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Clinicando
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Pulsional Revista de Psicanálise, ano XV, n. 156, 33-36
Clínica psicanalítica com adolescentes
Silvia Maria Abu-Jamra Zornig
A
autora discute a clínica psicanalítica com adolescentes a partir do referencial teórico de D.W. Winnicott, relacionando a necessidade de isolamento
e não-comunicação do adolescente a uma possibilidade de subjetivação.
Palavras-chave: Adolescência, psicanálise, não-comunicação, limite
T
his paper discusses psychoanalytic practice with adolescents, taking
Winnicott’s concept of non-communication as its frame of reference.
Adolescents’ need to isolate themselves and close off communicate with others is
seen as a possible path to subjectivation.
Key words: Adolescence, psychoanalysis, non-communication, limit
A
clínica com adolescentes nos remete à noção de limite: limite da
própria adolescência que se encontra
entre dois estatutos – um da infância regido pela aprendizagem, um do adulto
regido pelo trabalho. Limite subjetivo,
onde a derrocada do Nome-do-pai se,
por um lado, abre as portas para uma
pluralidade de significantes que podem
ocupar este lugar, por outro deixa o ado*
lescente à deriva, à mercê de seu próprio
desamparo, sem uma ancoragem simbólica que antes era encarnada nas figuras
parentais e agora pode ser diversificada.
Este período, chamado por Jean-Jacques
Rassial de período de “indecisão subjetiva”, precipita o sujeito na famosa crise da adolescência justamente porque
junto à incerteza subjetiva há também
uma incerteza social – família e institui-
Palestra ministrada no 6o Fórum de Psicanálise do IBMR, “Nos limites da clínica”, no dia 26 de
outubro de 2001.
Pulsional Revista de Psicanálise, ano XV, n. 156, abr. 2002
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ções exigem que o sujeito se reconheça
ou como criança ou como adulto.
Aqui é preciso fazer uma pausa para refletir sobre a cultura contemporânea que
produz um efeito perverso neste tempo
de travessia do adolescente já que parece duplicar sua fragmentação narcísica,
desconsiderando-o em sua especificidade. Neste contexto, se o avanço tecnológico e a globalização cultural abrem inúmeras possibilidades virtuais de subjetivação, por outro lado configuram uma
perda da dimensão da singularidade e um
esmaecimento da diferença. Calligaris
coloca muito bem o dilema da contemporaneidade, ao ressaltar como as crianças e os adolescentes são os representantes forçados dos sonhos dos pais, evidenciando com suas questões e sintomas, o momento e o estado da cultura
contemporânea. O autor assinala que o
ideal proposto aos jovens não é mais a
segurança de um quadro familiar ordenado por gerações, e sim modelos de consumo onde o apelo ao gozo é inexorável.
Assim, o trabalho de luto em relação à
infância, a apropriação de um corpo sexuado que possibilita o encontro com o
outro sexo (algo da ordem do projeto na
infância), muitas vezes é denegado em
prol de uma compreensão que anula as
diferenças e de uma ideologia social que
recusa o confronto para se manter perversa em relação à Lei.
Clinicamente, poderíamos pensar que a
criança está às voltas com a problemática do ser-para-o-outro, interrogando
seu valor fálico junto ao casal parental,
procurando com seu sintoma responder
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à demanda inconsciente dos pais. O adolescente procura se apropriar de seu sintoma, ou, parafraseando Jean-Jacques
Rassial, está envolvido na questão do
ser-para-si. O problema é que a passagem entre ser-para-o-outro e ser-para-si
pressupõe perdas e rupturas. A adolescência pode, então, ser considerada
como uma situação limite justamente
pela própria tentativa do adolescente de
estabelecer fronteiras: fronteiras internas
e externas, mas que nem sempre são eficazes, fazendo com que haja uma certa
superposição entre perder o objeto e perder o seu próprio ego. A passagem ao
ato, tão comum na adolescência contemporânea, parece ser uma tentativa de
barrar o outro invasor ainda que à custa do próprio sujeito, como no caso do
suicídio.
Se pensarmos na constituição do sujeito
baseada na concepção freudiana de desamparo primordial, onde a prematuração biológica do bebê o coloca numa relação de dependência a seus cuidadores
fundamentais, podemos entender melhor
a problemática adolescente neste processo de passagem entre ser-para-o-outro e
ser-para-si. Ferenczi descreveu a relação
assimétrica entre a criança e o adulto relacionando a questão do trauma a um
descompasso, a uma confusão de línguas, decorrente da linguagem passional,
marcada pelo desejo, culpabilidade e
ódio do adulto, e introduzida na linguagem infantil da ternura. Laplanche vai
além de Ferenczi e indica que a natureza essencialmente traumática da sexualidade humana (tendo em vista que a
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criança não dispõe de meios para
interpretá-la) conduz a criança a construir as teorias sexuais infantis. O trauma, portanto, fundador da subjetividade,
decorre dos significantes obscuros e
enigmáticos propostos pelo adulto à criança e de sua impossibilidade de responder
a eles, gerando uma confusão de línguas
e fazendo com que seja necessário um
segundo tempo para que os significantes
traumáticos sejam simbolizados.
Podemos relacionar este segundo tempo
à adolescência em sua tentativa de mudança de posição frente ao outro, tentativa esta que se traduz ou sob a forma de
um estatuto que a sociedade não lhe outorga, como na delinqüência, ou pela
busca de sua originalidade por meio do
isolamento como uma forma de subjetivação.
Aqui nos lembramos de Winnicott (1990)
quando num texto sobre a comunicação
e a não-comunicação indica que se é
“verdade que o ser humano procura se
comunicar com os outros, é igualmente
verdadeiro que cada indivíduo é isolado,
permanentemente sem se comunicar,
permanentemente desconhecido, na realidade nunca encontrado” (p. 117). Esta
observação me parece fundamental, pois
dá o mesmo estatuto aos dois processos:
a não-comunicação é tão importante
quanto a comunicação no processo de
subjetivação e no estabelecimento do
sentimento de se sentir real. O autor parte do pressuposto de que no centro de
cada pessoa há um elemento não-comunicável que merece ser preservado. Ou
seja, a recusa de se comunicar com o
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objeto é parte da criação do mesmo.
Neste sentido, a preservação do isolamento pessoal é parte da procura de uma
identidade para o estabelecimento de
uma técnica pessoal de comunicação que
não leve à violação do self central.
Winnicott coloca duas perguntas essenciais: É possível ser isolado sem ser solitário? E, em decorrência desta questão,
seria possível atender um adolescente
em psicanálise sem cometer um estupro
mental?
Estas questões nos parecem fundamentais para a clínica com adolescentes,
pois dão uma outra dimensão ao silêncio
do adolescente em análise, assim como
colocam um paradoxo ao analista em relação ao ato analítico e à interpretação.
A lógica winnicottiana, que valoriza o isolamento pessoal como condição para que
se viva experiências primordiais, não
deve ser confundida com solidão patológica. Na base da capacidade de estar só
está a identificação ao objeto primordial
que possibilitou estes estados de reclusão. Assim, a não-comunicação tem
como protótipo a comunicação indireta e
silenciosa estabelecida pela mãe com seu
bebê, onde a mãe se relaciona como objeto subjetivo do bebê, tornando desnecessária a comunicação explícita com
ele. Para o autor, o estabelecimento de
um eu privado se baseia na possibilidade de se comunicar secretamente com
fenômenos e objetos subjetivos, ou seja,
o sentimento de se sentir real se liga a
uma perda de contato com o mundo da
realidade compartilhada.
Neste contexto, a clínica psicanalítica
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com adolescentes apontaria para os limites da interpretação e da compreensão
do analista. Poderíamos pensar que o
adolescente não busca ser compreendido, talvez busque a possibilidade de estar isolado sem estar só, de poder estabelecer uma comunicação indireta, sem
ser violado. Ao analista cabe a função de
sustentar este lugar, de acompanhar o
adolescente neste processo silencioso de
subjetivação, e não de utilizar a interpretação como uma intervenção invasiva,
traumática.
Françoise Dolto sugere que o trabalho de
luto da adolescência é justamente abdicar do desejo de ser compreendido pelos adultos. Talvez o trabalho do analista frente ao adolescente se relacione a
suportar sua própria solidão, sem abdi-
car da possibilidade de estar presente no
momento em que o adolescente queira
ser encontrado. Como indica Winnicott
“... é um sofisticado jogo de esconder
em que é uma alegria estar escondido
mas um desastre não ser achado” (p.
169). „
REFERÊNCIAS
CALLIGARIS, C. Crônicas do individualismo
cotidiano. São Paulo: Ática, 1995.
DOLTO, F. La cause des adolescents. Paris:
Laffont, 1988.
RASSIAL, J.J. O adolescente e o psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia de
Freud, 1999.
WINNICOTT, D.W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1990.
Artigo recebido em novembro/2001
Aprovado para publicação, em fevereiro/2002
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