que
fosse minha. Eu vejo tua imagem se projetando de lá,
num sorriso longe que não me deixa desamparado. Era
essa luz que você me oferecia, por apenas um sorriso
que já era seu sem que eu soubesse”. (FONSECA,
2009, p. 39)
Sem que soubesse já era o cuidado, sem pedir
nada em troca Estela o cuidava, sem deixar a morte
acabar com a luz, o sentimento os une. No livro O Pequeno Príncipe uma frase ficou eternizada, “só se vê
bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”
(SAINT-EXUPERY, 1980, p. 74), por isso Pedro reconhece pelo olhar cuidadoso com o outro como
Estela por ele tinha, vendo na morte uma passagem para
uma possível plenitude, que o cuidado é essa união com
o universo, declarando que “em nosso quintal, as pedras, os tocos de pau, as folhagens ao vento puxam
conversa comigo, mas eu continuo mudo. No entanto,
agora sinto: eu sou Dindinho”. (FONSECA, 2009,
p. 40)
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UEFS
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Centro de Letras e Artes. Faculdade Letras- Pós Graduação.
Ano XII, n° 20, jan-jul. 2009, p. 157-175.
Thiago Lins da Silva
Orientador: Roberval Pereyr
RESUMO: Nosso trabalho objetiva estabelecer comparações entre os contos “Meu Tio o Iauaretê”, do escritor mineiro Guimarães Rosa, e “Meu tio o mamelucomalaco”, do escritor e ensaísta paulista Nelson de Oliveira. Tendo em vista a tradição como referência que
ajuda o escritor no desenvolvimento do seu texto, destacaremos elementos de convergência estilística e temática
nos referidos contos, atentando para a paródia como
principal mecanismo intertextual.
Palavras-chave: Literatura. Paródia. Tradição. Guimarães Rosa. Nelson de Oliveira
INTRODUÇÃO
Mayara Michele Santos de Novais é Mestranda em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS). E-mail para contato:
[email protected]
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João Guimarães Rosa (1908-1967) é um dos
principais nomes da prosa ficcional brasileira. De cunho regionalista, a obra de Rosa surpreendeu a crítica,
em virtude da originalidade de sua linguagem e de suas
técnicas narrativas que apontaram uma substancial mudança em relação à velha tradição regionalista, que já
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O olhar cuidadoso para com o outro