Universidade Federal do Rio de Janeiro
AS ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZ AÇÃO NA ESCRITA DE
PORTUGUESES DOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII
Bianca Graziela Souza Go mes da Silva
2011
AS ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZ AÇÃO NA ESCRITA DE
PORTUGUESES D OS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII
Bianca Graziela Souza Go mes da Silva
Tese de Doutorado sub metida ao
Progra ma de Pós-Graduação e m
Letras Vernáculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
co mo
parte
dos
requisitos
necessários para a obtençã o do título
de Doutor em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Orientadora: Prof.ª Doutora Célia
Regina dos Santos Lopes.
Co-orientadora: Prof.ª Doutora Silvia
Regina de Oliveira Cavalcante.
Rio de Janeiro
Sete mbro de 2011
SILVA, Bianca Grazie la Souza Go mes da
As estratégias de relativização na escrita de portugueses dos
séculos XVI, XVII e XVIII / Bianca Graziela Souza Go mes da Silva.
Rio de Janeiro: UFRJ/ CLA/ FL, 2011.
xx, 207f. : il ; 31 cm.
Orientador: Célia Regina dos Santos Lopes
Co-orientadora: Silvia Regina de Oliveira Cavalcante
Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Pós -Graduação em Letra s
Vernáculas, 2011.
1. Língua Portuguesa. – Tese. I. Lo pes, Célia Regina dos
Santos (Orient.) . – Cavalcante, Silvia Regina de Oliveira (Co Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras,
Progra ma
III.Título.
de
Pós -Graduação
em
Letras
Vernáculas.
As est ratégias de relativi zação na e scrita de portuguese s dos
séculos XVI, XVII, e XVIII
Bianca Graziela Souza Go mes da Silva
Orientadora: Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes
Co-orientadora: Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira
Cavalcante
Tese de Doutorado submetida ao Progra ma de Pós -Graduação
e m Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, co mo parte dos requisitos necessários para a obtenção do
título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Exa minada por:
_______________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Célia Regina dos Santos Lopes Orientadora
_______________________________________________________
Profa. Doutora Sílvia Regina de Oliveira Cavalcante - UFRJ, Coorientadora
_______________________________________________________
Profa. Doutora Marcia Cristina de Brito Ru meu – UF MG
_______________________________________________________
Profa. Doutora Maria Maura da Concei ção Cezario – UFRJ
_______________________________________________________
Prof. Doutor Eduardo Kenedy Nunes Areas - UFF
_______________________________________________________
Prof. Doutor Juanito Ornelas de Avelar - UNICAMP
_______________________________________________________
Profa. Doutora Christina Abreu Gome s – UFRJ, Suplente
_______________________________________________________
Profa. Doutora Filomena de Oliveira Azevedo Vare jão - UFRJ,
Suplente
Rio de Janeiro
Sete mbro de 2011
RESUMO
As e st rat é gi as d e rel at iv i zação na e scri t a de port ugu e se s d o s sécul o s XVI ,
XVI I e XVI I I
Bi anca G razi el a Souza G om es da Si lv a
O ri ent adora: Dra. Cél i a Regi na do s Sa nt o s L ope s
Co-ori ent a dora: Dra. Si lv i a Regi na de O l iv ei ra Cav al cant e
Re sum o da T ese de D out ora do subm et i da ao Program a de Pó s
G raduaçã o em Let ras V ernác ul as, su bár ea de Lí ngu a Port ugu e sa, n a
F acul dade de Let ra s da U niv ersi dade F ed era l do Ri o de Janei ro – UF RJ.
O que se de sej a, na pr e sent e pe sq ui sa, é e st ud ar o com port am ent o da s
est rat égi a s de rel at iv i zação no port u guê s e urope u. Para i sso, i nv est i ga - se a
di st ri bui ção de ssa s con st r uçõe s em um a Am ost ra com post a por cart a s do s
séc ul os XVI , XVI I e XVI I I , à l uz da Soci ol i nguí st i ca Vari aci oni st a, a f im de
m ost rar qu e a s f orm as rel at iv as não pa drã o nã o sã o ex cl usi v as do PB o u
pert ence nt e s a um a real i dade l i nguí st i ca co m um som ent e ao pre sent e séc ul o,
no Bra si l e em Port ugal . O bj et iv a -se, so b ret udo, d et ect ar ocor rênci a s d e
f orm as de rel at iv i zação não padr ão conc or rendo com a padrão n o perí o do
apont a do, no port u guê s euro peu, sej a em Port ugal ou n o Bra si l , ou sej a,
i nt eressa-no s saber se a s rel at iv as n ão cont em pl adas na T radi ção sã o
própri a s do port u guê s bra si l ei ro, a ssi m com o o conj u nt o d e m udanç a s
at est a da s ne ssa m odal i dade ou se, no p o rt uguê s euro peu, em si ncro ni a s
pa ssad a s, j á h av i a am bi ent e de r eal i zação de co n st ruçõe s cort a dora s e
copi adora s.
T aral l o
(1983),
num
e st udo
di acrôni co
so bre
t ai s con st r uçõe s
no
port ugu ê s d o Bra si l , abri u cam i nho para a i nv est i gação do f enôm eno; Est e
t rabal ho pr opõ e f azê -l o na m odal i dade e uropei a.
Procu ra - se
anal i sar
a
rel ação ent re o s al t o s í ndi ces d a s con st ru çõe s padr ã o de suj ei t o e obj et o
di ret o e a ex i st ênci a da rel at iv a cort ador a, um a f orm a de m esm o out p ut
f onét i co. O s re sul t ado s ap ont am para um a v ari ação no u so da s f orm as n ã o
padrã o em rel ação ao t i po de t ex t o, ou sej a, os rem et ent e s env olv i dos com os
padrõ e s d e e sc ri t a t end em a u sar m eno s a s f orm as cort ad ora e copi ad ora d e
acordo c om o que se apr ego a no s e st udo s si ncrôni co s que r el aci onam o u so
da s r el at iv as padr ão prep o si ci onada s ao c onheci m ent o f orm al (Si lv a, 2005;
Kenedy, 20 07; Corr êa, 199 8).
Su mmary
Rel at iv i zati on st rat egi e s i n t he wri t i ng of Portugue se of t he si x t eent h ,
sev ent eent h an d ei ght eent h cent uri e s
Bi anca G razi el a Souza G om es da Si lv a
O ri ent adora: Dra. Cél i a Regi na do s Sa nt o s L ope s
Co-ori ent a dora: Dra. Si lv i a Regi na de O l iv ei ra Ca v al cant e
Summ ary of Doct oral T hesi s subm i t t ed t o t he G radu at e Pro gram i n
Vernacul ar L ang uag e, su b -ar ea of t he Port ugue se L ang uag e, F acul t y of Art s
at t he F ederal Univ ersi t y of Ri o de Janei ro - UF RJ.
W hat i s de si red i n t hi s re se arch i s t o st u dy t he b ehav i or of rel at iv izat i on
st rat e gi es i n Eur ope an Port u gue se. F or t hi s, we i nv est i gat e t he di st ri but i on of
t hese co n st ruct i on s i n a sam pl e of l et t ers f rom t he si x t eent h, sev ent eent h an d
ei ght eent h cent uri es, i n t he l i ght of Vari ational Soci ol i ngui st i cs i n order t o
sh o w t hat non - st and ard rel at iv e f orm s are n ot uni que t o BP or bel ongi n g t o a
l i ngui st i c real i t y onl y comm on t o t hi s cent ur y, i n Brazil and Port ugal . I t aim s,
abov e al l, at det ect i ng i nst a nce s of non - st an dard f orm s of rel ativ i zati on
com pet i ng wi t h t he st an dard o ne i n t he peri od i ndi cat ed,
i n Europea n
Port ugue se, ei t her i n Port ug al or Brazi l , t hi s m eans, we are i nt ere st e d t o kn o w
whet her
t he
n on-co nt em pl at ed
in
t he
T radi t i on
rel at iv e f orm s are f rom
Brazi l i an Port uguese, as wel l as t he set of chang e s cert i f i ed i n t hi s m odal it y
or i f , i n European Port u gue se, i n p a st synch roni ci t i es, t here wa s a r eal i zat i on
env i ronm ent of cutt ers an d copi er s con st ruct i on.
T aral l o (1983),
a di ach roni c st udy of
suc h co n st ruct i on s i n Brazi l i an
Port ugue se, ope ned t he way f or t h e i nv est i gat i on of t he phenom enon, t hi s
paper pr opo se s t o do t hi s i n t he Euro pea n m odal it y. It seek s t o ex ami ne t he
rel at i onshi p b et wee n hi gh l ev el s of st andard con st ruct i on s of t he su bj ect an d
di rect obj ect and t he ex i st enc e of t he rel at iv e cut t er, a phon et i c f orm of t he
sam e out put . T he re sul t s i ndi cat e a v ari ati on i n t he use of nonst and ard f orm s
i n rel at i on t o t he t ext t ype, t hi s m eans,
se nder s i nv olv ed wi t h wri t i ng
st an dard s t en d t o u se l e ss t h e cut t er an d c opi er f orm s accordi ng t o what i s
preach ed i n t h e sync hroni c st udi e s t h at rel at e t he u se of prep o si t i onal
st an dard t o t he f orm al knowl edge (Si lv a, 2005; Kenedy, 20 07; Corrê a, 199 8).
AG R ADECI MENT O S
Louv o e bendi go a m eu Deus de quem m e agradei para v er reali zados o s
de sej o s do m eu co ração. A concl usão d est e d out oram ent o repr e sent a o
cum prim ent o de sua s prom essa s em mi nha v ida.
Agradeç o o ap oi o e dedi caçã o d e m i nha or i ent adora, C él i a, que f orj ou
em mim o carát er de pe squi sado ra dur ant e os oi t o a no s em que e st iv e so b
su a ori e nt ação. Su a com preen são na oca si ão d e m eu C onc ur so j am ai s se rá
esqueci da. O bri gad a pel o v ot o de conf i ança.
G rat i dão a Si lv i a Cav al cant e, mi nha co -o ri ent adora. O q ue di zer a
respei t o
de sse s
18
m ese s
de
acom pan ham ent o?
Cab e
re ssal t ar
sua s
cont und ent e s e sá bi as pal av r as que m e l evaram a t om ar deci sõe s ef i cazes:
“. . . a t ese, só v ocê pode f azer! ”. Há pesso a s que surg em em sua v i da na hor a
cert a, no m om ent o oport un o. . .
Agradeç o à Prof a. Dra. Márci a Rum eu pel a part i ci pação na B anca d e
Q ual if i cação
de st a
t e se
e
pel a s
c orr eç õe s
e
suge st õ e s
q ue
lá
me
p or
me
apre se nt aram .
Ao
col ega
Leo nard o
pel a
com pan hi a
dur ant e
as
aul a s e
apre se nt ar a o Mar quê s do Lav radi o, um cidadã o p ort ugu ê s q ue m e rev el ou
m uit o sobre a s rel at iv as do séc ul o XVI I I .
Meu s agr adeci m ent o s a am i gos, col ega s de t rabal ho e al un o s, pe ssoa s
que e st iv eram de pert o ou de l on ge t orce ndo e oran do par a a co ncl usão d e ssa
grand e et apa d e m i nha t raj et óri a. Àquel a que t orceu,
e st i m ul ou e at é
t rabal hou p ara qu e eu ch ega sse at é aq ui , mi nha grand e am i ga Suel y, um a
pe ssoa sem i gual . Eu l ouv o a Deus p el a su a v irt ude de ol har o out ro n a s sua s
nece ssi dad e s.
Não sei de pal av ras que p o ssam repre sent ar os sent i m ent os que si nt o
em rel ação à m i nha f am í li a. À respo n sáv el pel o i ní ci o de t u do, m i nha m ãe,
m uit o obri gada. Eu acredi t ei qua ndo m e di sse “É só e st u dar! ”. Ao m eu f il ho
que, m esm o sem ent en der m i nhas au sê nci as, bri ndav a -m e com um sorri so d e
com preen são. Agra deço a m i nha i rm ã Dani el a, m i nha t i a Janj a e mi nha
so bri nha Adri ene po r se t orn arem , m uit as v eze s, m ães d e Pe dro Hug o. E ssa
di spo si çã o em m e aj udar t orna cada um a par t i ci pant e da mi nha v i t óri a.
Ao F l áv i o, m eu am or, com quem div ido a v i da e as l et ra s, o bri gada. S ã o
quat ro l ong o s ano s c ont an do com sua com p reen sã o, aj uda e e st í m ul o: “Você
v ai conse gui r, v ocê sem pre con seg ue! ”. “At é aqui m e aj udou o Senhor! ”
SI NO PSE
Est ud o da s e st rat égi a s de rel at iv i zação
em cart as do s sécul o s XVI , XVI I e XVI I I ,
para
com prov ação
da
ocorrênci a
de
f orm as rel at iv as não padr ão n o p ort ugu ê s
europ eu no perí od o apo nt ado.
Dedi co e st a t e se à m i nha f am í li a, por
quem m e esf orço e v enço.
“O s
ol ho s
cabeça. . . ”
do s
sá bi os
e st ã o
na
su a
1
“F el i z o hom em que acha sab edori a, e o
hom em que adq ui re conheci m ent o. ” 2
(Sal om ão)
1
2
Livro de Eclesiastes, capítulo 2, parte “a” do versículo 14.
Livro de Provérbios de Salomão, Provérbio 3, versículo 13.
Í n d i ce d e g ráfi co s, esq u emas e tab el as
Q uadro
1
-
Pron om es
Rel at iv os
se gund a
a
T radi ção
G ram at i cal
. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . . . . .. . . .. . . .. .
29
Est rat égi a de rel at iv i zação em cont ex t o prep osi ci ona do (a dapt a da d e T aral l o,
1983) . . . . . . . . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . 62
Est rat égi a de rel at iv i zação ao l ong o do s t ex t os do s sécul o s XVI I I e XI X
(adapt a da d e T aral l o, 1985) . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . . 62
Esq uem a 1 – Hi erarqui a de ac e ssi bi l i dade . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . . 93
Esq uem a 2 - (Kabat ek, 20 06) . . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . . 97
T abel a 1 – Est rat é gi a de rel at iv i zação em t ext o s do sécul o XVI ao XVI I I
128
T abel a 2 - Est rat égi a de rel at iv i zação di st ri buí das p el as f unçõe s si nt át i ca s
. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. .
136
T abel a 3 - Est rat égi a d e rel at iv i zação de suj ei t o e obj et o di ret o . . . .. . . .. . . . . 137
G ráf i co 1 – Ti pos de e st rut ura da s r el at iv as .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . 139
Esq uem a 3 – Com paração d e e st rut ura s . . . . . .. . . . .. . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . 141
G ráf i co 2 – Rel at iv as padrã o e copi ad ora de suj ei t o e obj et o di ret o . . .
144
T abel a 4 – Est rut ur a s de rel at iv i zação no séc ul o XVI . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 144
T abel a 5 - Est rut ura s de rel at iv i zação no séc ul o XVI I . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 147
T abel a 6 - Est rut ura s de rel at iv i zação no séc ul o XVI I I . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . ..
151
T abel a 7 - Di st ri bui ção da s e st rat é gi as d e PP em rel ação ao t ex t o . . ..
155
T abel a 8 – Di st ri bui ção da s f unçõe s d e PP por est r at égi a . . . . . . .. . . .. . . .
158
G ráf i co 3 – Ti pos de e st rut ura no s dad o s de cort adora . . . . . . . . .. . . .. . . .. . . ..
168
G ráf i co 4 – Preposi çõe s “c ort ada s” . . . . . . . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .
170
SUMÁRI O
Í n d i ce d e g ráfi co s e tab el as . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . ..
I NT RO DUÇÃO . . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . .
vi
19
1- DESCRI Ç ÃO DO O BJET O DE EST UDO : UMA REVI SÃO D A L I T ERAT UR A
. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .
26
1.1
A DESCRIÇÃO GRAMATICAL ........ .... .........................
26
1.2
ESTADO DA ARTE – NOTÍCIAS DE ALG UNS ESTUDO S
........................... .................. ........... ........................... .......
40
1.2.1
da
As
estratégias
Gramaticalização
não
–
padrão
como
resultado
Sil va
(2005)
........................... ........... . . . . . . . . . .. . .. . . .. . . .. ............................... .
42
1. 2. 2 A e str atég i a co rt ad o ra so b a p e r sp ecti va co g n i ti vo -fun ci o n al –
Bi sp o (2009) . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . ..
1. 2. 3
48
A estr atég i a d e rel ati vi z ação p ad r ã o co mo resu l tad o d a ed u cação
fo rmal - Co rrêa (1 998) . . . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . .
50
1.2.4 As est ratégias de relativizaç ão na Dema nda do Santo
Graal – Ba rreto (1996) ..................... ........................... .....
59
1.3 DE ONDE VÊM AS CORTADORAS? .......................... . ....
61
1.3.1 Proposta de Tarallo (1983) ................................ ......
61
1.3.2 Proposta de Kenedy (2007) ...... ........................... .....
64
C APÍ T ULO 2 - PRI NCÍ PIO S T EÓ RI CO S . . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .
2. 1.
ALG UNS
PRI NCÍ PI O S
DA
T EO RI A
SO CI O LI NG UÍST I CA
T ENT AT I VA DE APLI CAÇÃO . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . .
86
E
UMA
86
2. 2. O PAPEL DA F REQ UENCI A DE USO NA O RI G EM DAS CO RT ADO RAS
. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . .
89
2. 3. AS T RADI ÇÕ ES DI SCURSI VAS .. . . .. . .. . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. .
95
C APÍ T ULO 3- MET O DOL OG I A . . . . . .. . . .. . . .. . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . .
99
3. 1. REF LEXÕ ES SO BRE O G ÊNERO CART A . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . .
99
3. 1. 1. No tí ci as ad vi n d as d e cartas . . . . . . . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . .
99
3. 1. 2. O G ên ero Carta . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . .
102
3. 2. CO NSI DERAÇÕ ES SO BRE A AMO ST RA . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. .
106
3. 3. DESCRI ÇÃO DO S CO RPO RA .. . . .. . . .. . .. . .. . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . ..
107
3. 3. 1. A Al j ami a Po rtu g u esa . . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . ..
107
3. 3. 2. As Cart as d e Des co n h eci d o s (CARD S) . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .
110
3. 3. 3. As cart as d o Pad re An tô n i o Vi ei ra . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . ..
112
3. 3. 4. As G azetas Man u scri t as ( L I SBO A et al , 2002) . . . . . . .. . . .. . . .. . .. .
113
3. 3. 5. As cart as d o Marq u ês d o L avrad i o . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. .
114
3. 4. CO NHECENDO AS VARI ANT ES .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . ..
115
3. 5. DESCRI ÇÃO DO MO DELO DE ANÁLI SE . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. .
117
C APÍ T ULO 4- AS CO NST RUÇÕ ES DE R EL AT I VIZ AÇ ÃO : AN ÁL I SE DO S
D ADO S . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . ..
127
4. 1. I NT RO DUÇÃO . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. .
127
4. 2. I NI CI ANDO A DI SCUSSÃO . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . .
130
4. 2. 1. Resu l tad o g eral . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .
130
4. 2. 2. As r el ati va s d e su j ei to e o bj eto di reto . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. .
134
4. 2. 2. 1. Um a v i si t a ao sécul o XVI . . . . . . . . .. . .. . . .. . . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . ..
144
4. 2. 2. 2. Passean do pel o séc ul o XVI I . . . . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . . ..
147
4. 2. 2. 3. Um a v i agem ao sécul o XVI I I . . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .
151
4. 3. AS RELAT I VAS DE SI NT AG MA PREPO SI CI O NADO . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .
155
4. 3. 1. Em cen a, a rel ati va p ad rão . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. .
160
4. 3. 2. A p arti ci p aç ão “co ad j u van te” d as rel ati vas co rt ad o ra e co p i ad o ra
. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . ..
166
4. 4. UMA LEI T URA PARA AS RELAT I VAS EST RANHAS . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .
179
4. 4. 1. Pad re Vi ei ra . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. .. . . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . ..
180
4. 4. 2. G azetas Man u scri ta s . . . . . . .. . .. . . .. . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .
187
4. 4. 3. Marq u ês d o L avrad i o .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .
195
CO NSI DERAÇÕ ES F I NAI S . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . ..
199
REF ERÊNCI AS BI BL I O G RÁF I C AS . . . . . . . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .
204
19
INTRODUÇÃO
Ao discutir a respeito das estratégias de relativização no que envolve a
necessidade de repensar o tratamento dado às construções não-padrão,
principalmente no espaço escolar, Bispo (2009, p. 125) aponta que tal
perspectiva
“implica, naturalmente, o reconhecimento da pluralidade de usos que
fazemos da língua em virtude das mais variadas situações de
interação social de que participamos e em que somos envolvidos.
Assim, inevitável torna-se a consideração das variações linguísticas
das modalidades de uso da língua, das diferentes intenções com
que organizamos enunciados e, por conseqüência, do papel que
esses fatores exercem na organização morfossintática desses
enunciados. Daí advém a grande relevância do estudo da língua em
uso.”
Levando em conta a pluralidade de usos, o presente trabalho visa a
estudar as estratégias de relativização identificadas numa Amostra composta
de corpora dos séculos XVI ao XVIII, de portugueses. O objetivo é observar se
as estratégias relativas (padrão, copiadora e cortadora) se faziam presentes
em textos escritos por portugueses em sincronias passadas.
Tarallo (1994, p. 165) já observara que no latim era possível encontrar
relativas copiadoras, como em Ultra eum locum, quo in loco Germani
consederant cuja tradução seria para além daquele lugar, no qual os alemães
haviam acampado no lugar. Tal estrutura pode evidenciar que a forma nãopadrão copiadora manteve-se na língua desde os primórdios. Talvez também
seja possível pensar que a construção considerada inovadora – a relativa
cortadora – tenha surgido na língua bem antes do que se imagina. Desse
modo, neste trabalho, vamos analisar o comportamento de três tipos de
20
orações relativas: (1) a relativa canônica ou padrão; (2) a relativa copiadora ou
com pronome lembrete e (3) a relativa cortadora:
i-
E fes sahir daus náos a correr a costa no mesmo dia em que lançou ao
mar a que se acabou no estalleiro, e vai para Mombaça. (Gazetas – XVIII)
ii-
Aqui aparece ja a 3.ª impressão do poema de Alffonço de Francisco
Botelho de Vasconcelos, que a foi fazer a Salamanca, e he só a que
adopta por sua. (Gazetas – XVIII)
iii-
Hade ler o Panegirico aos annos del Rey que fez como Director da
Academia no dia, que El Rey asinalar para que ella vâ ao Paço (Gazetas
– XVIII)
Pretendemos, pois, estudar as estratégias de relativização postuladas,
para comprovar que as construções não-padrão não são exclusivas do
português brasileiro como defende Tarallo (1983). A hipótese que norteia esta
tese é a de que as estruturas relativas não-padrão são construções próprias
também do português europeu. Esperamos comprovar essa hipótese
levantando dados das construções relativas na Amostra organizada para esse
fim. Partindo de estudos sincrônicos sobre o assunto, que registram altos
índices da forma cortadora em relação à padrão preposicionada, gostaríamos
de atestar que, mesmo com índices menores, essas formas também já
figuravam em sincronias passadas, na variedade europeia do português.
A escolha desse tema se justifica pelo interesse dado ao fenômeno nas
últimas três décadas, desde que o estudo pioneiro de Tarallo (1983)
caracterizou a relativa cortadora como uma inovação peculiar ao PB em
relação ao PE. Análises de cunho sociolinguístico, com dados orais e escritos
do PB, têm evidenciado a produtividade da relativa cortadora principalmente.
Pela dificuldade em organizar um criterioso corpus de sincronias passadas, os
estudos diacrônicos como o de Barreto (1996) não proliferaram com tamanha
21
rapidez. Apesar dos limites impostos por análises de textos escritos, a hipótese
de Tarallo só poderia ser efetivamente comprovada com um estudo sistemático
do passado.
Segundo os resultados das análises sincrônicas, as estruturas nãopadrão, cortadora e copiadora, seriam próprias do português do Brasil e cada
vez mais encontram espaço entre os falantes dessa variedade (CORRÊA,
1998; MOLLICA, 2003; SILVA, 2005; BISPO, 2009, entre outros).
Pesquisas recentes (LESSA DE OLIVEIRA, 2006; ARIM, RAMIRO E
FREITAS, 2005; VAREJÃO, 2006) apontam também para o PE a emergência
das formas não-padrão, principalmente a cortadora.
Os resultados para o
português do Brasil já atestam a vitória da cortadora sobre a padrão em
ambiente preposicionado (CORRÊA, 1998; SILVA, 2005; BISPO, 2009). Para o
português europeu dialetal, registram-se percentuais significativos da estratégia
cortadora em relação às demais (VAREJÃO, 2006). Alguns autores afirmam
que, se essa tendência se mantiver, a cortadora poderá se sobrepor à relativa
padrão (ARIM, RAMIRO e FREITA, 2005).
Kenedy (2007) se opõe à ideia de que os sistemas de relativização do PB
e do PE sejam diferentes e propõe que as relativas consideradas padrão, na
verdade, são construções antinaturais, segundo o modelo de análise que ele
segue. Essa perspectiva vai ao encontro da presente tese, uma vez que, com a
análise diacrônica de textos portugueses, pretendemos evidenciar que as
relativas não-padrão não constituem uma exclusividade do PB. Kenedy (2007)
assume uma clara postura a favor da antinaturalidade da forma padrão
preposicionada não só no PB, como também no PE, ou seja, para o autor, essa
forma não faz parte da gramática dessa língua. Ainda, baseado em estudos de
22
aquisição da linguagem (cf. PÉREZ-LEROUX, 1995; CF. LABELLE, 1996; CF.
MCDANIEL ET AL, 1998), Kenedy (2007) alega que tal forma é naturalmente
impossível em línguas como o espanhol, o francês, o inglês e, segundo ele,
provavelmente, em qualquer outra língua. Dizer que tal construção é
naturalmente impossível significa afirmar que essa forma só é gerada quando o
falante/escrevente é submetido à escolarização ou tem contato com modelos
de escrita.
Considerando que o fenômeno é variável, pretendemos desenvolver esse
tema sob orientações de base laboviana, no que concerne à observação de
frequências das variantes – relativas do tipo padrão, copiadora e cortadora –,
buscando responder se, nos séculos XVI, XVII e XVIII, registraram-se
estruturas relativas não-padrão por meio da observação da produção textual de
indivíduos portugueses.
Como se trata de um corpus documental escrito constituído por cartas e
por gazetas advindas de correspondências, foi necessário refinar a análise a
partir de uma discussão complementar da relevância do paradigma das
Tradições Discursivas (KABATEK, 2006) para o estudo da mudança diacrônica.
Nesse sentido, pretendemos investigar, de posse dos dados, se a Tradição
Discursiva desses textos favorece ou desfavorece a realização de determinada
estratégia. O intuito é observar se as formas linguísticas demonstram um uso
sistêmico ou se estariam relacionadas às propriedades do gênero carta e do
subgênero gazeta utilizados na análise. Tomaremos, portanto, como aparato
teórico auxiliar, algumas discussões sobre o conceito das Tradições
Discursivas. Segundo Kabatek (2006, p. 512):
23
“Tradição Discursiva (TD) é a repetição de um texto ou de uma forma
textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que adquire valor
de signo próprio (portanto é significável). Pode-se formar em relação a
qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo, cuja
repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição;
qualquer relação que se pode estabelecer semioticamente entre dois
elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos referenciais) que
evocam uma determinada forma textual ou determinados elementos
linguísticos empregados.”
Na correlação entre mudança linguística e tradição discursiva, o autor
reconhece que o objetivo do historiador da língua é a reconstrução de uma
espécie de “diacronia ideal”. Entretanto, “quando se estuda a história de uma
língua, o que se estuda não é a língua senão textos representativos dos
respectivos estados da língua” (KABATEK, 2006, p. 515). Tem-se, assim, como
desafio, distinguir o que é peculiar à língua de uma época daquilo que é próprio
do gênero textual. Considera-se, ainda, que o gênero discursivo pode ser
condicionante tanto na criação de inovações sintáticas quanto na sua difusão,
podendo impedir ou estimular uma mudança linguística. Tal discussão será
levada em conta neste trabalho: se as TDs das fontes documentais analisadas
refreiam ou estimulam o fenômeno apresentado, ou melhor, se as tradições
favorecem a realização de determinada estratégia de relativização .
Os estudos sobre frequência “de tipo” e “de ocorrência”, nos termos de
Bybee (2003, 2010), serão tomados como base teórica para relacionar os altos
índices de relativas de sujeito e objeto direto às ocorrências de relativas
cortadoras. Nossa hipótese é a de que a estrutura das relativas de sujeito e de
objeto direto (SN + QUE + VERBO) se generaliza ao contexto preposicionado,
gerando a estrutura relativa constituída pela forma QUE mais o verbo da
oração relativa: a estratégia cortadora.
Outras questões relevantes serão consequentemente abordadas:
24
(1)
Haveria variação entre as formas relativas nos séculos observados?
(2)
Qual o papel das construções formulaicas no contexto geral de dados?
(3)
Havia em textos de sincronias passadas uma preferência pela forma “que”
em relação aos demais relativos como foi observado nos estudos
sincrônicos?
(4)
Nos séculos estudados havia também uma tendência pela escolha de
construções menos complexas?
(5)
Nos três séculos propostos para o nosso estudo, havia grande incidência
de relativas de sujeito e objeto direto, justificando a utilização das
construções relativas cortadoras, como mostram estudos sincrônicos?
(6)
O tipo de texto (cartas e gazetas estudadas) influencia a escolha das
estratégias relativas postuladas?
Este estudo está organizado da seguinte forma. No capítulo 1,
definiremos o objeto de estudo a partir de uma revisão bibliográfica inicial de
cunho mais tradicional e outra de natureza linguística. Na primeira parte do
capítulo, apresentaremos descrições das gramáticas mais tradicionais e outras
mais inovadoras. Na seção seguinte, mostraremos considerações e descrições
de alguns estudos recentes que envolvem o tema, apresentando algumas
interpretações teóricas que pretendemos adotar na análise de nossos dados.
O capítulo 2 reúne os princípios teóricos que norteiam este trabalho.
Primeiramente, estão breves considerações sobre a Teoria Sociolinguística que
justificam o uso da técnica variacionista nos dados coletados. Na sequência,
apresentaremos
uma
discussão
sobre
o
papel
da
frequência
para
compreensão e interpretação dos dados. As bases gerais do paradigma das
Tradições Discursivas serão expostas no fim do capítulo, para explicar o uso
das estruturas formulaicas.
A metodologia considerada mais coerente a ser aplicada em estudos
como este está descrita no capítulo 3. Em 3.1, apresentamos um histórico do
25
gênero carta, o texto escolhido para evidenciar as estratégias de relativização
nos séculos estudados. Em 3.2, realizamos algumas considerações sobre a
Amostra constituída, apontando as diferenças entre cada material selecionado
na seção 3.3. A seção 3.4 ilustra as variantes adotadas na pesquisa, as formas
padrão, cortadora e copiadora.
O capítulo se encerra com a descrição do
modelo de análise, no qual apresentamos exemplos para cada grupo de fatores
adotado na pesquisa.
Finalmente, no capítulo 4, apresentaremos os resultados gerais obtidos a
partir dos dados levantados no material documental selecionado, a fim de
observar se os padrões estatísticos confirmam ou não as hipóteses levantadas
no trabalho. Em 4.1, apresentamos uma pequena introdução em que
justificamos a forma como analisamos os dados.
A seção 4.2 ilustra o
resultado geral que obtivemos e nossa interpretação para os dados das
funções de sujeito e objeto direto. As relativas de sintagma preposicionado
estão analisadas na seção 4.3. Por último, em 4.4, mostramos o tratamento
dado às relativas que geraram dúvidas de interpretação ou que foram
construídas fora dos “moldes” considerados como estratégias de relativização.
Encerramos a presente tese com Considerações Finais e as Referências
Bibliográficas consultadas no trabalho. Nas considerações finais, buscamos
retomar as questões que prometemos discutir ao longo do trabalho, assim
como as conclusões a que chegamos na abordagem de cada uma delas.
26
CAPÍTULO 1:
DESCRIÇÃO
DO
OBJETO
DE
ESTUDO:
UMA REVISÃO
DA
LITERATURA
1.1.
A DESCRIÇÃO GRAMATICAL
De um modo geral, os gramáticos apresentam a mesma descrição no
tratamento das orações subordinadas adjetivas (BECHARA, 1999; CUNHA &
CINTRA, 1985; LIMA, 1997). Elas são assim chamadas por funcionarem como
adjetivos para um substantivo antecedente (nome ou pronome). Cunha e Cintra
(1985) apontam que o antecedente pode ser um termo equivalente a um
substantivo e um termo qualquer da oração principal: sujeito, predicativo,
complemento nominal, objeto direto, objeto indireto, agente da passiva, adjunto
adverbial, aposto ou vocativo. Os exemplos em (1) e (2) ilustram relativas de
pronome e nome. É possível, também, que o antecedente do pronome relativo
seja de outra natureza, como um adjetivo (3), um advérbio (4) ou uma oração
(5):
(1)
“Deem-me as cigarras que eu ouvi menino.”
(2)
“Não serás tu que o vês assim?” (1985, p.334)
(3)
“As opiniões têm como as frutas o seu tempo de madureza em que
se tornam doces ou astringentes que dantes eram. (Marquês de
Maricá, M, 166)”
(4)
“Lá, por onde se perde a fantasia/ No sonho da beleza; lá aonde/
A noite tem mais luz que o nosso dia... (A. de Quental, SC, 61.)
(5)
“Só a febre aumenta um pouco, o que não admirará ninguém. (A.
Nobre, CL, 145-6.)”
27
Em geral, os pronomes relativos são assim chamados porque se referem
ao termo anterior, o antecedente. Eles apresentam, diferentemente de outros
pronomes, dupla natureza: servem de ligação oracional, tal como os
conectores/juntores, e desempenham função sintática no corpo da oração a
que pertencem, a oração adjetiva. Azeredo (2000) e Bechara (1999, 2006)
apresentam as orações adjetivas como sintagmas adjetivais apresentados sob
a forma de uma oração. Segundo eles, um período composto por subordinação
adjetiva é o resultado da aplicação de uma regra de transposição que converte
uma oração em um sintagma adjetival. Assim, um pronome relativo é
considerado um transpositor que substitui ou representa um sintagma nominal
e converte uma oração em sintagma adjetival – duplo papel do pronome
relativo. Segundo Azeredo (2000, p.218), em (6) temos um exemplo em que a
oração relativa foi transposta à oração principal pelo transpositor “que”:
(6)
“O guarda multou os carros que estacionaram na calçada.”
Kury (2002) refere-se aos relativos como “conectivos relativos” por sua
atribuição de exercer função sintática, diferente das conjunções comuns
(doravante “o duplo papel” mencionado por Azeredo, 2000). Azeredo (2010)
acrescenta mais um papel ao pronome relativo. Segundo ele, o pronome
relativo é uma espécie de palavra que preenche cumulativamente três funções:
Anafórica (retoma ou reitera um antecedente), conectiva (insere a
oração transposta na construção maior) e sintática (é sujeito,
complemento ou adjunto na oração transposta): O cachorro está
solto / o cachorro avançou no carteiro. O cachorro que avançou no
carteiro está solto. Este que retoma o antecedente o cachorro, insere
a oração o cachorro avançou no carteiro na construção O cachorro
que avançou no carteiro e exerce nesta construção a função de
sujeito. (AZEREDO, 2010, p. 316)
28
Dessa forma, Azeredo (2010) desmembra em duas funções distintas
(anafórica e sintática) o caráter anafórico do relativo que, para a maioria dos
gramáticos, representa uma retomada.
Tal caráter anafórico atribui ao
pronome uma função sintática na oração subordinada adjetiva. Desse modo, o
relativo tem dois papeis: conectar orações e exercer função sintática [=
anafórico].
A função sintática do pronome não tem relação com a função sintática do
seu antecedente. O relativo reproduz o significado do antecedente, mas exerce
um papel na oração em que figura. Rocha Lima (1997) ilustra essa diferença
com o período de Rachel de Queiroz “havia um homem que era ateu” (p. 269).
Nele, o antecedente do relativo, “um homem”, é o objeto direto da oração
principal “havia um homem”; no entanto, na oração subordinada “que era ateu”
o termo “um homem”, elemento retomado pelo relativo, é o sujeito (“um homem
era ateu”). Seguindo Azeredo (2010, p 317-318), as funções sintáticas
exercidas pelos pronomes relativos podem ser sujeito (7); objeto direto (8);
complemento relativo (9); complemento nominal (10); agente da passiva (11);
predicativo (12); adjunto adverbial (13); adjunto adnominal (14):
(7)
“O guarda multou os carros que estacionaram na calçada. (que = os
carros);
(8)
“As frutas que comprei na feira estão guardadas na geladeira” (que
= as frutas);
(9)
“Ainda não juntei todo o dinheiro de que preciso para comprar a
bicicleta.” (que = todo o dinheiro);
(10)
“A pessoa com quem fiz o primeiro contato não trabalha mais na
empresa.” (quem = a pessoa);
29
(11)
“a velhinha ainda se recordava do nome do bombeiro por quem
tinha sido salva.” (quem = o bombeiro);
(12)
“Ninguém se esquece do jogador extraordinário que Garrincha foi.”
(que = o jogador extraordinário);
(13)
“A casa onde o escritor viveu é hoje um centro de pesquisas.” (onde
= a casa)
(14)
“O carro cujo pneu estava furado continua no estacionamento.” (cujo
= (d)o carro)
Tradicionalmente, são apresentadas, de forma geral, seis formas
distintas3 de pronomes relativos: que, quem, o qual (e flexões), cujo (e flexões),
onde e quanto (e flexões), conforme o Quadro 1:
Quadro 1: Pronomes relativos segundo a Tradição Gramatical
QUE
O QUAL
QUEM
Referente
Pessoa ou coisa
Pessoa ou coisa
Flexão
Invariável
Variável: os quais,
a qual, as quais
Invariável
Pessoa ou coisa
personificada
Substantivo, termo
possuidor
Variável: cujos, cuja,
cujas
ONDE
Lugar
Invariável
QUANTO
Pronomes indefinidos
(tudo, todos ou todas)
Variável: quantos,
quantas
CUJO
Comentário
Relativo básico
Substituto
de
que
(com
preposição)
Precedido
de
preposição
Equivale a de
que/quem e do
qual
Equivale a o
lugar em que,
no qual.
Pode
ter
o
antecedente
omitido
Azeredo (2000, p. 219) acrescenta, porém, que:
Que é a forma padrão do pronome relativo e praticamente a única
utilizada nas variedades mais coloquiais da língua. Nas variedades
formais da língua – e especialmente na língua escrita que é o objeto
de nossa análise – empregam-se outras formas de relativo, pronome
3
Alguns gramáticos consideram seis formas de pronome relativo (que, quem, o qual, cujo,
onde, quanto); outros consideram “onde” advérbio relativo por desempenhar a função de
adjunto adverbial. Há, ainda, variações para essa interpretação.
30
ou advérbio: o qual, a qual, os quais, as quais, cujo, quem, quanto
(pronomes), onde, quando e como (advérbios).
Esse
comentário
parece
muito
pertinente,
porque
demonstra
o
reconhecimento, por parte do autor, do papel da forma “que” como relativo
preferido nas construções relativas não-padrão, tema da presente pesquisa.
Embora o autor não cite tais estratégias, já reconhece sua existência, assim
como outros cujas contribuições serão mencionadas mais adiante.
Segundo Luft (2002), as orações adjetivas são anexas ou justapostas ao
antecedente mediante um pronome relativo e funcionam como adjunto
adnominal ou aposto desse substantivo. A diferença de função se dá a partir da
forma que se apresentem: sem pausa, funcionam como adjunto adnominal;
com pausa, como aposto. Tal diferença gera uma classificação distinta. As
orações sem pausa são classificadas como restritivas, por delimitarem o
sentido do nome ou pronome antecedente. As orações com pausa são
chamadas
de
explicativas
e,
ao
contrário
das
restritivas,
que
são
indispensáveis ao sentido cabal do enunciado, as explicativas podem ser
eliminadas sem comprometimento do sentido, pois, de acordo com Luft (2002),
elas se justapõem a um substantivo. Vejamos, a seguir, os exemplos
apresentados pelo autor:
(15)
(16)
Todo homem que mente é indigno de confiança.
Pedro, que é professor universitário, negou-se a responder. (LUFT,
2002, p.84)
As estruturas que mente e que é professor universitário são orações
subordinadas adjetivas restritiva e explicativa, respectivamente. Em (15), a
oração tem como característica elocutiva a ausência da pausa e restringe ao
31
homem mentiroso o não merecimento de confiança. Em (16), a oração adjetiva
é um comentário sobre Pedro, uma informação sobre o termo antecedente. Tal
oração é marcada por pausa (vírgula na escrita).
Para o autor, as orações adjetivas explicativas são a origem do aposto,
pela supressão do pronome relativo mais o verbo “ser”. O gramático considera
que, por questão de coerência de nomenclatura, elas deveriam ser chamadas
de orações apositivas, uma vez que “Pedro, que é professor universitário,
negou-se a responder” gerou “Pedro, professor universitário, negou-se a
responder”.
Quanto ao sentido, as orações restritivas e explicativas podem se
apresentar em forma desenvolvida e reduzida. Tradicionalmente, as orações
desenvolvidas são introduzidas por um pronome relativo ou por advérbios e
apresentam verbo em forma flexionada. As reduzidas apresentam verbo numa
das formas nominais com supressão do relativo. Kury (2002) se destaca ao
subdividir as orações adjetivas desenvolvidas em relativas e justapostas. As
relativas seriam as tradicionais orações desenvolvidas – presença do pronome
ou advérbio relativo e verbo no indicativo ou subjuntivo. As orações justapostas
são estruturas constituídas de pronome indefinido, sem antecedente, regidas
sempre de preposição de, como nos exemplos do autor (17) Não vemos os
defeitos de quem amamos e (18) Chegou a vez de quantos esperavam (KURY,
2002, p.80)
Em suma, as orações subordinadas adjetivas, as relativas, são orações
subordinadas a um núcleo substantivo e iniciadas por um pronome relativo que
apresenta dupla função nesta oração: ligá-la ao antecedente (núcleo
32
substantivo) e exercer nela a função sintática exercida pelo termo que
representa.
Algumas gramáticas mais recentes se destacam por apresentar
abordagens não contempladas na tradição gramatical. A descrição que ora
apresentaremos pode ser considerada uma inovação apresentada por
gramáticas atuais. Na verdade, nos interessa mostrar a nova abordagem
gramatical sobre as orações adjetivas que não são contempladas pela tradição
gramatical: as estratégias de relativização não padrão cortadora e copiadora.
Nessas construções, não observamos o caráter anafórico dos pronomes
relativos de retomar o termo antecedente na oração subordinada exercendo,
dessa forma, função sintática nela por representar esse termo.
Essas
construções, consideradas inovações no PB, não são reconhecidas pela
tradição gramatical – as relativas não padrão, objeto de estudo da presente
tese – embora estejam figurando em contextos de fala e escrita de não
escolarizados e escolarizados (BISPO, 2007; SILVA, 2005; CORRÊA, 1998), na
imprensa (GOUVÊA, 1999) e na fala de crianças em fase de aquisição
(KENEDY, 2007), não só no Brasil, mas também em dados dialetais do
português europeu (VAREJÃO, 2006). Essas estruturas foram contempladas
por gramáticos interessados em estudar a língua nas suas variações.
Destacamos quatro deles, Bechara (1999, 2006) e Mateus et al
(2003),
Azeredo (2010) e Castilho (2010).
Mateus et al (2003, p. 666, 667) admitem haver na fala espontânea duas
estratégias de relativização diferentes das orações relativas tradicionalmente
designadas como “subordinação adjetiva”.
33
As autoras iniciam dizendo que as orações subordinadas adjetivas,
“orações relativas” para elas, são assim designadas por conta de seu paralelo
sintático e semântico com adjetivos – posição pós-nominal, valor atributivo e de
modificador nominal4. Designam os constituintes que introduzem as relativas
como “pronomes”, “advérbios” ou “adjetivos relativos” e comentam a
propriedade dessas construções de estabelecerem um nexo anafórico entre o
antecedente e o constituinte relativo.
Quanto às estruturas não padrão, as estratégias de relativização,
pertencentes, segundo as autoras, à fala espontânea, podem ser do tipo que
deviam conter SPs em posição inicial. Tais relativas apresentam, contudo,
somente a forma que – estratégia cortadora, como se vê em (19). As
consideradas
“estratégia
resumptiva”,
com
pronomes
pessoais,
demonstrativos, advérbios locativos ou mesmo a repetição do antecedente no
interior da oração, estão ilustradas em (20)5
(19)
a. O livro Ø que te falei é o mais bonito
b. “[...] é uma arte Ø que eu dou muito valor.”
c. “[...] Passo assim os dias Ø que estou em casa.”
(20)
a. “Temos lá, no meu ano, rapazes que eles parecem atrasados
mentais, quer dizer...”
b. “[...] fui eu e mais uma irmã minha que também ela sabe muito
bem de bolos[...]”
4
Fazem parte dessa classificação as relativas sem antecedente expresso (relativas livres) e
relativas com antecedente nominal, que podem ser restritivas ou determinativas e apositivas,
explicativas ou não restritivas. As restritivas “contribuem para a construção do valor referencial
da expressão nominal” (p. 655), ou seja, restringem a extensão do conceito expresso pelo
nome que a oração modifica. As explicativas exprimem um comentário do locutor sobre o
antecedente da relativa.
5
Os exemplos foram extraídos de Mateus et al, 2003, p. 667).
34
c. “[...] Que é uma pronúncia cantada que eu própria que sou de cá
não a sei muito bem dizer [...]”
As estruturas em (20) são consideradas estratégias resumptivas
(doravante, copiadoras) porque repetem, na oração relativa, o termo
antecedente que o pronome relativo deveria retomar como pronome anafórico.
Temos, respectivamente, as cópias eles, ela e a com funções de sujeito (eles e
ela) e (a) com função de objeto direto.
As autoras supõem estar diante de uma tendência de mudança no
português europeu pelo fato de, embora as estratégias exemplificadas em (19)
e (20) serem consideradas marginais numa perspectiva purista, a estratégia
cortadora já faria parte, atualmente, do registro oral de falantes altamente
escolarizados.
O segundo gramático é Bechara (1999, 2006) que, em relação às orações
relativas marcadas por índice preposicional, alerta para a função sintática do
pronome relativo e para a regência do verbo da oração transposta que
tornaram, segundo suas palavras, imprescindível o uso de preposição
introduzindo o relativo. Assim,
Em A cidade a que nos dirigimos ainda está longe, o relativo que
reintroduz na oração subordinada adjetiva a que nos dirigimos o
substantivo cidade, e vale por nos dirigimos à cidade, em que o
núcleo verbal dirigimos requer um termo argumental marcado pelo
índice preposicional a, preposição que, portanto, não deve faltar
anteposta ao relativo, que funciona como complemento relativo do
núcleo verbal nos dirigimos: A cidade a que nos dirigimos ainda está
longe. (BECHARA, 1999. p.466)
35
Bechara (1999, 2006), em seção denominada “Relativo Universal”,
reconhece a existência de uma estrutura, identificada como estratégia
copiadora, não recomendada pela língua padrão. O relativo universal, segundo
ele, é um simples elemento transpositor oracional, relativo despido de qualquer
função sintática, a qual vem mais adiante expressa por um substantivo ou
pronome, como em (25) O homem que eu falei com ele. e (26) A amizade é
coisa que nem sempre sabemos seu significado. (BECHARA, 1999. p.466)
Sobre a produtividade dessas formas na língua, o autor reconhece sua
importância no uso a partir do comentário: “Embora a língua padrão recomende
o emprego correto dos relativos, o relativo universal se torna, no falar
despreocupado, um „elemento linguístico extremamente prático” (BECHARA,
1999, p. 492). O gramático quer dizer que as construções por ele mencionadas
já são comuns no dia a dia, usadas por pessoas em contexto de informalidade
e despreocupação.
Castilho (2010) aponta a subordinação adjetiva como um processo de
relativização em que há um relacionamento de dois sintagmas nominais
correferenciais. As adjetivas seriam sentenças encaixadas num sintagma
nominal no qual atuariam como complementizadores. Ao referir-se aos
pronomes relativos – para ele, integrantes da classe fechada que, qual, cujo,
quanto e onde – o autor considera, tal como Bechara (2006), o relativo “que”
como um relativo universal, uma forma que está ocupando o espaço de outros.
Outro apontamento de Castilho (2010, p.366, 367) que nos interessou foi
a chamada “hierarquia de acessibilidade dos sintagmas nominais à
relativização”. Segundo ele, os “autores têm mostrado que as línguas variam
36
quanto ao número de posições passíveis de relativização, sendo mais
acessíveis os sintagmas nominais de sujeito, em seguida os que funcionam
como objeto direto, objeto indireto, oblíquo e genitivo”6. O autor explica essa
hierarquia a partir de uma razão semântico-cognitiva: a informação contida num
sintagma nominal de sujeito é processada com mais facilidade, depois a
informação no objeto direto, e assim por diante. Essa pode ser uma explicação
para a grande incidência de relativas de sujeito e objeto direto em vários
estudos. Em 2005, baseados na teoria sobre frequência de uso, (BYBEE,
2003), relacionamos os altos índices de orações de sujeito e objeto direto às
ocorrências da estratégia cortadora por conta de apresentarem o mesmo
output fonético. Nossa perspectiva era a de que a estrutura das relativas de
sujeito e objeto direto (QUE + verbo) se generalizava para outras funções
sintáticas (as preposicionadas) e, assim, surgiam as relativas cortadoras,
construções que, por cortarem a preposição exigida pelo verbo da oração
relativa, são elaboradas com o item QUE (relativo universal) e o verbo da
oração subordinada. Desejamos, na presente pesquisa, também verificar essa
relação observando os índices das orações de sujeito e objeto direto e testando
se há construções relativas cortadoras nos textos pesquisados.
Baseado em Lemle (1978), Castilho (2010) apresenta as três estratégias
de relativização do PB. Na sentença adjetiva padrão, representada por (27)
Não há uma área em São Paulo em que a polícia não entre. (CASTILHO, 2010,
p.367), o relativo demonstra a forma que corresponde ao caso recebido de seu
verbo; no exemplo, caso ablativo, função de complemento oblíquo (doravante
adjunto adverbial). A sentença adjetiva copiadora, segundo ele, é o resultado
6
Referência a Keenan e Comrie (1977).
37
da despronominalização do relativo, ou seja, sua redução à conjunção através
da perda da propriedade fórica. Nesse caso, haveria um preenchimento dessa
perda por um pronome pessoal preposicionado ou não. No exemplo citado, a
construção seria Não há uma área em São Paulo que a polícia não entre nela.
Por último, a sentença adjetiva cortadora, para Castilho (2010), também
proposta de Tarallo (1983/85), resultado do apagamento do pronome pessoal –
Não há uma área em São Paulo que a polícia não entre – é forma já recorrente
no PB escrito veicular.
Azeredo (2010), em comparação com o uso escrito padrão, no qual diz
existirem variedades de formas relativas precedidas ou não de preposição,
apresenta o emprego quase exclusivo da forma que, na fala espontânea, nas
variedades populares da língua e na escrita de pessoas com baixa
escolarização. Segundo ele, esse item tende a perder, conforme apregoa
Bechara (1999, 2006), sua condição de forma anafórica, ou, como o autor
emprega, forma substituta de um antecedente, para se tornar puramente um
conectivo. Acreditando se tratar de um uso “que já migrou definitivamente para
a escrita menos formal”, Azeredo (2010, p.317) cita exemplos de trechos de
gêneros informais em que essas formas estão vigorando, a crônica jornalística
e a literatura memorialística:
(28)
“...(o mais político dos intelectuais) havia escrito uns livros e era
membro de uma dessas academias que eu já não me lembro do
nome.”[Roberto DaMata. O Globo, 25/10/2006]
A estrutura de uma dessas academias que eu já não me lembro do nome
é uma estratégia cortadora, uma vez que, com diz o autor, a forma que está
apenas ligando uma dessas academias com eu já não me lembro do nome.
Uma construção relativa padrão iria utilizar o pronome “cujo” como forma que
38
representa do qual/de que e estabelece a relação de posse entre nome e
academia: de uma dessas academias de cujo nome eu não me lembro.
(29)
“... tive vontade de escrever sobre um gigante (...) Um gigante que
fazia coisas terríveis que me amedrontaram mas que eu gostava
dele porque, no final de tudo, ele sempre tirava de um alforje de
couro um brinquedo...‟ [CINY, C. H. 1995:110]
(30)
“Há circunstâncias da vida que só quando passam nos perguntamos
como foi possível conviver com elas.” [Rosiska D. de oliveira. O
Globo, 27/7/2008]
Os itens “dele” e “com elas” são cópias, elementos que repetem um
gigante e circunstâncias da vida, referentes do relativo7. Uma possível reescrita para essas estruturas são, respectivamente, Um gigante que fazia
coisas terríveis que me amedrontaram, mas um gigante de que eu gostava e
Há circunstâncias da vida com as quais nos perguntamos como foi possível
conviver.
Podemos concluir que as estratégias de relativização não padrão,
cortadora e copiadora, já figuram nos manuais de gramática de autores que
reconhecem que tais estruturas são possíveis e já comuns em alguns
contextos delimitados por eles, não só de informalidade, fala espontânea e
escrita de não escolarizados (BECHARA, 1999, 2006), mas também de fala e
escrita de pessoas cultas ou “altamente escolarizadas” (MATEUS et al, 2003;
AZEREDO, 2010): as estruturas não-padrão de relativas são construções
utilizadas por falantes e escreventes escolarizados ou não.
7
Nesta tese, consideramos “Copiadora” a retomada do termo relativizado por pronome ou
sintagma nominal, diferente de alguns autores que distinguem as copiadoras que copiam
alguns traços do termo relativizado (gênero, número e pessoa) das copiadoras que são a
repetição inteira do nome (como SALLES, 2007).
39
A perda do caráter anafórico dos relativos é abordada por dois deles
(CASTILHO, 2010 E AZEREDO, 2010) que retomam Bechara (1999, 2006),
mas aprofundam a questão, discutindo que o relativo que, em construções
como as vistas, representa um simples conjuntor, um elemento que, tal qual as
conjunções, não exerce função sintática na oração a que pertence. A presente
tese tem também como objetivo verificar o status dessa forma, mostrando que
seu caráter universal de substituto dos demais não é novidade no português. A
preferência pela forma que data de séculos passados como mostrarão nossos
dados.
A abordagem de Mateus et al (2003) é de especial destaque para essa
tese porque evidencia a existência das construções não padrão no PE. A
presente pesquisa deseja comprovar a existência dessas formas no PE nos
séculos XVI, XVII e XVIII, a fim de esclarecer sobre a origem de tais estruturas:
não são só do PB, nem do século XIX, mas datam de épocas remotas.
Na próxima seção, apresentaremos resultados de trabalhos empíricos
sobre o tema.
1.2.
ESTADO DA ARTE – NOTÍCIAS DE ALGUNS ESTUDOS
As construções de relativização têm sido tema de trabalhos diversos que
estudam corpora variados. Nessa seção, apresentaremos conclusões sobre as
estruturas de relativização com intuito de revisão do tema. Acreditamos que as
informações a seguir são pertinentes a presente pesquisa, que estuda as
formas relativas em materiais dos séculos XVI ao XVIII a fim de atestar a
abrangência das relativas não-padrão, ou seja, o fato de não serem formas
40
características somente do PB e emergentes no século XIX. Nossa pesquisa
de base sincrônica (SILVA, 2005), e as de Bispo (2009), Corrêa (1998) e
Barreto (1996), nos servirão de base para realizar tal refutação e comprovar
nossa tese. Há, entretanto, outros trabalhos que merecem ser citados, de
corpora recentes, considerados importantes para nossa análise. Ora os
apresentamos:
Um ano depois dos resultados de Silva (2005), para o português carioca,
atestarem a grande produtividade das relativas de sujeito e objeto direto e os
altos índices de cortadora em oposição à padrão e à estrutura com sintagma
preposicionado (doravante, PP), Lessa-de-Oliveira (2006), nesse mesmo
contexto, atesta o resultado de 78% de cortadora na segunda metade do
século XX.
Recuando-se um pouco mais, estaremos diante de resultados similares
ao de Silva (2005) no contexto de Barros (2000) sobre a fala de João Pessoa. A
autora obteve altos índices de estruturas relativas de sujeito e OD na relativa
padrão e, nos contextos preposicionados, a cortadora somou 80% dos dados
em relação a 11% da padrão e 9 % da copiadora. Tais resultados partiam de
uma investigação sociolinguística.
Como o interesse do presente trabalho recai sobre o português europeu,
verificamos alguns resultados de trabalhos recentes dessa variedade para
corroborar nossos resultados, como os de Varejão (2006). A autora utilizou o
Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe (Cordial-Sin) para analisar as
estratégias de relativização no PE (assim como um outro fenômeno de
variação). Embora tenha atestado uma diferença positiva de 16,1% para a
padrão em relação à cortadora, ela aponta que as estruturas com dispensa de
41
preposição têm sido as preferidas, uma vez que os dados de padrão
levantados correspondem a 99% da forma onde. Só 1% dos dados representa
um contexto de preposição + relativo. Isso a leva a concluir que a preferência é
o corte da preposição (37,7% de cortadora). São, portanto, muito baixos os
casos de relativas introduzidas por preposição, assim como no português
brasileiro. Pode-se também confirmar a hipótese de que o fenômeno estudado
também é próprio do português europeu, não é exclusivo do PB. Arim, Ramilo e
Freitas (2005) são aqui tomados como referência para dados de texto escrito.
Em artigo, verificaram o crescimento da estratégia cortadora nos meios de
comunicação social do PE.
Todos esses autores, com diferentes enfoques, mostram a presença da
cortadora e da copiadora na realidade linguística de falantes e escreventes do
português. Muitos desses autores partiram dos resultados de Tarallo (1983) e
chegaram a conclusões similares. Nosso objetivo é tentar somar às conclusões
gerais ao estudarmos três séculos, em corpora ainda não pesquisados.
Mostraremos, a seguir, as hipóteses e os resultados dos estudos que
tomamos como evidência para a discussão na presente pesquisa, Silva (2005),
Bispo (2009), e Corrêa (1998). O primeiro deles é nossa pesquisa de base
sincrônica. Não pretendemos esgotá-la, nosso objetivo é retomar questões
confirmadas em dados atuais de fala e escrita, a fim de testá-las em uma
Amostra diacrônica.
42
1.2.1. As
estratégias
não
padrão
como
resultado
da
Gramaticalização – Silva (2005)
Em
estudo
sincrônico
(SILVA,
2005),
pretendíamos
analisar
o
comportamento das estratégias de relativização no português sob o prisma dos
pressupostos que discutem o fenômeno da gramaticalização. Partimos do
conceito mais elementar de gramaticalização, apontado por Kurylowicz (1965),
um “processo em que se verifica a ampliação dos limites de um morfema, cujo
estatuto gramatical avança do léxico para a gramática, ou de um nível menos
gramatical para mais gramatical, isto é, de formante derivativo para formante
flexional”. Nossa hipótese era a de que, do ponto de vista estrutural, o item que
estaria se tornando um que complementizador, semelhante à conjunção
integrante das orações subordinadas substantivas (ou completivas), ou seja,
pretendíamos analisar o estatuto gramatical do item que nas chamadas
orações relativas na perspectiva da gramaticalização, um processo pelo qual
um item lexical se torna mais gramatical ou, um item gramatical (pronome)
torna-se ainda mais gramatical (conjunção). Buscamos responder, assim, (1) se
seria um caso de decategorização (HOPPER, 1991) em que propriedades
pronominais
estariam
sendo
perdidas
e
propriedades
de
conjuntor/conector/conjunção estariam sendo assumidas. Discutimos, também,
(2)
se
o
chamado
que
relativo
estava
sofrendo
um processo
de
despronominalização (LOPE BLANCH, 1984) ou se tornando um relativo
universal (BECHARA, 1999). Para isso, precisávamos responder (3) qual o
papel da frequência (de tipo ou de ocorrência) postulado por Bybee (2003) para
a compreensão do fenômeno e (4) que fatores linguísticos e extralinguísticos
podiam ter favorecido a generalização da estratégia cortadora e a presença da
43
anáfora pronominal do SN antecedente nas estratégias copiadoras no
português falado no Brasil. Por último, queríamos saber (5) se a repetição pela
cópia do SN antecedente estaria associada ao esvaziamento ou desbotamento
semântico sofrido pelo pronome relativo que.
Estudamos o corpus “A língua Falada e Escrita da Cidade do Rio de
Janeiro” do Grupo de Estudos Discurso & Gramática (UFRJ), um material
subdividido em uma amostra oral e outra escrita. Os textos são agrupados
tipologicamente em (a) narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada,
relato de procedimento, relato de opinião e descrição de local. Tal formato
gerou um material de fala espontânea, todos falando e escrevendo sobre o
mesmo assunto, propiciando comparação entre modalidades e tipo de texto.
Os informantes eram de vários níveis de escolaridade (Fundamental, Médio e
Superior). Nossa hipótese era a de que a educação formal não estaria atuando
diretamente na escolha das relativas do português do Brasil. Partimos de uma
análise
quantitativa com esses dados sincrônicos usando a técnica
variacionista para dar um tratamento estatístico aos dados coletados.
A
adoção do Pacote de Programas VARBRUL possibilitou a comparação com
outros trabalhos que adotaram o mesmo modelo e permitiu-nos identificar os
fatores linguísticos e extralinguísticos que interferem na variação das
estratégias, na fala e na escrita.
Mostramos, a seguir, exemplos das três estratégias retirados dessa
pesquisa:
(31)
Houve uma aula em que a turma toda estava conversando e a
professora mandou eu sentar. (2/I21)
44
(32)
Aconteceu com
academia.(3/I1)
um
grupo
de
amigos
que
eu
faço
(33)
...aí o médico me atendeu...mandou passar um remédio que era pra
tomar banho com ele. (4/I49) [aí o médico me atendeu e mandou
passar um remédio com o qual era para tomar banho]
Em (31), temos uma estratégia padrão, na qual a preposição em antecede
o relativo que estabelecendo a construção sintática “a turma toda estava
conversando na aula”. No caso do exemplo (32), temos a estratégia cortadora,
construção que “corta” a preposição (“com”) exigida pelo verbo da oração
relativa (“era pra tomar banho com o remédio”). Por último, apresentamos um
caso de estratégia copiadora, em (33), estrutura na qual o SN relativizado é
repetido dentro da cláusula relativa: um remédio que era pra tomar banho com
ele em vez de um remédio com o qual era para tomar banho.
Verificamos que, nas construções de relativização estudadas – padrão,
cortadora e copiadora – o item que era o mais produtivo. Em toda a Amostra,
registramos 750 casos da forma que para três casos de o qual. A escassez de
dados do relativo o qual e flexões evidenciou, para nós, a perda ou
neutralização do traço flexional, propriedade remanescente dos relativos.
As propriedades da flexão e de exercer função sintática na oração relativa
são as características que distinguem os relativos das conjunções. Assim, a
verificação da ausência de concordância também foi interpretada como causa
para o esvaziamento semântico do pronome e para a perda de seu caráter
anafórico, para nós, um caso de decategorização proposto por Hopper (1991).
Segundo ele, esse processo pressupõe neutralização das marcas morfológicas
45
(flexão) e das propriedades sintáticas (pronome relativo como termo da oração
subordinada).
A forma que foi a mais produtiva dentre os pronomes relativos. Das 813
orações levantadas no corpus mencionado, 93% foram com que (como já
falado, 750 dados). Essa maior produtividade fez-nos confirmar seu caráter de
relativo
universal,
segundo
Bechara
(1999),
e
o
seu
processo
de
despronominalização (LOPE BLANCH, 1984). Blanch (1984) explica a
soberania da forma que nos casos de despronominalização, assim, a escolha
por esse item se dá por ser ele desprovido de flexão e coincidente com a
conjunção introdutora das orações subordinadas completivas (substantivas).
A nossa hipótese sobre o papel da frequência, postulada por Bybee
(2003), nos processos de gramaticalização é a de que a repetição da estratégia
cortadora associada à frequência de uso das relativas de sujeito (420/813)
acionou a gramaticalização ou despronominalização do que relativo.
O
aumento da frequência de uso dessa construção pode ter desencadeado o
processo fazendo com que “a sequência estrutural da cortadora se torne
automática como uma única unidade de processamento” (SILVA, 2005, p.71).
Teríamos a ritualização, hábito, ou automação de um tipo de estrutura.
Baseados, ainda, em Bybee (2003), observamos o relevante papel da
frequência de uso na explicação do fenômeno. A frequência de uso da relativa
de sujeito e objeto direto, 503 dos 813 dados, pôde justificar, de acordo com
nossa interpretação, a alta produtividade das relativas cortadoras. Em toda a
Amostra, no contexto de sintagma preposicionado, propício à ocorrência das
três estratégias, as cortadoras representaram 71%, ou seja, das 310 relativas
46
preposicionadas, 220 foram cortadoras. Houve um processo de generalização
da estrutura de sujeito para as demais funções sintáticas preposicionadas, pelo
fato de ambas apresentarem o mesmo output fonético: iniciadas pelo item que
seguido de verbo. Tal situação motivou nossa iniciativa de controlar, na
presente pesquisa, a estrutura QUE + verbo em relação à concorrente QUE +
material interveniente + verbo. Buscamos atestar se essa generalização de
estrutura já ocorria nos séculos controlados (XVI, XVII e XVIII).
A estratégia cortadora é a mais produtiva nos contextos de sintagma
preposicionado e a copiadora é mais usada na modalidade falada, dos 20
casos identificados, 18 foram em textos orais. Em relação à estratégia
copiadora, tínhamos como hipótese ser a cópia uma necessidade discursiva,
ou seja, o falante copia o SN antecedente na oração relativa pelo fato de não
estar óbvio seu caráter anafórico ou facilmente resgatável. Desejávamos testar
se a cópia era produzida em qualquer contexto ou condicionada a algum fator.
Nesse caso, confirmamos os resultados de Mollica (2003) quando atestamos
que as funções que mais favorecem a cópia são, respectivamente, adjunto
adnominal, adjunto adverbial e sujeito.
Consideramos a importante contribuição de Gouvêa (1999) e Mollica
(2003). Esta, em estudo de Painel e de Tendência, mostra que a incidência da
cópia é favorecida pela distância, pois estaria vinculada a princípios de
processamento linguístico relacionados à clareza comunicativa. Aquela mostra
ocorrências de relativas não padrão no registro culto atual, textos jornalísticos
como editorial, opinião e crônica.
47
Para testar a atuação da escola na aquisição das relativas, formulamos e
aplicamos um teste de reconhecimento a alunos do sétimo e nono ano do
Ensino Fundamental e aplicamos dois exercícios a estudantes do nono ano
(um de encaixamento de oração subordinada na oração principal e, outro, de
correção, quando necessário). A análise dos testes e dos exercícios apontaram
a preferência pelas construções não padrão em detrimento à padrão e pelo
relativo universal que, como em outros trabalhos abordados naquela
dissertação.
Todos esses resultados levaram-nos a testar, na presente tese, se a
situação das estratégias de relativização evidenciada em corpus sincrônico
seria um reflexo de uso variável de relativas em sincronias passadas. A
questão da frequência de uso, postulada por Bybee (2003), será retomada a
fim de verificarmos se, em dados diacrônicos, podemos também pensar em
generalização de estrutura.
Na seção seguinte, apresentaremos os recentes resultados de Bispo
(2009) em relação à estratégia cortadora.
1.2.2. A estratégia cortadora sob a perspectiva cognitivo-funcional –
Bispo (2009)
O estudo mais recente a ser visitado nesse trabalho é o de Bispo (2009).
O autor chegou a interessantes conclusões que dialogam com muitas outras,
ainda que tenha, em sua tese, dado um enfoque diferente dos demais. Bispo
(2009) investigou as estratégias de relativização do Português Brasileiro, em
48
especial a estratégia cortadora. Levantou todas as relativas do corpus D&G
Natal e do D&G do Rio de Janeiro e as analisou sob a perspectiva cognitivofuncional. Enfatizando a oposição entre cortadora e a forma padrão em
contextos preposicionados, o autor utilizou fatores diversos como o nível de
escolaridade dos informantes, a modalidade da língua, o relativo empregado, o
papel sintático por ele assumido, o tipo de verbo ou nome regente e da
preposição suprimida, o nível de integração sintático-semântico entre a relativa
e a oração principal e, por fim, a classificação em explicativas e restritivas.
O pesquisador testou os três níveis de escolaridade - Fundamental, Médio
e Superior – e verificou a vitória da cortadora em todos esses níveis, nos
ambientes preposicionados. Uma diferença detectada foi a de que, no corpus
do Rio de Janeiro, a maior incidência está entre os informantes do Ensino
Fundamental. Nos dados de Natal, verificou maiores índices no Ensino Médio.
Interessou-nos muito o comentário de Bispo (2009) sobre seu resultado.
Segundo ele, opta-se pela cortadora por questões de redução de esforço de
elaboração e processamento – levando-se em consideração a estratégia
padrão preposicionada – seria menos custoso cognitivamente.
Na escrita, entretanto, ele atestou a vitória da estratégia padrão
preposicionada em relação à cortadora e justifica tal resultado a partir da
propriedade “formalidade”, comum à escrita. Esse resultado fez-nos pensar a
respeito dos nossos corpora, cartas do século XVI ao XVIII e gazetas do século
XVIII. Se a escrita, segundo o raciocínio do autor, seria ambiente menos
favorável ao surgimento da relativa cortadora, já é de se esperar que, nos
textos escritos selecionados, os índices da cortadora sejam baixos, situação
agravada pelo fato de serem textos de sincronias passadas, principalmente por
49
se tratar, em nossa pesquisa, em alguns casos, de remetentes distintos,
portugueses, dos séculos mencionados. Ainda assim, nossos resultados
mostrarão a maneira como as estratégias cortadora e copiadora também
conquistaram seu espaço, ainda que em menos proporção do que o detectado
em Bispo (2009).
O autor busca uma justificativa para explicar o resultado extremamente
alto da forma que nos dados da cortadora, ou seja, para o fato de a cortadora
ocorrer quase exclusivamente com esse pronome. Segundo ele, isso se dá
porque o pronome que e a cortadora são estrutural e cognitivamente menos
complexos, logo, mais frequentes que os concorrentes o qual e a forma padrão
preposicionada, respectivamente. Em 2005, analisamos uma conclusão
semelhante, quando relacionou a grande incidência de cortadoras às
ocorrências de relativas de sujeito e objeto direto – o mesmo output fonético,
como observara Corrêa (1998). Bispo (2009) considerou a grande demanda de
tempo de produção e processamento que envolve as formas o qual e a relativa
padrão preposicionada.
Na seção seguinte, apresentaremos algumas discussões de Corrêa
relevantes ao nosso trabalho.
1.2.3. A estratégia de relativização padrão como resultado da
educação formal - Corrêa (1998)
Corrêa (1998), em estudo sobre as estratégias de relativização no
português do Brasil, aponta como realidade linguística dessa variedade a
variação existente entre estratégias vernaculares, utilizadas pelos que não
50
frequentam a escola, e a estratégia preposicionada, aprendida por meio de
educação formal. Assim, a autora conclui que a relativa padrão acontece sob
condições de ordem social como falante homem, de idade madura,
preferencialmente alto nível de escolaridade, atuação em profissão que exija
bom desempenho linguístico e situação de formalidade.
Nessa perspectiva, outras descobertas foram feitas pela autora que
pesquisou a fala e a escrita de escolares do Ensino Fundamental e Médio e de
falantes cultos e comprovou que são necessários muitos anos de escolarização
para se adquirir a relativa padrão preposicionada. Ela explica que isso se dá
porque a diferença entre as formas relativas se encontra no limiar entre o
estritamente sintático e o discursivo, ou seja, a diferença estaria na posição
sintática que o termo a ser relativizado ocupa: na relativa padrão, dentro da
sentença; na vernacular, fora da sentença, dispensando o uso da preposição
(posição mais acessível). Relativizar, segundo o que prescreve a norma, seria,
para Corrêa (1998), passar da sentença (A) para (B):
(A)
(34)
(B)
(35)
Não-padrão:
...pessoasi [CP quei [Top (t)i [IP a gente tem mais intimidade (Ø)
/com elasi]]
(pr. lembrete)
(vestígio)
Padrão:
...pessoasi [CP com quemi [IP a gente tem mais intimidade (t)i]]
(vestígio)
51
A diferença das estratégias (não de gramáticas, segundo a autora) está
na posição que o termo a se relativizado ocupa. Em (B), esse termo é extraído
de dentro da relativa e o limite da sentença está marcado pela categoria
gramatical IP. No caso de (A), a posição a ser relativizada está fora de IP,
conforme se verifica pela flecha totalmente à esquerda dessa categoria.
Dessa forma, adotando a descrição de Kato (1991), Corrêa apresentou
como hipótese que as crianças e os não escolarizados dominam apenas a
estratégia vernacular (relativização dos elementos deslocados). A padrão
(relativização de termos de dentro da sentença) significa uma ampliação de
recursos fornecida pela educação formal e é adquirida na escola tardiamente.
Outra questão abordada pela autora, de extrema importância para
presente tese, é o tratamento dado às relativas de sujeito e objeto direto.
Baseada em Tarallo (1983/86) que assume, para essas estruturas, a mesma
análise proposta para a cortadora – “são ambas introduzidas pelo
complementizador que e apresentam um vazio (“gap”) internamente” (p. 139) –
a autora comenta que “a posição de sujeito e a de termos deslocados estão tão
próximas que ambos os termos oferecem um mínimo de dificuldade de
processamento na relativização” (p. 84). Em 2005, adotamos essa perspectiva
para relacionar os altos índices de construções relativas padrão de sujeito e
OD à preferência pela relativa cortadora em contextos de sintagma
preposicionado. O fato de terem o mesmo output fonético da estratégia
cortadora permite ao falante copiar a estrutura “QUE + verbo” nos ambientes
de PP, ou seja, a frequência de uso das relativas de sujeito e OD, construções
extremamente produtivas na língua, desencadeia a produção de construções
relativas de sintagma preposicionado sem a preposição. Essa questão é
52
retomada neste trabalho a fim de se verificar se o mesmo acontecia nas
sincronias pesquisadas.
Os estudos de Corrêa (1998) se assemelham a análise de Kenedy (2007)
quanto à variação que ocorre no sistema do PB. Além de apontarem a
escolarização
como
única
forma
de
aquisição
da
relativa
padrão
preposicionada, os autores compartilham da visão de que as variantes nas
relativas não são exclusividade dessa variedade. Kenedy (2007) cita as línguas
espanhola, francesa e inglesa e Corrêa (1998) destaca o francês de Montreal e
o inglês indiano sul-africano em estudos de Mesthrie & Dunne (1990), para este
e Lefebvre & Fournier (1978), Lefebvre (1982) e Bouchard (1982), para aquele.
Considerado dialeto, o inglês sul-africano apresenta características
distintas de outras variedades dessa língua por conta das condições sociais,
chamadas por Corrêa (1998) de condições imperfeitas para aprendizagem.
Pode-se dizer, ainda, que é uma variedade que se destaca pelo substrato das
línguas indianas nativas faladas pelos mais velhos em casa. Há, segundo ela,
dois extremos: os mais velhos, não-escolarizados, falantes dessa língua
considerada não-padrão e os mais jovens, cultos, cuja tendência é ao padrão
do inglês internacional.
Corrêa (1998) mostra a descrição realizada por Mesthrie & Dunne (1990)
que registram uma grande diversidade de estratégias de relativização
agrupadas em quatro variedades: as relativas do tipo padrão, que ocorrem com
vários tipos de relativos e seguem o uso internacional do inglês (elas não foram
contempladas no estudo); as relativas quase padrão, que apresentam dois
53
tipos de estruturas; as relativas governadas pelo discurso; e as relativas
influenciadas pelo substrato.
Em relação às relativas quase-padrão, a distinção dos dois grupos
identificados se dá pela presença/ausência do relativo. O primeiro tipo
apresenta relativo e é semelhante às relativas padrão, já que só se distinguem
pela escolha do relativo: as padrão usam that, 0, who, whom, when e where e
as quase padrão do tipo 1 usam what, which one e which. No segundo grupo, o
sujeito é relativizado com pronome relativo zero: são as chamadas relativas de
contato.
Apresentam-se, a seguir, exemplos dos dois modelos de relativas
quase padrão traduzidos por Corrêa (1998):
(36)
This is my daughter which left school.
Esta é minha filha que deixou a escola.
(37)
You saw that-one died?
Você viu aquele-um [que]morreu?
Por transferência das línguas originais, há as relativas influenciadas pelo
substrato com correlativos (38), pronominal sem pronome relativo (39), e
estratégia participial (40) como apresentamos a seguir:
(38)
Which-one I put in the jar, that-one is good.
O [e.g. picles] que eu pus no pote, esse é bom
(39)
That‟s all we had trouble.
Isso é tudo [com que] nós tivemos problema
(40)
That Neela‟s-knitted Jersei is gone White.
O Jérsei tricotado da Neela ficou branco
54
Segundo os autores citados por Corrêa, nas relativas governadas pelo
discurso, estão incluídas as quase-relativas (near-relatives) (41), as com
pronome resumptivo (42), as de topicalização/aposição pronominal (43) as
“preposition chopping” (44) e as paratáticas com possessivos (45). Sem dúvida,
no exemplo (42), relativas de pronome resumptivo e em (43) relativas de
“preposition chopping”, estamos diante das estratégias copiadora e cortadora,
respectivamente, atestando, assim, a variação das relativas em outras línguas.
Observemo-las a seguir:
(41)
How the man, doctors cut him, He woke up and got up...
Como o morto, os doutores o cortaram (cortaram ele), acordou e
levantou-se
(42)
I was a girl that I always used to red in the bus.
Eu era uma garota que eu sempre costumava ler no ônibus
(43)
One chap Who used to stay here, He was a builder – Arjun.
Um rapaz que costumava ficar aqui, ele era um construtor – Arjun
(44)
I‟m very well versed with Afrikans, but trere‟s nobody I can speck .
Sou bem versado com africanos, mas não há ninguém que eu posso
falar.
(45)
You like my shirt I bought?
Você gosta [da] minha saia [que] eu comprei?
Sobre as relativas do francês de Montreal, Corrêa apresenta (in
LEFEBVRE & FOURNIER, 1978) as duas formas peculiares à língua, a padrão
e a popular. No entanto, segundo os autores, essas formas relativas convivem
no mesmo sistema, sendo utilizadas pelos falantes indiscriminadamente como
possibilidades legítimas de comunicação. Comentam que há pessoas que
mudam de uma estrutura para outra numa mesma sequência de fala. Assim,
55
segundo eles, as formas padrão e vernacular partem de um mesmo sistema e
não de dois sistemas diferentes. Essa perspectiva nos interessa, uma vez que
desejamos mostrar que as relativas não padrão não são exclusivas do sistema
de uma variedade do português, o PB. Nossa hipótese é a de que também no
PE as relativas pertençam ao sistema no interior do qual se permite a variação
(KATO, 1981). Mostramos, a seguir, as traduções de Corrêa para os exemplos
dos autores das duas estruturas (em A, formas padrão e, em B, formas
coloquiais que identificamos como cortadora e copiadora, respectivamente.):
(46)
c‟était Le milieu dans lequel j‟étais habitué de vivre
era o melhor em que eu estava habituado de viver
(47)
ceux pour qui j‟ai Du respect
aqueles por quem eu tenho respeito
(48)
la seule affaire dont jê me souvienne beaucoup
o único assunto que eu me lembro mais
(49)
c‟est une revue qu‟il y a aucume annonce dedans
é uma revista que lá há nenhum anúncio dentro
(50)
outros (ceux que j‟ai du respect pour eux autres
aqueles que eu tenho respeito por esses
O francês de Montreal, segundo Bouchard (1982, in CORRÊA, 1998)
apresenta dois tipos de relativas, uma padrão e uma vernacular. A relativa
padrão é encabeçada por um pronome relativo. A vernacular é introduzida por
um complementizador que e apresenta um pronome anafórico que pode estar
ausente na superfície. Nesse último caso, a sua preposição, se for fraca (à,
de), desaparece e, se for forte (dessus, avec,...), permanece.
56
O estudo de Lefebvre (1982, in CORRÊA, 1998), intitulado “À propôs de
La fille dont que jê sors avec ou I’acquisition des constructions relatives avec
WH”, é de extrema importância para a presente tese, uma vez que a autora, a
fim de comprovar que os três tipos de relativas apresentados por ela são
possíveis nas línguas naturais, busca exemplos do francês dos séculos XV a
XIX. C. Lefebvre (1982) ressalta que as formas não padrão existiam no francês
desse período e sobreviveram no atual mesmo com a proibição dos puristas,
conforme verificamos em seus exemplos a seguir:
Século XV:
(51)
“car La pluye les chargeait tant qu‟il n‟y avoit celuy à qui le logie ne
luy tradist”. (Damourette et Pichon. Le Romant de Lehan de
Paris:52)
Século XVI:
(52)
“...sans que la division d‟entre eulx paisse convier les aultres
inférieurs de nourrir les brigues et pertialités où ils y ont depuis ung
an continuellement vescu.” (Damourette et Pichon, Charles IX.
Instruction du sieur de Biron allant em Provence, 7 déc. 1563, dans
la Correspondence du Maréchal Armand de Gontant-Biron no.
6>221). (op.cit., exs. (19 e 22))
Segundo Corrêa, Lefebvre (1982) se apóia na teoria de Bouchard (1982a)
e seleciona, para estudo das relativas, uma amostra com 20 adolescentes do
Centro-Sul de Montreal, a fim de responder sobre o que devem aprender os
falantes do francês vernacular para produzirem as construções relativas
padrão. Foi aplicado, para esses adolescentes, um teste de elicitação de
relativas e testes de repetição e paráfrase. Resultaram desse teste a
57
construção padrão de relativa (53) e construções não-padrão (54 e 55).
Observemos algumas delas traduzidas por Corrêa:
(53)
La table sur laquelle est déposé um pinceau.
A mesa sobre a qual está depositado o pincel.
(54)
Celle (la table) qu‟il y a um chevalet dessus.
Aquela (a mesa) que há um cavalete em cima
(55)
Celle (a Maison) qu‟il y a dês personnages dedans.
Aquela (a casa) que há personagens dentro.
Os três tipos de testes apresentaram relativas do tipo padrão (53) e não
padrão (54 e 55) que reconhecemos como copiadoras cujas cópias seriam
dessus (“em cima”) e dedans (“dentro”). Em (54), a equivalente padrão, em
português, seria Aquela sobre a qual há um cavalete e, em (55), Aquela em
que/dentro da qual há personagens, construções que dispensariam, nas duas
línguas, as anáforas mencionadas.
Segundo Lefebvre (1982), essas
construções demonstram uma aquisição incompleta do sistema de relativas
que os falantes devem usar num estilo, chamado por ela, de “vigiado”; seriam
“erros de competência” em detrimento aos de “performance/desempenho”.
Corrêa explica que, para a autora, erros de competência são “dados de
aquisição do dialeto padrão, que se processa em estágios” (p. 26). O
procedimento na amostra constituída pela autora estaria justificado pelos três
tipos de oração, distribuídos em função da idade dos falantes: os mais jovens
usam as frases não padrão, os mais velhos as padrão e algumas do tipo (54).
Algumas pessoas usam os três tipos (53, 54 e 55). Para Lefebvre é, no sentido
de Labov (1972a), a diferença entre competência ativa e passiva. Segundo a
autora, as frases dos tipos (53), (54) e (55) constituem estágios de aquisição
58
das relativas com a palavra-Q preditos pelas diferenças lexicais entre os dois
dialetos. Mostramos, a seguir, os estágios retirados de Corrêa (1998):
“a) Inserção de um pronome relativo no início da oração.
Inicialmente, esse pronome relativo é a palavra universal dont para
todas as funções, porque o falante ainda não tem uma lista
exaustiva e uma definição completa em termos de traços das
palavras relativas. Nesta fase, a anáfora é necessária para indicar a
função do SN relativizado.
b) Aquisição das palavras relativas no léxico, marcando a função
relativizada na frase. A anáfora torna-se redundante nesta fase.
c) Não inserção da anáfora na frase encaixada, pelo reconhecimento
da não-gramaticalidade da frase com relativo e anáfora. Esta fase
revela a aquisição de um filtro que proíbe frases em que uma
mesma função se exprima duas vezes no interior da mesma
sentença.” (CORRÊA, 1998, p.27)
Corrêa (1998) fecha sua análise dos estudos de Lefebvre ressaltando a
semelhança que há entre os tipos de relativas do português e do francês de
Montreal nas fases atual e passada. Depois de apontar semelhanças, a autora
mostra como uma das diferenças o fato de, em seus dados, não haver casos
de pronome resumptivo com outros pronomes que não o que, como também
observamos em estudo com dados sincrônicos (SILVA, 2005).
Essas e outras questões de Corrêa (1998), como já dito, corroboram a
presente pesquisa e deverão, no momento da análise, ser retomadas para
comparação e embasamento.
59
1.2.4. As estratégias de relativização na Demanda do Santo Graal –
Barreto (1996)
Em um estudo sobre as estruturas relativas, Barreto (1996) apresenta
resultados interessantes para as pesquisas sobre o assunto. O primeiro deles é
a já preferência pela forma que, nas funções de sujeito e objeto direto, situação
evidenciada em estudos sincrônicos. Vejamos, a seguir, exemplos com essa
forma nos corpora mencionados:
(56)
... e seg deziam eses que La foram folgauam com eles./ (fol. 8v, l.
17-8) – Carta de Caminha.
(57)
... e pensade em este milagre que nosso Senhor nos mostrou.
(Cap. CCVI, l. 12-) – Demanda do Santo Graal.
As construções estudadas não foram encontradas na Carta de Caminha,
no entanto, na Demanda do Santo Graal, foram encontradas estruturas
copiadoras na função de objeto direto e cortadoras, como mostramos abaixo:
(58)
Entam leeo as letras que ambos as ouvirom... (Cap. CCVIII, I. 29)
(59)
...eu te conheço por tam santo homem e por tam leal sergente de
nosso Senhor que se tu o rogares...(Cap. CCVI,I,33)
(60)
Aquel dia maesmo que esto foi aveo que rei Boorz chegou _(Cap.
DCCIX, 128).
60
Como podemos observar, nas estruturas (58) e (59), as e o são formas
que repetem, respectivamente as letras e nosso Senhor. São estruturas que
conhecemos, atualmente, como relativas copiadoras, nas quais se verifica a
repetição do termo antecedente na cláusula relativa.
Em (60), notamos uma estrutura relativa de função preposicionada. Tratase de uma relativa de adjunto adverbial, na qual “cortou-se” a preposição que
deveria anteceder o termo “Aquel dia”. A estrutura seria Aquel dia maesmo em
que esto foi...
Como já dito, as conclusões de Barreto (1996) estão sendo consideradas
no presente trabalho por se tratar do mesmo assunto e, principalmente, por se
tratar de corpora antigos. Mais adiante, veremos estruturas encontradas nos
corpora do século XVI compatíveis às encontradas pela autora.
Na seção seguinte, apresentamos dois estudos que consideramos
relevantes para discutirmos o comportamento das estratégias não-padrão no
PB.
1.3. DE ONDE VÊM AS CORTADORAS?
Dentre os trabalhos que foram escritos nos últimos anos considerados de
base para o estudo das estratégias de relativização, consideramos a
importância de observar os de Tarallo (1983), em virtude da discussão de
algumas hipóteses que serão revistas na presente tese, e o de Kenedy (2007).
Ambos os autores apresentam propostas teóricas que justificam a existência da
relativa cortadora e a ausência da estratégia padrão preposicionada na
gramática
do
PB.
Para
Tarallo,
essa
ausência
da
relativa
padrão
61
preposicionada se dá por questões de movimento e sistema pronominal. Para
Kenedy, essa estratégia não é natural em língua alguma. Assim, abordaremos
os dois trabalhos, a fim de observar que hipóteses se relacionam com a nossa.
1.3.1. Proposta de Tarallo (1983)
Tarallo (1983), dentre outros materiais de fala, utilizou, como corpus,
cartas e textos literários referentes à segunda metade do século XIX. Seus
dados constatam que, em contextos preposicionados, a estratégia cortadora
havia suplantado a padrão depois de entrar em concorrência com ela (como ele
mostra em tabela na página 207). O autor analisa a cortadora como sendo “o
resultado de uma intensa mudança no sistema pronominal iniciada no século
XIX, segundo a qual os pronomes começaram a ser apagados nas orações
principais, das posições de sujeito e objeto direto (posições mais altas) até as
mais baixas da escala sintática, movendo-se para as orações relativas e outras
orações subordinadas (Tarallo, 1983, p.7, tradução livre). Tarallo (1983)
mostrou, na tabela adaptada a seguir, que, dos 178 dados do século XIX,
59,5% eram de relativas cortadoras, contra 35,4% de relativas padrão e 5,1%
de copiadoras:
62
Estratégias de relativização em contexto preposicionado
(adaptada de Tarallo, 1983, p. 207)
Estratégias
Séc. XIX
Padrão
63 / 35,4 %
Cortadora
106 / 59,5 %
Copiadora
9 / 5,1 %
Total
178 / 100 %
A tabela, extraída de Tarallo (1983, p. 207), demonstra os percentuais
alcançados por cada forma no século XIX. Segundo o autor, as relativas
cortadoras, surgidas nesse século, são uma inovação do PB. A estratégia
padrão preposicionada seria a forma relativa mais produtiva na língua até o
século XVI e cedeu seu lugar à cortadora que passa a ser a estratégia
preferida do PB. Sua evolução no PB é mostrada por Tarallo (1983) na tabela a
seguir:
Estratégias de relativização ao longo de textos dos séculos XVIII e XIX
(adaptada de Tarallo, 1985: 371).
1725
1770
1825
1880
Ppp
89.2%
88.1%
91.3%
35.4%
Resumptivas
9.9%
7.9%
1.3%
5.1%
Cortadoras
0.9%
4%
7.5%
59.5%
63
A relativa cortadora, de acordo com a compreensão do autor,
praticamente inexistia no século XVIII (0,9% em 1725 e 4% em 1770) e, nos
textos do século XIX, passa a ser a mais produtiva (quase 60% em 1880).
Para Tarallo, houve uma mudança na gramática do PB que passou a
derivar as relativas na base, sem regras de movimento, através da aplicação
de regras de retenção ou elipse pronominal. Ou seja, as relativas cortadoras
seriam resultado da elipse de um constituinte pronominal de base (pronome coreferencial ao nome relativizado), a estrutura de cópia (estratégia copiadora), e
da elipse da preposição, ou seja, a variação entre as estratégias não-padrão
ocorre pelo eventual apagamento do resumptivo em todas as posições e da
preposição nas posições mais baixas. Nesse caso, a partícula introdutória das
variantes não-padrão, o que, é analisada como complementizador e não um
pronome relativo.
O presente trabalho também utiliza corpora diacrônicos, desejando
contribuir com estudos gerais sobre as relativas ao apresentar conclusões
dessas estratégias do século XVI ao XVIII, na escrita de portugueses.
Somaremos informações a respeito do português europeu aos trabalhos que
abordam essa variedade da língua. Para os estudos sobre o PB, a contribuição
será a rediscussão de ideias sobre a frequência da cortadora no PE se dever à
influência do PB sobre os falantes do PE, como também discute Kenedy
(2007), ou seja, como atribuir ao PB a origem das estratégias de relativização
não padrão se as encontramos na escrita de portugueses nos séculos XVI,
XVII e XVIII? A nossa hipótese é a de que tais estratégias já figuravam na
escrita de portugueses ao longo dos séculos mencionados não podendo,
portanto, ser consideradas inovações do PB.
64
Passaremos a discutir trabalhos que mostram que as construções de
relativização não padrão não são características apenas do sistema do PB, são
próprias do português. Na verdade, fazem parte dessa gramática por questões
linguísticas e extralinguísticas demonstradas em diferentes estudos a partir de
maneiras
diversas
antinaturalidade
de
(gramaticalização,
forma
padrão
questões
preposicionada
cognitivo-funcional,
e
necessidade
de
escolarização). Cada teoria tenta explicar, de uma maneira distinta, o fato de
não haver relativa padrão preposicionada no PB. A seção seguinte descreve a
pesquisa de Kenedy (2007) sobre a antinaturalidade da estratégia padrão
preposicionada.
1.3.2. Proposta de Kenedy (2007)
Kenedy (2007) pesquisou a concorrência de duas estruturas de
relativização em contexto preposicionado: a estrutura padrão preposicionada,
(pied-piping), e a estrutura cortadora. Segundo Kenedy (2007), as pessoas só
aprendem a usar a estratégia padrão preposicionada (doravante, pied-piping)
através da escolarização e de outras formas de letramento. Para ele, sem
escolarização não se aprende tal estrutura. A partir dessa hipótese, o autor
defende a antinaturalidade pied-piping, ou seja, para Kenedy, as estruturas
padrão de sintagma preposicionado são contrárias à natureza minimalista de
CHL8 e não podem ser geradas por nenhuma gramática.
Kenedy (2007) assume uma clara postura a favor da antinaturalidade da
relativa padrão preposicionada não só no PB, como também no PE. Baseado
8
CHL - Sistema Computacional da Linguagem Humana (Human Language Computational
System)
65
em diversos estudos (cf. PÉREZ-LEROUX, 1995; CF. LABELLE, 1996; CF.
MCDANIel et al, 1998), Kenedy alega que tal forma é naturalmente impossível
em línguas como o espanhol, o francês e o inglês. Segundo ele,
provavelmente, em qualquer outra língua natural, ou seja, de acordo com essa
hipótese, é impossível a derivação natural das relativas pied-piping pelo
Sistema Computacional da Linguagem Humana (CHL). Assim as estratégias
cortadora e copiadora bloqueiam a pied-piping na derivação de uma relativa
preposicionada por questão de “Condições de Economia” do Sistema
Computacional.
A hipótese do autor está baseada em três aspectos. O primeiro deles é o
Programa Minimalista (Chomsky, 1995)9. O segundo ponto é a inexistência das
relativas pied-piping na fala natural de crianças, de analfabetos e de indivíduos
pertencentes a comunidades ágrafas, ou pessoas altamente letradas, mas
inseridas em contextos de uso espontâneo da linguagem. O autor a interpreta,
dessa forma, como um fenômeno naturalmente impossível. Segundo ele,
relativas pied-piping não podem existir na gramática das crianças, tampouco na
Faculdade de linguagem que emergiu na evolução do homo sapiens.
Por
último, baseia-se em dados de experimentos psicolinguísticos de julgamento
imediato de gramaticalidade e leitura auto-monitorada em falantes do PB e PE,
de vários níveis de escolaridade.
O autor sustenta que tal estrutura sintática não pode fazer parte da
competência linguística natural (core-grammar) dos falantes de uma língua
humana – as orações relativas preposicionadas padrão ou Prepositional PiedPiping (doravante Ppp). Isso porque uma gramática natural é incapaz de gerar
9
Para maiores detalhes, ver Kenedy (2007, p. 16)
66
por si mesma tal estrutura. Apesar de figurarem nos manuais de sintaxe das
línguas portuguesa, inglesa, espanhola e francesa, como parte natural de suas
gramáticas, para ele, a Ppp em relativas não pode existir naturalmente na
gramática dessas línguas, e, possivelmente, em nenhuma outra língua
humana. Para Kenedy (2007), essa impossibilidade de se gerar naturalmente a
relativa padrão preposicionada se dá pelo fato de haver uma violação das
Condições de Economia da Linguagem (CHOMSKY, 1995) – o Princípio Move
F (formalizado por RADFORD, 2004, p. 216). É antinatural porque seu uso é
resultado de uma estratégia cognitiva e só pode ser aprendida artificialmente,
pelo contato com a língua escrita formal (por essa razão, a antinaturalidade de
pied-piping em orações relativas).
Abertamente o autor se opõe à ideia de que os sistemas de relativização
do PB e do PE sejam diferentes, sendo inexistente só no PB a relativa
preposicionada padrão. Essa perspectiva vai ao encontro do que se postula na
presente tese, uma vez que desejamos mostrar ocorrências de relativização
não padrão também na escrita de portugueses, no século XVI ao XVIII.
Confirmando a existência das relativas preposicionadas não padrão na escrita
portuguesa de sincronias passadas, retificaremos a hipótese de que tais
estruturas sejam exclusivas do PB. Segundo Kenedy, a produtividade de
relativas padrão no PE explica-se em virtude de fatores artificiais, como o
letramento/escolarização. Como já mencionado na introdução desta pesquisa,
consideramos a estratégia padrão preposicionada uma forma artificial, ou seja,
resultado do formalismo da escrita. Uma estrutura que só pode ser aprendida
artificialmente pelo contato com a língua escrita formal. Assim, defendemos
que, nos séculos estudados, havia variação entre as estratégias de
67
relativização no PE, diferente do que defende Tarallo (1983). Não se trata de
considerá-la uma estratégia antinatural nos padrões de Kenedy (2007) –
estrutura impossível de ser derivada pela gramática por ferir as condições de
economia do sistema – pois não é objetivo deste trabalho discutir como se dá a
derivação de uma estrutura relativa, mas sim de apresentar o comportamento
das relativas ao longo dos séculos.
Mostramos, a seguir, a hipótese formulada pelo autor:
“Hipótese APP10 – Relativas Ppp são bloqueadas por CHL e não existem nas
línguas naturais.”
Os resultados de tal bloqueio, no PB, são, segundo o autor, estruturas
como as apresentadas a seguir:
(61)
O assunto que o professor falou na última aula. (cortadora)
(62)
O assunto que o professor falou dele na última aula. (resumptiva)
Kenedy (2007) também comenta sobre uma estrutura relativa denominada
Pst (“Prepositional-stranding”, em português, “Abandono da preposição”) que
sofre stranding, do tipo “O assunto que o professor falou de na última aula”,
licenciada no inglês. Em português, na visão do autor, as relativas Pst seriam
licenciadas em ambientes restritos, sendo possível, por exemplo, com
preposições como sem e sobre
10
com valor lexical evidente e que não se
Hipótese da Antinaturalidade de Piedpiping em Orações Relativas (em inglês The
Antinaturality of Piedpiping in Relative Clauses Hypothesis).
68
apresentem amalgamadas a determinantes. Com preposições funcionais,
principalmente as que são amalgamadas a determinantes, como de e em, tais
relativas seriam impossíveis, conforme observamos a seguir:
(63)
É uma coisa que eu não posso ficar sem.
(64)
*É uma coisa que eu não posso ficar.
(65)
*É um lugar que quero ir em.
(66)
É um lugar que eu quero ir.
Kenedy (2007) conclui que as relativas Pst são uma derivação natural no
inglês norte-americano e, no português, as cortadoras e resumptivas seriam
interpretações da Pst com diferentes tratamentos em PF 11 igualmente capazes
de bloquear Ppp.
Para argumentar a favor da hipótese da antinaturalidade da estratégia
padrão preposicionada, o autor apresenta, como já dito, estudos de autores no
inglês, no francês canadense e no espanhol, os quais passamos a mostrar.
McDaniel et al. (1998) realizou um estudo com 115 crianças de 3 a 11
anos, cuja língua era o inglês norte-americano. Segundo esse estudo, não é
possível a construção, em inglês, das relativas Ppp por violar as Condições de
Economia de CHL. A pesquisa consistiu nos experimentos Produção de fala
11
PF = Phonetic Form, em português, “Forma Fonética”.
69
induzida e Julgamento de Gramaticalidade, aplicados aos mesmos sujeitos.
Este consiste na apresentação oral de frases aos sujeitos que são orientados a
julgar tais frases como aceitáveis ou inaceitáveis a partir de sua percepção.
Aquele consiste em provocar a fala do sujeito por meio de contextos
comunicativos que induzem a descrição de cenários.
Houve uma seleção criteriosa e uma distribuição das 115 crianças em 3
grupos, conforme faixa etária, somadas a 20 adultos, que constituíam grupo de
controle, de escolarização média completa. A faixa etária Young englobava
crianças de 3 anos e 11 meses a 55 anos e 11 meses; a Middle, de 6 anos e 3
meses a 8 anos e 11 meses; a Old, de 9 anos e 1 mês a 11 anos e 11 meses.
O material utilizado nos dois experimentos foi um grupo de relativas de funções
sintáticas diferentes: no primeiro experimento, provocavam-se tais relativas na
fala das crianças através de situações no cenário que as induziam. No
segundo, as crianças analisavam frases criadas pelo pesquisador.
Como resultado, os autores obtiveram, no primeiro experimento, mais de
95% de relativas preposicionadas de Pst, em todas as faixas etárias, até
mesmo entre os adultos e percentuais reduzidos de cortadoras e resumptivas a
2% ou 3% entre os grupos. Não houve entre crianças e adultos ocorrências de
Ppp. No segundo experimento, em que o sujeito deveria considerar a frase
proferida pelo pesquisador como correta/normal ou incorreta/anormal, ou seja,
emitir julgamentos de gramaticalidade, os autores já reconhecem a atuação da
escolarização, já que 94%, entre todas as faixas etárias, consideraram Pst uma
construção legítima em sua língua. Em relação à Ppp, no entanto, as crianças
Young aceitaram em 6% dos casos, as Middle e Old aceitaram em 17% e 54%,
respectivamente.
A aceitação da Ppp em 87% entre os adultos, segundo
70
Kenedy (2007), está associada ao crescimento da escolarização. Ele considera
que os resultados de McDaniel et al. (1998) parecem indicar a antinaturalidade
da Ppp, uma vez que essas relativas nunca são produzidas, pois as relativas
preposicionadas são quase sempre derivadas via Pst. Além disso, as crianças
mais jovens não a reconhecem, só as crianças mais velhas, em face da
escolarização e do habitualismo com os formalismos da escrita. Assim, Kenedy
(2007) conclui que os dados são compatíveis com a hipótese da
antinaturalidade da Ppp na gramática do inglês – essa gramática “deve
licenciar Pst como a derivação mínima para uma relativa preposicionada,
sendo Ppp bloqueado em CHL.” (KENEDY, 2007, p. 78)
Kenedy (2007) cita o segundo estudo para atestar sua hipótese da
antinaturalidade da relativa padrão preposicionada nas línguas naturais –
Labelle (1988, 1990). Esse estudo discute a existência ou não de regra
Movimento de pronomes relativos na competência linguística de crianças em
fase de aquisição do francês do Canadá. O autor usa como evidências a favor
da hipótese da antinaturalidade as referências de Labelle (1988/90) a respeito
das relativas com funções de objeto indireto e de oblíquo, já que o referido
estudo não é exclusivamente sobre a relativização preposicionada.
Assim com McDaniel et al (1988), Labelle (1988/90) aplicou testes (de
Produção de fala induzida), neste caso, a 120 crianças de diferentes classes
sócio-econômicas, com idades que variavam entre 3 a 6 anos. Foram utilizadas
cláusulas relativas do francês padrão do Canadá, que englobavam as funções
de sujeito, objeto direto, objeto indireto, locativo e genitivo. Essas formas
relativas são naturais no uso corrente de adultos, sobretudo na escrita. Os
resultados de Labelle dialogam com os de McDaniel – não houve, por parte dos
71
sujeitos, produção de estrutura relativa padrão preposicionada (Ppp), ou seja,
as
120
crianças
canadenses
produziram
relativas
cortadoras
(53%),
resumptivas (31%): resultados considerados extremamente relevantes à tese
de Kenedy (2007). Os demais 16% são de uma estrutura denominada
“Repetição do NP” que entendemos ser uma estrutura copiadora cuja cópia é,
no exemplo a seguir, a estrutura sur la boîte:
(67)
Sur la boîte que la petite fille est debout sur la boîte
(Na caixa que a menina está em pé sobre a caixa)
Em suma, os dados de Labelle (1988/90) cooperam com a hipótese da
antinaturalidade da Ppp para crianças em fase de aquisição da língua, proposta
por Kenedy (2007).
O terceiro estudo observado por Kenedy (2007), de Pérez-Leorux (1995),
é contrastivo – a produtividade da estratégia copiadora (ou resumptiva) no
inglês, no francês e no espanhol. Como Labelle (1988/90), a autora aplicou o
experimento “Produção de fala induzida” a crianças na fase de aquisição do
inglês e do espanhol e comparou com os de Labelle (1988/90) do francês,
buscando detectar diferenças translinguísticas no recurso aos resumptivos
como estratégia de relativização. Como aponta Kenedy (2007), embora não
seja um estudo específico sobre as relativas preposicionadas, há dados de
resumptivas em funções regidas por preposição (oblíquo e locativo) que podem
confirmar sua hipótese.
Pérez-Leroux (1995) estimulou a produção de construções relativas de
sujeito, objeto direto, objeto indireto, oblíquo, locativo e genitivo a 26 crianças
entre 3 anos e 5 meses a 6 anos e 8 meses. Esperavam-se relativas Ppp como
72
“El perro con que la nina duerme” e “La caja en que el carro entra”, de funções
oblíqua e locativa, respectivamente. Havia mais liberdade na produção das
crianças visto que, em vez de uma estrutura oblíqua, a criança poderia criar
uma de sujeito, como “El pero que durme con la nina”. Assim, houve um baixo
percentual de ocorrências das relativas preposicionadas – somente 35 das 381
relativas no total. Entretanto, essas 35 relativas foram cortadoras (14 dados) e
copiadoras (21 ocorrências). Em suma, as crianças espanholas não produziram
estruturas padrão preposicionadas (Ppp) nem de abandono de preposição (Pst)
ou repetição do DP12: as cópias de sintagma nominal.
Para Kenedy (2007) os resultados de Pérez-Lerux (1995) favorecem à
tese da antinaturalidade de relativa padrão preposicionada nas línguas
românicas: Ppp é uma construção impossível de ser gerada em CHL.
Kenedy (2007) também toma como evidência o estudo contrastivo de Brito
(1995) sobre a produtividade da cortadora nas línguas portuguesa, espanhola,
francesa e italiana, conforme citamos a seguir:
É cada vez mais frequente nas quatro línguas, sobretudo na
linguagem oral, o uso das formas que / che em contextos em que
seria de esperar o emprego quer de PREP + que / o qual quer de
onde, où, cujo + N, cui, dont quer de SN + de que / qual / quem e
seus correspondentes.
(22a) A pessoa que te falei é minha amiga. (Em vez de: A pessoa de
quem te falei...)
(22b) Este es el asunto que te hablé. (Em vez de: Este es el asunto
de que te hablé.)
(22c) La settimana che sono stata in Itália ha fatto bel tempo. (Em
vez de: La settimana nella cuale sono stata...)
(22d) Il y a des jours que j‟ai tout le temps envie de dormir. (Em vez
de: Il y a des jours où j‟ai tout le temps...)
(BRITO, 1995, p. 75, apud KENEDY, 2007, p.87)
12
Sintagma Determinante, em inglês, Determiner Phrase
73
Para Kenedy (2007), se Brito (1995) descreve formas não padrão entre
escolarizados, é legítimo considerar que entre pessoas em fase de letramento,
como é do interesse do autor, essas relativas tenham alta produtividade e Ppp
deva ser uma estratégia desconhecida. O autor cita também os resultados do
estudo de Goodluck e Stojanovic (1996) nos moldes de Labelle (1988, 1990)
sobre o servo-croata. O experimento de produção induzida aplicado em 42
crianças entre 4 a 6 anos resultou na produção de estruturas cortadoras e
copiadoras, mas nenhuma forma padrão preposicionada. Como a língua não
licencia Pst, Kenedy (2007) concluiu que o resultado dos autores confirmam
sua hipótese da antinaturalidade.
Assim, os vários estudos apresentados por Kenedy (2007), do servocroata às línguas românicas, serviram-no, segundo ele, de base para confirmar
sua tese da antinaturalidade de Ppp nas relativas preposicionadas. No francês,
espanhol, italiano e servo-croata, as relativas preposicionadas são derivadas
por cortadoras e copiadoras (resumptivas). No inglês, inclui-se também a Pst,
que ocorre na maior parte dos dados.
Kenedy (2007) lamenta não haver ou não conhecer estudos sobre o PB e
PE que sirvam para cotejo com trabalhos como o dos autores citados, mas
arrisca uma previsão de que o resultado de um experimento em crianças em
fase de aquisição do português não apresentaria resultados muito diferentes
dos das demais línguas pesquisadas. Essa previsão torna-se mais solidificada
com a menção ao estudo de Mollica (1977) e de Corrêa (1998) sobre crianças
e pessoas em fase escolar. Esses trabalhos apontam a falta de familiaridade
dos estudantes com a estratégia padrão preposicionada. A situação
provavelmente se agravaria entre os pré-escolares, comenta o autor.
74
Em relação ao PE, Kenedy (2007) se propõe a discutir a posição
tradicionalmente assumida de que a Ppp faça parte do sistema do PE (cf.
MATEUS et al., 2003, p. 655; PERES E MÓIA, 1995, p. 277, dentre outros) e
as cortadoras, referenciadas em diversos estudos (cf. TARALLO, 1983; KATO,
1993; GALVES, 2001), sejam criação da gramática do PB. Contra isso, o
pesquisador argumenta que tais estudos não levam em consideração o
vernáculo do PE, não são estudos que partam do oral desta língua. (cf. ARIM,
RAMIRO E FREITAS, 2005; VAREJÃO, 2006). Outra evidência foi a análise do
banco de dados português CHILDES (Child Language Data Exchange System),
que corresponde a 60 narrativas de crianças portuguesas de idade entre 5 e 10
anos (reunidas em BATORÉO, 2000). As crianças descreviam eventos a partir
de desenhos expostos em quadrinhos. Como era de se esperar, evitaram as
construções preposicionadas: das 134 relativas, 124 foram de sujeito; somente
3 foram com função preposicionada e produziram-se cortadoras como a citada
pelo autor:
“... no momento que um pássaro traz a caixinha de emergência para
ajudar no ferimento do cavalo.” (exemplo AR: 10 in KENEDY, 2007,
p.91).
(66)
Kenedy (2007) cita, ainda, o estudo experimental de Vasconcelos (1992),
segundo o qual crianças portuguesas de menos de 10 anos não conseguem
reproduzir uma estrutura relativa padrão preposicionada. O experimento
consistia na repetição de formas preposicionadas por parte das crianças e o
resultado foi a produção de cortadoras como as formas abaixo citadas pelo
autor:
75
(68)
Relativa alvo: O menino a quem a velha deu o gato tem calças azuis.
Relativa produzida: O menino que a velha deu o gato tem calças
azuis.
(69)
Relativa alvo: O professor a quem o menino deu o livro é careca.
Relativa produzida: O professor que o menino deu-lhe o livro é
careca.
Alguns autores citados por Kenedy (2007) explicam a produção das
relativas no PE a partir da influência dos programas televisivos brasileiros no
território português. Essa hipótese é combatida pelo autor com base na
ausência de influência da mídia brasileira nas outras línguas por ele
analisadas. Assim sendo, considera mais coerente a adoção da tese da
antinaturalidade da Ppp para justificar todos os resultados vistos e os demais a
seguir analisados. Essa discussão é relevante para a presente tese, uma vez
que pretendemos, tal como Kenedy (2007), argumentar contra a ideia de que
as estruturas relativas não padrão sejam formações recentes no PB. A intenção
é mostrar que, já nos séculos analisados, é possível identificar essas formas na
escrita de portugueses, o que contribuiria com as conclusões de Kenedy
(2007), combatendo assim a ideia de que o PE difere do PB.
Com a finalidade de atestar a tese da antinaturalidade da Ppp também no
sistema do PE, Kenedy (2007) apresenta resultados de estudos do PE oral e
espontâneo a partir da fala de pessoas pouco ou não escolarizadas (ARIN,
RAMIRO E FREITAS, 2005; VAREJÃO, 2006) e resultados de um experimento
em que analisou a reação de brasileiros e portugueses a estruturas cortadoras
e a Ppp.
76
O autor parte da sistematização tradicional da relativização do PE que
seria, reconhecidamente, uma língua que licencia a estrutura relativa padrão
preposicionada. Argumenta, porém, que a tradição já reconhece a importância
da forma não padrão cortadora em contextos de informalidade, conforme sua
citação de Duarte (apud MATEUS et al., 2003) sobre a cortadora fazer
“actualmente parte do registro oral de falantes altamente escolarizados” sendo
evidência de “uma tendência de mudança, mesmo no português europeu”
(DUARTE, 2003, p. 657).
Um importante estudo abordado por Kenedy (2007) foi o dos autores
Peres e Moia (1995, p. 273-374) que analisaram dados colhidos nos jornais de
maior circulação impressos em Portugal, durante os anos de 1986 e 1994.
Essa pesquisa foi uma das primeiras a apontar a variação nas estratégias de
relativização existentes no PE a partir de uma análise de fenômenos
gramaticais que mais se destacaram na observação dos autores. A perspectiva
do trabalho era a correção dos “desvios” à norma lusitana e observaram-se
estruturas relativas como Os temas que os portugueses gostam, ...que sejam
aumentadas as pensões que
atualmente
dispõe
e Foram momento
embaraçosos que o próprio Noriega acabou pôr fim.
Kenedy (2007) é taxativo em considerar que o estudo de Peres e Moia
(1995), embora sem apresentação de percentuais das relativas cortadoras e
resumptivas, seja uma contribuição para a sua tese de que as Ppp não são
uma estrutura natural no PE, conforme defendem autores citados, já que este
estudo aponta para a variação nas relativas preposicionadas. Seria, então,
segundo ele, de se esperar que em caso de fala espontânea haja maiores
evidências de formas não padrão, considerando que elas já ocorram na
77
imprensa ao mesmo tempo em que Ppp é identificada como uma “estrutura
problemática”13.
A hipótese apresentada por Peres e Moia (1995) sobre a influência
televisiva do PB em PE é combatida por Kenedy (2007) de forma simples.
Segundo o autor, primeiramente, não há evidências objetivas que sustentem
essa hipótese. Se existisse tal influência, por que ela não afetaria outros
fenômenos sintáticos, como a falta de concordância verbal e nominal, o
pronome tônico em função de objeto direto, a próclise pronominal? Por que
ocorreria exclusivamente com as relativas cortadoras?
Sobre as estratégias resumptivas no PE, o autor visita o trabalho de
Alexandre (2000) que levantou 18.500 ocorrências de orações relativas do
Corpus de Referência do Português Contemporâneo – Oral (CRPC). Apesar de
o estudo apresentar baixos índices de copiadoras, alguns comentários da
autora foram considerados importantes por Kenedy (2007). Segundo Alexandre
(2000), a relativa preposicionada padrão apresenta um “peso derivacional”
responsável pelo desencadeamento das relativas cortadora e copiadora. Esse
custo derivacional é para ela o fator estrutural que pode explicar a completa
ausência da Ppp em línguas crioulas, como o Kriol e o são-tomense.
Alexandre (2000) considera as várias funções sintáticas e, assim, o percentual
é de 98% de relativas canônicas. Tal como em nossa pesquisa com dados do
português atual (SILVA, 2005) em que isolamos os contextos em que havia
concorrência das três estratégias – estruturas de funções preposicionadas –
Kenedy (2007) analisou os dados de Alexandre (2000) isolando as funções de
13
Refere-se à pesquisa realizada por Peres e Moia (1995) que indicou as relativas como um
dos fenômenos gramaticais de maior variação no PE, a partir de dados recolhidos de jornais de
maior circulação em Portugal.
78
sujeito, objeto direto, genitivo, etc. e, somente nos ambientes preposicionados,
observou um resultado de 648 relativas preposicionadas: 392 Ppp (61% dos
dados); 222 cortadoras (34%) e 34 copiadoras (5% dos dados). As 648
relativas preposicionadas aparecem pouco no corpus e equivalem a 3,5% das
18.500 relativas levantadas.
O autor considera a relevância dos 34% dos
dados de cortadora, mesmo que a Ppp seja a maioria, por se tratar de dados
colhidos entre pessoas letradas em situação de fala mais ou menos
monitorada. Com essa reanálise, Kenedy (2007) conclui que os dados da
autora são evidência indireta à sua hipótese.
É interessante observar que, como apontam vários estudos, a estrutura
relativa preposicionada é, muitas vezes, evitada. No estudo de Alexandre
(2000), elas correspondem a apenas 3,5% das relativas e, em experimentos já
citados (PÉREZ-LEROUX, 1995), elas sempre representam as ocorrências
mais baixas.
O último trabalho de PE a que Kenedy (2007) faz referência é o de Arin,
Ramilo e Freitas (2005). Ele relaciona os dados dos autores à sua hipótese da
antinaturalidade das Ppp, ao considerar que a relativa cortadora, com
ocorrência de 28% dos dados, parece ser natural no uso espontâneo do PE. Ao
estudar a Rede de Difusão Internacional do Português – rádio, televisão,
jornais, e revistas – o REDIP, Arin Ramilo e Freitas (2005) obtiveram 71% de
dados de Ppp, 28% de cortadoras e 1% de copiadoras. Trata-se de dados
escritos e de fala monitorada e, mesmo assim, segundo Kenedy (2007), em
alguns contextos, a cortadora foi registrada em maior percentual que o da
estratégia padrão preposicionada, 100% das ocorrências, como quando o
verbo da relativa era “precisar” (com preposição “de”), como em (70) Já
79
estivemos a ver as adivinhas que vamos precisar para entrarmos no IRC.[2001,
RTP2] (ARIN, RAMILO E FREITAS, 2005 in Kenedy, 2007).
Para discussão a respeito do PB, Kenedy (2007) cita Tarallo (1983) e
Corrêa (1998). O autor atribui a Tarallo a responsabilidade pela tradição
linguística de considerar a cortadora uma criação do PB e a Ppp uma
exclusividade do sistema do PE. Ele cita o trabalho de Corrêa (1998) que,
assim como outros autores, assume a tese de Tarallo sobre a inexistência da
Ppp como uma característica do PB em detrimento ao PE, no qual a Ppp não
estaria relacionada à variante escolarização. No estudo de Corrêa (1998), a
estratégia cortadora é a mais significativa em todos os níveis de escolarização
– Fundamental, Médio e Superior – e, na verdade, como aponta Kenedy
(2007), só no Ensino Superior podem ser vistos percentuais significativos para
a Ppp, ainda que bem menores do que o da cortadora. Tais dados, segundo o
autor, evidenciam a tese da antinaturalidade no PB. Kenedy (2007) argumenta
que a inexistência da Ppp no PB assume níveis tão diferenciados – em relação
ao
PE e
a
outras línguas
–
por
conta
dos níveis inferiores de
letramento/alfabetização, condição necessária, segundo sua hipótese, para a
aquisição dessa variante. Além disso, critica o fato de o trabalho de Tarallo ter
sido realizado a partir de diferentes gêneros textuais escritos, como peças
teatrais, anúncios de jornal, documentos legais, textos formais e informais, e
ainda realizar dados estatísticos para fazer generalizações a respeito da
gramática natural de uma língua. O autor apresenta a pesquisa experimental
como uma possível solução para o problema da incompatibilidade de corpora,
do ponto de vista linguístico. Ele desconsidera esses dados diacrônicos de
Tarallo (1983) como evidência contra sua hipótese, como se lê a seguir:
80
Parece correto interpretarmos que textos escritos formais ou
artísticos tipicamente não apresentam fenômenos da oralidade –
como as relativas cortadoras –, a não ser quando tais textos
procuram intencionalmente reproduzir certo tipo de fala, ou ainda
quando esses registram o descuido de um escritor que deixou
escapar um uso linguístico menos elaborado.
Portanto, acreditamos que os dados da pesquisa diacrônica de
Tarallo indiquem o momento em que as cortadoras passaram a ser
registradas na língua escrita, considerando-se certos tipos de
documentos, escritos sob certas circunstâncias sócio-históricas, mas
não concordamos com a hipótese de que esse registro possa dizer
algo diretamente relacionável à gramática natural de uma língua,
como o surgimento de uma estrutura na gramática ou o
desaparecimento de outra. Sendo assim, consideramos que os
dados diacrônicos de Tarallo (1983) não podem servir como
evidência contrária à APP, já que apenas muito remotamente podem
ser relacionados à história natural do português, reportando-se ao
que se passa abstratamente na mente de um indivíduo humano e
subjaz ao uso de uma língua em circunstâncias naturais. (KENEDY,
2007, p.112)
Kenedy (2007) analisa Varejão (2006) que buscou refutar a hipótese de
uma origem crioula para o PB, buscando encontrar no PE os mesmos
fenômenos linguísticos – falta de concordância e relativas cortadoras – que
justificariam essa origem para o PB. A autora registrou a vitória da cortadora
sobre a padrão em ambiente preposicionado num corpus de fala de indivíduos
analfabetos e de baixa escolarização espalhados por várias localidades do
território português – o CORPUS DIALECTAL PARA O ESTUDO DA SINTAXE
(CORDIAL SIN). A distribuição identificada pela autora foi a de 74 ocorrências
de cortadoras, 29 de copiadoras e apenas 5 de Ppp (108 estruturas
preposicionadas de 3315 relativas). O autor comenta que os 3% dos dados de
relativas padrão (5 ocorrências) podem ser justificados por se tratar de
81
estruturas cristalizadas “altura em que”, “momento em que”, “lugar em que”,
cuja análise pode levar a concluir que não sejam legítimas Ppp.
Com esses dados, Kenedy (2007) conclui que a pesquisa da autora
também colabora para sua hipótese, pois parece indicar que as relativas
padrão preposicionadas não existem entre os indivíduos portugueses
analfabetos e pouco escolarizados. Assim, se a Ppp seria comum somente
entre indivíduos escolarizados,
nos grandes centros urbanos, o
PE
compartilharia da mesma realidade do PB, já apontada por estudos como o de
Tarallo (1983) e Corrêa (1998), em que a alfabetização/letramento é o fator
diferenciador em relação ao uso das Ppp. Kenedy (2007) soma essas
conclusões às insinuações das cortadoras também nos estudos de língua culta
para afirmar sua crença de que, também no PE, a cortadora figure como
relativa vernacular. Segundo ele, as pesquisas experimentais que testam a
performance de brasileiros e portugueses poderão fechar a questão sobre a
existência ou não de sistemas diferentes de relativização entre PE e PB.
O pesquisador utilizou dois testes em portugueses e brasileiros –
experimentos psicolinguísticos de percepção (Julgamento Imediato de
gramaticalidade) e de processamento (Leitura automonitorada). Os resultados
mostrariam a naturalidade ou não da estratégia padrão preposicionada.
No primeiro experimento, Julgamento imediato de gramaticalidade, os
sujeitos escolhidos – portugueses de Lisboa e brasileiros de Niterói e São
Gonçalo – deveriam julgar como aceitáveis ou inaceitáveis estruturas relativas
Ppp e cortadoras. Esperava-se que, por se tratar de uma estrutura natural,
adquirida cedo, as cortadoras fossem reconhecidas prontamente e, as Ppp,
82
fossem mais suscetíveis a erros e hesitações, por demandar habilidades
mentais desenvolvidas tardiamente. O tipo de relativa também se desdobrava
em gramatical e agramatical; assim, havia cortadora gramatical (71) e, a
agramatical (72). Em (73), tem-se a Ppp gramatical e, em (74) agramatical,
como mostramos a seguir:
(71)
O petróleo é um recurso natural que todas as economias dependem.
(72)
* O petróleo é um recurso natural o qual todas as economias
dependem.
(73)
O petróleo é um recurso natural de que todas as economias
dependem.
(74)
* O petróleo é um recurso natural de qual todas as economias
dependem.
Kenedy (2007) obteve como resultado dos falantes do PE a aceitabilidade
das cortadoras gramaticais em 70%. Em relação às agramaticais, apenas em
15% das ocorrências houve julgamento aceitável.
Em 90% dos casos, houve
julgamento aceitável para a Ppp gramatical e 72% para a agramatical. O autor
considerou não haver, do ponto de vista estatístico, diferença entre a
percepção da Ppp gramatical e da agramatical nos sujeitos do PE. No PB,
houve resultados semelhantes. Em relação à cortadora, o julgamento aceitável
corresponde a 72% das gramaticais e 26% das agramaticais. Para a Ppp, é
insignificante a diferença dos que aceitaram Ppp gramatical, 65% dos casos,
para os 61% de aceitação da Ppp agramatical. O autor considera esse
resultado favorável a sua hipótese, uma vez que brasileiros e portugueses
apresentam o mesmo tipo de reação diante de relativas Ppp e cortadoras – ou
seja, os sujeitos portugueses reconhecem a estrutura cortadora. A partir disso,
Kenedy (2007) põe em cheque, mais uma vez, a visão tradicional sobre as
83
relativas cortadoras serem uma idiossincrasia do PB. Nas mesmas condições
foram testados brasileiros e portugueses e apresentaram os mesmos
julgamentos para as cortadoras. Ele ainda reitera sua visão apontando a
estranheza da Ppp na língua, já que nem portugueses, nem brasileiros,
praticamente, conseguiram detectar a diferença entre a gramaticalidade e a
agramaticalidade da Ppp.
Com o experimento de leitura automonitorada, aplicados a sujeitos
residentes nos mesmos locais que os do experimento 1, Kenedy (2007)
pretendia confirmar a hipótese de que a leitura de estruturas relativas Ppp
seria mais lenta. Por se tratar de uma estrutura antinatural, demandaria mais
tempo de processamento. O teste foi aplicado a falantes dos três tipos de
escolaridade: fundamental, médio e superior. Para isso, o autor, dividiu frases
em segmentos e um deles apresentava a Ppp, ora encaixadas em orações
relativas, ora em interrogativas. Os resultados desse experimento indicam o
mesmo tipo de reação a Ppp de portugueses e brasileiros: quando a estrutura
era encaixada a uma Ppp, eles manifestaram um estranhamento; quando em
orações interrogativas, eles reagiram com naturalidade. O autor percebeu que
quanto maior a escolarização, menores eram os níveis de estranhamento,
situação que confirma a hipótese que norteia sua tese.
O terceiro experimento foi exclusivo para pessoas analfabetas do interior
do Rio de Janeiro, que deveriam julgar estruturas Ppp, inclusive apresentando
incongruências como “a pessoa com os quais eu saí...”. O autor esperava que
essas incongruências não fossem percebidas por ser a Ppp não analisável ao
não escolarizado. Esses falantes teriam que julgar como aceitáveis ou
inaceitáveis as Ppp gramatical e agramatical e aceitaram ambas as estruturas:
84
Ppp gramatical, 91%; Ppp agramatical, 96%; ou seja, os analfabetos não
conseguem perceber a diferença entre essas estruturas. Resultado que dialoga
com o do primeiro experimento.
Em suma, depois de testar falantes do PE e do PB e atestar que eles
manifestam o mesmo tipo de reação a orações relativas preposicionadas,
Kenedy (2007) acredita ter invalidado a hipótese tradicional representada pela
descrição clássica do PE e pela sociolinguística-paramétrica brasileira, da
produtividade da Ppp no PE e da existência significativa da cortadora só no PB.
Essas “fortes evidências” levantadas por Kenedy (2007), a partir dos
experimentos, foram somadas por ele às conclusões dos estudos resenhados e
às análises experimentais de outras línguas e o levaram a concluir que a tese
da antinaturalidade da estratégia padrão preposicionada no PE e no PB deve
ser considerada seriamente pela linguística contemporânea. Como já
mencionado, acreditamos que, no PB e no PE a relativa padrão preposicionada
é uma forma artificial, resultado do formalismo linguístico e que, portanto,
concorria com as formas não padão, cortadora e copiadora, desde o século
XVI.
A partir do exposto, queremos rediscutir o tratamento dado por Tarallo
(1983) às relativas cortadoras no que consiste à ideia de que tais estruturas
são exclusivas da gramática do PB e surgidas no século XIX. Desejamos
mostrar que as relativas não-padrão já existiam em textos escritos por
portugueses desde o século XVI, confirmando a hipótese de Kenedy (2007) de
que as cortadoras não são exclusivas da variedade brasileira da língua
portuguesa.
85
Fechamos esta seção concluindo que, depois dos trabalhos mencionados
(como o de Tarallo 1983), vários pesquisadores se lançaram na empreitada de
observar o comportamento de estruturas cada vez mais concorrentes – as
estratégias de relativização.
Alguns estudaram a fala e, outros, a escrita. Alguns pesquisaram em
corpora atuais, outros fizeram pesquisas diacrônicas. Todos, entretanto,
concluem, ao final de suas pesquisas, que as formas não padrão de relativas
conquistaram seu espaço e que, com o passar das décadas, o percentual
dessas construções deva crescer ainda mais.
No próximo capítulo, discutiremos os pressupostos teóricos que norteiam
a presente tese.
86
CAPÍTULO 2:
PRINCÍPIOS TEÓRICOS
2.1. ALGUNS PRINCÍPIOS DA TEORIA SOCIOLINGUÍSTICA E UMA
TENTATIVA DE APLICAÇÃO
O presente trabalho se vale de alguns princípios da Teoria Sociolinguística
que passamos a discutir a partir de agora.
A partir de Weinreich, Labov e Herzog (1968) instaurou-se o pressuposto
de que a variação é inerente à língua, uma variação sistêmica, não aleatória. A
sociolinguística surge como teoria que associa fatores internos – os linguísticos
– a fatores externos – os sociais –, para explicar o constante processo da
mudança linguística. Assim, estabelece-se o princípio do uniformitarismo, por
meio do qual se entende que as mesmas forças que atuam no presente, em
relação à língua, também atuaram no passado, ou seja, os fatores linguísticos
e sociais que atuam hoje sobre a variação são os mesmos que atuaram em
épocas remotas. A pesquisa em questão baseia-se neste pressuposto, de a
mudança ser constante. Acreditamos que, em qualquer recorte que se faça no
tempo, é possível observar a variação.
Segundo Weinreich, Labov e Herzog (1968) as motivações internas e
externas em competição determinam o uso de uma ou outra variante
lingüística. Tal princípio – o de regra variável – será utilizado na pesquisa, já
que se deseja verificar se os remetentes das cartas e das gazetas se
comportavam, em sua escrita, de forma diferente: se apresentavam preferência
por alguma variante em relação às outras, possibilitando-nos, assim, analisar a
87
influência do maior ou menor contato com padrões de escrita dos indivíduos
escreventes.
Em detrimento à ideia de um papel passivo do falante diante da língua,
para a Sociolinguística, o falante tem atuação de acordo com as condições
estruturadas em que a prática linguística se atualiza. O falante seleciona uma
variante dentre as concorrentes, numa determinada circunstância. A pesquisa
adota tal orientação geral da teoria sociolinguística, pois o fenômeno estudado
pressupõe variação e desejamos observar a frequência das variantes – padrão,
cortadora e copiadora – na escrita de indivíduos para se atestar o uso de tais
formas nos séculos XVI, XVII e XVIII.
A Sociolinguística de base laboviana propõe que se dê aos dados um
tratamento quantitativo. Uma análise quantitativa permite ao pesquisador o
estudo da variação de forma a apreender a sistematicidade, o encaixamento
linguístico e social e a possível relação com a mudança linguística. A variação
linguística passa a ter um caráter científico, a garantia de maior confiabilidade
com o aporte estatístico da metodologia quantitativa. Essa metodologia nos
interessa, pois, por meio dela, pretendemos verificar se a frequência das
variantes não-padrão é significativa no contexto estudado.
Sobre a variável dependente – no caso, as estratégias de relativização –,
Labov (1978) salienta que as variantes envolvidas devem ter o mesmo valor de
verdade, o mesmo significado referencial, devem dizer a mesma coisa, mesmo
que apresentem diferenças estilísticas e sociais de uso.
Lavandera (1978)
questiona a aplicação do conceito original de regra variável a fenômenos não
fonológicos. A autora leva em conta o conceito de “compatibilidade funcional”,
segundo o qual as variantes deveriam ter a mesma função, pois, segundo ela,
88
nem sempre as formas supostamente variantes vão ter o mesmo valor de
verdade. Consideramos, nesta pesquisa, o conceito de regra variável
instaurado por Labov (1978), já que, no contexto de sintagma preposicionado
(doravante, PP), as três estratégias variantes – padrão, copiadora e cortadora –
teriam, em princípio, o mesmo valor, uma vez que produzir Por seacharem
totalmente incapazes depoderem exercer o Real service pelas molestias
incuraveis que padecem [cortadora], teria o mesmo valor que pelas molestias
incuraveis de que padecem [padrão] e pelas molestias incuraveis que
padecem dela [copiadora].
Labov (1994) discutiu a natureza dos dados a serem utilizados em uma
pesquisa sociolinguística. Segundo ele, o pesquisador que lida com dados
históricos enfrenta problemas como a mistura de dialetos e erros dos
amanuenses, a falta de informações sobre a posição social dos autores dos
documentos e sobre a estrutura social da comunidade, além da dificuldade em
lidar com os efeitos da correção.
Além disso, considera-se também o fato de que os documentos históricos
não foram armazenados com a finalidade da pesquisa, sobreviveram ao acaso,
e podem não representar o vernáculo de determinada época e/ou comunidade
do passado, que, segundo Labov, é a forma de discurso que revela uma
estrutura adquirida até o início da adolescência, em contexto ausente de
monitoramento.
O presente estudo procurou solucionar parte dos impasses apresentados
ao escolher como fonte de estudo gêneros textuais que, embora sejam escritos
– Labov (1994) considera dados escritos “maus dados” – são mais próximos
89
da realidade falada – a carta e as gazetas manuscritas14. Acrescente-se a isso
o fato de o remetente de uma das cartas em análise – o marquês de Lavradio –
ter sido uma figura pública, sobre a qual se apresentam várias informações
históricas. A posição que ocupava também nos revela muito do seu perfil social
em relação a sua erudição. As cartas de desconhecidos, amostra CARDS, por
sua vez, podiam se aproximar bastante do vernáculo da época por terem sido
produzidas por pessoas pouco letradas. Barbosa (2008), na apresentação de
uma proposta metodológica para o controle dos perfis sociais em corpora de
sincronias passadas, conclui que um bom trabalho sociolinguístico históricodiacrônico precisa apresentar referências confiáveis de pesquisa para que
sejam feitas adequadamente as estratificações sociais de uma determinada
época. Na descrição do corpus, apresentaremos algumas informações sobre
os indivíduos estudados.
2.2. O PAPEL DA FREQUÊNCIA DE USO NA ORIGEM DAS
CORTADORAS
Uma das possíveis interpretações para a origem das cortadoras foi
proposta por Tarallo (1983) que estabelece que essa construção é resultado do
apagamento da anáfora pronominal na oração relativa, ou seja, segundo o
autor, a estratégia cortadora, originada no século XIX, deriva da copiadora
através da elipse pronominal.
14
Na verdade, as notícias publicadas nas gazetas manuscritas tinham sua origem nas redes de
correspondentes que, através de suas cartas, faziam circular notícias como as redes sociais de
hoje. O redator dessas correspondências, por seu peso social, político ou intelectual, poderia
ser o centro de uma rede, fazendo circular nas gazetas os acontecimentos políticos e militares,
vida das cortes e novidades de interesse da comunidade da época (LISBOA et al, 2002, p.1415).
90
Diferentemente do autor, defendemos a hipótese de que ambas as
construções já figuravam no português desde o século XVI. Nossa proposta
para explicar a manutenção dessas estruturas na língua, desde épocas
remotas, está baseada em alguns parâmetros, como o fato de a forma
considerada
padrão
na
língua
ser
uma
estrutura
adquirida
pelos
falantes/escreventes apenas pelo letramento e contato com padrões de escrita.
A proposta teórica que adotamos e ora apresentamos – a frequência de uso –
será utilizada para relacionar a estratégia cortadora às relativas de sujeito e
objeto direto. A cortadora seria interpretada como resultado da generalização
de uma estrutura relativa muito frequente na língua (Estrutura “QUE + verbo”).
Bybee (2003) aponta que a frequência tem papel essencial no processo
de gramaticalização. Segundo ela, a repetição é um processo pelo qual
sequências de palavras ou de morfemas, que sejam usados frequentemente,
tornam-se automáticas, como uma única unidade de processamento. Company
(2003) destaca a rotina e fixação de uso como fator primordial na geração de
uma mudança.
Bybee (2003) discute a possibilidade da generalização de uma
determinada forma/construção pelo hábito. Essas formas ou estratégias
linguísticas se tornariam mais gerais, sua força semântica seria enfraquecida
pelo habitualismo. Esse enfraquecimento leva ao uso da construção em outros
contextos, apresentando novas associações, o que conduz à mudança
semântica. Tal discussão é de singular importância, já que pretendemos testar
se, em corpora antigos, as relativas de sujeito e objeto direto apresentavam
alta produtividade como ocorre hoje em dados de fala do português. Uma de
nossas hipóteses, confirmada em nossa análise sincrônica (Silva, 2005), é a de
91
que a alta frequência desse tipo de estrutura (sujeito/objeto) favoreceu à
generalização da relativa cortadora por possuírem o mesmo output fonético:
SN + QUE + V). Para esta pesquisa, controlamos a variável “tipo de estrutura”,
a fim de testarmos essa hipótese para sincronias passadas. A estratégia
cortadora seria o resultado da generalização de estruturas muito frequentes na
língua, as relativas de sujeito e objeto direto. Essas relativas de estrutura
simples (sujeito e objeto direto) teriam se tornado mais gerais passando a ser
utilizadas em outros contextos, no caso, de sintagma preposicionado (a
estratégia cortadora).
Bybee (2003) diferencia dois tipos de frequência: a “de ocorrência” que
mede a produtividade de uso da forma, e a de “de tipo” que se refere a um tipo
de estrutura em particular. A repetição de um padrão específico, segundo a
autora, afeta a memória pela frequência. Um item/construção menos frequente
sofre mudança para entrar no padrão mais frequente, ao passo que o
item/construção mais frequente está disponível e tende, portanto, a não ser
substituído, por conta dos mecanismos de armazenagem e recuperação
(Bybee & Hopper, 2001). Em seu estudo recente, Bybee (2010, p. 214) retoma
essa
questão
observando
que
a
alta
frequência
de
uso
leva
a
convencionalização e elaboração posterior, ao passo que a baixa frequência
leva a julgamentos de “inaceitabilidade” e eventual perda.
A autora propõe que julgamentos de gramaticalidade ou aceitabilidade de
formas linguísticas devem ser analisados em termos de sua gradiência .
Segundo Bybee (2010, p. 214) a combinação de palavras gramaticais ou
agramaticais podem ser avaliadas em termos de graus de aceitabilidade.
Nesse caso, os julgamentos de aceitabilidade em uma língua são postulados
92
com base no conceito de “familiaridade” que leva em conta: 1) a frequência de
uma
palavra/construção/frase
específica
e
2)
a
similaridade
com
palavras/construções/frases existentes. Assim, itens serão julgados como
aceitáveis à medida em que são frequentes na “experiência do falante” ou
similares a itens frequentes. Essa questão leva-nos a refletir sobre a estrutura
cortadora, pois justificaria a “aceitabilidade,” de acordo com Bybee (2010),
dessa construção em função de sua semelhança estrutural com as relativas de
sujeito e objeto direto. Essas últimas são julgadas como mais “aceitáveis” por
serem significativamente produtivas e reconhecidas em termos da experiência
linguística do indivíduo. Em contrapartida, no que se refere à relativa padrão
preposicionada, teríamos, como afirma Bybee e Eddington (2006, apud
BYBEE, 2010) estratégias raras que apenas são retidas na língua em frases
fixas com baixo grau de “aceitabilidade”. Se levarmos em conta os resultados
sincrônicos que atestam a vitória da cortadora sobre a padrão preposicionada,
diríamos que esta tende a ser avaliada como [- aceitável] e aquela apresenta
forte tendência a ser considerada como [+ aceitável]. Hawkins (2004, p. 3, apud
BYBEE, 2010) observa que gramáticas têm convencionalizado estruturas
sintáticas em função do maior ou menor grau de preferência em nível de
“desempenho”. Tais preferências ficam evidenciadas pelos padrões de seleção
atestadas em corpora e pela facilidade de processamento em experimentos
psicolinguísticos. O autor prevê que o principal fator que influencia a frequência
de formas lingüísticas é a facilidade de processamento.
Dentre as várias discussões sobre frequência abordadas por Bybee
(2010, p. 215), interessa-nos, particularmente, as que se relacionam às
estruturas
relativas.
A
autora
apresenta
uma
hierarquia
de
93
acessibilidade/aceitabilidade nas construções relativas. Ela afirma que a
hierarquia de acessibilidade dos sintagmas nominais à relativização foi um dos
primeiros casos a ser discutido para demonstrar que construções raras em uma
língua não ocorrem ou são [-aceitável] em outra (conforme observa KEENAN,
1975 in BYBEE, 2010). Essa hierarquia é baseada na função sintática do
elemento relativizado dentro da cláusula relativa. Keenan e Comrie (1977; apud
BYBEE, 2010) demonstraram que, se uma língua pode formar uma oração
relativa em uma determinada função sintática (um determinado caso) presente
na hierarquia a seguir, tal língua poderia formar uma oração relativa com as
demais funções/casos presentes em qualquer posição à esquerda da
hierarquia proposta por Bybee (2010, p. 215):
Esquema 1:
Hierarquia de acessibilidade
SUJEITO>OBJETO DIRETO>OBJETO INDIRETO>OBLÍQUO>GENITIVO>OBJETO DE COMPLEMENTO
Em princípio, se uma dada língua relativiza a função objeto indireto, tal
língua permitirá a construção de relativas de objeto direto e de sujeito:
funções/casos à esquerda do objeto indireto. É preciso mencionar ainda que
algumas línguas permitem relativização de sujeito, outras de objeto direto e
sujeito, outras de objeto indireto, direto e sujeito e assim por diante, conforme
mostrado também em Castilho (2010).
A partir dessa proposta, Keenan (1975 apud BYBEE, 2010, p. 216)
demonstra resultados referentes ao inglês a partir de textos em prosa. O autor
observou que a frequência de uso de cada tipo de relativa segue a escala de
94
acessibilidade. Das 2200 orações examinadas, 46% eram de relativas de
sujeito, 24% de relativas de objeto direto, 15% de oblíquas (adjunto adverbial) e
objeto indireto e 5% de relativas de genitivo (adjunto adnominal). O autor
sugere que é mais fácil, “natural” e menos complexo formar construções
relativas na parte mais alta da hierarquia do que na parte mais baixa. O
processamento mental das estruturas que relativizam as funções de sujeito e
objeto direto seria mais fácil psicológica e semanticamente do que processar as
funções preposicionadas.
Keenan e Comrie (1977) citam estudos nos quais as construções do início
da hierarquia são compreendidas por crianças inglesas com grande facilidade.
Diessel Tomasello (2005) explicam que isso se deve ao fato de a relativa de
sujeito reter uma ordem de palavras semelhante à estrutura das orações
principais.
Outra explicação apresentada por Bybee (2010), a respeito da frequência,
vem da forma como organizamos nosso discurso. Fox (1987) e Thompson e
Fox (1990) adotam essa abordagem para analisar as cláusulas relativas na
modalidade oral do inglês. Bybee (2010) aponta que, embora a relativização
aconteça de maneira diferente nas línguas, o estudo sobre as orações relativas
no inglês falado é sugestivo para confirmar a hierarquia da acessibilidade
proposta.
Depois
de
apresentar
as
várias
explicações
–
preferência
de
processamento, facilidade/dificuldade semântica, complexidade gramatical,
discurso – para a gramaticalidade das relativas ou acessibilidade da estrutura,
95
Bybee (2010) conclui que o fator preponderante é a frequência de uso,
conforme foi argumentado no início dessa seção.
Encerramos essa seção sublinhando a importância desse estudo na
presente pesquisa. Vários trabalhos sobre o fenômeno apontam para os altos
índices das relativas de sujeito e objeto direto. Pretendemos levar em conta a
questão da “frequência de uso”, baseados em Bybee (2003/2010) e em
conformidade com outros autores que também adotam esses pressupostos,
para atestar que a alta incidência dessas construções provoca sua repetição
em outros contextos. A estratégia cortadora seria, então, interpretada como
uma extensão de um padrão estrutural: a generalização de uma construção
que por ser frequentemente utilizada tende a ser repetida15.
Apresentamos, na próxima seção, algumas reflexões sobre o paradigma
das Tradições Discursivas com o intuito de discutir se a presença de
determinadas estratégias de relativização nos textos analisados pode ter
alguma influência da natureza dos gêneros em análise. É preciso considerar
ainda se o uso das relativas padrão de sintagma preposicionado ocorre ou não
como estruturas cristalizadas.
15
Não sabemos se é possivel haver corte de preposições com valor semântico do tipo sem,
após, contra, preposições marcadas (“ A roupa que eu fiquei”, querendo dizer “A roupa sem a
qual eu fiquei”) por não termos encontrado exemplos com essas preposições na Amostra.
Dessa forma, não foi possível testar nossa hipótese, baseada em Bybee (2003/2010) em
estruturas como essas.
96
2.3. AS TRADIÇÕES DISCURSIVAS
Buscando chegar à definição de Tradição Discursiva (doravante, TD),
Kabatek (2006) afirma que uma TD é a repetição de uma forma textual, de um
texto ou de uma maneira particular de falar ou de escrever que adquire valor de
signo próprio. Forma-se quando a repetição estabelece uma relação de união
entre atualização e tradição, tendo em vista qualquer finalidade de expressão
ou qualquer elemento de conteúdo.
A questão que nos parece pertinente é o fato de uma tradição discursiva
ou um determinado tipo de texto favorecer ou não processos de mudança
linguística. Company Company (2002) destaca que a mudança não é produzida
de forma homogênea em relação aos diferentes tipos de texto, ou seja, um
determinado texto poderia estar relacionado a uma preferência linguística ou,
melhor dizendo, determinados fenômenos podem ter sua aplicabilidade
diferenciada a depender do gênero em questão.
Na tentativa de relacionar a TD à mudança linguística, Kabatek (2006)
aponta que as TDs podem “frear ou acelerar” mudanças linguísticas.
Determinados tipos de textos, segundo ele, exigem a manutenção de certas
fórmulas ou seleção de “variedades”. No caso da presente pesquisa, cabe a
discussão sobre a possibilidade de as TDs nas cartas e nas gazetas
manuscritas se constituírem em freio para o processo de mudança linguística
apontado pelos estudos recentes. Nesse sentido, portanto, pretendemos
aplicar tais conceitos para explicar alguns dos resultados encontrados.
Estariam as fórmulas, ou seja, estruturas automatizadas que se repetem em
determinado contexto, freando a observação da mudança em curso?
Buscamos verificar se a presença de estruturas formulaicas, encontradas no
97
início e no final das cartas, pode influenciar nos resultados das estratégias de
relativização padrão e não-padrão. .
Kabatek (2008) expõe que a noção de TD parte da distinção estabelecida
por Coseriu (1981) sobre os três níveis de análise linguística: o universal, o
histórico e o individual. Koch & Oesterreicher (1997) defenderam a
necessidade de subdividir o nível histórico em dois subníveis, levando em
conta a história das línguas particulares e das tradições dos textos. Segundo a
proposta original (Coseriu, 1981), a linguagem se distingue em três planos os
quais são relativamente autônomos. O universal diz respeito ao falar em geral,
ou seja, compreende todos os seres humanos que tem a capacidade humana
de se comunicar por meio de signos linguísticos. O plano histórico, ao contrário
do universal cuja prática não é determinada historicamente, corresponde a uma
língua determinada, isto é, um sistema de significação historicamente
determinado. O plano individual corresponde ao discurso, ao ato de fala
construído por um indivíduo quando em situação de comunicação.
Na proposta de Koch & Oesterreicher (1997), como mencionado, o plano
histórico se desmembraria em dois para dar conta da tradição dos textos, além
da história particular de uma dada língua . Para os autores, então, a história
dos textos é diferente da história das línguas. Essa proposta pressupõe que o
ato de falar, correspondente ao plano individual, transforma-se em enunciado
quando submetido, simultaneamente, aos filtros da língua histórica e das
tradições discursivas, como observado no esquema a seguir (cf. KABATEK,
2006):
98
Esquema 2:
(Kabatek, 2006)
F i nal i dade Com uni cat iv a
Lí ngua (Si st em a e Norm a)
T radi ções Di scur si v as
Enunci ado
Segundo o autor, o falante considera um conjunto de regras e itens
linguísticos disponíveis em uma determinada língua para escolher as opções
de falar ou de escrever; assim, ele filtra sua produção linguística pelas
tradições discursivas, as quais lhe fornecerão o gênero textual cabível ao seu
objeto comunicativo.
As reflexões sobre as TDs são pertinentes para compreensão das
estruturas formulaicas identificadas nos dados coletados. Essas construções
de caráter formulaico podem estar relacionadas ao gênero textual onde
aparecem ou a uma determinada parte do texto, podendo revelar questões
importantes na interpretação geral dos dados.
A partir das discussões expostas até aqui, passaremos ao capítulo
correspondente à metodologia, a fim de apresentarmos os procedimentos
metodológicos considerados pertinentes para a análise dos dados.
99
CAPÍTULO 3:
METODOLOGIA
3.1. REFLEXÕES SOBRE O GÊNERO CARTA
No presente trabalho, adotaram-se como corpora quatro grupos de cartas
dos séculos XVI, XVII e XVIII e um grupo de notícias publicadas em gazetas
manuscritas do século XVIII. Tendo em vista a natureza dos corpora,
consideramos necessário um esclarecimento sobre esses gêneros textuais.
Vejamos, a seguir, algumas reflexões sobre os dois gêneros.
3.1.1. Notícias advindas de cartas
Como mencionado anteriormente, as notícias veiculadas nas gazetas
eram trechos de correspondências trocadas entre alguns redatores. As
correspondências eram individuais, embora não fossem pessoais, pois serviam
de base periódica ou de relatório sobre o que de interessante se sabia do local
onde era escrita a carta.
Segundo Lisboa et al (2002), Gazetas de Lisboa foi o título utilizado
a partir de 1715 e os textos, de um modo geral, veiculavam informações
políticas e sociais. Nessa coleção de fólios, foram considerados três tipos de
folhas manuscritas e três tipos de abordagem da informação que se
completavam. O primeiro dizia respeito a uma correspondência política, uma
espécie de relatório sobre os fatos interessantes do local de origem do
documento, como acontecimentos políticos e militares, novidades e o dia-a-dia
da corte. Eram cartas trocadas entre pessoas que constituíam uma rede de
100
informações. Tal sistema caracterizava-se pela periodicidade, normalmente
dias certos, e obedeciam à disponibilidade dos correios ou dos “eventos” que
se propunham divulgar/mencionar. Havia, também, os registros ordenados de
informação política e social (organização realizada por quem o escrevia). Essa
rede de correspondentes notificava os acontecimentos do reino, as notícias de
guerra, da política, da sociedade, além de curiosidades sobre o tempo. Nessas
notícias advindas de cartas eram registradas as vozes da insatisfação e da
insubordinação às autoridades portuguesas. As críticas aos membros da
família real eram bastante presentes. Registravam-se ainda histórias de crimes,
roubos, violações, brigas, adultério, enfim, casos de justiça. As práticas de
contenção ou solução para esses desentendimentos também circulavam
nessas Gazetas, como, por exemplo, enforcamentos, exílios e execuções em
geral. Por fim, existiam, ainda, os folhetos de circulação produzidos de forma
regular e reunidos em coleções por uma empresa (emissor especializado). Sua
linha de interesse era o relato de crimes e castigos e a intriga da Corte.
Lisboa et al (2002) citam um correspondente chamado Monterroio que,
segundo eles, era redator da gazeta impressa mas fazia parte também da rede
de informações, pois correspondia-se com Rodrigo Pereira de Faria, entre
outros. No trecho a seguir, Monterroio agradece em carta as informações que
recebeu e diz que irá publicá-las na gazeta:
“Agradeço as notícias que me dá dos cazos de Castelo branco e
Arganil. Já meti hum na Gazeta desta semana para servir de
exemplo e também metera o outro se o tivera por certo./a [notícia] do
Dr. José de Lima Pinheyro escrevi já hoje na Gazeta. Suponho que
não será reiscada na revista.” (LISBOA et al,2002; p.27)
101
Lisboa et al (2002) apontam a característica que tinham os folhetos
manuscritos de facilitadores de intrigas. Segundo os autores, em certa ocasião,
Rodrigo Pereira de Faria escreveu a Monterroio uma notícia relativa à
Congregação do Oratório e sua publicação desagradou ao rei. Inicialmente
confuso a respeito de quem lhe enviara a carta com esta notícia, quando
percebeu ter vindo esta de Pereira de Faria, Monterroio lhe escreveu “Esteja
Vossa Mercê certo que ninguém soube ainda nem saberá quem me deu a
notícia em que Vossa Mercê me fala;” (LISBOA et al, 2002; p. 27).
Como as gazetas eram cartas, havia no circuito dificuldades devido a
problemas de tempo, falta de informação e correios. Lisboa et al (2002) citam
um trecho de Monterroio no qual reclama sobre a questão da falta de tempo:
“Vossa Mercê e eu por querermos entreter muitas correspondências nos nam
chega o tempo para todas./ Nem sempre se pode o que se deseja. O dia que
tenho destinado para responder ao correyo das quatro Províncias
he o
Sábado: e quando concorrem neste dia visitas levam o tempo que tinha
destinado para me comunicar com os ausentes(...)”(LISBOA et al, 2002, p.28).
“Nam sey se há ainda Santarém porque nam tive neste Correyo nem carta de
Vossa Mercê nem do Padre Montez” (LISBOA et al, 2002, p.28). é uma
reclamação de Monterroio a respeito da falta de notícias vindas de seus
correspondentes. A rede de correspondentes preocupava-se também com o
problema dos correios: não chegar a notícia ou demorar demais ou, ainda, ser
violada a carta. Poderia, então, o correio se tornar, ainda que indispensável
para circulação das correspondências, uma ameaça à privacidade de um
assunto sem pretensão pública. Numa de suas cartas, Monterroio escreve:
102
Nam me entendo com estes correyos que vam costumando a
desgostar a gente porque também me deu susto o faltar o meu
folheto em razão de algumas novas que nelle vão de cousas
que se dizem, mas agora me diz o Padre Luis Montez que o
tem recebido depois de Correyo e assim poderia ser a carta
que Vossa Mercê me diz lhe falta.” (LISBOA et al, 2002; p.29)
Na descrição dos corpora, pretendemos fornecer informações específicas
sobre cada corpus estudado e voltaremos a falar das gazetas manuscritas.
3.1.2. O gênero carta
Segundo
Marcuschi
(2002),
gêneros
são
textos
materializados
encontrados em nossa vida diária que apresentam características sóciocomunicativas definidas por conteúdos, por propriedades funcionais, estilo e
composição característica. A partir dessas características, é possível identificar
os documentos analisados como cartas, podendo-se, a partir desse gênero,
vislumbrar o uso das estratégias de relativização de mais de 200 anos atrás.
Citando Bakhtin (1997), que estabelece uma relação entre o uso
diversificado da linguagem e a variedade das atividades humanas, Andrade
(2008) define gêneros discursivos ou gêneros textuais como sendo enunciados
relativamente estáveis que garantem a comunicação verbal. Segundo a autora,
são textos empiricamente realizados, encontrados no meio social de forma
materializada.
Silva (1997 apud Andrade, 2008) afirma que a carta estabelece uma
variedade de tipos de comunicação, como pedido, agradecimento, conselho,
desculpas, informações, notícias familiares, prestação de contas, etc. Essas
funções comunicativas variadas e sua circulação em campos de atividades
103
diversos fazem dessas cartas textos de caráter distinto. São, portanto,
subgêneros do gênero maior “carta”, já que apresentam, como documentos
pessoais ou de negócios, traços comuns típicos dessa tradição discursiva – a
estrutura básica constituída pela seção de contato, núcleo da carta e seção de
despedida.
Os tipos de carta, segundo Andrade (2008), são classificados quanto à
forma de realização e suas intenções.
Por exemplo, uma carta de leitor,
segundo tal perspectiva funcional-interativa, é um texto que circula em contexto
jornalístico em uma seção fixa de jornais e revistas, destinadas às
correspondências de leitores, cujas denominações podem ser diferenciadas:
painel de leitor, carta do leitor, cartas à redação. É, segundo a autora, uma
tradição discursiva de domínio público, diferente da carta pedido, da carta
resposta, carta pessoal, etc. Em suma, para a autora, a fim de melhor
compreender cada tradição discursiva, é necessário que se observe o
propósito de cada carta, a sua função enquanto atividade social e os papéis
sociais desempenhados pelos interlocutores.
Bazerman (2006) propõe uma leitura sobre cartas e a apresentação da
perspectiva do autor para o estudo dos gêneros textuais. Segundo o autor, no
estudo
dos
gêneros
textuais,
devem-se
levar
em
consideração
as
circunstâncias em que as pessoas produzem e usam os textos e o interesse
pelos motivos e ações típicos relacionados com a escrita e leitura desses
textos.
Bazerman (2006), ao observar o papel da carta no surgimento de gêneros
como o artigo científico, a patente, o relatório dos acionistas, as notícias de
jornal e os relatórios em geral, percebe que essa correspondência viabiliza
104
novas direções para as formas de comunicação por conta de sua comunicação
direta entre dois indivíduos dentro de uma relação específica em circunstâncias
específicas. O autor sugere a influência das cartas na formação de outros
gêneros textuais16.
Num histórico sobre as cartas, Bazerman (2006) mostra que elas eram
usadas no antigo Oriente Próximo para veicular os primeiros comandos
escritos assim como outros assuntos de Estado e, em períodos anteriores,
eram recitadas por mensageiros e projetavam a presença do emissor.
Na sua evolução, passaram a ter um caráter mais pessoal até se
tornarem mensagens particulares devido ao estreitamento de laços sociais. Em
consequência disso, as cartas pessoais familiares tornaram-se comuns nos
mundos helênico e romano, em seguida passam a ser utilizadas em relações
de negócios, em escritas ficcionais nas escolas, nas relações religiosas (como
cartas-orações, cartas aos deuses). As cartas que compõem os nossos corpora
não são todas da mesma natureza. Há relatórios administrativos – como é o
caso das cartas de esfera pública do marquês do Lavradio e algumas missivas
do Padre Vieira. Há os desabafos familiares e os relatórios de desempenho no
trabalho: cartas particulares do marquês, as do remetente das aljamias e várias
cartas de desconhecidos (doravante, CARDS). Tem-se, ainda, a documentação
produzida pelo Padre Antonio Vieira cujos assuntos eram também particulares.
Segundo o autor, a carta, que foi criada para mediar a distância entre dois
indivíduos, “fornece um espaço transacional aberto, que pode ser especificado,
definido e regularizado de muitas maneiras diferentes” (BAZERMAN, 2006, p.
87). Assim, tal gênero se expandiu com a inserção de mais temas e
16
O recente estudo de Salles (2011) mostra que os editoriais publicados em jornais originamse das cartas de redatores que circulavam nos jornais brasileiros do século XIX.
105
transações. Como resultado disso, o autor aponta a relevância da carta dentro
da antiga igreja cristã, uma vez que, com exceção dos evangelhos, todos os
livros do novo testamento foram escritos em forma de cartas, estabelecendo a
comunhão entre os cristãos.
Com o crescimento da igreja, elas foram usadas para manter a burocracia
e os laços da comunhão. Essas e outras funções a que as cartas serviam
mostram, na opinião do autor, a ligação entre elas e os documentos legais
como
concessões
de
mosteiros,
arranjos
contratuais,
contratos
de
transferência, concessões de imunidades e privilégios e alguns outros.
Bazerman (2006) discute dois últimos gêneros textuais que surgiram a
partir da necessidade de estabelecimento de relações continuadas entre as
pessoas com o crescimento das empresas: a carta aos acionistas e a carta
comercial.
A carta aos acionistas eram relatórios informativos sobre seus
investimentos e, até hoje, para o autor, percebe-se informações sobre a
situação geral da companhia, assinada pelo presidente, nos relatórios anuais
das grandes empresas, acompanhados dos gráficos, figuras e fotografias. A
carta comercial dava conta das comunicações internas e externas que surgiram
a partir da expansão de atividades das empresas.
A princípio, tratava da
comunicação necessária e, em seguida, proliferou-se “em novos gêneros que
se tornaram parte das operações diárias e partes dos registros permanentes da
companhia. As cartas do marquês, de esfera pública estudadas, tal como as
comerciais, consolidavam relações da administração pública no século XVIII;
serviram como relatório de decisões, divulgação de medidas, desabafos de
decepções, além de um meio de aproximação entre pessoas que se
106
relacionavam à distância. Na descrição do corpus, discutiremos um pouco mais
sobre o material estudado.
A partir do estudo de Bazerman (2006), percebemos a importância da
carta para o surgimento de novos gêneros textuais. Sua estrutura foi “copiada”
em situações diversificadas, em épocas distintas, a partir de necessidades
variadas.
Na seção seguinte, faremos breves considerações sobre a Amostra,
constituída de gazetas e cartas. O material foi selecionado para a análise das
relativas não-padrão nos séculos selecionados.
3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A AMOSTRA
Para comprovar nossa hipótese de que as construções relativas não
padrão não são exclusivas do português do Brasil e que datam de épocas
remotas no português europeu, procedemos ao levantamento de dados em
textos portugueses dos séculos XVI, XVII e XVIII. Trata-se de cartas e gazetas
que, uma vez escritas por portugueses nas épocas citadas, puderam
representar a realidade linguística desse período. O material de análise está
assim distribuído:
Cartas em Aljamia Portuguesa – textos de língua portuguesa
escritos em caracteres árabe – Edição semidiplomática e
atualizadora de Teixeira (2006);
CARDS – Cartas de Desconhecidos – correspondências
particulares utilizadas como fonte de consulta nos processos da
Inquisição
localizadas
em
(http://www.clul.ul.pt/pt/recursos/179 -c-a-r-d-s-cartasdesconhecidas-unknown-letters).
107
Cartas do Padre Antônio Vieira (disponibilizadas no Corpus
Anotado
do
Português
Histórico
Tycho
Brahe
–
(http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/termos.html);
Cartas do Marquês do Lavradio – Edição semidiplomática feita por
Marcotulio (2008);
Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora publicado em
Lisboa et al (2002).
As cartas estudadas, considerando-se os remetentes, assim como as
gazetas, representam o português europeu no sentido de terem sido escritas
e/ou traduzidas por portugueses.
Os dados foram analisados por período. No século XVI, cruzaram-se os
dados das cartas aljamiadas com as cartas de desconhecidos (CARDS) da
mesma época. Para análise do século XVII, comparamos os dados das cartas
do Padre Antônio Vieira com os das cartas de desconhecidos desse século
(CARDS). E, por fim, para o século XVIII, compararam-se os dados das cartas
do Marquês do Lavradio, as CARDS e as gazetas.
Vejamos, a seguir, a descrição de todo o material.
3.3. DESCRIÇÃO DOS CORPORA
3.3.1. Os textos em Aljamia Portuguesa
Não se pode precisar exatamente quando surgiu a literatura aljamiada.
Devido ao seu estado avançado de sistematização alcançado no século XV,
supõe-se que esta prática remonte aos primórdios da presença dos primeiros
mouros na Península Ibérica. Por não conhecerem o sistema de escrita dos
108
cristãos, os muçulmanos recorriam ao alfabeto árabe para grafar as línguas
românicas: “A literatura aljamiada é um corpus de textos escritos em uma
língua com a grafia de outra língua” (ROSA-RODRÍGUEZ, 2009:10)17. Assim
surgiu um sistema híbrido que utiliza os símbolos da língua árabe para grafar
as línguas do ocidente.
O termo aljamia, segundo Hegyi (1979:262), foi romanizado e usado pela
primeira vez na Espanha. Ele provém do árabe
‫( العجمية‬al-cajamiyya), que
significa a língua dos estrangeiros, dos bárbaros. A princípio, os árabes
utilizavam este termo em oposição a ‫( العربية‬al-carabiyya) – a língua árabe –,
mais tarde é que ele foi atribuído também aos textos de línguas estrangeiras
escritos em caracteres árabes. Geralmente, só se admite que é aljamia a
literatura que apresenta a língua espanhola grafada com caracteres árabes,
porém existem outros textos com este tipo de prática:
Transposta para um ambiente hispânico e um contexto cristão,
além da inevitável transformação fonética que ocorreu, a forma
romanizada aljamiado também sofreu algumas modificações
semânticas e teve parte da conotação original perdida,
tornando-se, finalmente, um termo puramente técnico que
indica "textos espanhóis escritos com o alfabeto árabe". Por
extensão, tem sido ainda aplicado a fenômenos semelhantes
fora de Espanha, em particular para o português, servo-croata
e albanês escritos em alfabeto árabe, e em vista das
circunstâncias análogas, a textos ibero-romance em alfabeto
hebraico. (HEGYI, 1979:262)18
17
“La literatura aljamiada es un corpus de textos escritos en una lengua con la grafia de otra
lengua” (ROSA-RODRÍGUEZ, 2009:10)
18
Transposed into the Hispanic environment and a Christian context-apart from the inevitable
phonetical transformation which took place-the Romanized form aljamiado also suffered some
semantic modifications, and lost part of the original connotations, becoming finally a purely
technical term denoting "Spanish texts written in the Arabic alphabet." By extension, it has been
further applied to similar phenomena outside Spain, in particular to Portuguese, Serbo-Croatian
and Albanian written in the Arabic alphabet, and in view of the analogous circumstances, to
Ibero-Romance texts in the Hebrew alphabet. (HEGYI, 1979:262)
109
Os textos em aljamia portuguesa, de que se tem notícia, ao contrário da
extensa produção espanhola, são compostos de apenas oito documentos,
todos datando do século XVI. Estes documentos foram publicados pelo
arabista português David Lopes, em 1897, no livro Textos em aljamía
portuguesa. Lopes (1940) observa que os textos não são originais, mas
cópias vertidas da tradução em português dos originais árabes. Logo, foi
possível utilizá-los como material de língua portuguesa representativa do
século XVI.
Os documentos não são datados e nem há identificação do
copista que os verteu em aljamia.
Dos oito textos, sete são cartas endereçadas ao rei Dom Manuel e a
outras autoridades portuguesas; o último é um juramento
("Juramento que faz o Turco quando comete alguma grande coisa").
Cinco das cartas – as mais extensas – são do mesmo autor, o
caudilho mouro a serviço da Coroa portuguesa , em Marrocos , Iaḥia
Bentafuf [...] as outras duas são de dois chefes marroquinos – o
xeque Saíde do Cabo de Guer19 e o xeque Buslisba ͤ da Enxovia.
(TEIXEIRA, 2006:14)
Foram analisadas, como corpus, quatro cartas dos oito documentos
aljamiados que se encontram arquivados em Lisboa, na Torre do Tombo. Duas
cartas estão fac-similadas na edição de Lopes (1940): a carta de Sidi Iahia
Bentafuf, alcaide de Safim, e a carta de Iahia Ben Bolisba, xeque da Enxovia.
As outras duas foram transcritas por Lopes (1940) e, para este trabalho,
utilizaremos a edição semidiplomática e atualizadora propostas por Teixeira
(2006). As quatro cartas possuem um destinatário comum: o rei D. Manuel.
Considerando o período de produção desses textos, além de comprovar a
hipótese da antiguidade das relativas não padrão, pretendíamos verificar se as
19
"Topônimo identificado com Santa Cruz do Cabo de Guer, actual Agadir, deve o seu nome à
tribo Igir" (FARINHA, 1997, p. 471)
110
construções de relativização foram produzidas nos mesmos padrões das
verificadas no mesmo período.
3.3.2. As Cartas de Desconhecidos (CARDS)
Esse corpus foi organizado pelos pesquisadores Ana Maria Martins,
Fátima Sá e Melo, José Vicente Serrão, Rita Marquilhas e Rosário Álvares
Blanco
e
alguns
colaboradores
e
encontra-se
disponível
em
(http://www.clul.ul.pt/pt/recursos/179 -c-a-r-d-s-cartasdesconhecidas-unknown-letters). As CARDS – Cartas de Desconhecidos
– são documentos de origem judicial (1850 cartas) e familiar (150 cartas) que
constam do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Essas 2000 cartas da esfera
privada eram utilizadas pelo Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa,
como provas em processos movidos pela igreja.
Uma boa parte das cartas foi escrita em Lisboa entre os séculos XVI e
XIX. Há também missivas escritas por portugueses no Brasil. Para este
trabalho, no entanto, foram selecionadas apenas as cartas do século XVI ao
XVIII produzidas em território português. São, no total, 126 documentos.
Das cartas dos séculos XVII e XVIII, foram selecionadas 121 cartas, 89 do
século do XVII e 32 do XVIII .
Das correspondências do século XVI, destacam-se, diferentemente do
que ocorre nos demais séculos, cartas escritas originalmente em árabe e
traduzidas por portugueses para consulta em processos do Tribunal do Santo
Ofício, Inquisição de Lisboa20. Todas constam do Arquivo Nacional da Torre do
20
Somente uma carta, a 3128, constitui-se uma denúncia escrita por Francisco Miranda,
padre, enviada ao arcebispo de Évora.
111
Tombo. O texto 2151 é a tradução de carta árabe de Mohate, cativo de Dom
Pero da Cunha, para Molaj Mofemede Xarife. O documento 2152 é a tradução
de carta árabe de Mançor, cativo do Infante Dom Vasco, para Al Xaqua Nõ
Habede Rahamão. A carta 2153 é a tradução de carta árabe de Mançor
Ataharane, cativo, para Halej Alfaçe seu irmão. E, por último, o texto 2154 é a
tradução de carta árabe de Hamoharte, cativo, para Macahode seu irmão.
Essas quatro cartas foram traduzidas para serem usadas como provas
documentais no processo de Luís Duarte, um mouro de vinte anos de idade,
natural de Alcacer Quibir e antigo cativo do Infante D. Luís.
A temática presente nessa amostra específica é muito variada. Há
discussões sobre bigamia, mulheres requerendo a posição de esposas a
maridos casados pela segunda vez, parentes cobrando e ameaçando o marido
bígamo, entre outros. No âmbito da igreja, freiras se comunicam com padres
acusando mulheres de bruxaria, pessoas descrevem realizações e efeitos de
feitiços, padres são convocados para solucionarem questões espirituais. Há
cartas que discutem questões de cativeiro, ou são denúncias dirigidas a
cristãos novos, acusados de comprometimento com outras religiões ou que não
sabem realizar as orações cristãs, e assim por diante.
As CARDS são identificadas por números e constam ainda a data, local,
resumo do tema e referência arquivística – Arquivo Nacional da Torre do
Tombo/ Tribunal do Santo Ofício/ inquisição de Coimbra ou Lisboa. Nessa
referência, encontram-se, ainda, o número do livro, do processo e, às vezes,
uma menção ao promotor da Inquisição. É citado, quando há, o número de
outras cartas em que haja assuntos relacionados. A isso, segue-se o corpo da
carta, a edição modernizada do texto, a descrição do contexto em que
112
aconteceram os fatos narrados (que pode esclarecer dúvidas sobre o assunto),
e, por fim, as normas de transcrição utilizadas.
As “cartas de desconhecidos” (CARDS) constituem um material bastante
pertinente para a análise do fenômeno pelo fato de os documentos terem sido
produzidos por pessoas menos letradas ou com pouco contato com modelos
eruditos de escrita. Além do mais, a documentação é representativa de todo o
período de tempo controlado (do século XVI ao XVIII) e não de um século
específico. Dessa forma, será possível observar a variação das estratégias
relativas em textos portugueses na longa duração.
3.3.3. As cartas do Padre Antonio Vieira
As cartas do Padre Antônio Vieira fazem parte do “Corpus Anotado do
Português Histórico
–
Tycho
Brahe”
e
estão
disponíveis no
site
(http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/termos.html). Trata-se de um
corpus eletrônico composto de textos de autores portugueses nascidos entre
os séculos XIV e XIX.
Neste trabalho, utilizamos as cartas do Padre António Vieira, com o
objetivo de compará-las às outras cartas selecionadas na Amostra.
Antônio Vieira foi um padre que viveu no século XVII, cujo nascimento
data do ano 1608. Em sua totalidade, o corpus de cartas apresenta 57088
palavras e é identificado pelo “V-002”. Está disponível uma edição não
modernizada da documentação. Quanto aos tipos de anotações disponíveis, no
caso das cartas de Vieira, tem-se no site a anotação morfológica que permitiu a
identificação rápida dos dados relativos aos pronomes que encabeçam as
113
construções de relativização. O corpus disponibiliza uma listagem que indica o
local de produção ou publicação do material e, no caso das cartas do Padre
Vieira, a indicação é Portugal (que pode representar qualquer país europeu
para fins de simplicidade).
3.3.4. As Gazetas Manuscritas (LISBOA et al, 2002)
Os dados a que chamamos de gazetas constituem-se do primeiro volume
de uma coleção identificada por Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de
Évora, cujos organizadores são João Luís Lisboa, Tiago C. P. dos Reis Miranda
e Fernanda Olival (LISBOA et al, 2002). A coleção é constituída de 14 volumes
distribuídos pelos seguintes períodos: 1729-1733, 1735-1740, 1742-1743 e
1745-1754. A coleção faz parte de um projeto intitulado “Gazetas Manuscritas e
cultura política na primeira metade do século XVIII”.
O volume analisado é o de data mais recuada, 1729-1731, e
“corresponde a um conjunto setecentista de formato 4.º (22x16 cm),
encadernado
em
pergaminho,
e
cujos
fólios
foram
posteriormente
numerados21. São 67 textos datados de 9 de Agosto de 1729 a 25 de
Dezembro de 1731.
Lisboa et al (2002) esclarecem que elaboraram uma fiel edição
diplomática, aliada a uma apresentação que facilitasse a leitura a um vasto
público. Assim, algumas alterações foram feitas como a inserção de ponto
parágrafo quando o original não o tinha. De um modo geral, as intervenções no
21
Na Biblioteca Pública de Évora a documentação recebeu a cota “Cód. CIV/1-5 d”.
114
texto foram apontadas em notas ou em parênteses. Há notas também que
esclarecem o significado de palavras que caíram em desuso.
As gazetas manuscritas da Biblioteca Pública de Évora, embora tivessem
sua origem no gênero carta, já apresentavam em sua composição estrutural
propriedades próprias, uma vez que as partes mais formulaicas, como a
saudação, seção de contato inicial, despedida e assinatura eram eliminadas do
periódico. Trata-se de um importante material de pesquisa para o período
estudado pelo fato de ter sido produzido por indivíduos diferentes e por permitir
o confronto com os outros documentos levantados para o século XVIII.
3.3.5. As cartas do Marquês do Lavradio
Para a era setecentista, analisamos ainda um corpus constituído de
cartas escritas pelo Marquês do Lavradio editadas por Marcotulio (2008).
Nesse caso, trata-se da documentação produzida por apenas um remetente a
distintos destinatários, o que possibilita observar a produção escrita de um
único indivíduo nas diversas relações sociais estabelecidas.
As 70 cartas de D. Luís de Almeida Portugal Soares Alarcão Eça Melo
Pereira Aguiar Fiel de Lugo Mascarenhas Silva Mendonça e Lencastre, 2º
Marquês do Lavradio e 5º Conde de Avintes (para este trabalho, marquês do
Lavradio) foram escritas entre 1769 e 1776. Segundo Marcotulio (2008), depois
de uma vida de formação e experiência militar em Portugal, o português
marquês do Lavradio, em setembro de 1767, veio para o Brasil a fim de
atender ao convite do rei D. José I. Durante os dez anos em que esteve na
Colônia, exerceu vida pública como vice-rei subordinado à Coroa Portuguesa e
115
comandou todos os governadores e capitães-generais das capitanias
brasileiras.
As cartas do Marquês estão agrupadas em função do perfil de seus
destinatários. Há as cartas da esfera pública destinadas aos subordinados do
Marquês que faziam parte da máquina administrativa colonial (capitães gerais e
governadores de província). Constam também do corpus as missivas da esfera
privada que circulavam no seio familiar. Nesse último caso, o grau de
parentesco é considerado em função dos laços consanguíneos (tio, primo e
irmão) ou afetivos (cunhado, genros e parentes de parentes).
Na seção seguinte, apresentaremos as variantes consideradas, conforme
demonstrado na Introdução da presente pesquisa.
3.4. CONHECENDO AS VARIANTES
No presente trabalho consideramos como formas variantes os três tipos
de estratégias de relativização abordadas nos trabalhos sobre o assunto (cf.
SILVA, 2005; CORRÊA, 1998; MOLLICA, 1977, 2003; BISPO, 2009; KENEDY,
2007, VAREJÃO 2006): as relativas padrão, cortadora e copiadora.
Alguns estudos já demonstraram a supremacia da estratégia cortadora
em relação à padrão em português (BISPO, 2009; KENEDY, 2007). Outros
analisaram a variação entre as três construções em dados de fala e/ou escrita
do português brasileiro (SILVA, 2005; CORRÊA, 1998). A presente pesquisa
visa a analisar as ocorrências dessas variantes relativas na produção escrita de
portugueses nos séculos XVI, XVII e XVIII, a fim de verificar se, nesse período
116
de três séculos, existia variação nas estratégias de relativização como foi
observado nos estudos de base sincrônica.
Em (A), ilustramos exemplos da estratégia padrão. Esse tipo de
construção pode apresentar estruturas de todas as funções sintáticas. Os
exemplos (1) e (2) mostram estruturas relativas padrão de sujeito e objeto
direto, nas quais o termo relativizado é um sintagma nominal (SN). Em (3),
temos um exemplo de estrutura padrão cujo termo relativizado é de sintagma
preposicionado, no caso, com função de adjunto adverbial:
A)
Estratégia Padrão ou Canônica
(1)
o conhecimto. q.temos de hüa regateira q. na nossa Igra. Esta
fazendo feitiços continuamte (CARDS3111 - XVIII)
(2)
Remeto a Vm. o ingoento que me mandou pedir pa. as dores de
Cabeca (CARDS2011 - XVIII)
(3)
Por esta causa, e pelo impedimento do caminho, com que se
dificultava poderemos padres ser socorridos e visitados, (Vieira XVII).
A estrutura apresentada em (B) exemplifica a estratégia cortadora. Nesse
caso, tem-se uma construção de sintagma preposicionado (doravante PP) que,
em vez de apresentar a preposição exigida pela regência do verbo da cláusula
relativa, é encabeçada pelo relativo universal (“que”) sem a marca de
preposição.
117
B)
(4)
Estratégia Cortadora
El Rey não foi a Patriarcal, e se pu[r]gou para hua queixa leve de
estomago que se não soube na corte (Gazetas)22
Em (C), apresentam-se as construções que repetem, na cláusula relativa,
a informação do antecedente evidenciando a perda do caráter anafórico do
pronome relativo. Esses casos são denominados de estratégias copiadoras.
Em (5), exemplificamos uma construção copiadora de sintagma nominal com
função de OD. Em (6), apresentamos uma relativa copiadora PP com cópia
preposicionada, criada a título de ilustração:
C)
Estratégia Copiadora
(5)
Como farei nos bichos que os não prometo pr. não mentir a Vm.
mas se ouver oCazião q. o poça fazer (CARDS3122 - XVII)
(6)
El Rey não foi a Patriarcal, e se pu[r]gou para hua queixa leve de
estomago que se não soube na corte sobre ela/dela
3.5. DESCRIÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE
A adoção de pressupostos da Sociolinguística quantitativa instaurados por
Labov (1994) visa ao controle da distribuição de frequência das ocorrências
levantadas. Para facilitar a descrição e a análise quantitativa, submetemos os
dados coletados nas distintas amostras ao programa estatístico GOLDVARB
para o cálculo das frequências brutas. Nessa perspectiva, adotar-se-ão alguns
22
Consideramos a forma “que” o relativo universal de uma estrutura de relativização na qual
houve “corte” de preposição (de ou sobre). No entanto, não descartamos a possibilidade de
uma interpretação diferente da nossa: uma oração adverbial consecutiva.
118
grupos de fatores utilizados por Corrêa (1998) e Silva (2005) considerados
relevantes para o estudo das relativas nesses dois estudos.
Para a análise do corpus diacrônico do português europeu, foram
utilizados cinco grupos de fatores de natureza linguística e dois de natureza
extralinguística.
Os fatores de natureza extralinguística são o tipo de texto (Aljamia,
CARDS, Cartas do Padre, cartas do Marquês e Gazetas Manuscritas) e o
século em que os textos foram escritos. Esses fatores foram testados com o
intuito de observar se os remetentes apresentavam estilos diferentes a
depender do maior ou menor contato com modelos de escrita erudita. O intuito
era verificar se o grau de formalidade estabelecido na relação com os
destinatários poderia interferir na presença ou ausência das estratégias de
relativização. Seria possível identificar nas cartas pessoais ou nas gazetas as
estruturas de relativização mais inovadoras (cortadoras e copiadoras)?
O grupo de fatores de natureza linguística visava identificar os contextos
propícios ou não ao uso de determinada estratégia, conforme passamos a
mostrar23:
23
Algumas estruturas não foram encontradas na Amostra e por isso não estão apresentadas
ao longo desse capítulo.
119
I - Função Sintática
Nesse grupo, levam-se em conta as diferentes funções sintáticas que
podem ser exercidas pelo pronome relativo na oração que encabeça ou
introduz: sujeito, objeto direto, complemento relativo, adjunto adnominal,
adjunto adverbial, complemento nominal e objeto indireto24. Um dos objetivos é
verificar a possibilidade de alguma função favorecer a produtividade de
determinada estratégia. Além disso, analisaremos outras questões específicas,
como o caso das relativas de adjunto adnominal, para verificar a produtividade
do uso de cujo e a sua substituição pelo que. Exemplificamos, a seguir, as
funções sintáticas com todas as possibilidades de orações relativas, a elas
atribuídas, que surgiram no corpus:
Sujeito
(7)
eesteLabarinto saõ os saraus que fazem omeudivertimento
(Marquês – XVIII; carta181) – Estratégia Padrão
(8)
y que avia Pezad [...] una Vez fuera del tiempo ja pasadas Las Luras
cosas que cada una dellas bastava Para q. no sucediese bien
(CARDS3042 - XVII) – Estratégia Copiadora
Objeto direto
(9)
Estaz saõ todas asnovidades que posoter ahonra deRepetir aVossa
Excelência (Marquês – XVIII; carta 374) – Estratégia Padrão
(10)
espero me queira sempre continuar afurtuna dosSeuz preceitoz, que
os executarei sem pre com omayor Respeito. (Marquês – XVIII;
carta 374) - Estratégia Copiadora25
24
Nesta pesquisa, consideramos o objeto indireto um complemento do tipo dativo, alvo da
ação; em detrimento às estruturas que Rocha Lima considera complemento relativo.
25
“que os executarei” foi considerada uma oração relativa cujo alvo é “preceitoz”. Considerase, no entanto, a possibilidade de se tratar de uma oração explicativa.
120
A variação nas funções de sujeito e objeto direto (doravante OD) se dá
entre as estratégias padrão e copiadora. Nas demais funções sintáticas, que
apresentamos a seguir, a variação pode ocorrer entre as três estratégias
estudadas.
Complemento Nominal
(11)
Utilidade sem fazeres nenhum daqueles Exercisios aque estavas
costumado (Marquês – XVIII; carta) – Estratégia Padrão
(12)
descendo-se aos meios da conveniência, se ponha
e mprática o da compra, é matéria que não te m dúvida
pela aceitação econveniência do mesmo contrato que ,
oferecido da nossa part e em pri meirolugar, fica de muito
desigual condição (Vieira) - Estratégia Cortadora
Complemento Relativo26
(13)
poso separar alguns brevesinstantes para estas eoutras obrigaçoens
aque naõ devo faltar. (Marquês – XVIII; carta 227) – Estratégia
Padrão
(14)
Co m e sta resposta houve última junt a dos Estados, qu e
durou u m dia inteiro, naqual se entende que ficou resoluta
a paz, debaixo poré m de algu mas condições que se
saberão melhor quando delas nos dere m vista (Vieira XVII) - Estratégia Cortadora
26
Adotamos a proposta de Rocha Lima para distinguir os dados de complemento relativo dos
de objeto indireto dativo que são escassos em pesquisas sincrônicas, embora não sejam
incomuns na presente pesquisa.
121
Objeto indireto27
(15)
sendo a sanctissima Virgem nossa senhora e seu bento filho Christo
jhs. testas. Deste meu dizer, aos quais peco me concerven o juizo
em sua graca pa. tolerar, os trabalhos pobreza e mizeria
(CARDS3154 - XVII) – Estratégia Padrão
Adjunto Adnominal
(16)
asprontas cobranças doseu Cazal, que anda espalhado; cuja carta
mepoêm na obriga çaõ de rogar a Vossa Excelência asua proteçaõ
(Marquês – XVIII; carta 538) – Estratégia Padrão
(17)
Terceira: vendo os Povos que tu tedisvelas tan-to em beneficio
(Marquês – XVIII; carta 537) - Estratégia Cortadora28
Adjunto Adverbial
(18)
porem abrevidade com que partem estez Navioz menaõ dá Lugar
para mais
( Marquês – XVIII; carta 345) – Estratégia Padrão
(19)
E no dia que casou lhe penhorou o coche. (gazetas - XVIII) Estratégia Cortadora
(20)
e depois adonde go Larão, e achou ser aquelle, e foi depois de fazer
mtas. mais deligëçias q. todas constavão ser elle o matador levou o
o limoeiro em tudo se em Controu Com o q. tinha ditto foisse o juiz
(CARDS3042 - XVII) – Estratégia Copiadora
II - Tipos de Pronomes relativos
Esse grupo de fatores controla as diferentes formas pronominais que
encabeçam uma oração relativa: que, qual (e flexões: o qual, a qual, os quais,
as quais), cujo (e flexões: cuja, cujas, cujos), onde, quem, etc. Esse grupo de
27
Não encontramos na Amostra exemplos da estratégia cortadora na função de objeto indireto
(dativo) como “sendo a sanctissima Virgem nossa senhora e seu bento filho Christo jhs. testas.
Deste meu dizer, que peco me concerven o juizo em sua graca pa. tolerar, os trabalhos
pobreza e mizeria” (exemplo criado a título de ilustração).
28
Neste caso, consideramos “Cortadora” todas as estruturas relativas de função genitiva, nas
quais o pronome requerido “cujo”, preposicionado ou não, é substituído por “que”. “Copiadoras”
seriam, assim, estruturas similares acrescidas de um pronome cópia (Terceira: vendo os Povos
que tu tedisvelas tan-to em beneficio deles).
122
fatores visa a verificar se a forma relativa que é também a preferida nos dados
de épocas remotas como observado nos estudos sincrônicos (SILVA, 2005;
CORRÊA, 1998).
Que
(21)
intendenDo se liverava por Ca e ser Culpa que se lhe inputou
Comigo que hera brio meu (CARDS2016 - XVIII) – Estratégia
Padrão
(22)
todas as vezes q avia de ser sangrada lhe disiao antes fa vai en pax
(CARDS3097 - XVII) - Estratégia Cortadora
(23)
inocentemte. condenado a morte pello crime de judaismo, coiza que
tal nunca ao penssamto. me Veio, pois a doutrina que meus pais me
ensinarao foi sempre a Lei de Christo jhs., (CARDS3154 - XVII) –
Estratégia Copiadora
Quem
(24)
Quarta Pelo bem comum da república, de quem nós também somos
membros, (Vieira - XVII).
Qual29
(25)
sendo a sanctissima Virgem nossa senhora e seu bento filho Christo
jhs. testas. Deste meu dizer, aos quais peco me concerven o juizo
em sua graca pa. tolerar, os trabalhos pobreza e mizeria
(CARDS3154 –XVII) – Estratégia Padrão
(26)
fazendome merce de me aceytarem esta comfissao a qual [juro] aos
Evangelio, (poreste escrito feyto E assinado por mim, (CARDS0052 XVII) - Estratégia Cortadora
29
No caso desse pronome, identificaram-se diferentes formas de grafia:
as coais - Muito estimamos as novas de sua saude, as coais nos deu hü mansebo que
chamão o gil farinha (CARDS1021 - XVII)
o coal - Convem q descanses porq cedo hasde dar o sangue das veyas o coal me offereceras
e eu te aceitarei em resgate daquellas captivas (CARDS3097 - XVII)
o quoal e asim lhe deitava hü sinal da sua mão o quoal foy (CARDS3093 - XVII)
123
(27)
confesandome em huma Irmida) a hum frade desta mesma ordem o
qual mora va nes tempo nesta mesma quinta o qual religuiozo se
chama fr ma [...] tias pereira natural da vila de alcouchete
(CARDS3102 - XVII) - Estratégia Cortadora
Onde
(28)
e so ficou hü buraco por onde entrava a comida (CARDS3118 XVII) – Estratégia Padrão
(29)
Arribou hua náo da frota, e se embaraça nas torres que30
sayãocaravelas descarregadas para que levem madeira ã Ericeira
(Gazetas - XVII) - Estratégia Cortadora
(30)
Terça-feira pella menhã as oito horas do dia me fui confessar a VP. e
foi esta Alma e se pôs de juelhos o Altar do Bom Jesus, e ahi esteve
athé me eu vir pa.caza, onde31 chigando a ella pa. me despir o vi
logo passeando na minha caza de dem=tro, (CARDS3100 - XVII) Estratégia Copiadora
Cujo
(31)
Em Lisboa me mostrou Feliciano Dourado um livro francês intitulado
CoronaMystica, cujo autor tomei em lembrança, mas não acho
a memória. (Vieira XVII). – Estratégia Padrão
III - Tipo de preposição que ocorre na oração relativa ou que foi
“cortada”
Esse grupo de fatores visa identificar a preposição requerida pelo verbo
da oração relativa, observando se a preposição ocorre ou é “cortada” na oração
30
Consideramos “Estratégia Cortadora” a substituição de “onde” (em + que) pelo “que”.
Nesse exemplo (31), a copiadora foi estruturada com o próprio pronome onde, em vez do
que: relativo preferido na construção de formas não padrão conforme apontam estudos
sincrônicos.
31
124
relativa nos casos em que a relativa é encabeçada por uma preposição exigida
pelo verbo.
Objetivamos analisar ainda se a escolha da estratégia preposicionada
(padrão/cortadora/copiadora) tem alguma relação com a preposição exigida
pela regência do verbo na cláusula relativa. No material diacrônico em análise,
há uma tendência a “cortar” alguma preposição específica em detrimento de
outra(s)? Há algum contexto que favoreça a queda ou a manutenção da
preposição?
Apresentamos, a seguir, exemplos com as preposições mais encontradas
na Amostra:
Em32
(32)
Vi carta sua em que fazia esta queixa (Vieira XVII). – Estratégia
Padrão
(33)
No dia que ElRey foy a Rinhafolles mandou dar de jantar a mais de
trezentas (Gazetas) – Estratégia Cortadora
Com
(34) Nem uns e outros estão totalmente esquecidos da amizade e dádivas
dosholandeses, com quem comerciavam nesta costa, (Vieira XVII) –
Estratégia Padrão
32
A preposição “em” apresentou como particularidade a possibilidade de ser grafada diante do
relativo “o (s) qual (is)” sem combinação com os artigos o(os) e a (as):
em os quais - em muitos macos de cartas q. escrevi a Vm. em os quais mandei tambem
todos os q. escrevi ao sr. V. Rei (CARDS3118 - XVII)
em a qual - são Inimigos do capitam Geral porque lhe não deixa Comer toda esta hilha em a
qual querem ser Reis E Senhores absolutos de que Ds. nos livre e Guarde a Vm (CARDS3116
- XVII)
125
(35) âs noites lhe assistem[sic] os parentes, e parentas, a há jogo, bebidas, e
cea com o luzimento que naquella casa se costuma fazer tudo. (gazetas XVIII) – Estratégia cortadora
Por33
(36)
e dis que tem hum livor dos judeos que por ele atormenta os cirtamos
velhos (CARDS1071- XVII) – Estratégia Copiadora
De
(37)
á mina do Dia veyo esta de q. falo asima Margarida; e ja desde as
[horas] a sexta, e Noa; (CARDS3111 - XVIII) – Estratégia Padrão
(38)
Na devassa em que Vossa Excelência me fala tenho já tirado por
testemunhas atoda a França, que por toda ela não ouvi falar mais
que nos grandes delitosdaquela pessoa que Sua Majestade saberá,
referidos não como êles merecem, maspor bôca de quem Sua
Majestade cuida que lhe há-de falar verdade. (Vieira - XVII). –
Estratégia Cortadora
Sobre34
(39)
Sr. thioaqui me dis [Amaro] das eiras q.ja se prenCepiarao a
notefiCar asim Vm.se se quer liverar Casenpre se o notefiCarem he
neCeCario hir a BraganCa (CARDS2014 - XVIII) – Estratégia
Cortadora
No capítulo seguinte, analisaremos os resultados obtidos a partir dos
corpora diacrônicos mencionados.
33
Não foram encontrados exemplos de outras estratégias com preposição “por”.
Só encontramos referência à preposição sobre com “corte” de preposição (estratégia
cortadora).
34
126
CAPÍTULO 4
AS CONSTRUÇÕES DE RELATIVIZAÇÃO: ANÁLISE DOS DADOS
4.1. INTRODUÇÃO
O presente capítulo visa a analisar os dados recolhidos na Amostra
constituída dos corpora Aljamia Portuguesa, Cartas de Desconhecidos
(doravante, CARDS), Cartas do Pe. Antônio Vieira, Marquês do Lavradio e
Gazetas Manuscritas. Era nossa intenção realizar um estudo de base
diacrônica, por conseguinte, compomos tal Amostra com textos dos séculos
XVI, XVII e XVIII. No século XVI comparamos os dados obtidos nas cartas
conhecidas como Aljamia Portuguesa com os dados das Cartas de
Desconhecidos. No XVII, as CARDS foram comparadas aos dados do Pe.
Antônio Vieira. Por último, para o século XVIII, foram analisados três conjuntos
de documentos: as cartas de pessoas desconhecidas, as cartas do Marquês do
Lavradio e as Gazetas Manuscritas. O levantamento geral dos dados pode ser
observado na tabela 1 a seguir:
127
Tabela 1: Estratégias de relativização em textos do século XVI ao XVIII
Século XVI
Padrão
%
Cortadora
%
Copiadora
%
Total
Século
XVII
Aljamia
CARDS
46/50
92%
4/50
8%
0
16/18
89%
1/18
6%
1/18
6%
18
50
Copiadora
%
Total
Padrão
%
Cortadora
%
Copiadora
%
Total
TOTAL
Padrão
%
Cortadora
%
Copiadora
%
Total
46/50
92%
4/50
8%
0
50
Vieira
Marquês
Total
62/68
91%
5/68
7%
1/68
1%
68
375/415
90%
25/415
6%
15/415
4%
415
Padrão
%
Cortadora
%
Século
XVIII
Gazetas
924/957
96%
28/957
3%
5/957
1%
957
147/166
89%
13/166
8%
6/166
4%
166
802/826
97%
20/826
2%
4/826
1%
826
538/599
90%
39/599
7%
22/599
4%
599
802/826
97%
20/826
2%
4/826
1%
826
924/957
96%
28/957
3%
5/957
1%
957
1299/1372
95%
53/1372
4%
20/1372
1%
1372
224/243
92%
10/243
4%
9/243
4%
243
1173/1235
95%
43/1235
3%
19/1235
2%
1235
224/243
92%
10/243
4%
9/243
4%
243
2534/2675
95%
101/2675
4%
40/2675
1%
2675
100%
Foram levantadas 2675 orações relativas na Amostra, 68 do século XVI,
1372 do século XVII e 1235 do século XVIII. Do total, 2534 são estratégias do
tipo padrão, 101 cortadoras e 40 estruturas de cópia. Embora a estrutura
padrão seja a majoritária, é preciso destacar que nesse conjunto de 2534
orações estão inseridas as relativas de sujeito e objeto direto, as mais
produtivas na língua, porém as que não se constituem em contexto para forma
cortadora. A estratégia cortadora aparece em estruturas de sintagma
preposicionado, ou seja, é a forma em que há queda da preposição exigida
pelo verbo da cláusula relativa. No decorrer do capítulo, apresentaremos
comparações que facilitarão a compreensão do papel das estruturas cortadoras
na Amostra estudada.
128
É importante sublinhar que, dos cinco corpora que constituem a Amostra,
somente um apresenta material para todos os séculos controlados. As cartas
em Aljamia Portuguesa são documentos escritos no século XVI; o Pe. Vieira é
um cidadão português do século XVII, logo, suas cartas foram escritas nesse
século. Em relação ao século XVIII, temos dados de dois gêneros textuais, a
Gazeta e as cartas (as cartas do Marquês e as cartas de pessoas
desconhecidas (CARDS). As Cartas de Desconhecidos se destacam em nossa
Amostra porque se distribuem pelos três séculos controlados. É relevante
observá-las na tabela porque seu percentual de cortadoras é praticamente o
mesmo nos três séculos: 6% no XVI, 6% no XVII e 8% no XVIII.
A comparação da frequência das estratégias ao longo dos séculos não se
mostrou tão relevante, já que não identificamos significativas alterações de
frequência. No entanto, pudemos atestar a variação existente entre as três
estratégias de relativização tal como se tem demonstrado nos resultados de
estudos sincrônicos (ainda que os percentuais das formas não-padrão sejam
menores). Os resultados puderam comprovar nossa hipótese da existência de
estruturas de relativização não-padrão em período anterior ao século XIX no
português europeu. Eles revelam questões interessantes a respeito das
construções de relativização apontando uma diferenciação influenciada pelo
tipo de texto que podem ser interpretadas à luz das Tradições Discursivas
(KABATEK, 2006). Quando analisamos o contexto propício às três estratégias
de relativização, estruturas de PP, percebemos que havia ocorrências de
relativas não padrão no PE mesmo em textos escritos, fato de grande
relevância, uma vez que os estudos sobre o assunto consideram a estratégia
129
cortadora uma inovação do PB. Nossos dados as registram em textos escritos
no PE em sincronias passadas.
Para análise dos dados, distribuímo-los por três seções distintas. A
primeira delas, a que segue à presente, 4.2, apresenta a rodada geral (4.2.1) e
os resultados referentes às funções de sujeito e objeto direto (4.2.2).
Procedemos dessa forma, já que em contextos dessas funções sintáticas a
variação só ocorre entre as formas padrão e copiadora. Em 4.3, serão
apresentados os resultados das estruturas PP, ambiente propício para a
ocorrência das três estratégias – padrão, cortadora e copiadora. Na seção 4.4,
analisaremos dados considerados de difícil interpretação e exemplos cujas
estruturas fogem ao padrão das três estratégias estudadas e que, portanto,
tivemos dificuldade em classificar.
4.2. INICIANDO A DISCUSSÃO
4.2.1. Resultado geral
A análise das estruturas de relativização nas cartas estudadas nos levou
a resultados bem interessantes e inesperados. Alguns deles confirmam estudos
sincrônicos sobre o assunto, outros surpreendem as expectativas do
pesquisador. Os resultados nos mostram que, mesmo com índices muito
baixos, as relativas cortadora e copiadora estão presentes nos textos
analisados, confirmando, assim, a hipótese da antiguidade dessas estruturas
na língua. Essa hipótese, que interpreta as estruturas padrão preposicionadas
como artificiais na língua (CORRÊA, 1998; BISPO, 2009) é confirmada também
com estudos como o de Barreto (1996) com base na Demanda do Santo Graal
que identificou formas relativas não padrão nesse corpus. Os estudos
130
sincrônicos do PB (BISPO, 2009; CORRÊA, 1998) e do PE (VAREJÃO, 2006;
ARIM, RAMILO E FREITAS, 2005) apontam a crescente utilização das relativas
cortadoras na língua. Diferente da tese da antinaturalidade proposta por
Kenedy (2007), os autores reconhecem, no caso do PB, que as formas padrão
preposicionadas são fruto de conhecimento formal e só são utilizadas quando
se aumenta o contato com modelos de escrita.
Apresentam-se, a seguir, exemplos das três variantes nas funções em
que há a possibilidade de ocorrer os três tipos de estratégia, já que, como
sujeito e objeto direto, a variação das estruturas de relativização só se
estabelece entre copiadora e padrão. O trecho, a seguir, representa, para a
hipótese adotada no trabalho, a confirmação de que, no século XVII, na escrita
de um português, já ocorriam formas que, para muitos, só surgiram dois
séculos mais tarde na variedade brasileira da língua portuguesa. Trata-se de
um exemplo no qual são identificadas as três variantes ao mesmo tempo, um
trecho de três linhas de uma das cartas do Pe. Vieira:
(1)
porque lhe afirmo a Vossa Reverência que todas as vezes que me
vejo metido nestes labirintos e escrúpulos(i), no mesmo lugar em que
vim buscar a quietação(ii), que assim chego a duvidar dela(iii), e não
sei que há-de ser de mim. (Vieira – XVII)
O primeiro segmento destacado – que me vejo metido nestes labirintos e
escrúpulos(i), – é uma forma relativa na qual o antecedente “todas as vezes”
deveria estar representado por um relativo antecedido de preposição que
marcasse, na cláusula relativa, sua função sintática de adjunto adverbial de
tempo. Trata-se, portanto, da estratégia cortadora. Em princípio, a estrutura
padrão correspondente seria:
131
(i)
porque lhe afirmo a Vossa Reverência que todas as vezes em
que/nas quais me vejo metido nestes labirintos e escrúpulos
O segundo trecho destacado demonstra uma estrutura relativa padrão,
forma em que o referente ”mesmo lugar” está marcado por preposição (“em”)
na cláusula relativa, justificando a função sintática de adjunto adverbial de
lugar. Temos, portanto, vim buscar a quietação no mesmo lugar. Note-se que o
referente, antecedente do relativo, “mesmo lugar” também está antecedido de
preposição (“em”), situação que, segundo Moura Neves (2000, p. 383)
configura o padrão na língua, mas que, em contrapartida, pode apresentar
frequente inibição da preposição anteposta ao relativo (como no exemplo Mais
ou menos na época QUE cheguei de Minas apresentado pela autora) (MOURA
NEVES, 2000, p. 383):
(ii)
no mesmo lugar em que vim buscar a quietação
A terceira estrutura destacada (que assim chego a duvidar dela) é, de
acordo com nossa interpretação, uma relativa copiadora, forma que retoma o
elemento antecedente, o referente, dentro da cláusula relativa por meio de uma
cópia do mesmo. Considerando a estrutura assim chego a duvidar da
quietação (“quietação” que ele busca), entendemos que o referente “quietação”
é
complemento
relativo
do
verbo
duvidar,
sendo,
pois,
um
termo
preposicionado. A preposição exigida pela regência desse verbo deveria estar
anteposta ao relativo; no entanto, foi “cortada” dessa posição e deslocada para
dentro da cláusula relativa configurando uma estrutura de cópia – assim chego
a duvidar dela (duvidar da quietação). Vejamos as estruturas em contraste:
132
(iii)
no mesmo lugar em que vim buscar a quietação, que assim chego
a duvidar dela
no mesmo lugar em que vim buscar a quietação da qual/de que
assim chego a duvidar
Outra comparação será estabelecida entre as estruturas padrão e
cortadora, respectivamente, mostradas a seguir. Consideramos formas
similares em que verificamos a variação na escrita de um mesmo autor:
(2)
e da coroa de Vossa Majestade Dirão porventura (como dizem) que
dêstes cativeiros, [na forma em que se faziam], depende
a conservação e aumento do estado do Maranhão; (Vieira – XVII)
(3)
Resta sòmente considerar se seria conveniente romper logo
a guerra, [na forma  que se praticava], ou continuar com a paz.
(Vieira – XVII)
(2)
PADRÃO: na forma em que se faziam
(3)
CORTADORA: na forma que se praticava
Em (2) e (3), o antecedente preposicionado “na forma” é o mesmo, mas o
remetente produz duas construções distintas assim interpretadas:
- na forma se faziam cativeiros OU cativeiros eram feitos na forma (i.e., dessa
forma, dessa maneira)
- na forma se praticava a guerra OU a guerra era praticada na forma (i.e.,
dessa forma, dessa maneira)
No primeiro caso, a variante da relativa escolhida é a relativa padrão e, no
segundo, a cortadora.
Destacamos, também, duas construções com o verbo “tratar”. São
similares, apresentando, de acordo com nossa interpretação, a regência
133
“alguém trata de alguma coisa” – verbo transitivo que rege um complemento
com preposição de. Seguem os exemplos e, na sequência, a análise sintática:
(4)
e o Marquês, antes de eu vir, tinha escrito a Sua Majestade, pedindo
com grande apêrto [o mesmo de que nós tratamos], e se preza
muito de ser êste o seu voto. (Vieira – XVII)
Nós (sujeito) – tratamos – do mesmo (complemento relativo)
(5)
Deus lhe dê melhor discurso para [os negócios Ø que trata], porque,
se entende os seus como os alheios, não fará grandes progressos
o serviço de Sua Majestade naquela cúria. (Vieira – XVII)
Você (sujeito) – trata – dos negócios (complemento relativo)
As construções relativas são equivalentes, no entanto, em (5), optou-se
por “cortar” a preposição do verbo tratar. Os exemplos em destaque
evidenciam, dessa forma, que, nos séculos estudados, já eram empregadas
relativas conhecidas, atualmente, como estratégia de relativização cortadora.
Não se trata de uma inovação do PB.
Na próxima seção, 4.2.2, comentaremos a respeito das funções de sujeito
e objeto direto e, em seguida, analisaremmos o comportamento dessas
relativas nos materiais relativos a cada século.
4.2.2. As relativas de sujeito e objeto direto
Iniciamos essa seção apresentando os resultados das relativas pelas
funções sintáticas. Foram identificadas, nos corpora consultados, 2678 orações
relativas que se distribuíram por sete funções sintáticas: sujeito (SUJ), objeto
direto (OD), adjunto adverbial (AAdv), complemento nominal (CN), objeto
134
indireto (OI), adjunto adnominal (AAn) e complemento relativo (CR) 35. As
funções de sujeito e objeto direto representam quase 70% dos dados, 1238
relativas de sujeito e 617 de objeto direto. Dessa forma, o resultado geral não
permite uma clara leitura da participação das relativas cortadoras nos textos
estudados, uma vez que, nessas funções sintáticas, não há contexto para essa
estratégia. Varejão (2006) obteve resultado semelhante quando levantou 3315
orações relativas do CORPUS DIALECTAL PARA O ESTUDO DA SINTAXE (CORDIAL
SIN) de pessoas analfabetas e pouco escolarizadas, de várias localidades do
território português, e, dentre elas, somente 108 eram estruturas PP (74
cortadoras, 29 copiadoras e 5 padrão), ou seja, 3207 relativas eram de sujeito
e objeto direto, quase 97% dos dados.
As relativas de sujeito e OD são estruturas em que o elemento
relativizado não é um termo preposicionado. São funções sintáticas sem marca
de preposição, logo, só podem constituir duas das três estratégias: a estratégia
padrão, construção, em geral, com estrutura QUE+verbo (sujeito e objeto
direto) ou QUE+sujeito+verbo (objeto direto), e a estratégia copiadora, forma
que repete o termo relativizado por meio de uma estrutura de cópia, como se o
relativo estivesse esvaziado de sua função anafórica. A relativa copiadora é
mais comum na língua falada, embora seja uma estrutura mais rara. As
relativas cortadoras são construções em que se eliminam as preposições
obrigatórias. São produzidas, assim, nas funções de objeto indireto,
complemento relativo, complemento nominal e adjuntos. Apresentamos
exemplos de estratégias relativas de sujeito e objeto direto:
35
Para a presente tese, optamos por adotar a nomenclatura de complemento relativo para os
complementos verbais que não são expressões de dativo no português. Essa terminologia é
proposta por Rocha Lima (1972).
135
(6)
paradar inteira Reposta aestimavaelCarta, que ultimamente Recebi
de Vossa Senhoria (Marquês – XVIII) – objeto direto
(7)
O luzimento assestindo toda a nobreza que tinha sido convidada em
44 coches, e ainda que foram só vinte tantas senhoras (Gazetas XVIII) – sujeito
A seguir, apresentar-se-á uma tabela que elucida o número significativo
da estratégia padrão na Amostra. Trata-se de uma tabela que distribui as
estratégias em termos de funções sintáticas exercidas pelos relativos.
Tabela 2:
Estratégias de relativização distribuídas pelas funções sintáticas
Padrão
Sujeito
Objeto Direto
Cortadora
Copiadora
Total
1232/1238
6/1238
1238
99,5%
0,5%
46%
602/617
15/617
617
98%
2%
23%
Adjunto
480/552
63/552
9/552
552
Adverbial
87%
11%
2%
21%
Complemento
94/133
36/133
3/133
133
Relativo
71%
27%
2%
5%
48/50
1/50
1/50
50
96%
2%
2%
2%
Adjunto
41/47
1/47
5/47
47
Adnominal
87%
2%
11%
1,5%
Complemento
40/41
0/41
1/41
41
Nominal
98%
0%
2%
1,5%
2537/2678
101/2678
40/2678
2678
95%
4%
1%
100%
Objeto Indireto
Total
Ao observarmos esses resultados da rodada geral, percebemos que se
fazia necessário discuti-los, a fim de se entender os altos índices de construção
136
padrão na Amostra. Os resultados reúnem os dados de orações relativas das
diversas funções sintáticas, entretanto, identificamos um número significativo
de estruturas relativas padrão de sujeito e objeto direto, contexto em que a
variação só se estabelece entre copiadora e padrão. Só nas demais funções
sintáticas é que há a possibilidade de ocorrer os três tipos de estratégia. Esse
resultado dialoga com pesquisas sincrônicas (SILVA, 2005; CORRÊA, 1998;
BISPO, 2009) que apontam a produtividade de orações relativas de sujeito e
objeto direto em corpora de fala e escrita, conforme já foi dito. O que se quer
ressaltar é que, nos dados registrados como padrão, há também estruturas
relativas de sujeito e objeto direto as quais não evidenciam a mesma variação
que as relativas de sintagma preposicionado. Outro aspecto interessante nessa
tabela, que será retomado na próxima seção, são as funções sintáticas em que
a cortadora é mais produtiva: complemento relativo (27%) e adjunto adverbial
(11%). Por ora, discutiremos mais detidamente a distribuição dos dados pelas
funções de sujeito e objeto direto:
Tabela 3: Estratégias de relativização de sujeito e OD
Padrão
Copiadora Total
1232/1238
6/1238
1238
Sujeito
99,5%
0,5%
67%
602/617
15/617
617
OD
98%
2%
33%
1834/1855
21/1855
1855
Total
98,8%
1,2%
100%
Quanto à variável função sintática, nota-se que, nos cinco corpora, as
funções de sujeito e objeto direto, juntas, totalizam mais da metade dos dados:
137
1855 no total de 2678, ou seja, 69% das estratégias relativas coletadas. Das
1855, 1834 são formas padrão, 98,8%, que se distribuem em 67% de sujeito e
33% de objeto direto. Pesquisas sobre as estratégias de relativização têm
tentado responder que funções do sintagma nominal antecedente favorecem os
processos de relativização. Alguns autores já abordados retomam que, quanto
ao número de posições passíveis de relativização, variáveis nas línguas, são
mais acessíveis os sintagmas nominais de sujeito depois os de objeto direto, e,
sucessivamente, os de objeto indireto, oblíquo e genitivo (CASTILHO 2010;
BYBEE, 2010, p. 215). Em nossos dados, encontramos 1238 orações de
sujeito e 617 de objeto direto. Nossos resultados são bastante semelhantes
aos observados por Keenan (1975 apud Bybee, 2010, p. 216) para o inglês
escrito. Uma das razões, segundo os autores, para o fato de qualquer língua
poder relativizar a posição de sujeito e, a maioria, a de objeto direto é
semântico-cognitiva, segundo a qual é mais fácil processar a informação
contida num SN de sujeito, em seguida, a informação contida num SN de
objeto direto, e assim por diante.
Corrêa (1998) afirma que as relativas de
sujeito e objeto direto são muito produtivas e não são uma questão de
variação, ou seja, não representam uma escolha do falante em relação as
variantes de relativas pelas razões já mostradas. Segundo ela, por
apresentarem o mesmo output – ou seja, encabeçadas pela forma que, sem
marca de preposição – não precisam ser aprendidas na escola. Num estudo
sobre a gramaticalização do item que (SILVA, 2005), defendemos que a
frequência de uso das formas relativas de sujeito e objeto direto provocou a
automação de uma estrutura encabeçada pelo relativo que e seguida pelo
verbo da oração relativa. Por conseguinte, pretendemos, nesta pesquisa, testar
138
a incidência de QUE+verbo (Estrutura 1) para confirmar, na presente Amostra,
o que verificamos com dados sincrônicos (SILVA, 2005). A seguir, mostramos
os resultados do tipo de estrutura utilizada nos dados das relativas de sujeito e
objeto:
Gráfico 1: Tipos de estrutura das relativas36
Padrão
1456
1500
1000
378
500
0
Padrão
Estrutura 1 - 79%
Estrutura 2 - 21%
Padrão
Estrutura 1 - 79%
Estrutura 2 - 21%
1456
378
Das 1834 formas padrão de sujeito e objeto direto, 79% foram produzidas
com a Estrutura1 – QUE+verbo – e 21% com a estrutura que apresenta
material interveniente entre o relativo e o verbo – QUE+XP+verbo (Estrutura 2).
Por XP, entendemos advérbios, comentários, orações e, no caso das orações
de objeto direto, o sujeito da oração relativa. Observe exemplos das estruturas
a seguir:
36
Entenda-se por Estrutura 1 ”QUE + verbo” e por Estrutura 2 “QUE + XP+ verbo”.
139
Estrutura 1 (QUE+verbo):
(8)
E prendeu dois marinheiros, [que estam] no Limoreiro com ferros, o
capitão que estava em terra veyo a pendência (Gazetas – XVIII) –
sujeito
(9)
E ao Senhor de Bomfim de Setuval levarão 11.000 cruzados
escolhendo-os entre o cobre, [que deixarão] no cofre. (Gazetas –
XVIII) – objeto direto
Estrutura 2 (QUE+XP+verbo) :
(10)
O Conde se S. Miguel [que por alguãs queixas não entra] de
somana ao Sr. Infante D. Antonio (Gazetas – XVIII) – sujeito
(11)
Oi dilate por hum mes as noticias [que com muito gosto partecipa]
aos amigos (Gazetas – XVIII) – objeto direto
Essa variável é extremamente importante para nossa hipótese da
automação da estrutura porque mostra a supremacia das formas de Estrutura
1, modelo que é idêntico ao das relativas que “cortam” a preposição, as
cortadoras. A estratégia cortadora tem o mesmo output fonético das relativas
mais frequentes (SUJ e OBJ) e sua supremacia de uso ocorreria pela
generalização da Estrutura 1. Indiretamente, já podemos confirmar a hipótese
que interpreta a Ppp (relativa padrão preposicionada) como uma forma artificial:
relativa na qual o escritor/falante precisa antecipar mentalmente a oração
relativa para identificar a regência do verbo e, assim, antepor a preposição ao
pronome,
caso
seja
exigida
(relativa
padrão
preposicionada).
Pela
artificialidade das relativas preposicionadas padrão e pela dificuldade de
processamento dessas estruturas, o falante/escrevente optaria pela estratégia
140
cortadora, interpretada como uma extensão da Estrutura 1. Os exemplos que
seguem podem representar a extensão das relativas de sujeito e objeto direto
às formas cortadoras a partir da comparação realizada:
Relativas cortadoras:
(12)
que levo nos Aotos e no dia de feira senpre me avize se por hi antes
nao vier hun estudante de freixedelo do dia [que partio] o homen
(CARDS2021 - XVIII)
(13)
estas no pôrto de Texel para partirem com o primeiro vento, desde
odia [que se celebrar] o concêrto a três meses, e com condição que
as seguraráaté (Vieira – XVII)
(14)
porem eu não tenho Visto Recado desde quarta feira a noite [que
veo] aqui o senhor Gufes., e me dise que em poder de Vm. ficavão
quasi çem cruzados (CARDS1054 - XVII)
Relativas padrão:
(15)
por estar expedindo hum Navio para Lisboa [que partirá] por toda
aSemana que vem. (Marquês – XVIII)
(16)
quem vos dise que eu que me perderano galião sam tome pois me
perdi o vintee tres de marso e a Carta [que troixe] meu iroumão que
Des. ten foi feita em abril demtornum mês (CARDS1005 - XVIII)
Esquema 3:
Comparação de estruturas
(antecedente) +
item que
+
verbo da cláusula relativa
(12)
dia
que
partiu
(o homem)
(13)
dia
que
se celebrar
(o concerto)
(14)
quarta-feira que
veio
(aqui o senhor)
(15)
Navio
que
partirá
(por toda ...)
(16)
carta
que
trouxe
(meu irmão)
141
Como podemos observar, as relativas cortadoras têm o mesmo output
das formas padrão de sujeito e objeto direto, propiciando, dessa maneira, a
repetição da estrutura por meio da queda de preposição. Bybee (2010, p. 214)
aponta que a alta frequência de uso leva ao convencionalismo e elaboração
posterior, ao passo que a baixa frequência leva à inaceitabilidade e eventual
perda. Assim, acreditamos que a estrutura QUE + verbo é conservada das
relativas de sujeito e objeto direto e elaborada posteriormente (cortadora) por
meio da queda da preposição.
Se, segundo ela, julgamentos de
“aceitabilidade” são baseados no conhecimento e familiaridade, a relativa
cortadora, mesmo em textos escritos por portugueses em épocas passadas,
tende a ser usada ou julgada como uma possibilidade de uso porque a
estrutura já é comum e frequente aos escreventes. A familiaridade, de acordo
com Bybee (2010, p.214), baseia-se em dois fatores. Um é a frequência de
uma palavra, construção ou frase específica, no caso, as relativas de sujeito e
objeto direto, e, o outro, é a frequência de um elemento semelhante a esse, a
relativa cortadora. Dessa forma, itens serão julgados como aceitáveis à medida
que eles sejam frequentes na experiência do indivíduo ou similares aos itens
frequentes.
A Estrutura 2 – QUE + XP + verbo – apresenta, como elemento
interveniente, em geral, o sujeito da oração, nos casos de relativas de objeto
direto e, na maioria das vezes, uma pequena estrutura adverbial, como em:
(17)
O Cardeal Bentivoglio tomou posse dos bens que o Duque de
Parma tinha em Roma (Gazeta – XVI) – objeto direto
(18)
trarao negoCiado e Vm. tera coudado valendose dese [Cle]rigo que
ahi emsina (CARDS2012 – XVIII ) – sujeito
142
Em (17) e (18), há formas relativas com Estrutura 2. Na primeira oração
relativa, o pronome relativo é objeto direto e apresenta o termo o Duque de
Parma como sujeito da oração. Na segunda, antes do verbo ensinar, há o
elemento adverbial ahi (“aí”); trata-se de uma relativa de sujeito.
A Estrutura 1 é um modelo a ser seguido por locutores que desejem,
consciente ou inconscientemente, fugir de uma estrutura preposicionada de
difícil execução, pelo menos nas línguas neolatinas segundo Kenedy (2007).
Em 4.4, mostraremos estruturas que nos pareceram fugas de contextos para
relativas complexas, ou seja, formas que evitam a relativização na função de
adjunto adnominal de relativo cujo, uma construção tão antinatural que vem,
gradativamente, perdendo seu espaço na língua falada e escrita, segundo
pesquisas sincrônicas sobre o assunto (CORRÊA, 1998; SILVA, 2005).
Outro aspecto a observar é a questão das copiadoras nas relativas de
sujeito e objeto direto. Enquanto, nas relativas padrão, as formas de sujeito são
mais numerosas que as de objeto direto: são 67% de sujeito contra os 33% de
OD, nas copiadoras a relação é oposta: dos 21 dados de copiadora dessas
funções sintáticas a maioria é de OD, 71%, enquanto as de sujeito equivalem a
29%. É mais comum copiar os referentes com função de objeto direto na
relativa. Vejamos, nos gráficos que seguem, a preferência pelas cópias de
objeto direto (15 dados de objeto direto para 6 de sujeito):
143
Gráfico 2: Relativas padrão e copiadora de sujeito e objeto direto
Objeto
Direto
33%
Copiadora
Padrão
0%
0%
Sujeito
67%
Sujeito
29%
Objeto
Direto
71%
As cópias de sujeito são construções como em (19). Nela o termo
antecedente com função de sujeito é repetido na cláusula relativa. Nesse caso,
o pronome lembrete elle retoma nosso Augustissimo Amo:
(19)
chegarem aoponto de quererem passar aoz Dominioz de nosso
Augustissimo Amo, que elle athe hesse ponto, sevá fazen-do
desentendido comCartas (Marquês - XVIII)
Na sequência, apresentaremos algumas especificidades que observamos
na análise contrastiva dos documentos por séculos. Mostraremos que as
relativas de sujeito e objeto direto são as mais produtivas em todos os períodos
observados e analisaremos o comportamento das relativas copiadoras assim
como a preferência pelo relativo que.
4.2.2.1- Uma visita ao século XVI
Tabela 4: Estruturas de relativização no século XVI
Século
XVI
Padrão
%
Cortadora
%
Copiadora
%
Total
Aljamia
46/50
92%
4/50
8%
0
50
CARDS
16/18
89%
1/18
6%
1/18
6%
18
Total
62/68
91%
5/68
7%
1/68
1%
68
144
A análise realizada com os textos em aljamia levou-nos a um total de 50
dados. Embora seja um número reduzido de ocorrências, pudemos observar
aspectos relevantes para a análise.
Verificamos que o comportamento das construções de relativização
nesses textos é similar ao de outros estudados na presente tese. Como
explicado na metodologia, a aljamia portuguesa é a denominação para cartas
em caracteres árabes escritas originalmente em língua portuguesa cuja edição
(utilizada na presente pesquisa) foi feita por Teixeira (2006). Verificamos que,
tal como ocorre na Carta de Caminha e na Demanda do Santo Graal estudados
por Barreto (1996), o relativo que foi o mais usado: dos 50 dados coletados, 47
são com a forma que; os 3 dados restantes distribuem-se, respectivamente, em
1 dado de o qual e 2 dados de quem, que mostramos a seguir:
(20)
fizeram dele enxovio e cativaram-no, o qual fiz soltar com infinda
fadiga (Aljamia - XVI)
(21)
meus filhos, a quem entregue vossa bandeira e atabaque e
privilégios (Aljamia - XVI)
(22)
Escrita o primeiro dia do mês da terra do xerife, a quem eu tomei
sete aduaresdos seus alarves (Aljamia - XVI)
Quanto à distribuição das estratégias no corpus, constatamos que 40
dados são de sujeito e objeto direto e os outros 10 dados são estruturas de
sintagma preposicionado, ratificando os resultados dos estudos sincrônicos.
Nas cartas aljamiadas, como em outras Amostras, há significativa produtividade
das formas de sujeito e objeto direto em detrimento às de sintagma
preposicionado (KENEDY, 2007; BISPO 2009; SILVA, 2005). Na aljamia, 80%
145
dos dados são de sujeito e objeto direto, com uma vantagem para o sujeito (23
dados).
Mesmo com um reduzido número de dados, verificamos que as cartas
árabes traduzidas para o português no século XVI (CARDS), a fim de servirem
de provas para processos da Inquisição, mantiveram os mesmos padrões das
demais estudadas. Esse comportamento era esperado assim como no caso
dos textos aljamiados, visto que ambos partem de cartas em língua portuguesa
do século XVI: a aljamia portuguesa é a versão para caracteres árabes de
cartas em língua portuguesa; as CARDS estudadas são a tradução de cartas
originalmente árabes para a língua portuguesa. Ou seja, portugueses são os
responsáveis pela escrita desse material.
Nas CARDS, as ocorrências de sujeito e objeto também são a maioria,
representam um total de 67% dos dados e podem ser notados a seguir:
(23)
em peças e en dineyro. me tem pela traycão que me fizerão ela e
seu Irmão (CARDS3128 - XVI) – objeto direto
(24)
Brites da cosda veo qua trazer seu filho q. se foi sem causa
(CARDS3128 - XVI) – sujeito
(25)
e para isto deve Vossa Alteza de mandar a Safim um homem que
olhasse por vosso proveito e pelo do povo (Aljamia - XVI) - sujeito
Dentre as 14 formas de sujeito e objeto encontradas nas CARDS do
século XVI, destaca-se a construção (26) escreveo hüa carta a hüa filha
spritual sua a qual filha spritual të duas Irmãs (CARDS 3128 - XVI). Essa
construção é interessante por dois motivos: (1) por se tratar de uma relativa
copiadora, na qual a cópia do termo antecedente é um sintagma nominal, filha
espritual (espiritual); (2) a relativa é, diferente do que mostram os estudos
146
sincrônicos (SILVA, 2005; BISPO, 2009), uma vez que é encabeçada pelo
relativo o qual. O relativo que costuma ser o preferido nas construções não
padrão. É, segundo Bechara (1999/2006), o relativo universal, forma que
acompanha as estruturas que, para o autor, pertencem ao falar despreocupado
e distraído, as formas cortadora e copiadora.
4.2.2.2 - Passeando pelo século XVII
Tabela 5: Estruturas de relativização no século XVII
Século
XVII
Padrão
%
Cortadora
%
Copiadora
%
Total
CARDS
375/415
90%
25/415
6%
15/415
4%
415
Vieira
924/957
96%
28/957
3%
5/957
1%
957
Total
1299/1372
95%
53/1372
4%
20/1372
1%
1372
As relativas de sujeito e de objeto direto também foram a maioria nos
dados do século XVII, já que dos 1372 dados dessa época, 904 são dessas
funções sintáticas. Nos dois corpora desse período, essas são as construções
mais frequentes: nos CARDS, sujeito e objeto representam 79% dos dados;
nas cartas do Pe. Vieira, 60% dos dados.
Cabe discutirmos aqui a questão das formas copiadoras. Verificamos a
ocorrência de 12 dados da estratégia copiadora. A cópia, como já discutido, é
uma informação repetida da oração principal (representada pelo pronome
relativo) na oração relativa. Tal repetição pode dever-se ao fato de o indivíduo
não mais reconhecer o caráter anafórico da forma que (ou qual, já que foram
identificadas 3 estruturas com esse relativo), precisando retomar a informação
para maior compreensão de seu interlocutor. No exemplo a seguir,
147
encontramos uma forma na qual a relativa é encabeçada pelo pronome “o
qual”, em comparação ao (26) da seção anterior.
(27)
confesandome em huma Irmida a hum frade desta mesma ordem o
qual morava nes tempo nesta mesma quinta o qual religuiozo se
chama fr ma [...] tias pereira natural da vila de alcouchete
(CARDS3102-XVII)
Nesse caso, o qual também é o relativo escolhido para encabeçar uma
relativa copiadora cuja cópia é um SN, uma estrutura bem maior que um
simples pronome lembrete. No caso do exemplo (26), o termo filha spritual é
repetido sem sofrer modificação. Em (27) o remetente da carta utilizou uma
estrutura similar como num caso de coesão referencial por hiperônimo, já que
“religioso” pode ser o termo genérico de “frade”. Note-se que a relativa
analisada é a segunda oração adjetiva do antecedente “frade”. A primeira – o
qual morava nes tempo nesta mesma quinta – provoca o distanciamento
responsável, segundo nossa visão, pela “necessidade” da cópia. Vejamos outro
exemplo da relativa copiadora:
(28)
me mande Vm. hü Rozairio de conContas q. o não mando pedir por
ter falta delle mas quero ver Couza da mão de Vm (CARDS1001XVII) – objeto direto
No exemplo (28), hü Rozairio de conContas é o termo relativizado da
oração q. o não mando pedir. Ele representa o objeto direto da locução verbal
“mando pedir”, permitindo-nos a seguinte interpretação da estrutura: eu não
mando pedir um rosário. A forma o é um pronome que repete a informação que
já está representada pelo relativo que na construção de relativização.
Na comparação entre as CARDS do século XVII e as cartas do Pe. Vieira,
quanto à produtividade das relativas copiadoras, observamos a atuação da
148
erudição do escrevente: só foi identificada, nos dados de sujeito e objeto direto,
duas construções de cópia de Vieira para 10 casos de cópia das cartas de
desconhecidos. Vejamos uma delas:
(29)
Estas são as razões que os padres e os Principais referem nas suas
cartas, comque os padres totalmente desconfiam de os índios
haverem de descer semviolência, a qual violência não é menos
duvidosa, antes quási impossível e muiarriscada, e de que se pode
seguir uma grande ruína, principalmente em tempoque temos
guerras apregoadas com os holandeses;(V-002,0.1537).
É preciso destacar, ainda, que encontramos 957 estruturas relativas nas
cartas de Vieira para 415 nas CARDS XVII. As duas relativas copiadoras de
Vieira não têm representatividade no corpus (0,2%). As cópias dos CARDS têm
uma pequena representação de 2,5%.
Embora a diferença seja pequena, entendemos que ela está relacionada
ao fato de o Padre Vieira ser um português envolvido com os padrões da
escrita, uma vez que, de um modo geral, os dados de suas cartas demonstram
um padrão de relativas diferente dos demais escritores (índice alto de uso de
cujo, de relativas de objeto indireto, etc.). É um remetente erudito, acostumado
a escrever para leitores letrados e, no caso dessas cartas, para o próprio rei de
Portugal.
Esse
resultado
corrobora
a
tese
de
que
o
contato
do
escrevente/falante com o padrão da escrita/fala diminui a incidência de formas
relativas não padrão, principalmente a copiadora, no discurso. Por seu turno,
aumentam os índices de relativas padrão preposicionadas, por se tratar de
estruturas que precisam ser aprendidas na escola ou, no caso dos séculos em
questão, precisam ser copiadas dos mestres. Esses resultados confirmam o
que foi observado por Kenedy (2007), Tarallo (1983) e Corrêa (1998). O uso de
149
Ppp seria comum somente entre indivíduos escolarizados. O letramento é o
fator diferenciador em relação ao uso das Ppp. Observemos algumas formas
copiadoras dos CARDS:
(30)
Foi tão Cruel o pe. frei fco.q. me entregou a hü Negro seu Crioulo hü
Cachoro sem piedade e ao meirinho dos clerigos e ao aljubeiro q. a
ambos prendi antes (CARDS3118-XVII)
(31)
Tudo he verdade e bem notorio Ao faria tambem o farei como tiver
cartas suas q. jâ as dezejo postoq. como he tão amigo d. vm. não
será (CARDS3121-XVII)
Nos exemplos acima, os termos relativizados são “meirinho dos clérigos”
e “aljubeiro”, no caso da forma (30) e “cartas suas”, da forma (31). A estrutura
sintática de (30) é eu prendi antes a ambos, o que leva a considerarmos
“ambos” uma retomada dos antecedentes “meirinho dos clérigos” e “aljubeiro”,
as pessoas presas que representam o objeto direto do verbo “prender”. Para
(31), identificamos a estrutura já as desejo em que o antecedente “cartas suas”
está sendo repetido pelo pronome as, (já desejo cartas suas), configurando,
também, um caso de cópia de objeto direto.
4.2.2.3- Uma viagem ao século XVIII
Tabela 6: Estruturas de relativização do século XVIII
Século
XVIII
Padrão
%
Cortadora
%
Copiador
a
%
Total
CARDS
147/166
89%
13/166
8%
6/166
4%
Gazetas
802/826
97%
20/826
2%
4/826
1%
Marquês
224/243
92%
10/243
4%
9/243
4%
Total
1173/1235
95%
43/1235
3%
19/1235
2%
166
826
243
1235
150
As relativas de sujeito e objeto direto são a maioria também nos dados do
século XVIII: 65% nas cartas de desconhecidos e nas do Marquês e 76% nas
gazetas. No cruzamento entre esses três corpora, percebemos dados de
cópias de sujeito e objeto direto nas cartas do Marquês e nas Gazetas. Foram
mais representativos os dados do Marquês, já que só há duas cópias nas
Gazetas. Vejamos os exemplos abaixo:
(32)
E voltando a buscar sua molher que tinha 16 annos a matou na
escada (Gazetas - XVIII)
(33)
Aqui aparece ja a 3.ª impressão do poema de Alffonço de Francisco
Botelho de Vasconcelos, que a foi fazer a Salamanca, e he só a que
adopta por sua. (Gazetas - XVIII)
Em (32), vemos um caso de relativa copiadora motivada pela distância.
Entende-se que a cópia a repete “sua molher”, porque a distância gera no
locutor a dúvida de que seu leitor perceberá que o sujeito do verbo “matar” é
sua mulher. A informação adverbial de tempo “tinha 16 annos” é interpretada
como um elemento que atrapalha a função anafórica pronominal. No caso do
exemplo (33), interpretamos o oblíquo a como pronome lembrete de 3.ª
impressão do poema de Alffonço de Francisco Botelho de Vasconcelos; foi
fazer a Salamanca a 3.ª impressão do poema.
Nas cartas do Marquês, encontramos sete dados de relativas copiadoras
nas funções de sujeito e objeto direto. Registramos quatro exemplos a seguir:
(34)
amultidaõ de ne-gosios que para naõ me-confundirem acabeça hé
necesario Separalos com muita arte [que é necessário separar]
(Marquês - XVIII; carta 536)
151
(35)
Aseita tu omeu Coraçaõ, aminha amizade, eaminha obediencia que
sempre aténs pronta para emtudo tedar gos-to. [que sempre tens
pronta] (Marquês - XVIII; carta 537)
(36)
Eu me-acho na Chacra deste mesmo homem que áaluguei [que
aluguei] (Marquês - XVIII;carta 552)
(37)
deseencontrar quem queira empregar oSeudinheiro emSemelhantes
bens, porem veremos, sefazemos miLagre, que onaõ considero
piqueno: [que não considero pequeno] (Marquês - XVIII; carta
267)
(38)
espero mequeira sempre continuar afurtuna dosSeuz preceitoz, que
os executarei sem pre com omayor Respeito. [que executarei
sempre] (Marquês - XVIII; carta 374)
Os exemplos acima foram considerados como casos de cópia. Os
exemplos (34) e (36) foram os que nos chamaram mais atenção, porque
pareceu-nos que a motivação é a distância. Em (34), a oração relativa é
interrompida depois do que por uma estrutura de finalidade – para não me
confundirem a cabeça – levando o escritor a repetir o antecedente
(considerado “negócios”) na cláusula relativa (“-los” equivale a negócios). Já
em (36), a distância se estabelece na oração principal, uma vez que o
“antecedente” do relativo é Chacra (chácara) e entre eles registra-se a
expressão deste mesmo homem. Entendemos que o marquês considerou a
necessidade de repetir Chacra na oração relativa com a forma “a”, a cópia ou o
chamado pronome lembrete. Mollica (2003) e Corrêa (1998) assinalam que a
maior distância favorece a incidência do pronome cópia. Mollica (2003) defende
a ideia de que tal ocorrência está vinculada a princípios de processamento
linguístico relacionados à clareza comunicativa. Houve, por conseguinte, a
necessidade de se deixar claro que os comentários feitos tinham como
referência negócios, no caso da estrutura (34), e Chacra, no caso da (36).
152
Nos casos (35), (37) e (38), a repetição é evidenciada também por
pronomes lembrete: “a” retoma minha obediência, “o” retoma milagre e “os”,
seus preceitos, respectivamente.
Cabe comentar que, das três variantes tratadas no presente trabalho, a
copiadora é a que apresenta menor produtividade em todos os estudos
abordados (MOLLICA, 1977, 2003; CORREA, 1998; SILVA, 2005). Mollica
(2003) concluiu que, quanto maior a escolaridade, menor o índice de anáforas
(como a autora se refere à cópia). E, ainda, que a escolaridade inibe o uso de
cópias de sintagma preposicionado – do tipo Aquele trabalho que estou
satisfeito com ele – mas que não a elimina nos casos de Sujeito e OD,
principalmente quando o fator distância estiver atuando. Essa discussão pode
ser relacionada ao princípio sociolinguístico do uniformitarismo (LABOV, 1994),
que relaciona o presente ao passado. Poderíamos considerar que o mesmo
fator linguístico que atua no presente (a distância) também atuava no passado?
A última estrutura de cópia do Marquês que desejamos ressaltar é: (39)
tenho agostoza Satisfaçaõ desaber davossa boaSaude quenaõ só volladezejo
sempre...(Marquês – XVIII). Nela observamos uma repetição – volla – diferente
das formas atualmente consideradas cópia, porque se trata de uma
combinação que já caiu em desuso. Volla é a junção de vós, pessoa a quem se
deseja a boa saúde, portanto o OI, mais a, aquilo que se deseja, o OD
(volla=vós+a). Assim, entendemos que, uma vez que a informação repetida é
“boa saúde”, a cópia é a, aquilo que se deseja, o OD. Teríamos tenho a
gostosa satisfação de saber da vossa boa saúde que, não só vos desejo
sempre...
153
A análise das relativas de sujeito e objeto nos séculos observados nos
permitiu concluir que essas formas apresentam um comportamento semelhante
ao já apontado em estudos recentes: alta produtividade e uso de copiadoras
quando os textos escritos são produzidos por escreventes que possuem pouco
contato com modelos de escrita. Os altos índices de relativas de sujeito e
objeto, em um corpus de textos escritos, ratificam os estudos sobre
relativização quando afirmam que essas relativas são as que se apresentam
mais acessíveis ao falante/escrevente, pois são menos complexas e de mais
fácil processamento. A partir de Bybee (2003, 2010), que aponta que os itens
mais frequentes tendem a ser repetidos em outros contextos, atestamos que
essas construções mais frequentes – relativas de sujeito e objeto direto,
tiveram sua estrutura generalizada a contexto preposicionado sendo um fator
responsável pelas ocorrências das relativas cortadoras, discutidas a seguir.
Na seção seguinte, passaremos a mostrar os resultados obtidos das
estruturas de sintagma preposicionado.
4.3. AS RELATIVAS DE SINTAGMA PREPOSICIONADO
Nesta seção, discutiremos a respeito das relativas PP, estruturas cujo
termo relativizado é um sintagma preposicionado.
Como já mencionado na introdução, dependendo do texto, podemos
perceber um maior uso desse tipo de construção no resultado geral. Para
facilitar a análise comparativa dos tipos de relativas variáveis, na tabela, a
seguir, não constam os dados de orações relativas de sujeito e objeto direto.
154
Assim, podemos perceber a distribuição diferenciada dos três tipos em cada
texto/autor estudado:
Tabela 7: Distribuição das estratégias de PP em relação ao texto
Relativa
Texto
Aljamia
CARDS
Gazetas
Vieira
Marquês
Total
Padrão
Cortadora
Copiadora
Total
6/10
60%
103/154
67%
172/194
89%
348/379
92%
74/86
86 %
703
85%
4/10
40%
39/154
25%
20/194
10%
28/379
7%
10/86
12%
101
12%
0/10
0%
12/154
8%
2/194
1%
3/ 379
1%
2/86
2%
19
3%
10/823
1%
154/823
19%
194/823
24%
379/823
46%
86/823
10%
823
100%
Ao realizarmos a distribuição das relativas de PP pelos textos estudados,
verificaram-se resultados que elucidam o uso das construções cortadora e
copiadora. Na totalidade dos dados, obtivemos 85% de padrão, 12% de
cortadora e 3% de cortadora.
Embora a forma padrão seja a mais produtiva das três, em todos os
textos, é notório que ela cede espaço para as outras duas concorrentes,
principalmente nas Cartas de Desconhecidos (CARDS) e passa a dividir com
elas o status de estratégias de relativização: 67% de padrão, 25% de cortadora
e 8% de copiadora. Interessante observar que tais resultados são bastante
semelhantes ao que foi obtido por Arin, Ramilo e Freitas (2005) e de Alexandre
(2000).37
37
No primeiro caso, os autores analisaram dados espontâneos do PE e obtiveram 71% de Ppp,
28% de cortadoras e 1% de copiadoras. No segundo caso, a análise se baseou no Corpus de
155
Enquanto as copiadoras, em nossa amostra geral, apresentam índices de
frequência próximos de zero, as cortadoras têm índices mais altos com
frequências em torno de 10%. As CARDS representam 19% dos dados das
relativas preposicionadas e, em 25% das relativas desse corpus houve o
“corte” da preposição. Essa tendência é mais tímida nos dados do Padre Vieira,
por exemplo, em que notamos apenas 7% de dados dessa variante; em
contrapartida, as cortadoras dos textos aljamiados representam 40% dos
dados. Não se trata, desse modo, de uma construção esporádica em dados do
PE, principalmente, se levarmos em conta que estamos lidando com textos
escritos. As relativas cortadoras constituem uma realidade linguística no
português europeu, mesmo escrito, desde o início do século XVI e não uma
inovação brasileira do século XIX.
Quanto à variável função sintática, foram identificadas formas de adjunto
adverbial, complemento relativo, objeto indireto, complemento nominal e
adjunto adnominal. Mostramos, nos exemplos seguintes, duas dessas funções
sintáticas:
(40)
e dizer Vm. que ten dado muito e não visto nada Comfesolhe que
tem gostado mas das [tres cousas Ø q. Vm. me emcarrego] agora
nos ultimos Dias (CARDS1049 – XVII) – complemento relativo
(Cortadora)
(41)
De prisioneiros, que tomassem os nossos, não sabemos até agora
mais que de outros [dois coronéis, de que hoje avisou Jerónimo
Nunes], e acrescenta que escrevem os do Recife que os
portugueses estão fortes como um muro ( que é frase sua ).(Vieira XVII). – complemento relativo (Padrão)
Referência do Português Contemporâneo – Oral (CRPC). Alexandre (2000) obteve 392 Ppp
(61% dos dados); 222 cortadoras (34%) e 34 copiadoras (5% dos dados).
156
(42)
porem eu não tenho Visto Recado desde [quarta feira a noite que
veo aqui o senhor Gufes.], e me dise que em poder de Vm. ficavão
quasi çem cruzados (CARDS1054 - XVII) – adjunto adverbial
(Cortadora)
(43)
Se fôra isto um sucesso não prevenido nem imaginado, tivera
alguma desculpa adesgraça, e alguma consolação a paciência, mas
[no dia em que chegou a nova deSegismundo] estar em
Taparica(Vieira – XVII) – adjunto adverbial (Padrão)
Os exemplos (40) e (41) são relativas de sintagma preposicionado na
função
de
complemento
relativo.
Com
já
mencionado,
adotamos
a
nomenclatura de Rocha Lima (1972) que assim classifica os objetos indiretos
que não se constituem em alvo da ação verbal 38. Em (40), temos a estrutura
sintática Vm. me emcarrego dastres cousas na qual se observa a queda da
preposição necessária ao verbo “encarregar”. Em (41), de que hoje avisou
Jerónimo Nunes de outros dois coronéis é a cláusula relativa na qual
identificamos a preposição exigida pelo verbo “avisar”.
Nos casos de (42) e (43), vemos estruturas de adjunto adverbial. Em (42),
o termo relativizado é uma informação de tempo, em que há necessidade da
preposição em antecedendo o relativo: veo aqui o senhor Gufes na quarta feira
a noite; entretanto, não houve registro da mesma. Em (43), a informação
temporal está devidamente marcada por preposição antepondo o relativo (em
que chegou a nova deSegismundo estar em Taparica [no dia]).
Esses exemplos ilustram alguns casos relativas preposicionadas
encontradas na Amostra estudada. Em (40) e (41) temos estratégias cortadoras
e (42) e (43) são construções padrão de mesmas funções sintáticas,
respectivamente. O intuito é mostrar a modesta, mas significativa, participação
das estruturas não padrão nos séculos em questão. Consideramos “modesta”
38
Ou seja, não são complemento dativo, do tipo “Conversei com o rapaz a quem pedi ajuda”.
157
porque, conforme mostraremos a seguir, apresentam índices baixos em relação
à comprovada preferência atual por tais estruturas, principalmente no PB
(TARALLO, 1985; MOLLICA, 2003; CORRÊA, 1998; SILVA, 2005; BISPO,
2009). Consideramos “significativa” porque comprova a hipótese de que são
estruturas mais antigas na língua do que consideram alguns estudiosos.
A tabela a seguir mostra os resultados de função sintática cujo termo
relativizado é um sintagma preposicionado:
Tabela 8: Distribuição das funções de PP por estratégias
Padrão
Cortadora
Copiadora
Total
Adj.
Adverbial
480/552
87%
63 / 552
11%
9 /552
2%
552/823
67%
Complemento
Relativo
94 /133
71%
36 /133
27%
3 /133
2%
133/ 823
16%
Obj.
Indireto
48 /50
96%
1 /50
2%
1 /50
2%
50/823
6%
Adj.
Adnominal
41/47
87%
1 /47
2%
5 /47
11%
47/823
5,9%
Complemento
Nominal
40/41
98%
0 /41
0%
1 /41
2%
41/823
5,1%
Total
703/823
85%
101 /823
12%
19 /823
2%
823
100%
A partir da análise da tabela, temos uma visão mais clara a respeito dos
resultados obtidos. Embora a forma padrão seja a mais produtiva das relativas
de sintagma preposicionado, é possível constatar que a participação das
relativas do tipo cortadora e copiadora nos corpora não é insignificante: 120
dados representando 14%.
Esse resultado confirma nossas expectativas, uma vez que supúnhamos
encontrar ocorrências das estratégias não padrão nesses corpora, ainda que
com frequência bem mais reduzida do que se atesta em estudos sincrônicos de
fala e escrita já mencionados. Era de se esperar que em sincronias passadas,
principalmente na escrita de indivíduos ilustres e letrados, essas estratégias
não fossem as preferidas. Acreditamos que sua produtividade na fala e na
158
escrita dos falantes tenha sido gradativa, principalmente no PB, até chegar a
resultados como os que identificamos (SILVA, 2005). Naquele estudo,
registramos 220 ocorrências da estratégia cortadora (71%) numa amostra de
310 dados nas funções de complemento relativo, complemento nominal e
adjunto adverbial. Embora com frequências baixas, confirmamos as hipóteses
a respeito de ocorrências de relativas não-padrão no português europeu escrito
no período analisado.
Há, ainda, alguns aspectos a observar a partir da tabela. As relativas de
adjunto adverbial são as estruturas de sintagma preposicionado mais
produtivas, com 67%, enquanto a função sintática que mais favorece a relativa
cortadora é o complemento relativo: 27% de cortadora de complemento
relativo, 11% de adjunto adverbial e as demais não ultrapassam 2%. A partir de
agora, discutiremos cada estrutura relativa.
4.3.1. Em cena, a relativa padrão
Conforme mostrado na tabela 4, as relativas padrão representam um total
de 85% das estratégias de relativização estudadas. Desejamos, nessa seção,
mostrar algumas questões relevantes na interpretação desse resultado.
Primeiramente, apesar de nossos resultados mostrarem que, nos textos
observados dos séculos estudados, a padrão preposicionada ainda era a
preferida, em detrimento a resultados sincrônicos, o item que demonstrou um
comportamento semelhante aos estudos do português atual: ele representa
75% dos relativos utilizados, 616 dados de 823. Os outros 25% de formas
relativas distribuem-se por quem, o qual (e variações), onde e cujo. Dentre as
159
formas de o qual e onde, identificamos sete estruturas não padrão que
mostraremos na seção seguinte.
Dos 207 dados dos demais relativos, 41 são de cujo, pronome que
encabeça relativas de adjunto adnominal. O interessante é que 33 delas foram
localizadas nas cartas do Pe. Vieira, duas nas Gazetas e seis estão
distribuídas pelos três séculos das CARDS. Observem as formas de Vieira a
seguir:
(44)
Em Lisboa me mostrou Feliciano Dourado um livro francês intitulado
CoronaMystica, [cujo autor tomei em lembrança], mas não acho
a memória.(Vieira – XVII)
(45)
com gente tão poderosa nas nossas conquistas,
cujaconservação depende a do reino]. (Vieira – XVII)
(46)
assim aos negócios do reino como à disposição dosde Vossa
Excelência, [cujos acêrtos, aumentos e conveniências me tocam
muito Amim], como ao maior e mais afeiçoado e obrigado criado de
Vossa Excelência. (Vieira – XVII)
[de
O uso de cujo, assim com o emprego de outros relativos que não o que,
representam a proximidade de Vieira com os padrões de escrita da época.
Essa forma, segundo os estudos sincrônicos já mencionados, não é produtiva
na fala e está cada vez mais escassa também nos textos escritos mais
recentes. As duas formas de adjunto adnominal nas Gazetas, (47) e (48), ainda
se contrapõem às estruturas (49) e (50) nas quais se observam desvio do
padrão: (49) é uma relativa cortadora que dispensa a estrutura subjacente ao
pronome cujo, em que, e apresenta o relativo o qual, como se se tratasse da
função de sujeito. Essa estrutura nos chamou atenção porque formas
cortadoras têm sido produzidas com o relativo que, uma forma universal em
que não há marca flexional e, portanto, mais “opaca” semanticamente. Azeredo
160
(2010) aponta que esse item tende a perder sua condição de forma anafórica
ou forma substituta de um antecedente, para tornar-se puramente um
conectivo. No caso de o qual e flexões, entendemos haver menos possibilidade
de perdas de propriedades pronominais como o caráter anafórico. Em (50)
consideramos uma estrutura na qual se evita o contexto cujo, produzindo-se,
dessa forma, uma construção de posse.
(47)
A Senhora Condessa dos Arcos, o Visconde de Aseca [em cujas
casas está ja o conde da Ribeira] (gazetas - XVIII)
(48)
E muitas senhoras entrarão a ver a sepultura de Frej Jozeph de
Sta. Anna a, [cuja enterçecão se atribue diverços milagres].
(gazetas - XVIII)
(49)
Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio o qual
tribunal tem feito muitas prizões fora de Lisboa. [cujo tribunal tem
feito muitas prisões fora de Lisboa] (gazetas - XVIII)
As mandou pintar, dourar, e limpar a casa e fazer â sua custa hua
porta de que mandou entregar a chave. [cuja chave mandou
entregar](gazetas - XVIII)
(50)
Muitas das estruturas identificadas são fórmulas fixas que se repetem em
diversas cartas. Entendemos, assim, a partir dos estudos sobre as Tradições
Discursivas (KABATEK, 2006), que determinadas formas podem não
representar características de uma língua particular de uma época, mas
corresponderiam à tradição de determinado texto, uma maneira especial de
escrever que ultrapassa, vai além do nível de uma língua específica. A
repetição de um texto ou mesmo de uma forma textual, como é o caso, é
evocada em certas situações comunicativas e configuraria uma Tradição
Discursiva.
161
Observamos que sete dos exemplos do pronome quem localizados nas
cartas do Marquês do Lavradio são estruturas similares, repetitivas e típicas do
gênero carta. Em todos os casos citados a seguir, o remetente procura captar a
benevolência do destinatário para o que quer pedir ou solicitar. Notamos que, a
maioria dos exemplos faz parte da seção de despedida, como vemos a seguir:
(51)
edetoda atua Excelentissima Familia aquem com omayor Respeito
ofereço aminha escravidaõ. (Marquês – XVIII; carta 228)
(52)
mequeirasdarogosto deboas novas tuaz, ede toda atua
Excelentissima Caza aquem peso mequeiras Recomendar com
omais profundo Respeito. (Marquês – XVIII; carta 230)
(53)
Eutenhosido tam extenço nesta minha Carta, porque que-ro que
tudoquanto aqui digo aeste Respeito o Repitas daminha parte
aSuaExcelência;
aquemeupellaNau
daGuerra
escreverei
comaRemeça doque SepoderterCobrado. (Marquês – XVIII; carta
267)
(54)
edetoda atuaExcelentissima Familia, aquem peçomeRecomendez
com omayor Respeito. (Marquês – XVIII; carta 282)
(55)
Emgrandissimo desvanesimento medeixa amemoria daSenhora
Dona Henriqueta, aquem Seguraráz daminha parte queella assim
naAmerica (Marquês – XVIII; carta 390)
(56)
etoda atua Excellentissima Familia, aquem protestaráz daminha
parte omeu profundo respeito (Marquês – XVIII; carta 485)
(57)
edetodaasua Excelentissima família aquem Rogo aVossaExcelência
queira segurar omeu profundo Respeito. (Marquês – XVIII; carta
226)
O uso desse relativo parece ser justificado pelo objetivo do remetente se
referir à família do destinatário com extremo respeito devoção. Trata-se de uma
parte da carta específica para esse objetivo, no geral, como dissemos, a seção
de despedida. Usa-se, então, um modelo padrão, uma fórmula fixa que se
repete e é evocada quando se quer captar a boa vontade do outro. Trata-se de
uma tradição discursiva típica do gênero. Uma fórmula que se repete. Nesse
162
sentido, a incidência desse tipo de estratégia padrão não configuraria à norma
da época, mas um uso próprio do modelo carta. Dessa maneira, pode-se
concluir que essa parte específica das cartas favorece a ocorrência da relativa
padrão de objeto indireto, uma estrutura muito incomum atualmente, como
apontam nossos resultados de estudo sincrônico (SILVA, 2005), os quais
registram dados apenas de complemento relativo.
É interessante comparar os dados do Marquês com as Gazetas, ambos
do século XVIII, porque identificamos também muitas estruturas com a
expressão a quem. No entanto, estas são formas nas quais não observamos a
função de OI; por isso elas serão tratadas na seção 4.4. Vejamos uma a seguir:
(58)
A Sra. D. Anna Moscozo e a Sra. D. Thereza de Borbom a quem
cahindo o cocheiro se hião precipitando as mullas pella Rua de
Santo Antonio. (Gazeta – XVIII)
Nas cartas de Vieira também foram observados alguns padrões que nos
pareceram estruturas meramente formulaicas. O padre Vieira usa uma
construção com o relativo que anteposto à preposição com seguidos pela
expressão “Vossa Excelência”, nas funções de complemento relativo e adjunto
adverbial de modo:
(59)
e não me espanto tanto da brevidade com que Vossa Excelência
nela me responde, (Vieira - XVII).
(60)
e todo o mais dinheiro com que Vossa Excelência nos quere
socorrer. (Vieira - XVII)
(61)
e muito particularmente do ânimo dos ministros com que Vossa
Excelência aí o tratou (Vieira - XVII)
(62)
que importa é que chegue este praso, com que Vossa Excelência
me convida (Vieira - XVII)
163
(63)
e à confiança e mercê com que Vossa Excelência me trata (Vieira XVII)
(64)
me disse o cuidado com que Vossa Excelência está de minha
chegada (Vieira - XVII)
Notamos, nos seis exemplos, a repetição de uma estrutura fixa
constituída por “COM QUE + Vossa Excelência + X + verbo”. Nesse caso,
como nos outros identificados nas cartas do Marquês do Lavradio, percebemos
uma repetição formulaica típica do gênero que funciona discursivamente para
captar a benevolência do destinatário, tratado como Vossa Excelência. Kenedy
(2007) faz uma interpretação semelhante das cinco ocorrências de relativas
padrão preposicionadas no estudo de Varejão (2006). A autora identificou 108
estruturas relativas PP em um corpus de pessoas analfabetas e pouco
escolarizadas, como já mencionado, obtendo o seguinte resultado: 74 dados de
cortadora, 29 de copiadora e 5 de padrão. Para Kenedy (2007), essas cinco
estruturas não são legítimas Ppp, já que se trata de estruturas cristalizadas
como “altura em que”, “momento em que” e “lugar em que”. Tais dados são
considerados cristalizados porque seriam como uma fórmula fixa que repete
um modelo de escrita próprio da natureza do texto, não sendo, portanto,
representativo do padrão de relativas comum ao grupo analisado.
Como
apontamos na introdução e nos pressupostos teóricos, para a análise de
sincronias passadas só nos restam textos que sobreviveram ao tempo. Essas
fontes documentais não necessariamente representam à norma linguística de
um determinado século, por isso se diz que algumas fontes documentais
podem frear ou estimular a realização de um dado fenômeno linguístico. As
relativas padrão destacadas de (59) a (64) são estruturas fixas que se repetem
na produção escrita do Padre Vieira. São tradições discursivas típicas ao autor.
164
Concluímos também com Bybee e Eddington (2006, apud Bybee, 2010) que
tais dados de relativa padrão preposicionada seriam estratégias pouco
produtivas que apenas são retidas na língua em frases fixas com baixo grau de
“aceitabilidade”.
Em
síntese,
embora
na
totalidade
da
Amostra
as
relativas
preposicionadas sigam o modelo padrão, observamos que a maioria dos
exemplos identificados constitui fórmulas típicas que se repetem em alguns
autores (Marquês do Lavradio e Pe.Vieira) e gêneros (cartas) específicos. Os
exemplos são próprios de remetentes ilustres e com grande contato com
modelos de escrita. O emprego desse tipo de estrutura cristalizada ocorria
predominantemente em seções específicas das cartas de pessoas bastante
letradas para captar a boa vontade do destinatário com o pedido ou solicitação.
Desse modo, não configuram exemplos da norma da época em questão, mas
são construções típicas do gênero carta. Esses resultados ratificam, mais uma
vez, a artificialidade desse tipo de estrutura. Há outros resultados que reiteram
tais constatações: o fato da relativa preposicionada padrão não ocorrer com
tanta frequência na Amostra CARDS de pessoas com pouca ou nenhuma
instrução e a presença de cujo ocorrer, basicamente, em documentação de um
de nossos remetentes mais eruditos (o Pe. Vieira).
165
4.3.2. A participação “coadjuvante” das relativas cortadora e
copiadora
A estratégia cortadora é a forma de relativização preferida nos contextos
de fala atual e, conforme expõe Bispo (2009), é mais fácil de ser produzida, já
que o falante não precisa antecipar à cláusula relativa determinada preposição
anteposta ao relativo. O autor estudou a variação entre as cortadoras e a
estratégia padrão preposicionada numa perspectiva cognitivo-funcional e
concluiu que o falante opta pela cortadora por questões de redução de esforço
de elaboração e processamento. Segundo ele, é menos custoso, em relação à
estrutura relativa de sintagma preposicionado, a elaboração de uma cortadora.
Essa questão também está relacionada aos altos índices de que, pelo fato de a
cortadora ocorrer quase exclusivamente com esse pronome. Segundo ele, isso
se dá porque o pronome que e a cortadora são estrutural e cognitivamente
menos complexos, logo, mais frequentes que os concorrentes o qual e a forma
padrão preposicionada, respectivamente. Ele considerou a grande demanda de
tempo de produção e processamento envolvidos nas formas o qual e relativa
padrão preposicionada.
Nossos resultados (Silva, 2005) mostraram uma conclusão semelhante
que buscamos confirmar na Amostra estudada. A partir dos estudos de Corrêa
(1998) relacionamos a grande incidência de cortadoras à significativa
produtividade de relativas de sujeito e objeto direto – nos dois casos (padrão de
sujeito/objeto direto e cortadora) – há o mesmo output fonético, ou seja, SN +
QUE + verbo, sem a presença da preposição antes do relativo. Por
conseguinte, controlamos o tipo de estrutura aplicada nas construções
166
cortadora para evidenciarmos nossa hipótese da frequência de uso das
relativas de sujeito e objeto direto influenciarem na escolha por essa relativa.
No gráfico seguinte, apresentamos a alta produtividade da Estrutura 1
(QUE + verbo) em relação à Estrutura 2 (QUE + XP + verbo) nos dados de
escrita dos séculos XVI a XVIII:
Gráfico 3: Tipos de estrutura nos dados de cortadora
Cortadora
80
70
60
50
40
Cortadora
30
20
10
0
Estrutura 1 - 75%
Estrutura 2 - 25%
Dos 101 casos de relativas cortadoras na Amostra, 75 foram produzidos
com a estrutura QUE+verbo (75%) em detrimento a QUE+XP+verbo (25%).
Outra questão envolvida nessa hipótese é a preferência pelo relativo que, a
forma universal que, além de ser a preferida na elaboração das formas de
sujeito e objeto direto, marcam, quase categoricamente, as estratégias
cortadoras.
167
Agora, observe os exemplos da estratégia cortadora, a seguir:
(65)
emtoda aoCaziaõ que partirem Navios [ocasião em que partirem
navios] (Marquês - XVIII) – Adjunto Adverbial. (Estrutura 1)
(66)
couza nenhuã destas mefará nunca mu-dar daquelle carater, que tu
sempre me conheseste [aquele caráter com o qual/com que tu
sempre me conheceste] (Marquês - XVIII) – Adjunto Adverbial
(Estrutura 1)
(67)
Co m e sta resposta houve última junt a dos Estados, qu e
durou u m dia inteiro, naqual se entende que ficou resoluta
a paz, debaixo poré m de algu mas condições que se
saberão melhor quando delas nos dere m vista [de que/d a
qual se sabe rão mel hor] (Vieira - XVII) – Complemento
Relativo (Estrutura 1)
(68)
enaõ porhuãInformaçaõ, que pode padecer tanta duvida [da qual/de
que pode padecer tanta dúvida] (Marquês - XVIII) –
Complemento Nominal (Estrutura 1)
Os exemplos acima citados são estruturas relativas conhecidas como
“cortadoras”, por não apresentarem a preposição exigida pelo verbo da oração
relativa.
Em (67), observa-se uma oração de complemento relativo, cuja
preposição “cortada” foi de. Na estrutura (68), não foi utilizada a preposição
exigida pelo nome transitivo dúvida. E, por último, as formas (65) e (66) são de
adjunto adverbial, função que, segundo estudos sincrônicos, apresenta índices
altos de estratégia cortadora, principalmente no que concerne à circunstância
de tempo. Como discutido anteriormente, Moura Neves (2000) aponta que,
quando o sintagma nominal, já preposicionado, for antecedente do pronome
relativo, será frequente a omissão da preposição antes do pronome, como em
(69) se-eu nasCircunstanciaz que nosachamos
afizese partir (Marquês –
XVIII; carta 534). Pode ocorrer, contudo, a supressão das preposições com um
pronome relativo adjunto adverbial, mesmo que não haja preposição antes do
168
sintagma nominal que precede o pronome relativo, como no caso do exemplo
(65). Essa questão é relevante porque, em nossos dados, a função de adjunto
adverbial é a mais produtiva nas três estratégias, como consta na tabela 4. No
caso da cortadora, identificamos 63 formas de adjunto adverbial para 101
cortadoras registradas, ou seja, 62% dos casos. Por esse fato, observamos
que a preposição em é a mais produtiva na Amostra, assim como a mais
“cortada”, conforme demonstrado no gráfico seguinte:
Gráfico 4: Preposições “cortadas”
para
3%
com
7%
Cortadora
por
7%
em
52%
de
19%
sobre
11%
a
1%
O gráfico registra um percentual de 52% da preposição em para 19% de
de e 11% de sobre. As preposições com, por, e para somam 17% dos dados.
Em relação
aos
dados
do
século
XVI,
identificamos
aspectos
interessantes, apesar do escasso número de relativas. O que nos chamou a
atenção, em relação às cartas aljamiadas, foi que, nas construções de PP – 10
dados coletados – observamos a participação significativa das formas que
169
consideramos cortadora, quatro dados para seis de padrão. Observem-nas a
seguir:
(70)
A mim me parece que a minha verdade e leal serviço me havia de
salvar deles e das coisas do rei de Fez, porque [na hora  que me
davam algumas cartas que viessem de Fez], naquela mesma hora
as mandava ao capitão... (Aljamia - XVI)
(71)
Vinham para Safim para saberem se consertara com o Capitão para
corrermos a „Abda [em tempo  que não fôssemos descobertos].
(Aljamia - XVI)
(72)
Senhor, [o dia  que de Portugal parti], me encomendastes a paz e
que eu a comprasse por meu dinheiro; e fiz tudo o que me vossa
alteza mandou. (Aljamia - XVI)
(73)
Escrita o primeiro dia do mês da terrado xerife, a quem eu tomei sete
aduares dos seus alarves, [o dia  que para ele parti], e me estou
mantendo no seu trigo e cevada que achei encovado nas suas
aldeias. (Aljamia - XVI)
Nas quatro construções acima, o relativo apresenta função sintática de
adjunto adverbial de tempo. O corpus não nos oferece outro dado com essa
função, apresentando preposição, para fins comparativos. No entanto, como é
nosso objetivo, podemos compará-los à ocorrência já citada de construção
relativa na Demanda do Santo Graal, exemplo de relativa do século XVI
retirado de Barreto (1996): Aquel dia maesmo que esto foi aveo que rei Boorz
chegou (Cap. DCCIX, p.128). A estrutura é de mesma função sintática, adjunto
adverbial, e apresenta, como referente, a palavra “dia” como nos exemplos (72)
e (73).
Nas cinco cartas árabes traduzidas para o português (CARDS – XVI),
foram encontradas cinco estruturas de sintagma preposicionado. Em relação
ao observado no estudo das cartas aljamiadas, notamos que as estruturas de
PP, nestas cartas, representam um quarto dos dados (cinco de 21dados). Nas
170
cartas aljamias, havia 20% de estruturas preposicionadas para 80% de sujeito
e objeto direto. Esses 26% de estruturas de PP são todos de adjunto adverbial
e, dentre eles, três são formas padrão e duas são estruturas cortadora. Tal
comportamento não nos surpreende, já que, nas cartas em aljamia e na
Demanda do Santo Graal, nos poucos dados de cortadoras observados, todos
eram de adjunto adverbial. Seguem os dados:
(74)
nao ha huu mez q. chegui de foraquado he ho q. mi ecomedastes
loguo fez [na mesma hora  q. nao hechei nehuu Requado]/ scilicet
q. hisa fogueu co hoto pas.e descaparao (CARD 2151 - XVI)
(75)
E lhe pedia q. lhe scprevesse [por mtas. vezas  q. nao dexe de lhe
scprever ]a falta de papell por q. he ter o lloguar de seu pai E amiguo
/ En mtas. ecomendas pa. hotos mouros (CARD 2152 - XVI)
(76)
[na carta] de molaj mofemede / diz desta manhra.as forcas della / q.
he de hu catevo / hu mohate [Em que diz a molaj mofemede] / q. ate
aguora nao vos scprevi (CARD2151 - XVI)
(77)
[Esta carta] he de huu de macor ataharane q. madou a huu seu
irmao halej alface /[Em que lhe dizia se s espamta mto. Delle]
(CARD2153 - XVI)
(78)
Tempo vira [em que nos possamos escrever e falar ja q. agora asi
He] (CARD 3128-XVI)
As estruturas 76, 77 e 78 são formas de sintagma preposicionado cuja
preposição requerida pelo verbo aparece antes do relativo que. Trata-se da
preposição em cujos antecedentes são na carta, esta carta e tempo
respectivamente. O antecedente tempo, em 78, concorre com as equivalentes
(74) e (75) cujos antecedentes são também expressões temporais: na mesma
hora e mtas vezas (muitas vezes). Isso pode significar que, no século XVI, a
relativa padrão em construções relativas de adjunto adverbial variava com a
construção cortadora, conforme se pode observar nos exemplos (70) A mim
171
me parece que a minha verdade e leal serviço me havia de salvar deles e das
coisas do rei de Fez, porque [na hora  que me davam algumas cartas que
viessem de Fez], naquela mesma hora as mandava ao capitão... (Aljamia - XVI)
e (71) Vinham para Safim para saberem se consertara com o Capitão para
corrermos a ‘Abda [em tempo  que não fôssemos descobertos]. (Aljamia XVI)
já citados das cartas em aljamia e no estudo de Barreto (1996 Cap. DCCIX,
128) [Aque l d ia maesmo  que esto fo i aveo que re i Boor z
chegou], já visto:
É interessante comparar, por exemplo, a estrutura (70) porque [na hora 
que me davam algumas cartas que viessem de Fez], naquela mesma hora as
mandava ao capitão da aljamia (século XVI) com a (74) [na mesma hora  q.
nao hechei nehuu Requado] (CARD 2151 - XVI) das cartas de desconhecidos.
Ambas têm o termo hora como antecedente e tiveram suprimidas as
preposições.
Uma observação atenta das estruturas mostrará que há outras
semelhanças que merecem ser mencionadas. A estrutura de aljamia apresenta
o sintagma preposicionado na hora como antecedente, entretanto, o remetente
Bentafuf repete a informação na cláusula relativa – naquela mesma hora. A
construção poderia ter sido montada sem essa “cópia”: porque na hora em que
me davam algumas cartas que viessem de Fez, mandava-as ao capitão, mas
parece que houve a necessidade de um reforço da informação temporal. Essa
estrutura coincide com o sintagma preposicionado que antecede o relativo no
exemplo das CARD. Aparentemente, trata-se de uma estrutura copiadora,
embora sua estrutura diferenciada tenha nos causado dúvida na classificação.
172
Assim, verificamos que, em corpora diferentes, pudemos atestar as
relativas conhecidas como não padrão no século XVI, resultado que corrobora
nossos questionamentos sobre a origem brasileira e oitocentista das
estratégias não padrão de relativas.
Nos dados do Padre Vieira, a função de adjunto adverbial foi marcada, em
grande parte, pelo relativo onde. Em 69% dos casos tal comportamento, na
documentação do Pe. Vieira, atesta mais uma vez seu envolvimento com os
modelos mais elaborados de escrita. Mostramos exemplos de Vieira abaixo:
(79)
de todos os quais foi Deus servido livrar-me, e trazer-meao cabo de
cincoenta e nove dias a Paris, onde fico ao serviço de Vossa
Mercê,de saúde, (Vieira - XVII)
(80)
Emfim, senhor, chegámos a esta casa, onde achei duas cartas de
que VossaExcelência me fez mercê, (Vieira - XVII)
(81)
Sôbre os negócios de André Henriques fui esta
a Amsterdam, onde acheitudo empatado (Vieira - XVII)
semana
Esses exemplos do Pe. Vieira ilustram sua erudição em contraponto às
que apresentamos a seguir, de adjunto adverbial, em que portugueses de
escrita informal, no mesmo século, “copiam” a informação relativizada
construindo estruturas copiadoras:
(82)
Terça-feira pella menhã as oito horas do dia me fui confessar a VP.
e foi esta Alma e se pôs de juelhos o Altar do Bom Jesus, e ahi
esteve athé me eu vir pa.caza, onde chigando a ella pa. me despir o
vi logo passeando na minha caza de dem=tro, (CARDS3100 XVII)[onde chegando]
(83)
e depois adonde go Larão, e achou ser aquelle, e foi depois de fazer
mtas. mais deligëçias q. todas constavão ser elle o matador levou o
o limoeiro em tudo se em Controu Com o q. tinha ditto foisse o juiz
173
(CARDS3042 - XVII) [em que/nas quais constavam ser ele o
matador]
Em (82), temos uma estrutura singular, uma cópia encabeçada pelo
relativo onde. O remetente da carta narra uma pequena situação na qual ele é
o protagonista, porém refere-se a si mesmo como ALMA. Diz que esteve no
altar de Jesus até ir para “casa”, o referente do relativo. Então cria a relativa
onde chigando a ella, na qual retoma casa com o pronome “ella”. A construção
equivalente padrão poderia ser: ...eu vir para casa onde, chegando para me
despir, vi-o logo passeando lá. No caso de (83), o termo relativizado é um
sintagma preposicionado que exerce, na relativa, também a função de adjunto
adverbial de lugar – nas diligências. No entanto, o termo foi repetido por um
pronome no caso nominativo, a cópia “todas”. A construção sintática da
estrutura seria: “constavam, em todas, ser ele o matador – diligências [nas
quais/ em que constavam ser ele o matador]”.
Nas Gazetas foram observadas, nessa função sintática, relativas
cortadoras as quais, com já evidenciado, são as mais comuns de modo geral.
Vejamos os exemplos:
(84)
E outros porem El Rey [no mesmo instante  que vagou] o deu a
Dom Luis Pereira irmão de Dom Alvaro Pereira pela sua pobresa, e
virtude, ainda que se teme que como he freire (gazetas - XVIII)
(85)
em que ham de estar juntas [todo tempo  que durar a obra.
(gazeta - XVIII)
(86)
E [no dia  que casou] lhe penhorou o coche. (gazetas - XVIII)
174
As preposições exigidas pelos verbos que foram eliminadas nas relativas
cortadoras seriam: (84) vagou no mesmo instante; (85) durar a obra no tempo;
(86) casou no dia.
Na função de adjunto adnominal também notamos questões interessantes
a discutir. Foram identificados dados de cortadora e copiadora. Somente o
maior contato com modelos de escrita erudita e o forte planejamento poderiam
favorecer o emprego de construções padrão com o relativo cujo. Como já foi
dito, na seção 4.4, registramos a interpretação para alguns casos de que
precisávamos dar conta no corpus. Além dela, há estruturas de relativização
não padrão que substituíram o pronome formal pela forma que seguida ou não
de cópia:
(87)
Porq. yo soi muy descomfiado y temo emfadar a Vsa. he que rido
Remitir a este papel lo que yo queria comunicar es pues que Lo
estava Trasladando el libro que ensehé a Vsa. el titulo Dell
(CARDS1051- XVII)
(88)
Terceira: vendo os Povos que tu tedisvelas tan-to emseu beneficio (
Marquês - XVIII)
(89)
as vezes encubro o nomes por não magoar tanto a VSa. q. bem
conheço, o seu amor (CARDS3111-XVIII)
(90)
quanto a Caxa q. Vm. Me dis he Chasco nao he mas veija a Carta se
Condis Com o pederico e nela vera a mandava a Vm. e nao A minha
Amiga Ana pires que sinto mto. o seu rebate das alfândegas
(CARDS2012 - XVIII)
As duas primeiras formas acima são relativas copiadoras. Em (87)
representa- se a estrutura ensehé (ensinei) a Vsa. el titulo Dell, ou seja, “o livro
cujo título ensinei a vossa senhoria”. Além de “cortar” a preposição ao substituir
cujo por que, o escritor repetiu a informação relativizada (o livro) com a cópia
“Dell” (dele). O exemplo (88) é um dado de cópia, estrutura que requereria o
175
uso da forma cujo como em Terceira: vendo os Povos em cujo benefício tu
tedisvelas tan-to.
Entendemos que a forma seu é um tipo de cópia que
atualmente tem sido substituída por “deles”, conforme o exemplo (87) [que tu te
desvelas tanto em benefício deles]. Para Castilho (2010), a copiadora é o
resultado da despronominalização do relativo, ou seja, sua redução à
conjunção através da perda da propriedade fórica. Haveria, nesse caso, um
preenchimento dessa perda por um pronome pessoal preposicionado ou não.
Na construção apresentada pelo autor Não há uma área em São Paulo que a
polícia não entre nela a cópia “nela” seria a repetição necessária da qual fala o
autor. O exemplo (89) ilustra a estrutura que bem conheço o seu amor em vez
de cujo amor eu bem conheço. Nesse caso, e em (90), vemos a atuação da
cópia seu, como em exemplos já mostrados. Na estrutura (90), conforme nossa
interpretação, consideramos a queda da preposição “por” que corresponderia
ao complemento relativo do verbo “sentir” – sentir muito por. A construção
relativa possível para (90) seria A minha Amiga Ana pires por cujo rebate das
alfândegas eu sinto muito. Azeredo (2010) registra construções desse tipo de
crônica jornalística e de literatura de memórias, conforme já mostrado:
“... tive vontade de escrever sobre um gigante (...) Um gigante que fazia
coisas terríveis que me amedrontaram mas [que eu gostava dele]” [CINY, C. H.
1995:110] = [(Um gigante) de que eu gostava]
Concluímos a presente seção com uma construção relativa, em (91), para
a qual não conseguimos dar uma leitura coerente. Na relativa copiadora o
termo relativizado é repetido na cláusula relativa. No caso das cortadoras, a
queda da preposição representa a substituição de cujo, pronome equivalente a
“em que” pelo relativo universal que. A construção em questão parece ser de
176
função “adjunto adnominal” com estrutura de cópia. Entretanto, mesmo
apresentando edição modernizadora, não a classificamos com segurança. É
possível que o antecedente seja “carta”, mas esse elemento é repetido na
cláusula relativa com uma função de difícil percepção: eu já afirmei a carta, da
carta, na carta ou sobre a carta? Não se sabe.
(91)
juntamte. ahi vai hua car ta en duas folhas de papel q. foi escripta
fes en agosto passado sinco annos como consta da era en ella
escripta da quoal carta eu ja afirmei debaixo de juramto. en hua
carta q. a Vm. Escrevi (CARDS2001-XVII)
(Ed Modernizadora: E juntamente, ai vai uma carta em duas folhas
de papel que foi escrita fez por Agosto passado cinco anos como
consta da era e nela escrita, da qual carta eu ja afirmei debaixo de
juramento numa carta que a Vossa Merce escrevi).
As cortadoras e copiadoras são, como vimos, estruturas antigas na
língua. Tiveram seu lugar na escrita de remetentes eruditos e, principalmente,
de pessoas que não conviviam com modelos de erudição, mas tinham um
relativo letramento. Se levarmos em conta só os resultados das CARDS (cartas
de desconhecidos), de que dispomos de material para os três séculos
analisados, verificaremos que os resultados são bastante semelhantes ao
observado por Arin, Ramilo e Freitas (2005) e Alexandre (2000) para o
português europeu contemporâneo. Nas nossas cartas de desconhecidos os
resultados foram bastante significativos: 67% de relativa padrão de sintagma
preposicionado, 25% de cortadoras e 8% de copiadoras. Tais resultados são
irrefutáveis para comprovar as hipóteses levantadas pelos vários autores que
se debruçaram sobre o fenômeno. Em primeiro lugar, não podemos mais
afirmar que as cortadoras constituem uma inovação do PB que se estabeleceu
na língua a partir do século XIX (TARALLO, 1983), uma vez que há evidências
dessa estrutura desde o século XVI no português europeu. Em segundo lugar,
177
ratificamos a ideia de que a Ppp é resultado do contato com padrões de escrita
já que os índices de cortadora são menores entre indivíduos/escreventes mais
ilustres. Em terceiro lugar, mas não menos importante, está o fato de que,
mesmo em textos escritos de sincronias passadas em que há maior
planejamento e a possibilidade de revisão e reescritura, as relativas cortadoras
atingem 25% dos dados.
Podemos concluir também, considerando os estudos recentes já citados,
que (1) a função de adjunto adverbial continuará sendo (uma vez que
mostramos que já era) a função sintática que mais propicia o aparecimento das
cortadoras; (2) o pronome cujo, continuará figurando somente em textos com
escrita planejada até chegar a ser raro entre os falantes ou mesmo
escreventes; (3) o relativo onde permanecerá como uma forma cujo emprego é
acessível aos falantes/escritores cultos até se tornar um item de grande
produtividade nas línguas falada e escrita, por diversos usuários da língua, em
contextos isentos da semântica de lugar; e (4) a preposição em, em razão da
relação direta com a função de adjunto adverbial, não deixará de ser a mais ou
uma das mais “cortadas” nas construções cortadoras.
Na próxima e última seção desse capítulo, serão analisadas estruturas
consideradas como construções que fogem ao padrão das estratégias de
relativização contempladas neste trabalho.
178
4. 4. UMA LEITURA PARA AS RELATIVAS “ESTRANHAS”
Foram encontrados exemplos de difícil interpretação e estruturas
estranhas ao padrão de relativas no corpus do Padre Vieira, nas gazetas e no
corpus do Marquês. São estruturas de difícil interpretação, construções com
preposição desnecessária ou troca de preposição, construções que parecem
ser “fugas” das estruturas padrão que, segundo Kenedy (2007), são
antinaturais a nosso sistema de processamento.
4.4.1. Padre Vieira
Embora os dados apontem para uma formalidade em relação às
construções de Vieira, em sua escrita também foram observados exemplos
diferentes que apresentaremos nesta seção.
A respeito do relativo onde, as cartas de Vieira puderam revelar situações
que, atualmente, segundo estudos, são comuns na língua. Vejamos exemplos
abaixo:
(92)
acrescenta o empenho com o perigo de que tão ameaçados
estiveram os nossos três navios êste inverno e alfim foram escapar
as vidas onde não puderam acudir à opinião. (Vieira - XVII)
(93)
Nos negócios se não tem dado passo adiante, porque aconselharam
os amigos que esperássemos pela resolução de Zelanda, onde as
demais províncias tinham enviado deputados (Vieira - XVII)
No
primeiro
exemplo,
o
relativo
onde
encabeça
uma
oração
aparentemente relativa, já que está anteposta a um elemento nominal que
179
poderia ser seu referente/antecedente. Todavia, uma observação atenta do
trecho impede-nos de considerar “vidas” um adjunto adverbial de lugar da
estrutura relativa: não nos parece que a melhor leitura do trecho seria não
puderam
acudir
à
opinião
nas
vidas,
o
que
estaria
proposto
se
considerássemos o segmento onde como relativo equivalente a “em que”.
Consideramos uma forma de difícil interpretação, uma vez que não
conseguimos formular uma leitura mais coerente ao segmento. Estudos atuais
mostram a atuação de “onde” se referindo a diferentes sintagmas (OLIVEIRA,
1997).
Não ficamos nesse mesmo impasse com a estrutura seguinte. Nela,
identificamos claramente a construção de uma estrutura adverbial na oração
relativa: o antecedente retomado na cláusula relativa é Zelanda, que
representa o lugar para onde as províncias tinham enviado deputados. Essa
leitura, contudo, reporta-nos à estratégia cortadora e transforma o exemplo do
Padre em uma questão que merece atenção. Observe:
(94)
Nos negócios se não tem dado passo adiante, porque aconselharam
os amigos que esperássemos pela resolução de Zelanda, onde as
demais províncias tinham enviado deputados (Vieira - XVII)
Nos negócios se não tem dado passo adiante, porque aconselharam
os amigos que esperássemos pela resolução de Zelanda, para onde
as demais províncias tinham enviado deputados
A preposição “para” é necessária na relação sintática estabelecida entre
“as demais províncias tinham enviado deputado” e “Zelanda”, porque se envia
deputados para algum lugar, para Zelanda.
O comentário anterior de que esse caso chama atenção justifica-se pelo
fato de o “corte” da preposição não ser comum com outras estruturas de
180
relativo que não a “que”. Estudos sincrônicos e manuais de gramática (Silva2005; Bechara-2009; Corrêa-1998; Bispo-2009) mostram a tendência do que
como relativo universal e nossos dados confirmam essa tendência. As
estruturas cortadoras comuns que se remetem a forma onde são as que o
preterem a favor de que; e as consideramos cortadoras porque “onde” equivale
a “em que”.
Como no primeiro exemplo de onde, no qual não se verifica a função de
anáfora do relativo, nas formas, a seguir, também acreditamos estar o
segmento “que” esvaziado de sua função pronominal:
(95)
Primeiro que tudo, senhor, sinto muito que o senhor Dom Jorge,
sôbre não recebido em Portugal, se veja tão maltratado em Castela,
com que se verifica quão caluniosas foram as causas da primeira
resolução (Vieira - XVII)
(96)
podia chegar à Baía em dez ou doze dias, com que iria dar os bons
anos a Sigismundo. (Vieira – XVII)
No primeiro trecho, a expressão “com que” não estabelece relação
sintática entre a oração que a segue e o elemento Castela; essa possível
relação é difícil de ser imaginada. Tentou-se, assim, identificar, nas orações
anteriores, um possível referente que servisse de “antecessor” ao pronome
preposicionado mesmo que estivesse distante. Chegou-se a conclusão de que
não se trata de uma estrutura relativa simples, subordinada a um termo
antecessor dentro da oração principal; nesse caso, com que parece um
conectivo equivalente a “por isso”, uma expressão que introduz ao trecho uma
ideia de conclusão, um raciocínio lógico. Seria algo do tipo sinto que Dom
Jorge se veja tão maltratado e com essa situação (com isso) se verificam quão
caluniosas foram as causas da primeira resolução; ou, ainda, a expressão de
181
consequência ou causa para a situação expressa nas orações anteriores, ou
seja, com a situação descrita, pode-se verificar quão caluniosas foram as
causas da primeira resolução; as causas da primeira resolução foram tão
caluniosas que provocaram essa situação, esse mal estar para Dom Jorge.
Independentemente de qual seja a interpretação mais coerente, acreditamos
que a estrutura relativa ou aparentemente relativa refere-se à situação, não a
um antecedente expresso. O mesmo acontece com o segundo exemplo – com
que iria dar os bons anos a Sigismundo – em que não se verifica um
antecedente expresso para a cláusula relativa. Podemos interpretar a estrutura
como:

podia chegar à Baía em dez ou doze dias, com isso iria dar os bons
anos a Sigismundo

podia chegar à Baía em dez ou doze dias, logo iria dar os bons anos
a Sigismundo

podia chegar à Baía em dez ou doze dias, caso isso acontecesse iria
dar os bons anos a Sigismundo
É possível que uma situação semelhante aconteça com o exemplo a
seguir em que o antecedente parece exercer a função de sujeito da oração
relativa, porém, o mesmo parece ser toda uma oração:
(97)
principalmente que, quando essas ordens se passaram, não
tinham os holandeses ainda rompido connosco, que é circunstância que
essencialmente varia o caso e impossibilita a promessa. (Vieira - XVII)
A expressão “é a circunstância” é uma relativa que representa o
predicado para um sujeito que pertença à oração principal; é o antecedente.
Mas, a pergunta é “Qual é o antecedente?”. Diferentemente dos casos
182
canônicos de oração relativa, nesse caso, o antecedente parece ser a
informação não tinham os holandeses ainda rompido connosco. Essa seria a
circunstância sobre a qual fala a cláusula relativa. Tal interpretação pode ser
evidenciada ao se inserir, por exemplo, um termo aposto após essa
informação:

principalmente que, quando essas ordens se passaram, não tinham os
holandeses ainda rompido connosco, fato que é circunstância que
essencialmente varia o caso e impossibilita a promessa.
Dessa forma, acreditamos ficar mais clara a intenção do Pe.Vieira. O fato
ou a situação “não tinham os holandeses ainda rompido conosco” é o
antecedente do relativo que, o qual é retomado na oração é circunstância com
função de sujeito da mesma. Em (97) alguns dos quais tinham casas
e lavouras (que é o indício de serem domésticos) (Vieira - XVII), a oração
relativa entre parênteses também parece ter como antecedente toda a oração
principal. O indício de serem domésticos seria, então, o fato de terem, alguns,
casas e lavouras. Outros exemplos similares a esses estão apresentados a
seguir. Estaríamos diante de uma locução conjuntiva de valor conclusivo?
(98)
Há quarenta dias que chove, cousa não vista nestes países, com
que se prognosticam grandes fomes e enfermidades, as quais já
começamos a padecer nesta casa, onde não há quem não gema
(Vieira - XVII)
Há quarenta dias que chove, cousa não vista nestes países, por
causa disso se prognosticam grandes fomes e enfermidades, as
quais já começamos a padecer nesta casa, onde não há quem não
gema
(99)
porque por êste modo metemos no pagamento os açúcares do Rio
de Janeiro, com que viremos a dar aos holandeses os piores que se
fizerem em todo o Brasil;(Vieira - XVII).
porque por êste modo metemos no pagamento os açúcares do Rio
de Janeiro, com isso viremos a dar aos holandeses os piores que se
fizerem em todo o Brasil
183
(100)
mas, como bom servidor de El-rei, cortou pelo gôsto ou conveniência
que tinhaem se dilatar mais nestes países, com que Sua Majestade
haverá poupado não só os fretes mas também os ordenados. (Vieira
- XVII)
mas, como bom servidor de El-rei, cortou pelo gôsto ou conveniência
que tinha em se dilatar mais nestes países, assim Sua Majestade
haverá poupado não só os fretes mas também os ordenados
Além da expressão “com que”, observamos variações interessantes com
a locução de que.
Da construção de uma estrutura relativa encabeçada por
ela, espera-se um verbo que, sintaticamente, seja regido pela preposição “de”.
No entanto, (101) se estabelece uma relação de posse das que, segundo
nossa interpretação, deveriam ser construídas com o relativo cujo; Em (102) a
terrível tempestade parece ser o antecedente, com função de sujeito da oração
relativa; dispensa, por conseguinte, a preposição “de”. Em (103) Rochela seria
o antecedente, o que obrigaria
o uso de onde e tornaria dispensável o
advérbio lá. Vejamos:
(101)
como pelo temor que têm ao trato dos portugueses,de que trazem
estudado muitos exemplos (Vieira - XVII)
como pelo temor que têm ao trato dos portugueses, cujos muitos
exemplos trazem estudado
(102)
Os que de aqui partiram encorporados padeceram no cabo de
Finisterra uma terrível tempestade, de que arribou uma nau
a Amsterdam muito destroçada (Vieira - XVII)
Os que de aqui partiram encorporados padeceram no cabo de
Finisterra uma terrível tempestade,
que arribou uma nau
a Amsterdam muito destroçada
(103)
e se nos disse ontem que alguns haviam arribado a Rochela, de que
Vossa Excelência lá terá mais verdadeiras notícias. (Vieira - XVII)
e se nos disse ontem que alguns haviam arribado a Rochela, onde
Vossa Excelência terá mais verdadeiras notícias.
184
As estruturas a seguir foram consideradas de difícil interpretação. Na
cláusula relativa ocorre uma subordinação substantiva, uma estrutura
completiva que provoca dificuldade na compreensão geral do segmento.
(104)
são os vinte mil cruzados, que o senhor Embaixador diz que faltam
para inteirar os trinta mil (Vieira - XVII)
o senhor Embaixador diz sobre os 20 mil cruzados que faltam –
compl. relativo
o senhor Embaixador diz que faltam os vinte mil cruzados – sujeito
(105)
segundo os aprestos que hoje me disse um mercador se fazem em
Zelanda, quanto os anteciparmos melhor negociaremos. (Vieira XVII)
um mercador me disse hoje sobre os aprestos que se fazem em
Zelanda – compl. Relativo
um mercador me disse hoje se fazem os aprestos em Zelanda sujeito
(106)
para inteirar os trinta mil, que Sua Majestade ùltimamente escreveu
lhe mandara remeter de França. (Vieira - XVII)
Sua Majestade ùltimamente escreveu sobre os trinta mil que lhe
mandara remeter – comp. Relativo
Sua Majestade ùltimamente escreveu lhe mandara os trinta mil –
objeto direto
(107)
De Portugal nos faltam e tardam há muitos dias, e verdadeiramente
nos dácuidado o parto da Rainha Nossa Senhora, que Pedro Vieira
nos escreveu seesperava para primeiros de Abril, (Vieira - XVII)
Pedro Vieira nos escreveu sobre o parto que se esperava – comp.
relativo
Pedro Vieira nos escreveu que se esperava o parto – sujeito
No caso de (108) Estas e outras razões propús àquele prelado, que não
sei se as representou a Sua Majestade, (Vieira - XVII), consideramos não ser
possível afirmar se a oração relativa refere-se a “outras razões” ou “àquele
prelado”. Parece também que o “que” é apenas uma conjunção, com ideia,
185
talvez, de consequência. Se “outras razões” for antecedente de que (portanto,
do relativo) o oblíquo “as” seria uma cópia.
Esses últimos exemplos são de difícil interpretação, porque de acordo
com que vemos, pode apresentar uma dupla interpretação. No entanto, os
exemplos de (92) a (102) parece-nos maneiras encontradas pelo remetente de
construir estruturas formais de acordo com o padrão com o qual estava
acostumado e no qual queria permanecer. A regra, então, seria usar estruturas
preposicionadas, construções elegantes que correspondem aos padrões de
escrita valorizados por ele, mesmo que, em alguns momentos, haja dificuldade
de formulação, gerando-se construções conforme as listadas.
Na seção seguinte, mostraremos as estruturas que encontramos nas
Gazetas Manuscritas.
3.4.2. Gazetas Manuscritas
As gazetas também são fontes de construções interessantes que
merecem ser analisadas.
Como mostramos na seção 4.3.1, identificaram-se 71 dados do relativo
quem, todos como formas padrão. Contudo, foram observados dados com esse
relativo que, por não representarem, segundo nossa interpretação, exemplos
canônicos das variantes estudadas, não foram computados na rodada.
Preferimos analisá-los na presente seção.
Da estrutura a quem (preposição a + relativo quem) espera-se uma
construção de objeto indireto como Os alunos a quem entregaram o prêmio são
muito interessados, como as descritas a seguir:
186
(109)
A Sñra Condessa da Ribeira admitio vizita de sua nora, e neto, a
quem deu humas bolas de perola (gazetas - XVIII)
(110)
A Sra. Condessa de Sarzedas He comadre da Shr. Marqueza de
Tavora, a quem deu hum diamante amarello e trinta moedas
(gazetas - XVIII)
(111)
Manoel Gomes de Carvalho, a quem deve mais de cento e trinta
mil cruzados (gazetas - XVIII)
Nas três estruturas, a cláusula relativa apresenta um verbo cujo objeto
indireto é o elemento relativizado – sua nora e neto, Shr. Marqueza de Tavora e
Manoel Gomes de Carvalho, respectivamente. Na primeira, tem-se deu umas
bolas de pérola a sua nora e neto (é possível que o referente do pronome seja
apenas nora ou neto). Em (110), a correspondência seria deu um diamante
amarelo e trinta moedas a Shr. Marqueza de Tavora. Em (111) interpretamos
como deve mais de cento e trinta mil cruzados a Manoel Gomes de Carvalho.
No entanto, percebeu-se que algumas estruturas com “a quem” não
representavam construções de objeto indireto e consideramos importante
destacá-las:
(112)
A Sra. D. Anna Moscozo e a Sra. D. Thereza de Borbom a quem
cahindo o cocheiro se hião precipitando as mullas pella Rua de
Santo Antonio. (gazetas - XVIII)
(113)
Foy lavantar ao clerigo, a quem limpou athe as algebeiras. (gazetas
- XVIII)
(114)
No Hospital se recebeu hum homem a quem cortarão o nariz.
(gazetas - XVIII)
(115)
Marques de Valença estava executado por muitos accredores a
quem teve 260.000 crusados dandolhe trinta de consignação
(gazetas - XVIII)
187
(116)
E hontem estava melhor do grande perigo a quem tem chegado.
(gazetas - XVIII)
As estruturas (112), (113) e (114) apresentam relações de posse que
parecem representar contextos de cujo. Em (1112), a relação de posse entre
Thereza e cocheiro – o cocheiro de Thereza, o cocheiro dela – foi estabelecida
com a construção a Sra. D. Thereza de Borbom a quem cahindo o cocheiro em
vez de a Sra. D. Thereza de Borbom cujo cocheiro cahindo se hião
precipitando as mullas pella Rua de Santo Antonio. Em (113), temos (a)o
clerigo, a quem limpou athe as algebeiras em vez de ao clerigo, cujas
algebeiras athe limpou que representa limpou as algebeiras dele, do clérico.
Na estrutura (114), estabeleceu-se uma relação de posse “nariz do homem”
que foi expressa pela forma hum homem a quem cortarão o nariz. Evitou-se a
estrutura padrão com “cujo” representada por No Hospital se recebeu hum
homem cujo nariz cortarão.
A estrutura (115) não reflete a relação de um verbo transitivo indireto com
um complemento verbal alvo da ação, como visto nas estruturas de (109), (110)
e (111). Nesse caso, a ideia expressa é que se teve 260.000 cruzados dos
credores. Assim, entende-se que a preposição anteposta ao relativo deveria ser
de. Em (116), considerando-se que grande perigo é o antecedente do relativo,
a cláusula relativa tem chegado é o predicado do sujeito “grande perigo”. A
estrutura poderia, então, ter sido construída E hontem estava melhor do grande
perigo que tem chegado (a ele).
Observaram-se também, neste corpus, estruturas estranhas com outras
preposições. Entendemos que essas construções são estratégias para se
evitar construções com cujo. Vejamos, a seguir, com as possíveis re-escritas:
188
(117)
Ao Conde da Ericeira fizesse alguns inigmas e logo compós
quarenta de que o Princepe adivinhou alguns defficultosos. (gazetas
- XVIII)
Ao Conde da Ericeira fizesse alguns inigmas e logo compós
quarenta cujos defficultosos o Princepe adivinhou.
(118)
A Sra. Condessa de Ribeira D.Leonor fes no seu oratório hua festa
a N.Sra. da Conceição com muitos músicos italianos e instrumentos
e polida merenda, forão convidadas muitas senhoras em que não
entravão suas cunhadas. (gazetas - XVIII)
Forão convidadas muitas senhoras cujas cunhadas não entravão.
(119)
As mandou pintar, dourar, e limpar a casa e fazer â sua custa hua
porta de que mandou entregar a chave. (gazetas - XVIII)
As mandou pintar, dourar, e limpar a casa e fazer â sua custa hua
porta cuja chave mandou entregar.
Tais estruturas nos chamaram atenção, uma vez que fugiram aos padrões
das relativas denominadas estratégias de relativização, alvo desse trabalho.
Não poderíamos classificá-las como relativas do tipo padrão porque, segundo a
Tradição Gramatical, orações que demonstrem relação de posse entre um
elemento da cláusula relativa e o termo antecedente devem configurar essa
relação com o pronome cujo, utilizado em estruturas de adjunto adnominal.
Reconhecemos, contudo, que a construção (118) pode ser interpretada como
padrão de adjunto adverbial, já que é encabeçada pela preposição em e faz-se
menção há um oratório que pode ser o referente da expressão “em que”.
Consideramos, todavia, essa interpretação pouco provável.
As relativas não padrão, por sua vez, tem como característica “cortar” a
preposição requerida pelo verbo da oração relativa (estratégia cortadora) e
repetir o antecedente do relativo por meio de um pronome, um SN ou um SP
dentro da cláusula relativa (estratégia copiadora). Entendemos, assim, que
exemplos citados não representam a cortadora nem a copiadora, ao contrário
da estrutura já citada encontrada (49) Porem ao livro recolheu hum comissario
189
do Santo Officio o qual tribunal tem feito muitas prizões fora de Lisboa.
(gazetas - XVIII)
Esse exemplo configura uma estratégia cortadora de função adjunto
adnominal, porque a relação de posse “tribunal do comissário” deixou de ser
estabelecida pelo relativo cujo o qual representa a estrutura “de que”. Não
foram identificadas estruturas copiadoras com essa função no presente corpus.
Para representação, formulamos as estruturas de cópia a seguir. Observe
como nelas a informação do antecedente está sendo repetida dentro da oração
relativa:

Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio que o tribunal
dele tem feito muitas prizões fora de Lisboa.

Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio que o tribunal
do comissário tem feito muitas prizões fora de Lisboa.

Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio que o seu
tribunal tem feito muitas prizões fora de Lisboa.
O exemplo seguinte também foi considerado de difícil interpretação.
Pareceu-nos uma estrutura tal qual (117), (118) e (119) que consideramos
formas para evitar o pronome cujo:
(120)
Se tem descuberto huã serrada de esmeraldas grandes e perfeitas
de que o Arçebispo da Bahia tem hum anel e se fes huã junta em
que ainda se não rezolveo (gazetas - XVIII)
Se a ideia é “o Arcebispo da Bahia tem hum anel de esmeraldas grandes
e perfeitas”, a estrutura deveria ter sido formulada com o pronome cujo,
190
resultando em algo como Se tem descuberto huã serrada de esmeraldas
grandes e perfeitas CUJO ANEL o Arçebispo da Bahia tem e se fes huã junta
em que ainda se não rezolveo...
Corrêa (1998) considera essas formas como de esquiva e, como trata de
questões relacionadas a ensino, identifica-as como procedimentos de esquiva
na aprendizagem. Ao analisar resultados de exercícios aplicados a estudantes
do 2º. Grau (atualmente, Ensino Médio), a autora relata que, além das
estratégias cortadora (doravante, vernacular), os alunos também criaram
estruturas com preposição inaceitável e com a preposição adequada, porém
com o relativo que pelo quem e o qual, mostradas abaixo:
i-
(5.3) e aquele de quem investia muitos esforços de conquista / e
aquele a quem esperava um convite a qualquer momento (Corrêa 1998, pág.98)
ii-
(5.4) o outro para que olhava todas as aulas / e aquele de que
esperava um convite a qualquer momento (Corrêa -1998, pág.98)
As preposições “trocadas” são para Corrêa casos em que o estudante já
aprendeu que a relativa padrão usa o relativo preposicionado, mas não
estabeleceu a relação entre a posição relativizada e a posição do relativo; ou
seja, o estudante, segundo ela, estaria “jogando no escuro” na escolha da
preposição que deve ser usada antes do relativo, já que ela vem de uma
posição interna da relativa.
A autora discute o assunto das relativas sob um viés parecido ao de
Kenedy (2007). O uso das relativas preposicionadas padrão seria uma questão
de aprendizagem justificando, assim, a forma como os alunos do 3º ano, alvos
de sua pesquisa, conseguiram reproduzir o texto proposto “fugindo das
191
relativas”. Nas palavras de Corrêa (1998) “não saber construir com segurança
esse tipo de sentença pode ser um bom motivo: se não se tem certeza da
correção, o melhor é se esquivar, não se arriscar.”.
Observe
estruturas
que
consideramos
similares
e
as
possíveis
reformulações:
(121)
Estão prezos muitos ladrões, de que a maior parte são quadrilheiros
e hum destes tapou aboca, e atou a hua cadeira hum homem que
vendia agoa ardente (gazetas - XVIII)
Estão prezos muitos ladrões cuja maior parte são quadrilheiros
(=maior parte dos ladrões)
(122)
Ganhou Pedro Antonio em hua noite mil e cem moedas de que
perdeu hum mercador emburguez a maior parte (gazetas - XVIII)
Ganhou Pedro Antonio em hua noite mil e cem moedas cuja maior
parte perdeu hum mercador emburguez (= a maior parte das cem
moedas)
Poderíamos pensar que, nesta época, as relações de posse eram
oficialmente construídas sem o relativo cujo, construções com as expressões
de que, observadas em (112), (114) e (115) e em que de (113). Entretanto, a
análise da Amostra, constituída de corpora dos séculos XVI, XVII e XVIII,
permite observar construções legítimas com o relativo cujo, similares às usadas
no português atual:
(123)
e conquistarmos algumas cidades sem defensa, e as minas deque
elas e Espanha se enriquece, cuja prata por aquele caminho se
pode trazer com muito menores despesas. (prata das minas) (Vieira
- XVII)
(124)
e a cidade de Cabo Frio, que é de portugueses, e asvilas de São
Vicente, Piratininga, Ilha Grande e outras, e sôbre todas a de São
Paulo, cujos moradores são os mais valentes soldados de todo
o Brasil (moradores de São Paulo) (Vieira - XVII)
192
A estrutura a seguir foi encontrada nos dados do Marquês do Lavradio e
assemelha-se às das gazetas ora estudadas. Nela, também consideramos a
substituição de cujo pela expressão formada de preposição mais relativo, neste
caso d(os) + quais:
(125)
porque elles naõ Saõ que huns merosComisarioz, nas maoz dos
quaes naõ para nunca dinheiro nenhum (Marquês - XVIII)
A estrutura relativa vem acompanhada de preposição e não apresenta
cópia em seu interior. No entanto, observa-se que o Marquês optou por uma
forma sem cujo cuja re-escrita seria porque elles naõ Saõ que huns
merosComisarioz, em cujas mãos naõ para nunca dinheiro nenhum.
A última forma das gazetas manuscritas que desejamos apresentar é de
difícil interpretação. Como as típicas estruturas relativas que indicam
ambiguidade por apresentar duas possibilidades de antecedente, essa forma
gerou-nos uma dúvida que nos impede de classificá-la como padrão ou
cortadora. Vejamos:
(126)
57 portuguezes, e 100 indios e negros, e levaram a molher de um
capitam chamdo Domingos Barbosa que estava prenhe, 40
portuguezes nas cinco canoas que escaparão se salvarão em terra
(gazetas - XVIII)
Se considerarmos como antecedente do relativo a forma “canoa”, teremos
“os portugueses escaparam com a/na canoa”. Estaríamos diante da relativa
cortadora. O referente 40 portuguezes pode ser interpretado como antecedente
de que; assim, teríamos a construção padrão de sujeito “40 portuguezes que
escaparão” que equivale a “os 40 portugueses escaparam”.
193
Em suma, as formas apresentadas das gazetas mostram a dificuldade, já
discutida, de se formalizar uma relativa padrão preposicionada. Os exemplos
apresentados ilustram o esforço de um escritor europeu em construir estruturas
tão antinaturais na língua, formas que demandam trabalho de elaboração,
como mostramos por meio dos autores que discutem o assunto (Bispo, 2009;
Kenedy, 2007).
Na próxima seção, apresentaremos exemplos do Marquês do Lavradio
passíveis de discussão.
4.4.3. Marquês do Lavradio
Assim como no corpus das Gazetas e do Padre Vieira, ocorreram casos
ambíguos.
Há construções, como a que apresentamos a seguir, que parece se tratar
de uma estrutura copiadora. Entretanto, por ser de difícil interpretação, não a
contamos no resultado geral:
(127)
filhos que as estimaveis Serconstançias, que atodoz ouso Repetir
dellez, os fazem ser inseparaveis domeuCoraçaõ (Marquês - XVIII)
Parece que o remetente criou uma estrutura de cópia que pode
apresentar várias interpretações, dentre elas:
filhos, cujas estimáveis circunstâncias, a todos ouso repetir
filhos , cujas estimáveis circunstâncias, que a todos ouso repetir, os
fazem ser...
194
No caso do cujo, verificamos, também, estruturas de fórmulas,
cristalizadas exemplos em que não se observa relação de posse, somente
repetição da expressão em cujo (a) (s).
(128)
emtoda aoCaziaõ que partirem Navios emcuja comformidade bem
vês oquanto hé percizo que não tenhas preguisa demefalares
Sempre aeste Respeito (Marquês – XVIII; carta 529)
(129)
nojusto receyo deque parte desse Armamento sedestaque contra a
nosa America, emcujos termos meordena tome Tome eu todas
asmedidas que meforem posiveis (Marquês – XVIII; carta 535)
(130)
oque tínhamos antes de nosvirem aquelas Vizitas, emcujos termos
ficaras conhecendo agrande brevidade que pode toda esta
deligencia. (Marquês – XVIII; carta 535)
(131)
que deter-mino fazer Campar nos diferentez citioz aonde julgar maiz
próprio asua asistencia; emcujas circunstancias, constandome, que
tú tens nosArmazenz deVilaRica bastante numaro deBarracas
(Marquês – XVIII; carta 536)
Para fechar essa análise, discutiremos os exemplos (132), (133) e (134).
Aparentemente essas estruturas “fogem” aos padrões. A primeira delas é (132)
passou esa Fabrica para America ONDEhé taõ estimavel que cada huã destaz
donzelas trazem dois dos sobre ditoz (Marquês – XVIII; carta 181).
Consideramos como estrutura de difícil interpretação por não identificarmos a
ideia de “lugar” que se espera do pronome onde. A outra forma é (133) na
conservaçaõ da Saude dehum Vasalo deQUEM omesmo Senhor pode tirar dos
Seos Serviços a maior utilidade (Marquês – XVIII; carta 537). Embora tenha
sido usada a forma quem, entendemos que estamos diante de uma estratégia
copiadora cuja reescrita padrão seria vassalo de cujos serviços o mesmo
senhor pode tirar a maior utilidade. Nesse caso, a cópia não é um pronome
lembrete e, sim, um sintagma nominal (“dos seus serviços”). A última – (134)
195
porque elles naõ Saõ que huns merosComisarioz, nasmaoz dosQUAES naõ
para nunca dinheiro nenhum (Marquês – XVIII; carta 268) – foi considerada
fora dos padrões, porque, embora apresente a preposição de antes do relativo
os quais, não foi escrita de acordo com a Norma, já que se trata de um
contexto para utilização do relativo “cujo”, uma construção de posse: porque
elles naõ Saõ que huns merosComisarioz, em cujas mãos naõ para nunca
dinheiro nenhum. Tais formas não foram contadas nos totais de dados
comentados até aqui.
O estudo das estratégias de relativização nos séculos XVI, XVII e XVIII
revelou que as estruturas que, atualmente, estão sendo utilizadas pelos
falantes já existiam nos séculos estudados mostrando que elas não são
exclusivas do português brasileiro e podem ter sobrevivido na língua
discretamente desde os primórdios. Textos do século XVI, como as cartas de
pessoas desconhecidas e as formas extraídas do estudo de Barreto (1996)
evidenciam a antiguidade dessas estruturas e nos fazem repensar a respeito
da origem de tais estratégias de relativização.
É importante sublinhar a relação das ocorrências de relativas padrão
preposicionadas com textos dos remetentes eruditos, principalmente o Pe.
Vieira, devido ao forte contato com modelos de escrita. Em contrapartida, nas
cartas de pessoas desconhecidas (CARDS) aparecem mais frequentemente as
cortadoras. A estrutura padrão, nesse caso, seria artificial e utilizada apenas
quando há forte planejamento discursivo. Ressaltamos, ainda, a alta
produtividade da estrutura QUE + verbo das cortadoras, diretamente
relacionada, de acordo com nosso entender, com as relativas de sujeito e
objeto, construções de mesmo output fonético.
196
A questão do apagamento das características pronominais do item que
retomada nesta tese (SILVA, 2005; CASTILHO, 2010; AZEREDO 2010) pôde
ser confirmada a partir da alta produtividade desse relativo nas construções
não padrão, principalmente na cópia.
Na próxima parte, apresentaremos as conclusões gerais a que chegamos
com a presente pesquisa bem como o fechamento deste que é um empolgante
passeio pelas estratégias relativas variantes do português dos séculos XVI,
XVII e XVIII.
197
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como aponta Bazerman (2006), as cartas parecem ser uma fonte
inesgotável de informações sobre o uso da língua no passado, já que sempre
apresentaram grande importância na sociedade no âmbito religioso, comercial,
administrativo e pessoal. A partir da análise feita, torna-se possível concluir que
o estudo das cartas é uma ferramenta para a pesquisa linguística, porque
permite ao pesquisador refletir sobre as características de uma determinada
forma da língua, bem como sobre a relação dessa forma com a mudança
linguística.
A hipótese que norteou esta pesquisa é de singular importância para os
estudos sobre as estratégias de relativização. Em perspectiva sincrônica,
muitos autores têm pesquisado essas construções devido à grande
produtividade das variantes não-padrão no PB, principalmente a cortadora, e
às significativas ocorrências de tais formas no PE atualmente. Lançamo-nos na
empreitada de atestar que construções tão comuns na fala e até na escrita de
muitos falantes brasileiros e portugueses não teriam surgido tão recentemente
no sistema, como apontam trabalhos a respeito da cortadora (Tarallo, 1983).
Assim, nossa hipótese era a de que as construções relativas, cortadora e
copiadora não eram exclusivas da gramática do PB, e nem as cortadoras
originadas no século XIX. Acreditávamos que datavam de épocas remotas do
português europeu.
No princípio, nosso objetivo foi o de realizar uma análise diacrônica dos
dados coletados na Amostra. No entanto, como justificado no capítulo 4, essa
análise foi realizada considerando-se a variação que pôde ser atestada entre
as construções estudadas. Numa interpretação a respeito da metáfora do jogo
198
de xadrez de Saussure, no estudo da linguagem, a perspectiva diacrônica diz
respeito à dinâmica das transições entre cada sistema linguístico, ou seja, a
diacronia se interessa pelo processo que leva de uma etapa para a outra ao
longo do tempo do jogo. No caso de nosso estudo não detectamos alteração
significativa das frequências no decorrer do espaço de tempo estudado, uma
vez que os percentuais para as formas não padrão eram, praticamente, os
mesmos nos três recortes de tempo. Porém, resultados importantes foram
detectados na análise dos 2675 dados coletados, já que se pôde identificar
variação entre as estratégias de relativização nos séculos abordados. O
primeiro muda a leitura que se tem sobre a origem das construções relativas
cortadoras: há ocorrências de construções de relativização não-padrão na
escrita de portugueses nos séculos XVI, XVII e XVIII. As formas que eram
chamadas de inovadoras no PB, na verdade, já existiam no PE desde o século
XVI. Os 2675 dados levantados foram distribuídos da seguinte forma: 68
orações do século XVI, 1372 do século XVII e 1235 relativas do século XVIII.
As ocorrências do século XVI são da Aljamia Portuguesa e das CARDS. No
século XVII os dados são das cartas do Pe. Vieira e das CARDS do XVII e, do
século XVIII, os dados levantados são de CARDS do XVIII, das cartas do
Marquês do Lavradio e das Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de
Évora.
Dentre as 2675 orações, 2534 são relativas padrão, 101 cortadoras e 40
copiadoras. Para realizarmos uma interpretação coerente desse alto índice de
construção padrão, isolamos as relativas de sujeito e objeto direto, já que só
aparecem em contexto de sintagma nominal. Ao analisarmos o contexto de
sintagma preposicionado, ambiente em que a variação ocorre entre os três
199
tipos de relativas, foi possível observar melhor os índices da cortadora e da
copiadora em relação à padrão preposicionada.
As relativas de sujeito e objeto apresentam um total de 1855 dados,
quase 70% das orações levantadas na Amostra (1238 de sujeito e 617 de
objeto direto). A alta produtividade das estruturas de sujeito e objeto direto é um
resultado que se repete em estudos sincrônicos (BISPO, 2009; CORRÊA,
1998; SILVA, 2005) e, segundo nossa interpretação, pode ser relacionada ao
uso das relativas cortadoras na fala e na escrita. Baseados em Bybee
(2003/2010) mostramos que a frequência de uso das relativas padrão de
sujeito e objeto provoca a automação da estrutura “QUE + verbo” que é
repetida em contextos preposicionados originando a estratégia cortadora, ou
seja, por meio de generalização da estrutura (sujeito e objeto direto) para as
demais funções sintáticas (preposicionadas), para se evitar a construção
padrão preposicionada, uma estrutura resultado de escolarização, por conta da
dificuldade de seu processamento (BISPO, 2009; CORRÊA, 1998).
Ao
controlarmos o tipo de estrutura utilizada na construção padrão de sujeito e
objeto direto, 1834 dados, mostramos que 79% dessas orações foram
construídas com a Estrutura “QUE + verbo” (doravante, Estrutura 1),
elucidando nossa hipótese.
A respeito da estrutura de sintagma preposicionado, atestamos que,
nesse ambiente (propício às três estratégias), a ocorrência de relativas nãopadrão confirma nossa hipótese a respeito da origem das cortadoras no
português. Segundo nossos dados, houve 101 ocorrências de cortadora e 19
de copiadora que, juntas, representam quase 15% dos 823 dados. Foi
importante sublinhar, ainda, que, no caso das cartas de desconhecidos
200
(CARDS), a participação das relativas não-padrão é mais evidente, já que, dos
154 dados, 25% são de cortadora (39 orações) e 8% são de copiadora (12
orações). Em comparação com os resultados do Pe. Vieira, acreditamos que
pudemos confirmar estudos recentes sobre o assunto que apontam a
necessidade de escolarização e convívio com os padrões de escrita para se
usar as relativas padrão preposicionadas. Nas cartas desse remetente, das 379
relativas de sintagma preposicionado, 92% são construções padrão e as nãopadrão, embora tenham existido atestando a existência de tais formas na
escrita de um português do século XVII, representam, juntas, 8% dos dados
(28 relativas cortadoras e 3 copiadoras).
Um interessante resultado sobre as cartas de Vieira é que tendem a
apresentar estruturas de relativização mais complexas por conta da
complexidade dos assuntos tratados. Suas estruturas relativas privilegiam
pronomes como cujo e quem e revelam construções de fórmula representativas
do gênero textual carta. As cartas do Marquês também propiciaram a criação
de fórmulas, estruturas que se repetem em determinados contextos de forma
automática, como foi o caso das relativas padrão de objeto indireto: elas
refreiam a mudança linguística, uma vez que a automação desse uso inibe a
escolha pela estrutura cortadora. Ao estudar quatro corpora constituídos de
cartas e um de Gazetas, chegamos à conclusão de que esse gênero textual
propicia o desenvolvimento de estruturas de fórmula em diferentes partes do
corpo do texto, principalmente quando se quer mostrar polidez. As estruturas
linguísticas formulaicas encontradas não refletem, necessariamente, a
realidade da Língua Portuguesa nos séculos XVI, XVII e XVIII.
201
Ser a partícula que a forma preferida pelos remetentes para a construção
de orações relativas na Amostra estudada evidencia seu caráter universal. Ele
é o mais produtivo nas construções relativas estudadas, o que pode evidenciar
que, já em sincronias passadas, havia uma tendência à neutralização do traço
flexional dos relativos. Segundo Castilho (2010) e Azeredo (2010), a ausência
de concordância aponta para o esvaziamento semântico do pronome e a perda
de seu caráter anafórico
Esse resultado configura o princípio de um interessante estudo com
cartas que pode se revelar uma estimulante viagem em busca das estratégias
de relativização em séculos passados.
202
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AS ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO NA ESCRITA DE