Universidade Federal do Rio de Janeiro AS ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZ AÇÃO NA ESCRITA DE PORTUGUESES DOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII Bianca Graziela Souza Go mes da Silva 2011 AS ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZ AÇÃO NA ESCRITA DE PORTUGUESES D OS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII Bianca Graziela Souza Go mes da Silva Tese de Doutorado sub metida ao Progra ma de Pós-Graduação e m Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, co mo parte dos requisitos necessários para a obtençã o do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Prof.ª Doutora Célia Regina dos Santos Lopes. Co-orientadora: Prof.ª Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante. Rio de Janeiro Sete mbro de 2011 SILVA, Bianca Grazie la Souza Go mes da As estratégias de relativização na escrita de portugueses dos séculos XVI, XVII e XVIII / Bianca Graziela Souza Go mes da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/ CLA/ FL, 2011. xx, 207f. : il ; 31 cm. Orientador: Célia Regina dos Santos Lopes Co-orientadora: Silvia Regina de Oliveira Cavalcante Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós -Graduação em Letra s Vernáculas, 2011. 1. Língua Portuguesa. – Tese. I. Lo pes, Célia Regina dos Santos (Orient.) . – Cavalcante, Silvia Regina de Oliveira (Co Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Progra ma III.Título. de Pós -Graduação em Letras Vernáculas. As est ratégias de relativi zação na e scrita de portuguese s dos séculos XVI, XVII, e XVIII Bianca Graziela Souza Go mes da Silva Orientadora: Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes Co-orientadora: Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante Tese de Doutorado submetida ao Progra ma de Pós -Graduação e m Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, co mo parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Exa minada por: _______________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Célia Regina dos Santos Lopes Orientadora _______________________________________________________ Profa. Doutora Sílvia Regina de Oliveira Cavalcante - UFRJ, Coorientadora _______________________________________________________ Profa. Doutora Marcia Cristina de Brito Ru meu – UF MG _______________________________________________________ Profa. Doutora Maria Maura da Concei ção Cezario – UFRJ _______________________________________________________ Prof. Doutor Eduardo Kenedy Nunes Areas - UFF _______________________________________________________ Prof. Doutor Juanito Ornelas de Avelar - UNICAMP _______________________________________________________ Profa. Doutora Christina Abreu Gome s – UFRJ, Suplente _______________________________________________________ Profa. Doutora Filomena de Oliveira Azevedo Vare jão - UFRJ, Suplente Rio de Janeiro Sete mbro de 2011 RESUMO As e st rat é gi as d e rel at iv i zação na e scri t a de port ugu e se s d o s sécul o s XVI , XVI I e XVI I I Bi anca G razi el a Souza G om es da Si lv a O ri ent adora: Dra. Cél i a Regi na do s Sa nt o s L ope s Co-ori ent a dora: Dra. Si lv i a Regi na de O l iv ei ra Cav al cant e Re sum o da T ese de D out ora do subm et i da ao Program a de Pó s G raduaçã o em Let ras V ernác ul as, su bár ea de Lí ngu a Port ugu e sa, n a F acul dade de Let ra s da U niv ersi dade F ed era l do Ri o de Janei ro – UF RJ. O que se de sej a, na pr e sent e pe sq ui sa, é e st ud ar o com port am ent o da s est rat égi a s de rel at iv i zação no port u guê s e urope u. Para i sso, i nv est i ga - se a di st ri bui ção de ssa s con st r uçõe s em um a Am ost ra com post a por cart a s do s séc ul os XVI , XVI I e XVI I I , à l uz da Soci ol i nguí st i ca Vari aci oni st a, a f im de m ost rar qu e a s f orm as rel at iv as não pa drã o nã o sã o ex cl usi v as do PB o u pert ence nt e s a um a real i dade l i nguí st i ca co m um som ent e ao pre sent e séc ul o, no Bra si l e em Port ugal . O bj et iv a -se, so b ret udo, d et ect ar ocor rênci a s d e f orm as de rel at iv i zação não padr ão conc or rendo com a padrão n o perí o do apont a do, no port u guê s euro peu, sej a em Port ugal ou n o Bra si l , ou sej a, i nt eressa-no s saber se a s rel at iv as n ão cont em pl adas na T radi ção sã o própri a s do port u guê s bra si l ei ro, a ssi m com o o conj u nt o d e m udanç a s at est a da s ne ssa m odal i dade ou se, no p o rt uguê s euro peu, em si ncro ni a s pa ssad a s, j á h av i a am bi ent e de r eal i zação de co n st ruçõe s cort a dora s e copi adora s. T aral l o (1983), num e st udo di acrôni co so bre t ai s con st r uçõe s no port ugu ê s d o Bra si l , abri u cam i nho para a i nv est i gação do f enôm eno; Est e t rabal ho pr opõ e f azê -l o na m odal i dade e uropei a. Procu ra - se anal i sar a rel ação ent re o s al t o s í ndi ces d a s con st ru çõe s padr ã o de suj ei t o e obj et o di ret o e a ex i st ênci a da rel at iv a cort ador a, um a f orm a de m esm o out p ut f onét i co. O s re sul t ado s ap ont am para um a v ari ação no u so da s f orm as n ã o padrã o em rel ação ao t i po de t ex t o, ou sej a, os rem et ent e s env olv i dos com os padrõ e s d e e sc ri t a t end em a u sar m eno s a s f orm as cort ad ora e copi ad ora d e acordo c om o que se apr ego a no s e st udo s si ncrôni co s que r el aci onam o u so da s r el at iv as padr ão prep o si ci onada s ao c onheci m ent o f orm al (Si lv a, 2005; Kenedy, 20 07; Corr êa, 199 8). Su mmary Rel at iv i zati on st rat egi e s i n t he wri t i ng of Portugue se of t he si x t eent h , sev ent eent h an d ei ght eent h cent uri e s Bi anca G razi el a Souza G om es da Si lv a O ri ent adora: Dra. Cél i a Regi na do s Sa nt o s L ope s Co-ori ent a dora: Dra. Si lv i a Regi na de O l iv ei ra Ca v al cant e Summ ary of Doct oral T hesi s subm i t t ed t o t he G radu at e Pro gram i n Vernacul ar L ang uag e, su b -ar ea of t he Port ugue se L ang uag e, F acul t y of Art s at t he F ederal Univ ersi t y of Ri o de Janei ro - UF RJ. W hat i s de si red i n t hi s re se arch i s t o st u dy t he b ehav i or of rel at iv izat i on st rat e gi es i n Eur ope an Port u gue se. F or t hi s, we i nv est i gat e t he di st ri but i on of t hese co n st ruct i on s i n a sam pl e of l et t ers f rom t he si x t eent h, sev ent eent h an d ei ght eent h cent uri es, i n t he l i ght of Vari ational Soci ol i ngui st i cs i n order t o sh o w t hat non - st and ard rel at iv e f orm s are n ot uni que t o BP or bel ongi n g t o a l i ngui st i c real i t y onl y comm on t o t hi s cent ur y, i n Brazil and Port ugal . I t aim s, abov e al l, at det ect i ng i nst a nce s of non - st an dard f orm s of rel ativ i zati on com pet i ng wi t h t he st an dard o ne i n t he peri od i ndi cat ed, i n Europea n Port ugue se, ei t her i n Port ug al or Brazi l , t hi s m eans, we are i nt ere st e d t o kn o w whet her t he n on-co nt em pl at ed in t he T radi t i on rel at iv e f orm s are f rom Brazi l i an Port uguese, as wel l as t he set of chang e s cert i f i ed i n t hi s m odal it y or i f , i n European Port u gue se, i n p a st synch roni ci t i es, t here wa s a r eal i zat i on env i ronm ent of cutt ers an d copi er s con st ruct i on. T aral l o (1983), a di ach roni c st udy of suc h co n st ruct i on s i n Brazi l i an Port ugue se, ope ned t he way f or t h e i nv est i gat i on of t he phenom enon, t hi s paper pr opo se s t o do t hi s i n t he Euro pea n m odal it y. It seek s t o ex ami ne t he rel at i onshi p b et wee n hi gh l ev el s of st andard con st ruct i on s of t he su bj ect an d di rect obj ect and t he ex i st enc e of t he rel at iv e cut t er, a phon et i c f orm of t he sam e out put . T he re sul t s i ndi cat e a v ari ati on i n t he use of nonst and ard f orm s i n rel at i on t o t he t ext t ype, t hi s m eans, se nder s i nv olv ed wi t h wri t i ng st an dard s t en d t o u se l e ss t h e cut t er an d c opi er f orm s accordi ng t o what i s preach ed i n t h e sync hroni c st udi e s t h at rel at e t he u se of prep o si t i onal st an dard t o t he f orm al knowl edge (Si lv a, 2005; Kenedy, 20 07; Corrê a, 199 8). AG R ADECI MENT O S Louv o e bendi go a m eu Deus de quem m e agradei para v er reali zados o s de sej o s do m eu co ração. A concl usão d est e d out oram ent o repr e sent a o cum prim ent o de sua s prom essa s em mi nha v ida. Agradeç o o ap oi o e dedi caçã o d e m i nha or i ent adora, C él i a, que f orj ou em mim o carát er de pe squi sado ra dur ant e os oi t o a no s em que e st iv e so b su a ori e nt ação. Su a com preen são na oca si ão d e m eu C onc ur so j am ai s se rá esqueci da. O bri gad a pel o v ot o de conf i ança. G rat i dão a Si lv i a Cav al cant e, mi nha co -o ri ent adora. O q ue di zer a respei t o de sse s 18 m ese s de acom pan ham ent o? Cab e re ssal t ar sua s cont und ent e s e sá bi as pal av r as que m e l evaram a t om ar deci sõe s ef i cazes: “. . . a t ese, só v ocê pode f azer! ”. Há pesso a s que surg em em sua v i da na hor a cert a, no m om ent o oport un o. . . Agradeç o à Prof a. Dra. Márci a Rum eu pel a part i ci pação na B anca d e Q ual if i cação de st a t e se e pel a s c orr eç õe s e suge st õ e s q ue lá me p or me apre se nt aram . Ao col ega Leo nard o pel a com pan hi a dur ant e as aul a s e apre se nt ar a o Mar quê s do Lav radi o, um cidadã o p ort ugu ê s q ue m e rev el ou m uit o sobre a s rel at iv as do séc ul o XVI I I . Meu s agr adeci m ent o s a am i gos, col ega s de t rabal ho e al un o s, pe ssoa s que e st iv eram de pert o ou de l on ge t orce ndo e oran do par a a co ncl usão d e ssa grand e et apa d e m i nha t raj et óri a. Àquel a que t orceu, e st i m ul ou e at é t rabal hou p ara qu e eu ch ega sse at é aq ui , mi nha grand e am i ga Suel y, um a pe ssoa sem i gual . Eu l ouv o a Deus p el a su a v irt ude de ol har o out ro n a s sua s nece ssi dad e s. Não sei de pal av ras que p o ssam repre sent ar os sent i m ent os que si nt o em rel ação à m i nha f am í li a. À respo n sáv el pel o i ní ci o de t u do, m i nha m ãe, m uit o obri gada. Eu acredi t ei qua ndo m e di sse “É só e st u dar! ”. Ao m eu f il ho que, m esm o sem ent en der m i nhas au sê nci as, bri ndav a -m e com um sorri so d e com preen são. Agra deço a m i nha i rm ã Dani el a, m i nha t i a Janj a e mi nha so bri nha Adri ene po r se t orn arem , m uit as v eze s, m ães d e Pe dro Hug o. E ssa di spo si çã o em m e aj udar t orna cada um a par t i ci pant e da mi nha v i t óri a. Ao F l áv i o, m eu am or, com quem div ido a v i da e as l et ra s, o bri gada. S ã o quat ro l ong o s ano s c ont an do com sua com p reen sã o, aj uda e e st í m ul o: “Você v ai conse gui r, v ocê sem pre con seg ue! ”. “At é aqui m e aj udou o Senhor! ” SI NO PSE Est ud o da s e st rat égi a s de rel at iv i zação em cart as do s sécul o s XVI , XVI I e XVI I I , para com prov ação da ocorrênci a de f orm as rel at iv as não padr ão n o p ort ugu ê s europ eu no perí od o apo nt ado. Dedi co e st a t e se à m i nha f am í li a, por quem m e esf orço e v enço. “O s ol ho s cabeça. . . ” do s sá bi os e st ã o na su a 1 “F el i z o hom em que acha sab edori a, e o hom em que adq ui re conheci m ent o. ” 2 (Sal om ão) 1 2 Livro de Eclesiastes, capítulo 2, parte “a” do versículo 14. Livro de Provérbios de Salomão, Provérbio 3, versículo 13. Í n d i ce d e g ráfi co s, esq u emas e tab el as Q uadro 1 - Pron om es Rel at iv os se gund a a T radi ção G ram at i cal . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . . . . .. . . .. . . .. . 29 Est rat égi a de rel at iv i zação em cont ex t o prep osi ci ona do (a dapt a da d e T aral l o, 1983) . . . . . . . . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . 62 Est rat égi a de rel at iv i zação ao l ong o do s t ex t os do s sécul o s XVI I I e XI X (adapt a da d e T aral l o, 1985) . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . . 62 Esq uem a 1 – Hi erarqui a de ac e ssi bi l i dade . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . . 93 Esq uem a 2 - (Kabat ek, 20 06) . . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . . 97 T abel a 1 – Est rat é gi a de rel at iv i zação em t ext o s do sécul o XVI ao XVI I I 128 T abel a 2 - Est rat égi a de rel at iv i zação di st ri buí das p el as f unçõe s si nt át i ca s . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 136 T abel a 3 - Est rat égi a d e rel at iv i zação de suj ei t o e obj et o di ret o . . . .. . . .. . . . . 137 G ráf i co 1 – Ti pos de e st rut ura da s r el at iv as .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . 139 Esq uem a 3 – Com paração d e e st rut ura s . . . . . .. . . . .. . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . 141 G ráf i co 2 – Rel at iv as padrã o e copi ad ora de suj ei t o e obj et o di ret o . . . 144 T abel a 4 – Est rut ur a s de rel at iv i zação no séc ul o XVI . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 144 T abel a 5 - Est rut ura s de rel at iv i zação no séc ul o XVI I . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 147 T abel a 6 - Est rut ura s de rel at iv i zação no séc ul o XVI I I . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . .. 151 T abel a 7 - Di st ri bui ção da s e st rat é gi as d e PP em rel ação ao t ex t o . . .. 155 T abel a 8 – Di st ri bui ção da s f unçõe s d e PP por est r at égi a . . . . . . .. . . .. . . . 158 G ráf i co 3 – Ti pos de e st rut ura no s dad o s de cort adora . . . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. 168 G ráf i co 4 – Preposi çõe s “c ort ada s” . . . . . . . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . 170 SUMÁRI O Í n d i ce d e g ráfi co s e tab el as . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. I NT RO DUÇÃO . . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . vi 19 1- DESCRI Ç ÃO DO O BJET O DE EST UDO : UMA REVI SÃO D A L I T ERAT UR A . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . 26 1.1 A DESCRIÇÃO GRAMATICAL ........ .... ......................... 26 1.2 ESTADO DA ARTE – NOTÍCIAS DE ALG UNS ESTUDO S ........................... .................. ........... ........................... ....... 40 1.2.1 da As estratégias Gramaticalização não – padrão como resultado Sil va (2005) ........................... ........... . . . . . . . . . .. . .. . . .. . . .. ............................... . 42 1. 2. 2 A e str atég i a co rt ad o ra so b a p e r sp ecti va co g n i ti vo -fun ci o n al – Bi sp o (2009) . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. 1. 2. 3 48 A estr atég i a d e rel ati vi z ação p ad r ã o co mo resu l tad o d a ed u cação fo rmal - Co rrêa (1 998) . . . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . 50 1.2.4 As est ratégias de relativizaç ão na Dema nda do Santo Graal – Ba rreto (1996) ..................... ........................... ..... 59 1.3 DE ONDE VÊM AS CORTADORAS? .......................... . .... 61 1.3.1 Proposta de Tarallo (1983) ................................ ...... 61 1.3.2 Proposta de Kenedy (2007) ...... ........................... ..... 64 C APÍ T ULO 2 - PRI NCÍ PIO S T EÓ RI CO S . . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . 2. 1. ALG UNS PRI NCÍ PI O S DA T EO RI A SO CI O LI NG UÍST I CA T ENT AT I VA DE APLI CAÇÃO . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . 86 E UMA 86 2. 2. O PAPEL DA F REQ UENCI A DE USO NA O RI G EM DAS CO RT ADO RAS . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . 89 2. 3. AS T RADI ÇÕ ES DI SCURSI VAS .. . . .. . .. . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 95 C APÍ T ULO 3- MET O DOL OG I A . . . . . .. . . .. . . .. . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . 99 3. 1. REF LEXÕ ES SO BRE O G ÊNERO CART A . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . 99 3. 1. 1. No tí ci as ad vi n d as d e cartas . . . . . . . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . 99 3. 1. 2. O G ên ero Carta . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . 102 3. 2. CO NSI DERAÇÕ ES SO BRE A AMO ST RA . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 106 3. 3. DESCRI ÇÃO DO S CO RPO RA .. . . .. . . .. . .. . .. . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . .. 107 3. 3. 1. A Al j ami a Po rtu g u esa . . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. 107 3. 3. 2. As Cart as d e Des co n h eci d o s (CARD S) . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . 110 3. 3. 3. As cart as d o Pad re An tô n i o Vi ei ra . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. 112 3. 3. 4. As G azetas Man u scri t as ( L I SBO A et al , 2002) . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . 113 3. 3. 5. As cart as d o Marq u ês d o L avrad i o . . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 114 3. 4. CO NHECENDO AS VARI ANT ES .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. 115 3. 5. DESCRI ÇÃO DO MO DELO DE ANÁLI SE . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 117 C APÍ T ULO 4- AS CO NST RUÇÕ ES DE R EL AT I VIZ AÇ ÃO : AN ÁL I SE DO S D ADO S . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. 127 4. 1. I NT RO DUÇÃO . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . 127 4. 2. I NI CI ANDO A DI SCUSSÃO . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . 130 4. 2. 1. Resu l tad o g eral . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . 130 4. 2. 2. As r el ati va s d e su j ei to e o bj eto di reto . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . 134 4. 2. 2. 1. Um a v i si t a ao sécul o XVI . . . . . . . . .. . .. . . .. . . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. 144 4. 2. 2. 2. Passean do pel o séc ul o XVI I . . . . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . .. . . .. . . .. 147 4. 2. 2. 3. Um a v i agem ao sécul o XVI I I . . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . 151 4. 3. AS RELAT I VAS DE SI NT AG MA PREPO SI CI O NADO . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . . 155 4. 3. 1. Em cen a, a rel ati va p ad rão . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . 160 4. 3. 2. A p arti ci p aç ão “co ad j u van te” d as rel ati vas co rt ad o ra e co p i ad o ra . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. 166 4. 4. UMA LEI T URA PARA AS RELAT I VAS EST RANHAS . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . . 179 4. 4. 1. Pad re Vi ei ra . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. .. . . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. 180 4. 4. 2. G azetas Man u scri ta s . . . . . . .. . .. . . .. . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . 187 4. 4. 3. Marq u ês d o L avrad i o .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . . . . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . 195 CO NSI DERAÇÕ ES F I NAI S . . . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . .. 199 REF ERÊNCI AS BI BL I O G RÁF I C AS . . . . . . . . .. . . ... . . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . .. . . .. . . . 204 19 INTRODUÇÃO Ao discutir a respeito das estratégias de relativização no que envolve a necessidade de repensar o tratamento dado às construções não-padrão, principalmente no espaço escolar, Bispo (2009, p. 125) aponta que tal perspectiva “implica, naturalmente, o reconhecimento da pluralidade de usos que fazemos da língua em virtude das mais variadas situações de interação social de que participamos e em que somos envolvidos. Assim, inevitável torna-se a consideração das variações linguísticas das modalidades de uso da língua, das diferentes intenções com que organizamos enunciados e, por conseqüência, do papel que esses fatores exercem na organização morfossintática desses enunciados. Daí advém a grande relevância do estudo da língua em uso.” Levando em conta a pluralidade de usos, o presente trabalho visa a estudar as estratégias de relativização identificadas numa Amostra composta de corpora dos séculos XVI ao XVIII, de portugueses. O objetivo é observar se as estratégias relativas (padrão, copiadora e cortadora) se faziam presentes em textos escritos por portugueses em sincronias passadas. Tarallo (1994, p. 165) já observara que no latim era possível encontrar relativas copiadoras, como em Ultra eum locum, quo in loco Germani consederant cuja tradução seria para além daquele lugar, no qual os alemães haviam acampado no lugar. Tal estrutura pode evidenciar que a forma nãopadrão copiadora manteve-se na língua desde os primórdios. Talvez também seja possível pensar que a construção considerada inovadora – a relativa cortadora – tenha surgido na língua bem antes do que se imagina. Desse modo, neste trabalho, vamos analisar o comportamento de três tipos de 20 orações relativas: (1) a relativa canônica ou padrão; (2) a relativa copiadora ou com pronome lembrete e (3) a relativa cortadora: i- E fes sahir daus náos a correr a costa no mesmo dia em que lançou ao mar a que se acabou no estalleiro, e vai para Mombaça. (Gazetas – XVIII) ii- Aqui aparece ja a 3.ª impressão do poema de Alffonço de Francisco Botelho de Vasconcelos, que a foi fazer a Salamanca, e he só a que adopta por sua. (Gazetas – XVIII) iii- Hade ler o Panegirico aos annos del Rey que fez como Director da Academia no dia, que El Rey asinalar para que ella vâ ao Paço (Gazetas – XVIII) Pretendemos, pois, estudar as estratégias de relativização postuladas, para comprovar que as construções não-padrão não são exclusivas do português brasileiro como defende Tarallo (1983). A hipótese que norteia esta tese é a de que as estruturas relativas não-padrão são construções próprias também do português europeu. Esperamos comprovar essa hipótese levantando dados das construções relativas na Amostra organizada para esse fim. Partindo de estudos sincrônicos sobre o assunto, que registram altos índices da forma cortadora em relação à padrão preposicionada, gostaríamos de atestar que, mesmo com índices menores, essas formas também já figuravam em sincronias passadas, na variedade europeia do português. A escolha desse tema se justifica pelo interesse dado ao fenômeno nas últimas três décadas, desde que o estudo pioneiro de Tarallo (1983) caracterizou a relativa cortadora como uma inovação peculiar ao PB em relação ao PE. Análises de cunho sociolinguístico, com dados orais e escritos do PB, têm evidenciado a produtividade da relativa cortadora principalmente. Pela dificuldade em organizar um criterioso corpus de sincronias passadas, os estudos diacrônicos como o de Barreto (1996) não proliferaram com tamanha 21 rapidez. Apesar dos limites impostos por análises de textos escritos, a hipótese de Tarallo só poderia ser efetivamente comprovada com um estudo sistemático do passado. Segundo os resultados das análises sincrônicas, as estruturas nãopadrão, cortadora e copiadora, seriam próprias do português do Brasil e cada vez mais encontram espaço entre os falantes dessa variedade (CORRÊA, 1998; MOLLICA, 2003; SILVA, 2005; BISPO, 2009, entre outros). Pesquisas recentes (LESSA DE OLIVEIRA, 2006; ARIM, RAMIRO E FREITAS, 2005; VAREJÃO, 2006) apontam também para o PE a emergência das formas não-padrão, principalmente a cortadora. Os resultados para o português do Brasil já atestam a vitória da cortadora sobre a padrão em ambiente preposicionado (CORRÊA, 1998; SILVA, 2005; BISPO, 2009). Para o português europeu dialetal, registram-se percentuais significativos da estratégia cortadora em relação às demais (VAREJÃO, 2006). Alguns autores afirmam que, se essa tendência se mantiver, a cortadora poderá se sobrepor à relativa padrão (ARIM, RAMIRO e FREITA, 2005). Kenedy (2007) se opõe à ideia de que os sistemas de relativização do PB e do PE sejam diferentes e propõe que as relativas consideradas padrão, na verdade, são construções antinaturais, segundo o modelo de análise que ele segue. Essa perspectiva vai ao encontro da presente tese, uma vez que, com a análise diacrônica de textos portugueses, pretendemos evidenciar que as relativas não-padrão não constituem uma exclusividade do PB. Kenedy (2007) assume uma clara postura a favor da antinaturalidade da forma padrão preposicionada não só no PB, como também no PE, ou seja, para o autor, essa forma não faz parte da gramática dessa língua. Ainda, baseado em estudos de 22 aquisição da linguagem (cf. PÉREZ-LEROUX, 1995; CF. LABELLE, 1996; CF. MCDANIEL ET AL, 1998), Kenedy (2007) alega que tal forma é naturalmente impossível em línguas como o espanhol, o francês, o inglês e, segundo ele, provavelmente, em qualquer outra língua. Dizer que tal construção é naturalmente impossível significa afirmar que essa forma só é gerada quando o falante/escrevente é submetido à escolarização ou tem contato com modelos de escrita. Considerando que o fenômeno é variável, pretendemos desenvolver esse tema sob orientações de base laboviana, no que concerne à observação de frequências das variantes – relativas do tipo padrão, copiadora e cortadora –, buscando responder se, nos séculos XVI, XVII e XVIII, registraram-se estruturas relativas não-padrão por meio da observação da produção textual de indivíduos portugueses. Como se trata de um corpus documental escrito constituído por cartas e por gazetas advindas de correspondências, foi necessário refinar a análise a partir de uma discussão complementar da relevância do paradigma das Tradições Discursivas (KABATEK, 2006) para o estudo da mudança diacrônica. Nesse sentido, pretendemos investigar, de posse dos dados, se a Tradição Discursiva desses textos favorece ou desfavorece a realização de determinada estratégia. O intuito é observar se as formas linguísticas demonstram um uso sistêmico ou se estariam relacionadas às propriedades do gênero carta e do subgênero gazeta utilizados na análise. Tomaremos, portanto, como aparato teórico auxiliar, algumas discussões sobre o conceito das Tradições Discursivas. Segundo Kabatek (2006, p. 512): 23 “Tradição Discursiva (TD) é a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio (portanto é significável). Pode-se formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo, cuja repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se pode estabelecer semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos referenciais) que evocam uma determinada forma textual ou determinados elementos linguísticos empregados.” Na correlação entre mudança linguística e tradição discursiva, o autor reconhece que o objetivo do historiador da língua é a reconstrução de uma espécie de “diacronia ideal”. Entretanto, “quando se estuda a história de uma língua, o que se estuda não é a língua senão textos representativos dos respectivos estados da língua” (KABATEK, 2006, p. 515). Tem-se, assim, como desafio, distinguir o que é peculiar à língua de uma época daquilo que é próprio do gênero textual. Considera-se, ainda, que o gênero discursivo pode ser condicionante tanto na criação de inovações sintáticas quanto na sua difusão, podendo impedir ou estimular uma mudança linguística. Tal discussão será levada em conta neste trabalho: se as TDs das fontes documentais analisadas refreiam ou estimulam o fenômeno apresentado, ou melhor, se as tradições favorecem a realização de determinada estratégia de relativização . Os estudos sobre frequência “de tipo” e “de ocorrência”, nos termos de Bybee (2003, 2010), serão tomados como base teórica para relacionar os altos índices de relativas de sujeito e objeto direto às ocorrências de relativas cortadoras. Nossa hipótese é a de que a estrutura das relativas de sujeito e de objeto direto (SN + QUE + VERBO) se generaliza ao contexto preposicionado, gerando a estrutura relativa constituída pela forma QUE mais o verbo da oração relativa: a estratégia cortadora. Outras questões relevantes serão consequentemente abordadas: 24 (1) Haveria variação entre as formas relativas nos séculos observados? (2) Qual o papel das construções formulaicas no contexto geral de dados? (3) Havia em textos de sincronias passadas uma preferência pela forma “que” em relação aos demais relativos como foi observado nos estudos sincrônicos? (4) Nos séculos estudados havia também uma tendência pela escolha de construções menos complexas? (5) Nos três séculos propostos para o nosso estudo, havia grande incidência de relativas de sujeito e objeto direto, justificando a utilização das construções relativas cortadoras, como mostram estudos sincrônicos? (6) O tipo de texto (cartas e gazetas estudadas) influencia a escolha das estratégias relativas postuladas? Este estudo está organizado da seguinte forma. No capítulo 1, definiremos o objeto de estudo a partir de uma revisão bibliográfica inicial de cunho mais tradicional e outra de natureza linguística. Na primeira parte do capítulo, apresentaremos descrições das gramáticas mais tradicionais e outras mais inovadoras. Na seção seguinte, mostraremos considerações e descrições de alguns estudos recentes que envolvem o tema, apresentando algumas interpretações teóricas que pretendemos adotar na análise de nossos dados. O capítulo 2 reúne os princípios teóricos que norteiam este trabalho. Primeiramente, estão breves considerações sobre a Teoria Sociolinguística que justificam o uso da técnica variacionista nos dados coletados. Na sequência, apresentaremos uma discussão sobre o papel da frequência para compreensão e interpretação dos dados. As bases gerais do paradigma das Tradições Discursivas serão expostas no fim do capítulo, para explicar o uso das estruturas formulaicas. A metodologia considerada mais coerente a ser aplicada em estudos como este está descrita no capítulo 3. Em 3.1, apresentamos um histórico do 25 gênero carta, o texto escolhido para evidenciar as estratégias de relativização nos séculos estudados. Em 3.2, realizamos algumas considerações sobre a Amostra constituída, apontando as diferenças entre cada material selecionado na seção 3.3. A seção 3.4 ilustra as variantes adotadas na pesquisa, as formas padrão, cortadora e copiadora. O capítulo se encerra com a descrição do modelo de análise, no qual apresentamos exemplos para cada grupo de fatores adotado na pesquisa. Finalmente, no capítulo 4, apresentaremos os resultados gerais obtidos a partir dos dados levantados no material documental selecionado, a fim de observar se os padrões estatísticos confirmam ou não as hipóteses levantadas no trabalho. Em 4.1, apresentamos uma pequena introdução em que justificamos a forma como analisamos os dados. A seção 4.2 ilustra o resultado geral que obtivemos e nossa interpretação para os dados das funções de sujeito e objeto direto. As relativas de sintagma preposicionado estão analisadas na seção 4.3. Por último, em 4.4, mostramos o tratamento dado às relativas que geraram dúvidas de interpretação ou que foram construídas fora dos “moldes” considerados como estratégias de relativização. Encerramos a presente tese com Considerações Finais e as Referências Bibliográficas consultadas no trabalho. Nas considerações finais, buscamos retomar as questões que prometemos discutir ao longo do trabalho, assim como as conclusões a que chegamos na abordagem de cada uma delas. 26 CAPÍTULO 1: DESCRIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: UMA REVISÃO DA LITERATURA 1.1. A DESCRIÇÃO GRAMATICAL De um modo geral, os gramáticos apresentam a mesma descrição no tratamento das orações subordinadas adjetivas (BECHARA, 1999; CUNHA & CINTRA, 1985; LIMA, 1997). Elas são assim chamadas por funcionarem como adjetivos para um substantivo antecedente (nome ou pronome). Cunha e Cintra (1985) apontam que o antecedente pode ser um termo equivalente a um substantivo e um termo qualquer da oração principal: sujeito, predicativo, complemento nominal, objeto direto, objeto indireto, agente da passiva, adjunto adverbial, aposto ou vocativo. Os exemplos em (1) e (2) ilustram relativas de pronome e nome. É possível, também, que o antecedente do pronome relativo seja de outra natureza, como um adjetivo (3), um advérbio (4) ou uma oração (5): (1) “Deem-me as cigarras que eu ouvi menino.” (2) “Não serás tu que o vês assim?” (1985, p.334) (3) “As opiniões têm como as frutas o seu tempo de madureza em que se tornam doces ou astringentes que dantes eram. (Marquês de Maricá, M, 166)” (4) “Lá, por onde se perde a fantasia/ No sonho da beleza; lá aonde/ A noite tem mais luz que o nosso dia... (A. de Quental, SC, 61.) (5) “Só a febre aumenta um pouco, o que não admirará ninguém. (A. Nobre, CL, 145-6.)” 27 Em geral, os pronomes relativos são assim chamados porque se referem ao termo anterior, o antecedente. Eles apresentam, diferentemente de outros pronomes, dupla natureza: servem de ligação oracional, tal como os conectores/juntores, e desempenham função sintática no corpo da oração a que pertencem, a oração adjetiva. Azeredo (2000) e Bechara (1999, 2006) apresentam as orações adjetivas como sintagmas adjetivais apresentados sob a forma de uma oração. Segundo eles, um período composto por subordinação adjetiva é o resultado da aplicação de uma regra de transposição que converte uma oração em um sintagma adjetival. Assim, um pronome relativo é considerado um transpositor que substitui ou representa um sintagma nominal e converte uma oração em sintagma adjetival – duplo papel do pronome relativo. Segundo Azeredo (2000, p.218), em (6) temos um exemplo em que a oração relativa foi transposta à oração principal pelo transpositor “que”: (6) “O guarda multou os carros que estacionaram na calçada.” Kury (2002) refere-se aos relativos como “conectivos relativos” por sua atribuição de exercer função sintática, diferente das conjunções comuns (doravante “o duplo papel” mencionado por Azeredo, 2000). Azeredo (2010) acrescenta mais um papel ao pronome relativo. Segundo ele, o pronome relativo é uma espécie de palavra que preenche cumulativamente três funções: Anafórica (retoma ou reitera um antecedente), conectiva (insere a oração transposta na construção maior) e sintática (é sujeito, complemento ou adjunto na oração transposta): O cachorro está solto / o cachorro avançou no carteiro. O cachorro que avançou no carteiro está solto. Este que retoma o antecedente o cachorro, insere a oração o cachorro avançou no carteiro na construção O cachorro que avançou no carteiro e exerce nesta construção a função de sujeito. (AZEREDO, 2010, p. 316) 28 Dessa forma, Azeredo (2010) desmembra em duas funções distintas (anafórica e sintática) o caráter anafórico do relativo que, para a maioria dos gramáticos, representa uma retomada. Tal caráter anafórico atribui ao pronome uma função sintática na oração subordinada adjetiva. Desse modo, o relativo tem dois papeis: conectar orações e exercer função sintática [= anafórico]. A função sintática do pronome não tem relação com a função sintática do seu antecedente. O relativo reproduz o significado do antecedente, mas exerce um papel na oração em que figura. Rocha Lima (1997) ilustra essa diferença com o período de Rachel de Queiroz “havia um homem que era ateu” (p. 269). Nele, o antecedente do relativo, “um homem”, é o objeto direto da oração principal “havia um homem”; no entanto, na oração subordinada “que era ateu” o termo “um homem”, elemento retomado pelo relativo, é o sujeito (“um homem era ateu”). Seguindo Azeredo (2010, p 317-318), as funções sintáticas exercidas pelos pronomes relativos podem ser sujeito (7); objeto direto (8); complemento relativo (9); complemento nominal (10); agente da passiva (11); predicativo (12); adjunto adverbial (13); adjunto adnominal (14): (7) “O guarda multou os carros que estacionaram na calçada. (que = os carros); (8) “As frutas que comprei na feira estão guardadas na geladeira” (que = as frutas); (9) “Ainda não juntei todo o dinheiro de que preciso para comprar a bicicleta.” (que = todo o dinheiro); (10) “A pessoa com quem fiz o primeiro contato não trabalha mais na empresa.” (quem = a pessoa); 29 (11) “a velhinha ainda se recordava do nome do bombeiro por quem tinha sido salva.” (quem = o bombeiro); (12) “Ninguém se esquece do jogador extraordinário que Garrincha foi.” (que = o jogador extraordinário); (13) “A casa onde o escritor viveu é hoje um centro de pesquisas.” (onde = a casa) (14) “O carro cujo pneu estava furado continua no estacionamento.” (cujo = (d)o carro) Tradicionalmente, são apresentadas, de forma geral, seis formas distintas3 de pronomes relativos: que, quem, o qual (e flexões), cujo (e flexões), onde e quanto (e flexões), conforme o Quadro 1: Quadro 1: Pronomes relativos segundo a Tradição Gramatical QUE O QUAL QUEM Referente Pessoa ou coisa Pessoa ou coisa Flexão Invariável Variável: os quais, a qual, as quais Invariável Pessoa ou coisa personificada Substantivo, termo possuidor Variável: cujos, cuja, cujas ONDE Lugar Invariável QUANTO Pronomes indefinidos (tudo, todos ou todas) Variável: quantos, quantas CUJO Comentário Relativo básico Substituto de que (com preposição) Precedido de preposição Equivale a de que/quem e do qual Equivale a o lugar em que, no qual. Pode ter o antecedente omitido Azeredo (2000, p. 219) acrescenta, porém, que: Que é a forma padrão do pronome relativo e praticamente a única utilizada nas variedades mais coloquiais da língua. Nas variedades formais da língua – e especialmente na língua escrita que é o objeto de nossa análise – empregam-se outras formas de relativo, pronome 3 Alguns gramáticos consideram seis formas de pronome relativo (que, quem, o qual, cujo, onde, quanto); outros consideram “onde” advérbio relativo por desempenhar a função de adjunto adverbial. Há, ainda, variações para essa interpretação. 30 ou advérbio: o qual, a qual, os quais, as quais, cujo, quem, quanto (pronomes), onde, quando e como (advérbios). Esse comentário parece muito pertinente, porque demonstra o reconhecimento, por parte do autor, do papel da forma “que” como relativo preferido nas construções relativas não-padrão, tema da presente pesquisa. Embora o autor não cite tais estratégias, já reconhece sua existência, assim como outros cujas contribuições serão mencionadas mais adiante. Segundo Luft (2002), as orações adjetivas são anexas ou justapostas ao antecedente mediante um pronome relativo e funcionam como adjunto adnominal ou aposto desse substantivo. A diferença de função se dá a partir da forma que se apresentem: sem pausa, funcionam como adjunto adnominal; com pausa, como aposto. Tal diferença gera uma classificação distinta. As orações sem pausa são classificadas como restritivas, por delimitarem o sentido do nome ou pronome antecedente. As orações com pausa são chamadas de explicativas e, ao contrário das restritivas, que são indispensáveis ao sentido cabal do enunciado, as explicativas podem ser eliminadas sem comprometimento do sentido, pois, de acordo com Luft (2002), elas se justapõem a um substantivo. Vejamos, a seguir, os exemplos apresentados pelo autor: (15) (16) Todo homem que mente é indigno de confiança. Pedro, que é professor universitário, negou-se a responder. (LUFT, 2002, p.84) As estruturas que mente e que é professor universitário são orações subordinadas adjetivas restritiva e explicativa, respectivamente. Em (15), a oração tem como característica elocutiva a ausência da pausa e restringe ao 31 homem mentiroso o não merecimento de confiança. Em (16), a oração adjetiva é um comentário sobre Pedro, uma informação sobre o termo antecedente. Tal oração é marcada por pausa (vírgula na escrita). Para o autor, as orações adjetivas explicativas são a origem do aposto, pela supressão do pronome relativo mais o verbo “ser”. O gramático considera que, por questão de coerência de nomenclatura, elas deveriam ser chamadas de orações apositivas, uma vez que “Pedro, que é professor universitário, negou-se a responder” gerou “Pedro, professor universitário, negou-se a responder”. Quanto ao sentido, as orações restritivas e explicativas podem se apresentar em forma desenvolvida e reduzida. Tradicionalmente, as orações desenvolvidas são introduzidas por um pronome relativo ou por advérbios e apresentam verbo em forma flexionada. As reduzidas apresentam verbo numa das formas nominais com supressão do relativo. Kury (2002) se destaca ao subdividir as orações adjetivas desenvolvidas em relativas e justapostas. As relativas seriam as tradicionais orações desenvolvidas – presença do pronome ou advérbio relativo e verbo no indicativo ou subjuntivo. As orações justapostas são estruturas constituídas de pronome indefinido, sem antecedente, regidas sempre de preposição de, como nos exemplos do autor (17) Não vemos os defeitos de quem amamos e (18) Chegou a vez de quantos esperavam (KURY, 2002, p.80) Em suma, as orações subordinadas adjetivas, as relativas, são orações subordinadas a um núcleo substantivo e iniciadas por um pronome relativo que apresenta dupla função nesta oração: ligá-la ao antecedente (núcleo 32 substantivo) e exercer nela a função sintática exercida pelo termo que representa. Algumas gramáticas mais recentes se destacam por apresentar abordagens não contempladas na tradição gramatical. A descrição que ora apresentaremos pode ser considerada uma inovação apresentada por gramáticas atuais. Na verdade, nos interessa mostrar a nova abordagem gramatical sobre as orações adjetivas que não são contempladas pela tradição gramatical: as estratégias de relativização não padrão cortadora e copiadora. Nessas construções, não observamos o caráter anafórico dos pronomes relativos de retomar o termo antecedente na oração subordinada exercendo, dessa forma, função sintática nela por representar esse termo. Essas construções, consideradas inovações no PB, não são reconhecidas pela tradição gramatical – as relativas não padrão, objeto de estudo da presente tese – embora estejam figurando em contextos de fala e escrita de não escolarizados e escolarizados (BISPO, 2007; SILVA, 2005; CORRÊA, 1998), na imprensa (GOUVÊA, 1999) e na fala de crianças em fase de aquisição (KENEDY, 2007), não só no Brasil, mas também em dados dialetais do português europeu (VAREJÃO, 2006). Essas estruturas foram contempladas por gramáticos interessados em estudar a língua nas suas variações. Destacamos quatro deles, Bechara (1999, 2006) e Mateus et al (2003), Azeredo (2010) e Castilho (2010). Mateus et al (2003, p. 666, 667) admitem haver na fala espontânea duas estratégias de relativização diferentes das orações relativas tradicionalmente designadas como “subordinação adjetiva”. 33 As autoras iniciam dizendo que as orações subordinadas adjetivas, “orações relativas” para elas, são assim designadas por conta de seu paralelo sintático e semântico com adjetivos – posição pós-nominal, valor atributivo e de modificador nominal4. Designam os constituintes que introduzem as relativas como “pronomes”, “advérbios” ou “adjetivos relativos” e comentam a propriedade dessas construções de estabelecerem um nexo anafórico entre o antecedente e o constituinte relativo. Quanto às estruturas não padrão, as estratégias de relativização, pertencentes, segundo as autoras, à fala espontânea, podem ser do tipo que deviam conter SPs em posição inicial. Tais relativas apresentam, contudo, somente a forma que – estratégia cortadora, como se vê em (19). As consideradas “estratégia resumptiva”, com pronomes pessoais, demonstrativos, advérbios locativos ou mesmo a repetição do antecedente no interior da oração, estão ilustradas em (20)5 (19) a. O livro Ø que te falei é o mais bonito b. “[...] é uma arte Ø que eu dou muito valor.” c. “[...] Passo assim os dias Ø que estou em casa.” (20) a. “Temos lá, no meu ano, rapazes que eles parecem atrasados mentais, quer dizer...” b. “[...] fui eu e mais uma irmã minha que também ela sabe muito bem de bolos[...]” 4 Fazem parte dessa classificação as relativas sem antecedente expresso (relativas livres) e relativas com antecedente nominal, que podem ser restritivas ou determinativas e apositivas, explicativas ou não restritivas. As restritivas “contribuem para a construção do valor referencial da expressão nominal” (p. 655), ou seja, restringem a extensão do conceito expresso pelo nome que a oração modifica. As explicativas exprimem um comentário do locutor sobre o antecedente da relativa. 5 Os exemplos foram extraídos de Mateus et al, 2003, p. 667). 34 c. “[...] Que é uma pronúncia cantada que eu própria que sou de cá não a sei muito bem dizer [...]” As estruturas em (20) são consideradas estratégias resumptivas (doravante, copiadoras) porque repetem, na oração relativa, o termo antecedente que o pronome relativo deveria retomar como pronome anafórico. Temos, respectivamente, as cópias eles, ela e a com funções de sujeito (eles e ela) e (a) com função de objeto direto. As autoras supõem estar diante de uma tendência de mudança no português europeu pelo fato de, embora as estratégias exemplificadas em (19) e (20) serem consideradas marginais numa perspectiva purista, a estratégia cortadora já faria parte, atualmente, do registro oral de falantes altamente escolarizados. O segundo gramático é Bechara (1999, 2006) que, em relação às orações relativas marcadas por índice preposicional, alerta para a função sintática do pronome relativo e para a regência do verbo da oração transposta que tornaram, segundo suas palavras, imprescindível o uso de preposição introduzindo o relativo. Assim, Em A cidade a que nos dirigimos ainda está longe, o relativo que reintroduz na oração subordinada adjetiva a que nos dirigimos o substantivo cidade, e vale por nos dirigimos à cidade, em que o núcleo verbal dirigimos requer um termo argumental marcado pelo índice preposicional a, preposição que, portanto, não deve faltar anteposta ao relativo, que funciona como complemento relativo do núcleo verbal nos dirigimos: A cidade a que nos dirigimos ainda está longe. (BECHARA, 1999. p.466) 35 Bechara (1999, 2006), em seção denominada “Relativo Universal”, reconhece a existência de uma estrutura, identificada como estratégia copiadora, não recomendada pela língua padrão. O relativo universal, segundo ele, é um simples elemento transpositor oracional, relativo despido de qualquer função sintática, a qual vem mais adiante expressa por um substantivo ou pronome, como em (25) O homem que eu falei com ele. e (26) A amizade é coisa que nem sempre sabemos seu significado. (BECHARA, 1999. p.466) Sobre a produtividade dessas formas na língua, o autor reconhece sua importância no uso a partir do comentário: “Embora a língua padrão recomende o emprego correto dos relativos, o relativo universal se torna, no falar despreocupado, um „elemento linguístico extremamente prático” (BECHARA, 1999, p. 492). O gramático quer dizer que as construções por ele mencionadas já são comuns no dia a dia, usadas por pessoas em contexto de informalidade e despreocupação. Castilho (2010) aponta a subordinação adjetiva como um processo de relativização em que há um relacionamento de dois sintagmas nominais correferenciais. As adjetivas seriam sentenças encaixadas num sintagma nominal no qual atuariam como complementizadores. Ao referir-se aos pronomes relativos – para ele, integrantes da classe fechada que, qual, cujo, quanto e onde – o autor considera, tal como Bechara (2006), o relativo “que” como um relativo universal, uma forma que está ocupando o espaço de outros. Outro apontamento de Castilho (2010, p.366, 367) que nos interessou foi a chamada “hierarquia de acessibilidade dos sintagmas nominais à relativização”. Segundo ele, os “autores têm mostrado que as línguas variam 36 quanto ao número de posições passíveis de relativização, sendo mais acessíveis os sintagmas nominais de sujeito, em seguida os que funcionam como objeto direto, objeto indireto, oblíquo e genitivo”6. O autor explica essa hierarquia a partir de uma razão semântico-cognitiva: a informação contida num sintagma nominal de sujeito é processada com mais facilidade, depois a informação no objeto direto, e assim por diante. Essa pode ser uma explicação para a grande incidência de relativas de sujeito e objeto direto em vários estudos. Em 2005, baseados na teoria sobre frequência de uso, (BYBEE, 2003), relacionamos os altos índices de orações de sujeito e objeto direto às ocorrências da estratégia cortadora por conta de apresentarem o mesmo output fonético. Nossa perspectiva era a de que a estrutura das relativas de sujeito e objeto direto (QUE + verbo) se generalizava para outras funções sintáticas (as preposicionadas) e, assim, surgiam as relativas cortadoras, construções que, por cortarem a preposição exigida pelo verbo da oração relativa, são elaboradas com o item QUE (relativo universal) e o verbo da oração subordinada. Desejamos, na presente pesquisa, também verificar essa relação observando os índices das orações de sujeito e objeto direto e testando se há construções relativas cortadoras nos textos pesquisados. Baseado em Lemle (1978), Castilho (2010) apresenta as três estratégias de relativização do PB. Na sentença adjetiva padrão, representada por (27) Não há uma área em São Paulo em que a polícia não entre. (CASTILHO, 2010, p.367), o relativo demonstra a forma que corresponde ao caso recebido de seu verbo; no exemplo, caso ablativo, função de complemento oblíquo (doravante adjunto adverbial). A sentença adjetiva copiadora, segundo ele, é o resultado 6 Referência a Keenan e Comrie (1977). 37 da despronominalização do relativo, ou seja, sua redução à conjunção através da perda da propriedade fórica. Nesse caso, haveria um preenchimento dessa perda por um pronome pessoal preposicionado ou não. No exemplo citado, a construção seria Não há uma área em São Paulo que a polícia não entre nela. Por último, a sentença adjetiva cortadora, para Castilho (2010), também proposta de Tarallo (1983/85), resultado do apagamento do pronome pessoal – Não há uma área em São Paulo que a polícia não entre – é forma já recorrente no PB escrito veicular. Azeredo (2010), em comparação com o uso escrito padrão, no qual diz existirem variedades de formas relativas precedidas ou não de preposição, apresenta o emprego quase exclusivo da forma que, na fala espontânea, nas variedades populares da língua e na escrita de pessoas com baixa escolarização. Segundo ele, esse item tende a perder, conforme apregoa Bechara (1999, 2006), sua condição de forma anafórica, ou, como o autor emprega, forma substituta de um antecedente, para se tornar puramente um conectivo. Acreditando se tratar de um uso “que já migrou definitivamente para a escrita menos formal”, Azeredo (2010, p.317) cita exemplos de trechos de gêneros informais em que essas formas estão vigorando, a crônica jornalística e a literatura memorialística: (28) “...(o mais político dos intelectuais) havia escrito uns livros e era membro de uma dessas academias que eu já não me lembro do nome.”[Roberto DaMata. O Globo, 25/10/2006] A estrutura de uma dessas academias que eu já não me lembro do nome é uma estratégia cortadora, uma vez que, com diz o autor, a forma que está apenas ligando uma dessas academias com eu já não me lembro do nome. Uma construção relativa padrão iria utilizar o pronome “cujo” como forma que 38 representa do qual/de que e estabelece a relação de posse entre nome e academia: de uma dessas academias de cujo nome eu não me lembro. (29) “... tive vontade de escrever sobre um gigante (...) Um gigante que fazia coisas terríveis que me amedrontaram mas que eu gostava dele porque, no final de tudo, ele sempre tirava de um alforje de couro um brinquedo...‟ [CINY, C. H. 1995:110] (30) “Há circunstâncias da vida que só quando passam nos perguntamos como foi possível conviver com elas.” [Rosiska D. de oliveira. O Globo, 27/7/2008] Os itens “dele” e “com elas” são cópias, elementos que repetem um gigante e circunstâncias da vida, referentes do relativo7. Uma possível reescrita para essas estruturas são, respectivamente, Um gigante que fazia coisas terríveis que me amedrontaram, mas um gigante de que eu gostava e Há circunstâncias da vida com as quais nos perguntamos como foi possível conviver. Podemos concluir que as estratégias de relativização não padrão, cortadora e copiadora, já figuram nos manuais de gramática de autores que reconhecem que tais estruturas são possíveis e já comuns em alguns contextos delimitados por eles, não só de informalidade, fala espontânea e escrita de não escolarizados (BECHARA, 1999, 2006), mas também de fala e escrita de pessoas cultas ou “altamente escolarizadas” (MATEUS et al, 2003; AZEREDO, 2010): as estruturas não-padrão de relativas são construções utilizadas por falantes e escreventes escolarizados ou não. 7 Nesta tese, consideramos “Copiadora” a retomada do termo relativizado por pronome ou sintagma nominal, diferente de alguns autores que distinguem as copiadoras que copiam alguns traços do termo relativizado (gênero, número e pessoa) das copiadoras que são a repetição inteira do nome (como SALLES, 2007). 39 A perda do caráter anafórico dos relativos é abordada por dois deles (CASTILHO, 2010 E AZEREDO, 2010) que retomam Bechara (1999, 2006), mas aprofundam a questão, discutindo que o relativo que, em construções como as vistas, representa um simples conjuntor, um elemento que, tal qual as conjunções, não exerce função sintática na oração a que pertence. A presente tese tem também como objetivo verificar o status dessa forma, mostrando que seu caráter universal de substituto dos demais não é novidade no português. A preferência pela forma que data de séculos passados como mostrarão nossos dados. A abordagem de Mateus et al (2003) é de especial destaque para essa tese porque evidencia a existência das construções não padrão no PE. A presente pesquisa deseja comprovar a existência dessas formas no PE nos séculos XVI, XVII e XVIII, a fim de esclarecer sobre a origem de tais estruturas: não são só do PB, nem do século XIX, mas datam de épocas remotas. Na próxima seção, apresentaremos resultados de trabalhos empíricos sobre o tema. 1.2. ESTADO DA ARTE – NOTÍCIAS DE ALGUNS ESTUDOS As construções de relativização têm sido tema de trabalhos diversos que estudam corpora variados. Nessa seção, apresentaremos conclusões sobre as estruturas de relativização com intuito de revisão do tema. Acreditamos que as informações a seguir são pertinentes a presente pesquisa, que estuda as formas relativas em materiais dos séculos XVI ao XVIII a fim de atestar a abrangência das relativas não-padrão, ou seja, o fato de não serem formas 40 características somente do PB e emergentes no século XIX. Nossa pesquisa de base sincrônica (SILVA, 2005), e as de Bispo (2009), Corrêa (1998) e Barreto (1996), nos servirão de base para realizar tal refutação e comprovar nossa tese. Há, entretanto, outros trabalhos que merecem ser citados, de corpora recentes, considerados importantes para nossa análise. Ora os apresentamos: Um ano depois dos resultados de Silva (2005), para o português carioca, atestarem a grande produtividade das relativas de sujeito e objeto direto e os altos índices de cortadora em oposição à padrão e à estrutura com sintagma preposicionado (doravante, PP), Lessa-de-Oliveira (2006), nesse mesmo contexto, atesta o resultado de 78% de cortadora na segunda metade do século XX. Recuando-se um pouco mais, estaremos diante de resultados similares ao de Silva (2005) no contexto de Barros (2000) sobre a fala de João Pessoa. A autora obteve altos índices de estruturas relativas de sujeito e OD na relativa padrão e, nos contextos preposicionados, a cortadora somou 80% dos dados em relação a 11% da padrão e 9 % da copiadora. Tais resultados partiam de uma investigação sociolinguística. Como o interesse do presente trabalho recai sobre o português europeu, verificamos alguns resultados de trabalhos recentes dessa variedade para corroborar nossos resultados, como os de Varejão (2006). A autora utilizou o Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe (Cordial-Sin) para analisar as estratégias de relativização no PE (assim como um outro fenômeno de variação). Embora tenha atestado uma diferença positiva de 16,1% para a padrão em relação à cortadora, ela aponta que as estruturas com dispensa de 41 preposição têm sido as preferidas, uma vez que os dados de padrão levantados correspondem a 99% da forma onde. Só 1% dos dados representa um contexto de preposição + relativo. Isso a leva a concluir que a preferência é o corte da preposição (37,7% de cortadora). São, portanto, muito baixos os casos de relativas introduzidas por preposição, assim como no português brasileiro. Pode-se também confirmar a hipótese de que o fenômeno estudado também é próprio do português europeu, não é exclusivo do PB. Arim, Ramilo e Freitas (2005) são aqui tomados como referência para dados de texto escrito. Em artigo, verificaram o crescimento da estratégia cortadora nos meios de comunicação social do PE. Todos esses autores, com diferentes enfoques, mostram a presença da cortadora e da copiadora na realidade linguística de falantes e escreventes do português. Muitos desses autores partiram dos resultados de Tarallo (1983) e chegaram a conclusões similares. Nosso objetivo é tentar somar às conclusões gerais ao estudarmos três séculos, em corpora ainda não pesquisados. Mostraremos, a seguir, as hipóteses e os resultados dos estudos que tomamos como evidência para a discussão na presente pesquisa, Silva (2005), Bispo (2009), e Corrêa (1998). O primeiro deles é nossa pesquisa de base sincrônica. Não pretendemos esgotá-la, nosso objetivo é retomar questões confirmadas em dados atuais de fala e escrita, a fim de testá-las em uma Amostra diacrônica. 42 1.2.1. As estratégias não padrão como resultado da Gramaticalização – Silva (2005) Em estudo sincrônico (SILVA, 2005), pretendíamos analisar o comportamento das estratégias de relativização no português sob o prisma dos pressupostos que discutem o fenômeno da gramaticalização. Partimos do conceito mais elementar de gramaticalização, apontado por Kurylowicz (1965), um “processo em que se verifica a ampliação dos limites de um morfema, cujo estatuto gramatical avança do léxico para a gramática, ou de um nível menos gramatical para mais gramatical, isto é, de formante derivativo para formante flexional”. Nossa hipótese era a de que, do ponto de vista estrutural, o item que estaria se tornando um que complementizador, semelhante à conjunção integrante das orações subordinadas substantivas (ou completivas), ou seja, pretendíamos analisar o estatuto gramatical do item que nas chamadas orações relativas na perspectiva da gramaticalização, um processo pelo qual um item lexical se torna mais gramatical ou, um item gramatical (pronome) torna-se ainda mais gramatical (conjunção). Buscamos responder, assim, (1) se seria um caso de decategorização (HOPPER, 1991) em que propriedades pronominais estariam sendo perdidas e propriedades de conjuntor/conector/conjunção estariam sendo assumidas. Discutimos, também, (2) se o chamado que relativo estava sofrendo um processo de despronominalização (LOPE BLANCH, 1984) ou se tornando um relativo universal (BECHARA, 1999). Para isso, precisávamos responder (3) qual o papel da frequência (de tipo ou de ocorrência) postulado por Bybee (2003) para a compreensão do fenômeno e (4) que fatores linguísticos e extralinguísticos podiam ter favorecido a generalização da estratégia cortadora e a presença da 43 anáfora pronominal do SN antecedente nas estratégias copiadoras no português falado no Brasil. Por último, queríamos saber (5) se a repetição pela cópia do SN antecedente estaria associada ao esvaziamento ou desbotamento semântico sofrido pelo pronome relativo que. Estudamos o corpus “A língua Falada e Escrita da Cidade do Rio de Janeiro” do Grupo de Estudos Discurso & Gramática (UFRJ), um material subdividido em uma amostra oral e outra escrita. Os textos são agrupados tipologicamente em (a) narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, relato de procedimento, relato de opinião e descrição de local. Tal formato gerou um material de fala espontânea, todos falando e escrevendo sobre o mesmo assunto, propiciando comparação entre modalidades e tipo de texto. Os informantes eram de vários níveis de escolaridade (Fundamental, Médio e Superior). Nossa hipótese era a de que a educação formal não estaria atuando diretamente na escolha das relativas do português do Brasil. Partimos de uma análise quantitativa com esses dados sincrônicos usando a técnica variacionista para dar um tratamento estatístico aos dados coletados. A adoção do Pacote de Programas VARBRUL possibilitou a comparação com outros trabalhos que adotaram o mesmo modelo e permitiu-nos identificar os fatores linguísticos e extralinguísticos que interferem na variação das estratégias, na fala e na escrita. Mostramos, a seguir, exemplos das três estratégias retirados dessa pesquisa: (31) Houve uma aula em que a turma toda estava conversando e a professora mandou eu sentar. (2/I21) 44 (32) Aconteceu com academia.(3/I1) um grupo de amigos que eu faço (33) ...aí o médico me atendeu...mandou passar um remédio que era pra tomar banho com ele. (4/I49) [aí o médico me atendeu e mandou passar um remédio com o qual era para tomar banho] Em (31), temos uma estratégia padrão, na qual a preposição em antecede o relativo que estabelecendo a construção sintática “a turma toda estava conversando na aula”. No caso do exemplo (32), temos a estratégia cortadora, construção que “corta” a preposição (“com”) exigida pelo verbo da oração relativa (“era pra tomar banho com o remédio”). Por último, apresentamos um caso de estratégia copiadora, em (33), estrutura na qual o SN relativizado é repetido dentro da cláusula relativa: um remédio que era pra tomar banho com ele em vez de um remédio com o qual era para tomar banho. Verificamos que, nas construções de relativização estudadas – padrão, cortadora e copiadora – o item que era o mais produtivo. Em toda a Amostra, registramos 750 casos da forma que para três casos de o qual. A escassez de dados do relativo o qual e flexões evidenciou, para nós, a perda ou neutralização do traço flexional, propriedade remanescente dos relativos. As propriedades da flexão e de exercer função sintática na oração relativa são as características que distinguem os relativos das conjunções. Assim, a verificação da ausência de concordância também foi interpretada como causa para o esvaziamento semântico do pronome e para a perda de seu caráter anafórico, para nós, um caso de decategorização proposto por Hopper (1991). Segundo ele, esse processo pressupõe neutralização das marcas morfológicas 45 (flexão) e das propriedades sintáticas (pronome relativo como termo da oração subordinada). A forma que foi a mais produtiva dentre os pronomes relativos. Das 813 orações levantadas no corpus mencionado, 93% foram com que (como já falado, 750 dados). Essa maior produtividade fez-nos confirmar seu caráter de relativo universal, segundo Bechara (1999), e o seu processo de despronominalização (LOPE BLANCH, 1984). Blanch (1984) explica a soberania da forma que nos casos de despronominalização, assim, a escolha por esse item se dá por ser ele desprovido de flexão e coincidente com a conjunção introdutora das orações subordinadas completivas (substantivas). A nossa hipótese sobre o papel da frequência, postulada por Bybee (2003), nos processos de gramaticalização é a de que a repetição da estratégia cortadora associada à frequência de uso das relativas de sujeito (420/813) acionou a gramaticalização ou despronominalização do que relativo. O aumento da frequência de uso dessa construção pode ter desencadeado o processo fazendo com que “a sequência estrutural da cortadora se torne automática como uma única unidade de processamento” (SILVA, 2005, p.71). Teríamos a ritualização, hábito, ou automação de um tipo de estrutura. Baseados, ainda, em Bybee (2003), observamos o relevante papel da frequência de uso na explicação do fenômeno. A frequência de uso da relativa de sujeito e objeto direto, 503 dos 813 dados, pôde justificar, de acordo com nossa interpretação, a alta produtividade das relativas cortadoras. Em toda a Amostra, no contexto de sintagma preposicionado, propício à ocorrência das três estratégias, as cortadoras representaram 71%, ou seja, das 310 relativas 46 preposicionadas, 220 foram cortadoras. Houve um processo de generalização da estrutura de sujeito para as demais funções sintáticas preposicionadas, pelo fato de ambas apresentarem o mesmo output fonético: iniciadas pelo item que seguido de verbo. Tal situação motivou nossa iniciativa de controlar, na presente pesquisa, a estrutura QUE + verbo em relação à concorrente QUE + material interveniente + verbo. Buscamos atestar se essa generalização de estrutura já ocorria nos séculos controlados (XVI, XVII e XVIII). A estratégia cortadora é a mais produtiva nos contextos de sintagma preposicionado e a copiadora é mais usada na modalidade falada, dos 20 casos identificados, 18 foram em textos orais. Em relação à estratégia copiadora, tínhamos como hipótese ser a cópia uma necessidade discursiva, ou seja, o falante copia o SN antecedente na oração relativa pelo fato de não estar óbvio seu caráter anafórico ou facilmente resgatável. Desejávamos testar se a cópia era produzida em qualquer contexto ou condicionada a algum fator. Nesse caso, confirmamos os resultados de Mollica (2003) quando atestamos que as funções que mais favorecem a cópia são, respectivamente, adjunto adnominal, adjunto adverbial e sujeito. Consideramos a importante contribuição de Gouvêa (1999) e Mollica (2003). Esta, em estudo de Painel e de Tendência, mostra que a incidência da cópia é favorecida pela distância, pois estaria vinculada a princípios de processamento linguístico relacionados à clareza comunicativa. Aquela mostra ocorrências de relativas não padrão no registro culto atual, textos jornalísticos como editorial, opinião e crônica. 47 Para testar a atuação da escola na aquisição das relativas, formulamos e aplicamos um teste de reconhecimento a alunos do sétimo e nono ano do Ensino Fundamental e aplicamos dois exercícios a estudantes do nono ano (um de encaixamento de oração subordinada na oração principal e, outro, de correção, quando necessário). A análise dos testes e dos exercícios apontaram a preferência pelas construções não padrão em detrimento à padrão e pelo relativo universal que, como em outros trabalhos abordados naquela dissertação. Todos esses resultados levaram-nos a testar, na presente tese, se a situação das estratégias de relativização evidenciada em corpus sincrônico seria um reflexo de uso variável de relativas em sincronias passadas. A questão da frequência de uso, postulada por Bybee (2003), será retomada a fim de verificarmos se, em dados diacrônicos, podemos também pensar em generalização de estrutura. Na seção seguinte, apresentaremos os recentes resultados de Bispo (2009) em relação à estratégia cortadora. 1.2.2. A estratégia cortadora sob a perspectiva cognitivo-funcional – Bispo (2009) O estudo mais recente a ser visitado nesse trabalho é o de Bispo (2009). O autor chegou a interessantes conclusões que dialogam com muitas outras, ainda que tenha, em sua tese, dado um enfoque diferente dos demais. Bispo (2009) investigou as estratégias de relativização do Português Brasileiro, em 48 especial a estratégia cortadora. Levantou todas as relativas do corpus D&G Natal e do D&G do Rio de Janeiro e as analisou sob a perspectiva cognitivofuncional. Enfatizando a oposição entre cortadora e a forma padrão em contextos preposicionados, o autor utilizou fatores diversos como o nível de escolaridade dos informantes, a modalidade da língua, o relativo empregado, o papel sintático por ele assumido, o tipo de verbo ou nome regente e da preposição suprimida, o nível de integração sintático-semântico entre a relativa e a oração principal e, por fim, a classificação em explicativas e restritivas. O pesquisador testou os três níveis de escolaridade - Fundamental, Médio e Superior – e verificou a vitória da cortadora em todos esses níveis, nos ambientes preposicionados. Uma diferença detectada foi a de que, no corpus do Rio de Janeiro, a maior incidência está entre os informantes do Ensino Fundamental. Nos dados de Natal, verificou maiores índices no Ensino Médio. Interessou-nos muito o comentário de Bispo (2009) sobre seu resultado. Segundo ele, opta-se pela cortadora por questões de redução de esforço de elaboração e processamento – levando-se em consideração a estratégia padrão preposicionada – seria menos custoso cognitivamente. Na escrita, entretanto, ele atestou a vitória da estratégia padrão preposicionada em relação à cortadora e justifica tal resultado a partir da propriedade “formalidade”, comum à escrita. Esse resultado fez-nos pensar a respeito dos nossos corpora, cartas do século XVI ao XVIII e gazetas do século XVIII. Se a escrita, segundo o raciocínio do autor, seria ambiente menos favorável ao surgimento da relativa cortadora, já é de se esperar que, nos textos escritos selecionados, os índices da cortadora sejam baixos, situação agravada pelo fato de serem textos de sincronias passadas, principalmente por 49 se tratar, em nossa pesquisa, em alguns casos, de remetentes distintos, portugueses, dos séculos mencionados. Ainda assim, nossos resultados mostrarão a maneira como as estratégias cortadora e copiadora também conquistaram seu espaço, ainda que em menos proporção do que o detectado em Bispo (2009). O autor busca uma justificativa para explicar o resultado extremamente alto da forma que nos dados da cortadora, ou seja, para o fato de a cortadora ocorrer quase exclusivamente com esse pronome. Segundo ele, isso se dá porque o pronome que e a cortadora são estrutural e cognitivamente menos complexos, logo, mais frequentes que os concorrentes o qual e a forma padrão preposicionada, respectivamente. Em 2005, analisamos uma conclusão semelhante, quando relacionou a grande incidência de cortadoras às ocorrências de relativas de sujeito e objeto direto – o mesmo output fonético, como observara Corrêa (1998). Bispo (2009) considerou a grande demanda de tempo de produção e processamento que envolve as formas o qual e a relativa padrão preposicionada. Na seção seguinte, apresentaremos algumas discussões de Corrêa relevantes ao nosso trabalho. 1.2.3. A estratégia de relativização padrão como resultado da educação formal - Corrêa (1998) Corrêa (1998), em estudo sobre as estratégias de relativização no português do Brasil, aponta como realidade linguística dessa variedade a variação existente entre estratégias vernaculares, utilizadas pelos que não 50 frequentam a escola, e a estratégia preposicionada, aprendida por meio de educação formal. Assim, a autora conclui que a relativa padrão acontece sob condições de ordem social como falante homem, de idade madura, preferencialmente alto nível de escolaridade, atuação em profissão que exija bom desempenho linguístico e situação de formalidade. Nessa perspectiva, outras descobertas foram feitas pela autora que pesquisou a fala e a escrita de escolares do Ensino Fundamental e Médio e de falantes cultos e comprovou que são necessários muitos anos de escolarização para se adquirir a relativa padrão preposicionada. Ela explica que isso se dá porque a diferença entre as formas relativas se encontra no limiar entre o estritamente sintático e o discursivo, ou seja, a diferença estaria na posição sintática que o termo a ser relativizado ocupa: na relativa padrão, dentro da sentença; na vernacular, fora da sentença, dispensando o uso da preposição (posição mais acessível). Relativizar, segundo o que prescreve a norma, seria, para Corrêa (1998), passar da sentença (A) para (B): (A) (34) (B) (35) Não-padrão: ...pessoasi [CP quei [Top (t)i [IP a gente tem mais intimidade (Ø) /com elasi]] (pr. lembrete) (vestígio) Padrão: ...pessoasi [CP com quemi [IP a gente tem mais intimidade (t)i]] (vestígio) 51 A diferença das estratégias (não de gramáticas, segundo a autora) está na posição que o termo a se relativizado ocupa. Em (B), esse termo é extraído de dentro da relativa e o limite da sentença está marcado pela categoria gramatical IP. No caso de (A), a posição a ser relativizada está fora de IP, conforme se verifica pela flecha totalmente à esquerda dessa categoria. Dessa forma, adotando a descrição de Kato (1991), Corrêa apresentou como hipótese que as crianças e os não escolarizados dominam apenas a estratégia vernacular (relativização dos elementos deslocados). A padrão (relativização de termos de dentro da sentença) significa uma ampliação de recursos fornecida pela educação formal e é adquirida na escola tardiamente. Outra questão abordada pela autora, de extrema importância para presente tese, é o tratamento dado às relativas de sujeito e objeto direto. Baseada em Tarallo (1983/86) que assume, para essas estruturas, a mesma análise proposta para a cortadora – “são ambas introduzidas pelo complementizador que e apresentam um vazio (“gap”) internamente” (p. 139) – a autora comenta que “a posição de sujeito e a de termos deslocados estão tão próximas que ambos os termos oferecem um mínimo de dificuldade de processamento na relativização” (p. 84). Em 2005, adotamos essa perspectiva para relacionar os altos índices de construções relativas padrão de sujeito e OD à preferência pela relativa cortadora em contextos de sintagma preposicionado. O fato de terem o mesmo output fonético da estratégia cortadora permite ao falante copiar a estrutura “QUE + verbo” nos ambientes de PP, ou seja, a frequência de uso das relativas de sujeito e OD, construções extremamente produtivas na língua, desencadeia a produção de construções relativas de sintagma preposicionado sem a preposição. Essa questão é 52 retomada neste trabalho a fim de se verificar se o mesmo acontecia nas sincronias pesquisadas. Os estudos de Corrêa (1998) se assemelham a análise de Kenedy (2007) quanto à variação que ocorre no sistema do PB. Além de apontarem a escolarização como única forma de aquisição da relativa padrão preposicionada, os autores compartilham da visão de que as variantes nas relativas não são exclusividade dessa variedade. Kenedy (2007) cita as línguas espanhola, francesa e inglesa e Corrêa (1998) destaca o francês de Montreal e o inglês indiano sul-africano em estudos de Mesthrie & Dunne (1990), para este e Lefebvre & Fournier (1978), Lefebvre (1982) e Bouchard (1982), para aquele. Considerado dialeto, o inglês sul-africano apresenta características distintas de outras variedades dessa língua por conta das condições sociais, chamadas por Corrêa (1998) de condições imperfeitas para aprendizagem. Pode-se dizer, ainda, que é uma variedade que se destaca pelo substrato das línguas indianas nativas faladas pelos mais velhos em casa. Há, segundo ela, dois extremos: os mais velhos, não-escolarizados, falantes dessa língua considerada não-padrão e os mais jovens, cultos, cuja tendência é ao padrão do inglês internacional. Corrêa (1998) mostra a descrição realizada por Mesthrie & Dunne (1990) que registram uma grande diversidade de estratégias de relativização agrupadas em quatro variedades: as relativas do tipo padrão, que ocorrem com vários tipos de relativos e seguem o uso internacional do inglês (elas não foram contempladas no estudo); as relativas quase padrão, que apresentam dois 53 tipos de estruturas; as relativas governadas pelo discurso; e as relativas influenciadas pelo substrato. Em relação às relativas quase-padrão, a distinção dos dois grupos identificados se dá pela presença/ausência do relativo. O primeiro tipo apresenta relativo e é semelhante às relativas padrão, já que só se distinguem pela escolha do relativo: as padrão usam that, 0, who, whom, when e where e as quase padrão do tipo 1 usam what, which one e which. No segundo grupo, o sujeito é relativizado com pronome relativo zero: são as chamadas relativas de contato. Apresentam-se, a seguir, exemplos dos dois modelos de relativas quase padrão traduzidos por Corrêa (1998): (36) This is my daughter which left school. Esta é minha filha que deixou a escola. (37) You saw that-one died? Você viu aquele-um [que]morreu? Por transferência das línguas originais, há as relativas influenciadas pelo substrato com correlativos (38), pronominal sem pronome relativo (39), e estratégia participial (40) como apresentamos a seguir: (38) Which-one I put in the jar, that-one is good. O [e.g. picles] que eu pus no pote, esse é bom (39) That‟s all we had trouble. Isso é tudo [com que] nós tivemos problema (40) That Neela‟s-knitted Jersei is gone White. O Jérsei tricotado da Neela ficou branco 54 Segundo os autores citados por Corrêa, nas relativas governadas pelo discurso, estão incluídas as quase-relativas (near-relatives) (41), as com pronome resumptivo (42), as de topicalização/aposição pronominal (43) as “preposition chopping” (44) e as paratáticas com possessivos (45). Sem dúvida, no exemplo (42), relativas de pronome resumptivo e em (43) relativas de “preposition chopping”, estamos diante das estratégias copiadora e cortadora, respectivamente, atestando, assim, a variação das relativas em outras línguas. Observemo-las a seguir: (41) How the man, doctors cut him, He woke up and got up... Como o morto, os doutores o cortaram (cortaram ele), acordou e levantou-se (42) I was a girl that I always used to red in the bus. Eu era uma garota que eu sempre costumava ler no ônibus (43) One chap Who used to stay here, He was a builder – Arjun. Um rapaz que costumava ficar aqui, ele era um construtor – Arjun (44) I‟m very well versed with Afrikans, but trere‟s nobody I can speck . Sou bem versado com africanos, mas não há ninguém que eu posso falar. (45) You like my shirt I bought? Você gosta [da] minha saia [que] eu comprei? Sobre as relativas do francês de Montreal, Corrêa apresenta (in LEFEBVRE & FOURNIER, 1978) as duas formas peculiares à língua, a padrão e a popular. No entanto, segundo os autores, essas formas relativas convivem no mesmo sistema, sendo utilizadas pelos falantes indiscriminadamente como possibilidades legítimas de comunicação. Comentam que há pessoas que mudam de uma estrutura para outra numa mesma sequência de fala. Assim, 55 segundo eles, as formas padrão e vernacular partem de um mesmo sistema e não de dois sistemas diferentes. Essa perspectiva nos interessa, uma vez que desejamos mostrar que as relativas não padrão não são exclusivas do sistema de uma variedade do português, o PB. Nossa hipótese é a de que também no PE as relativas pertençam ao sistema no interior do qual se permite a variação (KATO, 1981). Mostramos, a seguir, as traduções de Corrêa para os exemplos dos autores das duas estruturas (em A, formas padrão e, em B, formas coloquiais que identificamos como cortadora e copiadora, respectivamente.): (46) c‟était Le milieu dans lequel j‟étais habitué de vivre era o melhor em que eu estava habituado de viver (47) ceux pour qui j‟ai Du respect aqueles por quem eu tenho respeito (48) la seule affaire dont jê me souvienne beaucoup o único assunto que eu me lembro mais (49) c‟est une revue qu‟il y a aucume annonce dedans é uma revista que lá há nenhum anúncio dentro (50) outros (ceux que j‟ai du respect pour eux autres aqueles que eu tenho respeito por esses O francês de Montreal, segundo Bouchard (1982, in CORRÊA, 1998) apresenta dois tipos de relativas, uma padrão e uma vernacular. A relativa padrão é encabeçada por um pronome relativo. A vernacular é introduzida por um complementizador que e apresenta um pronome anafórico que pode estar ausente na superfície. Nesse último caso, a sua preposição, se for fraca (à, de), desaparece e, se for forte (dessus, avec,...), permanece. 56 O estudo de Lefebvre (1982, in CORRÊA, 1998), intitulado “À propôs de La fille dont que jê sors avec ou I’acquisition des constructions relatives avec WH”, é de extrema importância para a presente tese, uma vez que a autora, a fim de comprovar que os três tipos de relativas apresentados por ela são possíveis nas línguas naturais, busca exemplos do francês dos séculos XV a XIX. C. Lefebvre (1982) ressalta que as formas não padrão existiam no francês desse período e sobreviveram no atual mesmo com a proibição dos puristas, conforme verificamos em seus exemplos a seguir: Século XV: (51) “car La pluye les chargeait tant qu‟il n‟y avoit celuy à qui le logie ne luy tradist”. (Damourette et Pichon. Le Romant de Lehan de Paris:52) Século XVI: (52) “...sans que la division d‟entre eulx paisse convier les aultres inférieurs de nourrir les brigues et pertialités où ils y ont depuis ung an continuellement vescu.” (Damourette et Pichon, Charles IX. Instruction du sieur de Biron allant em Provence, 7 déc. 1563, dans la Correspondence du Maréchal Armand de Gontant-Biron no. 6>221). (op.cit., exs. (19 e 22)) Segundo Corrêa, Lefebvre (1982) se apóia na teoria de Bouchard (1982a) e seleciona, para estudo das relativas, uma amostra com 20 adolescentes do Centro-Sul de Montreal, a fim de responder sobre o que devem aprender os falantes do francês vernacular para produzirem as construções relativas padrão. Foi aplicado, para esses adolescentes, um teste de elicitação de relativas e testes de repetição e paráfrase. Resultaram desse teste a 57 construção padrão de relativa (53) e construções não-padrão (54 e 55). Observemos algumas delas traduzidas por Corrêa: (53) La table sur laquelle est déposé um pinceau. A mesa sobre a qual está depositado o pincel. (54) Celle (la table) qu‟il y a um chevalet dessus. Aquela (a mesa) que há um cavalete em cima (55) Celle (a Maison) qu‟il y a dês personnages dedans. Aquela (a casa) que há personagens dentro. Os três tipos de testes apresentaram relativas do tipo padrão (53) e não padrão (54 e 55) que reconhecemos como copiadoras cujas cópias seriam dessus (“em cima”) e dedans (“dentro”). Em (54), a equivalente padrão, em português, seria Aquela sobre a qual há um cavalete e, em (55), Aquela em que/dentro da qual há personagens, construções que dispensariam, nas duas línguas, as anáforas mencionadas. Segundo Lefebvre (1982), essas construções demonstram uma aquisição incompleta do sistema de relativas que os falantes devem usar num estilo, chamado por ela, de “vigiado”; seriam “erros de competência” em detrimento aos de “performance/desempenho”. Corrêa explica que, para a autora, erros de competência são “dados de aquisição do dialeto padrão, que se processa em estágios” (p. 26). O procedimento na amostra constituída pela autora estaria justificado pelos três tipos de oração, distribuídos em função da idade dos falantes: os mais jovens usam as frases não padrão, os mais velhos as padrão e algumas do tipo (54). Algumas pessoas usam os três tipos (53, 54 e 55). Para Lefebvre é, no sentido de Labov (1972a), a diferença entre competência ativa e passiva. Segundo a autora, as frases dos tipos (53), (54) e (55) constituem estágios de aquisição 58 das relativas com a palavra-Q preditos pelas diferenças lexicais entre os dois dialetos. Mostramos, a seguir, os estágios retirados de Corrêa (1998): “a) Inserção de um pronome relativo no início da oração. Inicialmente, esse pronome relativo é a palavra universal dont para todas as funções, porque o falante ainda não tem uma lista exaustiva e uma definição completa em termos de traços das palavras relativas. Nesta fase, a anáfora é necessária para indicar a função do SN relativizado. b) Aquisição das palavras relativas no léxico, marcando a função relativizada na frase. A anáfora torna-se redundante nesta fase. c) Não inserção da anáfora na frase encaixada, pelo reconhecimento da não-gramaticalidade da frase com relativo e anáfora. Esta fase revela a aquisição de um filtro que proíbe frases em que uma mesma função se exprima duas vezes no interior da mesma sentença.” (CORRÊA, 1998, p.27) Corrêa (1998) fecha sua análise dos estudos de Lefebvre ressaltando a semelhança que há entre os tipos de relativas do português e do francês de Montreal nas fases atual e passada. Depois de apontar semelhanças, a autora mostra como uma das diferenças o fato de, em seus dados, não haver casos de pronome resumptivo com outros pronomes que não o que, como também observamos em estudo com dados sincrônicos (SILVA, 2005). Essas e outras questões de Corrêa (1998), como já dito, corroboram a presente pesquisa e deverão, no momento da análise, ser retomadas para comparação e embasamento. 59 1.2.4. As estratégias de relativização na Demanda do Santo Graal – Barreto (1996) Em um estudo sobre as estruturas relativas, Barreto (1996) apresenta resultados interessantes para as pesquisas sobre o assunto. O primeiro deles é a já preferência pela forma que, nas funções de sujeito e objeto direto, situação evidenciada em estudos sincrônicos. Vejamos, a seguir, exemplos com essa forma nos corpora mencionados: (56) ... e seg deziam eses que La foram folgauam com eles./ (fol. 8v, l. 17-8) – Carta de Caminha. (57) ... e pensade em este milagre que nosso Senhor nos mostrou. (Cap. CCVI, l. 12-) – Demanda do Santo Graal. As construções estudadas não foram encontradas na Carta de Caminha, no entanto, na Demanda do Santo Graal, foram encontradas estruturas copiadoras na função de objeto direto e cortadoras, como mostramos abaixo: (58) Entam leeo as letras que ambos as ouvirom... (Cap. CCVIII, I. 29) (59) ...eu te conheço por tam santo homem e por tam leal sergente de nosso Senhor que se tu o rogares...(Cap. CCVI,I,33) (60) Aquel dia maesmo que esto foi aveo que rei Boorz chegou _(Cap. DCCIX, 128). 60 Como podemos observar, nas estruturas (58) e (59), as e o são formas que repetem, respectivamente as letras e nosso Senhor. São estruturas que conhecemos, atualmente, como relativas copiadoras, nas quais se verifica a repetição do termo antecedente na cláusula relativa. Em (60), notamos uma estrutura relativa de função preposicionada. Tratase de uma relativa de adjunto adverbial, na qual “cortou-se” a preposição que deveria anteceder o termo “Aquel dia”. A estrutura seria Aquel dia maesmo em que esto foi... Como já dito, as conclusões de Barreto (1996) estão sendo consideradas no presente trabalho por se tratar do mesmo assunto e, principalmente, por se tratar de corpora antigos. Mais adiante, veremos estruturas encontradas nos corpora do século XVI compatíveis às encontradas pela autora. Na seção seguinte, apresentamos dois estudos que consideramos relevantes para discutirmos o comportamento das estratégias não-padrão no PB. 1.3. DE ONDE VÊM AS CORTADORAS? Dentre os trabalhos que foram escritos nos últimos anos considerados de base para o estudo das estratégias de relativização, consideramos a importância de observar os de Tarallo (1983), em virtude da discussão de algumas hipóteses que serão revistas na presente tese, e o de Kenedy (2007). Ambos os autores apresentam propostas teóricas que justificam a existência da relativa cortadora e a ausência da estratégia padrão preposicionada na gramática do PB. Para Tarallo, essa ausência da relativa padrão 61 preposicionada se dá por questões de movimento e sistema pronominal. Para Kenedy, essa estratégia não é natural em língua alguma. Assim, abordaremos os dois trabalhos, a fim de observar que hipóteses se relacionam com a nossa. 1.3.1. Proposta de Tarallo (1983) Tarallo (1983), dentre outros materiais de fala, utilizou, como corpus, cartas e textos literários referentes à segunda metade do século XIX. Seus dados constatam que, em contextos preposicionados, a estratégia cortadora havia suplantado a padrão depois de entrar em concorrência com ela (como ele mostra em tabela na página 207). O autor analisa a cortadora como sendo “o resultado de uma intensa mudança no sistema pronominal iniciada no século XIX, segundo a qual os pronomes começaram a ser apagados nas orações principais, das posições de sujeito e objeto direto (posições mais altas) até as mais baixas da escala sintática, movendo-se para as orações relativas e outras orações subordinadas (Tarallo, 1983, p.7, tradução livre). Tarallo (1983) mostrou, na tabela adaptada a seguir, que, dos 178 dados do século XIX, 59,5% eram de relativas cortadoras, contra 35,4% de relativas padrão e 5,1% de copiadoras: 62 Estratégias de relativização em contexto preposicionado (adaptada de Tarallo, 1983, p. 207) Estratégias Séc. XIX Padrão 63 / 35,4 % Cortadora 106 / 59,5 % Copiadora 9 / 5,1 % Total 178 / 100 % A tabela, extraída de Tarallo (1983, p. 207), demonstra os percentuais alcançados por cada forma no século XIX. Segundo o autor, as relativas cortadoras, surgidas nesse século, são uma inovação do PB. A estratégia padrão preposicionada seria a forma relativa mais produtiva na língua até o século XVI e cedeu seu lugar à cortadora que passa a ser a estratégia preferida do PB. Sua evolução no PB é mostrada por Tarallo (1983) na tabela a seguir: Estratégias de relativização ao longo de textos dos séculos XVIII e XIX (adaptada de Tarallo, 1985: 371). 1725 1770 1825 1880 Ppp 89.2% 88.1% 91.3% 35.4% Resumptivas 9.9% 7.9% 1.3% 5.1% Cortadoras 0.9% 4% 7.5% 59.5% 63 A relativa cortadora, de acordo com a compreensão do autor, praticamente inexistia no século XVIII (0,9% em 1725 e 4% em 1770) e, nos textos do século XIX, passa a ser a mais produtiva (quase 60% em 1880). Para Tarallo, houve uma mudança na gramática do PB que passou a derivar as relativas na base, sem regras de movimento, através da aplicação de regras de retenção ou elipse pronominal. Ou seja, as relativas cortadoras seriam resultado da elipse de um constituinte pronominal de base (pronome coreferencial ao nome relativizado), a estrutura de cópia (estratégia copiadora), e da elipse da preposição, ou seja, a variação entre as estratégias não-padrão ocorre pelo eventual apagamento do resumptivo em todas as posições e da preposição nas posições mais baixas. Nesse caso, a partícula introdutória das variantes não-padrão, o que, é analisada como complementizador e não um pronome relativo. O presente trabalho também utiliza corpora diacrônicos, desejando contribuir com estudos gerais sobre as relativas ao apresentar conclusões dessas estratégias do século XVI ao XVIII, na escrita de portugueses. Somaremos informações a respeito do português europeu aos trabalhos que abordam essa variedade da língua. Para os estudos sobre o PB, a contribuição será a rediscussão de ideias sobre a frequência da cortadora no PE se dever à influência do PB sobre os falantes do PE, como também discute Kenedy (2007), ou seja, como atribuir ao PB a origem das estratégias de relativização não padrão se as encontramos na escrita de portugueses nos séculos XVI, XVII e XVIII? A nossa hipótese é a de que tais estratégias já figuravam na escrita de portugueses ao longo dos séculos mencionados não podendo, portanto, ser consideradas inovações do PB. 64 Passaremos a discutir trabalhos que mostram que as construções de relativização não padrão não são características apenas do sistema do PB, são próprias do português. Na verdade, fazem parte dessa gramática por questões linguísticas e extralinguísticas demonstradas em diferentes estudos a partir de maneiras diversas antinaturalidade de (gramaticalização, forma padrão questões preposicionada cognitivo-funcional, e necessidade de escolarização). Cada teoria tenta explicar, de uma maneira distinta, o fato de não haver relativa padrão preposicionada no PB. A seção seguinte descreve a pesquisa de Kenedy (2007) sobre a antinaturalidade da estratégia padrão preposicionada. 1.3.2. Proposta de Kenedy (2007) Kenedy (2007) pesquisou a concorrência de duas estruturas de relativização em contexto preposicionado: a estrutura padrão preposicionada, (pied-piping), e a estrutura cortadora. Segundo Kenedy (2007), as pessoas só aprendem a usar a estratégia padrão preposicionada (doravante, pied-piping) através da escolarização e de outras formas de letramento. Para ele, sem escolarização não se aprende tal estrutura. A partir dessa hipótese, o autor defende a antinaturalidade pied-piping, ou seja, para Kenedy, as estruturas padrão de sintagma preposicionado são contrárias à natureza minimalista de CHL8 e não podem ser geradas por nenhuma gramática. Kenedy (2007) assume uma clara postura a favor da antinaturalidade da relativa padrão preposicionada não só no PB, como também no PE. Baseado 8 CHL - Sistema Computacional da Linguagem Humana (Human Language Computational System) 65 em diversos estudos (cf. PÉREZ-LEROUX, 1995; CF. LABELLE, 1996; CF. MCDANIel et al, 1998), Kenedy alega que tal forma é naturalmente impossível em línguas como o espanhol, o francês e o inglês. Segundo ele, provavelmente, em qualquer outra língua natural, ou seja, de acordo com essa hipótese, é impossível a derivação natural das relativas pied-piping pelo Sistema Computacional da Linguagem Humana (CHL). Assim as estratégias cortadora e copiadora bloqueiam a pied-piping na derivação de uma relativa preposicionada por questão de “Condições de Economia” do Sistema Computacional. A hipótese do autor está baseada em três aspectos. O primeiro deles é o Programa Minimalista (Chomsky, 1995)9. O segundo ponto é a inexistência das relativas pied-piping na fala natural de crianças, de analfabetos e de indivíduos pertencentes a comunidades ágrafas, ou pessoas altamente letradas, mas inseridas em contextos de uso espontâneo da linguagem. O autor a interpreta, dessa forma, como um fenômeno naturalmente impossível. Segundo ele, relativas pied-piping não podem existir na gramática das crianças, tampouco na Faculdade de linguagem que emergiu na evolução do homo sapiens. Por último, baseia-se em dados de experimentos psicolinguísticos de julgamento imediato de gramaticalidade e leitura auto-monitorada em falantes do PB e PE, de vários níveis de escolaridade. O autor sustenta que tal estrutura sintática não pode fazer parte da competência linguística natural (core-grammar) dos falantes de uma língua humana – as orações relativas preposicionadas padrão ou Prepositional PiedPiping (doravante Ppp). Isso porque uma gramática natural é incapaz de gerar 9 Para maiores detalhes, ver Kenedy (2007, p. 16) 66 por si mesma tal estrutura. Apesar de figurarem nos manuais de sintaxe das línguas portuguesa, inglesa, espanhola e francesa, como parte natural de suas gramáticas, para ele, a Ppp em relativas não pode existir naturalmente na gramática dessas línguas, e, possivelmente, em nenhuma outra língua humana. Para Kenedy (2007), essa impossibilidade de se gerar naturalmente a relativa padrão preposicionada se dá pelo fato de haver uma violação das Condições de Economia da Linguagem (CHOMSKY, 1995) – o Princípio Move F (formalizado por RADFORD, 2004, p. 216). É antinatural porque seu uso é resultado de uma estratégia cognitiva e só pode ser aprendida artificialmente, pelo contato com a língua escrita formal (por essa razão, a antinaturalidade de pied-piping em orações relativas). Abertamente o autor se opõe à ideia de que os sistemas de relativização do PB e do PE sejam diferentes, sendo inexistente só no PB a relativa preposicionada padrão. Essa perspectiva vai ao encontro do que se postula na presente tese, uma vez que desejamos mostrar ocorrências de relativização não padrão também na escrita de portugueses, no século XVI ao XVIII. Confirmando a existência das relativas preposicionadas não padrão na escrita portuguesa de sincronias passadas, retificaremos a hipótese de que tais estruturas sejam exclusivas do PB. Segundo Kenedy, a produtividade de relativas padrão no PE explica-se em virtude de fatores artificiais, como o letramento/escolarização. Como já mencionado na introdução desta pesquisa, consideramos a estratégia padrão preposicionada uma forma artificial, ou seja, resultado do formalismo da escrita. Uma estrutura que só pode ser aprendida artificialmente pelo contato com a língua escrita formal. Assim, defendemos que, nos séculos estudados, havia variação entre as estratégias de 67 relativização no PE, diferente do que defende Tarallo (1983). Não se trata de considerá-la uma estratégia antinatural nos padrões de Kenedy (2007) – estrutura impossível de ser derivada pela gramática por ferir as condições de economia do sistema – pois não é objetivo deste trabalho discutir como se dá a derivação de uma estrutura relativa, mas sim de apresentar o comportamento das relativas ao longo dos séculos. Mostramos, a seguir, a hipótese formulada pelo autor: “Hipótese APP10 – Relativas Ppp são bloqueadas por CHL e não existem nas línguas naturais.” Os resultados de tal bloqueio, no PB, são, segundo o autor, estruturas como as apresentadas a seguir: (61) O assunto que o professor falou na última aula. (cortadora) (62) O assunto que o professor falou dele na última aula. (resumptiva) Kenedy (2007) também comenta sobre uma estrutura relativa denominada Pst (“Prepositional-stranding”, em português, “Abandono da preposição”) que sofre stranding, do tipo “O assunto que o professor falou de na última aula”, licenciada no inglês. Em português, na visão do autor, as relativas Pst seriam licenciadas em ambientes restritos, sendo possível, por exemplo, com preposições como sem e sobre 10 com valor lexical evidente e que não se Hipótese da Antinaturalidade de Piedpiping em Orações Relativas (em inglês The Antinaturality of Piedpiping in Relative Clauses Hypothesis). 68 apresentem amalgamadas a determinantes. Com preposições funcionais, principalmente as que são amalgamadas a determinantes, como de e em, tais relativas seriam impossíveis, conforme observamos a seguir: (63) É uma coisa que eu não posso ficar sem. (64) *É uma coisa que eu não posso ficar. (65) *É um lugar que quero ir em. (66) É um lugar que eu quero ir. Kenedy (2007) conclui que as relativas Pst são uma derivação natural no inglês norte-americano e, no português, as cortadoras e resumptivas seriam interpretações da Pst com diferentes tratamentos em PF 11 igualmente capazes de bloquear Ppp. Para argumentar a favor da hipótese da antinaturalidade da estratégia padrão preposicionada, o autor apresenta, como já dito, estudos de autores no inglês, no francês canadense e no espanhol, os quais passamos a mostrar. McDaniel et al. (1998) realizou um estudo com 115 crianças de 3 a 11 anos, cuja língua era o inglês norte-americano. Segundo esse estudo, não é possível a construção, em inglês, das relativas Ppp por violar as Condições de Economia de CHL. A pesquisa consistiu nos experimentos Produção de fala 11 PF = Phonetic Form, em português, “Forma Fonética”. 69 induzida e Julgamento de Gramaticalidade, aplicados aos mesmos sujeitos. Este consiste na apresentação oral de frases aos sujeitos que são orientados a julgar tais frases como aceitáveis ou inaceitáveis a partir de sua percepção. Aquele consiste em provocar a fala do sujeito por meio de contextos comunicativos que induzem a descrição de cenários. Houve uma seleção criteriosa e uma distribuição das 115 crianças em 3 grupos, conforme faixa etária, somadas a 20 adultos, que constituíam grupo de controle, de escolarização média completa. A faixa etária Young englobava crianças de 3 anos e 11 meses a 55 anos e 11 meses; a Middle, de 6 anos e 3 meses a 8 anos e 11 meses; a Old, de 9 anos e 1 mês a 11 anos e 11 meses. O material utilizado nos dois experimentos foi um grupo de relativas de funções sintáticas diferentes: no primeiro experimento, provocavam-se tais relativas na fala das crianças através de situações no cenário que as induziam. No segundo, as crianças analisavam frases criadas pelo pesquisador. Como resultado, os autores obtiveram, no primeiro experimento, mais de 95% de relativas preposicionadas de Pst, em todas as faixas etárias, até mesmo entre os adultos e percentuais reduzidos de cortadoras e resumptivas a 2% ou 3% entre os grupos. Não houve entre crianças e adultos ocorrências de Ppp. No segundo experimento, em que o sujeito deveria considerar a frase proferida pelo pesquisador como correta/normal ou incorreta/anormal, ou seja, emitir julgamentos de gramaticalidade, os autores já reconhecem a atuação da escolarização, já que 94%, entre todas as faixas etárias, consideraram Pst uma construção legítima em sua língua. Em relação à Ppp, no entanto, as crianças Young aceitaram em 6% dos casos, as Middle e Old aceitaram em 17% e 54%, respectivamente. A aceitação da Ppp em 87% entre os adultos, segundo 70 Kenedy (2007), está associada ao crescimento da escolarização. Ele considera que os resultados de McDaniel et al. (1998) parecem indicar a antinaturalidade da Ppp, uma vez que essas relativas nunca são produzidas, pois as relativas preposicionadas são quase sempre derivadas via Pst. Além disso, as crianças mais jovens não a reconhecem, só as crianças mais velhas, em face da escolarização e do habitualismo com os formalismos da escrita. Assim, Kenedy (2007) conclui que os dados são compatíveis com a hipótese da antinaturalidade da Ppp na gramática do inglês – essa gramática “deve licenciar Pst como a derivação mínima para uma relativa preposicionada, sendo Ppp bloqueado em CHL.” (KENEDY, 2007, p. 78) Kenedy (2007) cita o segundo estudo para atestar sua hipótese da antinaturalidade da relativa padrão preposicionada nas línguas naturais – Labelle (1988, 1990). Esse estudo discute a existência ou não de regra Movimento de pronomes relativos na competência linguística de crianças em fase de aquisição do francês do Canadá. O autor usa como evidências a favor da hipótese da antinaturalidade as referências de Labelle (1988/90) a respeito das relativas com funções de objeto indireto e de oblíquo, já que o referido estudo não é exclusivamente sobre a relativização preposicionada. Assim com McDaniel et al (1988), Labelle (1988/90) aplicou testes (de Produção de fala induzida), neste caso, a 120 crianças de diferentes classes sócio-econômicas, com idades que variavam entre 3 a 6 anos. Foram utilizadas cláusulas relativas do francês padrão do Canadá, que englobavam as funções de sujeito, objeto direto, objeto indireto, locativo e genitivo. Essas formas relativas são naturais no uso corrente de adultos, sobretudo na escrita. Os resultados de Labelle dialogam com os de McDaniel – não houve, por parte dos 71 sujeitos, produção de estrutura relativa padrão preposicionada (Ppp), ou seja, as 120 crianças canadenses produziram relativas cortadoras (53%), resumptivas (31%): resultados considerados extremamente relevantes à tese de Kenedy (2007). Os demais 16% são de uma estrutura denominada “Repetição do NP” que entendemos ser uma estrutura copiadora cuja cópia é, no exemplo a seguir, a estrutura sur la boîte: (67) Sur la boîte que la petite fille est debout sur la boîte (Na caixa que a menina está em pé sobre a caixa) Em suma, os dados de Labelle (1988/90) cooperam com a hipótese da antinaturalidade da Ppp para crianças em fase de aquisição da língua, proposta por Kenedy (2007). O terceiro estudo observado por Kenedy (2007), de Pérez-Leorux (1995), é contrastivo – a produtividade da estratégia copiadora (ou resumptiva) no inglês, no francês e no espanhol. Como Labelle (1988/90), a autora aplicou o experimento “Produção de fala induzida” a crianças na fase de aquisição do inglês e do espanhol e comparou com os de Labelle (1988/90) do francês, buscando detectar diferenças translinguísticas no recurso aos resumptivos como estratégia de relativização. Como aponta Kenedy (2007), embora não seja um estudo específico sobre as relativas preposicionadas, há dados de resumptivas em funções regidas por preposição (oblíquo e locativo) que podem confirmar sua hipótese. Pérez-Leroux (1995) estimulou a produção de construções relativas de sujeito, objeto direto, objeto indireto, oblíquo, locativo e genitivo a 26 crianças entre 3 anos e 5 meses a 6 anos e 8 meses. Esperavam-se relativas Ppp como 72 “El perro con que la nina duerme” e “La caja en que el carro entra”, de funções oblíqua e locativa, respectivamente. Havia mais liberdade na produção das crianças visto que, em vez de uma estrutura oblíqua, a criança poderia criar uma de sujeito, como “El pero que durme con la nina”. Assim, houve um baixo percentual de ocorrências das relativas preposicionadas – somente 35 das 381 relativas no total. Entretanto, essas 35 relativas foram cortadoras (14 dados) e copiadoras (21 ocorrências). Em suma, as crianças espanholas não produziram estruturas padrão preposicionadas (Ppp) nem de abandono de preposição (Pst) ou repetição do DP12: as cópias de sintagma nominal. Para Kenedy (2007) os resultados de Pérez-Lerux (1995) favorecem à tese da antinaturalidade de relativa padrão preposicionada nas línguas românicas: Ppp é uma construção impossível de ser gerada em CHL. Kenedy (2007) também toma como evidência o estudo contrastivo de Brito (1995) sobre a produtividade da cortadora nas línguas portuguesa, espanhola, francesa e italiana, conforme citamos a seguir: É cada vez mais frequente nas quatro línguas, sobretudo na linguagem oral, o uso das formas que / che em contextos em que seria de esperar o emprego quer de PREP + que / o qual quer de onde, où, cujo + N, cui, dont quer de SN + de que / qual / quem e seus correspondentes. (22a) A pessoa que te falei é minha amiga. (Em vez de: A pessoa de quem te falei...) (22b) Este es el asunto que te hablé. (Em vez de: Este es el asunto de que te hablé.) (22c) La settimana che sono stata in Itália ha fatto bel tempo. (Em vez de: La settimana nella cuale sono stata...) (22d) Il y a des jours que j‟ai tout le temps envie de dormir. (Em vez de: Il y a des jours où j‟ai tout le temps...) (BRITO, 1995, p. 75, apud KENEDY, 2007, p.87) 12 Sintagma Determinante, em inglês, Determiner Phrase 73 Para Kenedy (2007), se Brito (1995) descreve formas não padrão entre escolarizados, é legítimo considerar que entre pessoas em fase de letramento, como é do interesse do autor, essas relativas tenham alta produtividade e Ppp deva ser uma estratégia desconhecida. O autor cita também os resultados do estudo de Goodluck e Stojanovic (1996) nos moldes de Labelle (1988, 1990) sobre o servo-croata. O experimento de produção induzida aplicado em 42 crianças entre 4 a 6 anos resultou na produção de estruturas cortadoras e copiadoras, mas nenhuma forma padrão preposicionada. Como a língua não licencia Pst, Kenedy (2007) concluiu que o resultado dos autores confirmam sua hipótese da antinaturalidade. Assim, os vários estudos apresentados por Kenedy (2007), do servocroata às línguas românicas, serviram-no, segundo ele, de base para confirmar sua tese da antinaturalidade de Ppp nas relativas preposicionadas. No francês, espanhol, italiano e servo-croata, as relativas preposicionadas são derivadas por cortadoras e copiadoras (resumptivas). No inglês, inclui-se também a Pst, que ocorre na maior parte dos dados. Kenedy (2007) lamenta não haver ou não conhecer estudos sobre o PB e PE que sirvam para cotejo com trabalhos como o dos autores citados, mas arrisca uma previsão de que o resultado de um experimento em crianças em fase de aquisição do português não apresentaria resultados muito diferentes dos das demais línguas pesquisadas. Essa previsão torna-se mais solidificada com a menção ao estudo de Mollica (1977) e de Corrêa (1998) sobre crianças e pessoas em fase escolar. Esses trabalhos apontam a falta de familiaridade dos estudantes com a estratégia padrão preposicionada. A situação provavelmente se agravaria entre os pré-escolares, comenta o autor. 74 Em relação ao PE, Kenedy (2007) se propõe a discutir a posição tradicionalmente assumida de que a Ppp faça parte do sistema do PE (cf. MATEUS et al., 2003, p. 655; PERES E MÓIA, 1995, p. 277, dentre outros) e as cortadoras, referenciadas em diversos estudos (cf. TARALLO, 1983; KATO, 1993; GALVES, 2001), sejam criação da gramática do PB. Contra isso, o pesquisador argumenta que tais estudos não levam em consideração o vernáculo do PE, não são estudos que partam do oral desta língua. (cf. ARIM, RAMIRO E FREITAS, 2005; VAREJÃO, 2006). Outra evidência foi a análise do banco de dados português CHILDES (Child Language Data Exchange System), que corresponde a 60 narrativas de crianças portuguesas de idade entre 5 e 10 anos (reunidas em BATORÉO, 2000). As crianças descreviam eventos a partir de desenhos expostos em quadrinhos. Como era de se esperar, evitaram as construções preposicionadas: das 134 relativas, 124 foram de sujeito; somente 3 foram com função preposicionada e produziram-se cortadoras como a citada pelo autor: “... no momento que um pássaro traz a caixinha de emergência para ajudar no ferimento do cavalo.” (exemplo AR: 10 in KENEDY, 2007, p.91). (66) Kenedy (2007) cita, ainda, o estudo experimental de Vasconcelos (1992), segundo o qual crianças portuguesas de menos de 10 anos não conseguem reproduzir uma estrutura relativa padrão preposicionada. O experimento consistia na repetição de formas preposicionadas por parte das crianças e o resultado foi a produção de cortadoras como as formas abaixo citadas pelo autor: 75 (68) Relativa alvo: O menino a quem a velha deu o gato tem calças azuis. Relativa produzida: O menino que a velha deu o gato tem calças azuis. (69) Relativa alvo: O professor a quem o menino deu o livro é careca. Relativa produzida: O professor que o menino deu-lhe o livro é careca. Alguns autores citados por Kenedy (2007) explicam a produção das relativas no PE a partir da influência dos programas televisivos brasileiros no território português. Essa hipótese é combatida pelo autor com base na ausência de influência da mídia brasileira nas outras línguas por ele analisadas. Assim sendo, considera mais coerente a adoção da tese da antinaturalidade da Ppp para justificar todos os resultados vistos e os demais a seguir analisados. Essa discussão é relevante para a presente tese, uma vez que pretendemos, tal como Kenedy (2007), argumentar contra a ideia de que as estruturas relativas não padrão sejam formações recentes no PB. A intenção é mostrar que, já nos séculos analisados, é possível identificar essas formas na escrita de portugueses, o que contribuiria com as conclusões de Kenedy (2007), combatendo assim a ideia de que o PE difere do PB. Com a finalidade de atestar a tese da antinaturalidade da Ppp também no sistema do PE, Kenedy (2007) apresenta resultados de estudos do PE oral e espontâneo a partir da fala de pessoas pouco ou não escolarizadas (ARIN, RAMIRO E FREITAS, 2005; VAREJÃO, 2006) e resultados de um experimento em que analisou a reação de brasileiros e portugueses a estruturas cortadoras e a Ppp. 76 O autor parte da sistematização tradicional da relativização do PE que seria, reconhecidamente, uma língua que licencia a estrutura relativa padrão preposicionada. Argumenta, porém, que a tradição já reconhece a importância da forma não padrão cortadora em contextos de informalidade, conforme sua citação de Duarte (apud MATEUS et al., 2003) sobre a cortadora fazer “actualmente parte do registro oral de falantes altamente escolarizados” sendo evidência de “uma tendência de mudança, mesmo no português europeu” (DUARTE, 2003, p. 657). Um importante estudo abordado por Kenedy (2007) foi o dos autores Peres e Moia (1995, p. 273-374) que analisaram dados colhidos nos jornais de maior circulação impressos em Portugal, durante os anos de 1986 e 1994. Essa pesquisa foi uma das primeiras a apontar a variação nas estratégias de relativização existentes no PE a partir de uma análise de fenômenos gramaticais que mais se destacaram na observação dos autores. A perspectiva do trabalho era a correção dos “desvios” à norma lusitana e observaram-se estruturas relativas como Os temas que os portugueses gostam, ...que sejam aumentadas as pensões que atualmente dispõe e Foram momento embaraçosos que o próprio Noriega acabou pôr fim. Kenedy (2007) é taxativo em considerar que o estudo de Peres e Moia (1995), embora sem apresentação de percentuais das relativas cortadoras e resumptivas, seja uma contribuição para a sua tese de que as Ppp não são uma estrutura natural no PE, conforme defendem autores citados, já que este estudo aponta para a variação nas relativas preposicionadas. Seria, então, segundo ele, de se esperar que em caso de fala espontânea haja maiores evidências de formas não padrão, considerando que elas já ocorram na 77 imprensa ao mesmo tempo em que Ppp é identificada como uma “estrutura problemática”13. A hipótese apresentada por Peres e Moia (1995) sobre a influência televisiva do PB em PE é combatida por Kenedy (2007) de forma simples. Segundo o autor, primeiramente, não há evidências objetivas que sustentem essa hipótese. Se existisse tal influência, por que ela não afetaria outros fenômenos sintáticos, como a falta de concordância verbal e nominal, o pronome tônico em função de objeto direto, a próclise pronominal? Por que ocorreria exclusivamente com as relativas cortadoras? Sobre as estratégias resumptivas no PE, o autor visita o trabalho de Alexandre (2000) que levantou 18.500 ocorrências de orações relativas do Corpus de Referência do Português Contemporâneo – Oral (CRPC). Apesar de o estudo apresentar baixos índices de copiadoras, alguns comentários da autora foram considerados importantes por Kenedy (2007). Segundo Alexandre (2000), a relativa preposicionada padrão apresenta um “peso derivacional” responsável pelo desencadeamento das relativas cortadora e copiadora. Esse custo derivacional é para ela o fator estrutural que pode explicar a completa ausência da Ppp em línguas crioulas, como o Kriol e o são-tomense. Alexandre (2000) considera as várias funções sintáticas e, assim, o percentual é de 98% de relativas canônicas. Tal como em nossa pesquisa com dados do português atual (SILVA, 2005) em que isolamos os contextos em que havia concorrência das três estratégias – estruturas de funções preposicionadas – Kenedy (2007) analisou os dados de Alexandre (2000) isolando as funções de 13 Refere-se à pesquisa realizada por Peres e Moia (1995) que indicou as relativas como um dos fenômenos gramaticais de maior variação no PE, a partir de dados recolhidos de jornais de maior circulação em Portugal. 78 sujeito, objeto direto, genitivo, etc. e, somente nos ambientes preposicionados, observou um resultado de 648 relativas preposicionadas: 392 Ppp (61% dos dados); 222 cortadoras (34%) e 34 copiadoras (5% dos dados). As 648 relativas preposicionadas aparecem pouco no corpus e equivalem a 3,5% das 18.500 relativas levantadas. O autor considera a relevância dos 34% dos dados de cortadora, mesmo que a Ppp seja a maioria, por se tratar de dados colhidos entre pessoas letradas em situação de fala mais ou menos monitorada. Com essa reanálise, Kenedy (2007) conclui que os dados da autora são evidência indireta à sua hipótese. É interessante observar que, como apontam vários estudos, a estrutura relativa preposicionada é, muitas vezes, evitada. No estudo de Alexandre (2000), elas correspondem a apenas 3,5% das relativas e, em experimentos já citados (PÉREZ-LEROUX, 1995), elas sempre representam as ocorrências mais baixas. O último trabalho de PE a que Kenedy (2007) faz referência é o de Arin, Ramilo e Freitas (2005). Ele relaciona os dados dos autores à sua hipótese da antinaturalidade das Ppp, ao considerar que a relativa cortadora, com ocorrência de 28% dos dados, parece ser natural no uso espontâneo do PE. Ao estudar a Rede de Difusão Internacional do Português – rádio, televisão, jornais, e revistas – o REDIP, Arin Ramilo e Freitas (2005) obtiveram 71% de dados de Ppp, 28% de cortadoras e 1% de copiadoras. Trata-se de dados escritos e de fala monitorada e, mesmo assim, segundo Kenedy (2007), em alguns contextos, a cortadora foi registrada em maior percentual que o da estratégia padrão preposicionada, 100% das ocorrências, como quando o verbo da relativa era “precisar” (com preposição “de”), como em (70) Já 79 estivemos a ver as adivinhas que vamos precisar para entrarmos no IRC.[2001, RTP2] (ARIN, RAMILO E FREITAS, 2005 in Kenedy, 2007). Para discussão a respeito do PB, Kenedy (2007) cita Tarallo (1983) e Corrêa (1998). O autor atribui a Tarallo a responsabilidade pela tradição linguística de considerar a cortadora uma criação do PB e a Ppp uma exclusividade do sistema do PE. Ele cita o trabalho de Corrêa (1998) que, assim como outros autores, assume a tese de Tarallo sobre a inexistência da Ppp como uma característica do PB em detrimento ao PE, no qual a Ppp não estaria relacionada à variante escolarização. No estudo de Corrêa (1998), a estratégia cortadora é a mais significativa em todos os níveis de escolarização – Fundamental, Médio e Superior – e, na verdade, como aponta Kenedy (2007), só no Ensino Superior podem ser vistos percentuais significativos para a Ppp, ainda que bem menores do que o da cortadora. Tais dados, segundo o autor, evidenciam a tese da antinaturalidade no PB. Kenedy (2007) argumenta que a inexistência da Ppp no PB assume níveis tão diferenciados – em relação ao PE e a outras línguas – por conta dos níveis inferiores de letramento/alfabetização, condição necessária, segundo sua hipótese, para a aquisição dessa variante. Além disso, critica o fato de o trabalho de Tarallo ter sido realizado a partir de diferentes gêneros textuais escritos, como peças teatrais, anúncios de jornal, documentos legais, textos formais e informais, e ainda realizar dados estatísticos para fazer generalizações a respeito da gramática natural de uma língua. O autor apresenta a pesquisa experimental como uma possível solução para o problema da incompatibilidade de corpora, do ponto de vista linguístico. Ele desconsidera esses dados diacrônicos de Tarallo (1983) como evidência contra sua hipótese, como se lê a seguir: 80 Parece correto interpretarmos que textos escritos formais ou artísticos tipicamente não apresentam fenômenos da oralidade – como as relativas cortadoras –, a não ser quando tais textos procuram intencionalmente reproduzir certo tipo de fala, ou ainda quando esses registram o descuido de um escritor que deixou escapar um uso linguístico menos elaborado. Portanto, acreditamos que os dados da pesquisa diacrônica de Tarallo indiquem o momento em que as cortadoras passaram a ser registradas na língua escrita, considerando-se certos tipos de documentos, escritos sob certas circunstâncias sócio-históricas, mas não concordamos com a hipótese de que esse registro possa dizer algo diretamente relacionável à gramática natural de uma língua, como o surgimento de uma estrutura na gramática ou o desaparecimento de outra. Sendo assim, consideramos que os dados diacrônicos de Tarallo (1983) não podem servir como evidência contrária à APP, já que apenas muito remotamente podem ser relacionados à história natural do português, reportando-se ao que se passa abstratamente na mente de um indivíduo humano e subjaz ao uso de uma língua em circunstâncias naturais. (KENEDY, 2007, p.112) Kenedy (2007) analisa Varejão (2006) que buscou refutar a hipótese de uma origem crioula para o PB, buscando encontrar no PE os mesmos fenômenos linguísticos – falta de concordância e relativas cortadoras – que justificariam essa origem para o PB. A autora registrou a vitória da cortadora sobre a padrão em ambiente preposicionado num corpus de fala de indivíduos analfabetos e de baixa escolarização espalhados por várias localidades do território português – o CORPUS DIALECTAL PARA O ESTUDO DA SINTAXE (CORDIAL SIN). A distribuição identificada pela autora foi a de 74 ocorrências de cortadoras, 29 de copiadoras e apenas 5 de Ppp (108 estruturas preposicionadas de 3315 relativas). O autor comenta que os 3% dos dados de relativas padrão (5 ocorrências) podem ser justificados por se tratar de 81 estruturas cristalizadas “altura em que”, “momento em que”, “lugar em que”, cuja análise pode levar a concluir que não sejam legítimas Ppp. Com esses dados, Kenedy (2007) conclui que a pesquisa da autora também colabora para sua hipótese, pois parece indicar que as relativas padrão preposicionadas não existem entre os indivíduos portugueses analfabetos e pouco escolarizados. Assim, se a Ppp seria comum somente entre indivíduos escolarizados, nos grandes centros urbanos, o PE compartilharia da mesma realidade do PB, já apontada por estudos como o de Tarallo (1983) e Corrêa (1998), em que a alfabetização/letramento é o fator diferenciador em relação ao uso das Ppp. Kenedy (2007) soma essas conclusões às insinuações das cortadoras também nos estudos de língua culta para afirmar sua crença de que, também no PE, a cortadora figure como relativa vernacular. Segundo ele, as pesquisas experimentais que testam a performance de brasileiros e portugueses poderão fechar a questão sobre a existência ou não de sistemas diferentes de relativização entre PE e PB. O pesquisador utilizou dois testes em portugueses e brasileiros – experimentos psicolinguísticos de percepção (Julgamento Imediato de gramaticalidade) e de processamento (Leitura automonitorada). Os resultados mostrariam a naturalidade ou não da estratégia padrão preposicionada. No primeiro experimento, Julgamento imediato de gramaticalidade, os sujeitos escolhidos – portugueses de Lisboa e brasileiros de Niterói e São Gonçalo – deveriam julgar como aceitáveis ou inaceitáveis estruturas relativas Ppp e cortadoras. Esperava-se que, por se tratar de uma estrutura natural, adquirida cedo, as cortadoras fossem reconhecidas prontamente e, as Ppp, 82 fossem mais suscetíveis a erros e hesitações, por demandar habilidades mentais desenvolvidas tardiamente. O tipo de relativa também se desdobrava em gramatical e agramatical; assim, havia cortadora gramatical (71) e, a agramatical (72). Em (73), tem-se a Ppp gramatical e, em (74) agramatical, como mostramos a seguir: (71) O petróleo é um recurso natural que todas as economias dependem. (72) * O petróleo é um recurso natural o qual todas as economias dependem. (73) O petróleo é um recurso natural de que todas as economias dependem. (74) * O petróleo é um recurso natural de qual todas as economias dependem. Kenedy (2007) obteve como resultado dos falantes do PE a aceitabilidade das cortadoras gramaticais em 70%. Em relação às agramaticais, apenas em 15% das ocorrências houve julgamento aceitável. Em 90% dos casos, houve julgamento aceitável para a Ppp gramatical e 72% para a agramatical. O autor considerou não haver, do ponto de vista estatístico, diferença entre a percepção da Ppp gramatical e da agramatical nos sujeitos do PE. No PB, houve resultados semelhantes. Em relação à cortadora, o julgamento aceitável corresponde a 72% das gramaticais e 26% das agramaticais. Para a Ppp, é insignificante a diferença dos que aceitaram Ppp gramatical, 65% dos casos, para os 61% de aceitação da Ppp agramatical. O autor considera esse resultado favorável a sua hipótese, uma vez que brasileiros e portugueses apresentam o mesmo tipo de reação diante de relativas Ppp e cortadoras – ou seja, os sujeitos portugueses reconhecem a estrutura cortadora. A partir disso, Kenedy (2007) põe em cheque, mais uma vez, a visão tradicional sobre as 83 relativas cortadoras serem uma idiossincrasia do PB. Nas mesmas condições foram testados brasileiros e portugueses e apresentaram os mesmos julgamentos para as cortadoras. Ele ainda reitera sua visão apontando a estranheza da Ppp na língua, já que nem portugueses, nem brasileiros, praticamente, conseguiram detectar a diferença entre a gramaticalidade e a agramaticalidade da Ppp. Com o experimento de leitura automonitorada, aplicados a sujeitos residentes nos mesmos locais que os do experimento 1, Kenedy (2007) pretendia confirmar a hipótese de que a leitura de estruturas relativas Ppp seria mais lenta. Por se tratar de uma estrutura antinatural, demandaria mais tempo de processamento. O teste foi aplicado a falantes dos três tipos de escolaridade: fundamental, médio e superior. Para isso, o autor, dividiu frases em segmentos e um deles apresentava a Ppp, ora encaixadas em orações relativas, ora em interrogativas. Os resultados desse experimento indicam o mesmo tipo de reação a Ppp de portugueses e brasileiros: quando a estrutura era encaixada a uma Ppp, eles manifestaram um estranhamento; quando em orações interrogativas, eles reagiram com naturalidade. O autor percebeu que quanto maior a escolarização, menores eram os níveis de estranhamento, situação que confirma a hipótese que norteia sua tese. O terceiro experimento foi exclusivo para pessoas analfabetas do interior do Rio de Janeiro, que deveriam julgar estruturas Ppp, inclusive apresentando incongruências como “a pessoa com os quais eu saí...”. O autor esperava que essas incongruências não fossem percebidas por ser a Ppp não analisável ao não escolarizado. Esses falantes teriam que julgar como aceitáveis ou inaceitáveis as Ppp gramatical e agramatical e aceitaram ambas as estruturas: 84 Ppp gramatical, 91%; Ppp agramatical, 96%; ou seja, os analfabetos não conseguem perceber a diferença entre essas estruturas. Resultado que dialoga com o do primeiro experimento. Em suma, depois de testar falantes do PE e do PB e atestar que eles manifestam o mesmo tipo de reação a orações relativas preposicionadas, Kenedy (2007) acredita ter invalidado a hipótese tradicional representada pela descrição clássica do PE e pela sociolinguística-paramétrica brasileira, da produtividade da Ppp no PE e da existência significativa da cortadora só no PB. Essas “fortes evidências” levantadas por Kenedy (2007), a partir dos experimentos, foram somadas por ele às conclusões dos estudos resenhados e às análises experimentais de outras línguas e o levaram a concluir que a tese da antinaturalidade da estratégia padrão preposicionada no PE e no PB deve ser considerada seriamente pela linguística contemporânea. Como já mencionado, acreditamos que, no PB e no PE a relativa padrão preposicionada é uma forma artificial, resultado do formalismo linguístico e que, portanto, concorria com as formas não padão, cortadora e copiadora, desde o século XVI. A partir do exposto, queremos rediscutir o tratamento dado por Tarallo (1983) às relativas cortadoras no que consiste à ideia de que tais estruturas são exclusivas da gramática do PB e surgidas no século XIX. Desejamos mostrar que as relativas não-padrão já existiam em textos escritos por portugueses desde o século XVI, confirmando a hipótese de Kenedy (2007) de que as cortadoras não são exclusivas da variedade brasileira da língua portuguesa. 85 Fechamos esta seção concluindo que, depois dos trabalhos mencionados (como o de Tarallo 1983), vários pesquisadores se lançaram na empreitada de observar o comportamento de estruturas cada vez mais concorrentes – as estratégias de relativização. Alguns estudaram a fala e, outros, a escrita. Alguns pesquisaram em corpora atuais, outros fizeram pesquisas diacrônicas. Todos, entretanto, concluem, ao final de suas pesquisas, que as formas não padrão de relativas conquistaram seu espaço e que, com o passar das décadas, o percentual dessas construções deva crescer ainda mais. No próximo capítulo, discutiremos os pressupostos teóricos que norteiam a presente tese. 86 CAPÍTULO 2: PRINCÍPIOS TEÓRICOS 2.1. ALGUNS PRINCÍPIOS DA TEORIA SOCIOLINGUÍSTICA E UMA TENTATIVA DE APLICAÇÃO O presente trabalho se vale de alguns princípios da Teoria Sociolinguística que passamos a discutir a partir de agora. A partir de Weinreich, Labov e Herzog (1968) instaurou-se o pressuposto de que a variação é inerente à língua, uma variação sistêmica, não aleatória. A sociolinguística surge como teoria que associa fatores internos – os linguísticos – a fatores externos – os sociais –, para explicar o constante processo da mudança linguística. Assim, estabelece-se o princípio do uniformitarismo, por meio do qual se entende que as mesmas forças que atuam no presente, em relação à língua, também atuaram no passado, ou seja, os fatores linguísticos e sociais que atuam hoje sobre a variação são os mesmos que atuaram em épocas remotas. A pesquisa em questão baseia-se neste pressuposto, de a mudança ser constante. Acreditamos que, em qualquer recorte que se faça no tempo, é possível observar a variação. Segundo Weinreich, Labov e Herzog (1968) as motivações internas e externas em competição determinam o uso de uma ou outra variante lingüística. Tal princípio – o de regra variável – será utilizado na pesquisa, já que se deseja verificar se os remetentes das cartas e das gazetas se comportavam, em sua escrita, de forma diferente: se apresentavam preferência por alguma variante em relação às outras, possibilitando-nos, assim, analisar a 87 influência do maior ou menor contato com padrões de escrita dos indivíduos escreventes. Em detrimento à ideia de um papel passivo do falante diante da língua, para a Sociolinguística, o falante tem atuação de acordo com as condições estruturadas em que a prática linguística se atualiza. O falante seleciona uma variante dentre as concorrentes, numa determinada circunstância. A pesquisa adota tal orientação geral da teoria sociolinguística, pois o fenômeno estudado pressupõe variação e desejamos observar a frequência das variantes – padrão, cortadora e copiadora – na escrita de indivíduos para se atestar o uso de tais formas nos séculos XVI, XVII e XVIII. A Sociolinguística de base laboviana propõe que se dê aos dados um tratamento quantitativo. Uma análise quantitativa permite ao pesquisador o estudo da variação de forma a apreender a sistematicidade, o encaixamento linguístico e social e a possível relação com a mudança linguística. A variação linguística passa a ter um caráter científico, a garantia de maior confiabilidade com o aporte estatístico da metodologia quantitativa. Essa metodologia nos interessa, pois, por meio dela, pretendemos verificar se a frequência das variantes não-padrão é significativa no contexto estudado. Sobre a variável dependente – no caso, as estratégias de relativização –, Labov (1978) salienta que as variantes envolvidas devem ter o mesmo valor de verdade, o mesmo significado referencial, devem dizer a mesma coisa, mesmo que apresentem diferenças estilísticas e sociais de uso. Lavandera (1978) questiona a aplicação do conceito original de regra variável a fenômenos não fonológicos. A autora leva em conta o conceito de “compatibilidade funcional”, segundo o qual as variantes deveriam ter a mesma função, pois, segundo ela, 88 nem sempre as formas supostamente variantes vão ter o mesmo valor de verdade. Consideramos, nesta pesquisa, o conceito de regra variável instaurado por Labov (1978), já que, no contexto de sintagma preposicionado (doravante, PP), as três estratégias variantes – padrão, copiadora e cortadora – teriam, em princípio, o mesmo valor, uma vez que produzir Por seacharem totalmente incapazes depoderem exercer o Real service pelas molestias incuraveis que padecem [cortadora], teria o mesmo valor que pelas molestias incuraveis de que padecem [padrão] e pelas molestias incuraveis que padecem dela [copiadora]. Labov (1994) discutiu a natureza dos dados a serem utilizados em uma pesquisa sociolinguística. Segundo ele, o pesquisador que lida com dados históricos enfrenta problemas como a mistura de dialetos e erros dos amanuenses, a falta de informações sobre a posição social dos autores dos documentos e sobre a estrutura social da comunidade, além da dificuldade em lidar com os efeitos da correção. Além disso, considera-se também o fato de que os documentos históricos não foram armazenados com a finalidade da pesquisa, sobreviveram ao acaso, e podem não representar o vernáculo de determinada época e/ou comunidade do passado, que, segundo Labov, é a forma de discurso que revela uma estrutura adquirida até o início da adolescência, em contexto ausente de monitoramento. O presente estudo procurou solucionar parte dos impasses apresentados ao escolher como fonte de estudo gêneros textuais que, embora sejam escritos – Labov (1994) considera dados escritos “maus dados” – são mais próximos 89 da realidade falada – a carta e as gazetas manuscritas14. Acrescente-se a isso o fato de o remetente de uma das cartas em análise – o marquês de Lavradio – ter sido uma figura pública, sobre a qual se apresentam várias informações históricas. A posição que ocupava também nos revela muito do seu perfil social em relação a sua erudição. As cartas de desconhecidos, amostra CARDS, por sua vez, podiam se aproximar bastante do vernáculo da época por terem sido produzidas por pessoas pouco letradas. Barbosa (2008), na apresentação de uma proposta metodológica para o controle dos perfis sociais em corpora de sincronias passadas, conclui que um bom trabalho sociolinguístico históricodiacrônico precisa apresentar referências confiáveis de pesquisa para que sejam feitas adequadamente as estratificações sociais de uma determinada época. Na descrição do corpus, apresentaremos algumas informações sobre os indivíduos estudados. 2.2. O PAPEL DA FREQUÊNCIA DE USO NA ORIGEM DAS CORTADORAS Uma das possíveis interpretações para a origem das cortadoras foi proposta por Tarallo (1983) que estabelece que essa construção é resultado do apagamento da anáfora pronominal na oração relativa, ou seja, segundo o autor, a estratégia cortadora, originada no século XIX, deriva da copiadora através da elipse pronominal. 14 Na verdade, as notícias publicadas nas gazetas manuscritas tinham sua origem nas redes de correspondentes que, através de suas cartas, faziam circular notícias como as redes sociais de hoje. O redator dessas correspondências, por seu peso social, político ou intelectual, poderia ser o centro de uma rede, fazendo circular nas gazetas os acontecimentos políticos e militares, vida das cortes e novidades de interesse da comunidade da época (LISBOA et al, 2002, p.1415). 90 Diferentemente do autor, defendemos a hipótese de que ambas as construções já figuravam no português desde o século XVI. Nossa proposta para explicar a manutenção dessas estruturas na língua, desde épocas remotas, está baseada em alguns parâmetros, como o fato de a forma considerada padrão na língua ser uma estrutura adquirida pelos falantes/escreventes apenas pelo letramento e contato com padrões de escrita. A proposta teórica que adotamos e ora apresentamos – a frequência de uso – será utilizada para relacionar a estratégia cortadora às relativas de sujeito e objeto direto. A cortadora seria interpretada como resultado da generalização de uma estrutura relativa muito frequente na língua (Estrutura “QUE + verbo”). Bybee (2003) aponta que a frequência tem papel essencial no processo de gramaticalização. Segundo ela, a repetição é um processo pelo qual sequências de palavras ou de morfemas, que sejam usados frequentemente, tornam-se automáticas, como uma única unidade de processamento. Company (2003) destaca a rotina e fixação de uso como fator primordial na geração de uma mudança. Bybee (2003) discute a possibilidade da generalização de uma determinada forma/construção pelo hábito. Essas formas ou estratégias linguísticas se tornariam mais gerais, sua força semântica seria enfraquecida pelo habitualismo. Esse enfraquecimento leva ao uso da construção em outros contextos, apresentando novas associações, o que conduz à mudança semântica. Tal discussão é de singular importância, já que pretendemos testar se, em corpora antigos, as relativas de sujeito e objeto direto apresentavam alta produtividade como ocorre hoje em dados de fala do português. Uma de nossas hipóteses, confirmada em nossa análise sincrônica (Silva, 2005), é a de 91 que a alta frequência desse tipo de estrutura (sujeito/objeto) favoreceu à generalização da relativa cortadora por possuírem o mesmo output fonético: SN + QUE + V). Para esta pesquisa, controlamos a variável “tipo de estrutura”, a fim de testarmos essa hipótese para sincronias passadas. A estratégia cortadora seria o resultado da generalização de estruturas muito frequentes na língua, as relativas de sujeito e objeto direto. Essas relativas de estrutura simples (sujeito e objeto direto) teriam se tornado mais gerais passando a ser utilizadas em outros contextos, no caso, de sintagma preposicionado (a estratégia cortadora). Bybee (2003) diferencia dois tipos de frequência: a “de ocorrência” que mede a produtividade de uso da forma, e a de “de tipo” que se refere a um tipo de estrutura em particular. A repetição de um padrão específico, segundo a autora, afeta a memória pela frequência. Um item/construção menos frequente sofre mudança para entrar no padrão mais frequente, ao passo que o item/construção mais frequente está disponível e tende, portanto, a não ser substituído, por conta dos mecanismos de armazenagem e recuperação (Bybee & Hopper, 2001). Em seu estudo recente, Bybee (2010, p. 214) retoma essa questão observando que a alta frequência de uso leva a convencionalização e elaboração posterior, ao passo que a baixa frequência leva a julgamentos de “inaceitabilidade” e eventual perda. A autora propõe que julgamentos de gramaticalidade ou aceitabilidade de formas linguísticas devem ser analisados em termos de sua gradiência . Segundo Bybee (2010, p. 214) a combinação de palavras gramaticais ou agramaticais podem ser avaliadas em termos de graus de aceitabilidade. Nesse caso, os julgamentos de aceitabilidade em uma língua são postulados 92 com base no conceito de “familiaridade” que leva em conta: 1) a frequência de uma palavra/construção/frase específica e 2) a similaridade com palavras/construções/frases existentes. Assim, itens serão julgados como aceitáveis à medida em que são frequentes na “experiência do falante” ou similares a itens frequentes. Essa questão leva-nos a refletir sobre a estrutura cortadora, pois justificaria a “aceitabilidade,” de acordo com Bybee (2010), dessa construção em função de sua semelhança estrutural com as relativas de sujeito e objeto direto. Essas últimas são julgadas como mais “aceitáveis” por serem significativamente produtivas e reconhecidas em termos da experiência linguística do indivíduo. Em contrapartida, no que se refere à relativa padrão preposicionada, teríamos, como afirma Bybee e Eddington (2006, apud BYBEE, 2010) estratégias raras que apenas são retidas na língua em frases fixas com baixo grau de “aceitabilidade”. Se levarmos em conta os resultados sincrônicos que atestam a vitória da cortadora sobre a padrão preposicionada, diríamos que esta tende a ser avaliada como [- aceitável] e aquela apresenta forte tendência a ser considerada como [+ aceitável]. Hawkins (2004, p. 3, apud BYBEE, 2010) observa que gramáticas têm convencionalizado estruturas sintáticas em função do maior ou menor grau de preferência em nível de “desempenho”. Tais preferências ficam evidenciadas pelos padrões de seleção atestadas em corpora e pela facilidade de processamento em experimentos psicolinguísticos. O autor prevê que o principal fator que influencia a frequência de formas lingüísticas é a facilidade de processamento. Dentre as várias discussões sobre frequência abordadas por Bybee (2010, p. 215), interessa-nos, particularmente, as que se relacionam às estruturas relativas. A autora apresenta uma hierarquia de 93 acessibilidade/aceitabilidade nas construções relativas. Ela afirma que a hierarquia de acessibilidade dos sintagmas nominais à relativização foi um dos primeiros casos a ser discutido para demonstrar que construções raras em uma língua não ocorrem ou são [-aceitável] em outra (conforme observa KEENAN, 1975 in BYBEE, 2010). Essa hierarquia é baseada na função sintática do elemento relativizado dentro da cláusula relativa. Keenan e Comrie (1977; apud BYBEE, 2010) demonstraram que, se uma língua pode formar uma oração relativa em uma determinada função sintática (um determinado caso) presente na hierarquia a seguir, tal língua poderia formar uma oração relativa com as demais funções/casos presentes em qualquer posição à esquerda da hierarquia proposta por Bybee (2010, p. 215): Esquema 1: Hierarquia de acessibilidade SUJEITO>OBJETO DIRETO>OBJETO INDIRETO>OBLÍQUO>GENITIVO>OBJETO DE COMPLEMENTO Em princípio, se uma dada língua relativiza a função objeto indireto, tal língua permitirá a construção de relativas de objeto direto e de sujeito: funções/casos à esquerda do objeto indireto. É preciso mencionar ainda que algumas línguas permitem relativização de sujeito, outras de objeto direto e sujeito, outras de objeto indireto, direto e sujeito e assim por diante, conforme mostrado também em Castilho (2010). A partir dessa proposta, Keenan (1975 apud BYBEE, 2010, p. 216) demonstra resultados referentes ao inglês a partir de textos em prosa. O autor observou que a frequência de uso de cada tipo de relativa segue a escala de 94 acessibilidade. Das 2200 orações examinadas, 46% eram de relativas de sujeito, 24% de relativas de objeto direto, 15% de oblíquas (adjunto adverbial) e objeto indireto e 5% de relativas de genitivo (adjunto adnominal). O autor sugere que é mais fácil, “natural” e menos complexo formar construções relativas na parte mais alta da hierarquia do que na parte mais baixa. O processamento mental das estruturas que relativizam as funções de sujeito e objeto direto seria mais fácil psicológica e semanticamente do que processar as funções preposicionadas. Keenan e Comrie (1977) citam estudos nos quais as construções do início da hierarquia são compreendidas por crianças inglesas com grande facilidade. Diessel Tomasello (2005) explicam que isso se deve ao fato de a relativa de sujeito reter uma ordem de palavras semelhante à estrutura das orações principais. Outra explicação apresentada por Bybee (2010), a respeito da frequência, vem da forma como organizamos nosso discurso. Fox (1987) e Thompson e Fox (1990) adotam essa abordagem para analisar as cláusulas relativas na modalidade oral do inglês. Bybee (2010) aponta que, embora a relativização aconteça de maneira diferente nas línguas, o estudo sobre as orações relativas no inglês falado é sugestivo para confirmar a hierarquia da acessibilidade proposta. Depois de apresentar as várias explicações – preferência de processamento, facilidade/dificuldade semântica, complexidade gramatical, discurso – para a gramaticalidade das relativas ou acessibilidade da estrutura, 95 Bybee (2010) conclui que o fator preponderante é a frequência de uso, conforme foi argumentado no início dessa seção. Encerramos essa seção sublinhando a importância desse estudo na presente pesquisa. Vários trabalhos sobre o fenômeno apontam para os altos índices das relativas de sujeito e objeto direto. Pretendemos levar em conta a questão da “frequência de uso”, baseados em Bybee (2003/2010) e em conformidade com outros autores que também adotam esses pressupostos, para atestar que a alta incidência dessas construções provoca sua repetição em outros contextos. A estratégia cortadora seria, então, interpretada como uma extensão de um padrão estrutural: a generalização de uma construção que por ser frequentemente utilizada tende a ser repetida15. Apresentamos, na próxima seção, algumas reflexões sobre o paradigma das Tradições Discursivas com o intuito de discutir se a presença de determinadas estratégias de relativização nos textos analisados pode ter alguma influência da natureza dos gêneros em análise. É preciso considerar ainda se o uso das relativas padrão de sintagma preposicionado ocorre ou não como estruturas cristalizadas. 15 Não sabemos se é possivel haver corte de preposições com valor semântico do tipo sem, após, contra, preposições marcadas (“ A roupa que eu fiquei”, querendo dizer “A roupa sem a qual eu fiquei”) por não termos encontrado exemplos com essas preposições na Amostra. Dessa forma, não foi possível testar nossa hipótese, baseada em Bybee (2003/2010) em estruturas como essas. 96 2.3. AS TRADIÇÕES DISCURSIVAS Buscando chegar à definição de Tradição Discursiva (doravante, TD), Kabatek (2006) afirma que uma TD é a repetição de uma forma textual, de um texto ou de uma maneira particular de falar ou de escrever que adquire valor de signo próprio. Forma-se quando a repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição, tendo em vista qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo. A questão que nos parece pertinente é o fato de uma tradição discursiva ou um determinado tipo de texto favorecer ou não processos de mudança linguística. Company Company (2002) destaca que a mudança não é produzida de forma homogênea em relação aos diferentes tipos de texto, ou seja, um determinado texto poderia estar relacionado a uma preferência linguística ou, melhor dizendo, determinados fenômenos podem ter sua aplicabilidade diferenciada a depender do gênero em questão. Na tentativa de relacionar a TD à mudança linguística, Kabatek (2006) aponta que as TDs podem “frear ou acelerar” mudanças linguísticas. Determinados tipos de textos, segundo ele, exigem a manutenção de certas fórmulas ou seleção de “variedades”. No caso da presente pesquisa, cabe a discussão sobre a possibilidade de as TDs nas cartas e nas gazetas manuscritas se constituírem em freio para o processo de mudança linguística apontado pelos estudos recentes. Nesse sentido, portanto, pretendemos aplicar tais conceitos para explicar alguns dos resultados encontrados. Estariam as fórmulas, ou seja, estruturas automatizadas que se repetem em determinado contexto, freando a observação da mudança em curso? Buscamos verificar se a presença de estruturas formulaicas, encontradas no 97 início e no final das cartas, pode influenciar nos resultados das estratégias de relativização padrão e não-padrão. . Kabatek (2008) expõe que a noção de TD parte da distinção estabelecida por Coseriu (1981) sobre os três níveis de análise linguística: o universal, o histórico e o individual. Koch & Oesterreicher (1997) defenderam a necessidade de subdividir o nível histórico em dois subníveis, levando em conta a história das línguas particulares e das tradições dos textos. Segundo a proposta original (Coseriu, 1981), a linguagem se distingue em três planos os quais são relativamente autônomos. O universal diz respeito ao falar em geral, ou seja, compreende todos os seres humanos que tem a capacidade humana de se comunicar por meio de signos linguísticos. O plano histórico, ao contrário do universal cuja prática não é determinada historicamente, corresponde a uma língua determinada, isto é, um sistema de significação historicamente determinado. O plano individual corresponde ao discurso, ao ato de fala construído por um indivíduo quando em situação de comunicação. Na proposta de Koch & Oesterreicher (1997), como mencionado, o plano histórico se desmembraria em dois para dar conta da tradição dos textos, além da história particular de uma dada língua . Para os autores, então, a história dos textos é diferente da história das línguas. Essa proposta pressupõe que o ato de falar, correspondente ao plano individual, transforma-se em enunciado quando submetido, simultaneamente, aos filtros da língua histórica e das tradições discursivas, como observado no esquema a seguir (cf. KABATEK, 2006): 98 Esquema 2: (Kabatek, 2006) F i nal i dade Com uni cat iv a Lí ngua (Si st em a e Norm a) T radi ções Di scur si v as Enunci ado Segundo o autor, o falante considera um conjunto de regras e itens linguísticos disponíveis em uma determinada língua para escolher as opções de falar ou de escrever; assim, ele filtra sua produção linguística pelas tradições discursivas, as quais lhe fornecerão o gênero textual cabível ao seu objeto comunicativo. As reflexões sobre as TDs são pertinentes para compreensão das estruturas formulaicas identificadas nos dados coletados. Essas construções de caráter formulaico podem estar relacionadas ao gênero textual onde aparecem ou a uma determinada parte do texto, podendo revelar questões importantes na interpretação geral dos dados. A partir das discussões expostas até aqui, passaremos ao capítulo correspondente à metodologia, a fim de apresentarmos os procedimentos metodológicos considerados pertinentes para a análise dos dados. 99 CAPÍTULO 3: METODOLOGIA 3.1. REFLEXÕES SOBRE O GÊNERO CARTA No presente trabalho, adotaram-se como corpora quatro grupos de cartas dos séculos XVI, XVII e XVIII e um grupo de notícias publicadas em gazetas manuscritas do século XVIII. Tendo em vista a natureza dos corpora, consideramos necessário um esclarecimento sobre esses gêneros textuais. Vejamos, a seguir, algumas reflexões sobre os dois gêneros. 3.1.1. Notícias advindas de cartas Como mencionado anteriormente, as notícias veiculadas nas gazetas eram trechos de correspondências trocadas entre alguns redatores. As correspondências eram individuais, embora não fossem pessoais, pois serviam de base periódica ou de relatório sobre o que de interessante se sabia do local onde era escrita a carta. Segundo Lisboa et al (2002), Gazetas de Lisboa foi o título utilizado a partir de 1715 e os textos, de um modo geral, veiculavam informações políticas e sociais. Nessa coleção de fólios, foram considerados três tipos de folhas manuscritas e três tipos de abordagem da informação que se completavam. O primeiro dizia respeito a uma correspondência política, uma espécie de relatório sobre os fatos interessantes do local de origem do documento, como acontecimentos políticos e militares, novidades e o dia-a-dia da corte. Eram cartas trocadas entre pessoas que constituíam uma rede de 100 informações. Tal sistema caracterizava-se pela periodicidade, normalmente dias certos, e obedeciam à disponibilidade dos correios ou dos “eventos” que se propunham divulgar/mencionar. Havia, também, os registros ordenados de informação política e social (organização realizada por quem o escrevia). Essa rede de correspondentes notificava os acontecimentos do reino, as notícias de guerra, da política, da sociedade, além de curiosidades sobre o tempo. Nessas notícias advindas de cartas eram registradas as vozes da insatisfação e da insubordinação às autoridades portuguesas. As críticas aos membros da família real eram bastante presentes. Registravam-se ainda histórias de crimes, roubos, violações, brigas, adultério, enfim, casos de justiça. As práticas de contenção ou solução para esses desentendimentos também circulavam nessas Gazetas, como, por exemplo, enforcamentos, exílios e execuções em geral. Por fim, existiam, ainda, os folhetos de circulação produzidos de forma regular e reunidos em coleções por uma empresa (emissor especializado). Sua linha de interesse era o relato de crimes e castigos e a intriga da Corte. Lisboa et al (2002) citam um correspondente chamado Monterroio que, segundo eles, era redator da gazeta impressa mas fazia parte também da rede de informações, pois correspondia-se com Rodrigo Pereira de Faria, entre outros. No trecho a seguir, Monterroio agradece em carta as informações que recebeu e diz que irá publicá-las na gazeta: “Agradeço as notícias que me dá dos cazos de Castelo branco e Arganil. Já meti hum na Gazeta desta semana para servir de exemplo e também metera o outro se o tivera por certo./a [notícia] do Dr. José de Lima Pinheyro escrevi já hoje na Gazeta. Suponho que não será reiscada na revista.” (LISBOA et al,2002; p.27) 101 Lisboa et al (2002) apontam a característica que tinham os folhetos manuscritos de facilitadores de intrigas. Segundo os autores, em certa ocasião, Rodrigo Pereira de Faria escreveu a Monterroio uma notícia relativa à Congregação do Oratório e sua publicação desagradou ao rei. Inicialmente confuso a respeito de quem lhe enviara a carta com esta notícia, quando percebeu ter vindo esta de Pereira de Faria, Monterroio lhe escreveu “Esteja Vossa Mercê certo que ninguém soube ainda nem saberá quem me deu a notícia em que Vossa Mercê me fala;” (LISBOA et al, 2002; p. 27). Como as gazetas eram cartas, havia no circuito dificuldades devido a problemas de tempo, falta de informação e correios. Lisboa et al (2002) citam um trecho de Monterroio no qual reclama sobre a questão da falta de tempo: “Vossa Mercê e eu por querermos entreter muitas correspondências nos nam chega o tempo para todas./ Nem sempre se pode o que se deseja. O dia que tenho destinado para responder ao correyo das quatro Províncias he o Sábado: e quando concorrem neste dia visitas levam o tempo que tinha destinado para me comunicar com os ausentes(...)”(LISBOA et al, 2002, p.28). “Nam sey se há ainda Santarém porque nam tive neste Correyo nem carta de Vossa Mercê nem do Padre Montez” (LISBOA et al, 2002, p.28). é uma reclamação de Monterroio a respeito da falta de notícias vindas de seus correspondentes. A rede de correspondentes preocupava-se também com o problema dos correios: não chegar a notícia ou demorar demais ou, ainda, ser violada a carta. Poderia, então, o correio se tornar, ainda que indispensável para circulação das correspondências, uma ameaça à privacidade de um assunto sem pretensão pública. Numa de suas cartas, Monterroio escreve: 102 Nam me entendo com estes correyos que vam costumando a desgostar a gente porque também me deu susto o faltar o meu folheto em razão de algumas novas que nelle vão de cousas que se dizem, mas agora me diz o Padre Luis Montez que o tem recebido depois de Correyo e assim poderia ser a carta que Vossa Mercê me diz lhe falta.” (LISBOA et al, 2002; p.29) Na descrição dos corpora, pretendemos fornecer informações específicas sobre cada corpus estudado e voltaremos a falar das gazetas manuscritas. 3.1.2. O gênero carta Segundo Marcuschi (2002), gêneros são textos materializados encontrados em nossa vida diária que apresentam características sóciocomunicativas definidas por conteúdos, por propriedades funcionais, estilo e composição característica. A partir dessas características, é possível identificar os documentos analisados como cartas, podendo-se, a partir desse gênero, vislumbrar o uso das estratégias de relativização de mais de 200 anos atrás. Citando Bakhtin (1997), que estabelece uma relação entre o uso diversificado da linguagem e a variedade das atividades humanas, Andrade (2008) define gêneros discursivos ou gêneros textuais como sendo enunciados relativamente estáveis que garantem a comunicação verbal. Segundo a autora, são textos empiricamente realizados, encontrados no meio social de forma materializada. Silva (1997 apud Andrade, 2008) afirma que a carta estabelece uma variedade de tipos de comunicação, como pedido, agradecimento, conselho, desculpas, informações, notícias familiares, prestação de contas, etc. Essas funções comunicativas variadas e sua circulação em campos de atividades 103 diversos fazem dessas cartas textos de caráter distinto. São, portanto, subgêneros do gênero maior “carta”, já que apresentam, como documentos pessoais ou de negócios, traços comuns típicos dessa tradição discursiva – a estrutura básica constituída pela seção de contato, núcleo da carta e seção de despedida. Os tipos de carta, segundo Andrade (2008), são classificados quanto à forma de realização e suas intenções. Por exemplo, uma carta de leitor, segundo tal perspectiva funcional-interativa, é um texto que circula em contexto jornalístico em uma seção fixa de jornais e revistas, destinadas às correspondências de leitores, cujas denominações podem ser diferenciadas: painel de leitor, carta do leitor, cartas à redação. É, segundo a autora, uma tradição discursiva de domínio público, diferente da carta pedido, da carta resposta, carta pessoal, etc. Em suma, para a autora, a fim de melhor compreender cada tradição discursiva, é necessário que se observe o propósito de cada carta, a sua função enquanto atividade social e os papéis sociais desempenhados pelos interlocutores. Bazerman (2006) propõe uma leitura sobre cartas e a apresentação da perspectiva do autor para o estudo dos gêneros textuais. Segundo o autor, no estudo dos gêneros textuais, devem-se levar em consideração as circunstâncias em que as pessoas produzem e usam os textos e o interesse pelos motivos e ações típicos relacionados com a escrita e leitura desses textos. Bazerman (2006), ao observar o papel da carta no surgimento de gêneros como o artigo científico, a patente, o relatório dos acionistas, as notícias de jornal e os relatórios em geral, percebe que essa correspondência viabiliza 104 novas direções para as formas de comunicação por conta de sua comunicação direta entre dois indivíduos dentro de uma relação específica em circunstâncias específicas. O autor sugere a influência das cartas na formação de outros gêneros textuais16. Num histórico sobre as cartas, Bazerman (2006) mostra que elas eram usadas no antigo Oriente Próximo para veicular os primeiros comandos escritos assim como outros assuntos de Estado e, em períodos anteriores, eram recitadas por mensageiros e projetavam a presença do emissor. Na sua evolução, passaram a ter um caráter mais pessoal até se tornarem mensagens particulares devido ao estreitamento de laços sociais. Em consequência disso, as cartas pessoais familiares tornaram-se comuns nos mundos helênico e romano, em seguida passam a ser utilizadas em relações de negócios, em escritas ficcionais nas escolas, nas relações religiosas (como cartas-orações, cartas aos deuses). As cartas que compõem os nossos corpora não são todas da mesma natureza. Há relatórios administrativos – como é o caso das cartas de esfera pública do marquês do Lavradio e algumas missivas do Padre Vieira. Há os desabafos familiares e os relatórios de desempenho no trabalho: cartas particulares do marquês, as do remetente das aljamias e várias cartas de desconhecidos (doravante, CARDS). Tem-se, ainda, a documentação produzida pelo Padre Antonio Vieira cujos assuntos eram também particulares. Segundo o autor, a carta, que foi criada para mediar a distância entre dois indivíduos, “fornece um espaço transacional aberto, que pode ser especificado, definido e regularizado de muitas maneiras diferentes” (BAZERMAN, 2006, p. 87). Assim, tal gênero se expandiu com a inserção de mais temas e 16 O recente estudo de Salles (2011) mostra que os editoriais publicados em jornais originamse das cartas de redatores que circulavam nos jornais brasileiros do século XIX. 105 transações. Como resultado disso, o autor aponta a relevância da carta dentro da antiga igreja cristã, uma vez que, com exceção dos evangelhos, todos os livros do novo testamento foram escritos em forma de cartas, estabelecendo a comunhão entre os cristãos. Com o crescimento da igreja, elas foram usadas para manter a burocracia e os laços da comunhão. Essas e outras funções a que as cartas serviam mostram, na opinião do autor, a ligação entre elas e os documentos legais como concessões de mosteiros, arranjos contratuais, contratos de transferência, concessões de imunidades e privilégios e alguns outros. Bazerman (2006) discute dois últimos gêneros textuais que surgiram a partir da necessidade de estabelecimento de relações continuadas entre as pessoas com o crescimento das empresas: a carta aos acionistas e a carta comercial. A carta aos acionistas eram relatórios informativos sobre seus investimentos e, até hoje, para o autor, percebe-se informações sobre a situação geral da companhia, assinada pelo presidente, nos relatórios anuais das grandes empresas, acompanhados dos gráficos, figuras e fotografias. A carta comercial dava conta das comunicações internas e externas que surgiram a partir da expansão de atividades das empresas. A princípio, tratava da comunicação necessária e, em seguida, proliferou-se “em novos gêneros que se tornaram parte das operações diárias e partes dos registros permanentes da companhia. As cartas do marquês, de esfera pública estudadas, tal como as comerciais, consolidavam relações da administração pública no século XVIII; serviram como relatório de decisões, divulgação de medidas, desabafos de decepções, além de um meio de aproximação entre pessoas que se 106 relacionavam à distância. Na descrição do corpus, discutiremos um pouco mais sobre o material estudado. A partir do estudo de Bazerman (2006), percebemos a importância da carta para o surgimento de novos gêneros textuais. Sua estrutura foi “copiada” em situações diversificadas, em épocas distintas, a partir de necessidades variadas. Na seção seguinte, faremos breves considerações sobre a Amostra, constituída de gazetas e cartas. O material foi selecionado para a análise das relativas não-padrão nos séculos selecionados. 3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A AMOSTRA Para comprovar nossa hipótese de que as construções relativas não padrão não são exclusivas do português do Brasil e que datam de épocas remotas no português europeu, procedemos ao levantamento de dados em textos portugueses dos séculos XVI, XVII e XVIII. Trata-se de cartas e gazetas que, uma vez escritas por portugueses nas épocas citadas, puderam representar a realidade linguística desse período. O material de análise está assim distribuído: Cartas em Aljamia Portuguesa – textos de língua portuguesa escritos em caracteres árabe – Edição semidiplomática e atualizadora de Teixeira (2006); CARDS – Cartas de Desconhecidos – correspondências particulares utilizadas como fonte de consulta nos processos da Inquisição localizadas em (http://www.clul.ul.pt/pt/recursos/179 -c-a-r-d-s-cartasdesconhecidas-unknown-letters). 107 Cartas do Padre Antônio Vieira (disponibilizadas no Corpus Anotado do Português Histórico Tycho Brahe – (http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/termos.html); Cartas do Marquês do Lavradio – Edição semidiplomática feita por Marcotulio (2008); Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora publicado em Lisboa et al (2002). As cartas estudadas, considerando-se os remetentes, assim como as gazetas, representam o português europeu no sentido de terem sido escritas e/ou traduzidas por portugueses. Os dados foram analisados por período. No século XVI, cruzaram-se os dados das cartas aljamiadas com as cartas de desconhecidos (CARDS) da mesma época. Para análise do século XVII, comparamos os dados das cartas do Padre Antônio Vieira com os das cartas de desconhecidos desse século (CARDS). E, por fim, para o século XVIII, compararam-se os dados das cartas do Marquês do Lavradio, as CARDS e as gazetas. Vejamos, a seguir, a descrição de todo o material. 3.3. DESCRIÇÃO DOS CORPORA 3.3.1. Os textos em Aljamia Portuguesa Não se pode precisar exatamente quando surgiu a literatura aljamiada. Devido ao seu estado avançado de sistematização alcançado no século XV, supõe-se que esta prática remonte aos primórdios da presença dos primeiros mouros na Península Ibérica. Por não conhecerem o sistema de escrita dos 108 cristãos, os muçulmanos recorriam ao alfabeto árabe para grafar as línguas românicas: “A literatura aljamiada é um corpus de textos escritos em uma língua com a grafia de outra língua” (ROSA-RODRÍGUEZ, 2009:10)17. Assim surgiu um sistema híbrido que utiliza os símbolos da língua árabe para grafar as línguas do ocidente. O termo aljamia, segundo Hegyi (1979:262), foi romanizado e usado pela primeira vez na Espanha. Ele provém do árabe ( العجميةal-cajamiyya), que significa a língua dos estrangeiros, dos bárbaros. A princípio, os árabes utilizavam este termo em oposição a ( العربيةal-carabiyya) – a língua árabe –, mais tarde é que ele foi atribuído também aos textos de línguas estrangeiras escritos em caracteres árabes. Geralmente, só se admite que é aljamia a literatura que apresenta a língua espanhola grafada com caracteres árabes, porém existem outros textos com este tipo de prática: Transposta para um ambiente hispânico e um contexto cristão, além da inevitável transformação fonética que ocorreu, a forma romanizada aljamiado também sofreu algumas modificações semânticas e teve parte da conotação original perdida, tornando-se, finalmente, um termo puramente técnico que indica "textos espanhóis escritos com o alfabeto árabe". Por extensão, tem sido ainda aplicado a fenômenos semelhantes fora de Espanha, em particular para o português, servo-croata e albanês escritos em alfabeto árabe, e em vista das circunstâncias análogas, a textos ibero-romance em alfabeto hebraico. (HEGYI, 1979:262)18 17 “La literatura aljamiada es un corpus de textos escritos en una lengua con la grafia de otra lengua” (ROSA-RODRÍGUEZ, 2009:10) 18 Transposed into the Hispanic environment and a Christian context-apart from the inevitable phonetical transformation which took place-the Romanized form aljamiado also suffered some semantic modifications, and lost part of the original connotations, becoming finally a purely technical term denoting "Spanish texts written in the Arabic alphabet." By extension, it has been further applied to similar phenomena outside Spain, in particular to Portuguese, Serbo-Croatian and Albanian written in the Arabic alphabet, and in view of the analogous circumstances, to Ibero-Romance texts in the Hebrew alphabet. (HEGYI, 1979:262) 109 Os textos em aljamia portuguesa, de que se tem notícia, ao contrário da extensa produção espanhola, são compostos de apenas oito documentos, todos datando do século XVI. Estes documentos foram publicados pelo arabista português David Lopes, em 1897, no livro Textos em aljamía portuguesa. Lopes (1940) observa que os textos não são originais, mas cópias vertidas da tradução em português dos originais árabes. Logo, foi possível utilizá-los como material de língua portuguesa representativa do século XVI. Os documentos não são datados e nem há identificação do copista que os verteu em aljamia. Dos oito textos, sete são cartas endereçadas ao rei Dom Manuel e a outras autoridades portuguesas; o último é um juramento ("Juramento que faz o Turco quando comete alguma grande coisa"). Cinco das cartas – as mais extensas – são do mesmo autor, o caudilho mouro a serviço da Coroa portuguesa , em Marrocos , Iaḥia Bentafuf [...] as outras duas são de dois chefes marroquinos – o xeque Saíde do Cabo de Guer19 e o xeque Buslisba ͤ da Enxovia. (TEIXEIRA, 2006:14) Foram analisadas, como corpus, quatro cartas dos oito documentos aljamiados que se encontram arquivados em Lisboa, na Torre do Tombo. Duas cartas estão fac-similadas na edição de Lopes (1940): a carta de Sidi Iahia Bentafuf, alcaide de Safim, e a carta de Iahia Ben Bolisba, xeque da Enxovia. As outras duas foram transcritas por Lopes (1940) e, para este trabalho, utilizaremos a edição semidiplomática e atualizadora propostas por Teixeira (2006). As quatro cartas possuem um destinatário comum: o rei D. Manuel. Considerando o período de produção desses textos, além de comprovar a hipótese da antiguidade das relativas não padrão, pretendíamos verificar se as 19 "Topônimo identificado com Santa Cruz do Cabo de Guer, actual Agadir, deve o seu nome à tribo Igir" (FARINHA, 1997, p. 471) 110 construções de relativização foram produzidas nos mesmos padrões das verificadas no mesmo período. 3.3.2. As Cartas de Desconhecidos (CARDS) Esse corpus foi organizado pelos pesquisadores Ana Maria Martins, Fátima Sá e Melo, José Vicente Serrão, Rita Marquilhas e Rosário Álvares Blanco e alguns colaboradores e encontra-se disponível em (http://www.clul.ul.pt/pt/recursos/179 -c-a-r-d-s-cartasdesconhecidas-unknown-letters). As CARDS – Cartas de Desconhecidos – são documentos de origem judicial (1850 cartas) e familiar (150 cartas) que constam do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Essas 2000 cartas da esfera privada eram utilizadas pelo Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, como provas em processos movidos pela igreja. Uma boa parte das cartas foi escrita em Lisboa entre os séculos XVI e XIX. Há também missivas escritas por portugueses no Brasil. Para este trabalho, no entanto, foram selecionadas apenas as cartas do século XVI ao XVIII produzidas em território português. São, no total, 126 documentos. Das cartas dos séculos XVII e XVIII, foram selecionadas 121 cartas, 89 do século do XVII e 32 do XVIII . Das correspondências do século XVI, destacam-se, diferentemente do que ocorre nos demais séculos, cartas escritas originalmente em árabe e traduzidas por portugueses para consulta em processos do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa20. Todas constam do Arquivo Nacional da Torre do 20 Somente uma carta, a 3128, constitui-se uma denúncia escrita por Francisco Miranda, padre, enviada ao arcebispo de Évora. 111 Tombo. O texto 2151 é a tradução de carta árabe de Mohate, cativo de Dom Pero da Cunha, para Molaj Mofemede Xarife. O documento 2152 é a tradução de carta árabe de Mançor, cativo do Infante Dom Vasco, para Al Xaqua Nõ Habede Rahamão. A carta 2153 é a tradução de carta árabe de Mançor Ataharane, cativo, para Halej Alfaçe seu irmão. E, por último, o texto 2154 é a tradução de carta árabe de Hamoharte, cativo, para Macahode seu irmão. Essas quatro cartas foram traduzidas para serem usadas como provas documentais no processo de Luís Duarte, um mouro de vinte anos de idade, natural de Alcacer Quibir e antigo cativo do Infante D. Luís. A temática presente nessa amostra específica é muito variada. Há discussões sobre bigamia, mulheres requerendo a posição de esposas a maridos casados pela segunda vez, parentes cobrando e ameaçando o marido bígamo, entre outros. No âmbito da igreja, freiras se comunicam com padres acusando mulheres de bruxaria, pessoas descrevem realizações e efeitos de feitiços, padres são convocados para solucionarem questões espirituais. Há cartas que discutem questões de cativeiro, ou são denúncias dirigidas a cristãos novos, acusados de comprometimento com outras religiões ou que não sabem realizar as orações cristãs, e assim por diante. As CARDS são identificadas por números e constam ainda a data, local, resumo do tema e referência arquivística – Arquivo Nacional da Torre do Tombo/ Tribunal do Santo Ofício/ inquisição de Coimbra ou Lisboa. Nessa referência, encontram-se, ainda, o número do livro, do processo e, às vezes, uma menção ao promotor da Inquisição. É citado, quando há, o número de outras cartas em que haja assuntos relacionados. A isso, segue-se o corpo da carta, a edição modernizada do texto, a descrição do contexto em que 112 aconteceram os fatos narrados (que pode esclarecer dúvidas sobre o assunto), e, por fim, as normas de transcrição utilizadas. As “cartas de desconhecidos” (CARDS) constituem um material bastante pertinente para a análise do fenômeno pelo fato de os documentos terem sido produzidos por pessoas menos letradas ou com pouco contato com modelos eruditos de escrita. Além do mais, a documentação é representativa de todo o período de tempo controlado (do século XVI ao XVIII) e não de um século específico. Dessa forma, será possível observar a variação das estratégias relativas em textos portugueses na longa duração. 3.3.3. As cartas do Padre Antonio Vieira As cartas do Padre Antônio Vieira fazem parte do “Corpus Anotado do Português Histórico – Tycho Brahe” e estão disponíveis no site (http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/termos.html). Trata-se de um corpus eletrônico composto de textos de autores portugueses nascidos entre os séculos XIV e XIX. Neste trabalho, utilizamos as cartas do Padre António Vieira, com o objetivo de compará-las às outras cartas selecionadas na Amostra. Antônio Vieira foi um padre que viveu no século XVII, cujo nascimento data do ano 1608. Em sua totalidade, o corpus de cartas apresenta 57088 palavras e é identificado pelo “V-002”. Está disponível uma edição não modernizada da documentação. Quanto aos tipos de anotações disponíveis, no caso das cartas de Vieira, tem-se no site a anotação morfológica que permitiu a identificação rápida dos dados relativos aos pronomes que encabeçam as 113 construções de relativização. O corpus disponibiliza uma listagem que indica o local de produção ou publicação do material e, no caso das cartas do Padre Vieira, a indicação é Portugal (que pode representar qualquer país europeu para fins de simplicidade). 3.3.4. As Gazetas Manuscritas (LISBOA et al, 2002) Os dados a que chamamos de gazetas constituem-se do primeiro volume de uma coleção identificada por Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora, cujos organizadores são João Luís Lisboa, Tiago C. P. dos Reis Miranda e Fernanda Olival (LISBOA et al, 2002). A coleção é constituída de 14 volumes distribuídos pelos seguintes períodos: 1729-1733, 1735-1740, 1742-1743 e 1745-1754. A coleção faz parte de um projeto intitulado “Gazetas Manuscritas e cultura política na primeira metade do século XVIII”. O volume analisado é o de data mais recuada, 1729-1731, e “corresponde a um conjunto setecentista de formato 4.º (22x16 cm), encadernado em pergaminho, e cujos fólios foram posteriormente numerados21. São 67 textos datados de 9 de Agosto de 1729 a 25 de Dezembro de 1731. Lisboa et al (2002) esclarecem que elaboraram uma fiel edição diplomática, aliada a uma apresentação que facilitasse a leitura a um vasto público. Assim, algumas alterações foram feitas como a inserção de ponto parágrafo quando o original não o tinha. De um modo geral, as intervenções no 21 Na Biblioteca Pública de Évora a documentação recebeu a cota “Cód. CIV/1-5 d”. 114 texto foram apontadas em notas ou em parênteses. Há notas também que esclarecem o significado de palavras que caíram em desuso. As gazetas manuscritas da Biblioteca Pública de Évora, embora tivessem sua origem no gênero carta, já apresentavam em sua composição estrutural propriedades próprias, uma vez que as partes mais formulaicas, como a saudação, seção de contato inicial, despedida e assinatura eram eliminadas do periódico. Trata-se de um importante material de pesquisa para o período estudado pelo fato de ter sido produzido por indivíduos diferentes e por permitir o confronto com os outros documentos levantados para o século XVIII. 3.3.5. As cartas do Marquês do Lavradio Para a era setecentista, analisamos ainda um corpus constituído de cartas escritas pelo Marquês do Lavradio editadas por Marcotulio (2008). Nesse caso, trata-se da documentação produzida por apenas um remetente a distintos destinatários, o que possibilita observar a produção escrita de um único indivíduo nas diversas relações sociais estabelecidas. As 70 cartas de D. Luís de Almeida Portugal Soares Alarcão Eça Melo Pereira Aguiar Fiel de Lugo Mascarenhas Silva Mendonça e Lencastre, 2º Marquês do Lavradio e 5º Conde de Avintes (para este trabalho, marquês do Lavradio) foram escritas entre 1769 e 1776. Segundo Marcotulio (2008), depois de uma vida de formação e experiência militar em Portugal, o português marquês do Lavradio, em setembro de 1767, veio para o Brasil a fim de atender ao convite do rei D. José I. Durante os dez anos em que esteve na Colônia, exerceu vida pública como vice-rei subordinado à Coroa Portuguesa e 115 comandou todos os governadores e capitães-generais das capitanias brasileiras. As cartas do Marquês estão agrupadas em função do perfil de seus destinatários. Há as cartas da esfera pública destinadas aos subordinados do Marquês que faziam parte da máquina administrativa colonial (capitães gerais e governadores de província). Constam também do corpus as missivas da esfera privada que circulavam no seio familiar. Nesse último caso, o grau de parentesco é considerado em função dos laços consanguíneos (tio, primo e irmão) ou afetivos (cunhado, genros e parentes de parentes). Na seção seguinte, apresentaremos as variantes consideradas, conforme demonstrado na Introdução da presente pesquisa. 3.4. CONHECENDO AS VARIANTES No presente trabalho consideramos como formas variantes os três tipos de estratégias de relativização abordadas nos trabalhos sobre o assunto (cf. SILVA, 2005; CORRÊA, 1998; MOLLICA, 1977, 2003; BISPO, 2009; KENEDY, 2007, VAREJÃO 2006): as relativas padrão, cortadora e copiadora. Alguns estudos já demonstraram a supremacia da estratégia cortadora em relação à padrão em português (BISPO, 2009; KENEDY, 2007). Outros analisaram a variação entre as três construções em dados de fala e/ou escrita do português brasileiro (SILVA, 2005; CORRÊA, 1998). A presente pesquisa visa a analisar as ocorrências dessas variantes relativas na produção escrita de portugueses nos séculos XVI, XVII e XVIII, a fim de verificar se, nesse período 116 de três séculos, existia variação nas estratégias de relativização como foi observado nos estudos de base sincrônica. Em (A), ilustramos exemplos da estratégia padrão. Esse tipo de construção pode apresentar estruturas de todas as funções sintáticas. Os exemplos (1) e (2) mostram estruturas relativas padrão de sujeito e objeto direto, nas quais o termo relativizado é um sintagma nominal (SN). Em (3), temos um exemplo de estrutura padrão cujo termo relativizado é de sintagma preposicionado, no caso, com função de adjunto adverbial: A) Estratégia Padrão ou Canônica (1) o conhecimto. q.temos de hüa regateira q. na nossa Igra. Esta fazendo feitiços continuamte (CARDS3111 - XVIII) (2) Remeto a Vm. o ingoento que me mandou pedir pa. as dores de Cabeca (CARDS2011 - XVIII) (3) Por esta causa, e pelo impedimento do caminho, com que se dificultava poderemos padres ser socorridos e visitados, (Vieira XVII). A estrutura apresentada em (B) exemplifica a estratégia cortadora. Nesse caso, tem-se uma construção de sintagma preposicionado (doravante PP) que, em vez de apresentar a preposição exigida pela regência do verbo da cláusula relativa, é encabeçada pelo relativo universal (“que”) sem a marca de preposição. 117 B) (4) Estratégia Cortadora El Rey não foi a Patriarcal, e se pu[r]gou para hua queixa leve de estomago que se não soube na corte (Gazetas)22 Em (C), apresentam-se as construções que repetem, na cláusula relativa, a informação do antecedente evidenciando a perda do caráter anafórico do pronome relativo. Esses casos são denominados de estratégias copiadoras. Em (5), exemplificamos uma construção copiadora de sintagma nominal com função de OD. Em (6), apresentamos uma relativa copiadora PP com cópia preposicionada, criada a título de ilustração: C) Estratégia Copiadora (5) Como farei nos bichos que os não prometo pr. não mentir a Vm. mas se ouver oCazião q. o poça fazer (CARDS3122 - XVII) (6) El Rey não foi a Patriarcal, e se pu[r]gou para hua queixa leve de estomago que se não soube na corte sobre ela/dela 3.5. DESCRIÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE A adoção de pressupostos da Sociolinguística quantitativa instaurados por Labov (1994) visa ao controle da distribuição de frequência das ocorrências levantadas. Para facilitar a descrição e a análise quantitativa, submetemos os dados coletados nas distintas amostras ao programa estatístico GOLDVARB para o cálculo das frequências brutas. Nessa perspectiva, adotar-se-ão alguns 22 Consideramos a forma “que” o relativo universal de uma estrutura de relativização na qual houve “corte” de preposição (de ou sobre). No entanto, não descartamos a possibilidade de uma interpretação diferente da nossa: uma oração adverbial consecutiva. 118 grupos de fatores utilizados por Corrêa (1998) e Silva (2005) considerados relevantes para o estudo das relativas nesses dois estudos. Para a análise do corpus diacrônico do português europeu, foram utilizados cinco grupos de fatores de natureza linguística e dois de natureza extralinguística. Os fatores de natureza extralinguística são o tipo de texto (Aljamia, CARDS, Cartas do Padre, cartas do Marquês e Gazetas Manuscritas) e o século em que os textos foram escritos. Esses fatores foram testados com o intuito de observar se os remetentes apresentavam estilos diferentes a depender do maior ou menor contato com modelos de escrita erudita. O intuito era verificar se o grau de formalidade estabelecido na relação com os destinatários poderia interferir na presença ou ausência das estratégias de relativização. Seria possível identificar nas cartas pessoais ou nas gazetas as estruturas de relativização mais inovadoras (cortadoras e copiadoras)? O grupo de fatores de natureza linguística visava identificar os contextos propícios ou não ao uso de determinada estratégia, conforme passamos a mostrar23: 23 Algumas estruturas não foram encontradas na Amostra e por isso não estão apresentadas ao longo desse capítulo. 119 I - Função Sintática Nesse grupo, levam-se em conta as diferentes funções sintáticas que podem ser exercidas pelo pronome relativo na oração que encabeça ou introduz: sujeito, objeto direto, complemento relativo, adjunto adnominal, adjunto adverbial, complemento nominal e objeto indireto24. Um dos objetivos é verificar a possibilidade de alguma função favorecer a produtividade de determinada estratégia. Além disso, analisaremos outras questões específicas, como o caso das relativas de adjunto adnominal, para verificar a produtividade do uso de cujo e a sua substituição pelo que. Exemplificamos, a seguir, as funções sintáticas com todas as possibilidades de orações relativas, a elas atribuídas, que surgiram no corpus: Sujeito (7) eesteLabarinto saõ os saraus que fazem omeudivertimento (Marquês – XVIII; carta181) – Estratégia Padrão (8) y que avia Pezad [...] una Vez fuera del tiempo ja pasadas Las Luras cosas que cada una dellas bastava Para q. no sucediese bien (CARDS3042 - XVII) – Estratégia Copiadora Objeto direto (9) Estaz saõ todas asnovidades que posoter ahonra deRepetir aVossa Excelência (Marquês – XVIII; carta 374) – Estratégia Padrão (10) espero me queira sempre continuar afurtuna dosSeuz preceitoz, que os executarei sem pre com omayor Respeito. (Marquês – XVIII; carta 374) - Estratégia Copiadora25 24 Nesta pesquisa, consideramos o objeto indireto um complemento do tipo dativo, alvo da ação; em detrimento às estruturas que Rocha Lima considera complemento relativo. 25 “que os executarei” foi considerada uma oração relativa cujo alvo é “preceitoz”. Considerase, no entanto, a possibilidade de se tratar de uma oração explicativa. 120 A variação nas funções de sujeito e objeto direto (doravante OD) se dá entre as estratégias padrão e copiadora. Nas demais funções sintáticas, que apresentamos a seguir, a variação pode ocorrer entre as três estratégias estudadas. Complemento Nominal (11) Utilidade sem fazeres nenhum daqueles Exercisios aque estavas costumado (Marquês – XVIII; carta) – Estratégia Padrão (12) descendo-se aos meios da conveniência, se ponha e mprática o da compra, é matéria que não te m dúvida pela aceitação econveniência do mesmo contrato que , oferecido da nossa part e em pri meirolugar, fica de muito desigual condição (Vieira) - Estratégia Cortadora Complemento Relativo26 (13) poso separar alguns brevesinstantes para estas eoutras obrigaçoens aque naõ devo faltar. (Marquês – XVIII; carta 227) – Estratégia Padrão (14) Co m e sta resposta houve última junt a dos Estados, qu e durou u m dia inteiro, naqual se entende que ficou resoluta a paz, debaixo poré m de algu mas condições que se saberão melhor quando delas nos dere m vista (Vieira XVII) - Estratégia Cortadora 26 Adotamos a proposta de Rocha Lima para distinguir os dados de complemento relativo dos de objeto indireto dativo que são escassos em pesquisas sincrônicas, embora não sejam incomuns na presente pesquisa. 121 Objeto indireto27 (15) sendo a sanctissima Virgem nossa senhora e seu bento filho Christo jhs. testas. Deste meu dizer, aos quais peco me concerven o juizo em sua graca pa. tolerar, os trabalhos pobreza e mizeria (CARDS3154 - XVII) – Estratégia Padrão Adjunto Adnominal (16) asprontas cobranças doseu Cazal, que anda espalhado; cuja carta mepoêm na obriga çaõ de rogar a Vossa Excelência asua proteçaõ (Marquês – XVIII; carta 538) – Estratégia Padrão (17) Terceira: vendo os Povos que tu tedisvelas tan-to em beneficio (Marquês – XVIII; carta 537) - Estratégia Cortadora28 Adjunto Adverbial (18) porem abrevidade com que partem estez Navioz menaõ dá Lugar para mais ( Marquês – XVIII; carta 345) – Estratégia Padrão (19) E no dia que casou lhe penhorou o coche. (gazetas - XVIII) Estratégia Cortadora (20) e depois adonde go Larão, e achou ser aquelle, e foi depois de fazer mtas. mais deligëçias q. todas constavão ser elle o matador levou o o limoeiro em tudo se em Controu Com o q. tinha ditto foisse o juiz (CARDS3042 - XVII) – Estratégia Copiadora II - Tipos de Pronomes relativos Esse grupo de fatores controla as diferentes formas pronominais que encabeçam uma oração relativa: que, qual (e flexões: o qual, a qual, os quais, as quais), cujo (e flexões: cuja, cujas, cujos), onde, quem, etc. Esse grupo de 27 Não encontramos na Amostra exemplos da estratégia cortadora na função de objeto indireto (dativo) como “sendo a sanctissima Virgem nossa senhora e seu bento filho Christo jhs. testas. Deste meu dizer, que peco me concerven o juizo em sua graca pa. tolerar, os trabalhos pobreza e mizeria” (exemplo criado a título de ilustração). 28 Neste caso, consideramos “Cortadora” todas as estruturas relativas de função genitiva, nas quais o pronome requerido “cujo”, preposicionado ou não, é substituído por “que”. “Copiadoras” seriam, assim, estruturas similares acrescidas de um pronome cópia (Terceira: vendo os Povos que tu tedisvelas tan-to em beneficio deles). 122 fatores visa a verificar se a forma relativa que é também a preferida nos dados de épocas remotas como observado nos estudos sincrônicos (SILVA, 2005; CORRÊA, 1998). Que (21) intendenDo se liverava por Ca e ser Culpa que se lhe inputou Comigo que hera brio meu (CARDS2016 - XVIII) – Estratégia Padrão (22) todas as vezes q avia de ser sangrada lhe disiao antes fa vai en pax (CARDS3097 - XVII) - Estratégia Cortadora (23) inocentemte. condenado a morte pello crime de judaismo, coiza que tal nunca ao penssamto. me Veio, pois a doutrina que meus pais me ensinarao foi sempre a Lei de Christo jhs., (CARDS3154 - XVII) – Estratégia Copiadora Quem (24) Quarta Pelo bem comum da república, de quem nós também somos membros, (Vieira - XVII). Qual29 (25) sendo a sanctissima Virgem nossa senhora e seu bento filho Christo jhs. testas. Deste meu dizer, aos quais peco me concerven o juizo em sua graca pa. tolerar, os trabalhos pobreza e mizeria (CARDS3154 –XVII) – Estratégia Padrão (26) fazendome merce de me aceytarem esta comfissao a qual [juro] aos Evangelio, (poreste escrito feyto E assinado por mim, (CARDS0052 XVII) - Estratégia Cortadora 29 No caso desse pronome, identificaram-se diferentes formas de grafia: as coais - Muito estimamos as novas de sua saude, as coais nos deu hü mansebo que chamão o gil farinha (CARDS1021 - XVII) o coal - Convem q descanses porq cedo hasde dar o sangue das veyas o coal me offereceras e eu te aceitarei em resgate daquellas captivas (CARDS3097 - XVII) o quoal e asim lhe deitava hü sinal da sua mão o quoal foy (CARDS3093 - XVII) 123 (27) confesandome em huma Irmida) a hum frade desta mesma ordem o qual mora va nes tempo nesta mesma quinta o qual religuiozo se chama fr ma [...] tias pereira natural da vila de alcouchete (CARDS3102 - XVII) - Estratégia Cortadora Onde (28) e so ficou hü buraco por onde entrava a comida (CARDS3118 XVII) – Estratégia Padrão (29) Arribou hua náo da frota, e se embaraça nas torres que30 sayãocaravelas descarregadas para que levem madeira ã Ericeira (Gazetas - XVII) - Estratégia Cortadora (30) Terça-feira pella menhã as oito horas do dia me fui confessar a VP. e foi esta Alma e se pôs de juelhos o Altar do Bom Jesus, e ahi esteve athé me eu vir pa.caza, onde31 chigando a ella pa. me despir o vi logo passeando na minha caza de dem=tro, (CARDS3100 - XVII) Estratégia Copiadora Cujo (31) Em Lisboa me mostrou Feliciano Dourado um livro francês intitulado CoronaMystica, cujo autor tomei em lembrança, mas não acho a memória. (Vieira XVII). – Estratégia Padrão III - Tipo de preposição que ocorre na oração relativa ou que foi “cortada” Esse grupo de fatores visa identificar a preposição requerida pelo verbo da oração relativa, observando se a preposição ocorre ou é “cortada” na oração 30 Consideramos “Estratégia Cortadora” a substituição de “onde” (em + que) pelo “que”. Nesse exemplo (31), a copiadora foi estruturada com o próprio pronome onde, em vez do que: relativo preferido na construção de formas não padrão conforme apontam estudos sincrônicos. 31 124 relativa nos casos em que a relativa é encabeçada por uma preposição exigida pelo verbo. Objetivamos analisar ainda se a escolha da estratégia preposicionada (padrão/cortadora/copiadora) tem alguma relação com a preposição exigida pela regência do verbo na cláusula relativa. No material diacrônico em análise, há uma tendência a “cortar” alguma preposição específica em detrimento de outra(s)? Há algum contexto que favoreça a queda ou a manutenção da preposição? Apresentamos, a seguir, exemplos com as preposições mais encontradas na Amostra: Em32 (32) Vi carta sua em que fazia esta queixa (Vieira XVII). – Estratégia Padrão (33) No dia que ElRey foy a Rinhafolles mandou dar de jantar a mais de trezentas (Gazetas) – Estratégia Cortadora Com (34) Nem uns e outros estão totalmente esquecidos da amizade e dádivas dosholandeses, com quem comerciavam nesta costa, (Vieira XVII) – Estratégia Padrão 32 A preposição “em” apresentou como particularidade a possibilidade de ser grafada diante do relativo “o (s) qual (is)” sem combinação com os artigos o(os) e a (as): em os quais - em muitos macos de cartas q. escrevi a Vm. em os quais mandei tambem todos os q. escrevi ao sr. V. Rei (CARDS3118 - XVII) em a qual - são Inimigos do capitam Geral porque lhe não deixa Comer toda esta hilha em a qual querem ser Reis E Senhores absolutos de que Ds. nos livre e Guarde a Vm (CARDS3116 - XVII) 125 (35) âs noites lhe assistem[sic] os parentes, e parentas, a há jogo, bebidas, e cea com o luzimento que naquella casa se costuma fazer tudo. (gazetas XVIII) – Estratégia cortadora Por33 (36) e dis que tem hum livor dos judeos que por ele atormenta os cirtamos velhos (CARDS1071- XVII) – Estratégia Copiadora De (37) á mina do Dia veyo esta de q. falo asima Margarida; e ja desde as [horas] a sexta, e Noa; (CARDS3111 - XVIII) – Estratégia Padrão (38) Na devassa em que Vossa Excelência me fala tenho já tirado por testemunhas atoda a França, que por toda ela não ouvi falar mais que nos grandes delitosdaquela pessoa que Sua Majestade saberá, referidos não como êles merecem, maspor bôca de quem Sua Majestade cuida que lhe há-de falar verdade. (Vieira - XVII). – Estratégia Cortadora Sobre34 (39) Sr. thioaqui me dis [Amaro] das eiras q.ja se prenCepiarao a notefiCar asim Vm.se se quer liverar Casenpre se o notefiCarem he neCeCario hir a BraganCa (CARDS2014 - XVIII) – Estratégia Cortadora No capítulo seguinte, analisaremos os resultados obtidos a partir dos corpora diacrônicos mencionados. 33 Não foram encontrados exemplos de outras estratégias com preposição “por”. Só encontramos referência à preposição sobre com “corte” de preposição (estratégia cortadora). 34 126 CAPÍTULO 4 AS CONSTRUÇÕES DE RELATIVIZAÇÃO: ANÁLISE DOS DADOS 4.1. INTRODUÇÃO O presente capítulo visa a analisar os dados recolhidos na Amostra constituída dos corpora Aljamia Portuguesa, Cartas de Desconhecidos (doravante, CARDS), Cartas do Pe. Antônio Vieira, Marquês do Lavradio e Gazetas Manuscritas. Era nossa intenção realizar um estudo de base diacrônica, por conseguinte, compomos tal Amostra com textos dos séculos XVI, XVII e XVIII. No século XVI comparamos os dados obtidos nas cartas conhecidas como Aljamia Portuguesa com os dados das Cartas de Desconhecidos. No XVII, as CARDS foram comparadas aos dados do Pe. Antônio Vieira. Por último, para o século XVIII, foram analisados três conjuntos de documentos: as cartas de pessoas desconhecidas, as cartas do Marquês do Lavradio e as Gazetas Manuscritas. O levantamento geral dos dados pode ser observado na tabela 1 a seguir: 127 Tabela 1: Estratégias de relativização em textos do século XVI ao XVIII Século XVI Padrão % Cortadora % Copiadora % Total Século XVII Aljamia CARDS 46/50 92% 4/50 8% 0 16/18 89% 1/18 6% 1/18 6% 18 50 Copiadora % Total Padrão % Cortadora % Copiadora % Total TOTAL Padrão % Cortadora % Copiadora % Total 46/50 92% 4/50 8% 0 50 Vieira Marquês Total 62/68 91% 5/68 7% 1/68 1% 68 375/415 90% 25/415 6% 15/415 4% 415 Padrão % Cortadora % Século XVIII Gazetas 924/957 96% 28/957 3% 5/957 1% 957 147/166 89% 13/166 8% 6/166 4% 166 802/826 97% 20/826 2% 4/826 1% 826 538/599 90% 39/599 7% 22/599 4% 599 802/826 97% 20/826 2% 4/826 1% 826 924/957 96% 28/957 3% 5/957 1% 957 1299/1372 95% 53/1372 4% 20/1372 1% 1372 224/243 92% 10/243 4% 9/243 4% 243 1173/1235 95% 43/1235 3% 19/1235 2% 1235 224/243 92% 10/243 4% 9/243 4% 243 2534/2675 95% 101/2675 4% 40/2675 1% 2675 100% Foram levantadas 2675 orações relativas na Amostra, 68 do século XVI, 1372 do século XVII e 1235 do século XVIII. Do total, 2534 são estratégias do tipo padrão, 101 cortadoras e 40 estruturas de cópia. Embora a estrutura padrão seja a majoritária, é preciso destacar que nesse conjunto de 2534 orações estão inseridas as relativas de sujeito e objeto direto, as mais produtivas na língua, porém as que não se constituem em contexto para forma cortadora. A estratégia cortadora aparece em estruturas de sintagma preposicionado, ou seja, é a forma em que há queda da preposição exigida pelo verbo da cláusula relativa. No decorrer do capítulo, apresentaremos comparações que facilitarão a compreensão do papel das estruturas cortadoras na Amostra estudada. 128 É importante sublinhar que, dos cinco corpora que constituem a Amostra, somente um apresenta material para todos os séculos controlados. As cartas em Aljamia Portuguesa são documentos escritos no século XVI; o Pe. Vieira é um cidadão português do século XVII, logo, suas cartas foram escritas nesse século. Em relação ao século XVIII, temos dados de dois gêneros textuais, a Gazeta e as cartas (as cartas do Marquês e as cartas de pessoas desconhecidas (CARDS). As Cartas de Desconhecidos se destacam em nossa Amostra porque se distribuem pelos três séculos controlados. É relevante observá-las na tabela porque seu percentual de cortadoras é praticamente o mesmo nos três séculos: 6% no XVI, 6% no XVII e 8% no XVIII. A comparação da frequência das estratégias ao longo dos séculos não se mostrou tão relevante, já que não identificamos significativas alterações de frequência. No entanto, pudemos atestar a variação existente entre as três estratégias de relativização tal como se tem demonstrado nos resultados de estudos sincrônicos (ainda que os percentuais das formas não-padrão sejam menores). Os resultados puderam comprovar nossa hipótese da existência de estruturas de relativização não-padrão em período anterior ao século XIX no português europeu. Eles revelam questões interessantes a respeito das construções de relativização apontando uma diferenciação influenciada pelo tipo de texto que podem ser interpretadas à luz das Tradições Discursivas (KABATEK, 2006). Quando analisamos o contexto propício às três estratégias de relativização, estruturas de PP, percebemos que havia ocorrências de relativas não padrão no PE mesmo em textos escritos, fato de grande relevância, uma vez que os estudos sobre o assunto consideram a estratégia 129 cortadora uma inovação do PB. Nossos dados as registram em textos escritos no PE em sincronias passadas. Para análise dos dados, distribuímo-los por três seções distintas. A primeira delas, a que segue à presente, 4.2, apresenta a rodada geral (4.2.1) e os resultados referentes às funções de sujeito e objeto direto (4.2.2). Procedemos dessa forma, já que em contextos dessas funções sintáticas a variação só ocorre entre as formas padrão e copiadora. Em 4.3, serão apresentados os resultados das estruturas PP, ambiente propício para a ocorrência das três estratégias – padrão, cortadora e copiadora. Na seção 4.4, analisaremos dados considerados de difícil interpretação e exemplos cujas estruturas fogem ao padrão das três estratégias estudadas e que, portanto, tivemos dificuldade em classificar. 4.2. INICIANDO A DISCUSSÃO 4.2.1. Resultado geral A análise das estruturas de relativização nas cartas estudadas nos levou a resultados bem interessantes e inesperados. Alguns deles confirmam estudos sincrônicos sobre o assunto, outros surpreendem as expectativas do pesquisador. Os resultados nos mostram que, mesmo com índices muito baixos, as relativas cortadora e copiadora estão presentes nos textos analisados, confirmando, assim, a hipótese da antiguidade dessas estruturas na língua. Essa hipótese, que interpreta as estruturas padrão preposicionadas como artificiais na língua (CORRÊA, 1998; BISPO, 2009) é confirmada também com estudos como o de Barreto (1996) com base na Demanda do Santo Graal que identificou formas relativas não padrão nesse corpus. Os estudos 130 sincrônicos do PB (BISPO, 2009; CORRÊA, 1998) e do PE (VAREJÃO, 2006; ARIM, RAMILO E FREITAS, 2005) apontam a crescente utilização das relativas cortadoras na língua. Diferente da tese da antinaturalidade proposta por Kenedy (2007), os autores reconhecem, no caso do PB, que as formas padrão preposicionadas são fruto de conhecimento formal e só são utilizadas quando se aumenta o contato com modelos de escrita. Apresentam-se, a seguir, exemplos das três variantes nas funções em que há a possibilidade de ocorrer os três tipos de estratégia, já que, como sujeito e objeto direto, a variação das estruturas de relativização só se estabelece entre copiadora e padrão. O trecho, a seguir, representa, para a hipótese adotada no trabalho, a confirmação de que, no século XVII, na escrita de um português, já ocorriam formas que, para muitos, só surgiram dois séculos mais tarde na variedade brasileira da língua portuguesa. Trata-se de um exemplo no qual são identificadas as três variantes ao mesmo tempo, um trecho de três linhas de uma das cartas do Pe. Vieira: (1) porque lhe afirmo a Vossa Reverência que todas as vezes que me vejo metido nestes labirintos e escrúpulos(i), no mesmo lugar em que vim buscar a quietação(ii), que assim chego a duvidar dela(iii), e não sei que há-de ser de mim. (Vieira – XVII) O primeiro segmento destacado – que me vejo metido nestes labirintos e escrúpulos(i), – é uma forma relativa na qual o antecedente “todas as vezes” deveria estar representado por um relativo antecedido de preposição que marcasse, na cláusula relativa, sua função sintática de adjunto adverbial de tempo. Trata-se, portanto, da estratégia cortadora. Em princípio, a estrutura padrão correspondente seria: 131 (i) porque lhe afirmo a Vossa Reverência que todas as vezes em que/nas quais me vejo metido nestes labirintos e escrúpulos O segundo trecho destacado demonstra uma estrutura relativa padrão, forma em que o referente ”mesmo lugar” está marcado por preposição (“em”) na cláusula relativa, justificando a função sintática de adjunto adverbial de lugar. Temos, portanto, vim buscar a quietação no mesmo lugar. Note-se que o referente, antecedente do relativo, “mesmo lugar” também está antecedido de preposição (“em”), situação que, segundo Moura Neves (2000, p. 383) configura o padrão na língua, mas que, em contrapartida, pode apresentar frequente inibição da preposição anteposta ao relativo (como no exemplo Mais ou menos na época QUE cheguei de Minas apresentado pela autora) (MOURA NEVES, 2000, p. 383): (ii) no mesmo lugar em que vim buscar a quietação A terceira estrutura destacada (que assim chego a duvidar dela) é, de acordo com nossa interpretação, uma relativa copiadora, forma que retoma o elemento antecedente, o referente, dentro da cláusula relativa por meio de uma cópia do mesmo. Considerando a estrutura assim chego a duvidar da quietação (“quietação” que ele busca), entendemos que o referente “quietação” é complemento relativo do verbo duvidar, sendo, pois, um termo preposicionado. A preposição exigida pela regência desse verbo deveria estar anteposta ao relativo; no entanto, foi “cortada” dessa posição e deslocada para dentro da cláusula relativa configurando uma estrutura de cópia – assim chego a duvidar dela (duvidar da quietação). Vejamos as estruturas em contraste: 132 (iii) no mesmo lugar em que vim buscar a quietação, que assim chego a duvidar dela no mesmo lugar em que vim buscar a quietação da qual/de que assim chego a duvidar Outra comparação será estabelecida entre as estruturas padrão e cortadora, respectivamente, mostradas a seguir. Consideramos formas similares em que verificamos a variação na escrita de um mesmo autor: (2) e da coroa de Vossa Majestade Dirão porventura (como dizem) que dêstes cativeiros, [na forma em que se faziam], depende a conservação e aumento do estado do Maranhão; (Vieira – XVII) (3) Resta sòmente considerar se seria conveniente romper logo a guerra, [na forma que se praticava], ou continuar com a paz. (Vieira – XVII) (2) PADRÃO: na forma em que se faziam (3) CORTADORA: na forma que se praticava Em (2) e (3), o antecedente preposicionado “na forma” é o mesmo, mas o remetente produz duas construções distintas assim interpretadas: - na forma se faziam cativeiros OU cativeiros eram feitos na forma (i.e., dessa forma, dessa maneira) - na forma se praticava a guerra OU a guerra era praticada na forma (i.e., dessa forma, dessa maneira) No primeiro caso, a variante da relativa escolhida é a relativa padrão e, no segundo, a cortadora. Destacamos, também, duas construções com o verbo “tratar”. São similares, apresentando, de acordo com nossa interpretação, a regência 133 “alguém trata de alguma coisa” – verbo transitivo que rege um complemento com preposição de. Seguem os exemplos e, na sequência, a análise sintática: (4) e o Marquês, antes de eu vir, tinha escrito a Sua Majestade, pedindo com grande apêrto [o mesmo de que nós tratamos], e se preza muito de ser êste o seu voto. (Vieira – XVII) Nós (sujeito) – tratamos – do mesmo (complemento relativo) (5) Deus lhe dê melhor discurso para [os negócios Ø que trata], porque, se entende os seus como os alheios, não fará grandes progressos o serviço de Sua Majestade naquela cúria. (Vieira – XVII) Você (sujeito) – trata – dos negócios (complemento relativo) As construções relativas são equivalentes, no entanto, em (5), optou-se por “cortar” a preposição do verbo tratar. Os exemplos em destaque evidenciam, dessa forma, que, nos séculos estudados, já eram empregadas relativas conhecidas, atualmente, como estratégia de relativização cortadora. Não se trata de uma inovação do PB. Na próxima seção, 4.2.2, comentaremos a respeito das funções de sujeito e objeto direto e, em seguida, analisaremmos o comportamento dessas relativas nos materiais relativos a cada século. 4.2.2. As relativas de sujeito e objeto direto Iniciamos essa seção apresentando os resultados das relativas pelas funções sintáticas. Foram identificadas, nos corpora consultados, 2678 orações relativas que se distribuíram por sete funções sintáticas: sujeito (SUJ), objeto direto (OD), adjunto adverbial (AAdv), complemento nominal (CN), objeto 134 indireto (OI), adjunto adnominal (AAn) e complemento relativo (CR) 35. As funções de sujeito e objeto direto representam quase 70% dos dados, 1238 relativas de sujeito e 617 de objeto direto. Dessa forma, o resultado geral não permite uma clara leitura da participação das relativas cortadoras nos textos estudados, uma vez que, nessas funções sintáticas, não há contexto para essa estratégia. Varejão (2006) obteve resultado semelhante quando levantou 3315 orações relativas do CORPUS DIALECTAL PARA O ESTUDO DA SINTAXE (CORDIAL SIN) de pessoas analfabetas e pouco escolarizadas, de várias localidades do território português, e, dentre elas, somente 108 eram estruturas PP (74 cortadoras, 29 copiadoras e 5 padrão), ou seja, 3207 relativas eram de sujeito e objeto direto, quase 97% dos dados. As relativas de sujeito e OD são estruturas em que o elemento relativizado não é um termo preposicionado. São funções sintáticas sem marca de preposição, logo, só podem constituir duas das três estratégias: a estratégia padrão, construção, em geral, com estrutura QUE+verbo (sujeito e objeto direto) ou QUE+sujeito+verbo (objeto direto), e a estratégia copiadora, forma que repete o termo relativizado por meio de uma estrutura de cópia, como se o relativo estivesse esvaziado de sua função anafórica. A relativa copiadora é mais comum na língua falada, embora seja uma estrutura mais rara. As relativas cortadoras são construções em que se eliminam as preposições obrigatórias. São produzidas, assim, nas funções de objeto indireto, complemento relativo, complemento nominal e adjuntos. Apresentamos exemplos de estratégias relativas de sujeito e objeto direto: 35 Para a presente tese, optamos por adotar a nomenclatura de complemento relativo para os complementos verbais que não são expressões de dativo no português. Essa terminologia é proposta por Rocha Lima (1972). 135 (6) paradar inteira Reposta aestimavaelCarta, que ultimamente Recebi de Vossa Senhoria (Marquês – XVIII) – objeto direto (7) O luzimento assestindo toda a nobreza que tinha sido convidada em 44 coches, e ainda que foram só vinte tantas senhoras (Gazetas XVIII) – sujeito A seguir, apresentar-se-á uma tabela que elucida o número significativo da estratégia padrão na Amostra. Trata-se de uma tabela que distribui as estratégias em termos de funções sintáticas exercidas pelos relativos. Tabela 2: Estratégias de relativização distribuídas pelas funções sintáticas Padrão Sujeito Objeto Direto Cortadora Copiadora Total 1232/1238 6/1238 1238 99,5% 0,5% 46% 602/617 15/617 617 98% 2% 23% Adjunto 480/552 63/552 9/552 552 Adverbial 87% 11% 2% 21% Complemento 94/133 36/133 3/133 133 Relativo 71% 27% 2% 5% 48/50 1/50 1/50 50 96% 2% 2% 2% Adjunto 41/47 1/47 5/47 47 Adnominal 87% 2% 11% 1,5% Complemento 40/41 0/41 1/41 41 Nominal 98% 0% 2% 1,5% 2537/2678 101/2678 40/2678 2678 95% 4% 1% 100% Objeto Indireto Total Ao observarmos esses resultados da rodada geral, percebemos que se fazia necessário discuti-los, a fim de se entender os altos índices de construção 136 padrão na Amostra. Os resultados reúnem os dados de orações relativas das diversas funções sintáticas, entretanto, identificamos um número significativo de estruturas relativas padrão de sujeito e objeto direto, contexto em que a variação só se estabelece entre copiadora e padrão. Só nas demais funções sintáticas é que há a possibilidade de ocorrer os três tipos de estratégia. Esse resultado dialoga com pesquisas sincrônicas (SILVA, 2005; CORRÊA, 1998; BISPO, 2009) que apontam a produtividade de orações relativas de sujeito e objeto direto em corpora de fala e escrita, conforme já foi dito. O que se quer ressaltar é que, nos dados registrados como padrão, há também estruturas relativas de sujeito e objeto direto as quais não evidenciam a mesma variação que as relativas de sintagma preposicionado. Outro aspecto interessante nessa tabela, que será retomado na próxima seção, são as funções sintáticas em que a cortadora é mais produtiva: complemento relativo (27%) e adjunto adverbial (11%). Por ora, discutiremos mais detidamente a distribuição dos dados pelas funções de sujeito e objeto direto: Tabela 3: Estratégias de relativização de sujeito e OD Padrão Copiadora Total 1232/1238 6/1238 1238 Sujeito 99,5% 0,5% 67% 602/617 15/617 617 OD 98% 2% 33% 1834/1855 21/1855 1855 Total 98,8% 1,2% 100% Quanto à variável função sintática, nota-se que, nos cinco corpora, as funções de sujeito e objeto direto, juntas, totalizam mais da metade dos dados: 137 1855 no total de 2678, ou seja, 69% das estratégias relativas coletadas. Das 1855, 1834 são formas padrão, 98,8%, que se distribuem em 67% de sujeito e 33% de objeto direto. Pesquisas sobre as estratégias de relativização têm tentado responder que funções do sintagma nominal antecedente favorecem os processos de relativização. Alguns autores já abordados retomam que, quanto ao número de posições passíveis de relativização, variáveis nas línguas, são mais acessíveis os sintagmas nominais de sujeito depois os de objeto direto, e, sucessivamente, os de objeto indireto, oblíquo e genitivo (CASTILHO 2010; BYBEE, 2010, p. 215). Em nossos dados, encontramos 1238 orações de sujeito e 617 de objeto direto. Nossos resultados são bastante semelhantes aos observados por Keenan (1975 apud Bybee, 2010, p. 216) para o inglês escrito. Uma das razões, segundo os autores, para o fato de qualquer língua poder relativizar a posição de sujeito e, a maioria, a de objeto direto é semântico-cognitiva, segundo a qual é mais fácil processar a informação contida num SN de sujeito, em seguida, a informação contida num SN de objeto direto, e assim por diante. Corrêa (1998) afirma que as relativas de sujeito e objeto direto são muito produtivas e não são uma questão de variação, ou seja, não representam uma escolha do falante em relação as variantes de relativas pelas razões já mostradas. Segundo ela, por apresentarem o mesmo output – ou seja, encabeçadas pela forma que, sem marca de preposição – não precisam ser aprendidas na escola. Num estudo sobre a gramaticalização do item que (SILVA, 2005), defendemos que a frequência de uso das formas relativas de sujeito e objeto direto provocou a automação de uma estrutura encabeçada pelo relativo que e seguida pelo verbo da oração relativa. Por conseguinte, pretendemos, nesta pesquisa, testar 138 a incidência de QUE+verbo (Estrutura 1) para confirmar, na presente Amostra, o que verificamos com dados sincrônicos (SILVA, 2005). A seguir, mostramos os resultados do tipo de estrutura utilizada nos dados das relativas de sujeito e objeto: Gráfico 1: Tipos de estrutura das relativas36 Padrão 1456 1500 1000 378 500 0 Padrão Estrutura 1 - 79% Estrutura 2 - 21% Padrão Estrutura 1 - 79% Estrutura 2 - 21% 1456 378 Das 1834 formas padrão de sujeito e objeto direto, 79% foram produzidas com a Estrutura1 – QUE+verbo – e 21% com a estrutura que apresenta material interveniente entre o relativo e o verbo – QUE+XP+verbo (Estrutura 2). Por XP, entendemos advérbios, comentários, orações e, no caso das orações de objeto direto, o sujeito da oração relativa. Observe exemplos das estruturas a seguir: 36 Entenda-se por Estrutura 1 ”QUE + verbo” e por Estrutura 2 “QUE + XP+ verbo”. 139 Estrutura 1 (QUE+verbo): (8) E prendeu dois marinheiros, [que estam] no Limoreiro com ferros, o capitão que estava em terra veyo a pendência (Gazetas – XVIII) – sujeito (9) E ao Senhor de Bomfim de Setuval levarão 11.000 cruzados escolhendo-os entre o cobre, [que deixarão] no cofre. (Gazetas – XVIII) – objeto direto Estrutura 2 (QUE+XP+verbo) : (10) O Conde se S. Miguel [que por alguãs queixas não entra] de somana ao Sr. Infante D. Antonio (Gazetas – XVIII) – sujeito (11) Oi dilate por hum mes as noticias [que com muito gosto partecipa] aos amigos (Gazetas – XVIII) – objeto direto Essa variável é extremamente importante para nossa hipótese da automação da estrutura porque mostra a supremacia das formas de Estrutura 1, modelo que é idêntico ao das relativas que “cortam” a preposição, as cortadoras. A estratégia cortadora tem o mesmo output fonético das relativas mais frequentes (SUJ e OBJ) e sua supremacia de uso ocorreria pela generalização da Estrutura 1. Indiretamente, já podemos confirmar a hipótese que interpreta a Ppp (relativa padrão preposicionada) como uma forma artificial: relativa na qual o escritor/falante precisa antecipar mentalmente a oração relativa para identificar a regência do verbo e, assim, antepor a preposição ao pronome, caso seja exigida (relativa padrão preposicionada). Pela artificialidade das relativas preposicionadas padrão e pela dificuldade de processamento dessas estruturas, o falante/escrevente optaria pela estratégia 140 cortadora, interpretada como uma extensão da Estrutura 1. Os exemplos que seguem podem representar a extensão das relativas de sujeito e objeto direto às formas cortadoras a partir da comparação realizada: Relativas cortadoras: (12) que levo nos Aotos e no dia de feira senpre me avize se por hi antes nao vier hun estudante de freixedelo do dia [que partio] o homen (CARDS2021 - XVIII) (13) estas no pôrto de Texel para partirem com o primeiro vento, desde odia [que se celebrar] o concêrto a três meses, e com condição que as seguraráaté (Vieira – XVII) (14) porem eu não tenho Visto Recado desde quarta feira a noite [que veo] aqui o senhor Gufes., e me dise que em poder de Vm. ficavão quasi çem cruzados (CARDS1054 - XVII) Relativas padrão: (15) por estar expedindo hum Navio para Lisboa [que partirá] por toda aSemana que vem. (Marquês – XVIII) (16) quem vos dise que eu que me perderano galião sam tome pois me perdi o vintee tres de marso e a Carta [que troixe] meu iroumão que Des. ten foi feita em abril demtornum mês (CARDS1005 - XVIII) Esquema 3: Comparação de estruturas (antecedente) + item que + verbo da cláusula relativa (12) dia que partiu (o homem) (13) dia que se celebrar (o concerto) (14) quarta-feira que veio (aqui o senhor) (15) Navio que partirá (por toda ...) (16) carta que trouxe (meu irmão) 141 Como podemos observar, as relativas cortadoras têm o mesmo output das formas padrão de sujeito e objeto direto, propiciando, dessa maneira, a repetição da estrutura por meio da queda de preposição. Bybee (2010, p. 214) aponta que a alta frequência de uso leva ao convencionalismo e elaboração posterior, ao passo que a baixa frequência leva à inaceitabilidade e eventual perda. Assim, acreditamos que a estrutura QUE + verbo é conservada das relativas de sujeito e objeto direto e elaborada posteriormente (cortadora) por meio da queda da preposição. Se, segundo ela, julgamentos de “aceitabilidade” são baseados no conhecimento e familiaridade, a relativa cortadora, mesmo em textos escritos por portugueses em épocas passadas, tende a ser usada ou julgada como uma possibilidade de uso porque a estrutura já é comum e frequente aos escreventes. A familiaridade, de acordo com Bybee (2010, p.214), baseia-se em dois fatores. Um é a frequência de uma palavra, construção ou frase específica, no caso, as relativas de sujeito e objeto direto, e, o outro, é a frequência de um elemento semelhante a esse, a relativa cortadora. Dessa forma, itens serão julgados como aceitáveis à medida que eles sejam frequentes na experiência do indivíduo ou similares aos itens frequentes. A Estrutura 2 – QUE + XP + verbo – apresenta, como elemento interveniente, em geral, o sujeito da oração, nos casos de relativas de objeto direto e, na maioria das vezes, uma pequena estrutura adverbial, como em: (17) O Cardeal Bentivoglio tomou posse dos bens que o Duque de Parma tinha em Roma (Gazeta – XVI) – objeto direto (18) trarao negoCiado e Vm. tera coudado valendose dese [Cle]rigo que ahi emsina (CARDS2012 – XVIII ) – sujeito 142 Em (17) e (18), há formas relativas com Estrutura 2. Na primeira oração relativa, o pronome relativo é objeto direto e apresenta o termo o Duque de Parma como sujeito da oração. Na segunda, antes do verbo ensinar, há o elemento adverbial ahi (“aí”); trata-se de uma relativa de sujeito. A Estrutura 1 é um modelo a ser seguido por locutores que desejem, consciente ou inconscientemente, fugir de uma estrutura preposicionada de difícil execução, pelo menos nas línguas neolatinas segundo Kenedy (2007). Em 4.4, mostraremos estruturas que nos pareceram fugas de contextos para relativas complexas, ou seja, formas que evitam a relativização na função de adjunto adnominal de relativo cujo, uma construção tão antinatural que vem, gradativamente, perdendo seu espaço na língua falada e escrita, segundo pesquisas sincrônicas sobre o assunto (CORRÊA, 1998; SILVA, 2005). Outro aspecto a observar é a questão das copiadoras nas relativas de sujeito e objeto direto. Enquanto, nas relativas padrão, as formas de sujeito são mais numerosas que as de objeto direto: são 67% de sujeito contra os 33% de OD, nas copiadoras a relação é oposta: dos 21 dados de copiadora dessas funções sintáticas a maioria é de OD, 71%, enquanto as de sujeito equivalem a 29%. É mais comum copiar os referentes com função de objeto direto na relativa. Vejamos, nos gráficos que seguem, a preferência pelas cópias de objeto direto (15 dados de objeto direto para 6 de sujeito): 143 Gráfico 2: Relativas padrão e copiadora de sujeito e objeto direto Objeto Direto 33% Copiadora Padrão 0% 0% Sujeito 67% Sujeito 29% Objeto Direto 71% As cópias de sujeito são construções como em (19). Nela o termo antecedente com função de sujeito é repetido na cláusula relativa. Nesse caso, o pronome lembrete elle retoma nosso Augustissimo Amo: (19) chegarem aoponto de quererem passar aoz Dominioz de nosso Augustissimo Amo, que elle athe hesse ponto, sevá fazen-do desentendido comCartas (Marquês - XVIII) Na sequência, apresentaremos algumas especificidades que observamos na análise contrastiva dos documentos por séculos. Mostraremos que as relativas de sujeito e objeto direto são as mais produtivas em todos os períodos observados e analisaremos o comportamento das relativas copiadoras assim como a preferência pelo relativo que. 4.2.2.1- Uma visita ao século XVI Tabela 4: Estruturas de relativização no século XVI Século XVI Padrão % Cortadora % Copiadora % Total Aljamia 46/50 92% 4/50 8% 0 50 CARDS 16/18 89% 1/18 6% 1/18 6% 18 Total 62/68 91% 5/68 7% 1/68 1% 68 144 A análise realizada com os textos em aljamia levou-nos a um total de 50 dados. Embora seja um número reduzido de ocorrências, pudemos observar aspectos relevantes para a análise. Verificamos que o comportamento das construções de relativização nesses textos é similar ao de outros estudados na presente tese. Como explicado na metodologia, a aljamia portuguesa é a denominação para cartas em caracteres árabes escritas originalmente em língua portuguesa cuja edição (utilizada na presente pesquisa) foi feita por Teixeira (2006). Verificamos que, tal como ocorre na Carta de Caminha e na Demanda do Santo Graal estudados por Barreto (1996), o relativo que foi o mais usado: dos 50 dados coletados, 47 são com a forma que; os 3 dados restantes distribuem-se, respectivamente, em 1 dado de o qual e 2 dados de quem, que mostramos a seguir: (20) fizeram dele enxovio e cativaram-no, o qual fiz soltar com infinda fadiga (Aljamia - XVI) (21) meus filhos, a quem entregue vossa bandeira e atabaque e privilégios (Aljamia - XVI) (22) Escrita o primeiro dia do mês da terra do xerife, a quem eu tomei sete aduaresdos seus alarves (Aljamia - XVI) Quanto à distribuição das estratégias no corpus, constatamos que 40 dados são de sujeito e objeto direto e os outros 10 dados são estruturas de sintagma preposicionado, ratificando os resultados dos estudos sincrônicos. Nas cartas aljamiadas, como em outras Amostras, há significativa produtividade das formas de sujeito e objeto direto em detrimento às de sintagma preposicionado (KENEDY, 2007; BISPO 2009; SILVA, 2005). Na aljamia, 80% 145 dos dados são de sujeito e objeto direto, com uma vantagem para o sujeito (23 dados). Mesmo com um reduzido número de dados, verificamos que as cartas árabes traduzidas para o português no século XVI (CARDS), a fim de servirem de provas para processos da Inquisição, mantiveram os mesmos padrões das demais estudadas. Esse comportamento era esperado assim como no caso dos textos aljamiados, visto que ambos partem de cartas em língua portuguesa do século XVI: a aljamia portuguesa é a versão para caracteres árabes de cartas em língua portuguesa; as CARDS estudadas são a tradução de cartas originalmente árabes para a língua portuguesa. Ou seja, portugueses são os responsáveis pela escrita desse material. Nas CARDS, as ocorrências de sujeito e objeto também são a maioria, representam um total de 67% dos dados e podem ser notados a seguir: (23) em peças e en dineyro. me tem pela traycão que me fizerão ela e seu Irmão (CARDS3128 - XVI) – objeto direto (24) Brites da cosda veo qua trazer seu filho q. se foi sem causa (CARDS3128 - XVI) – sujeito (25) e para isto deve Vossa Alteza de mandar a Safim um homem que olhasse por vosso proveito e pelo do povo (Aljamia - XVI) - sujeito Dentre as 14 formas de sujeito e objeto encontradas nas CARDS do século XVI, destaca-se a construção (26) escreveo hüa carta a hüa filha spritual sua a qual filha spritual të duas Irmãs (CARDS 3128 - XVI). Essa construção é interessante por dois motivos: (1) por se tratar de uma relativa copiadora, na qual a cópia do termo antecedente é um sintagma nominal, filha espritual (espiritual); (2) a relativa é, diferente do que mostram os estudos 146 sincrônicos (SILVA, 2005; BISPO, 2009), uma vez que é encabeçada pelo relativo o qual. O relativo que costuma ser o preferido nas construções não padrão. É, segundo Bechara (1999/2006), o relativo universal, forma que acompanha as estruturas que, para o autor, pertencem ao falar despreocupado e distraído, as formas cortadora e copiadora. 4.2.2.2 - Passeando pelo século XVII Tabela 5: Estruturas de relativização no século XVII Século XVII Padrão % Cortadora % Copiadora % Total CARDS 375/415 90% 25/415 6% 15/415 4% 415 Vieira 924/957 96% 28/957 3% 5/957 1% 957 Total 1299/1372 95% 53/1372 4% 20/1372 1% 1372 As relativas de sujeito e de objeto direto também foram a maioria nos dados do século XVII, já que dos 1372 dados dessa época, 904 são dessas funções sintáticas. Nos dois corpora desse período, essas são as construções mais frequentes: nos CARDS, sujeito e objeto representam 79% dos dados; nas cartas do Pe. Vieira, 60% dos dados. Cabe discutirmos aqui a questão das formas copiadoras. Verificamos a ocorrência de 12 dados da estratégia copiadora. A cópia, como já discutido, é uma informação repetida da oração principal (representada pelo pronome relativo) na oração relativa. Tal repetição pode dever-se ao fato de o indivíduo não mais reconhecer o caráter anafórico da forma que (ou qual, já que foram identificadas 3 estruturas com esse relativo), precisando retomar a informação para maior compreensão de seu interlocutor. No exemplo a seguir, 147 encontramos uma forma na qual a relativa é encabeçada pelo pronome “o qual”, em comparação ao (26) da seção anterior. (27) confesandome em huma Irmida a hum frade desta mesma ordem o qual morava nes tempo nesta mesma quinta o qual religuiozo se chama fr ma [...] tias pereira natural da vila de alcouchete (CARDS3102-XVII) Nesse caso, o qual também é o relativo escolhido para encabeçar uma relativa copiadora cuja cópia é um SN, uma estrutura bem maior que um simples pronome lembrete. No caso do exemplo (26), o termo filha spritual é repetido sem sofrer modificação. Em (27) o remetente da carta utilizou uma estrutura similar como num caso de coesão referencial por hiperônimo, já que “religioso” pode ser o termo genérico de “frade”. Note-se que a relativa analisada é a segunda oração adjetiva do antecedente “frade”. A primeira – o qual morava nes tempo nesta mesma quinta – provoca o distanciamento responsável, segundo nossa visão, pela “necessidade” da cópia. Vejamos outro exemplo da relativa copiadora: (28) me mande Vm. hü Rozairio de conContas q. o não mando pedir por ter falta delle mas quero ver Couza da mão de Vm (CARDS1001XVII) – objeto direto No exemplo (28), hü Rozairio de conContas é o termo relativizado da oração q. o não mando pedir. Ele representa o objeto direto da locução verbal “mando pedir”, permitindo-nos a seguinte interpretação da estrutura: eu não mando pedir um rosário. A forma o é um pronome que repete a informação que já está representada pelo relativo que na construção de relativização. Na comparação entre as CARDS do século XVII e as cartas do Pe. Vieira, quanto à produtividade das relativas copiadoras, observamos a atuação da 148 erudição do escrevente: só foi identificada, nos dados de sujeito e objeto direto, duas construções de cópia de Vieira para 10 casos de cópia das cartas de desconhecidos. Vejamos uma delas: (29) Estas são as razões que os padres e os Principais referem nas suas cartas, comque os padres totalmente desconfiam de os índios haverem de descer semviolência, a qual violência não é menos duvidosa, antes quási impossível e muiarriscada, e de que se pode seguir uma grande ruína, principalmente em tempoque temos guerras apregoadas com os holandeses;(V-002,0.1537). É preciso destacar, ainda, que encontramos 957 estruturas relativas nas cartas de Vieira para 415 nas CARDS XVII. As duas relativas copiadoras de Vieira não têm representatividade no corpus (0,2%). As cópias dos CARDS têm uma pequena representação de 2,5%. Embora a diferença seja pequena, entendemos que ela está relacionada ao fato de o Padre Vieira ser um português envolvido com os padrões da escrita, uma vez que, de um modo geral, os dados de suas cartas demonstram um padrão de relativas diferente dos demais escritores (índice alto de uso de cujo, de relativas de objeto indireto, etc.). É um remetente erudito, acostumado a escrever para leitores letrados e, no caso dessas cartas, para o próprio rei de Portugal. Esse resultado corrobora a tese de que o contato do escrevente/falante com o padrão da escrita/fala diminui a incidência de formas relativas não padrão, principalmente a copiadora, no discurso. Por seu turno, aumentam os índices de relativas padrão preposicionadas, por se tratar de estruturas que precisam ser aprendidas na escola ou, no caso dos séculos em questão, precisam ser copiadas dos mestres. Esses resultados confirmam o que foi observado por Kenedy (2007), Tarallo (1983) e Corrêa (1998). O uso de 149 Ppp seria comum somente entre indivíduos escolarizados. O letramento é o fator diferenciador em relação ao uso das Ppp. Observemos algumas formas copiadoras dos CARDS: (30) Foi tão Cruel o pe. frei fco.q. me entregou a hü Negro seu Crioulo hü Cachoro sem piedade e ao meirinho dos clerigos e ao aljubeiro q. a ambos prendi antes (CARDS3118-XVII) (31) Tudo he verdade e bem notorio Ao faria tambem o farei como tiver cartas suas q. jâ as dezejo postoq. como he tão amigo d. vm. não será (CARDS3121-XVII) Nos exemplos acima, os termos relativizados são “meirinho dos clérigos” e “aljubeiro”, no caso da forma (30) e “cartas suas”, da forma (31). A estrutura sintática de (30) é eu prendi antes a ambos, o que leva a considerarmos “ambos” uma retomada dos antecedentes “meirinho dos clérigos” e “aljubeiro”, as pessoas presas que representam o objeto direto do verbo “prender”. Para (31), identificamos a estrutura já as desejo em que o antecedente “cartas suas” está sendo repetido pelo pronome as, (já desejo cartas suas), configurando, também, um caso de cópia de objeto direto. 4.2.2.3- Uma viagem ao século XVIII Tabela 6: Estruturas de relativização do século XVIII Século XVIII Padrão % Cortadora % Copiador a % Total CARDS 147/166 89% 13/166 8% 6/166 4% Gazetas 802/826 97% 20/826 2% 4/826 1% Marquês 224/243 92% 10/243 4% 9/243 4% Total 1173/1235 95% 43/1235 3% 19/1235 2% 166 826 243 1235 150 As relativas de sujeito e objeto direto são a maioria também nos dados do século XVIII: 65% nas cartas de desconhecidos e nas do Marquês e 76% nas gazetas. No cruzamento entre esses três corpora, percebemos dados de cópias de sujeito e objeto direto nas cartas do Marquês e nas Gazetas. Foram mais representativos os dados do Marquês, já que só há duas cópias nas Gazetas. Vejamos os exemplos abaixo: (32) E voltando a buscar sua molher que tinha 16 annos a matou na escada (Gazetas - XVIII) (33) Aqui aparece ja a 3.ª impressão do poema de Alffonço de Francisco Botelho de Vasconcelos, que a foi fazer a Salamanca, e he só a que adopta por sua. (Gazetas - XVIII) Em (32), vemos um caso de relativa copiadora motivada pela distância. Entende-se que a cópia a repete “sua molher”, porque a distância gera no locutor a dúvida de que seu leitor perceberá que o sujeito do verbo “matar” é sua mulher. A informação adverbial de tempo “tinha 16 annos” é interpretada como um elemento que atrapalha a função anafórica pronominal. No caso do exemplo (33), interpretamos o oblíquo a como pronome lembrete de 3.ª impressão do poema de Alffonço de Francisco Botelho de Vasconcelos; foi fazer a Salamanca a 3.ª impressão do poema. Nas cartas do Marquês, encontramos sete dados de relativas copiadoras nas funções de sujeito e objeto direto. Registramos quatro exemplos a seguir: (34) amultidaõ de ne-gosios que para naõ me-confundirem acabeça hé necesario Separalos com muita arte [que é necessário separar] (Marquês - XVIII; carta 536) 151 (35) Aseita tu omeu Coraçaõ, aminha amizade, eaminha obediencia que sempre aténs pronta para emtudo tedar gos-to. [que sempre tens pronta] (Marquês - XVIII; carta 537) (36) Eu me-acho na Chacra deste mesmo homem que áaluguei [que aluguei] (Marquês - XVIII;carta 552) (37) deseencontrar quem queira empregar oSeudinheiro emSemelhantes bens, porem veremos, sefazemos miLagre, que onaõ considero piqueno: [que não considero pequeno] (Marquês - XVIII; carta 267) (38) espero mequeira sempre continuar afurtuna dosSeuz preceitoz, que os executarei sem pre com omayor Respeito. [que executarei sempre] (Marquês - XVIII; carta 374) Os exemplos acima foram considerados como casos de cópia. Os exemplos (34) e (36) foram os que nos chamaram mais atenção, porque pareceu-nos que a motivação é a distância. Em (34), a oração relativa é interrompida depois do que por uma estrutura de finalidade – para não me confundirem a cabeça – levando o escritor a repetir o antecedente (considerado “negócios”) na cláusula relativa (“-los” equivale a negócios). Já em (36), a distância se estabelece na oração principal, uma vez que o “antecedente” do relativo é Chacra (chácara) e entre eles registra-se a expressão deste mesmo homem. Entendemos que o marquês considerou a necessidade de repetir Chacra na oração relativa com a forma “a”, a cópia ou o chamado pronome lembrete. Mollica (2003) e Corrêa (1998) assinalam que a maior distância favorece a incidência do pronome cópia. Mollica (2003) defende a ideia de que tal ocorrência está vinculada a princípios de processamento linguístico relacionados à clareza comunicativa. Houve, por conseguinte, a necessidade de se deixar claro que os comentários feitos tinham como referência negócios, no caso da estrutura (34), e Chacra, no caso da (36). 152 Nos casos (35), (37) e (38), a repetição é evidenciada também por pronomes lembrete: “a” retoma minha obediência, “o” retoma milagre e “os”, seus preceitos, respectivamente. Cabe comentar que, das três variantes tratadas no presente trabalho, a copiadora é a que apresenta menor produtividade em todos os estudos abordados (MOLLICA, 1977, 2003; CORREA, 1998; SILVA, 2005). Mollica (2003) concluiu que, quanto maior a escolaridade, menor o índice de anáforas (como a autora se refere à cópia). E, ainda, que a escolaridade inibe o uso de cópias de sintagma preposicionado – do tipo Aquele trabalho que estou satisfeito com ele – mas que não a elimina nos casos de Sujeito e OD, principalmente quando o fator distância estiver atuando. Essa discussão pode ser relacionada ao princípio sociolinguístico do uniformitarismo (LABOV, 1994), que relaciona o presente ao passado. Poderíamos considerar que o mesmo fator linguístico que atua no presente (a distância) também atuava no passado? A última estrutura de cópia do Marquês que desejamos ressaltar é: (39) tenho agostoza Satisfaçaõ desaber davossa boaSaude quenaõ só volladezejo sempre...(Marquês – XVIII). Nela observamos uma repetição – volla – diferente das formas atualmente consideradas cópia, porque se trata de uma combinação que já caiu em desuso. Volla é a junção de vós, pessoa a quem se deseja a boa saúde, portanto o OI, mais a, aquilo que se deseja, o OD (volla=vós+a). Assim, entendemos que, uma vez que a informação repetida é “boa saúde”, a cópia é a, aquilo que se deseja, o OD. Teríamos tenho a gostosa satisfação de saber da vossa boa saúde que, não só vos desejo sempre... 153 A análise das relativas de sujeito e objeto nos séculos observados nos permitiu concluir que essas formas apresentam um comportamento semelhante ao já apontado em estudos recentes: alta produtividade e uso de copiadoras quando os textos escritos são produzidos por escreventes que possuem pouco contato com modelos de escrita. Os altos índices de relativas de sujeito e objeto, em um corpus de textos escritos, ratificam os estudos sobre relativização quando afirmam que essas relativas são as que se apresentam mais acessíveis ao falante/escrevente, pois são menos complexas e de mais fácil processamento. A partir de Bybee (2003, 2010), que aponta que os itens mais frequentes tendem a ser repetidos em outros contextos, atestamos que essas construções mais frequentes – relativas de sujeito e objeto direto, tiveram sua estrutura generalizada a contexto preposicionado sendo um fator responsável pelas ocorrências das relativas cortadoras, discutidas a seguir. Na seção seguinte, passaremos a mostrar os resultados obtidos das estruturas de sintagma preposicionado. 4.3. AS RELATIVAS DE SINTAGMA PREPOSICIONADO Nesta seção, discutiremos a respeito das relativas PP, estruturas cujo termo relativizado é um sintagma preposicionado. Como já mencionado na introdução, dependendo do texto, podemos perceber um maior uso desse tipo de construção no resultado geral. Para facilitar a análise comparativa dos tipos de relativas variáveis, na tabela, a seguir, não constam os dados de orações relativas de sujeito e objeto direto. 154 Assim, podemos perceber a distribuição diferenciada dos três tipos em cada texto/autor estudado: Tabela 7: Distribuição das estratégias de PP em relação ao texto Relativa Texto Aljamia CARDS Gazetas Vieira Marquês Total Padrão Cortadora Copiadora Total 6/10 60% 103/154 67% 172/194 89% 348/379 92% 74/86 86 % 703 85% 4/10 40% 39/154 25% 20/194 10% 28/379 7% 10/86 12% 101 12% 0/10 0% 12/154 8% 2/194 1% 3/ 379 1% 2/86 2% 19 3% 10/823 1% 154/823 19% 194/823 24% 379/823 46% 86/823 10% 823 100% Ao realizarmos a distribuição das relativas de PP pelos textos estudados, verificaram-se resultados que elucidam o uso das construções cortadora e copiadora. Na totalidade dos dados, obtivemos 85% de padrão, 12% de cortadora e 3% de cortadora. Embora a forma padrão seja a mais produtiva das três, em todos os textos, é notório que ela cede espaço para as outras duas concorrentes, principalmente nas Cartas de Desconhecidos (CARDS) e passa a dividir com elas o status de estratégias de relativização: 67% de padrão, 25% de cortadora e 8% de copiadora. Interessante observar que tais resultados são bastante semelhantes ao que foi obtido por Arin, Ramilo e Freitas (2005) e de Alexandre (2000).37 37 No primeiro caso, os autores analisaram dados espontâneos do PE e obtiveram 71% de Ppp, 28% de cortadoras e 1% de copiadoras. No segundo caso, a análise se baseou no Corpus de 155 Enquanto as copiadoras, em nossa amostra geral, apresentam índices de frequência próximos de zero, as cortadoras têm índices mais altos com frequências em torno de 10%. As CARDS representam 19% dos dados das relativas preposicionadas e, em 25% das relativas desse corpus houve o “corte” da preposição. Essa tendência é mais tímida nos dados do Padre Vieira, por exemplo, em que notamos apenas 7% de dados dessa variante; em contrapartida, as cortadoras dos textos aljamiados representam 40% dos dados. Não se trata, desse modo, de uma construção esporádica em dados do PE, principalmente, se levarmos em conta que estamos lidando com textos escritos. As relativas cortadoras constituem uma realidade linguística no português europeu, mesmo escrito, desde o início do século XVI e não uma inovação brasileira do século XIX. Quanto à variável função sintática, foram identificadas formas de adjunto adverbial, complemento relativo, objeto indireto, complemento nominal e adjunto adnominal. Mostramos, nos exemplos seguintes, duas dessas funções sintáticas: (40) e dizer Vm. que ten dado muito e não visto nada Comfesolhe que tem gostado mas das [tres cousas Ø q. Vm. me emcarrego] agora nos ultimos Dias (CARDS1049 – XVII) – complemento relativo (Cortadora) (41) De prisioneiros, que tomassem os nossos, não sabemos até agora mais que de outros [dois coronéis, de que hoje avisou Jerónimo Nunes], e acrescenta que escrevem os do Recife que os portugueses estão fortes como um muro ( que é frase sua ).(Vieira XVII). – complemento relativo (Padrão) Referência do Português Contemporâneo – Oral (CRPC). Alexandre (2000) obteve 392 Ppp (61% dos dados); 222 cortadoras (34%) e 34 copiadoras (5% dos dados). 156 (42) porem eu não tenho Visto Recado desde [quarta feira a noite que veo aqui o senhor Gufes.], e me dise que em poder de Vm. ficavão quasi çem cruzados (CARDS1054 - XVII) – adjunto adverbial (Cortadora) (43) Se fôra isto um sucesso não prevenido nem imaginado, tivera alguma desculpa adesgraça, e alguma consolação a paciência, mas [no dia em que chegou a nova deSegismundo] estar em Taparica(Vieira – XVII) – adjunto adverbial (Padrão) Os exemplos (40) e (41) são relativas de sintagma preposicionado na função de complemento relativo. Com já mencionado, adotamos a nomenclatura de Rocha Lima (1972) que assim classifica os objetos indiretos que não se constituem em alvo da ação verbal 38. Em (40), temos a estrutura sintática Vm. me emcarrego dastres cousas na qual se observa a queda da preposição necessária ao verbo “encarregar”. Em (41), de que hoje avisou Jerónimo Nunes de outros dois coronéis é a cláusula relativa na qual identificamos a preposição exigida pelo verbo “avisar”. Nos casos de (42) e (43), vemos estruturas de adjunto adverbial. Em (42), o termo relativizado é uma informação de tempo, em que há necessidade da preposição em antecedendo o relativo: veo aqui o senhor Gufes na quarta feira a noite; entretanto, não houve registro da mesma. Em (43), a informação temporal está devidamente marcada por preposição antepondo o relativo (em que chegou a nova deSegismundo estar em Taparica [no dia]). Esses exemplos ilustram alguns casos relativas preposicionadas encontradas na Amostra estudada. Em (40) e (41) temos estratégias cortadoras e (42) e (43) são construções padrão de mesmas funções sintáticas, respectivamente. O intuito é mostrar a modesta, mas significativa, participação das estruturas não padrão nos séculos em questão. Consideramos “modesta” 38 Ou seja, não são complemento dativo, do tipo “Conversei com o rapaz a quem pedi ajuda”. 157 porque, conforme mostraremos a seguir, apresentam índices baixos em relação à comprovada preferência atual por tais estruturas, principalmente no PB (TARALLO, 1985; MOLLICA, 2003; CORRÊA, 1998; SILVA, 2005; BISPO, 2009). Consideramos “significativa” porque comprova a hipótese de que são estruturas mais antigas na língua do que consideram alguns estudiosos. A tabela a seguir mostra os resultados de função sintática cujo termo relativizado é um sintagma preposicionado: Tabela 8: Distribuição das funções de PP por estratégias Padrão Cortadora Copiadora Total Adj. Adverbial 480/552 87% 63 / 552 11% 9 /552 2% 552/823 67% Complemento Relativo 94 /133 71% 36 /133 27% 3 /133 2% 133/ 823 16% Obj. Indireto 48 /50 96% 1 /50 2% 1 /50 2% 50/823 6% Adj. Adnominal 41/47 87% 1 /47 2% 5 /47 11% 47/823 5,9% Complemento Nominal 40/41 98% 0 /41 0% 1 /41 2% 41/823 5,1% Total 703/823 85% 101 /823 12% 19 /823 2% 823 100% A partir da análise da tabela, temos uma visão mais clara a respeito dos resultados obtidos. Embora a forma padrão seja a mais produtiva das relativas de sintagma preposicionado, é possível constatar que a participação das relativas do tipo cortadora e copiadora nos corpora não é insignificante: 120 dados representando 14%. Esse resultado confirma nossas expectativas, uma vez que supúnhamos encontrar ocorrências das estratégias não padrão nesses corpora, ainda que com frequência bem mais reduzida do que se atesta em estudos sincrônicos de fala e escrita já mencionados. Era de se esperar que em sincronias passadas, principalmente na escrita de indivíduos ilustres e letrados, essas estratégias não fossem as preferidas. Acreditamos que sua produtividade na fala e na 158 escrita dos falantes tenha sido gradativa, principalmente no PB, até chegar a resultados como os que identificamos (SILVA, 2005). Naquele estudo, registramos 220 ocorrências da estratégia cortadora (71%) numa amostra de 310 dados nas funções de complemento relativo, complemento nominal e adjunto adverbial. Embora com frequências baixas, confirmamos as hipóteses a respeito de ocorrências de relativas não-padrão no português europeu escrito no período analisado. Há, ainda, alguns aspectos a observar a partir da tabela. As relativas de adjunto adverbial são as estruturas de sintagma preposicionado mais produtivas, com 67%, enquanto a função sintática que mais favorece a relativa cortadora é o complemento relativo: 27% de cortadora de complemento relativo, 11% de adjunto adverbial e as demais não ultrapassam 2%. A partir de agora, discutiremos cada estrutura relativa. 4.3.1. Em cena, a relativa padrão Conforme mostrado na tabela 4, as relativas padrão representam um total de 85% das estratégias de relativização estudadas. Desejamos, nessa seção, mostrar algumas questões relevantes na interpretação desse resultado. Primeiramente, apesar de nossos resultados mostrarem que, nos textos observados dos séculos estudados, a padrão preposicionada ainda era a preferida, em detrimento a resultados sincrônicos, o item que demonstrou um comportamento semelhante aos estudos do português atual: ele representa 75% dos relativos utilizados, 616 dados de 823. Os outros 25% de formas relativas distribuem-se por quem, o qual (e variações), onde e cujo. Dentre as 159 formas de o qual e onde, identificamos sete estruturas não padrão que mostraremos na seção seguinte. Dos 207 dados dos demais relativos, 41 são de cujo, pronome que encabeça relativas de adjunto adnominal. O interessante é que 33 delas foram localizadas nas cartas do Pe. Vieira, duas nas Gazetas e seis estão distribuídas pelos três séculos das CARDS. Observem as formas de Vieira a seguir: (44) Em Lisboa me mostrou Feliciano Dourado um livro francês intitulado CoronaMystica, [cujo autor tomei em lembrança], mas não acho a memória.(Vieira – XVII) (45) com gente tão poderosa nas nossas conquistas, cujaconservação depende a do reino]. (Vieira – XVII) (46) assim aos negócios do reino como à disposição dosde Vossa Excelência, [cujos acêrtos, aumentos e conveniências me tocam muito Amim], como ao maior e mais afeiçoado e obrigado criado de Vossa Excelência. (Vieira – XVII) [de O uso de cujo, assim com o emprego de outros relativos que não o que, representam a proximidade de Vieira com os padrões de escrita da época. Essa forma, segundo os estudos sincrônicos já mencionados, não é produtiva na fala e está cada vez mais escassa também nos textos escritos mais recentes. As duas formas de adjunto adnominal nas Gazetas, (47) e (48), ainda se contrapõem às estruturas (49) e (50) nas quais se observam desvio do padrão: (49) é uma relativa cortadora que dispensa a estrutura subjacente ao pronome cujo, em que, e apresenta o relativo o qual, como se se tratasse da função de sujeito. Essa estrutura nos chamou atenção porque formas cortadoras têm sido produzidas com o relativo que, uma forma universal em que não há marca flexional e, portanto, mais “opaca” semanticamente. Azeredo 160 (2010) aponta que esse item tende a perder sua condição de forma anafórica ou forma substituta de um antecedente, para tornar-se puramente um conectivo. No caso de o qual e flexões, entendemos haver menos possibilidade de perdas de propriedades pronominais como o caráter anafórico. Em (50) consideramos uma estrutura na qual se evita o contexto cujo, produzindo-se, dessa forma, uma construção de posse. (47) A Senhora Condessa dos Arcos, o Visconde de Aseca [em cujas casas está ja o conde da Ribeira] (gazetas - XVIII) (48) E muitas senhoras entrarão a ver a sepultura de Frej Jozeph de Sta. Anna a, [cuja enterçecão se atribue diverços milagres]. (gazetas - XVIII) (49) Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio o qual tribunal tem feito muitas prizões fora de Lisboa. [cujo tribunal tem feito muitas prisões fora de Lisboa] (gazetas - XVIII) As mandou pintar, dourar, e limpar a casa e fazer â sua custa hua porta de que mandou entregar a chave. [cuja chave mandou entregar](gazetas - XVIII) (50) Muitas das estruturas identificadas são fórmulas fixas que se repetem em diversas cartas. Entendemos, assim, a partir dos estudos sobre as Tradições Discursivas (KABATEK, 2006), que determinadas formas podem não representar características de uma língua particular de uma época, mas corresponderiam à tradição de determinado texto, uma maneira especial de escrever que ultrapassa, vai além do nível de uma língua específica. A repetição de um texto ou mesmo de uma forma textual, como é o caso, é evocada em certas situações comunicativas e configuraria uma Tradição Discursiva. 161 Observamos que sete dos exemplos do pronome quem localizados nas cartas do Marquês do Lavradio são estruturas similares, repetitivas e típicas do gênero carta. Em todos os casos citados a seguir, o remetente procura captar a benevolência do destinatário para o que quer pedir ou solicitar. Notamos que, a maioria dos exemplos faz parte da seção de despedida, como vemos a seguir: (51) edetoda atua Excelentissima Familia aquem com omayor Respeito ofereço aminha escravidaõ. (Marquês – XVIII; carta 228) (52) mequeirasdarogosto deboas novas tuaz, ede toda atua Excelentissima Caza aquem peso mequeiras Recomendar com omais profundo Respeito. (Marquês – XVIII; carta 230) (53) Eutenhosido tam extenço nesta minha Carta, porque que-ro que tudoquanto aqui digo aeste Respeito o Repitas daminha parte aSuaExcelência; aquemeupellaNau daGuerra escreverei comaRemeça doque SepoderterCobrado. (Marquês – XVIII; carta 267) (54) edetoda atuaExcelentissima Familia, aquem peçomeRecomendez com omayor Respeito. (Marquês – XVIII; carta 282) (55) Emgrandissimo desvanesimento medeixa amemoria daSenhora Dona Henriqueta, aquem Seguraráz daminha parte queella assim naAmerica (Marquês – XVIII; carta 390) (56) etoda atua Excellentissima Familia, aquem protestaráz daminha parte omeu profundo respeito (Marquês – XVIII; carta 485) (57) edetodaasua Excelentissima família aquem Rogo aVossaExcelência queira segurar omeu profundo Respeito. (Marquês – XVIII; carta 226) O uso desse relativo parece ser justificado pelo objetivo do remetente se referir à família do destinatário com extremo respeito devoção. Trata-se de uma parte da carta específica para esse objetivo, no geral, como dissemos, a seção de despedida. Usa-se, então, um modelo padrão, uma fórmula fixa que se repete e é evocada quando se quer captar a boa vontade do outro. Trata-se de uma tradição discursiva típica do gênero. Uma fórmula que se repete. Nesse 162 sentido, a incidência desse tipo de estratégia padrão não configuraria à norma da época, mas um uso próprio do modelo carta. Dessa maneira, pode-se concluir que essa parte específica das cartas favorece a ocorrência da relativa padrão de objeto indireto, uma estrutura muito incomum atualmente, como apontam nossos resultados de estudo sincrônico (SILVA, 2005), os quais registram dados apenas de complemento relativo. É interessante comparar os dados do Marquês com as Gazetas, ambos do século XVIII, porque identificamos também muitas estruturas com a expressão a quem. No entanto, estas são formas nas quais não observamos a função de OI; por isso elas serão tratadas na seção 4.4. Vejamos uma a seguir: (58) A Sra. D. Anna Moscozo e a Sra. D. Thereza de Borbom a quem cahindo o cocheiro se hião precipitando as mullas pella Rua de Santo Antonio. (Gazeta – XVIII) Nas cartas de Vieira também foram observados alguns padrões que nos pareceram estruturas meramente formulaicas. O padre Vieira usa uma construção com o relativo que anteposto à preposição com seguidos pela expressão “Vossa Excelência”, nas funções de complemento relativo e adjunto adverbial de modo: (59) e não me espanto tanto da brevidade com que Vossa Excelência nela me responde, (Vieira - XVII). (60) e todo o mais dinheiro com que Vossa Excelência nos quere socorrer. (Vieira - XVII) (61) e muito particularmente do ânimo dos ministros com que Vossa Excelência aí o tratou (Vieira - XVII) (62) que importa é que chegue este praso, com que Vossa Excelência me convida (Vieira - XVII) 163 (63) e à confiança e mercê com que Vossa Excelência me trata (Vieira XVII) (64) me disse o cuidado com que Vossa Excelência está de minha chegada (Vieira - XVII) Notamos, nos seis exemplos, a repetição de uma estrutura fixa constituída por “COM QUE + Vossa Excelência + X + verbo”. Nesse caso, como nos outros identificados nas cartas do Marquês do Lavradio, percebemos uma repetição formulaica típica do gênero que funciona discursivamente para captar a benevolência do destinatário, tratado como Vossa Excelência. Kenedy (2007) faz uma interpretação semelhante das cinco ocorrências de relativas padrão preposicionadas no estudo de Varejão (2006). A autora identificou 108 estruturas relativas PP em um corpus de pessoas analfabetas e pouco escolarizadas, como já mencionado, obtendo o seguinte resultado: 74 dados de cortadora, 29 de copiadora e 5 de padrão. Para Kenedy (2007), essas cinco estruturas não são legítimas Ppp, já que se trata de estruturas cristalizadas como “altura em que”, “momento em que” e “lugar em que”. Tais dados são considerados cristalizados porque seriam como uma fórmula fixa que repete um modelo de escrita próprio da natureza do texto, não sendo, portanto, representativo do padrão de relativas comum ao grupo analisado. Como apontamos na introdução e nos pressupostos teóricos, para a análise de sincronias passadas só nos restam textos que sobreviveram ao tempo. Essas fontes documentais não necessariamente representam à norma linguística de um determinado século, por isso se diz que algumas fontes documentais podem frear ou estimular a realização de um dado fenômeno linguístico. As relativas padrão destacadas de (59) a (64) são estruturas fixas que se repetem na produção escrita do Padre Vieira. São tradições discursivas típicas ao autor. 164 Concluímos também com Bybee e Eddington (2006, apud Bybee, 2010) que tais dados de relativa padrão preposicionada seriam estratégias pouco produtivas que apenas são retidas na língua em frases fixas com baixo grau de “aceitabilidade”. Em síntese, embora na totalidade da Amostra as relativas preposicionadas sigam o modelo padrão, observamos que a maioria dos exemplos identificados constitui fórmulas típicas que se repetem em alguns autores (Marquês do Lavradio e Pe.Vieira) e gêneros (cartas) específicos. Os exemplos são próprios de remetentes ilustres e com grande contato com modelos de escrita. O emprego desse tipo de estrutura cristalizada ocorria predominantemente em seções específicas das cartas de pessoas bastante letradas para captar a boa vontade do destinatário com o pedido ou solicitação. Desse modo, não configuram exemplos da norma da época em questão, mas são construções típicas do gênero carta. Esses resultados ratificam, mais uma vez, a artificialidade desse tipo de estrutura. Há outros resultados que reiteram tais constatações: o fato da relativa preposicionada padrão não ocorrer com tanta frequência na Amostra CARDS de pessoas com pouca ou nenhuma instrução e a presença de cujo ocorrer, basicamente, em documentação de um de nossos remetentes mais eruditos (o Pe. Vieira). 165 4.3.2. A participação “coadjuvante” das relativas cortadora e copiadora A estratégia cortadora é a forma de relativização preferida nos contextos de fala atual e, conforme expõe Bispo (2009), é mais fácil de ser produzida, já que o falante não precisa antecipar à cláusula relativa determinada preposição anteposta ao relativo. O autor estudou a variação entre as cortadoras e a estratégia padrão preposicionada numa perspectiva cognitivo-funcional e concluiu que o falante opta pela cortadora por questões de redução de esforço de elaboração e processamento. Segundo ele, é menos custoso, em relação à estrutura relativa de sintagma preposicionado, a elaboração de uma cortadora. Essa questão também está relacionada aos altos índices de que, pelo fato de a cortadora ocorrer quase exclusivamente com esse pronome. Segundo ele, isso se dá porque o pronome que e a cortadora são estrutural e cognitivamente menos complexos, logo, mais frequentes que os concorrentes o qual e a forma padrão preposicionada, respectivamente. Ele considerou a grande demanda de tempo de produção e processamento envolvidos nas formas o qual e relativa padrão preposicionada. Nossos resultados (Silva, 2005) mostraram uma conclusão semelhante que buscamos confirmar na Amostra estudada. A partir dos estudos de Corrêa (1998) relacionamos a grande incidência de cortadoras à significativa produtividade de relativas de sujeito e objeto direto – nos dois casos (padrão de sujeito/objeto direto e cortadora) – há o mesmo output fonético, ou seja, SN + QUE + verbo, sem a presença da preposição antes do relativo. Por conseguinte, controlamos o tipo de estrutura aplicada nas construções 166 cortadora para evidenciarmos nossa hipótese da frequência de uso das relativas de sujeito e objeto direto influenciarem na escolha por essa relativa. No gráfico seguinte, apresentamos a alta produtividade da Estrutura 1 (QUE + verbo) em relação à Estrutura 2 (QUE + XP + verbo) nos dados de escrita dos séculos XVI a XVIII: Gráfico 3: Tipos de estrutura nos dados de cortadora Cortadora 80 70 60 50 40 Cortadora 30 20 10 0 Estrutura 1 - 75% Estrutura 2 - 25% Dos 101 casos de relativas cortadoras na Amostra, 75 foram produzidos com a estrutura QUE+verbo (75%) em detrimento a QUE+XP+verbo (25%). Outra questão envolvida nessa hipótese é a preferência pelo relativo que, a forma universal que, além de ser a preferida na elaboração das formas de sujeito e objeto direto, marcam, quase categoricamente, as estratégias cortadoras. 167 Agora, observe os exemplos da estratégia cortadora, a seguir: (65) emtoda aoCaziaõ que partirem Navios [ocasião em que partirem navios] (Marquês - XVIII) – Adjunto Adverbial. (Estrutura 1) (66) couza nenhuã destas mefará nunca mu-dar daquelle carater, que tu sempre me conheseste [aquele caráter com o qual/com que tu sempre me conheceste] (Marquês - XVIII) – Adjunto Adverbial (Estrutura 1) (67) Co m e sta resposta houve última junt a dos Estados, qu e durou u m dia inteiro, naqual se entende que ficou resoluta a paz, debaixo poré m de algu mas condições que se saberão melhor quando delas nos dere m vista [de que/d a qual se sabe rão mel hor] (Vieira - XVII) – Complemento Relativo (Estrutura 1) (68) enaõ porhuãInformaçaõ, que pode padecer tanta duvida [da qual/de que pode padecer tanta dúvida] (Marquês - XVIII) – Complemento Nominal (Estrutura 1) Os exemplos acima citados são estruturas relativas conhecidas como “cortadoras”, por não apresentarem a preposição exigida pelo verbo da oração relativa. Em (67), observa-se uma oração de complemento relativo, cuja preposição “cortada” foi de. Na estrutura (68), não foi utilizada a preposição exigida pelo nome transitivo dúvida. E, por último, as formas (65) e (66) são de adjunto adverbial, função que, segundo estudos sincrônicos, apresenta índices altos de estratégia cortadora, principalmente no que concerne à circunstância de tempo. Como discutido anteriormente, Moura Neves (2000) aponta que, quando o sintagma nominal, já preposicionado, for antecedente do pronome relativo, será frequente a omissão da preposição antes do pronome, como em (69) se-eu nasCircunstanciaz que nosachamos afizese partir (Marquês – XVIII; carta 534). Pode ocorrer, contudo, a supressão das preposições com um pronome relativo adjunto adverbial, mesmo que não haja preposição antes do 168 sintagma nominal que precede o pronome relativo, como no caso do exemplo (65). Essa questão é relevante porque, em nossos dados, a função de adjunto adverbial é a mais produtiva nas três estratégias, como consta na tabela 4. No caso da cortadora, identificamos 63 formas de adjunto adverbial para 101 cortadoras registradas, ou seja, 62% dos casos. Por esse fato, observamos que a preposição em é a mais produtiva na Amostra, assim como a mais “cortada”, conforme demonstrado no gráfico seguinte: Gráfico 4: Preposições “cortadas” para 3% com 7% Cortadora por 7% em 52% de 19% sobre 11% a 1% O gráfico registra um percentual de 52% da preposição em para 19% de de e 11% de sobre. As preposições com, por, e para somam 17% dos dados. Em relação aos dados do século XVI, identificamos aspectos interessantes, apesar do escasso número de relativas. O que nos chamou a atenção, em relação às cartas aljamiadas, foi que, nas construções de PP – 10 dados coletados – observamos a participação significativa das formas que 169 consideramos cortadora, quatro dados para seis de padrão. Observem-nas a seguir: (70) A mim me parece que a minha verdade e leal serviço me havia de salvar deles e das coisas do rei de Fez, porque [na hora que me davam algumas cartas que viessem de Fez], naquela mesma hora as mandava ao capitão... (Aljamia - XVI) (71) Vinham para Safim para saberem se consertara com o Capitão para corrermos a „Abda [em tempo que não fôssemos descobertos]. (Aljamia - XVI) (72) Senhor, [o dia que de Portugal parti], me encomendastes a paz e que eu a comprasse por meu dinheiro; e fiz tudo o que me vossa alteza mandou. (Aljamia - XVI) (73) Escrita o primeiro dia do mês da terrado xerife, a quem eu tomei sete aduares dos seus alarves, [o dia que para ele parti], e me estou mantendo no seu trigo e cevada que achei encovado nas suas aldeias. (Aljamia - XVI) Nas quatro construções acima, o relativo apresenta função sintática de adjunto adverbial de tempo. O corpus não nos oferece outro dado com essa função, apresentando preposição, para fins comparativos. No entanto, como é nosso objetivo, podemos compará-los à ocorrência já citada de construção relativa na Demanda do Santo Graal, exemplo de relativa do século XVI retirado de Barreto (1996): Aquel dia maesmo que esto foi aveo que rei Boorz chegou (Cap. DCCIX, p.128). A estrutura é de mesma função sintática, adjunto adverbial, e apresenta, como referente, a palavra “dia” como nos exemplos (72) e (73). Nas cinco cartas árabes traduzidas para o português (CARDS – XVI), foram encontradas cinco estruturas de sintagma preposicionado. Em relação ao observado no estudo das cartas aljamiadas, notamos que as estruturas de PP, nestas cartas, representam um quarto dos dados (cinco de 21dados). Nas 170 cartas aljamias, havia 20% de estruturas preposicionadas para 80% de sujeito e objeto direto. Esses 26% de estruturas de PP são todos de adjunto adverbial e, dentre eles, três são formas padrão e duas são estruturas cortadora. Tal comportamento não nos surpreende, já que, nas cartas em aljamia e na Demanda do Santo Graal, nos poucos dados de cortadoras observados, todos eram de adjunto adverbial. Seguem os dados: (74) nao ha huu mez q. chegui de foraquado he ho q. mi ecomedastes loguo fez [na mesma hora q. nao hechei nehuu Requado]/ scilicet q. hisa fogueu co hoto pas.e descaparao (CARD 2151 - XVI) (75) E lhe pedia q. lhe scprevesse [por mtas. vezas q. nao dexe de lhe scprever ]a falta de papell por q. he ter o lloguar de seu pai E amiguo / En mtas. ecomendas pa. hotos mouros (CARD 2152 - XVI) (76) [na carta] de molaj mofemede / diz desta manhra.as forcas della / q. he de hu catevo / hu mohate [Em que diz a molaj mofemede] / q. ate aguora nao vos scprevi (CARD2151 - XVI) (77) [Esta carta] he de huu de macor ataharane q. madou a huu seu irmao halej alface /[Em que lhe dizia se s espamta mto. Delle] (CARD2153 - XVI) (78) Tempo vira [em que nos possamos escrever e falar ja q. agora asi He] (CARD 3128-XVI) As estruturas 76, 77 e 78 são formas de sintagma preposicionado cuja preposição requerida pelo verbo aparece antes do relativo que. Trata-se da preposição em cujos antecedentes são na carta, esta carta e tempo respectivamente. O antecedente tempo, em 78, concorre com as equivalentes (74) e (75) cujos antecedentes são também expressões temporais: na mesma hora e mtas vezas (muitas vezes). Isso pode significar que, no século XVI, a relativa padrão em construções relativas de adjunto adverbial variava com a construção cortadora, conforme se pode observar nos exemplos (70) A mim 171 me parece que a minha verdade e leal serviço me havia de salvar deles e das coisas do rei de Fez, porque [na hora que me davam algumas cartas que viessem de Fez], naquela mesma hora as mandava ao capitão... (Aljamia - XVI) e (71) Vinham para Safim para saberem se consertara com o Capitão para corrermos a ‘Abda [em tempo que não fôssemos descobertos]. (Aljamia XVI) já citados das cartas em aljamia e no estudo de Barreto (1996 Cap. DCCIX, 128) [Aque l d ia maesmo que esto fo i aveo que re i Boor z chegou], já visto: É interessante comparar, por exemplo, a estrutura (70) porque [na hora que me davam algumas cartas que viessem de Fez], naquela mesma hora as mandava ao capitão da aljamia (século XVI) com a (74) [na mesma hora q. nao hechei nehuu Requado] (CARD 2151 - XVI) das cartas de desconhecidos. Ambas têm o termo hora como antecedente e tiveram suprimidas as preposições. Uma observação atenta das estruturas mostrará que há outras semelhanças que merecem ser mencionadas. A estrutura de aljamia apresenta o sintagma preposicionado na hora como antecedente, entretanto, o remetente Bentafuf repete a informação na cláusula relativa – naquela mesma hora. A construção poderia ter sido montada sem essa “cópia”: porque na hora em que me davam algumas cartas que viessem de Fez, mandava-as ao capitão, mas parece que houve a necessidade de um reforço da informação temporal. Essa estrutura coincide com o sintagma preposicionado que antecede o relativo no exemplo das CARD. Aparentemente, trata-se de uma estrutura copiadora, embora sua estrutura diferenciada tenha nos causado dúvida na classificação. 172 Assim, verificamos que, em corpora diferentes, pudemos atestar as relativas conhecidas como não padrão no século XVI, resultado que corrobora nossos questionamentos sobre a origem brasileira e oitocentista das estratégias não padrão de relativas. Nos dados do Padre Vieira, a função de adjunto adverbial foi marcada, em grande parte, pelo relativo onde. Em 69% dos casos tal comportamento, na documentação do Pe. Vieira, atesta mais uma vez seu envolvimento com os modelos mais elaborados de escrita. Mostramos exemplos de Vieira abaixo: (79) de todos os quais foi Deus servido livrar-me, e trazer-meao cabo de cincoenta e nove dias a Paris, onde fico ao serviço de Vossa Mercê,de saúde, (Vieira - XVII) (80) Emfim, senhor, chegámos a esta casa, onde achei duas cartas de que VossaExcelência me fez mercê, (Vieira - XVII) (81) Sôbre os negócios de André Henriques fui esta a Amsterdam, onde acheitudo empatado (Vieira - XVII) semana Esses exemplos do Pe. Vieira ilustram sua erudição em contraponto às que apresentamos a seguir, de adjunto adverbial, em que portugueses de escrita informal, no mesmo século, “copiam” a informação relativizada construindo estruturas copiadoras: (82) Terça-feira pella menhã as oito horas do dia me fui confessar a VP. e foi esta Alma e se pôs de juelhos o Altar do Bom Jesus, e ahi esteve athé me eu vir pa.caza, onde chigando a ella pa. me despir o vi logo passeando na minha caza de dem=tro, (CARDS3100 XVII)[onde chegando] (83) e depois adonde go Larão, e achou ser aquelle, e foi depois de fazer mtas. mais deligëçias q. todas constavão ser elle o matador levou o o limoeiro em tudo se em Controu Com o q. tinha ditto foisse o juiz 173 (CARDS3042 - XVII) [em que/nas quais constavam ser ele o matador] Em (82), temos uma estrutura singular, uma cópia encabeçada pelo relativo onde. O remetente da carta narra uma pequena situação na qual ele é o protagonista, porém refere-se a si mesmo como ALMA. Diz que esteve no altar de Jesus até ir para “casa”, o referente do relativo. Então cria a relativa onde chigando a ella, na qual retoma casa com o pronome “ella”. A construção equivalente padrão poderia ser: ...eu vir para casa onde, chegando para me despir, vi-o logo passeando lá. No caso de (83), o termo relativizado é um sintagma preposicionado que exerce, na relativa, também a função de adjunto adverbial de lugar – nas diligências. No entanto, o termo foi repetido por um pronome no caso nominativo, a cópia “todas”. A construção sintática da estrutura seria: “constavam, em todas, ser ele o matador – diligências [nas quais/ em que constavam ser ele o matador]”. Nas Gazetas foram observadas, nessa função sintática, relativas cortadoras as quais, com já evidenciado, são as mais comuns de modo geral. Vejamos os exemplos: (84) E outros porem El Rey [no mesmo instante que vagou] o deu a Dom Luis Pereira irmão de Dom Alvaro Pereira pela sua pobresa, e virtude, ainda que se teme que como he freire (gazetas - XVIII) (85) em que ham de estar juntas [todo tempo que durar a obra. (gazeta - XVIII) (86) E [no dia que casou] lhe penhorou o coche. (gazetas - XVIII) 174 As preposições exigidas pelos verbos que foram eliminadas nas relativas cortadoras seriam: (84) vagou no mesmo instante; (85) durar a obra no tempo; (86) casou no dia. Na função de adjunto adnominal também notamos questões interessantes a discutir. Foram identificados dados de cortadora e copiadora. Somente o maior contato com modelos de escrita erudita e o forte planejamento poderiam favorecer o emprego de construções padrão com o relativo cujo. Como já foi dito, na seção 4.4, registramos a interpretação para alguns casos de que precisávamos dar conta no corpus. Além dela, há estruturas de relativização não padrão que substituíram o pronome formal pela forma que seguida ou não de cópia: (87) Porq. yo soi muy descomfiado y temo emfadar a Vsa. he que rido Remitir a este papel lo que yo queria comunicar es pues que Lo estava Trasladando el libro que ensehé a Vsa. el titulo Dell (CARDS1051- XVII) (88) Terceira: vendo os Povos que tu tedisvelas tan-to emseu beneficio ( Marquês - XVIII) (89) as vezes encubro o nomes por não magoar tanto a VSa. q. bem conheço, o seu amor (CARDS3111-XVIII) (90) quanto a Caxa q. Vm. Me dis he Chasco nao he mas veija a Carta se Condis Com o pederico e nela vera a mandava a Vm. e nao A minha Amiga Ana pires que sinto mto. o seu rebate das alfândegas (CARDS2012 - XVIII) As duas primeiras formas acima são relativas copiadoras. Em (87) representa- se a estrutura ensehé (ensinei) a Vsa. el titulo Dell, ou seja, “o livro cujo título ensinei a vossa senhoria”. Além de “cortar” a preposição ao substituir cujo por que, o escritor repetiu a informação relativizada (o livro) com a cópia “Dell” (dele). O exemplo (88) é um dado de cópia, estrutura que requereria o 175 uso da forma cujo como em Terceira: vendo os Povos em cujo benefício tu tedisvelas tan-to. Entendemos que a forma seu é um tipo de cópia que atualmente tem sido substituída por “deles”, conforme o exemplo (87) [que tu te desvelas tanto em benefício deles]. Para Castilho (2010), a copiadora é o resultado da despronominalização do relativo, ou seja, sua redução à conjunção através da perda da propriedade fórica. Haveria, nesse caso, um preenchimento dessa perda por um pronome pessoal preposicionado ou não. Na construção apresentada pelo autor Não há uma área em São Paulo que a polícia não entre nela a cópia “nela” seria a repetição necessária da qual fala o autor. O exemplo (89) ilustra a estrutura que bem conheço o seu amor em vez de cujo amor eu bem conheço. Nesse caso, e em (90), vemos a atuação da cópia seu, como em exemplos já mostrados. Na estrutura (90), conforme nossa interpretação, consideramos a queda da preposição “por” que corresponderia ao complemento relativo do verbo “sentir” – sentir muito por. A construção relativa possível para (90) seria A minha Amiga Ana pires por cujo rebate das alfândegas eu sinto muito. Azeredo (2010) registra construções desse tipo de crônica jornalística e de literatura de memórias, conforme já mostrado: “... tive vontade de escrever sobre um gigante (...) Um gigante que fazia coisas terríveis que me amedrontaram mas [que eu gostava dele]” [CINY, C. H. 1995:110] = [(Um gigante) de que eu gostava] Concluímos a presente seção com uma construção relativa, em (91), para a qual não conseguimos dar uma leitura coerente. Na relativa copiadora o termo relativizado é repetido na cláusula relativa. No caso das cortadoras, a queda da preposição representa a substituição de cujo, pronome equivalente a “em que” pelo relativo universal que. A construção em questão parece ser de 176 função “adjunto adnominal” com estrutura de cópia. Entretanto, mesmo apresentando edição modernizadora, não a classificamos com segurança. É possível que o antecedente seja “carta”, mas esse elemento é repetido na cláusula relativa com uma função de difícil percepção: eu já afirmei a carta, da carta, na carta ou sobre a carta? Não se sabe. (91) juntamte. ahi vai hua car ta en duas folhas de papel q. foi escripta fes en agosto passado sinco annos como consta da era en ella escripta da quoal carta eu ja afirmei debaixo de juramto. en hua carta q. a Vm. Escrevi (CARDS2001-XVII) (Ed Modernizadora: E juntamente, ai vai uma carta em duas folhas de papel que foi escrita fez por Agosto passado cinco anos como consta da era e nela escrita, da qual carta eu ja afirmei debaixo de juramento numa carta que a Vossa Merce escrevi). As cortadoras e copiadoras são, como vimos, estruturas antigas na língua. Tiveram seu lugar na escrita de remetentes eruditos e, principalmente, de pessoas que não conviviam com modelos de erudição, mas tinham um relativo letramento. Se levarmos em conta só os resultados das CARDS (cartas de desconhecidos), de que dispomos de material para os três séculos analisados, verificaremos que os resultados são bastante semelhantes ao observado por Arin, Ramilo e Freitas (2005) e Alexandre (2000) para o português europeu contemporâneo. Nas nossas cartas de desconhecidos os resultados foram bastante significativos: 67% de relativa padrão de sintagma preposicionado, 25% de cortadoras e 8% de copiadoras. Tais resultados são irrefutáveis para comprovar as hipóteses levantadas pelos vários autores que se debruçaram sobre o fenômeno. Em primeiro lugar, não podemos mais afirmar que as cortadoras constituem uma inovação do PB que se estabeleceu na língua a partir do século XIX (TARALLO, 1983), uma vez que há evidências dessa estrutura desde o século XVI no português europeu. Em segundo lugar, 177 ratificamos a ideia de que a Ppp é resultado do contato com padrões de escrita já que os índices de cortadora são menores entre indivíduos/escreventes mais ilustres. Em terceiro lugar, mas não menos importante, está o fato de que, mesmo em textos escritos de sincronias passadas em que há maior planejamento e a possibilidade de revisão e reescritura, as relativas cortadoras atingem 25% dos dados. Podemos concluir também, considerando os estudos recentes já citados, que (1) a função de adjunto adverbial continuará sendo (uma vez que mostramos que já era) a função sintática que mais propicia o aparecimento das cortadoras; (2) o pronome cujo, continuará figurando somente em textos com escrita planejada até chegar a ser raro entre os falantes ou mesmo escreventes; (3) o relativo onde permanecerá como uma forma cujo emprego é acessível aos falantes/escritores cultos até se tornar um item de grande produtividade nas línguas falada e escrita, por diversos usuários da língua, em contextos isentos da semântica de lugar; e (4) a preposição em, em razão da relação direta com a função de adjunto adverbial, não deixará de ser a mais ou uma das mais “cortadas” nas construções cortadoras. Na próxima e última seção desse capítulo, serão analisadas estruturas consideradas como construções que fogem ao padrão das estratégias de relativização contempladas neste trabalho. 178 4. 4. UMA LEITURA PARA AS RELATIVAS “ESTRANHAS” Foram encontrados exemplos de difícil interpretação e estruturas estranhas ao padrão de relativas no corpus do Padre Vieira, nas gazetas e no corpus do Marquês. São estruturas de difícil interpretação, construções com preposição desnecessária ou troca de preposição, construções que parecem ser “fugas” das estruturas padrão que, segundo Kenedy (2007), são antinaturais a nosso sistema de processamento. 4.4.1. Padre Vieira Embora os dados apontem para uma formalidade em relação às construções de Vieira, em sua escrita também foram observados exemplos diferentes que apresentaremos nesta seção. A respeito do relativo onde, as cartas de Vieira puderam revelar situações que, atualmente, segundo estudos, são comuns na língua. Vejamos exemplos abaixo: (92) acrescenta o empenho com o perigo de que tão ameaçados estiveram os nossos três navios êste inverno e alfim foram escapar as vidas onde não puderam acudir à opinião. (Vieira - XVII) (93) Nos negócios se não tem dado passo adiante, porque aconselharam os amigos que esperássemos pela resolução de Zelanda, onde as demais províncias tinham enviado deputados (Vieira - XVII) No primeiro exemplo, o relativo onde encabeça uma oração aparentemente relativa, já que está anteposta a um elemento nominal que 179 poderia ser seu referente/antecedente. Todavia, uma observação atenta do trecho impede-nos de considerar “vidas” um adjunto adverbial de lugar da estrutura relativa: não nos parece que a melhor leitura do trecho seria não puderam acudir à opinião nas vidas, o que estaria proposto se considerássemos o segmento onde como relativo equivalente a “em que”. Consideramos uma forma de difícil interpretação, uma vez que não conseguimos formular uma leitura mais coerente ao segmento. Estudos atuais mostram a atuação de “onde” se referindo a diferentes sintagmas (OLIVEIRA, 1997). Não ficamos nesse mesmo impasse com a estrutura seguinte. Nela, identificamos claramente a construção de uma estrutura adverbial na oração relativa: o antecedente retomado na cláusula relativa é Zelanda, que representa o lugar para onde as províncias tinham enviado deputados. Essa leitura, contudo, reporta-nos à estratégia cortadora e transforma o exemplo do Padre em uma questão que merece atenção. Observe: (94) Nos negócios se não tem dado passo adiante, porque aconselharam os amigos que esperássemos pela resolução de Zelanda, onde as demais províncias tinham enviado deputados (Vieira - XVII) Nos negócios se não tem dado passo adiante, porque aconselharam os amigos que esperássemos pela resolução de Zelanda, para onde as demais províncias tinham enviado deputados A preposição “para” é necessária na relação sintática estabelecida entre “as demais províncias tinham enviado deputado” e “Zelanda”, porque se envia deputados para algum lugar, para Zelanda. O comentário anterior de que esse caso chama atenção justifica-se pelo fato de o “corte” da preposição não ser comum com outras estruturas de 180 relativo que não a “que”. Estudos sincrônicos e manuais de gramática (Silva2005; Bechara-2009; Corrêa-1998; Bispo-2009) mostram a tendência do que como relativo universal e nossos dados confirmam essa tendência. As estruturas cortadoras comuns que se remetem a forma onde são as que o preterem a favor de que; e as consideramos cortadoras porque “onde” equivale a “em que”. Como no primeiro exemplo de onde, no qual não se verifica a função de anáfora do relativo, nas formas, a seguir, também acreditamos estar o segmento “que” esvaziado de sua função pronominal: (95) Primeiro que tudo, senhor, sinto muito que o senhor Dom Jorge, sôbre não recebido em Portugal, se veja tão maltratado em Castela, com que se verifica quão caluniosas foram as causas da primeira resolução (Vieira - XVII) (96) podia chegar à Baía em dez ou doze dias, com que iria dar os bons anos a Sigismundo. (Vieira – XVII) No primeiro trecho, a expressão “com que” não estabelece relação sintática entre a oração que a segue e o elemento Castela; essa possível relação é difícil de ser imaginada. Tentou-se, assim, identificar, nas orações anteriores, um possível referente que servisse de “antecessor” ao pronome preposicionado mesmo que estivesse distante. Chegou-se a conclusão de que não se trata de uma estrutura relativa simples, subordinada a um termo antecessor dentro da oração principal; nesse caso, com que parece um conectivo equivalente a “por isso”, uma expressão que introduz ao trecho uma ideia de conclusão, um raciocínio lógico. Seria algo do tipo sinto que Dom Jorge se veja tão maltratado e com essa situação (com isso) se verificam quão caluniosas foram as causas da primeira resolução; ou, ainda, a expressão de 181 consequência ou causa para a situação expressa nas orações anteriores, ou seja, com a situação descrita, pode-se verificar quão caluniosas foram as causas da primeira resolução; as causas da primeira resolução foram tão caluniosas que provocaram essa situação, esse mal estar para Dom Jorge. Independentemente de qual seja a interpretação mais coerente, acreditamos que a estrutura relativa ou aparentemente relativa refere-se à situação, não a um antecedente expresso. O mesmo acontece com o segundo exemplo – com que iria dar os bons anos a Sigismundo – em que não se verifica um antecedente expresso para a cláusula relativa. Podemos interpretar a estrutura como: podia chegar à Baía em dez ou doze dias, com isso iria dar os bons anos a Sigismundo podia chegar à Baía em dez ou doze dias, logo iria dar os bons anos a Sigismundo podia chegar à Baía em dez ou doze dias, caso isso acontecesse iria dar os bons anos a Sigismundo É possível que uma situação semelhante aconteça com o exemplo a seguir em que o antecedente parece exercer a função de sujeito da oração relativa, porém, o mesmo parece ser toda uma oração: (97) principalmente que, quando essas ordens se passaram, não tinham os holandeses ainda rompido connosco, que é circunstância que essencialmente varia o caso e impossibilita a promessa. (Vieira - XVII) A expressão “é a circunstância” é uma relativa que representa o predicado para um sujeito que pertença à oração principal; é o antecedente. Mas, a pergunta é “Qual é o antecedente?”. Diferentemente dos casos 182 canônicos de oração relativa, nesse caso, o antecedente parece ser a informação não tinham os holandeses ainda rompido connosco. Essa seria a circunstância sobre a qual fala a cláusula relativa. Tal interpretação pode ser evidenciada ao se inserir, por exemplo, um termo aposto após essa informação: principalmente que, quando essas ordens se passaram, não tinham os holandeses ainda rompido connosco, fato que é circunstância que essencialmente varia o caso e impossibilita a promessa. Dessa forma, acreditamos ficar mais clara a intenção do Pe.Vieira. O fato ou a situação “não tinham os holandeses ainda rompido conosco” é o antecedente do relativo que, o qual é retomado na oração é circunstância com função de sujeito da mesma. Em (97) alguns dos quais tinham casas e lavouras (que é o indício de serem domésticos) (Vieira - XVII), a oração relativa entre parênteses também parece ter como antecedente toda a oração principal. O indício de serem domésticos seria, então, o fato de terem, alguns, casas e lavouras. Outros exemplos similares a esses estão apresentados a seguir. Estaríamos diante de uma locução conjuntiva de valor conclusivo? (98) Há quarenta dias que chove, cousa não vista nestes países, com que se prognosticam grandes fomes e enfermidades, as quais já começamos a padecer nesta casa, onde não há quem não gema (Vieira - XVII) Há quarenta dias que chove, cousa não vista nestes países, por causa disso se prognosticam grandes fomes e enfermidades, as quais já começamos a padecer nesta casa, onde não há quem não gema (99) porque por êste modo metemos no pagamento os açúcares do Rio de Janeiro, com que viremos a dar aos holandeses os piores que se fizerem em todo o Brasil;(Vieira - XVII). porque por êste modo metemos no pagamento os açúcares do Rio de Janeiro, com isso viremos a dar aos holandeses os piores que se fizerem em todo o Brasil 183 (100) mas, como bom servidor de El-rei, cortou pelo gôsto ou conveniência que tinhaem se dilatar mais nestes países, com que Sua Majestade haverá poupado não só os fretes mas também os ordenados. (Vieira - XVII) mas, como bom servidor de El-rei, cortou pelo gôsto ou conveniência que tinha em se dilatar mais nestes países, assim Sua Majestade haverá poupado não só os fretes mas também os ordenados Além da expressão “com que”, observamos variações interessantes com a locução de que. Da construção de uma estrutura relativa encabeçada por ela, espera-se um verbo que, sintaticamente, seja regido pela preposição “de”. No entanto, (101) se estabelece uma relação de posse das que, segundo nossa interpretação, deveriam ser construídas com o relativo cujo; Em (102) a terrível tempestade parece ser o antecedente, com função de sujeito da oração relativa; dispensa, por conseguinte, a preposição “de”. Em (103) Rochela seria o antecedente, o que obrigaria o uso de onde e tornaria dispensável o advérbio lá. Vejamos: (101) como pelo temor que têm ao trato dos portugueses,de que trazem estudado muitos exemplos (Vieira - XVII) como pelo temor que têm ao trato dos portugueses, cujos muitos exemplos trazem estudado (102) Os que de aqui partiram encorporados padeceram no cabo de Finisterra uma terrível tempestade, de que arribou uma nau a Amsterdam muito destroçada (Vieira - XVII) Os que de aqui partiram encorporados padeceram no cabo de Finisterra uma terrível tempestade, que arribou uma nau a Amsterdam muito destroçada (103) e se nos disse ontem que alguns haviam arribado a Rochela, de que Vossa Excelência lá terá mais verdadeiras notícias. (Vieira - XVII) e se nos disse ontem que alguns haviam arribado a Rochela, onde Vossa Excelência terá mais verdadeiras notícias. 184 As estruturas a seguir foram consideradas de difícil interpretação. Na cláusula relativa ocorre uma subordinação substantiva, uma estrutura completiva que provoca dificuldade na compreensão geral do segmento. (104) são os vinte mil cruzados, que o senhor Embaixador diz que faltam para inteirar os trinta mil (Vieira - XVII) o senhor Embaixador diz sobre os 20 mil cruzados que faltam – compl. relativo o senhor Embaixador diz que faltam os vinte mil cruzados – sujeito (105) segundo os aprestos que hoje me disse um mercador se fazem em Zelanda, quanto os anteciparmos melhor negociaremos. (Vieira XVII) um mercador me disse hoje sobre os aprestos que se fazem em Zelanda – compl. Relativo um mercador me disse hoje se fazem os aprestos em Zelanda sujeito (106) para inteirar os trinta mil, que Sua Majestade ùltimamente escreveu lhe mandara remeter de França. (Vieira - XVII) Sua Majestade ùltimamente escreveu sobre os trinta mil que lhe mandara remeter – comp. Relativo Sua Majestade ùltimamente escreveu lhe mandara os trinta mil – objeto direto (107) De Portugal nos faltam e tardam há muitos dias, e verdadeiramente nos dácuidado o parto da Rainha Nossa Senhora, que Pedro Vieira nos escreveu seesperava para primeiros de Abril, (Vieira - XVII) Pedro Vieira nos escreveu sobre o parto que se esperava – comp. relativo Pedro Vieira nos escreveu que se esperava o parto – sujeito No caso de (108) Estas e outras razões propús àquele prelado, que não sei se as representou a Sua Majestade, (Vieira - XVII), consideramos não ser possível afirmar se a oração relativa refere-se a “outras razões” ou “àquele prelado”. Parece também que o “que” é apenas uma conjunção, com ideia, 185 talvez, de consequência. Se “outras razões” for antecedente de que (portanto, do relativo) o oblíquo “as” seria uma cópia. Esses últimos exemplos são de difícil interpretação, porque de acordo com que vemos, pode apresentar uma dupla interpretação. No entanto, os exemplos de (92) a (102) parece-nos maneiras encontradas pelo remetente de construir estruturas formais de acordo com o padrão com o qual estava acostumado e no qual queria permanecer. A regra, então, seria usar estruturas preposicionadas, construções elegantes que correspondem aos padrões de escrita valorizados por ele, mesmo que, em alguns momentos, haja dificuldade de formulação, gerando-se construções conforme as listadas. Na seção seguinte, mostraremos as estruturas que encontramos nas Gazetas Manuscritas. 3.4.2. Gazetas Manuscritas As gazetas também são fontes de construções interessantes que merecem ser analisadas. Como mostramos na seção 4.3.1, identificaram-se 71 dados do relativo quem, todos como formas padrão. Contudo, foram observados dados com esse relativo que, por não representarem, segundo nossa interpretação, exemplos canônicos das variantes estudadas, não foram computados na rodada. Preferimos analisá-los na presente seção. Da estrutura a quem (preposição a + relativo quem) espera-se uma construção de objeto indireto como Os alunos a quem entregaram o prêmio são muito interessados, como as descritas a seguir: 186 (109) A Sñra Condessa da Ribeira admitio vizita de sua nora, e neto, a quem deu humas bolas de perola (gazetas - XVIII) (110) A Sra. Condessa de Sarzedas He comadre da Shr. Marqueza de Tavora, a quem deu hum diamante amarello e trinta moedas (gazetas - XVIII) (111) Manoel Gomes de Carvalho, a quem deve mais de cento e trinta mil cruzados (gazetas - XVIII) Nas três estruturas, a cláusula relativa apresenta um verbo cujo objeto indireto é o elemento relativizado – sua nora e neto, Shr. Marqueza de Tavora e Manoel Gomes de Carvalho, respectivamente. Na primeira, tem-se deu umas bolas de pérola a sua nora e neto (é possível que o referente do pronome seja apenas nora ou neto). Em (110), a correspondência seria deu um diamante amarelo e trinta moedas a Shr. Marqueza de Tavora. Em (111) interpretamos como deve mais de cento e trinta mil cruzados a Manoel Gomes de Carvalho. No entanto, percebeu-se que algumas estruturas com “a quem” não representavam construções de objeto indireto e consideramos importante destacá-las: (112) A Sra. D. Anna Moscozo e a Sra. D. Thereza de Borbom a quem cahindo o cocheiro se hião precipitando as mullas pella Rua de Santo Antonio. (gazetas - XVIII) (113) Foy lavantar ao clerigo, a quem limpou athe as algebeiras. (gazetas - XVIII) (114) No Hospital se recebeu hum homem a quem cortarão o nariz. (gazetas - XVIII) (115) Marques de Valença estava executado por muitos accredores a quem teve 260.000 crusados dandolhe trinta de consignação (gazetas - XVIII) 187 (116) E hontem estava melhor do grande perigo a quem tem chegado. (gazetas - XVIII) As estruturas (112), (113) e (114) apresentam relações de posse que parecem representar contextos de cujo. Em (1112), a relação de posse entre Thereza e cocheiro – o cocheiro de Thereza, o cocheiro dela – foi estabelecida com a construção a Sra. D. Thereza de Borbom a quem cahindo o cocheiro em vez de a Sra. D. Thereza de Borbom cujo cocheiro cahindo se hião precipitando as mullas pella Rua de Santo Antonio. Em (113), temos (a)o clerigo, a quem limpou athe as algebeiras em vez de ao clerigo, cujas algebeiras athe limpou que representa limpou as algebeiras dele, do clérico. Na estrutura (114), estabeleceu-se uma relação de posse “nariz do homem” que foi expressa pela forma hum homem a quem cortarão o nariz. Evitou-se a estrutura padrão com “cujo” representada por No Hospital se recebeu hum homem cujo nariz cortarão. A estrutura (115) não reflete a relação de um verbo transitivo indireto com um complemento verbal alvo da ação, como visto nas estruturas de (109), (110) e (111). Nesse caso, a ideia expressa é que se teve 260.000 cruzados dos credores. Assim, entende-se que a preposição anteposta ao relativo deveria ser de. Em (116), considerando-se que grande perigo é o antecedente do relativo, a cláusula relativa tem chegado é o predicado do sujeito “grande perigo”. A estrutura poderia, então, ter sido construída E hontem estava melhor do grande perigo que tem chegado (a ele). Observaram-se também, neste corpus, estruturas estranhas com outras preposições. Entendemos que essas construções são estratégias para se evitar construções com cujo. Vejamos, a seguir, com as possíveis re-escritas: 188 (117) Ao Conde da Ericeira fizesse alguns inigmas e logo compós quarenta de que o Princepe adivinhou alguns defficultosos. (gazetas - XVIII) Ao Conde da Ericeira fizesse alguns inigmas e logo compós quarenta cujos defficultosos o Princepe adivinhou. (118) A Sra. Condessa de Ribeira D.Leonor fes no seu oratório hua festa a N.Sra. da Conceição com muitos músicos italianos e instrumentos e polida merenda, forão convidadas muitas senhoras em que não entravão suas cunhadas. (gazetas - XVIII) Forão convidadas muitas senhoras cujas cunhadas não entravão. (119) As mandou pintar, dourar, e limpar a casa e fazer â sua custa hua porta de que mandou entregar a chave. (gazetas - XVIII) As mandou pintar, dourar, e limpar a casa e fazer â sua custa hua porta cuja chave mandou entregar. Tais estruturas nos chamaram atenção, uma vez que fugiram aos padrões das relativas denominadas estratégias de relativização, alvo desse trabalho. Não poderíamos classificá-las como relativas do tipo padrão porque, segundo a Tradição Gramatical, orações que demonstrem relação de posse entre um elemento da cláusula relativa e o termo antecedente devem configurar essa relação com o pronome cujo, utilizado em estruturas de adjunto adnominal. Reconhecemos, contudo, que a construção (118) pode ser interpretada como padrão de adjunto adverbial, já que é encabeçada pela preposição em e faz-se menção há um oratório que pode ser o referente da expressão “em que”. Consideramos, todavia, essa interpretação pouco provável. As relativas não padrão, por sua vez, tem como característica “cortar” a preposição requerida pelo verbo da oração relativa (estratégia cortadora) e repetir o antecedente do relativo por meio de um pronome, um SN ou um SP dentro da cláusula relativa (estratégia copiadora). Entendemos, assim, que exemplos citados não representam a cortadora nem a copiadora, ao contrário da estrutura já citada encontrada (49) Porem ao livro recolheu hum comissario 189 do Santo Officio o qual tribunal tem feito muitas prizões fora de Lisboa. (gazetas - XVIII) Esse exemplo configura uma estratégia cortadora de função adjunto adnominal, porque a relação de posse “tribunal do comissário” deixou de ser estabelecida pelo relativo cujo o qual representa a estrutura “de que”. Não foram identificadas estruturas copiadoras com essa função no presente corpus. Para representação, formulamos as estruturas de cópia a seguir. Observe como nelas a informação do antecedente está sendo repetida dentro da oração relativa: Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio que o tribunal dele tem feito muitas prizões fora de Lisboa. Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio que o tribunal do comissário tem feito muitas prizões fora de Lisboa. Porem ao livro recolheu hum comissario do Santo Officio que o seu tribunal tem feito muitas prizões fora de Lisboa. O exemplo seguinte também foi considerado de difícil interpretação. Pareceu-nos uma estrutura tal qual (117), (118) e (119) que consideramos formas para evitar o pronome cujo: (120) Se tem descuberto huã serrada de esmeraldas grandes e perfeitas de que o Arçebispo da Bahia tem hum anel e se fes huã junta em que ainda se não rezolveo (gazetas - XVIII) Se a ideia é “o Arcebispo da Bahia tem hum anel de esmeraldas grandes e perfeitas”, a estrutura deveria ter sido formulada com o pronome cujo, 190 resultando em algo como Se tem descuberto huã serrada de esmeraldas grandes e perfeitas CUJO ANEL o Arçebispo da Bahia tem e se fes huã junta em que ainda se não rezolveo... Corrêa (1998) considera essas formas como de esquiva e, como trata de questões relacionadas a ensino, identifica-as como procedimentos de esquiva na aprendizagem. Ao analisar resultados de exercícios aplicados a estudantes do 2º. Grau (atualmente, Ensino Médio), a autora relata que, além das estratégias cortadora (doravante, vernacular), os alunos também criaram estruturas com preposição inaceitável e com a preposição adequada, porém com o relativo que pelo quem e o qual, mostradas abaixo: i- (5.3) e aquele de quem investia muitos esforços de conquista / e aquele a quem esperava um convite a qualquer momento (Corrêa 1998, pág.98) ii- (5.4) o outro para que olhava todas as aulas / e aquele de que esperava um convite a qualquer momento (Corrêa -1998, pág.98) As preposições “trocadas” são para Corrêa casos em que o estudante já aprendeu que a relativa padrão usa o relativo preposicionado, mas não estabeleceu a relação entre a posição relativizada e a posição do relativo; ou seja, o estudante, segundo ela, estaria “jogando no escuro” na escolha da preposição que deve ser usada antes do relativo, já que ela vem de uma posição interna da relativa. A autora discute o assunto das relativas sob um viés parecido ao de Kenedy (2007). O uso das relativas preposicionadas padrão seria uma questão de aprendizagem justificando, assim, a forma como os alunos do 3º ano, alvos de sua pesquisa, conseguiram reproduzir o texto proposto “fugindo das 191 relativas”. Nas palavras de Corrêa (1998) “não saber construir com segurança esse tipo de sentença pode ser um bom motivo: se não se tem certeza da correção, o melhor é se esquivar, não se arriscar.”. Observe estruturas que consideramos similares e as possíveis reformulações: (121) Estão prezos muitos ladrões, de que a maior parte são quadrilheiros e hum destes tapou aboca, e atou a hua cadeira hum homem que vendia agoa ardente (gazetas - XVIII) Estão prezos muitos ladrões cuja maior parte são quadrilheiros (=maior parte dos ladrões) (122) Ganhou Pedro Antonio em hua noite mil e cem moedas de que perdeu hum mercador emburguez a maior parte (gazetas - XVIII) Ganhou Pedro Antonio em hua noite mil e cem moedas cuja maior parte perdeu hum mercador emburguez (= a maior parte das cem moedas) Poderíamos pensar que, nesta época, as relações de posse eram oficialmente construídas sem o relativo cujo, construções com as expressões de que, observadas em (112), (114) e (115) e em que de (113). Entretanto, a análise da Amostra, constituída de corpora dos séculos XVI, XVII e XVIII, permite observar construções legítimas com o relativo cujo, similares às usadas no português atual: (123) e conquistarmos algumas cidades sem defensa, e as minas deque elas e Espanha se enriquece, cuja prata por aquele caminho se pode trazer com muito menores despesas. (prata das minas) (Vieira - XVII) (124) e a cidade de Cabo Frio, que é de portugueses, e asvilas de São Vicente, Piratininga, Ilha Grande e outras, e sôbre todas a de São Paulo, cujos moradores são os mais valentes soldados de todo o Brasil (moradores de São Paulo) (Vieira - XVII) 192 A estrutura a seguir foi encontrada nos dados do Marquês do Lavradio e assemelha-se às das gazetas ora estudadas. Nela, também consideramos a substituição de cujo pela expressão formada de preposição mais relativo, neste caso d(os) + quais: (125) porque elles naõ Saõ que huns merosComisarioz, nas maoz dos quaes naõ para nunca dinheiro nenhum (Marquês - XVIII) A estrutura relativa vem acompanhada de preposição e não apresenta cópia em seu interior. No entanto, observa-se que o Marquês optou por uma forma sem cujo cuja re-escrita seria porque elles naõ Saõ que huns merosComisarioz, em cujas mãos naõ para nunca dinheiro nenhum. A última forma das gazetas manuscritas que desejamos apresentar é de difícil interpretação. Como as típicas estruturas relativas que indicam ambiguidade por apresentar duas possibilidades de antecedente, essa forma gerou-nos uma dúvida que nos impede de classificá-la como padrão ou cortadora. Vejamos: (126) 57 portuguezes, e 100 indios e negros, e levaram a molher de um capitam chamdo Domingos Barbosa que estava prenhe, 40 portuguezes nas cinco canoas que escaparão se salvarão em terra (gazetas - XVIII) Se considerarmos como antecedente do relativo a forma “canoa”, teremos “os portugueses escaparam com a/na canoa”. Estaríamos diante da relativa cortadora. O referente 40 portuguezes pode ser interpretado como antecedente de que; assim, teríamos a construção padrão de sujeito “40 portuguezes que escaparão” que equivale a “os 40 portugueses escaparam”. 193 Em suma, as formas apresentadas das gazetas mostram a dificuldade, já discutida, de se formalizar uma relativa padrão preposicionada. Os exemplos apresentados ilustram o esforço de um escritor europeu em construir estruturas tão antinaturais na língua, formas que demandam trabalho de elaboração, como mostramos por meio dos autores que discutem o assunto (Bispo, 2009; Kenedy, 2007). Na próxima seção, apresentaremos exemplos do Marquês do Lavradio passíveis de discussão. 4.4.3. Marquês do Lavradio Assim como no corpus das Gazetas e do Padre Vieira, ocorreram casos ambíguos. Há construções, como a que apresentamos a seguir, que parece se tratar de uma estrutura copiadora. Entretanto, por ser de difícil interpretação, não a contamos no resultado geral: (127) filhos que as estimaveis Serconstançias, que atodoz ouso Repetir dellez, os fazem ser inseparaveis domeuCoraçaõ (Marquês - XVIII) Parece que o remetente criou uma estrutura de cópia que pode apresentar várias interpretações, dentre elas: filhos, cujas estimáveis circunstâncias, a todos ouso repetir filhos , cujas estimáveis circunstâncias, que a todos ouso repetir, os fazem ser... 194 No caso do cujo, verificamos, também, estruturas de fórmulas, cristalizadas exemplos em que não se observa relação de posse, somente repetição da expressão em cujo (a) (s). (128) emtoda aoCaziaõ que partirem Navios emcuja comformidade bem vês oquanto hé percizo que não tenhas preguisa demefalares Sempre aeste Respeito (Marquês – XVIII; carta 529) (129) nojusto receyo deque parte desse Armamento sedestaque contra a nosa America, emcujos termos meordena tome Tome eu todas asmedidas que meforem posiveis (Marquês – XVIII; carta 535) (130) oque tínhamos antes de nosvirem aquelas Vizitas, emcujos termos ficaras conhecendo agrande brevidade que pode toda esta deligencia. (Marquês – XVIII; carta 535) (131) que deter-mino fazer Campar nos diferentez citioz aonde julgar maiz próprio asua asistencia; emcujas circunstancias, constandome, que tú tens nosArmazenz deVilaRica bastante numaro deBarracas (Marquês – XVIII; carta 536) Para fechar essa análise, discutiremos os exemplos (132), (133) e (134). Aparentemente essas estruturas “fogem” aos padrões. A primeira delas é (132) passou esa Fabrica para America ONDEhé taõ estimavel que cada huã destaz donzelas trazem dois dos sobre ditoz (Marquês – XVIII; carta 181). Consideramos como estrutura de difícil interpretação por não identificarmos a ideia de “lugar” que se espera do pronome onde. A outra forma é (133) na conservaçaõ da Saude dehum Vasalo deQUEM omesmo Senhor pode tirar dos Seos Serviços a maior utilidade (Marquês – XVIII; carta 537). Embora tenha sido usada a forma quem, entendemos que estamos diante de uma estratégia copiadora cuja reescrita padrão seria vassalo de cujos serviços o mesmo senhor pode tirar a maior utilidade. Nesse caso, a cópia não é um pronome lembrete e, sim, um sintagma nominal (“dos seus serviços”). A última – (134) 195 porque elles naõ Saõ que huns merosComisarioz, nasmaoz dosQUAES naõ para nunca dinheiro nenhum (Marquês – XVIII; carta 268) – foi considerada fora dos padrões, porque, embora apresente a preposição de antes do relativo os quais, não foi escrita de acordo com a Norma, já que se trata de um contexto para utilização do relativo “cujo”, uma construção de posse: porque elles naõ Saõ que huns merosComisarioz, em cujas mãos naõ para nunca dinheiro nenhum. Tais formas não foram contadas nos totais de dados comentados até aqui. O estudo das estratégias de relativização nos séculos XVI, XVII e XVIII revelou que as estruturas que, atualmente, estão sendo utilizadas pelos falantes já existiam nos séculos estudados mostrando que elas não são exclusivas do português brasileiro e podem ter sobrevivido na língua discretamente desde os primórdios. Textos do século XVI, como as cartas de pessoas desconhecidas e as formas extraídas do estudo de Barreto (1996) evidenciam a antiguidade dessas estruturas e nos fazem repensar a respeito da origem de tais estratégias de relativização. É importante sublinhar a relação das ocorrências de relativas padrão preposicionadas com textos dos remetentes eruditos, principalmente o Pe. Vieira, devido ao forte contato com modelos de escrita. Em contrapartida, nas cartas de pessoas desconhecidas (CARDS) aparecem mais frequentemente as cortadoras. A estrutura padrão, nesse caso, seria artificial e utilizada apenas quando há forte planejamento discursivo. Ressaltamos, ainda, a alta produtividade da estrutura QUE + verbo das cortadoras, diretamente relacionada, de acordo com nosso entender, com as relativas de sujeito e objeto, construções de mesmo output fonético. 196 A questão do apagamento das características pronominais do item que retomada nesta tese (SILVA, 2005; CASTILHO, 2010; AZEREDO 2010) pôde ser confirmada a partir da alta produtividade desse relativo nas construções não padrão, principalmente na cópia. Na próxima parte, apresentaremos as conclusões gerais a que chegamos com a presente pesquisa bem como o fechamento deste que é um empolgante passeio pelas estratégias relativas variantes do português dos séculos XVI, XVII e XVIII. 197 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como aponta Bazerman (2006), as cartas parecem ser uma fonte inesgotável de informações sobre o uso da língua no passado, já que sempre apresentaram grande importância na sociedade no âmbito religioso, comercial, administrativo e pessoal. A partir da análise feita, torna-se possível concluir que o estudo das cartas é uma ferramenta para a pesquisa linguística, porque permite ao pesquisador refletir sobre as características de uma determinada forma da língua, bem como sobre a relação dessa forma com a mudança linguística. A hipótese que norteou esta pesquisa é de singular importância para os estudos sobre as estratégias de relativização. Em perspectiva sincrônica, muitos autores têm pesquisado essas construções devido à grande produtividade das variantes não-padrão no PB, principalmente a cortadora, e às significativas ocorrências de tais formas no PE atualmente. Lançamo-nos na empreitada de atestar que construções tão comuns na fala e até na escrita de muitos falantes brasileiros e portugueses não teriam surgido tão recentemente no sistema, como apontam trabalhos a respeito da cortadora (Tarallo, 1983). Assim, nossa hipótese era a de que as construções relativas, cortadora e copiadora não eram exclusivas da gramática do PB, e nem as cortadoras originadas no século XIX. Acreditávamos que datavam de épocas remotas do português europeu. No princípio, nosso objetivo foi o de realizar uma análise diacrônica dos dados coletados na Amostra. No entanto, como justificado no capítulo 4, essa análise foi realizada considerando-se a variação que pôde ser atestada entre as construções estudadas. Numa interpretação a respeito da metáfora do jogo 198 de xadrez de Saussure, no estudo da linguagem, a perspectiva diacrônica diz respeito à dinâmica das transições entre cada sistema linguístico, ou seja, a diacronia se interessa pelo processo que leva de uma etapa para a outra ao longo do tempo do jogo. No caso de nosso estudo não detectamos alteração significativa das frequências no decorrer do espaço de tempo estudado, uma vez que os percentuais para as formas não padrão eram, praticamente, os mesmos nos três recortes de tempo. Porém, resultados importantes foram detectados na análise dos 2675 dados coletados, já que se pôde identificar variação entre as estratégias de relativização nos séculos abordados. O primeiro muda a leitura que se tem sobre a origem das construções relativas cortadoras: há ocorrências de construções de relativização não-padrão na escrita de portugueses nos séculos XVI, XVII e XVIII. As formas que eram chamadas de inovadoras no PB, na verdade, já existiam no PE desde o século XVI. Os 2675 dados levantados foram distribuídos da seguinte forma: 68 orações do século XVI, 1372 do século XVII e 1235 relativas do século XVIII. As ocorrências do século XVI são da Aljamia Portuguesa e das CARDS. No século XVII os dados são das cartas do Pe. Vieira e das CARDS do XVII e, do século XVIII, os dados levantados são de CARDS do XVIII, das cartas do Marquês do Lavradio e das Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora. Dentre as 2675 orações, 2534 são relativas padrão, 101 cortadoras e 40 copiadoras. Para realizarmos uma interpretação coerente desse alto índice de construção padrão, isolamos as relativas de sujeito e objeto direto, já que só aparecem em contexto de sintagma nominal. Ao analisarmos o contexto de sintagma preposicionado, ambiente em que a variação ocorre entre os três 199 tipos de relativas, foi possível observar melhor os índices da cortadora e da copiadora em relação à padrão preposicionada. As relativas de sujeito e objeto apresentam um total de 1855 dados, quase 70% das orações levantadas na Amostra (1238 de sujeito e 617 de objeto direto). A alta produtividade das estruturas de sujeito e objeto direto é um resultado que se repete em estudos sincrônicos (BISPO, 2009; CORRÊA, 1998; SILVA, 2005) e, segundo nossa interpretação, pode ser relacionada ao uso das relativas cortadoras na fala e na escrita. Baseados em Bybee (2003/2010) mostramos que a frequência de uso das relativas padrão de sujeito e objeto provoca a automação da estrutura “QUE + verbo” que é repetida em contextos preposicionados originando a estratégia cortadora, ou seja, por meio de generalização da estrutura (sujeito e objeto direto) para as demais funções sintáticas (preposicionadas), para se evitar a construção padrão preposicionada, uma estrutura resultado de escolarização, por conta da dificuldade de seu processamento (BISPO, 2009; CORRÊA, 1998). Ao controlarmos o tipo de estrutura utilizada na construção padrão de sujeito e objeto direto, 1834 dados, mostramos que 79% dessas orações foram construídas com a Estrutura “QUE + verbo” (doravante, Estrutura 1), elucidando nossa hipótese. A respeito da estrutura de sintagma preposicionado, atestamos que, nesse ambiente (propício às três estratégias), a ocorrência de relativas nãopadrão confirma nossa hipótese a respeito da origem das cortadoras no português. Segundo nossos dados, houve 101 ocorrências de cortadora e 19 de copiadora que, juntas, representam quase 15% dos 823 dados. Foi importante sublinhar, ainda, que, no caso das cartas de desconhecidos 200 (CARDS), a participação das relativas não-padrão é mais evidente, já que, dos 154 dados, 25% são de cortadora (39 orações) e 8% são de copiadora (12 orações). Em comparação com os resultados do Pe. Vieira, acreditamos que pudemos confirmar estudos recentes sobre o assunto que apontam a necessidade de escolarização e convívio com os padrões de escrita para se usar as relativas padrão preposicionadas. Nas cartas desse remetente, das 379 relativas de sintagma preposicionado, 92% são construções padrão e as nãopadrão, embora tenham existido atestando a existência de tais formas na escrita de um português do século XVII, representam, juntas, 8% dos dados (28 relativas cortadoras e 3 copiadoras). Um interessante resultado sobre as cartas de Vieira é que tendem a apresentar estruturas de relativização mais complexas por conta da complexidade dos assuntos tratados. Suas estruturas relativas privilegiam pronomes como cujo e quem e revelam construções de fórmula representativas do gênero textual carta. As cartas do Marquês também propiciaram a criação de fórmulas, estruturas que se repetem em determinados contextos de forma automática, como foi o caso das relativas padrão de objeto indireto: elas refreiam a mudança linguística, uma vez que a automação desse uso inibe a escolha pela estrutura cortadora. Ao estudar quatro corpora constituídos de cartas e um de Gazetas, chegamos à conclusão de que esse gênero textual propicia o desenvolvimento de estruturas de fórmula em diferentes partes do corpo do texto, principalmente quando se quer mostrar polidez. As estruturas linguísticas formulaicas encontradas não refletem, necessariamente, a realidade da Língua Portuguesa nos séculos XVI, XVII e XVIII. 201 Ser a partícula que a forma preferida pelos remetentes para a construção de orações relativas na Amostra estudada evidencia seu caráter universal. Ele é o mais produtivo nas construções relativas estudadas, o que pode evidenciar que, já em sincronias passadas, havia uma tendência à neutralização do traço flexional dos relativos. Segundo Castilho (2010) e Azeredo (2010), a ausência de concordância aponta para o esvaziamento semântico do pronome e a perda de seu caráter anafórico Esse resultado configura o princípio de um interessante estudo com cartas que pode se revelar uma estimulante viagem em busca das estratégias de relativização em séculos passados. 202 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, M. L. C. V. O. . Tradições discursivas em cartas de leitores na imprensa paulista: estudos dos papéis sociais e formas de tratamento numa perspectiva diacrônica. In: I SIMELP - I Simpósio Mundial de estudos de língua portuguesa, 2008, São Paulo. I SIMELP. São Paulo: FFLCH - Unicsul, 2008. v. 1. ARIM, Eva; RAMILO, Maria Celeste; FREITAS, Tiago. Estratégias de relativização nos meios de comunicação social portugueses. 2005. Disponível em: http://www.iltec.pt/pdf/wpapers2005-redip-relativas.pdf. Acesso em 19/jan/2008 AZEREDO, José Carlos. Fundamentos de Gramática do Português. 2000, rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. _________. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2010, Houaiss/ PUBLIFOLHA; 3ª Ed, redigida de acordo com a nova ortografia. BARBOSA, A.G. (2008). Tratamento dos corpora de sincronias passadas da língua portuguesa no Brasil: recortes grafológicos e lingüísticos. In: Para a história do português brasileiro. vol VI: Novos dados, novas analises ed Salvador: EDUFBA, 2006, v.II, p. 761-780. BARRETO, Therezinha. (1996). Estruturas Relativas in MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia (org.) A carta de Caminha: testemunho linguístico de 1500. Salvador: Editora de UFBA. BAZERMAN, Charles (2006). Gêneros textuais, tipificação e interação. 2ª. Ed, São Paulo: Cortez editora. BECHARA, Evanildo. (1999). Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, Edição revista e ampliada. RJ. _________________. (2006). Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, Edição revista e ampliada. Com o Novo Acordo Ortográfico. RJ. BISPO, Edvaldo Balduino (2009). Estratégias de relativização no português do Brasil: caso de cortadora. Tese de Doutorado, UFRN. 203 BYBEE, Joan. Mechanisms of change in grammaticization: the role of frequency. In:JOSEPH, B.& JANDA, R.D. (eds.) (2003). The Handbook of historical linguistics. Blackwell PPublishing Ltd BYBEE & HOPPER. (2001) Frequency and the emergence of linguistic structure. Amsterdam/ Philadelphia: John Benjamins. BYBEE, Joan (2010) – Language, Usage and cognition – Cambridge: New York, USA. CASTILHO, Ataliba Teixeira (2010). Nova Gramática do Português Brasileiro – São Paulo: Contexto. COMPANY, Concepción (2002). Gramaticalización, gênero discursivo y otras variables em La difusión Del cambio sintáctico (mimeo). CORRÊA,Vilma Reche. Oração Relativa: O que se fala e o que se aprende no português do Brasil. Tese de Doutorado. Campinas, Unicamp,1998. CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1985. 724 p. FARINHA, António Dias. Crónica de Almançor: Sultão de Marrocos (15781603). Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1997. CXVI + 776p. GOUVÊA, Lucia Helena Martins. Construções relativas na escrita padrão. Anais do VIII Congresso da Associação de Estudos da Linguagem do Rio de Janeiro. HEGYI, O. Minority and Restricted Uses of the Arabic Alphabet: The Aljamiado Phenomenon. In.: Journal of the American Oriental, 1979, p. 262269. 204 KABATEK, Johannes: “Tradiciones discursivas e mudanças linguisticas”, in: Lobo, Tânia, Ilza Ribeiro, Zenaide Carneiro & Norma Almeida (Eds.): Para a história do português brasileiro: novos dados, novas análises, Salvador: EDUFBA, 2006. _________________. J. (ed) - (2008) -. Sintaxis histórica Del español y cambio lingüístico: nuevas perspectivas desde lãs Tradiciones Discursivas. Madrid / Frankfurt: Iberoamericane/Vervuert. KATO, Mary. Recontando a história das relativas em uma perspectiva paramétrica. In: Robert, Iam & Kato, Mary (orgs.). (1993). Português Brasileiro: Uma viagem diacrônica. Campinas, SP, Ed. da Unicamp. ________________. (1981) Orações relativas: variação universal e variação individual no português. In Estudos linguísticos, V pp.1-16. KENEDY, Eduardo (2007) A Antinaturalidade de Pied-piping em orações relativas . Tese de doutorado. UFRJ KURY, Adriano da Gama. (2002). Novas lições de análise sintática. Ed. Ática, São Paulo. LABOV, W. (1978). Where does the sociolinguistic variable stop? A response to Beatriz Lavandera, Working Papers in Sociolinguistic (VOl 44). Austin, TX: Southwest Educational Development Laboraty. ___________.Principles of linguistic change. Vol. 1 Cambridge: Blakwell. LAVANDERA, Beatriz R. (1978) Where does the sociolinguistic variable stop? Language in Society, no. 7, p.171-182. Cambridge University Press. LESSA-DE-OLIVEIRA, Adriana Stella Cardoso (2006). Dados de mudança no sistema de relativização em português brasileiro. In Estudos Linguísticos XXXV, p. 224-233. LIMA, Rocha. (1997). Gramática Normativa da Língua Portuguesa – 34ª edição (retocada e enriquecida). Ed. José Olympio. 205 LISBOA, João Luís; MIRANDA, Tiago C. P; OLIVAL, Fernanda (org.) (2002). Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora. Vol.1 (1729-1731). Edições Colibri, CHC-UNL e CIDEHUS-UE LOPES, Célia (org). (2005) A norma brasileira em construção: fatos lingüísticos em cartas pessoais do Séc. XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. LOPES, David. Textos em aljamía portuguesa: Documentos para a história do domínio português em Safim. Lisboa: Imprensa Nacional, 1897. 150 p. ______. Textos em aljamia portuguesa: Estudo filológico e histórico. Nova edição inteiramente refundida. Lisboa: Imprensa Nacional, 1940. LUFT, Celso Pedro (2002) Moderna Gramática brasileira. 2 ª Ed.rev. e atual. São Paulo: Globo. MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. (2008) A preservação das faces e a construção da imagem no discurso político do marquês do Lavradio: as formas de tratamento como estratégias de atenuação da polidez lingüística. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ / FL, 2008. MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÌSIO, MACHADO e BEZERRA (orgs.)(2002). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, PP. 19-36. MATEUS, Maria Helena Mira et allii. (2003). Gramática da língua portuguesa. Lisboa, Editorial. Caminho. MOLLICA, Maria Cecília.(1977). Estudo da cópia nas construções relativas em português. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ______________________. (2003). Relativas em tempo real no português brasileiro contemporâneo. In: Mudança lingüística em tempo real. MOURA NEVES, Maria Helena de. (2000). Gramática de usos do português. São Paulo, UNESP. 206 NARO, Anthony Julius. & BRAGA, Maria Luiza. (2000) A interface sociolingüística/gramaticalização. Gragoatá, 9: 125-134. Niterói, 2o. sem. OLIVEIRA, Leonor de Araújo Bezerra. (1997) A trajetória da gramaticalização do onde: uma abordagem fincionalista. Natal:UFRN, Dissertação de Mestrado. ROSA-RODRÍGUEZ, Maria Del Mar. Religiosidades em Tánsito: el simulacro em el siglo XVI español. Tese submetida a Faculty of the Graduate School of Emery University – para obtenção do grau de Doutor de Filosofia em Espanhol, 2009. SILVA, Bianca Graziela Souza Gomes da. (2005) O caminhão que eu trabalhava com ele subia qualquer ladeira: um estudo sobre a gramaticalização do que. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. Mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. TARALLO, Fernando.(1994). Tempos Lingüísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa.Ed.Ática. TARALLO, F. (1983) Relativization Strategies in Brazilian Portuguese. 1983. 273p. Tese (Doutorado) ― University of Pennsylvania, Pennsylvania, Philadelphia. TEIXEIRA, Suely Ferreira Lima. Apontamentos para uma edição semidiplomática em aljamia portuguesa. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. VAREJAO, F. (2006) O uso variável das orações relativas no português europeu.. Disponível em: http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno1111.html __________. (2006). Variação em estruturas de concordância verbal e em estratégias derelativização no português europeu popular. RJ: UFRJ. (Tese de doutorado). WEINREICH, Uriel, LABOV, Willian & HERZOG, Marvin, (2006). Fundamento empíricos para uma teoria da mudança linguística. Tradução de Marcos Bagno. Revisão Técnica de Carlos Alberto Faraco. Posfásio de Maria da 207 Conceição e Maria Eugênia Lamoglia Duarte. São Paulo: Parábola Editorial. A Sympisium (em 1966) editado por LEHMANN, W. P. & MALKIEL, Y. Drirections for Historical Linguistics. Austin – London: University of Texas Press, 1968. P. 95-195.