Psicologia Aplicada ao Direito Expediente Curso de Direito – Coletânea de Exercícios Coordenação Nacional do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá Coordenação do Projeto Núcleo de Qualificação e Apoio Didático-Pedagógico Presidente: Professor Sérgio Cavalieri Filho Coordenação Pedagógica Prof.ª Tereza Moura Prof. Marcelo Machado Lima Organização da Coletânea Professores da disciplina, sob a coordenação da Prof.ª Stella Luiza Moura Aranha Carneiro Caro Aluno A Metodologia do Caso Concreto aplicada em nosso Curso de Direito é centrada na articulação entre teoria e prática, com vistas a desenvolver o raciocínio jurídico. Ela abarca o estudo interdisciplinar dos vários ramos do Direito, permitindo o exercício constante da pesquisa, a análise de conceitos, bem como a discussão de suas aplicações. O objetivo é preparar os alunos para a busca de resoluções criativas a partir do conhecimento acumulado, com a sustentação por meio de argumentos coerentes e consistentes. Desta forma, acreditamos ser possível tornar as aulas mais interativas e, conseqüentemente, melhorar a qualidade do ensino oferecido. Na formação dos futuros profissionais, entendemos que não é papel do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá tão-somente oferecer conteúdos de bom nível. A excelência do curso será atingida no momento em que possamos formar profissionais autônomos, críticos e reflexivos. Para alcançarmos esse propósito, apresentamos a Coletânea de Exercícios, instrumento fundamental da Metodologia do Caso Concreto. Ela contempla a solução de uma série de casos práticos a serem desenvolvidos pelo aluno, com auxílio do professor. Como regra primeira, é necessário que o aluno adquira o costume de estudar previamente o conteúdo que será ministrado pelo professor em sala de aula. Desta forma, terá subsídios para enfrentar e solucionar cada caso proposto. O mais importante não é encontrar a solução correta, mas pesquisar de maneira disciplinada, de forma a adquirir conhecimento sobre o tema. A tentativa de solucionar os casos em momento anterior à aula expositiva aumenta consideravelmente a capacidade de compreensão do discente. Este, a partir de um pré-entendimento acerca do tema abordado, terá melhores condições de não só consolidar seus conhecimentos, mas também dialogar de forma coerente e madura com o professor, criando um ambiente acadêmico mais rico e exitoso. Além desse, há outros motivos para a adoção desta Coletânea. Um segundo a ser ressaltado é o de que o método estimula o desenvolvimento da capacidade investigativa do aluno, incentivando-o à pesquisa e, conseqüentemente, proporcionando-lhe maior grau de independência intelectual. Há, ainda, um terceiro motivo a ser mencionado. As constantes mudanças no mundo do conhecimento – e, por conseqüência, no universo jurídico – exigem do profissional do Direito, no exercício de suas atividades, enfrentar situações nas quais os seus conhecimentos teóricos acumulados não serão, per si, suficientes para a resolução das questões práticas a ele confiadas. Neste sentido, e tendo como referência o seu futuro profissional, consideramos imprescindível que, desde cedo, desenvolva hábitos que aumentem sua potencialidade intelectual e emocional para se relacionar com essa realidade. E isto é proporcionado pela Metodologia do Estudo de Casos. No que se refere à concepção formal do presente material, esclarecemos que o conteúdo programático da disciplina a ser ministrada durante o período foi subdividido em 15 partes, sendo que a cada uma delas chamaremos “Semana”. Na primeira semana de aula, por exemplo, o professor ministrará o conteúdo condizente com a Semana nº 1; na segunda, com a Semana nº 2, e, assim, sucessivamente. O período letivo semestral do nosso curso possui 22 semanas. O fato de termos dividido o programa da disciplina em 15 partes não foi por acaso. Levou-se em consideração não somente as aulas que são destinadas à aplicação das avaliações ou os eventuais feriados, mas, principalmente, as necessidades pedagógicas de cada professor. Isto porque o nosso projeto pedagógico reconhece a importância de destinar um tempo extra a ser utilizado pelo professor – e a seu critério – nas situações na qual este perceba a necessidade de enfatizar de forma mais intensa uma determinada parte do programa, seja por sua complexidade, seja por ter observado na turma um nível insuficiente de compreensão. Hoje, após a implantação da metodologia em todo o curso no Estado do Rio de Janeiro, por intermédio das Coletâneas de Exercícios, é possível observar o resultado positivo deste trabalho, que agora chega a outras localidades do Brasil. Recente convênio firmado entre as Instituições que figuram nas páginas iniciais deste caderno, permitiu a colaboração dos respectivos docentes na feitura deste material disponibilizado aos alunos. A certeza que nos acompanha é a de que não apenas tornamos as aulas mais interativas e dialógicas, como se mostra mais nítida a interseção entre os campos da teoria e da prática no Direito. Por todas essas razões, o desempenho e os resultados obtidos pelo aluno nesta disciplina estão intimamente relacionados ao esforço despendido por ele na realização das tarefas solicitadas, em conformidade com as orientações do professor. A aquisição do hábito do estudo perene e perseverante não apenas o levará a obter alta performance no decorrer do seu curso, como também potencializará suas habilidades e competências para um aprendizado mais denso e profundo pelo resto de sua vida. Lembre-se: na vida acadêmica, não há milagres; há estudo com perseverança e determinação. Bom trabalho. Coordenação Geral do Curso de Direito Procedimentos para Utilização das Coletâneas de Exercícios 1. O aluno deverá desenvolver pesquisa prévia sobre os temas objeto de estudo de cada semana, envolvendo a legislação, a doutrina e a jurisprudência, e apresentar soluções, por meio da resolução dos casos, preparando-se para debates em sala de aula. 2. Antes do início de cada aula, o aluno depositará sobre a mesa do professor o material relativo aos casos pesquisados e pré-resolvidos, para que o docente rubrique e devolva no início da própria aula. 3. Após a discussão e solução dos casos em sala de aula, com o professor, o aluno deverá aperfeiçoar o seu trabalho, utilizando, necessariamente, citações de doutrina e/ou jurisprudência pertinentes aos casos. 4. A entrega tempestiva dos trabalhos será obrigatória, para efeito de lançamento dos graus respectivos (zero a dois), independentemente do comparecimento do aluno às provas. 5. Até o dia da AV1 e da AV2, respectivamente, o aluno deverá entregar o conteúdo do trabalho relativo às aulas já ministradas, anexando os originais rubricados pelo professor, bem como o aperfeiçoamento dos mesmos, organizado de forma cronológica, em pasta ou envelope, devidamente identificados, para atribuição de pontuação (zero a dois), que será somada à que for atribuída à AV1 e à AV2 (zero a oito). 6. A pontuação relativa à Coletânea de Exercícios na AV3 (zero a dois) será a média aritmética entre os graus atri- Procedimentos para Utilização das Coletâneas de Exercícios buídos aos exercícios apresentados até a AV1 e a AV2 (zero a dois). 7. As AV1, AV2 e AV3 valerão até oito pontos e conterão, no mínimo, três questões baseadas nos casos constantes da Coletânea de Exercícios. Coordenação Geral do Curso de Direito Sumário Semana 1 Psicologia científica e senso comum. Objetos de estudo da Psicologia. Fenômenos psicológicos. Semana 2 A Psicologia enquanto Ciência e suas interfaces com o Direito. A Psicologia, o Judiciário e a busca do ideal de Justiça – Primórdios da Psicologia aplicada ao Direito. Semana 3 Lei Jurídica X Lei Simbólica. Leis organizadoras da vida em sociedade. Transgressão e Lei simbólica. Semana 4 O Indivíduo. Personalidade: formação e desenvolvimento. Semana 5 Representações sociais de gênero. Relações afetivas. Semana 6 A Família. Estudo psicossocial da família. Tipos de famílias. Semana 7 A Sociedade. Organizações. Instituições. Grupos. Tipos de grupo. Análise do poder nas Instituições. Sumário Semana 8 Influências sociais. Preconceitos. Estereótipos. Discriminação. Semana 9 Exclusão social Noção de exclusão social. Pressupostos psicossociais de exclusão social. Semana 10 Comportamento. Comportamento anti-social e violência. Semana 11 As práticas Psi e suas aplicações no contexto jurídico. Área Cível. Semana 12 As práticas Psi e suas aplicações no contexto jurídico Infância, Juventude e Idoso. Semana 13 Infância e Juventude. Semana 14 As práticas Psi e suas aplicações no contexto jurídico. Área Criminal. Sistema Penitenciário. Semana 15 O processo de avaliação psicológica no Judiciário. 10 Bibliografia BÁSICA GONÇALVES, H.S. ; BRANDÃO, E. P. (Orgs.). Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: NAU, 2004. TRINDADE, J. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. ZIMERMAN, D; COLTRO, A . C. M. (Orgs.). Aspectos psicológicos na Prática Jurídica. 2ª ed. Campinas: Millennium, 2008. COMPLEMENTAR BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BRITO, L. M. T. de (Org.). Temas de Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. CRUZ, R. M.; MACIEL, S. K.; RAMIREZ, D. C. O trabalho do psicólogo no campo jurídico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L.; JABLONSKI, B. Psicologia Social. 18ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. SHINE, S. (Org.). Avaliação psicológica e a lei: adoção, vitimização, separação conjugal, dano psíquico e outros temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. 11 Psicologia Aplicada ao Direito Semana 1 Introdução ao estudo da Psicologia: Psicologia científica e senso comum. Objetos de estudo da Psicologia. Fenômenos psicológicos. TEXTO 1 Ciência e Psicologia: bases epistemológicas Por: Adelmo Senra Gomes1 Há muito em epistemologia2 vem-se tentando uma definição adequada de “Ciência”. Destacaremos, entrementes, algumas das principais características da ciência: 1ª. A coerência: “[...] ou seja, a ciência não pode ser contraditória, pois, como expressão das relações causais da natureza, a possibilidade de causas contraditórias simplesmente destruiria a possibilidade de existência do objeto. Não ser contraditório significa respeitar o princípio da contradição. Esse princípio foi formulado primeiro por Aristóteles de diversas maneiras: “Nada pode ao mesmo tempo ser e não ser”, “é necessário que toda asserção seja afirmativa ou negativa.”(VIEGAS, 2007, p. 55 – negritos meus); 2ª. A consistência: “[...] enquanto não for refutada, pressupõe-se que a assertiva científica não esteja limitada no tempo, presente, passado ou futuro. Aliás, essa é a função pragmática básica da ciência: a capacidade de prever. Sem essa capacidade a ciência torna-se inútil, pois não mais poderia servir como orientação para o ser humano” (p. 56 – negritos meus); e, 3ª. A generalidade: “A afirmação científica deve se referir a todos os casos aos quais se aplica ou, segundo a formulação clássica, não há ciência do indivíduo – [...]. Eis por que, embora possam ser vantajosamente utilizados como teste de métodos de abordagem de um objeto, os chamados ‘estudos de caso’ precisam comprovar a possibilidade de generalização para serem tidos como científicos, ou seja, que possam ser aplicados a quaisquer outros casos análogos. Quando se fala em ciências particulares, o adjetivo aplica-se ao objeto da ciência, não ao caso particular do objeto. O objeto pode ser particular, mas o conhecimento deve ser geral.” (p. 56) Ainda segundo VIEGAS (2007), são quatro os tipos do conhecimento: ideológico (ou senso comum3), religioso, filosófico e científico. Analise o quadro na página seguinte: Psicólogo, professor da UNESA do curso de Direito. Epistemologia (ou, filosofia do conhecimento) é a parte da filosofia que analisa a natureza, as formas e as bases metodológicas do conhecimento humano, notadamente o da Ciência. 3 O parêntese é meu. 1 2 13 Coletânea de Exercícios ELEMENTO DISCRIMINANTE CONHECIMENTO IDEOLÓGICO RELIGIOSO FILOSÓFICO CIENTÍFICO Fonte de conhecimento Não racional Inspiracional Racional Contingencial Atitude mental básica Justificação Aceitação Reflexão Dúvida Método de investigação Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático Tipo de apreciação Valorativa Valorativa Valorativa Factual (realístico) Posição diante do erro Infalível Infalível Infalível Falível Nível de exatidão Inexato Exato Exato Quase exato Teste de consistência Não verificável Não verificável Não verificável Verificável Fonte: VIEGAS, 2007, p. 36 A ciência utiliza os métodos indutivo, dedutivo e hipotético-dedutivo para construir suas proposições que nada mais são do que afirmações gerais do tipo: 1) Indução: “Se um grande número de As foi observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos esses As observados possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As têm a propriedade B.” (CHALMERS, 1993, p. 27). 2) Dedução: Todos os As têm a propriedade B. O objeto considerado é um A. Logo, ele também deve ter a propriedade B. 3) Hipotético-dedutivo: Todos os As possuem a propriedade B (proposição universal apriorística). Neste caso, há que se tentar falsear esta proposição buscando-se na experiência (ou seja, nos fatos) um A que não tenha a propriedade B. Caso isso ocorra, a proposição terá sido falseada. “O sucesso em testes sucessivos marca a qualidade da teoria, o que não quer dizer que ela seja verdadeira, mas apenas melhor que as concorrentes” (ASSIS apud VIEGAS, 1999, p. 129). Por fim, as ciências poderiam ser classificadas em função das características e da natureza de seus objetos. Neste sentido, então, propomos a seguinte distinção (BUNGE, 1989 apud VIEGAS, 2007, p. 58): ciências formais (seus objetos seriam abstrações e seu método, a lógica dedutiva – por exemplo, a Lógica e a Matemática) e ciências factuais (seus objetos pertenceriam ao campo físico, ou seja, seriam fatos possíveis de serem observados e experimentados.). Às ciências factuais, proponho, indo além da classificação de Bunge, as seguintes subdivisões: naturais (aquelas voltadas ao estudo dos fenômenos da natureza: por exemplo, a química, a física, a biologia etc.) e sociais (aquelas voltadas ao estudo dos fenômenos sociais: por exemplo, a sociologia, a antropologia, a economia etc.). Psicologia: origens e objetos A história da psicologia enquanto ciência inicia-se em 1879, quando na Universidade de Leipzig, Alemanha, o médico, filósofo e psicólogo ale- 14 Psicologia Aplicada ao Direito mão, Wilhelm Wundt, funda o primeiro grande laboratório de pesquisa em psicologia. Antes de Wundt a psicologia era tida, simplesmente, como um ramo da filosofia. Em sentido lato, a psicologia teria por objetos de pesquisa o “comportamento” e os “processos mentais” de todos os seres vivos (DAVIDOFF, 2001; MORRIS; MAISTO, 2004; MYERS, 1999). Define-se por comportamento toda forma de “[...] resposta ou atividade observável realizada por um ser vivo” (WEITEN, 2002, p. 520). Por seu turno, processos mentais aludiriam às “[...] experiências subjetivas que inferimos através do comportamento4 – sensações, percepções, sonhos, pensamentos, crenças, sentimentos” (MYERS, 1999, p. 2). “Ciências Psicológicas” A partir de uma reflexão epistemológica mais precisa, verifica-se que a Psicologia possuiria, de fato, diferentes objetos de pesquisa e, por conta disto, diferentes métodos e técnicas de pesquisa. Nas palavras de Japiassu: “Por isso, talvez fosse preferível falarmos, em vez de “Psicologia”, em “Ciências Psicológicas.” (1983, pp. 24-6). Por exemplo, no que concerne aos processos mentais, podemos citar os mecanismos da percepção e sua influência sobre o comportamento humano (objeto da escola gestáltica5); em relação ao comportamento anormal e suas injunções inconscientes, as pesquisas da escola psicanalítica.6 No que pese o comportamento e suas relações com os estímulos ambientais, os experimentos da escola behaviorista7, e assim sucessivamente. Por fim, recentemente na história da Psicologia no Brasil institucionalizou-se, a partir das possibilidades (e, concretamente, das demandas) interdisciplinares8 entre o Direito, o Judiciário brasileiro e a Psicologia, um novo Essas inferências de processos mentais a partir da observação do comportamento são chamadas de constructos (ou construções) psicológicas. 5 A escola gestáltica da psicologia surgiu na Alemanha no início do século passado, tendo focalizado suas pesquisas nos processos perceptivos da mente e suas influências no comportamento. 6 A escola psicanalítica surgiu em Viena no final do século XIX e início do século XX, com Sigmund Freud. O objetivo inicial de Freud era o de desenvolver um método de tratamento para os casos de neurose. Porém, com o avanço das observações clínicas, a psicanálise tornou-se um complexo conhecimento sobre as estruturas mentais e suas dinâmicas, notadamente as do inconsciente. 7 A escola behaviorista (do inglês behavior = comportamento) surgiu no início do século XX, nos EUA, com John Watson. Seu objeto é o comportamento observável. O behaviorismo primou pela cientificidade de suas pesquisas em relação ao comportamento, utilizando, por exemplo, a experimentação como sua principal técnica de pesquisa. 8 Interdisciplinaridade: Segundo Japiassu (1976, p. 75), é “a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os setores heterogêneos de uma mesma ciência [que] conduz a interações propriamente ditas, isto é, a uma certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida.” 4 15 Coletânea de Exercícios e vasto campo de pesquisa; uma nova prática para o psicólogo: a “Psicologia Jurídica”. Seu objeto (que, a nosso ver, carece ser precisado) localiza-se nas relações e interações entre o indivíduo, o Direito e o Judiciário. Na busca pelo ideal de Justiça e pela promoção dos direitos humanos, o psicólogo surge, portanto, como um ator importante, contribuindo, a partir do seu saber e da sua prática, para a afirmação da dignidade humana. QUESTÃO 1 Hans Kelsen em seu livro Teoria pura do Direito propõe uma distinção entre Direito e Ciências Jurídicas. Pesquise, pois, como Kelsen estabelece tal diferenciação. QUESTÃO 2 A partir da jurisprudência pátria ou em outros documentos jurídicos, exemplos da participação do psicólogo contribuindo no processo jurídico. TEXTO 2 Psicologia científica e psicologia do senso comum Todos nós usamos o que poderia ser chamado de psicologia de senso comum em nosso cotidiano. Observamos e tentamos explicar o nosso próprio comportamento e o dos outros. Tentamos predizer quem fará o quê, quando e de que maneira. E muitas vezes sustentamos opiniões sobre como adquirir controle sobre a vida (Ex: o melhor método para criar filhos, fazer amigos, impressionar as pessoas e dominar a cólera). Entretanto, uma psicologia construída a partir de observações casuais tem algumas fraquezas críticas. O tipo de psicologia do senso comum que se adquire informalmente leva a um corpo de conhecimentos inexatos por diversas razões. O senso comum não proporciona diretrizes sadias para a avaliação de questões complexas. As pessoas geralmente confiam muito na intuição, na lembrança de experiências pessoais diversas ou nas palavras de alguma autoridade (como um professor, um amigo, uma celebridade da TV). A ciência proporciona diretrizes lógicas para avaliar a evidência e técnicas bem raciocinadas para verificar seus princípios. Em consequência, os psicólogos geralmente confiam no método científico para as informações sobre o comportamento e os processos mentais. Perseguem objetivos científicos, tais 16 Psicologia Aplicada ao Direito como a descrição e a explicação. Usam procedimentos científicos, inclusive observação e experimentação sistemática, para reunir dados que podem ser observados publicamente. Tentam obedecer aos princípios científicos. Esforçam-se, por exemplo, por escudar seu trabalho contra suas distorções pessoais e conservar-se de espírito aberto. Ainda assim, os cientistas do comportamento não estão de acordo quanto aos pressupostos fundamentais relacionados aos objetivos, ao objeto primeiro e aos métodos ideais. Como outras ciências, a psicologia está longe de ser completa. Existem muitos fenômenos importantes que não são ainda compreendidos. As pessoa não devem esperar uma abordagem única do objeto da psicologia ou respostas para todos os seus problemas. Disponível em http://culturapsi.vilabol.uol.com.br/notaextra.htm QUESTÃO 1 A partir da argumentação do autor , faça um paralelo com a situação do Direito, dentro deste mesmo enfoque. Não deixe de exemplificar sua resposta com alguma forma de ordenamento jurídico. “As pessoas não devem esperar uma abordagem única do objeto da psicologia ou respostas para todos os seus problemas.” SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS: ALENCAR, J. R.; NASCIMENTO, C. L. F.; FACCI, K. M.; BAQUEANO, L. A. “A apropriação da Psicologia numa concepção popular”. Disponível em http://culturapsi.vilabol.uol.com.br/notaextra.htm BOCK, Ana. “A inserção da Psicologia na Sociedade Brasileira”. Disponível em http://www.pol.org.br/publicaoes/materia.cfm?Id=34&Materia=61 CHALMERS, A.F. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993. VIEGAS, W. Fundamentos lógicos da metodologia científica. Brasília (DF): Editora UnB, 2007. 17 Coletânea de Exercícios Semana 2 A Psicologia como Ciência e suas interfaces com o Direito. A Psicologia, o Judiciário e a busca do ideal de justiça. TEXTO 1 A inserção da Psicologia na Sociedade Brasileira Ana Bock Tenho, em várias oportunidades, realizado palestras sobre o compromisso social da Psicologia e sua inserção na sociedade brasileira. Tenho apresentado um pequeno histórico das idéias psicológicas no Brasil (a partir dos trabalhos de Marina Massimi e Mitsuko Antunes) para criticar o compromisso que a Psicologia vem mantendo com os interesses das elites brasileiras. A Psicologia esteve a serviço do controle, da higienização moral da sociedade e da diferenciação e categorização. Sempre procurando responder à demanda das elites de controlar a mão-de-obra indígena; de limpar a sociedade dos males morais e de colocar o homem certo no lugar certo. Mas sabemos que, já há alguns anos, a Psicologia vem buscando construir uma nova relação com a sociedade brasileira. Vem buscando um novo compromisso social; um compromisso com os interesses da maioria da população e com a melhoria da qualidade de vida em nossa sociedade tão desigual! A história que percorremos, o avanço de teorias críticas, a ampliação da categoria dos psicólogos que deixa de ser uma categoria composta somente pela elite brasileira, o aumento dos psicólogos disputando o pequeno mercado de trabalho que temos (somos 122 mil profissionais com condições de atuar), o apego que temos à nossa profissão, a busca do autoconhecimento, o individualismo característico de nossa sociedade, enfim, vários são os fatores que nos empurraram para uma posição mais próxima dos interesses da maioria da sociedade. Queremos trabalhar em Psicologia e queremos, para isto, que ela esteja ao alcance de todos que dela necessitam. E agora é a hora! Penso que, hoje, com a eleição do Governo Lula e toda a disposição e valorização do discurso da mudança, nós, psicólogos, devemos aproveitar para mostrar à sociedade brasileira nossa contribuição profissional. Os psicólogos têm, ao longo dos anos, construído uma profissão que tem tido pouca visibilidade social. Poucos sabem o que faz um psicólogo. Ainda somos vistos como profissionais para quem é doido ou tem cabeça fraca. Somos vistos como psicoterapeutas trabalhando com um paciente deitado 18 Psicologia Aplicada ao Direito no divã. No entanto, os psicólogos estão nos mais diversos locais e instituições, fazendo atividades diversas, com finalidades diversas. Temos várias áreas profissionais reconhecidas que estão nos currículos de formação, como possibilidade de estágio e de aprendizado. Temos resolução regulamentando especialidades; temos entidades representando as várias áreas que aglutinam os psicólogos que se identificam com determinadas práticas. Mas toda esta riqueza profissional não tem tido visibilidade. Temos psicólogos atuando com populações que tradicionalmente não tinham acesso a nossos serviços; psicólogos utilizando técnicas inovadoras, experimentando a aplicação de novos saberes. Enfim, temos diversificado nossa profissão e nossa ciência, sem que este processo corresponda a uma ampliação de nossa inserção social. Dar visibilidade à profissão, essa deve ser nossa meta. Devemos aproveitar a vontade de mudança que hoje a sociedade brasileira apresenta para propor um projeto ousado que nos coloque atuando na sociedade, contribuindo com a mudança e garantindo uma nova inserção social para a Psicologia e um novo compromisso com a sociedade brasileira. Quem sabe um Banco Social de Serviços em Psicologia? Por um novo compromisso com a sociedade brasileira; pela ampliação da inserção social da Psicologia. Disponível em http://www.pol.org.br/publicaoes/materia.cfm?Id=34&Materia=61 QUESTÃO 1 Para a autora: “A Psicologia esteve a serviço do controle, da higienização moral da sociedade e da diferenciação e categorização. Sempre procurando responder à demanda das elites de controlar a mão-de-obra indígena; de limpar a sociedade dos males morais e de colocar o homem certo no lugar certo. Mas sabemos que, já há alguns anos, a Psicologia vem buscando construir uma nova relação com a sociedade brasileira. Vem buscando um novo compromisso social; um compromisso com os interesses da maioria da população e com a melhoria da qualidade de vida em nossa sociedade tão desigual!” Partindo destes dois momentos da Psicologia, correlacione-os com o trabalho realizado junto ao Direito, nestes momentos. TEXTO 2 “A instituição judiciária é sempre um lugar de trabalho com o sofrimento. Sofrimento que advém do mal-estar inerente à cultura e que encontra ali uma forma particular de se expressar e de demandar auxílio. Lugar no qual 19 Coletânea de Exercícios se propõe a existência de um ideal de Justiça. A Justiça é uma das mais legítimas e mais impossíveis demandas do ser falante. Deve-se frisar: dizer que ela é impossível não significa que é totalmente irrealizável. Significa que a Justiça deve permanecer no horizonte ético mas que sua expressão nas decisões judiciais sempre parece subjetivamente incompleta. O dano pelo qual sofremos e do qual nos queixamos nos parece sempre estar além de qualquer reparação. Afinal, o que pode recuperar nossa perda? É a Lei: o que foi perdido é irrecuperável, resta construir novas possibilidades e para isto muitas vezes contamos com a lei. Por isso a relação com a lei é sempre conflitiva. Ela nos parece ao mesmo tempo o que nos cerceia a realização do desejo e o que a possibilita ao regular a relação com o outro” (MIRANDA JR, 1998). QUESTÃO 1 Como podemos entender a afirmação de que o que a Justiça expressa nas “decisões judiciais sempre parece subjetivamente incompleta”? QUESTÃO 2 Pesquisar na mídia (impressa e/ou televisiva) situações em que é possível ilustrar o pedido de “reparação subjetiva” dirigida ao Poder Judiciário. JUSTIÇA RESTAURATIVA Mudança de foco Na Justiça Restaurativa a questão central, em vez de versar sobre culpados, é sobre quem foi prejudicado pela infração. Ao contrário da Justiça Tradicional, que se ocupa predominantemente da violação da norma de conduta em si, a Justiça Restaurativa ocupa-se das conseqüências e danos produzidos pela infração. A Justiça Restaurativa valoriza a autonomia dos sujeitos e o diálogo entre eles, criando espaços protegidos para a auto-expressão e o protagonismo de cada um dos envolvidos e interessados – transgressor, vítima, familiares, comunidades. Partindo daí, fortalece e motiva as pessoas para a construção de estratégias para restaurar os laços de relacionamento e confiabilidade social rompidos pela infração. Enfatiza o reconhecimento e a reparação das conseqüências, humanizando e trazendo para o campo da afetividade relações atingidas pela infra- 20 Psicologia Aplicada ao Direito ção, de forma a gerar maior coesão social na resolução do problema e maior compromisso na responsabilização do infrator e no seu projeto de ajustar socialmente seus comportamentos futuros. Ressignificação de papéis Como na Justiça Restaurativa o foco muda do culpado para as conseqüências da infração, embora o ambiente de respeito para com a dignidade – capacidade e autonomia – do infrator, é a vítima quem assume um papel de destaque. Além disso, objetiva-se sempre a participação da comunidade. Procura-se mobilizar o máximo de pessoas que se mostrem relacionadas às partes envolvidas no conflito ou que possam contribuir na sua solução, abrindo espaço à participação tanto de familiares, amigos ou pessoas próximas do infrator ou da vítima como de representantes da comunidade atingida direta ou indiretamente pelas conseqüências da infração. Valores Restaurativos. A ética restaurativa é uma ética de inclusão e de responsabilidade social, e promove o conceito de responsabilidade ativa, essencial à aprendizagem da democracia participativa, ao fortalecer indivíduos e comunidades para que assumam o papel de pacificar seus próprios conflitos e interromper as cadeias de reverberação da violência. http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=JR&sub_ativo=JR QUESTÃO 1 Estabeleça um paralelo entre a Justiça Tradicional e a Justiça Restaurativa. QUESTÃO 2 Pesquise, utilizando os recursos da Internet, locais onde já está sendo utilizada a Justiça Restaurativa. Quais os resultados apresentados? SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS ALTOÉ, S. “Atualidade da Psicologia Jurídica”. Revista de Pesquisadores da Psicologia no Brasil (UFRJ, UFMG, UFJF, UFF, UERJ, UNIRIO). Juiz de Fora, Ano 1, Nº 2, julho-dezembro 2001. 21 Coletânea de Exercícios BALBINO, Vivina do C. Rios. “Violações dos direitos humanos no Brasil e propostas de mudanças na formação e prática do psicólogo”. Psicol. Am. Lat. [online]. set. 2007, nº 11 [citado 20 Junho 2008], p. 0-0. Disponível na World Wide Web: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X2007 000300016&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1870-350X. BONFIM, E. “Psicologia Jurídica: Atividades e requisitos para a formação profissional”. In: Conselho Federal de Psicologia (Org.). Psicólogo brasileiro. São Paulo: Casa do Psicólogo / CFP, 1994, pp. 235-243. BRANCHER, L. N. “Justiça Restaurativa: a cultura de paz na prática da Justiça”. Disponível em: http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/VIS%C3O+GERAL+JR_ 0.HTM MIRANDA JR, H.C. “Psicologia e Justiça”. Psicologia: ciência e profissão. 1998, ano 18, nº 1, pp. 28-37. Semana 3 Lei Jurídica X Lei Simbólica. Leis organizadoras da vida em sociedade.Transgressão e Lei simbólica. TEXTO 1 Lei, transgressões, famílias e instituições: elementos para uma reflexão sistêmica Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke Nas famílias de delinqüentes há, muitas vezes, uma total alienação diante das leis vigentes. Independentemente da classe social, nessas famílias, ou em alguns de seus membros, a lei maior não é considerada nem respeitada e, muitas vezes, até desprezada. As leis para uns pertencem aos livros e para outros, à classe social ligada ao poder. Perrone (1989) nos assinalou que o processo de interiorização da lei passa pela etapa de sua aceitação em benefício próprio, incluindo aos poucos o respeito do outro como ser diferente de si mesmo, até atingir o reconhecimento do outro na etapa final de aceitação da lei. Na primeira etapa, a lei seria percebida por meio do medo reverencial. Dentro do nosso contexto cultural, observa-se como se torna importante, nesse nível, a figura do juiz, do magistrado, do advogado, do delegado, do padre etc. Mas, geralmente, a reverência é ligada ao temor, muito mais do que uma compreensão realmente do que é a lei e para que ela é feita. É personalizada nas figuras de pessoas que representam a lei e observa-se nas formas 22 Psicologia Aplicada ao Direito com as quais as famílias fazem referências àqueles que representam a figura do “doutor” – no Brasil, todo advogado, delegado é “doutor”, e nas falas é muito freqüente “o doutor disse...”, “toma cuidado, porque o doutor falou...”, “o doutor pode prender”, entre outras. A percepção da função que é atribuída a essas pessoas é muito importante, pois indicam que a lei não foi internalizada. Ela o é somente por intermédio desses personagens. A segunda etapa para a interiorização seria a “lei para a proteção de si mesmo”. Observamos na linguagem familiar, muitas vezes, outra forma de abordar a questão. Se alguém cometeu uma infração, dizem: “Vamos chamar depressa o advogado, porque ele vai protegê-lo.” A lei passa a ser percebida como a serviço da proteção de si mesmo. É o início da passagem para a etapa da lei na função de proteção dos seus membros. A terceira etapa é a da interiorização da “Lei propriamente dita. Levaria em consideração a etapa anterior, da proteção de si mesmo e a do respeito do outro, ou seja, do outro enquanto diferente de si mesmo, o reconhecimento do outro, ou seja, o reconhecimento de direitos e deveres iguais. BUCHER-MALUSCHKE, Júlia Sursis Nobre Ferro. “Lei, transgressões, famílias e instituições: elementos para uma reflexão sistêmica”. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 23, nº esp., 2007. QUESTÃO 1 “As leis para uns pertencem aos livros e para outros, à classe social ligada ao poder.” De acordo com a autora, como poderia ser explicada esta situação? QUESTÃO 2 Para a autora, como ocorre o processo de internalização da lei? Qual o papel da família nesse processo? TEXTO 2 Clientes especiais Por: Maria Rita Kehl Rapazes que espancaram doméstica, no Rio, são obedientes às leis ditadas por uma sociedade que endeusa a falta de limites. Antes de mais nada, como já se notou, existe o viés social. 23 Coletânea de Exercícios De um lado existem “jovens” que ocasionalmente cometem atos delinqüentes. É o caso de Júlio, Leonardo e seus colegas, espancadores da Barra. Inspiram-nos cuidado semelhante ao que dispensamos aos nossos filhos. Tentamos compreender: o que aconteceu? (Psicólogos são chamados a justificar.) E existem os outros, os que já são bandidos antes de chegar (quando chegam) diante do juiz. A execução sumária confirma, a posteriori, o veredicto que a imprensa divulga sem questionar: A polícia matou 18 “suspeitos” em confrontos com supostos “bandidos”... Ninguém persegue o resultado das investigações sobre as tantas chacinas que caem no esquecimento. O que distingue uns dos outros é o número do CEP: na Barra, nos Jardins, no Plano Piloto vivem os jovens. Os outros, adultos anônimos desde os 14, vêm de bairros que não figuram no mapa: “Periferia é periferia em qualquer lugar.” Qualquer delegado de bom senso percebe na hora a diferença. Se a cor da pele confirmar o veredicto, melhor. A sociedade, representada pelo Dr. Ludovico Ramalho, pai de Rubens Arruda, se tranqüiliza: as travessuras dos “jovens”, adultos infantilizados das classes A e B, não ameaçam a segurança da gente de bem. Espancaram uma doméstica, mas pensavam que fosse prostituta. Ah, bom. Nos bairros onde vivem os jovens não há solidariedade com os chacinados das favelas, com os executados a esmo em Queimados, com os meninos abatidos na praça do Jaraguá, em SP. Os movimentos “pela paz” nunca se manifestam por eles. Ninguém de fora Mas, quanto mais o Brasil maltrata seus pobres, quanto mais a polícia sai impune dos excessos cometidos contra os anônimos cujas famílias não protestam por temor de represálias, quanto mais o país confia na lógica do “nós cá, eles lá”, mais o gozo da violência se dissemina entre todas as classes sociais. Para pacificar o país, seria preciso redesenhar o mapa do respeito e da civilidade de modo a não deixar ninguém de fora. Uma sociedade que assiste sem se chocar, ou sem se mobilizar, ao extermínio dos pobres — bandidos ou não — está autorizando o uso da violência como modo de resolução de conflitos, à margem da lei. Tomemos o ato de delinqüência cometido pelos meninos “de família” da Barra, no Rio. Que a culpa seja dos pais, vá lá. As declarações do pai de 24 Psicologia Aplicada ao Direito Rubens Arruda são reveladoras. Não que ele não transmita valores a seu filho. Mas serão valores relacionados à vida pública? Não terá o Dr. Ludovico educado seu filho para “levar vantagem em tudo”? Esse pai não admite que o filho seja punido pelo crime que cometeu. Há aqueles que não admitem que a escola reprove o jovem que tirou notas baixas, os que ameaçam o síndico do condomínio que mandou baixar o som depois das 22h etc. Olham o mundo pela ótica dos direitos do consumidor: se eu pago, eu compro. Entendem seus direitos (mas nunca seus deveres) pela lógica da vida privada, como fizeram as elites portuguesas desde a colonização. Quem disse que os jovens não lhes obedecem? Obedecem direitinho. Param em fila dupla, jogam lixo nas ruas, humilham os empregados — igualzinho a seus pais. Vez por outra, quando os pais precisam impor alguma interdição, já não se sentem capazes. O que nos coloca a pergunta: que valores, que representações, no imaginário social, sustentam o exercício necessário da autoridade paterna? Em nome de que um pai ou uma mãe, hoje, se sentem autorizados a coibir ou mesmo punir seus filhos? A autoridade não é um atributo individual das figuras paternas. A autoridade dos pais — e da escola, que também anda em apuros (quem viu Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim?) — deriva de uma lei simbólica que interdita os excessos de gozo. Uma lei que deve valer para todos. O pai que “tem moral” com seus filhos é aquele que também se submete à mesma lei, traduzida em regras de civilidade, de respeito e da chamada boa educação. Cliente especial Mas em nome de que, no imaginário social, a lei simbólica se transmite? Já não falamos em “Deus, pátria e família”, significantes desmoralizados em nome dos quais muitos abusos foram cometidos, sobretudo no período de 1964 a 1980 [regime militar]. No lugar deles, no entanto, que outros valores ligados à vida pública foram inventados pela sociedade brasileira? Em nome de que um pai que diz “não pode” responde à inevitável pergunta: “Não posso por quê?” Ocorre que a palavra de ordem que organiza nossa sociedade dita de consumo (onde todos são chamados, mas poucos os escolhidos) é: você pode. Você merece. Não há limites para você, cliente especial. 25 Coletânea de Exercícios Que o apelo ao narcisismo mais infantil vise a mobilizar apenas a vontade de comprar objetos não impede que narcisismo e infantilidade governem a atitude de cada um diante de seus semelhantes — principalmente quando o tal semelhante faz obstáculo ao imperativo do gozo. O que queriam os rapazes que espancaram Sirlei Dias de Carvalho Pinto? Um celular usado? Um trocado para comprar mais um papel? Descontar a insegurança sexual? “No limits”, diz um anúncio de tênis. Ou de cigarro, tanto faz. E os meninos obedecem. No fundo, são rapazes muito obedientes. Se a ordem é passar dos limites, pode contar com eles. Disponível em www.diap.org.br QUESTÃO 1 Como a autora contextualiza a questão da transmissão da lei simbólica nos dias atuais? QUESTÃO 2 De acordo com Kehl, significantes desmoralizados na nossa sociedade atual. A partir desta idéia, segundo o texto, o que estaria sendo valorizado? De que forma o nosso ordenamento jurídico está tratando esta situação? TEXTO 3 Loucura e inimputabilidade: conseqüências clínicas da inimputabilidade sobre o sujeito psicótico. Ana Heloisa Senra Cheib A especificidade das relações do Direito com a loucura vem sendo questionada há aproximadamente dois séculos. Respaldado pela ciência psiquiátrica, o Direito fez erguer-se a figura da inimputabilidade, buscando cumprir certa conciliação entre os ideais humanitários da modernidade e de sua função social, de garantir a paz e a segurança de uma universalidade que a ele se submete. Testemunha disso seria Pierre Riviére, que matou a mãe, a irmã e o irmão em 1835, e que nos foi apresentado e extensamente trabalhado por M. Foucault e sua equipe. Seu caso gerou inúmeras discussões entre aqueles que defendiam a pena máxima aplicável aos autores de crimes hediondos e entre 26 Psicologia Aplicada ao Direito aqueles que reconheciam sua insanidade no momento da prática de seu ato monstruoso. Em meio a elas, a palavra de Pierre inscreveu-se em um memorial que descrevia em detalhes as circunstâncias e as razões que o levaram a cometer os homicídios. Curiosamente, as evidências acolhidas para a sustentação da pena de morte pela forca aproximam-se daquelas recolhidas para a defesa de sua alienação mental, cabendo ao rei a intervenção que culminou com a comutação da pena de morte em prisão perpétua, uma vez considerada sua alienação mental. Pouco tempo depois de ser preso, contudo, Riviére suicidou-se por enforcamento. Tomando a lei ao pé da letra, esse sujeito desvelou uma única forma com que ela pôde se inscrever para ele. Já nesse momento, encontramos elementos que favorecerão interrogar o lugar do singular no universal, buscando apreender em que medida a função do Direito de fazer dos indivíduos, sujeitos, poderá se cumprir. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., III, 3, 2000. pp. 38-45 QUESTÃO 1 Levando em consideração o texto acima, qual o lugar do singular para o Direito? QUESTÃO 2 Cite em nosso ordenamento jurídico situações que favorecem a singularidade dos sujeitos. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS BUCHER-MALUSCHKE, Júlia Sursis Nobre Ferro. “Lei, transgressões, famílias e instituições: elementos para uma reflexão sistêmica”. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 23, nº esp., 2007. CHEIB, Ana Heloisa Senra. “Loucura e inimputabilidade: Conseqüências clínicas da inimputabilidade sobre o sujeito psicótico”. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., III, 3, 2000. pp. 38-45. SEQUEIRA, V. “A encruzilhada da lei”. Disponível em http://www.estadosgerais. org/encontro/a_encruzilhada-da_lei.shtml 27 Coletânea de Exercícios Semana 4 O Indivíduo. Personalidade: formação e desenvolvimento. TEXTO 1 Personalidade Personalidade é um termo que apresenta muitas variações de significado. Em geral representa uma noção de unidade integrativa do ser humano, pressupondo uma idéia de totalidade. No senso comum é usada para se referir à capacidade de rápidas tomadas de decisão, para se referir a uma característica marcante da pessoa, como timidez ou extroversão por exemplo, ou ainda para se referir a alguém importante ou ilustre: “uma personalidade”. A personalidade atribuída a uma pessoa pode definir, para o senso comum, se esta pessoa é boa ou má. A psicologia evita este juízo de valor. A personalidade seria um conjunto de características que diferenciam os indivíduos. Estes atributos seriam permanentes e dizem respeito à constituição, temperamento, inteligência, caráter, um jeito específico de se comportar. Para as teorias que utilizam o conceito de personalidade, ela significa a “organização dinâmica dos aspectos cognitivos, afetivos, fisiológicos e morfológicos do indivíduo”. Fala-se também em personalidade básica, que seriam as atitudes, tendências, valores e sentimentos dos membros de uma sociedade. A personalidade pressupõe a possibilidade de um indivíduo se diferenciar, ser original e ter particularidades. Através desta idéia pode-se predizer o que a pessoa fará em determinada situação, pode-se ter idéia de como ela reagiria. Nem todas as teorias trabalham com este conceito porque ele tem uma noção implícita de estrutura, de estabilidade e portanto de características que não mudam. No entanto, a personalidade é fruto de uma organização progressiva do ser humano e não apenas entendida como um fenômeno em si. Ela evolui de acordo com a organização interna do indivíduo. Disponível em http://coladaweb.com.psicologia/personalidade.htm QUESTÃO 1 Estabeleça um paralelo entre a noção de personalidade, segundo o texto, e esta mesma noção de acordo com o ordenamento jurídico. Quais são as semelhanças e as diferenças? 28 Psicologia Aplicada ao Direito TEXTO 2 A relação entre Transtorno de Personalidade e os atos delituosos dos internos do Sistema Penal do Estado do Pará Ana Paula Cavallare Ferreira Jamylle Hanna Mansur Como pode ser observado diariamente nas reportagens, o índice de violência é cada vez mais alarmante. Guerras, homicídios, estupros, atentados, espancamentos são alguns exemplos do que presenciamos em nosso dia-adia quando lemos ou assistimos ao noticiário. “A violência assusta mesmo os mais experientes legistas, policiais e membros de organismos de defesa dos direitos humanos” (CALDEIRA, 2002, p. 45). De acordo com tais relatos, são colocadas questões tais como: “qual o estado mental das pessoas que cometem atos delituosos, principalmente os ditos hediondos?”; “será que a punição, discriminação e encarceramento são as melhores alternativas de reabilitação para essas pessoas?”, “quais os transtornos de personalidade dos indivíduos internados no sistema penal?” Feldman (1977) afirmou que os crimes cometidos por doentes mentais têm características próprias. Pessoas perturbadas podem cometer um delito com menos habilidade; planejá-los com menos cuidado, ou escolher objetivos mais difíceis do que as pessoas estáveis, falhas essas que aumentam o risco de ser descoberto. Vemos todos os dias nos jornais algo exposto sobre a criminalidade; no entanto, quase não observamos a ênfase no transtorno mental que pode estar por trás de tal acontecimento. Por outro lado, observa-se que a sociedade como um todo fica desamparada. Não sabe como agir em uma situação de violência relacionada que envolva uma pessoa com transtorno mental; fato que está cada vez mais presente em nosso cotidiano. De acordo com Kaplan (1997), o termo “personalidade” pode ser definido como a totalidade dos traços emocionais e comportamentais que caracterizam o indivíduo na vida cotidiana que, sob condições normais, é relativamente estável e previsível. Um transtorno da personalidade representa uma variação desses traços de caráter que vai além da faixa encontrada na maioria dos indivíduos. De acordo com tal afirmação, pode-se dizer que existem diversos transtornos de personalidade e cada um tem sua característica própria e uma forma específica de intervenção. Quando existem casos de transtornos em uma penitenciária, nem sempre é efetuado o diagnóstico da doença, e os efeitos da prisão acabam por piorar a situação do doente. 29 Coletânea de Exercícios QUESTÃO 1 “Vemos todos os dias nos jornais algo exposto sobre a criminalidade; no entanto, quase não observamos a ênfase no transtorno mental que pode estar por trás de tal acontecimento.” De acordo com esta afirmativa, busque no ordenamento jurídico pátrio artigos que não confirmam esta posição. TEXTO 3 CICLO VITAL Maria Elizabeth Mori Vera Lucia Decnop Coelho O estudo sistemático do processo de envelhecimento é um dos principais eventos científicos do século XX, principalmente a partir dos anos 1950, apesar de o tema fazer parte de textos eruditos e obras literárias desde a Antigüidade. As experiências de envelhecimento populacional, com novas informações a respeito do processo vital, têm contribuído para uma maior atenção dos pesquisadores a todas as etapas da vida adulta, e não somente aos períodos da infância e da adolescência. Dessa forma, ampliam-se os espaços de estudo. Do âmbito familiar e escolar para os contextos “do ambiente do trabalho, dos meios político e comunitário, a esfera do lazer, dos hospitais, dos asilos e instituições para pacientes terminais” (NERI, 1995, p. 10). Segundo Neri (1995) e Staude (1983), as contribuições pioneiras da Psicologia para essa nova perspectiva do desenvolvimento foram estabelecidas por Stanley Hall (em 1922), H. L. Hollingworth (1927), Charlotte Buhler (1933), Carl Jung (1931), Pressey e colaboradores (1939), Robert Havinghurst (1948) e Erik Erikson (1950). Estas contribuições foram fundamentais para a elaboração de uma compreensão do desenvolvimento humano que se estende ao longo da vida. Apesar de considerarem que cada vida tem um caráter único, estes autores concluíram que o desenvolvimento adulto segue princípios comuns, com uma seqüência previsível e padronizada de etapas. Para Eizirik, Kapczinski e Bassols (2001), o conhecimento destas fases – estrutura dos padrões “normais” e conflitos psíquicos socialmente esperados – tem auxiliado na compreensão da saúde do indivíduo e de seus transtornos emocionais. Estudos recentes focalizam o desenvolvimento vital segundo o entrecruzamento de aspectos de natureza biológica, psicológica e sociocultural, que determinam a heterogeneidade entre os seres humanos. Segundo Neri 30 Psicologia Aplicada ao Direito (2001), a perspectiva de “Curso de Vida” considera que as trajetórias pessoais e de grupos, que convivem num determinado momento histórico, podem ser diferentes pela exposição a eventos específicos provocadores de estresse traumático. As pessoas localizam-se em estratos etários e sociais demarcadores de comportamentos e desempenho de papéis. No Brasil, apesar da compreensão de que a categoria idade é um conceito socialmente construído e de que a contemporaneidade tem como paradigma o prolongamento da juventude, a idade “tem significado a redução de oportunidades de acesso aos já escassos bens sociais” (NERI, 2001, p. 18). Assim, as trajetórias individuais de desenvolvimento não estão isoladas; ao contrário, são compartilhadas por experiências socioculturais de seus pares. Disponível em http: //www.revispsi.uerj.br/v3n2/artigos/ Artigo%204%20-%20V3N2.pdf QUESTÃO 1 No Brasil, apesar da compreensão de que a categoria idade é um conceito socialmente construído e de que a contemporaneidade tem como paradigma o prolongamento da juventude, a idade “tem significado a redução de oportunidades de acesso aos já escassos bens sociais” (NERI, 2001a, p. 18). A partir desta afirmação, pesquise no ordenamento jurídico confirmações e não-confirmações desta situação de redução descrita. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Angela Maria de Oliveira; CUNHA, Gleicimar Gonçalves. “Representações Sociais do Desenvolvimento Humano”. Disponível em http://www.scielo. br/pdf/prc/v16n1/16806.pdf CENTRO DE ESTUDOS EM NEUROCIÊNCIAS, PSICOLOGIA E SEXUALIDADE. “Desenvolvimento socioemocional segundo Erikson”. Disponível em http:// psicosex.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=23&Itemid=31 FERREIRA, Ana Paula Cavallare; MANSUR, Jamylle Hanna. “A relação entre Transtorno de Personalidade e os atos delituosos dos internos do Sistema Penal do Estado do Pará”. Disponível em http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/monografias/Transtorno_Personalidade_Delitos_Internos_Sistema_Penal.pdf 31 Coletânea de Exercícios Semana 5 Representações sociais de gênero. Relações afetivas. TEXTO 1 Bem-Feito! Quem Manda Ser Mulher? Maria Berenice Dias Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. A Constituição Federal reconhece a família como a base da sociedade, assegurando-lhe especial proteção. Faz expressa referência ao casamento, à união estável e às famílias formadas por só um dos pais e seus filhos. A legislação infraconstitucional, de forma exaustiva, regulamenta o casamento, concede tratamento discriminatório à união estável, mas esqueceu de regulamentar as unidades monoparentais. Esta injustificável omissão, no entanto, não autoriza que se tenham estas famílias como inexistentes. Nem essas e nem outras. Basta dar uma mirada na sociedade dos dias de hoje para concluir que a família é mesmo plural. E, ao final, a doutrina teve que se render e acabou reconhecendo que as entidades familiares vão além do rol constitucionalizado. Há toda uma nova construção do conceito de família, dando ênfase à solidariedade familiar e ao compromisso ético dos vínculos de afeto. A visão excessivamente sacralizada da família tenta identificar a monogamia como um princípio, quando se trata de mero elemento estruturante da sociedade ocidental de origem judaico-cristã. Até bem pouco tempo só era reconhecida a família constituída pelos “sagrados” laços do matrimônio. Daí o repúdio às uniões extramatrimoniais. Rotuladas de “sociedade de fato”, eram alijadas do direito das famílias. A tentativa de perpetuar a família fez o casamento indissolúvel e, mesmo depois do divórcio, ainda o Estado resiste em dissolvê-lo. Impõe prazos e tenta punir culpados. O interesse na preservação da família matrimonializada é tão grande que até 2005 o adultério era crime. A bigamia ainda é. O Estado se imiscui de tal maneira na intimidade do casal que impõe o dever de fidelidade (Cód. Civil, art. 1.566, I). Considera o adultério como justa causa para a separação (Cód. Civil, art. 1.573, I), e o reconhecimento da culpa do infiel faz com que ele perca o nome de casado (Cód. Civil, art. 1.578). Alimentos só recebe o quanto baste para sobreviver (Cód. Civil, art. 1.704, parágrafo único). 32 Psicologia Aplicada ao Direito A lei tenta de todas as formas obrigar a manutenção de um único vínculo familiar, mas a sociedade sempre tolerou a infidelidade masculina. Os homens são os grandes privilegiados, pois nunca foram responsabilizados por suas travessuras sexuais. Tanto é assim que durante muito tempo os “filhos adulterinos” não podiam ser reconhecidos. As uniões extramatrimoniais até há pouco não geravam quaisquer ônus ou encargos. E ter “outra” é motivo de orgulho e da inveja dos amigos. Em contrapartida, as mulheres sempre foram punidas. A infidelidade feminina autorizava o homem a “lavar a honra da família”, o que livrou muitos maridos traídos da cadeia. Como os “filhos ilegítimos” não tinham direito à identidade, eram só “filhos da mãe”, assumindo ela a responsabilidade exclusiva pela sua criação e manutenção. Também a resistência em abrigar o concubinato no âmbito do direito das famílias gerou legiões de mulheres famintas, pois não lhes era assegurado nem alimentos e nem direitos sucessórios. Como sociedades de fato, dividiam-se lucros e não os frutos de uma sociedade de afeto. Esta mania de punir a mulher como forma de assegurar ao homem o livre exercício da sexualidade ainda persiste. De maneira simplista os vínculos familiares que se constituem de modo concomitante ao casamento são condenados à invisibilidade. Contam com a conivência do Judiciário. Com isso, as uniões paralelas – uma façanha exclusivamente masculina – continuam sendo incentivadas. Os nomes são vários: concubinato adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, e até concubinagem. Mas a conseqüência é uma só: a punição da mulher. A ela é atribuída a responsabilidade pelo adultério masculino. Tanto que somente na hipótese de ela alegar que desconhecia a condição de casado do companheiro é que tem chance de receber parte do que conseguir provar que ajudou a amealhar. Caso confesse que sabia que o homem não lhe era fiel, é impiedosamente condenada a nada receber. O fundamento: não infringir o dogma da monoga mia. Assim, tanto a lei como a justiça continuam cúmplices do homem. Bem-feito! Quem manda ser mulher? QUESTÃO 1 Pesquise no nosso ordenamento jurídico civil, de 1916, artigos que preconizavam questões de gênero, em relação à opressão feminina. QUESTÃO 2 Quanto à sexualidade, o texto da Desembargadora Maria Berenice afirma que a mulher ainda é responsabilizada pelo adultério masculino. Pesquise na nossa jurisprudência alguma decisão que comprove esta afirmação. 33 Coletânea de Exercícios TEXTO 2 Violência e gênero – A construção da mulher como vítima e seus reflexos no Poder Judiciário: a lei Maria da Penha como um caso exemplar Alessandra de Andrade Rinaldi Nos campos socioantropológico e histórico brasileiros, desde o surgimento das investigações sobre relações entre gênero9 e Direito, houve a tendência em abordar a mulher como vítima. Isso se deve, em parte, ao fato de essa perspectiva de investigação científica ter surgido fortemente vinculada ao movimento feminista, a partir do qual se desenvolve a problemática da violência contra mulher. No Brasil da década de 1960, algumas mulheres brasileiras manifestaram preocupação em relação à opressão feminina, mas é somente na década de 1970 que surgem os primeiros grupos feministas. Entre os anos de 1975 e 1979 – considerado o período da primeira fase do movimento – são discutidas as liberdades democráticas. (...) O “crime passional” foi interpretado e tornado uma problemática obrigatória para os campos socioantropológicos e históricos nas produções intelectuais de cunho feminista a partir das décadas de 1970 e 1980.(...) Muitos dos trabalhos que discutiam violência e gênero, como os apresentados anteriormente, tendiam a ver as mulheres como um “não-sujeito” (Gregori, 1992). Fortemente influenciados pelo movimento feminista, representavam a mulher como um ser passivo e vitimizado. (...) Por fim, em 2002, foi criado o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), assinado também no mesmo ano pelo Governo brasileiro, que reconhece a competência do Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher para receber e considerar comunicações sobre violação dos direitos da mulher, ultrapassando as fronteiras nacionais. 9 “A categoria de gênero tem merecido um grande investimento nas discussões da chamada antropologia da mulher ou do ‘gênero’. O termo convencionalizado significa a dimensão dos atributos culturais alocados a cada um dos sexos em contraste com a dimensão anátomo-fisiológica dos seres humanos. A expressão assinala o que vem sendo cunhado como perspectiva construtivista em oposição a uma postura essencialista, que poderia ser imputada, por exemplo, ao termo papéis sexuais. O conceito destaca o favorecimento da dimensão de escolha cultural, pretendendo descartar alusões a um atavismo biológico para explicar as feições que o masculino e o feminino assumem em múltiplas culturas” (Heilborn, 1982:13). 34 Psicologia Aplicada ao Direito Esse mecanismo firmado pelo Brasil tinha por objetivo a fiscalização e adoção de medidas contra Estados que fossem condescendentes com situações de discriminação e violência contra a mulher. (...) O Brasil, no entanto, apareceu no rol desses Estados com um caso que ganhou repercussão internacional. Foi o de Maria da Penha Maia Fernandes que, ao ser denunciado, mostrou o país como um lugar de tolerância em relação à violência doméstica. Maria da Penha, no ano de 1983, foi vítima de uma tentativa de homicídio praticada por seu ex-marido, que disparou tiros de arma de fogo contra a mesma enquanto dormia. Em função do fato ocorrido, a vítima teve paraplegia nos membros inferiores. (Obra no PRELO: RINALDI, Alesssandra. Professora do Mestrado e Doutorado de Direito da UNESA) QUESTÃO 1 O Brasil é um local de tolerância da violência doméstica? Justifique sua resposta. QUESTÃO 2 Faça um pesquisa sobre a História da Mulher no Brasil, contendo os seguintes itens: Quando a mulher começou a votar? Quais suas participações no cenário das decisões políticas? QUESTÃO 3 Busque na doutrina posicionamentos acerca do crime passional. QUESTÃO 4 Segundo Gregori, estudos marcados pela ideologia feminista, ao incorporar a existência de limites muito precisos entre o masculino e o feminino, deixavam de “entender que padrões distintos de comportamentos instituídos para homens e mulheres são atualizados nas relações interpessoais que são vividas como únicas” ( RINALDI, Alessandra. In: “Violência e gênero – A construção da mulher como vítima e seus reflexos no Poder Judiciário: a lei Maria da Penha como um caso exemplar). A partir do trecho do texto acima, leis punitivas conseguem pôr fim à violência doméstica? 35 Coletânea de Exercícios TEXTO 3 União homoafetiva. Advogada terá de pagar pensão para ex-companheira por Débora Pinho Uma advogada está obrigada a pagar pensão alimentícia de dois salários mínimos para a ex-companheira, que é dona de casa. A liminar que impõe a obrigação foi concedida pela juíza Olinda de Quadros Altomare Castrillon, de Tangará da Serra, interior de Mato Grosso. A pensão provisória deve ser paga todo dia 10 de cada mês. A audiência de conciliação está marcada para o dia 16 de janeiro de 2008. A dona de casa alegou que viveu durante sete anos com a advogada e fazia os trabalhos domésticos. Argumentou, ainda, que era mantida por ela e dividiam a mesma casa na cidade de Juína (MT). Em maio de 2007, segundo a dona de casa, a advogada terminou o relacionamento e pediu para ela ir embora. Por isso, foi à Justiça pedir pensão alimentícia. “Embora a Carta Magna não tenha contemplado expressamente a união homoafetiva como relação familiar, conduz com tranqüilidade a esta conclusão, especialmente quando considerados os princípios basilares da dignidade humana, da igualdade substancial, da não-discriminação (inclusive por opção sexual) e do pluralismo familiar, consagrando diferentes modelos de entidade familiar”, afirmou a juíza, que também concedeu assistência judiciária gratuita para a autora da ação. A advogada tem um prazo de 15 dias para contestação, que começará a contar a partir da audiência de conciliação, se não houver acordo. QUESTÃO 1 Pesquise em nossa Jurisprudência pátria decisões que contemplem a questão da opção sexual ligada às relações afetivas. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS: BAUMAN, Z. O amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. PINHO, Débora. União homoafetiva. Advogada terá de pagar pensão para ex-companheira. Disponível em http://www.netlegis.com.br/indexRJ.jsp?arquivo=/detalhesNoticia.jsp&cod=34586 RINALDI, Alessandra de Andrade. Violência e gênero – A construção da mulher como vítima e seus reflexos no Poder Judiciário: a lei Maria da Penha como um caso exemplar. Obra no PRELO. 36 Psicologia Aplicada ao Direito Semana 6 A Família. Estudo psicossocial da família. Tipos de famílias. TEXTO 1 “Acontece nos dias 04 e 11 de agosto, de 9h às 17h, no Ministério Público do Rio de Janeiro, o I Seminário Estadual Pró-Convivência Familiar e Comunitária: Acolhimento em Guarda Subsidiada. Promovido pelo MP/RJ, pelo 4° Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça e pelo Centro de Estudos Jurídicos, em parceria com a Associação Brasileira Terra dos Homens – ABTH; o seminário abordará as diretrizes para a implantação de programas de guarda substituta, alternativas para a prática do abrigamento, como o acolhimento familiar, e as normas internacionais. O Programa de Guarda Subsidiada valoriza o direito à convivência familiar e prevê o tendimento especializado às famílias de origem, para que a criança ou adolescente possa ser reintegrado. A idéia é cuidar da família e não retirar a criança desta. Se o afastamento for necessário, em vez de abrigá-la em instituições, o programa prevê seu acolhimento por outras famílias, previamente cadastradas e capacitadas para substituir temporariamente a família de origem. Este programa está previsto no Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia da Convivência Familiar e Comunitária, que está em fase final de elaboração pelo Governo federal e será debatido no seminário em palestra do presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), José Fernando da Silva.” A família merece destaque, por sua reconhecida relevância social, não apenas em nosso ordenamento jurídico, mas também nas políticas públicas desenvolvidas, como podemos perceber a partir do texto selecionado. QUESTÃO 1 Que importantes funções tem a família para justificar essa ênfase que lhe é dada por todo o sistema? QUESTÃO 2 Existe, de acordo com a ciência, uma estrutura ideal para que a família desempenhe melhor essas funções? 37 Coletânea de Exercícios QUESTÃO 3 É possível haver uma sociedade estável e duradoura com famílias estruturadas de forma diferente das que temos hoje? Exemplifique sua resposta pesquisando na jurisprudência pátria algumas decisões fundamentadas em outras formas de família. TEXTO 2 Violência doméstica e as uniões homoafetivas Maria Berenice Dias Agora é lei. Está afirmado em lei federal que as uniões homoafetivas constituem entidade familiar. No momento em que é afirmado que está sob o abrigo da lei a mulher, sem se distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto lésbicas como travestis, transexuais e transgêneros que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminino justificam especial proteção. No entanto, a lei não se limita a coibir e a prevenir a violência doméstica contra a mulher independentemente de sua identidade sexual. Seu alcance tem extensão muito maior. Como a proteção é assegurada a fatos que ocorrem no ambiente doméstico, isso quer dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo são entidade familiar. Violência doméstica, como diz o próprio nome, é violência que acontece no seio de uma família. Diante da expressão legal, é imperioso reconhecer que as uniões homoafetivas constituem uma unidade doméstica, não importando o sexo dos parceiros. Quer as uniões formadas por um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres, quer as formadas por um homem e uma pessoa com distinta identidade de gênero, todas configuram entidade familiar. Ainda que a lei tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o conceito de família, independentemente do sexo dos parceiros. Se também família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Basta invocar o princípio da igualdade. No momento em que as uniões de pessoas do mesmo sexo estão sob a tutela da lei que visa a combater a violência doméstica, isso significa, inquestionavelmente, que são reconhecidas como uma família, estando sob a égide do Direito de Família. Não mais podem ser reconhecidas como sociedades de 38 Psicologia Aplicada ao Direito fato, sob pena de se estar negando vigência à lei federal. Conseqüentemente, as demandas não devem continuar tramitando nas varas cíveis, impondo-se sua distribuição às varas de família. Diante da definição de entidade familiar, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, visto que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. Maria Berenice Dias é Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. QUESTÃO 1 Diferencie violência doméstica de violência intrafamiliar. QUESTÃO 2 Busque no ordenamento jurídico a justificativa para a afirmação da Desembargadora Maria Berenice, no que tange ao direito no relacionamento homoafetivo de ser também julgado como violência doméstica. QUESTÕES OBJETIVAS Marque a alternativa correta, corrigindo as que estiverem erradas: a) É amplamente notório e perceptível que famílias estruturadas de forma diversa da configuração-padrão tradicional (pai-mãe-prole) não conseguem desempenhar suas funções da maneira adequada e socialmente esperada. b) A família tem pouca influência na formação e no desenvolvimento da personalidade das crianças, tendo em vista que elas já trazem em si, desde o nascimento, o gérmen de tudo aquilo que serão quando adultas. c) Ao educar, proteger e orientar os filhos, a família está desempenhando também uma função social de continuação da espécie humana e preparação de novos cidadãos para darem prosseguimento à vida social. d) A família é sempre o lugar de proteção e abrigo que esperamos que seja, onde seus membros encontram-se livres de qualquer tipo de violência e agressão, podendo se mostrar como realmente são. e) Família tem como função dar ao indivíduo afeto, carinho e amor. Limites, disciplina e regras de comportamento e convívio são coisas que as pessoas aprendem apenas na escola. 39 Coletânea de Exercícios Em casos de separação conjugal, a disputa de guarda pode expressar problemas relativos à conjugalidade extinta. Analise as assertivas abaixo e assinale a incorreta. Justifique sua resposta. a) O convívio com ambos os genitores é direito da criança e seu bemestar é ponto prevalente na decisão judicial. b) A guarda alternada caracteriza-se pela criança ficar períodos de tempo iguais com cada um dos genitores, alternadamente. c) A guarda conjunta caracteriza-se pelo compartilhamento das responsabilidades para com a criança, por ambos os genitores. d) Ficar sob a guarda da mãe, com visitação ao pai, quinzenalmente, nos finais de semana, é o que melhor atende aos interesses da criança. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS ARNOLD, Clarice Paim; STEIN, Thais Silveira. “Questões jurídicas no âmbito familiar: uma construção interdisciplinar”. Disponível em : http://www.tj.rs.gov. br/institu/c_estudos/doutrina/Questoes_Juridicas_ambito_familiar.doc DIAS, M. B. “Violência doméstica e uniões homoafetivas”. Disponível em http:// www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto1019.rtf FACHIN, Luiz Edson. “Família hoje. BARRETO”,Vicente (Org.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. Semana 7 A Sociedade. Organizações. Instituições. Grupos. Tipos de grupos. Análise do poder nas Instituições. TEXTO 1 O homem e o seu pertencer a um grupo Maria Leonor Cunha Gayotto CONCEITUAÇÃO DE GRUPO O ser humano é gregário por natureza e somente existe, ou subsiste, em função de seus inter-relacionamentos grupais. Sempre, desde o nascimento, o in- 40 Psicologia Aplicada ao Direito divíduo participa de diferentes grupos, uma constante dialética entre a busca de sua identidade individual e a necessidade de uma identidade grupal e social. Um conjunto de pessoas constitui um grupo, um conjunto de grupos constitui uma comunidade e um conjunto interativo das comunidades configura uma sociedade. A importância do conhecimento e a utilização da psicologia grupal decorre justamente do fato de que todo indivíduo passa a maior parte do tempo de sua vida convivendo e interagindo com distintos grupos. Assim, desde o primeiro grupo natural que existe em todas as culturas – a família nuclear, onde o bebê convive com os pais, avós, irmãos, babá etc., e, a seguir, passando por creches, escolas maternais e bancos escolares, além de inúmeros grupos de formação espontânea e os costumeiros cursinhos paralelos, a criança estabelece vínculos diversificados. Tais grupamentos vão se renovando na vida adulta, com a constituição de novas famílias e de grupos associativos, profissionais, esportivos, sociais etc. A essência de todo e qualquer indivíduo consiste no fato de ele ser portador de um conjunto de sistemas: desejos, identificações, valores, capacidades, mecanismos defensivos e, sobretudo, necessidades básicas, como a da dependência e a de ser reconhecido pelos outros, com os quais ele é compelido a conviver. Assim, como o mundo interior e o exterior são a continuidade um do outro, da mesma forma o individual e o social não existem separadamente, pelo contrário, eles se diluem, interpenetram, completam e confundem entre si. Com base nessas premissas, é legítimo afirmar que todo indivíduo é um grupo (na medida em que, no seu mundo interno, um grupo de personagens introjetados, como os pais, irmãos etc., convivem e interagem entre si). Da mesma maneira como todo grupo pode comportar-se como uma individualidade (inclusive podendo adquirir a uniformidade de uma caracterológica específica e típica, o que nos leva muitas vezes a referir determinado grupo como sendo “um grupo obsessivo”, ou “atuador” etc.). É muito vaga e imprecisa a definição do termo “grupo”, porquanto ele pode designar conceituações muito dispersas num amplo leque de acepções. Assim, a palavra “grupo” tanto define, concretamente, um conjunto de três pessoas ( para muitos autores, uma relação bipessoal já configura um grupo) como também pode conceituar uma família, uma turma ou gangue de formação espontânea; uma composição artificial de grupos como, por exemplo, o de uma classe de aula ou a de um grupo terapêutico; uma fila de ônibus; um auditório; uma torcida num estádio; uma multidão reunida num comício etc. Da mesma forma, a conceituação de grupo pode se estender até o nível de uma abstração, como seria o caso de um conjunto de pessoas que, compondo uma audiência, esteja sintonizado num mesmo programa de televisão; ou pode abranger uma nação, unificada no simbolismo de um hino ou de uma bandeira, e assim por diante. 41 Coletânea de Exercícios Existem, portanto, grupos de todos os tipos, e uma primeira subdivisão que se faz necessária é a que diferencia os grandes grupos (pertencem à área da macro-sociologia) dos pequenos grupos (micropsicologia). No entanto, vale adiantar que, em linhas gerais, os microgrupos – como é o caso de um grupo terapêutico – costumam reproduzir, em miniatura, as características socioeconômico-políticas e a dinâmica psicológica dos grandes grupos. Disponível em artebagaco.vilabol.uol.com.br/bazar/teatro/grupo.htm QUESTÃO 1 Segundo a autora, “um conjunto de pessoas constitui um grupo, um conjunto de grupos constitui uma comunidade e um conjunto interativo das comunidades configura uma sociedade”. Busque em nosso ordenamento jurídico artigos que contemplem essas definições. TEXTO 2 “Nossa civilização repousa, falando de modo geral, sobre a supressão dos instintos. Cada indivíduo renuncia a uma parte dos seus atributos: a uma parcela do seu sentimento de onipotênica ou ainda das inclinações vingativas ou agressivas de sua personalidade. Dessas contribuições resulta o acervo cultural comum de bens materiais e ideais” (Sigmund Freud, 1908). Considere as teorias e reflexões desenvolvidas acerca das contribuições da psicologia para a compreensão dos fenômenos de grupo em nossa sociedade e responda (V) Verdadeiro ou (F) Falso às questões abaixo. Justifique suas respostas. QUESTÃO 1 Sentimentos de onipotência individual podem ser fatores causadores de desagregação numa sociedade. ( ) Verdadeira ( ) Falsa Justificativa QUESTÃO 2 As leis jurídicas não têm efeito sobre a renúncia de inclinações vingativas ou agressivas das pessoas num grupo social. ( ) Verdadeira ( ) Falsa Justifique. 42 Psicologia Aplicada ao Direito QUESTÃO 3 O acervo comum de bens materiais e ideais compõem, em última instância, os valores de uma sociedade. ( ) Verdadeira ( ) Falsa Justifique. QUESTÃO 4 Os líderes numa sociedade são pessoas com personalidade autoritária, e por isto exercem influência sobre as pessoas de modo geral. ( ) Verdadeira ( ) Falsa Justifique. QUESTÃO 5 Uma manifestação pública ou uma rebelião são exemplos de formação de grupos. ( ) Verdadeira ( ) Falsa Justifique. TEXTO 3 AS UNIVERSIDADES E AS PRISÕES André Macedo de Oliveira A imprensa noticia constantemente a crise em que vive o sistema penitenciário nacional. De fato, a situação está caótica. O jurista Evandro Lins e Silva revela: “A prisão é realmente monstruosa, e eu tenho verdadeira alergia à cadeia. A política criminal de hoje dominante no pensamento científico dos estudiosos do direito penal é: prisão só em último caso. Só deve haver segregação de quem é perigoso. O cidadão não sendo perigoso, vamos encontrar uma maneira de permitir que ele volte à sociedade. (...) Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente” (O salão dos passos perdidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Ed. FGV, 1997, pp. 214-224). A prisão para Michel Foucault sempre esteve ligada a um proje- 43 Coletânea de Exercícios to de transformação dos homens. Os textos, os programas, as declarações de intenção existem para nos mostrar que a prisão deveria ser um espaço de desenvolvimento como a escola ou de tratamento como o hospital. Constata-se que desde 1820 a prisão, longe de transformar os criminosos em seres humanos dignos, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para empurrá-los ainda mais fundo na criminalidade (Cf. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, pp. 131-133). Entretanto, não existe reabilitação de um indivíduo que infringiu a lei sem a participação ativa da sociedade nesse processo. Incluir o cidadão significa promover a transparência no sistema carcerário. Não se trata de eximir o Estado de seu dever, mas de abrir um canal mais sólido no sentido de sensibilizar a sociedade, contando, inclusive, com a efetiva participação do Poder Judiciário e do Ministério Público, conforme expressamente comanda a Lei de Execução Penal. A reforma do sistema penitenciário precisa chegar à universidade e às escolas de Direito. As rápidas transformações do mundo contemporâneo destinam à universidade o exercício de superar as desigualdades sociais e regionais através de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. A universidade tem um papel fundamental na formação da sociedade enquanto prepara os cidadãos do futuro. Boaventura de Sousa Santos ressalta também o papel fundamental da interdisciplinaridade e a importância de cobrar atitudes socialmente responsáveis das universidades. O ensino superior não é apenas uma apropriação e transmissão do conhecimento já produzido. Os alunos têm que ser sujeito do processo de aprendizagem e críticos em relação ao que lhes é ensinado e à sua prática profissional cotidiana. Os estabelecimentos prisionais são um amplo campo de atuação. As universidades poderiam olhar mais para o sistema penitenciário inclusive como um mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que o sistema prisional precisa buscar um diálogo mais intenso com a academia. As universidades, sobretudo as federais, através de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, encontram um caminho na Lei de Execução Penal para “entrar” no cárcere. A referida lei prevê a assistência jurídica, material, educacional, social, religiosa e à saúde, orientando o retorno do preso à convivência em sociedade. Em todas as universidades federais e em grande parte das particulares temos cursos de psicologia, medicina, odontologia, pedagogia, farmácia, enfermagem, direito, serviço social, administração, sociologia. Áreas onde há enorme carência de recursos humanos em quase todos os estabelecimentos prisionais do país. Num convênio universidade-presídio, todos os cursos teriam como desafio permanente realizarem atividades e pesquisas que possibilitem o ser humano durante o cumprimento de sua pena a vislumbrar a busca de um novo 44 Psicologia Aplicada ao Direito comportamento. Vale citar como exemplo o espaço infinito de ação dos estudantes de jornalismo, artes cênicas, serviço social, psicologia, medicina, direito etc, para citar apenas algumas áreas. É um ponto de partida, pois o problema é muito complexo. Esse encontro das universidades com os presídios certamente terá um papel histórico notável, porque uma ação eficaz poderá romper com o círculo em que se encontra o preso, colocando-o numa perspectiva de cidadania. É hora das universidades saírem de seus muros e de os presídios abrirem suas portas. Disponível em http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action =doutrina&iddoutrina=2271 QUESTÃO 1 Que papel o autor do texto delega às Universidades? QUESTÃO 2 Para o autor a reabilitação dos presos deverá vir a partir de que fatores? SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS GAYOTTO, Maria Leonor Cunha. “O homem e seu pertencer a grupos”. Disponível em artebagaco.vilabol.uol.com.br/bazar/teatro/grupo.htm SILVA, M. V.; GRANDI, A.; AMARAL, M. S. “Afetividade, identidade e poder em grupos comunitários: características e articulações com o desenvolvimento do processo grupal”. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 8, nº 12, dez. 2002., pp. 125-129. ZANELLA, Andréa Vieira; PEREIRA, Renata Susan. “Constituir-se enquanto grupo: a ação de sujeitos na produção do coletivo”. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 6, nº 1, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? 45 Coletânea de Exercícios Semana 8 Influências sociais. Preconceitos. Estereótipos. Discriminação. TEXTO 1 Invisibilidade social: outra forma de preconceito Vivian Fernanda Garcia da Costa Mateus de Lucca Constantino Ser invisível é sofrer a indiferença, é não ter importância. Essa maneira de discriminação está cada vez mais inserida na sociedade. A invisibilidade social é um conceito aplicado a seres socialmente invisíveis, seja pela indiferença ou pelo preconceito. No livro Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social, o psicólogo Fernando Braga da Costa conseguiu comprovar a existência da invisibilidade pública, por meio de uma mudança de personalidade. Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari na Universidade de São Paulo. Segundo ele, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são “seres invisíveis, sem nome”. Há vários fatores que podem contribuir para que essa invisibilidade ocorra: sociais, culturais, econômicos e estéticos. De acordo com psicólogo Samuel Gachet a invisibilidade pode levar a processos depressivos, de abandono e de aceitação da condição de “ninguém”, mas também pode levar à mobilização e organização da minoria discriminada. Massa invisível Um dos principais causadores da invisibilidade é a questão econômica. “O sistema capitalista sobrevive sob a lei da mais-valia, na qual para que um ganhe é imediatamente necessário que outro perca. Desse modo, a população de baixa renda é vista como um vasto mercado consumidor, e essa é sua única forma de visibilidade”, explica Gachet. Para a universitária Sabrina Ribeiro Rodrigues a invisibilidade não só é provocada pelo fator econômico. “A educação familiar é determinante para a maneira como as pessoas tratam o outro”, completa. A bibliotecária Marlene Araújo acrescenta ainda que existe preconceito com as pessoas que não estão adequadas aos padrões de beleza. “Se fosse loira, alta e de olhos claros, com certeza me tratariam de outra maneira”, ressalta. “Para mim o fator econômico não é o principal causador da invisibilidade social, e sim o status que adquirimos diante da sociedade. Se um professor 46 Psicologia Aplicada ao Direito de uma faculdade particular aqui do Brasil estiver em uma faculdade renomada como a de Harvard, também se sentirá invisível”, explica a universitária Vanessa Evangelista. Segundo Gachet, o preconceito que gera invisibilidade se estende a tudo o que está fora dos padrões de vida das classes hierarquicamente superiores. Muitos são os indivíduos que sofrem com a invisibilidade social, como, por exemplo, profissionais do sexo, pedintes, usuários de drogas, trabalhadores rurais, portadores de necessidades especiais e homossexuais. Conseqüências A invisibilidade social provoca sentimentos de desprezo e humilhação em indivíduos que com ela convivem. De acordo com Gachet, ser invisível pode levar as pessoas a processos depressivos. “Aparecer é ser importante para a espécie humana, ser valorizado de alguma forma, é parte integrante de nossa passagem pela vida; temos que ser alguém, um bom profissional, um bom estudante, um bom pai, uma boa mãe, enfim, desempenhar com louvor algum papel social”, diz. Outra conseqüência dessa invisibilidade é a mobilização dos “invisíveis”, grupos de pessoas que se juntam para conseguir “aparecer” perante a sociedade. Muitos são os exemplos desses grupos: MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), a Central Única de Favelas (CUFA), fóruns nacionais, estaduais e municipais de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Esses grupos também podem ser encontrados no crime organizado: o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho). A invisibilidade social já está cotidianamente estabelecida e a sociedade acostumou-se a ela; passar por um pedinte na rua ou observar uma criança “cheirando cola” em uma esquina é algo corriqueiro na vida social; segundo Gachet, aceitar isso é violar os direitos humanos. “É preciso não só ver esses invisíveis, mas é preciso olhar para eles e sentir junto com eles, é preciso ‘colocar óculos em toda humanidade”, finaliza. QUESTÃO 1 A invisibilidade social já está cotidianamente estabelecida e a sociedade acostumou-se a ela. De que forma o Direito contribui para esta situação social? QUESTÃO 2 Busque em nosso ordenamento jurídico exemplos de visibilidade social. 47 Coletânea de Exercícios TEXTO 2 Discriminação social, racial e de gênero no Brasil Cristina Baida Beccari 12/04/2005 O racismo e a discriminação a qualquer título são abomináveis aos olhos daqueles que vivem a verdadeira humanidade e que tratam os outros com igualdade, respeito e amor, independente da cor, da raça, do sexo, da idade, da profissão etc. O Brasil é um país de cultura escravocrata e com grande miscigenação de raças, fatores estes que contribuíram para a existência de diversidades de culturas, valores e crenças. Somando-se a isso, encontramos as desigualdades oriundas dos vários anos de exploração econômica do proletariado, aos 350 anos de escravidão negra e da subseqüente abolição sem a acolhida no mercado de trabalho dos negros e sem que fossem propiciadas as condições mínimas para que eles subsistissem; além das desigualdades relativas às mulheres, aos idosos e às crianças, que também foram oprimidos durante a longa conquista da cidadania no Brasil. O Ministério do Trabalho lançou um documento chamado “Brasil, Gênero e Raça”, em que distingue Racismo, Preconceito, Estereótipo e Discriminação. Racismo [1] é a ideologia que postula a existência de hierarquia entre grupos humanos, que no caso em tela pode ser traduzida na pretensão da existência de uma certa hierarquia entre negros e brancos. Segundo Ferreira [2], o Racismo é a doutrina que sustenta a superioridade de certas raças, podendo representar ainda o preconceito ou discriminação em relação a indivíduos considerados de outras raças. Preconceito [3] é uma indisposição, um julgamento prévio negativo que se faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos. Compulsando a obra de Ferreira [4], aprendemos que Preconceito é uma idéia preconcebida ou, mais precisamente, a suspeita, a intolerância e a aversão a outras raças, religiões e credos. O Estereótipo [5] consiste em um atributo dirigido a determinadas pessoas e grupos que funciona como uma espécie de carimbo ou rótulo, que retrata um pré-julgamento. As pessoas rotuladas são sempre tratadas e vistas de acordo com o carimbo que recebem em detrimento de suas verdadeiras qualidades. A Discriminação [6] é a denominação atribuída a uma ação ou omissão violadora do direito das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como: raça, sexo, idade, crença, opção religiosa, nacionalidade 48 Psicologia Aplicada ao Direito etc. Ferreira [7] define a discriminação como sendo o tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc. O racismo é crime inafiançável e imprescritível, segundo o art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal, o qual ganhou efetividade através das Leis nos 7.716/89 e 9.459/97 e do livre acesso à Justiça assegurado constitucionalmente, bem como da assistência judiciária gratuita. A discriminação ocorre com maior freqüência contra a raça negra e mais precisamente em relação aos negros pobres, se agravando contra as mulheres, crianças e idosos negros e pobres. Embora haja na nossa legislação diversas fontes e recursos de combate contra a discriminação e o racismo, para que haja eficácia nessa batalha, é necessário a existência de uma consciência [8]. Faz-se mister que aqueles que são discriminados estejam conscientes da discriminação sofrida e reajam de forma inequívoca contra seus discriminadores, inclusive denunciando-os à Justiça. Por outro lado, é necessário que o povo brasileiro crie uma consciência das discriminações que existem no Brasil, eis que, comumente, a sociedade nega a ocorrência de discriminações atribuindo eventuais casos que caem no domínio público a comportamentos isolados de pessoas inescrupulosas. Ocorre que as discriminações existem e são reais e devem ser encaradas como fatos concretos que precisam ser combatidos e resolvidos, não bastando a mera maquiagem da realidade que por si só é discriminatória e corrobora para o crescimento do preconceito, do racismo, dos estereótipos e das discriminações sociais. Disponível no site: http://www.mp.pr.gov.br/gt_racismo/artigos_doutrina/combate_racismo.pdf , QUESTÃO 1 Correlacione os termos Racismo, Preconceito, Estereótipo e Discriminação com alguns artigos de nossa Carta Magna ou qualquer outro documento jurídico em vigor. TEXTO 3 Presos jovens da classe média acusados de furto no Rio RIO DE JANEIRO – A polícia prendeu três jovens de classe média acusados de furtar um apartamento no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio. Felipe Duarte Lopes de Melo Gama, de 20 anos, Luciano da Motta Branco e Érick Milton Cunha Ruiz, os dois de 24, moradores de Copacaba- 49 Coletânea de Exercícios na, foram denunciados por moradores de um apartamento vizinho. A polícia perseguiu os jovens até São Conrado, na saída do Túnel do Joá. Eles estavam com dois revólveres, mas não houve troca de tiros. Gama, Branco e Ruiz teriam entrado no prédio da Avenida Lúcio Costa, depois que moradores saíram deixando a garagem aberta. Não havia porteiro no edifício. Os acusados apertaram o interfone da residência para se certificarem de que estava vazia. Entraram no edifício num Fiat Marea, de um deles, e arrombaram o apartamento. Segundo a polícia, eles levaram microcomputador portátil, bebidas, perfumes, jóias e roupas. Denunciados por vizinhos, os rapazes foram perseguidos por policiais militares. O delegado Júlio Filho, titular da 16.ª Delegacia de Polícia (Barra da Tijuca), disse que investigará se eles estão envolvidos com outros crimes na região. “Eles têm um certo poder aquisitivo. Não são desamparados. Já têm advogados para defendê-los”, afirmou. “Eles estavam nas proximidades, viram a oportunidade e resolveram entrar.” Dos presos, dois tinham antecedentes criminais. Branco foi indiciado por roubo e Ruiz estava em liberdade condicional por roubo, tráfico e assalto à mão armada. Júlio Filho informou que os jovens serão indiciados por furto qualificado e porte ilegal de armas, crimes cujas penas podem chegar a 14 anos de prisão. QUESTÃO 1 Partindo do conceito de estereótipo como um conjunto de características presumidamente partilhadas por todos os membros de uma categoria social. Como você descreveria a situação dos três rapazes relatada acima. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA E DIREITOS DO CIDADÃO. Cartilha Cidadania para Todos. Preconceito, racismo e discriminação social. Disponível em http://www.dhnet.org.br/w3/ceddhc/bdados/cartilha14.htm LOPES, Cláudio Fragata. “Estereótipos nossos de cada dia”. Disponível em http:// galileu.globo.com/edic/113/rep_estereotipo.htm SILVA, Zacarias Anselmo da. “Combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação social”. Disponível em http://lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0025.pdf 50 Psicologia Aplicada ao Direito Semana 9 Exclusão social Noção de exclusão social. Pressupostos psicossociais de exclusão social. TEXTO 1 Exclusão Social A divulgação do texto sobre “Assistencialismo ou inclusão social?” (julho 2006) animou leitores e amigos a cobrar um posicionamento sobre a questão da exclusão social, fenômeno generalizado no mundo globalizado em praticamente todas as sociedades. Seguem alguns comentários para reflexão e discussão. A percepção dualista de exclusão e inclusão, como se fossem fenômenos polarizados e mundos separados, confunde a política com sentimentos de caridade; a cidadania com filantropia; e os direitos humanos com ajuda humanitária, o que leva, em última análise, à perda dos direitos de cidadania dos excluídos. Os resultados concretos dessas idéias e atitudes se manifestam na pressão de alterar a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), na flexibilização das relações trabalhistas, no desemprego e na redução paulatina da massa salarial. Trata-se de dois processos sociais com dinâmicas assimétricas e diferentes. Enquanto a inclusão social é produto de políticas públicas dirigidas concretamente para o resgate e a incorporação da população marginalizada, oferecendo condições e acesso à organização social, como produtores e consumidores, cidadãos com plenos direitos e senhores de seu destino, a exclusão é o resultado de uma dinâmica “perversa” de acumulação e reprodução do capital, cada vez mais aceleradas pela concentração de capitais no regime de mercados e espaços globalizados. A exclusão é inerente ao sistema capitalista, como fenômeno universal e inevitável, expandindo-se em ritmo e intensidade diferentes, ao acompanhar os ciclos de expansão e recessão da economia. Como medir a exclusão social? Em texto publicado no mês passado (“O negócio de doar”), apontamos para o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas); a taxa de desemprego, mormente entre jovens de 18-25 anos; a falta de acesso a serviços de educação e saúde, enfim, a falta de perspectivas que leva os marginalizados economicamente, territorialmente e culturalmente a ingressar no submundo do narcotráfico, 51 Coletânea de Exercícios prostituição e delinqüência. Os efeitos mais devastadores da exclusão social são sentidos a médio e longo prazos, na destruição e perda de capital humano e de capital social. As energias e o potencial criativo de milhões de jovens, perdidos pela falta de acesso à educação e formação profissional, constituem perdas irreparáveis na tarefa de construir uma força de trabalho diligente e disciplinada, condição primordial para o desenvolvimento. Por outro lado, a desarticulação de famílias e comunidades pelos efeitos prolongados do desemprego, falta de renda e de oportunidades de ascensão social e de auto-realização repercute profundamente em todo o tecido da organização social, impedindo manifestações de cooperação e solidariedade, pilares de uma sociedade integrada e coesa. Mesmo que as taxas de crescimento econômico fossem mais elevadas do que os pífios 2,5% do Brasil nos últimos 20 anos, nenhum desenvolvimento é viável quando 35-40% da população são excluídos da participação política e cultural, numa espécie de apartheid agravada pelos preconceitos de cor, etnia e de condições econômicas. Em nossa sociedade, o “social” e os problemas sociais são considerados de categoria inferior, subalterna, e os gastos com programas sociais até prejudicariam os investimentos “produtivos” e geradores de riquezas (de quem?). A exclusão pode ser analisada sob três dimensões: primeira, a dimensão material e objetiva da desigualdade social e econômica; a segunda refere-se à ética da injustiça social e dos preconceitos; e a terceira dimensão, subjetiva, de sofrimentos impostos a milhões de seres humanos. Uma visão, política e ética, alternativa é consubstanciada na proposta de Amartya Sem, prêmio Nobel de Economia, de encarar a exclusão não como uma falta de bens e serviços, mas como o bloqueio de possibilidades e opções para a emancipação e auto-realização profissional e pessoal de cada ser humano. Como enfrentar a exclusão em nossa sociedade? Freqüentemente, confunde-se políticas públicas em prol de direitos à cidadania com a “gestão” da pobreza e a filantropia. A complexidade dos problemas e a diversidade dos atores sociais envolvidos exigem análises e estudos interdisciplinares que devem orientar as políticas dos diferentes setores – saúde, educação, trabalho, lazer e administração pública. O trabalho não deve ser encarado apenas como o ganha-pão de cada dia, mas como o espaço no qual cada pessoa possa elaborar suas experiências, horizontes e expectativas de vida. 52 Psicologia Aplicada ao Direito O desemprego e o trabalho precário e informal, além de desestruturar a família e a comunidade, impossibilitam pensar o futuro, a carreira, enfim, um projeto individual, da família e da sociedade. Por isso, o papel do Estado, em todos os níveis do Poder Público, é fundamental na definição de estratégias de combate à exclusão, sem cair no assistencialismo populista. Tarefa primordial constitui o aprimoramento da eficácia da administração pública, o zelo pela igualdade jurídica; o desempenho dos investimentos sociais, criando cooperativas e redes de apoio mútuo, em reforço aos movimentos sociais que buscam sua inclusão. Uma política dinâmica de inclusão social não depende apenas das diretrizes e ações do Governo federal. Ela deve ser desenvolvida também em nível local e micro-regional através de iniciativas de cooperação e de autogestão. Também, não se pode descuidar da dimensão afetiva e intersubjetiva que responde aos desejos de encontrar-se com os outros na comunidade, de readquirir a confiança em si e nos outros e assim a auto-estima para ser feliz! Finalmente, será imprescindível a reestruturação das famílias e das comunidades locais, rompendo com a abordagem fragmentada, setorializada e estanque das disciplinas acadêmicas. Para mudar a cultura da exclusão e da pobreza, devemos reconstruir as relações sociais pervertidas por um sistema econômico social e ambientalmente desumano e insustentável. por Henrique Rattner http://www.espacoacademico.com.br/065/65rattner.htm QUESTÃO 1 Partindo de uma das três dimensões de exclusão social, desenvolvidas no texto acima, escolha uma delas e pesquise em nosso ordenamento pátrio formas de tentar diminuí-las ou solucioná-las. TEXTO 2 EXCLUSÃO SOCIAL Toda ação repetida gera hábito. O hábito muda o caráter. O caráter muda a existência. “Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível.” 53 Coletânea de Exercícios * Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da “invisibilidade pública”. Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério vira mera sombra social. Plinio Delphino, Diário de São Paulo. O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são”seres invisíveis, sem nome”. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da “invisibilidade pública”, ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400,00 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida: “Descobri que um simples bom-dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência”, explica o pesquisador. O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. “Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão”, diz. Apesar do castigo do sol forte, do trabalho pesado e das humilhações diárias, segundo o psicólogo, são acolhedores com quem os enxerga. E encontram no silêncio a defesa contra quem os ignora. Diário – Como é que você teve essa idéia? FERNANDO – Meu orientador desde a graduação, o professor José Moura Gonçalves Filho, sugeriu aos alunos, como uma das provas de avaliação, que a gente se engajasse numa tarefa proletária. Uma forma de atividade profissional que não exigisse qualificação técnica nem acadêmica. Então, basicamente, profissões das classes pobres. Diário – Com que objetivo? FERNANDO – A função do meu mestrado era compreender e analisar a condição de trabalho deles (os garis), e a maneira como eles estão inseridos na cena pública. Ou seja, estudar a condição moral e psicológica à qual eles estão sujeitos dentro da sociedade. Outro nível de investigação, que vai ser priorizado agora no doutorado, é analisar e verificar as barreiras e as aberturas que se operam no encontro do psicólogo social com os garis. 54 Psicologia Aplicada ao Direito Diário – Que barreiras são essas, que aberturas são essas, e como se dá a aproximação? Quando você começou a trabalhar, os garis notaram que se tratava de um estudante fazendo pesquisa? FERNANDO – Eu vesti um uniforme que era todo vermelho, boné, camisa e tal. Chegando lá eu tinha a expectativa de me apresentar como novo funcionário, recém-contratado pela USP pra varrer rua com eles. Mas os garis sacaram logo, entretanto nada me disseram. Existe uma coisa típica dos garis: são pessoas vindas do Nordeste, negros ou mulatos em geral. Eu sou branquelo, mas isso talvez não seja o diferencial, porque muitos garis ali são brancos também. Você tem uma série de fatores que são ainda mais determinantes, como a maneira de falarmos, o modo de a gente olhar ou de posicionar o nosso corpo, a maneira como gesticulamos. Os garis conseguem definir essas diferenças com algumas frases que são simplesmente formidáveis. Diário – Dê um exemplo. FERNANDO – Nós estávamos varrendo e, em determinado momento, comecei a papear com um dos garis. De repente, ele viu um sujeito de 35 ou 40 anos de idade subindo a rua a pé, muito bem arrumado com uma pastinha de couro na mão. O sujeito passou pela gente e não nos cumprimentou, o que é comum nessas situações. O gari, sem se referir claramente ao homem que acabara de passar, virou-se pra mim e começou a falar: “ É, Fernando, peão anda macio, quase não faz barulho. Já o pessoal da outra classe você só ouve o toc-toc dos passos. E quando agente está esperando o trem logo percebe também: o peão fica todo encolhidinho olhando pra baixo. Eles não. Ficam com olhar só por cima de toda a peãozada, segurando a pastinha na mão.” Diário – Quanto tempo depois eles falaram sobre essa percepção de que você era diferente? FERNANDO – Isso não precisou nem ser comentado, porque os fatos no primeiro dia de trabalho já deixaram muito claro que eles sabiam que eu não era um gari. Fui tratado de uma forma completamente diferente. Os garis são carregados na caçamba da caminhonete junto com as ferramentas. É como se eles fossem ferramentas também. Eles não deixaram eu viajar na caçamba, quiseram que eu fosse na cabine. Tive de insistir muito para poder viajar com eles na caçamba. Chegando no lugar de trabalho, continuaram me tratando diferente. As vassouras eram todas muito velhas. A única vassoura nova já estava reservada para mim. Não me deixaram usar a pá e a enxada, porque era um serviço mais pesado. Eles fizeram questão de que eu trabalhasse só com a vassoura e, mesmo assim, num lugar mais limpinho, e isso tudo foi 55 Coletânea de Exercícios dando a dimensão de que os garis sabiam que eu não tinha a mesma origem socioeconômica deles. Diário – Quer dizer que eles se diminuíram com a sua presença? FERNANDO – Não foi uma questão de se menosprezar, mas sim de me proteger. Diário – Eles testaram você? FERNANDO – No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo, pegou duas latinhas de refrigerante, cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e, claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca eles disseram: “E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?” E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar. Diário – O que você sentiu na pele, trabalhando como gari? FERNANDO – Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo em frente ao centro acadêmico, passei em frente à lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angústia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado. Diário – E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou? FERNANDO – Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando – professor meu – até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão. Diário – E quando você volta para casa, para seu mundo real? 56 Psicologia Aplicada ao Direito FERNANDO – Eu choro. É muito triste porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma coisa. Disponível em http://portalgirassol.blogspot.com/2007/12/excluso-social.html QUESTÃO 1 A partir da entrevista com Fernando, busque na Declaração dos Direitos Humanos artigos que deveriam ser respeitados. TEXTO 3 A decisão judicial e a inclusão jurídica Paulo Henriques Fonseca A inclusão social passa hoje pela inclusão jurídica, pelo fato de que a dignidade da pessoa humana fez agregar uma série de direitos a respeito da justiciabilidade. A inclusão jurídica passa pelo acesso à fala autorizada e fortemente simbólica do Judiciário por seus órgãos monocráticos ou colegiados. É a garantia última que têm os cidadãos, como gênero, de verem o seu patrimônio jurídico considerado. A informação sobre os direitos é outro elemento da inclusão jurídica que afeta a decisão enquanto a torna compreensível pela sociedade e destinatários. A linguagem exerce aí um papel relevante e a atividade jurídica e a judicial especialmente, pois o direito à informação é de assento constitucional. A necessidade de fundamentar a decisão judicial não se cinge àquela de possuir certezas absolutas ou quadros de referências teóricas e científicas absolutas, mas de compreender e circunstanciar objetivamente e provocar adesão subjetivamente nos diversos atores participantes. A produção de adesões e de nova legitimidade se dá com a eficácia decisória restaurada. A opção política e institucional pela decisão é que a fará se impor respeitavelmente. Disponível em http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/ anais/recife/hermeneutica_paulo_da_fonseca.pdf 57 Coletânea de Exercícios QUESTÃO 1 Segundo o autor, há uma correlação entre o direito à informação e a linguagem. Como o ordenamento jurídico pátrio descreve estas situações? SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS FONSECA, Paulo Henriques. “A decisão judicial e a inclusão jurídica”. Disponível em: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/recife/hermeneutica_paulo_ da_fonseca.pdf GUARESCHI, P. A. “Pressupostos psicossociais da exclusão: competitividade e culpabilização”. In: SAWAIA. B. (org). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2001, pp. 141-156. SAWAIA, B. “O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão”. In: SAWAIA. B. (org). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e éticada desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2001. pp. 97-127. Semana 10 Comportamento. Comportamento anti-social e violência. TEXTO 1 O desenvolvimento do comportamento anti-social Janaína Pacheco; Patrícia Alvarenga; Caroline Reppold; Cesar Augusto Piccinini; Claudio Simon Hutz O conceito de comportamento anti-social apresentado e discutido neste artigo está baseado na proposta de Patterson e colaboradores (Capaldi & Patterson, 1991; DeBaryshe, Patterson & Capaldi, 1993; Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989; Patterson & cols., 1992), que propõem que esse padrão é adquirido na infância. Esses autores baseiam-se em uma perspectiva cuja ênfase central é o papel da interação da criança com os membros da família e com o grupo de pares. Dentro desse enfoque, tanto o comportamento pró-social quanto o comportamento desviante de uma criança são diretamente aprendidos nas interações sociais, particularmente com membros da família, e vão se alterando a partir das exigências ambientais e do desenvolvimento do indivíduo. O comportamento anti-social pode ser definido como um padrão de resposta cuja conseqüência é maximizar gratificações imediatas e evitar ou 58 Psicologia Aplicada ao Direito neutralizar as exigências do ambiente social (Loeber, 1982; Patterson & cols., 1992). Os comportamentos anti-sociais são eventos aversivos e contingentes e sua ocorrência estaria diretamente relacionada à ação de uma outra pessoa (Deater-Deckard & Plomin, 1999; Frick, Chritian & Wooton, 1999; Loeber, 1982; Patterson & cols., 1992; Pettit, Lairf, Dodge, Bates & Criss, 2001). Em termos operacionais, Capaldi e Patterson (1991) propõem que o constructo anti-social seja avaliado considerando tanto os comportamentos abertos, como brigar, desobedecer, xingar e bater, quanto os comportamentos velados, como mentir, roubar, fugir de casa e trapacear. Um aspecto importante para a definição de comportamento anti-social é que este exerce uma função na relação do indivíduo com o ambiente social (Patterson & cols., 1992). Embora seja uma forma primitiva de enfrentamento, este comportamento é efetivo para modificar o ambiente. Indivíduos anti-sociais utilizam comportamentos aversivos para modelar e manipular as pessoas à sua volta, e, devido à sua efetividade, esse padrão pode se tornar a principal forma de esses indivíduos interagirem e lidarem com as outras pessoas (Patterson & cols., 1992). A efetividade do comportamento anti-social está relacionada principalmente às características da interação familiar, à medida que os membros da família treinam diretamente esse padrão comportamental na criança (Patterson & cols., 1992). Os pais, em geral, não são contingentes no uso de reforçadores positivos para iniciativas pró-sociais (Dumas & Wahler, 1985) e fracassam no uso efetivo de técnicas disciplinares para enfraquecer os comportamentos desviantes (DeBaryshe & cols., 1993). Além disso, essas famílias se caracterizam pelo uso de uma disciplina severa (Fox, Platz & Bentley, 1995; Pettit, Bates & Dodge, 1997; Rothbaum & Weisz, 1994) e inconsistente (Campbell, 1995), com pouco envolvimento parental e pouco monitoramento e supervisão do comportamento da criança (Loeber & Dishion, 1983). O efeito das práticas parentais ineficazes é permitir uma série de interações diárias, nas quais os membros da família inadvertidamente reforçam o comportamento coercitivo e os problemas de conduta da criança (Capaldi, Chamberlain & Patterson, 1997). Patterson e colaboradores (1989) afirmam que em algumas ocasiões o comportamento é reforçado positivamente, através de atenção ou aprovação, mas a principal forma de manutenção deste padrão ocorre por meio de reforçamento negativo, ou condicionamento de esquiva. Em geral, a criança utiliza-se de comportamentos aversivos para interromper a solicitação ou a exigência de um outro membro da família. Ainda segundo os autores, a aprendizagem do comportamento anti-social ocorreria 59 Coletânea de Exercícios paralelamente a um déficit na aquisição de habilidades pró-sociais. Desta forma, essas famílias parecem desenvolver crianças com dois problemas: alta freqüência de comportamentos anti-sociais e pouca habilidade social (Bolsoni-Silva & Marturano, 2002; Patterson & cols., 2000). Como pode ser observado, de acordo com essa perspectiva, a caracterização do comportamento anti-social refere-se inicialmente a eventos aversivos que ocorrem na interação familiar e com os pares, e envolvem comportamentos, tais como chorar, gritar, implicar, ameaçar e, ocasionalmente, bater. Esses comportamentos parecem pouco graves quando comparados ao que normalmente denomina-se anti-social, ou seja, comportamentos como brigar, roubar, assaltar e usar drogas (Patterson & cols., 1992). No entanto, Patterson (1998) argumenta que, no decorrer das interações, a criança e os outros membros da família aumentam gradualmente a intensidade e a amplitude dos comportamentos coercitivos. Dessa forma, os comportamentos anti-sociais que ocorrem na infância são protótipos de comportamentos delinqüentes que poderão acontecer mais tarde. A delinqüência, então, representa um agravamento de um padrão anti-social que inicia na infância e, normalmente, persiste na adolescência e na vida adulta (Farrington, 1995; Veirmeiren, 2003). TEXTO 2 Violência e crime, sociedade e Estado Luiz Otavio O. Amaral Compreendendo o problema – É de se fugir do lugar comum e não menos verdadeiro de que a violência (inclusive a institucional) marca indelevelmente nossa formação social. O mesmo se diga quanto à seletividade de nosso sistema penal que alcança melhor e mais depressa pobres, negros e nordestinos (migrantes depauperados) e quanto à arrogância e descaso de boa parte de nossas elites e governantes para com os direitos em geral e especialmente os direitos humanos das classes subalternas. Os nossos negros, nordestinos (sobretudo fora do nordeste), índios, homossexuais, população de rua estão, todos, de fato (e não de direito, é claro) à margem da cidadania e sofrem a violência da discriminação social, mais ou menos ostensiva, que vai desde a mera suspeita até julgamentos/condenações/execuções penais bastante influenciadas por preconceitos e injustiças sociais. As cidades faveladas, quilombadas ou mocambadas que hoje se defrontam com nossas 60 Psicologia Aplicada ao Direito “cidades européias” (em potencial guerrilha urbana ) é realidade gêmea daqueloutra que tem relegado, não é de agora, a segurança pública, em todo país, a uma atuação autofágica (porque pobre em prevenção e seriedade política, mas rica em autodestruição) e portanto socialmente explosiva (porque ao descomprometer até o mero soldado PM, profissionalmente subutilizado, sub-remunerado, compromete com o crime novos contingentes de excluídos e exploradores...). A violência e o crime (violência reprimida formalmente pela lei), todavia, são comportamentos sociais inerentes à natureza humana; cada sociedade estabelece até que ponto há de tolerar a violência. Assim o limite à violência não é apenas legal, mas sobretudo social. A existência do crime é fato social normal (Durkheim), embora sempre abominável e logo punível seu autor; anormal e patologia social é o crime em taxas altas. O crime para a sociedade é como a célula doente para o organismo humano, sempre há e haverá a célula maligna que é controlada e contida pela defesa orgânica; a doença estará caracterizada com a alta taxa destas unidades mórbidas, porém cada célula doente merece, por si só, tratamento. Dir-se-ia, com precisão, que a violência, quando guiada por valores éticos-sociais, não pode ser descartada, é, pois, um mal necessário e ainda inerente ao nosso estágio evolucional. Disponível em http://www.datavenia.net/opiniao/LuizOOAmaral.html QUESTÃO 1 Pesquise em nosso ordenamento pátrio formas de os institutos legais tratarem a violência e o crime. Essa visão do Direito estaria de acordo com o texto acima. TEXTO 3 Mais polícia e melhores escolas José Vicente da Silva Filho Publicado na Folha de São Paulo de 23/11/2007 Pensar o criminoso como vítima da injustiça social e da pobreza é um dos entraves ideológicos às medidas de redução da violência O Estado de São Paulo deve registrar neste ano 8.000 assassinatos a menos do que em 1999, uma redução de 72%. Nova York demorou dez anos para façanha semelhante; Bogotá, 12 anos. 61 Coletânea de Exercícios Não estamos nos referindo a uma cidade, mas a um mosaico de 645 municípios e 40 milhões de habitantes, com uma das mais complexas áreas metropolitanas do planeta, onde o desafio da violência parecia insuperável. Um dos mais extraordinários fenômenos sociais do mundo vem ocorrendo em São Paulo, que está entrando na zona considerada pela ONU como padrão não epidemiológico de violência, próximo dos dez mortos por 100 mil habitantes, enquanto o Brasil ostenta uma taxa que é o triplo. O sr. Sérgio Salomão Shecaira, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, argumenta (“Tendências/Debates”, 30/ 10) que, além do esforço policial diferenciado, o fenômeno paulista se deveu também a outros fatores, como a recuperação do emprego e a retomada econômica. É curioso que esses fatores também tenham ocorrido em outras capitais sem que semelhantes resultados aparecessem. Em Porto Alegre, por exemplo, cidade com exuberantes programas sociais, os homicídios cresceram 16% no primeiro semestre, enquanto, na capital paulista, houve queda de 28%. O que fez diferença em São Paulo foi o sucesso na organização e na gestão do aparato policial, que quebrou o ciclo da violência e intimidou os criminosos após prender mais de 700 mil deles em sete anos. Nem o Governo federal, nem os intelectuais, nem os tucanos reconhecem esse fato. Dois grandes entraves ideológicos prejudicam sistematicamente as medidas de redução da violência no país. Um deles é a mania de pensar o criminoso como vítima da pobreza e da injustiça da sociedade, concedendo-lhe, em decorrência, uma profusão de benefícios absurdos, como visita íntima nas prisões, liberdade provisória para autores de crimes hediondos, volta às ruas dos bandidos após cumprir um sexto da pena, ou considerando cruel e desumano o isolamento em cela individual dos piores criminosos. A pobreza não é fator criminógeno tão poderoso quanto a impunidade, cujo maior exemplo é o escárnio do criminoso paraibano Ronaldo Cunha Lima. Pobres, ricos, pretos, brancos, eleitos e eleitores cometerão menos crimes se forem intimidados por ações competentes e ágeis da polícia e da Justiça. Outro entrave é a descrença na capacidade do aparato policial, judicial e prisional de impor freios aos criminosos e reduzir a violência. O Ministério da Justiça prefere priorizar as ações sociais, “indo às raízes da violência” e atuando nas áreas de “descoesão social”, com uma profusão de programas sociais insólitos. Vinte diferentes programas de uma dúzia de ministérios destinados a jovens já consomem mais de R$ 1 bilhão ao ano sem resultados positivos, mas vão tentar outras alquimias sociais. 62 Psicologia Aplicada ao Direito Intelectuais têm o direito de oferecer seus expedientes de curandeirismo social para tentar o que não se conseguiu em nenhum lugar do mundo, a redução da violência de forma ampla e consistente por intervenções sociais ou panacéias comunitárias. O que não faz sentido é que essas idéias mirabolantes se transformem em políticas públicas destinadas ao fracasso, comprometendo instrumentos de controle do crime e prometendo o que não podem cumprir, com experimentações que não amenizarão a violência. Para o professor da Universidade de Chicago (EUA) Gary S. Becker, laureado com o Prêmio Nobel, a equação é relativamente simples: em curto e médio prazos, a resposta eficaz da polícia e da Justiça é o principal fator de redução da violência, reconhecendo que as raízes sociais são importantes, mas pouquíssimo se pode fazer para repará-las mesmo num país rico como os Estados Unidos. É oportuno lembrar que o verdadeiro programa social que pode interferir na produção de futuros criminosos é a educação. Temos quase 200 mil equipamentos – as escolas – para esse programa que precisa de qualidade para vacinar o jovem contra as influências maléficas do meio social e lhe dar instrumental para conviver sadiamente na sociedade. Não há programa social que compense escola ruim. Temos 7 milhões de jovens zumbis que abandonaram escolas ruins e estão sem emprego porque não foram preparados. Lamentavelmente, uma parte desse fracasso social precisará de mecanismos de controle para não ameaçar a sociedade. A polícia existe, até na Suécia, justamente para isso. QUESTÃO 1 “ ... É oportuno lembrar que o verdadeiro programa social que pode interferir na produção de futuros criminosos é a educação.” Busque no ordenamento jurídico pátrio artigos que consolidem a opinião do autor. QUESTÃO 2 “... Dois grandes entraves ideológicos prejudicam sistematicamente as medidas de redução da violência no país. Um deles é a mania de pensar o criminoso como vítima da pobreza e da injustiça da sociedade, concedendo-lhe, em decorrência, uma profusão de benefícios absurdos, como visita íntima nas prisões, liberdade provisória para autores de crimes hediondos, volta às ruas dos bandidos após cumprir um sexto da pena, ou considerando cruel e desumano o isolamento em cela individual dos piores criminosos.” 63 Coletânea de Exercícios Escolha um dos “benefícios absurdos” citados pelo autor e comente-os à luz de nosso ordenamento jurídico. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, L . O. “Violência e Crime, Sociedade e Estado”. Disponível em http:// www.datavenia.net/opiniao/LuizOOAmaral.html COSTA, Jurandir Freire. “O Laboratório de assassinos”. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 31/03/96. KEHL, Maria Rita. “Marginais, nunca mais”. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 21/04/96. PACHECO, Janaína; ALVARENGA, Patrícia; REPPOLD, Caroline; PICCININI, Cesar Augusto; HUTZ, Claudio Simon. “Estabilidade do comportamento antisocial na transição da infância para a adolescência: uma perspectiva desenvolvimentista”. Semana 11 As práticas Psi e suas aplicações no contexto jurídico. Área Cível. TEXTO 1 A escuta de crianças no sistema de justiça Leila Brito; Lygia Ayres; Marcia Amen Um outro viés de análise sobre o valor atribuído à palavra da criança pode ser obtido a partir dos casos de separação conjugal com disputa pela guarda de filhos. Tem sido comum a argumentação de que, quando há disputa, os menores de idade devem ser ouvidos para se verificar com quem desejam ficar, com base no entendimento de que, agora, a criança possui o direito de escolha. Ao realizar pesquisa, na qual entrevistou 50 operadores do Direito de diversos municípios do Estado do Rio de Janeiro, Brito (2004) constatou que: “Em relação às crianças, a noção de seu superior interesse, para alguns, significava que os direitos do(a) menino(a) ou o respeito a ele(a) seriam expressos quando fosse privilegiada a ‘vontade da criança’ ...” (p. 358). 64 Psicologia Aplicada ao Direito Tal interpretação vem sendo vista, por muitos autores, como equivocada. Thèry (1992, p.12) chama atenção para a possibilidade de a expressão própria da criança, nesses casos, gerar culpa por haver escolhido permanecer com um dos pais. Acrescenta, ainda, que o rompimento conjugal é uma situação imposta aos filhos, podendo não estar de acordo com necessidades ou interesses destes. Compreende que, hoje, quando não sabemos como legitimar algo, colocamos a criança à frente e seguimos dizendo que falamos em nome dela. Giberti (1985), da mesma maneira, conceitua que esta seria uma forma de desamparo à criança. Partilhando do mesmo entendimento, Cazaux (1995) alega que a uma criança não pode ser pedido que assuma o lugar ou as responsabilidades de seus pais. Defende que crianças não podem ser inteiramente livres, desgarradas de suas famílias ou pessoas cujos desejos o juiz deva ouvir e transformá-los em sentença. Não podem ser sujeitos de direito afastados de sua filiação. Assim, no seu entendimento, a equipe técnica que assessora a Vara de Família deve avaliar, com base no Direito Civil da filiação, se está sendo proporcionada, à criança, as filiações materna e paterna, sendo que a responsabilidade educativa dos pais inclui o dever de imposição de limites. Giberti (1985) assinala ainda que, muitas vezes, a decisão da criança pode estar espelhando um sintoma do relacionamento que mantém com os pais. Podemos recordar que, no caso de fortes alianças estabelecidas com o guardião, a criança, por vezes, está tão aprisionada a este que sua escolha ou opinião apenas irá espelhar tal sensação. Tem sido comum observarmos crianças que estabelecem alianças com o guardião, geralmente a mãe, apresentando resistências para estar com o pai. Nessas situações, a recusa infantil é prontamente aceita pela figura materna que alega o direito de o filho ser ouvido para expressar sua vontade. Podemos interpretar que, ao respeitar a opinião do menor de idade, estaríamos, em tal situação, desconsiderando sua condição de sujeito, na medida em que, nessas circunstâncias, torna-se objeto de um dos pais. Da mesma forma, ao seguir unicamente a vontade da criança, colaboramos para que seja alçada ao lugar de “mini-estado”, como conceitua Legendre (1992), ou seja, responsável pela elaboração e aplicação de leis, enquanto ao judiciário caberia, apenas, o lugar – como define o mesmo autor – de “máquina registradora” das vontades infantis. Entendemos, portanto, que tal protagonismo, facilitado pelo afastamento do Estado da função daquele que deve garantir a ordem da filiação, pode acarretar, mesmo sem ser sua intenção, a redução da responsabilidade parental, com desrespeito aos direitos infanto-juvenis. 65 Coletânea de Exercícios QUESTÃO 1 A partir da leitura do texto, qual seria o trabalho do psicólogo em relação à escuta de crianças em processos de Varas de Família? QUESTÃO 2 Quais os riscos envolvidos em seguir a vontade expressa pela criança em seus depoimentos? TEXTO 2 Guarda Compartilhada a Continuidade da Relação entre Pais e Filhos Raquel Alcântara de Alencar Aspectos destacados na guarda compartilhada É costumeiro afirmar que, com a separação do casal, a família não se dissolve, se transforma. São muitas as mudanças nos ciclos de vida familiares. Desde a regulamentação do divórcio no Brasil em 1977, a separação conjugal ficou cada vez mais como um fato presumido nas famílias. Quando não há possibilidade de reconciliação entre o casal, mesmo que tenham filhos, não existe mais aquela necessidade de permanecerem casados, como anteriormente. Segundo alguns especialistas, um dos motivos que desencadeiam distúrbios emocionais nos filhos é a convivência num lar em conflito permanente. Desta forma, entende-se que a separação conjugal deveria representar uma possível solução, mas infelizmente muitos casais encontram sérias dificuldades na reorganização desse sistema, inclusive na divisão de responsabilidades. Assim, o casal decide procurar um profissional que ajuizará ação competente, prosseguindo o feito até sentença judicial ou homologação de acordo que estabelecerá quem ficará com a guarda dos filhos, visitas, pagamento de alimentos e partilha dos bens. A questão é que guarda e o direito de visitas existem em função dos menores, com o objetivo de manter contato entre os filhos e os pais após a separação, contribuindo com a “homeostase” emocional dos envolvidos. Regulamentação de Visitas: um direito da criança A lei confere ao genitor que não possui a guarda o direito de visitas, que constitui o direito de personalidade do filho de ser visitado não só pelos 66 Psicologia Aplicada ao Direito pais, como por qualquer pessoa que por ele tenha afeto. Cabe salientar que o direito de visitas é extensivo aos avós, sendo muito comum requerer a regulamentação da visita mesmo em procedimento judicial consensual. Afinal, um dos objetivos da visita é o de fortalecer os laços de amizade entre pais, filhos e familiares, já enfraquecidos pelo processo de separação. Vantagens e Desvantagens da Guarda Compartilhada A guarda sempre se revelou um ponto delicadíssimo no direito de família, pois dela depende diretamente o futuro do menor. A guarda única ou exclusiva, aquela conferida a um só dos genitores, passou a ser insuficiente para atender às necessidades e interesses dos pais e principalmente dos filhos. Com as mudanças cada vez mais aceleradas na estrutura familiar, procuramse novas modalidades de guarda capazes de assegurar aos pais uma repartição eqüitativa da autoridade parental, bem como aos filhos, que serve para amenizar os efeitos desastrosos na maioria das separações. Historicamente, a guarda compartilhada teve sua origem na Inglaterra, na década de 60, onde ocorreu a primeira decisão favorável. Estendeu-se à França e ao Canadá, chegando mais tarde ao Brasil e Estados Unidos. A guarda pode ser definida como o conjunto de deveres que os pais têm em relação à pessoa e aos bens dos filhos. O direito de guarda é antes de tudo um dever de assistência material e moral, devendo sempre ser levado em consideração o interesse do menor. Portanto, não se recomenda a pessoas inidôneas, imaturas ou portadoras de qualquer deficiência de natureza psíquica ou comportamental, podendo ser modificada a qualquer momento. Foram a partir dessas mudanças nos ciclos de vida familiares, como o surgimento de famílias monoparentais, que o compartilhamento da guarda passou a ser questionado. Importante destacar a diferença entre guarda alternada e guarda compartilhada ou conjunta. A primeira tem como requisito básico a alternância de residência dos pais, por certos períodos. A segunda baseia-se na residência fixa para o menor, partilham-se somente os direitos e deveres entre os pais. A guarda compartilhada ou conjunta é um dos meios de exercício da autoridade parental aos pais que desejam continuar a relação com os filhos quando ocorre a fragmentação da família. A justificativa para a adoção desse sistema está na própria realidade social e jurídica, que reforça a necessidade de garantir o melhor interesse da criança e a igualdade entre homens e mulheres na responsabilização dos filhos. A continuidade do convívio da criança com ambos os pais é indispensável para seu desenvolvimento emocional de forma saudável. No entanto, esta modalidade refere-se a um tipo de guarda onde os pais 67 Coletânea de Exercícios dividem a responsabilidade legal sobre os filhos, ao mesmo tempo em que compartilham suas obrigações pelas decisões importantes relativas à criança. Desta forma, evita a sobrecarga dos pais e minimiza o conseqüente impacto da ansiedade e do estresse sobre os filhos. Conclui-se que um dos pais pode manter a guarda material ou física do filho, porém ambos possuem os mesmos direitos e deveres para com o menor. A guarda compartilhada ou conjunta privilegia a continuidade na relação da criança com seus genitores após a separação destes e ao mesmo tempo mantém ambos responsáveis pelos cuidados cotidianos relativos à educação e à criação do menor. A guarda compartilhada não está prevista nas normas que regem o direito de família, mas tem o apoio constitucional, por força do que prevê o art. 226, § 5º e § 7º da CF/88, ao estabelecer que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, além do estabelecido nos princípios da dignidade da pessoa humana. Também tem o apoio no Estatuto da Criança e do Adolescente e das disposições do novo Código Civil no capítulo XI, que trata da proteção da pessoa dos filhos, especificamente no art. 1584, que concede a guarda dos filhos ao cônjuge que tiver melhores condições de exercê-la. Na realidade o maior interesse dos filhos está em conviver o máximo possível com ambos os pais, salvo exceções. Enfim, resta claro que o poder da guarda para a mãe, uma questão cultural, já não mais prevalece. A nítida preferência reconhecida à mãe para a guarda já vinha sendo criticada como abusiva e contrária à igualdade, como supramencionamos no direito constitucional. No Código de 1916, foi criado para acomodar as necessidades de uma sociedade quando a profissão da mulher era do lar, o que já não condiz com a nossa realidade, já que a mulher se tornou independente. Sem dúvida alguma não se pode deixar de ressaltar que o modelo de guarda compartilhada não deve ser imposto como solução para todos os casos, havendo situações em que o modelo é inadequado e até mesmo contra-indicado, como no exemplo da tenra idade dos filhos. Na prática da guarda compartilhada, obriga a permanência dos pais na mesma cidade, o diálogo entre o casal, e demais fatores específicos da cada caso. Desta forma somente é cabível a guarda compartilhada quando a separação é consensual, haja vista que na separação litigiosa não há acordo, não há sociedade, então não há o que compartilhar amigavelmente. As vantagens da guarda compartilhada são maiores que as desvantagens, basicamente em função de uma melhora na auto-estima do filho, melhora no rendimento escolar (enquanto que na guarda monoparental decai), diminuição do sentimento de tristeza, frustração, rejeição e do medo de abandono, já que permite o acesso sem dificuldade a ambos os pais. Também ajuda na 68 Psicologia Aplicada ao Direito inserção da nova vida familiar de cada um dos genitores, além de ter uma convivência igualitária. Não são muitas as desvantagens neste tipo de guarda. Cabe lembrar que, através de informações fornecidas por psicólogas da teoria sistêmica, puderam constatar em seus consultórios no atendimento dos filhos (crianças e adolescentes) que o maior sintoma é a falta dos pais, o medo do abandono, as conseqüências de uma separação, seja consensual ou litigiosa. Na guarda compartilhada o filho não perde o vínculo com os pais, permanecendo certo tempo com o pai e outro período com a mãe. Um triste exemplo e ao mesmo tempo muito comum de ocorrer é o pai pensar que se não é o guardião deve manter-se distante da educação do filho, pois considera que a justiça dá plenos poderes à guardiã que detém a guarda. Alguns desses pais acabam por afastar-se de seus filhos, provocando, sem dúvida alguma, sentimentos de angústia desnecessários. São os filhos que acabam por pagar o maior tributo por tais comportamentos, visto que sofrem por viver em meio ao fogo cruzado de seus pais e podem apresentar sérios sintomas, como dificuldades afetivas, sociais e de aprendizado. Hodiernamente, a possibilidade jurídica da guarda compartilhada, como mencionamos, leva em consideração as vantagens tanto para os genitores quanto para os filhos, restando aos operadores do Direito ter a consciência do melhor interesse do menor. O promotor de justiça deve favorecer esta modalidade e o magistrado conceder a guarda compartilhada, salvo exceção. Filhos precisam igualmente do pai e da mãe. É necessário que um permita o direito de existência do outro na vida de seus filhos. A separação conjugal não pode se estender à ruptura parental, pois a criança precisa de ambos para ter um bom desenvolvimento cognitivo, psíquico e emocional. A guarda conjunta é o caminho possível para assegurar aos filhos de pais separados a presença contínua em harmonia de ambos os genitores. Disponível em http://psicosex.com.br/index.php?option=com_ content&task=view&id=41&Itemid=31 QUESTÃO 1 Segundo o texto, em quais casos deveria ser sugerido o instituto da Guarda Compartilhada? QUESTÃO 2 Busque na Jurisprudência pátria, decisões que envolvam o instituto da Guarda Compartilhada. 69 Coletânea de Exercícios TEXTO 3 Mediação pelo Psicólogo no Tribunal de Justiça Rosa Maria RANZANI A legislação brasileira não prevê a atuação do mediador, porém não veta a sua realização, possibilitando ser proposta ou executada em casos cujo pedido de acompanhamento é solicitado pelos interessados. É prevista pelo Código de Processo Civil a prática da conciliação, como forma de resolução de conflitos em processos de separação. Essa prática é bastante prestigiada pelo magistrado brasileiro, podendo ocorrer em qualquer tempo durante o processo, quando se oferece às partes uma oportunidade de conciliação sobre o assunto em pauta, extinguindo total ou parcialmente o litígio. Aplicada no divórcio, a mediação feita por psicólogo tem como objetivo devolver às partes em litígio o controle sobre suas próprias decisões, buscando a solução do conflito, e chegando a um acordo que satisfaça ambas as partes. É considerada uma técnica que busca soluções mais progressivas do que o resultado de uma sentença arbitrada por um juiz. A figura do juiz apontando unilateralmente soluções para terceiros reporta a uma metáfora que pareceu apropriada: a de filhos brigando, sem maturidade, para resolver a questão; que buscam a autoridade paterna para decidir autoritária e unilateralmente o que lhe parece (a ele, pai) mais pertinente. Por sua vez, a mediação nos remete a outra metáfora: de adolescentes brigando e buscando um dos pais como mediador, e esse(a) pondera e reflete com ambas as partes as possíveis soluções, estimulando-os (aos próprios envolvidos no litígio) a decidirem pela mais sensata. Por incentivar a busca da autonomia, considera-se o estímulo ao uso dessa técnica um grande avanço. Apesar de não ser uma técnica – até então – solicitada pelo juízo, sempre que foi vislumbrada a possibilidade de sua aplicação, sugeriu-se ao magistrado que as partes fossem acompanhadas pelo psicólogo, e a mediação foi realizada. Ela se propõe a dois grandes objetivos: a resolução do conflito através de um acordo que satisfaça as partes e a transformação das partes envolvidas. Disponível em http://www.revista.inf.br/psicologia/ 70 Psicologia Aplicada ao Direito QUESTÃO 1 Partindo dos objetivos da técnica de mediação descritos no texto, estabeleça um paralelo com os objetivos da técnica de conciliação. QUESTÃO 2 Buscar na Jurisprudência pátria alguma decisão em que a técnica de mediação tenha sido contemplada. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS BRITO, Leila; AYRES, Lygia; AMEN, Marcia. “A escuta de crianças no sistema judicial”. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 18, nº 3, 2006. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822006000300010&lng=e n&nrm=iso>. MUSZKAT, Malvina Ester. Guia prático de mediação de conflitos em famílias e organizações. São Paulo: Summus Editorial. SILVA, D. M. P. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro: a interface da psicologia com direito nas questões de família e infância. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. Semana 12 As práticas Psi e suas aplicações no contexto jurídico. Infância, Juventude e Idoso. TEXTO 1 Casal de mulheres adota menino Decisão judicial deu a um pequeno carioca de 3 anos — deixado pela mãe biológica com 01 ano no abrigo Lar, Luz e Amor, em Bonsucesso — uma nova e moderna família, na Tijuca. O menino tem agora duas mães, com o devido registro na certidão de nascimento. O casal de mulheres conseguiu, depois de dois anos de batalha nos tribunais, o direito de adotá-lo. A sentença da juíza Ivone Ferreira Caetano, proferida dia 24, foi muito comemorada pelas mães e pelos avós da criança. Na decisão, a juíza da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso considerou que as jornalistas M. L. S. M. e A. C. D. vivem em “verdadeira união estável, construída em base de lealdade e fidelidade, nos moldes de uma união estável entre heterossexuais”. 71 Coletânea de Exercícios Ela observa ainda que, ao longo da história da humanidade, os conceitos sobre a homossexualidade, família e direitos da criança e do adolescente “vêm sofrendo enormes transformações”. Como exemplo, mencionou o fato de que, até pouco tempo atrás, não se permitia o divórcio, e os filhos fora do casamento eram considerados ilegítimos. Os direitos referentes a essas situações, argumentou, só foram reconhecidos depois que o Judiciário, ao longo de anos, cumpriu sua função, “de aplicar o direito ao caso concreto”. Para a juíza Ivone Caetano, a decisão sobre um pedido de adoção não pode ser fundada em preconceitos, mas deve sempre tentar estabelecer o melhor para a criança. “Entretanto, perfeição não existe, nem mesmo nas famílias biológicas e constituídas por núcleos convencionais”, pondera. A magistrada lembra ainda que a legislação brasileira não proíbe a adoção por “pares homoafetivos”. A decisão determina confecção de novo registro civil de nascimento do menino, em que as palavras “mãe”, “pai”, “materno” e “paterno” serão excluídas, devendo constar apenas “filiação” e o nome das duas mães. Sábado, 8 de setembro de 2007 – Jornal O Dia. QUESTÃO 1 Quais as transformações ocorridas no ordenamento jurídico, relativamente à formação da família, a partir da Constituição de 1988, em face do Código Civil de 1916? TEXTO 2 O caso da jovem de 15 anos que ficou presa com homens no Pará foi denunciado pelo Conselho Tutelar do Estado em novembro passado. Presa sob acusação de furto no dia 21 de outubro, ela foi mantida em uma cela de Abaetetuba até o dia 14 de novembro com 20 homens. Segundo o Conselho Tutelar, a adolescente tinha marcas de violência, inclusive queimaduras de cigarro pelo corpo e teria sido vítima de abuso sexual pelos presos em troca de comida. Quando presa, ela teria alegado à polícia ter 19 anos de idade, mas uma perícia constatou que ela tem 15 anos. Folha On Line 10/12/07 QUESTÃO 1 Com base na Lei n˚ 8.069/1990, cite os artigos que foram violados na situação acima descrita. 72 Psicologia Aplicada ao Direito TEXTO 3 Crimes contra idosos têm aumento de 40% no Rio Maria Mazzei e Mario Hugo Monken Os números alarmantes fizeram a Polícia Civil dar novo endereço a uma delegacia a fim de deixá-la mais perto do seu público em potencial. Na terça-feira que vem, a Delegacia Especializada em Atendimento à Pessoa da Terceira Idade (DEAPTI) inaugura um posto avançado naquele que é considerado o bairro com mais idosos do Rio: Copacabana. A decisão foi forçada pela primeira pesquisa sobre crimes contra idosos realizada no Rio, pelo Instituto de Segurança Pública. Em uma cidade com 14% de sua população acima dos 60 anos, o levantamento revela que, em cinco anos, o número de registros de casos de violência contra a terceira idade cresceu 40,3%. O novo posto ficará na estação de metrô da Siqueira Campos. Copacabana tem hoje 16,7% de sua população acima dos 60 anos. Segundo a titular da unidade, delegada Catarina Noble, a medida dará maior visibilidade ao combate dos crimes contra idosos. Ela afirma que a atual localização da DEAPTI, na Central do Brasil, dificulta o acesso dos mais velhos. Com o novo posto, a DEAPTI ficará interligada ao sistema Delegacia Legal. Contará ainda com psicóloga e assistente social. Em dezembro, toda a DEAPTI deverá se mudar definitivamente para o posto avançado. O levantamento do ISP enumera 41.348 casos de violência contra idosos em delegacias da Polícia Civil, o que representa 6,8% dos registros feitos em todo o Estado. Em 2002, esse número era de 29.476. Entre os crimes praticados contra idosos que apresentaram a maior incidência em 2006 estão as ameaças, com 7,7%, e estelionato, com 7,3%. Roubos de veículos (6,7%), lesão corporal dolosa (5,5%) e lesão corporal culposa em trânsito (5%) também são freqüentes. Crimes em família A pesquisa revelou que as agressões são cometidas por parentes, amigos ou por um companheiro. A maioria dos casos acontece dentro de casa. Ameaça, seguida de lesão corporal dolosa e estelionato, ocorre contra idosos entre 60 e 69 anos, e maus-tratos, entre 70 e 79 anos. Segundo o relatório, 55,9% das ocorrências contra idosos no Estado acontecem na capital. A Zona Norte lidera, com mais da metade (51,35%). Em segundo lugar está a Zona Oeste (20,9%) e depois a Zona Sul (18,4). O Centro concentrou o menor número de registros: 9,4%. 73 Coletânea de Exercícios Desejo de atendimento qualificado Moradoras de São João de Meriti, Vilma Correia Moreira, 70 anos, e Neves Bento dos Santos, 52 anos, acreditam que uma das prioridades da DEAPTI deveria ser investigar casos de idosos maltratados. Elas citaram o caso de uma vizinha com problemas mentais que vive trancada em casa, no bairro Parque José Bonifácio. “Como a família não cuida, nós é que a alimentamos”, disse Vilma. Para a aposentada Vanda da Costa Teixeira, 70 anos, moradora de Jardim Alvorada, Nova Iguaçu, a nova unidade da polícia voltada para a terceira idade ajudará os idosos. “Muitos ficam com receio de ficar muito tempo esperando e não receber tratamento adequado. Somos alvo de muito preconceito”, frisou. Sem registro Agentes da DEAPTI estimam que, dos 600 atendimentos mensais, 70% são de casos em que não é necessário o registro de ocorrência. Idosos buscam a unidade para reclamar de atrasos nos benefícios, lentidão na Justiça ou problemas com prestadoras de serviços. Os policiais costumam orientar que procurem órgãos como Defensoria Pública, Ministério Público, Procon e a Delegacia do Consumidor. Ontem, a pensionista Júlia Ribeiro, de 80 anos, foi se queixar de que vizinhos estariam invadindo sua propriedade, no Santo Cristo: “Eles derrubaram o muro que separava a minha casa da deles.” Um policial recomendou que ela procurasse a Justiça, pois já havia entrado com ação contra os vizinhos. Policiais com mais de 60 anos Para dar maior qualidade ao atendimento ao idoso, a DEAPTI tem em sua maioria policiais que já passaram dos 60 anos. Dos 22 funcionários, 15 já entraram na terceira idade e poderiam até estar aposentados. “Temos mais paciência para atender o idoso. Às vezes, possuímos os mesmos problemas que eles”, contou o comissário F., 63 anos, que está na DEAPTI desde a sua criação, há nove anos. Para F., um jovem policial não teria paciência suficiente para atender bem um idoso. Titular da DEAPTI desde o início do ano, a delegada Catarina Noble afirmou ter planos de ampliar o sistema. Ela disse ser favorável à criação de novas delegacias da Terceira Idade. “No futuro, poderíamos ter uma delegacia na região de Niterói, duas no subúrbio, sendo uma em Madureira e outra na Tijuca, uma na Zona Oeste e outra na Baixada Fluminense”, declarou. 74 Psicologia Aplicada ao Direito A DEAPTI possui também um serviço de Disque-Denúncia e os policiais vão até o local checar a informação. A delegacia também faz operações para combater maus-tratos a idosos em ônibus e clínicas geriátricas. Disponível em http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/clipping/outubro/crimes-contra-idosos QUESTÃO 1 Agentes da DEAPTI estimam que, dos 600 atendimentos mensais, 70% são de casos em que não é necessário o registro de ocorrência. A partir do Estatuto do Idoso, como poderiam ser classificados estes casos. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS CESCA, Taís Burin. “O papel do psicólogo jurídico na violência intrafamilar: possíveis articulações”. Psicol. Soc., vol. 16 nº 3, Porto Alegre, Sept./Dec. 2004. COSTA, Tereza Maria Machado Lagrota. “Adoção por pares homoafetivos: uma abordagem jurídica e psicológica”. Disponível em http://www.viannajr.edu.br/revista/ dir/doc/art_10005.pdf VERAS , Renato Peixoto; CALDAS, Célia Pereira. “Promovendo a saúde e a cidadania do idoso: o movimento das universidades da terceira idade”. Ciência & Saúde Coletiva, 2004, vol. 9, nº 2. Semana 13 As práticas Psi e suas aplicações no contexto jurídico. Infância e Juventude. TEXTO 1 Segundo o ECA, o adolescente que comete ato infracional só pode ser apreendido em duas hipóteses: em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do Juiz da Infância e Juventude. Dessa maneira, mesmo na verificação do ato infracional, o adolescente apreendido, destinatário de medidas socioeducativas, também pode (e deve) ser alvo de medidas protetivas, que pugnem por sua efetiva ressocialização e pela garantia de todos os direitos e responsabilidades dispostos nas leis tutelar (ECA) e constitucional (Constituição Federal de 1988). 75 Coletânea de Exercícios Embora a norma jurídica garanta ao adolescente em conflito com a lei proteção e ressocialização, é freqüente a notícia de violência contra adolescentes que são submetidos à medida de internação. O Jornal do CRP/RJ veiculou que em outubro de 2007, dentro do Educandário Santo Expedito, em Bangu, um adolescente foi espancado até a morte por outros 27 internos, por desobedecer a uma regra de conduta criada pelos jovens. Relata ainda a execução de “Inspeção Nacional” às unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei, realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O relatório das visitas apontou a presença de celas – reproduzindo modelo de presídios –, denúncias de espancamento, atendimento médico precário, superlotação, violação de sigilo de correspondência e isolamento, entre outras provas da gravidade da situação. QUESTÃO 1 O caso acima relatado fere dispositivos legais do ECA e da CF/88. Descreva-os fazendo a análise do caso apresentado. TEXTO 2 Falta de políticas públicas para o adolescente A delegada Nadir Cordeiro diz ser necessário um trabalho de conscientização para que os menores não assumam crimes praticados por adultos. “Os maiores de idade precisam ser condenados e monitorados para que o adolescente sinta que não existe impunidade. Em caso de homicídio e latrocínio, aumentaria pena de três anos para seis.” Acredita que não há políticas públicas para o adolescente. “Não temos educação e lazer para o menor. O corpo técnico que cuida do menor infrator é insuficiente, além de faltar local adequado.” A construção do centro de recuperação do menor no Conjunto Vera Cruz é apontado como uma das soluções em Goiás. Atualmente, quem é apreendido vai para o Centro de Internação Provisória (CIP), localizado no 7º batalhão da PM, e Centro de Internação do Adolescente, no 1º batalhão. “Ali o corpo de técnicos atende 300 ou 400 pessoas. São todos misturados. Quartel não é lugar de adolescente ser atendido.” O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que o menor infrator tem de ser atendido de maneira diferenciada, colocado em compartimentos e celas divididas de acordo com a idade ou gravidade do ato infracional pra- 76 Psicologia Aplicada ao Direito ticado. “Não adianta segregar adolescentes sem acompanhamento técnico e sociológico. É preciso realmente avaliar se ele tem condições de cumprir e retornar a conviver em sociedade. Se não, volta a cometer crimes.” A família é considerada fundamental pela delegada. Apreensões de menores ocorrem em todas as classes sociais. “Meninos de rua praticam pequenos furtos para matar a fome ou alimentar o vício das drogas. Já a maior parte dos adolescentes da classe média comete atos infracionais para chamar atenção dos pais. É preciso saber falar não, conversar, tomar café juntos e ser amigo do seu filho. Porque na rua ele vai encontar alguém que quer se aproveitar da situação.” Pressa para livrar acusado Promotora do Juizado da Infância e Juventude na área infracional, Suelena Carneiro Caetano diz que em média seis internações são decretadas por dia. “O juiz (Maurício Porfírio) segue as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente e decreta a apreensão solicitada pelo Ministério Público. Acredito que o grande problema é a pressa por parte dos psicólogos em se livrar dos menores”, aponta. Suelena ressalta que o juiz tem 45 dias para decidir se o menor será internado, prestará serviços ou terá liberdade assistida. “O juiz acata os relatórios de avaliação. Muitos casos de menores libertados se devem às pessoas que avaliam. Talvez o fato de não conseguir suportar a quantidade de infratores e propor medidas socioeducativas impede que os psicólogos responsáveis avaliem corretamente”, analisa. A falta de estrutura também é apontada como causa do não-tratamento correto aos adolescentes. À frente – segundo a promotora – o ECA é “maravilhoso, apesar de avançado para a nossa sociedade.” Suelena diz ainda que o Estatuto não é utópico. “A população tem de dar condições aos adolescentes de se reerguerem após um ato infracional.” Ela argumenta que são necessárias mais vagas nos centros de recuperação de menores. “O apoio da família é imprescindível”, acrescenta. Visão caolha do ECA “Prisão não resolve problema”, fala juiz. Juiz da Infância e da Juventude, Maurício Porfírio diz em entrevista ao programa Goiânia Urgente que Nadir tem uma visão caolha do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Toda internação segue o ECA, que só o permite quando houver ato infracional com grave ameaça violenta contra a pessoa ou atos infracionais graves. Eu preciso que a sociedade compreenda 77 Coletânea de Exercícios que não vamos resolver nossos problemas lotando os centros de internação.” Maurício Porfírio acredita que não se pode repetir erros graves, como os que ocorrem em São Paulo, com a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). “Vamos dar respostas adequadas aos problemas. Ninguém nasce mal e é bandido por conveniência. O ser humano é construído. É necessário estabelecer uma sociedade mais livre e justa, formando valores propositivos de nossos adolescentes.” O juiz alega que é contra o enjaulamento dos menores. “Não devemos enquadrar as pessoas com o rótulo de pessoas más que precisam ser tiradas de circulação. Vamos discutir a educação integral e a possibilidade de emprego do País”, defende. Maurício Porfírio diz que não adianta tirar os adolescentes que cometem atos infracionais de circulação para resolver problemas de violência. “Desde os leves aos mais graves.” Maurício refuta estatísticas alarmantes e diz que não há crescimento de atos infracionais. “Tudo obedece a certa regra sociológica observada em qualquer estudo. O que há é um aumento vegetativo. A sociedade aprende a se defender e cria mecanismos que se opõem às ações das pesssoas que querem desvalorizar valores morais e éticos que o ser humano tem”, afirma. O juiz diz ainda que o ECA é o mais belo da nossa legislação. “Não podemos alarmar a população. O que será de uma sociedade que não acredita nos seus filhos?”, indaga. QUESTÃO 1 Nas declarações acima, percebemos uma série de descumprimentos em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Selecione um deles e pesquise no Estatuto o artigo que não está sendo obedecido. TEXTO 3 Unicef vê “ameaça” em redução de maioridade penal no Brasil A redução da maioridade penal representaria uma ameaça para os direitos de crianças e adolescentes, disse nesta quarta-feira o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). A dois dias do 17º aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na sexta-feira, a entidade disse que as discussões sobre o tema no Brasil “colocam em xeque” o documento de 1990 que dispõe sobre a proteção de menores no País. Segundo o ECA, crianças têm até 12 anos de idade, e adolescente, até 18 anos. Em abril, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Congres- 78 Psicologia Aplicada ao Direito so Nacional deu sinal verde para um projeto de reduzir de 18 para 16 anos a maioridade penal no País. “A aprovação de tal medida significa um sério prejuízo aos avanços democráticos alcançados pelo Brasil, e coloca em risco o desenvolvimento integral de milhões de crianças e adolescentes”, disse em comunicado à imprensa o oficial de programas do Unicef, Mário Volpi. “Além disso, essa relativização dos princípios do Estatuto abre um precedente para outras interpretações da lei e até mesmo outras alterações.” A redução da maioridade penal é defendida pelos que consideram que leis mais rigorosas para punir menores que cometem crimes ajudariam a reduzir a violência. Mas a medida não goza de simpatia dentro do Governo, que nesta semana anunciou um plano nacional que destinará R$ 1 bilhão para medidas, como criar mais centros de detenção e aumentar os salários de policiais em cidades com maior índice de criminalidade. O Unicef criticou o que chamou de “setores da sociedade que querem a volta de um sistema tutelar e repressor”. “A violência praticada por adolescentes é um problema que tem de ser enfrentado com políticas públicas eficientes, que vão além da repressão, como nas áreas de educação e participação dos adolescentes”, disse a entidade. Disponível em http://noticias.uol.com.br/bbc/reporter/2007/07/11/ult4904u41.jhtm QUESTÃO 1 “O Unicef criticou o que chamou de “setores da sociedade que querem a volta de um sistema tutelar e repressor”. Partindo desta afirmativa, pesquise a respeito do documento anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente que regulava as questões da infância e da adolescência. Quais as suas características? SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS CAVALCANTI, Mônica Maria. “Adolescente infrator: um problema que atravessa a História”. Disponível em http://www.cchla.ufpb.br/caos/02-cavalcanti.html DAHER, Marlusse Pestana. “Adolescente infrator”. Revista Jus Vigilantibus, Domingo, 27 de janeiro de 2008. Disponível em http://jusvi.com/colunas/31206 SANTOS, Juarez Cirino dos. “O adolescente Infrator e os Direitos Humanos”. Instituto de Criminologia e Política Criminal, Curitiba. Disponível em: <www.cirino. com.br>. 79 Coletânea de Exercícios Semana 14 As práticas Psi e suas aplicações no contexto jurídico. Área Criminal. Sistema Penitenciário. TEXTO 1 Um detento de 19 anos, suspeito de furtar uma lixadeira, e que, segundo a polícia, é deficiente mental passou cerca de 15 dias fora da cela, acorrentado ao corrimão de uma delegacia em Maceió (AL). Segundo a polícia, o rapaz colecionava brigas com os 15 companheiros de cela porque, para os presos, ele era muito “alcagüeta” (delator) e não tomava banho. Dessa forma, quando havia briga, era retirado da cela e acorrentado no corrimão em frente à sala da delegada. Folha on Line 28/12/07 QUESTÃO 1 De acordo com a legislação em vigor, cite os artigos que foram violados no caso acima. TEXTO 2 EM DEBATE: Sistema penitenciário brasileiro é concebido sob ótica masculina O recente fato ocorrido no município de Abaetetuba (PA), onde uma garota de 15 anos ficou detida durante três semanas em uma cela com 20 homens, trouxe à tona a discussão sobre os descasos enfrentados pelas mulheres que cumprem pena no sistema penitenciário brasileiro. Em entrevista à Radioagência NP, a coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, Heidi An Cerneka, explica como a estrutura carcerária e penitenciária brasileira é concebida dentro de uma ótica masculina que não tem espaço para o cumprimento de pena por pessoas do sexo feminino. Radioagência NP: Que razões explicam o problema de falta de infraestrutura para abrigar mulheres que cumprem pena no Brasil? Heidi An Cerneka: A população prisional feminina em muitos dos Estados é baixa. Então eles [governantes] nunca pensaram na mulher detida. Muitos Estados têm uma penitenciária só, é por isso que muitas mulheres ficam em 80 Psicologia Aplicada ao Direito delegacias. E mesmo assim as penitenciárias sempre são em antigos conventos, colégios, unidades [penitenciárias] masculinas e unidades para adolescentes infratores. Nunca são construídas penitenciárias pensando na mulher. RNP: Então mesmo essas penitenciárias femininas não possuem espaços especificamente projetados para mulheres, como berçários ou creches? HAC: Não existe lugar para berçário, para creche. São poucos Estados que têm isso. Rio de Janeiro tem, mas o local não é muito adequado. As últimas pessoas que fizeram uma visita neste local disseram que tinha insetos no berçário e o número de detentas era tão alto que tinha mulheres dormindo no chão. RNP: Qual a sua avaliação sobre o grande número de mulheres que ficam detidas em delegacias? HAC: O que importa não é tirar todas as mulheres de delegacias, porque nesses Estados em que não há uma população [carcerária] grande, elas acabam indo [transferidas] para um lugar [penitenciária] muito distante da família. Ela tem é que ficar em lugar que garanta a segurança dela, em cela separada, e para que se tenha um mínimo de dignidade é indispensável que esses lugares tenham carcereiras femininas. RNP: Há um número enorme de queixas sobre as dificuldades no cumprimento de cuidados voltados especificamente para o público feminino como a realização de exames de pré-natal das mulheres grávidas. O que você tem dizer sobre isso? HAC: A questão de pré-natal é uma preocupação grande. Um problema que existe no país inteiro é a questão da escolta policial para consulta. Elas perdem sete de cada dez consultas por falta de escolta. Imagina uma situação onde tem uma pessoa com audiência no fórum, uma pessoa com um problema grave de saúde e uma pessoa que tem uma consulta marcada de pré-natal e tudo isso com apenas uma escolta? Com certeza ao pré-natal não vai. Já acompanhamos mulheres que deram à luz na penitenciária porque também não conseguiram chegar ao hospital. RNP: Fale sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para arranjar emprego depois que saem da prisão. HAC: É muito difícil. O Censo Penitenciário de São Paulo mostra que 86% das mulheres detidas têm filhos. Então elas saem da cadeia e também vão reassumir seus filhos. É difícil correr atrás de trabalho. Eu estou acompanhando uma moça que estava no quarto ano de psicologia na universidade quando foi presa. Ela falou que consegue passar em todos os testes quando procura emprego, mas assim que eles sabem que ela possui antecedente cri- 81 Coletânea de Exercícios minal, eles falam que ela não precisa voltar. É preciso programas para as pessoas que saem da prisão, programas que deveriam ser focados na questão econômica. De São Paulo, da Radioagência NP, Juliano Domingues. 04/12/07 QUESTÃO 1 A partir da entrevista realizada, descreva artigos do ordenamento jurídico pátrio que ilustrariam o não-cumprimento com relação aos problemas levantados pela entrevistada. TEXTO 3 Rio investirá R$ 40 milhões no sistema penitenciário Começam em junho/2008 as obras do primeiro Centro de Observação Criminológica do Rio. Esta unidade será o carro-chefe de um pacotaço de R$ 40 milhões em investimentos no sistema penitenciário. O COC é uma espécie de centro de triagem. Nele, cada detento que ingressar no sistema ficará durante uma semana sendo submetido a exames físicos, psicológicos e a uma análise de periculosidade. Só depois será encaminhado a um presídio adequado a seu perfil. Terá capacidade para 250 presos. Além do COC, nos próximos dias o secretário de Administração Penitenciária, Coronel Cesar Rubens, anunciará também a construção de um novo presídio em Gericinó. Será exclusivo para jovens entre 18 e 25 anos e poderá receber 421 presos. O pacote inclui ainda a recuperação do Presídio Carlos Tinoco da Fonseca, em Campos, e da Penitenciária Serrano Neves, em Gericinó. Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil QUESTÃO 1 Analisar a notícia acima, considerando o nosso ordenamento jurídico. Quais situações, em relação aos presos, estariam sendo contempladas neste investimento? 82 Psicologia Aplicada ao Direito SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS ANGELIM, F.; DINIZ, G. S. (2006). “Núcleo Psicossocial: o desafio da Psicologia clínica no entrecruzamento com Direito, Estado e cidadania”. In: ROQUE, E. C. B.; MOURA, M. L. R. de; GHESTI, I. (orgs.), Novos paradigmas na Justiça Criminal: Relatos de experiências do Núcleo Psicossocial Forense do TJDFT (pp. 35-50). Brasília: TJDFT. PACHECO, P.J. “A Psicologia no Sistema Penitenciário”. Ciência e Profissão. Diálogos. nº 2, mar. 2005. TAVARES, Gilead Marchezi e MENANDRO, Paulo Rogério Meira. “Atestado de exclusão com firma reconhecida: o sofrimento do presidiário brasileiro”. Psicol. cienc. prof. [on line]. jun. 2004, vol. 24, nº 2 [citado em 25 Abril 2008], pp. 86-99. Disponível na World Wide Web: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1414-98932004000200010&lng=pt&nrm=iso> Semana 15 O processo de avaliação psicológica no Judiciário. TEXTO 1 Relações com a Justiça O psicólogo pode estabelecer relações com a justiça durante seu exercício profissional em duas modalidades fundamentais: como testemunha ou como perito. O profissional poderá ser requisitado para prestar depoimento como testemunha ou funcionar como perito perante a Justiça, com informações obtidas no exercício da profissão por meio de técnicas de coleta de dados e avaliação psicológica que lhe são privativas. Embora seja um dever de todo profissional colocar o seu conhecimento à disposição da Justiça (considerando a natureza da relação com a pessoa atendida e das informações obtidas), o psicólogo deverá discriminar em que situações poderá assumir tais tarefas, bem como o limite das informações que serão comunicadas com respeito a princípios éticos referentes ao sigilo profissional. Na condição de testemunha, o psicólogo deverá comparecer em juízo e prestar informações que não comprometam o sigilo profissional, como dispõe o art. 21 do Código de Ética: “O sigilo protegerá o atendido em tudo que o psicólogo ouve, vê ou de que tem conhecimento como decorrência do exercício da atividade profissional.” No caso de ser arrolado como testemunha, o psicólogo deve solicitar o consentimento da pessoa atendida, destacando as implicações de sua manifestação. Caso não haja o consentimento, 83 Coletânea de Exercícios o psicólogo deverá comparecer perante a autoridade para declarar que está obrigado ao segredo profissional, como disposto no Código de Ética Profissional do psicólogo. Na condição de perito, o psicólogo, como norma, é nomeado pela autoridade judicial para se manifestar sobre matéria específica. Em perícias que escapem à sua competência profissional, o psicólogo poderá se escusar de realizá-las. Ao ser nomeado perito, é importante estar atento ao artigo 20, alínea a, do Código de Ética: “É vedado ao psicólogo ser perito de pessoa por ele atendida ou em atendimento.” Neste caso, outro psicólogo deverá ser indicado para realizar as avaliações e fornecer o laudo. Com freqüência os psicólogos são requisitados por familiares e advogados a emitir atestados e declarações com informações sobre seus clientes para serem anexadas a processos judiciais. Tendo em vista as conseqüências que possam advir de uma condução equivocada de tais pedido, os profissionais devem ser criteriosos em relação a informações que venham a prestar em procedimentos judiciais, assim como em relação à emissão de documentos escritos, como: pareceres, atestados, declarações etc., atentando para as recomendações contidas nos parágrafos anteriores, nos artigos 17 a 29 do Código de Ética Profissional do Psicólogo e na Resolução CFP Nº 007/2003. O psicólogo perito uma vez nomeado, e inexistindo questões de natureza ética, tem a obrigação de descrever no laudo as informações obtidas por meio das técnicas utilizadas, mas deve restringir-se ao estritamente necessário para o esclarecimento do caso em questão, omitindo informações inócuas ou desnecessárias com respeito à pessoa avaliada. Por outro lado, o psicólogo também deve atentar para a relevância dos seus pareceres, e o uso que pode ser feito destes, procurando sempre contextualizá-los, lembrandose das dimensões éticas e técnicas do seu trabalho, ainda que a função básica de uma perícia psicológica seja a de fornecer subsídios (provas técnicas) que contribuam à tomada de decisão do juiz. É importante ainda destacar as situações que envolvem crianças e adolescentes, considerando o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especialmente no art. 245. Na hipótese de solicitação legal, efetuada pelo Ministério Público, poderá o psicólogo quebrar o princípio de sigilo, atendendo ao que versa o art. 27 do Código de Ética. Se o psicólogo, no âmbito de suas atribuições legais, tomar conhecimento de violência praticada contra menor ou adolescente, segundo o que estabelece o ECA, deve denunciar o fato. Os artigos 4º e 5º do ECA comprometem a sociedade (de um modo geral), quanto à responsabilidade de proteção à criança e ao adolescente. Sendo assim, não denunciar a violência é omissão. Entretanto, esta questão não é simples e não existe um procedi- 84 Psicologia Aplicada ao Direito mento padrão. A partir de estudos da legislação sobre o assunto, orienta-se o profissional a procurar discutir a questão numa equipe multiprofissional e/ou dialogar com membros da Comissão de Orientação e Fiscalização – COF, do Conselho Regional de Psicologia, uma vez que conduzir a situação de forma isolada pode induzir a erro. A ação do psicólogo não pode e não deve parar na denúncia. É importante o acompanhamento, tanto da criança ou do adolescente quanto da família. As instâncias que recebem as denúncias são os Conselhos Tutelares e as entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente. QUESTÃO 1 Apontar algumas referências jurídicas a respeito do trabalho do psicólogo como perito ou membro de equipe de trabalho multiprofissional. TEXTO 2 NOVAS ATUAÇÕES E NOVOS DILEMAS ÉTICOS por Sidney Shine, Psicanalista e Perito Judiciário Em um cenário onde as configurações familiares estão cada vez menos homogêneas, os conflitos que nela se originam assumem aspectos antes não contemplados. No bojo destas transformações sociais observamos uma freqüência cada vez maior de demandas judiciais em uma área antes preservada da intervenção alheia. “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”, diz o ditado. Não é bem isto que observamos segundo estatísticas recentes. Dentro deste recorte particular de uma problemática doméstica alçada ao âmbito público, muitas vezes tem surgido uma demanda de trabalho para o psicólogo. Surge como uma solicitação legítima da área de atuação clínica (consultório), mas que logo vai revelar a sua verdadeira face – trata-se da utilização do serviço psicológico em outro âmbito: no judiciário. Aqui há um risco para todos os envolvidos. Para o profissional trata-se de defrontar-se com problemas e solicitações problemáticas que lhe impõem cuidadosa reflexão e manejo. Para os potenciais clientes trata-se de esclarecer os limites e alcances da atuação profissional do psicólogo. Este é um alerta que está sendo sinalizado pelo próprio órgão de classe da categoria: o Conselho Regional de Psicologia – Região 06. Faremos agora uma longa citação 85 Coletânea de Exercícios do Extrato do Jornal PSI n.º139 (jan./fev. 2004) do Conselho Regional de Psicologia (SP) que, em sua p. 09, trata de processos éticos. Mais especificamente estamos falando da elaboração de documentos escritos decorrentes de avaliação psicológica. Solicitamos a paciência do leitor para tal citação que esclarece e exemplifica a problemática que ora trazemos. “O psicólogo S. recebeu em seu consultório mais um menino, com cerca de quatro anos de idade, encaminhado pelo colega que se mudaria da cidade. Depois de um rápido diagnóstico, começou a atendê-lo, fazendo eventualmente orientações com a mãe, que era separada do pai da criança e levava, sozinha, o filho para a psicoterapia. O ex-marido estava em constante briga com a mãe, de modo que o garoto via o pai somente nos finais de semana, conforme havia sido estipulado pelo juiz, no processo de separação. No entanto, ocorria uma disputa judicial, na qual o casal não brigava pela guarda do filho, mas pelo número de visitas feitas pelo pai. A mãe dizia sempre nas sessões de orientação que o pai era agressivo, violento, que não era possível o diálogo com ele e que era esta a causa de todos os sintomas apresentados pelo menino e da impossibilidade de melhora dos mesmos. O psicólogo, que cada vez mais sabia das agressões e ameaças do pai via relato da mãe, pensou ser prudente não se envolver com ele, trabalhando apenas com a mãe e o menino, de modo que nunca chamou o pai para qualquer tipo de participação neste trabalho. Ao tomar essa decisão, preocupava-se principalmente com o bem-estar da criança e zelava por seu espaço de terapia, na qual sempre eram trazidas situações, referentes ao relacionamento com o pai. Cerca de três meses depois, a mãe da criança solicitou ao psicólogo um relatório sobre o estado de seu filho para que, na disputa com o marido, tivesse dados perante o juiz que sustentassem e justificassem o pedido de redução do número de visitas do pai. O psicólogo primeiramente hesitou, mas depois, na tentativa de proteger a criança atendida, escreveu o documento, intitulado como ‘Laudo Psicológico’ e não apresentava endereçamento. Iniciava-se com alguns dados da criança e em seguida passava a expor uma análise psicológica da mesma, seguida de informações a respeito de sua relação com a figura paterna, a qual é descrita como descontrolada e agressiva. O profissional aponta os prejuízos causados ao menino pelo contato com a figura paterna e pelas disputas desta com a figura materna, cuja relação com a criança é avaliada positivamente. Diante da descrição da figura paterna, incluindo a hipótese de transtorno psiquiátrico, o psicólogo faz sugestões quanto à periodicidade das visitas do pai. No final, sua assinatura, sua inscrição no CRP-SP e a data. Após a notificação da juntada deste documento aos autos do processo de regulamentação de visita, o pai fez a denúncia contra S. no CRP-SP. Ele apre- 86 Psicologia Aplicada ao Direito senta cópia do documento e alega nunca ter se encontrado com o psicólogo, o que não lhe dava condições de fazer tantas afirmações a seu respeito.” Fica evidente a construção e elaboração de um material, intitulado como laudo, que não apresenta endereçamento nem tampouco o objetivo, e que faz uma série de afirmações sem a fundamentação necessária a respeito da metodologia utilizada e da origem das suas conclusões. Além disso, outras questões se colocaram à nossa reflexão: baseado em quê o profissional emitiu laudo afirmando agressividade de um pai que não conhece? Basear-se de imediato em relatos da mãe, que está em disputa com este pai na Justiça, não seria imprudência ou precipitação? Será que as conseqüências destas afirmações, que provavelmente dificultarão as visitas de um pai a seu filho, não deveriam ser algo mais refletido, pensado e fundamentado, para além de serem oferecidas de imediato a pedido da mãe? Não é estranho que o psicólogo a partir de suas técnicas de avaliação psicológica, após empreender uma análise acerca da figura paterna, passe a fazer afirmações acerca do pai, desaconselhando contato com o mesmo? Entendemos que este psicólogo comete falhas técnica na emissão do laudo psicológico, não demonstrando preparo técnico e pessoal na elaboração do documento escrito. Não há referência aos métodos e técnicas utilizados para seu embasamento e as declarações não são devidamente fundamentadas, além de não estar assinalado o seu caráter confidencial. Por fim, este psicólogo forneceu documento escrito à parte envolvida em processo judicial, contendo avaliações sobre a outra parte, que jamais havia atendido, não demonstrando ponderação quanto às possíveis implicações decorrentes de seu parecer. Assim, podemos apontar a violação dos seguintes artigos do Código de Ética Profissional dos Psicólogos: Princípios Fundamentais: I – O psicólogo baseará seu trabalho no respeito à dignidade e integridade do ser humano. Art. 1º São deveres fundamentais do psicólogo: c) prestar serviços psicológicos em condições de trabalho eficientes, de acordo com os princípios e técnicas reconhecidas pela ciência, pela prática e pela ética profissional. Art. 2º Ao psicólogo é vedado: m) adulterar resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação técnico-científica. Muitos profissionais cometem falhas técnicas ao emitirem documentos sobre avaliação psicológica, e, ao cometerem falhas técnicas, estão cometendo também falhas éticas, seja porque é um princí- 87 Coletânea de Exercícios pio ético a garantia da qualidade do serviço prestado, seja porque este comprometimento da qualidade técnica traz repercussões e prejuízos a pessoas envolvidas que claramente apontam um caráter ético. A avaliação psicológica, entendida comum processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação e informações a respeito dos fenômenos psicológicos, utiliza métodos, técnicas e instrumentos específicos da Psicologia. Seus resultados, muitas vezes expressos nestes documentos, devem considerar os condicionamentos históricos e sociais para servirem como instrumento de modificação da realidade. Pensando assim, temos como princípio ético respeitar o rigor e a seriedade da emissão de qualquer documento que seja. Produzimos e oferecemos documentos de domínio público e, assim sendo, estes tomam formas diferentes, em espaços diferentes, para pessoas diferentes: há que se cuidar do que se olha, do que se vê e do que se diga! Disponível em http://www.pailegal.net/textoimprime.asp?rvTextoId=1086347018 QUESTÃO 1 A partir dos Princípios Fundamentais do Código de Ética dos Psicólogos, citados no texto acima, estabeleça um paralelo com alguns Princípios Fundamentais do Código de Ética dos Advogados. TEXTO 3 Acima do gênero Pai que mora com outro homem consegue guarda de filha, por Gláucia Milicio A guarda de uma criança deve ficar com quem tem condições de melhor atender às necessidades moral, educacional e financeira do menor. O entendimento foi usado pela juíza Daniela de Carvalho Duarte, da 4ª Vara de Família e Sucessões de Santo André (SP), que não se intimidou em conceder a guarda definitiva de uma menina ao pai que há cinco anos vive em união estável com outro homem. Na decisão, a juíza levou em conta o fato de o pai ter uma família estável, que vive em harmonia e que pode conviver com a filha. “Verifica-se que a menor se encontra bem amparada ao lado do pai, que lhe fornece os meios imprescindíveis ao seu desenvolvimento”, constatou a juíza. 88 Psicologia Aplicada ao Direito A menor é fruto de um casamento que acabou em 2003. Com a separação, a visita do pai ficou limitada. Ele só podia ver a filha a cada 15 dias. Com o passar do tempo, a ex-esposa desenvolveu problemas emocionais e passou a ficar trancada em casa, sem atender telefone e sem mandar a criança para a escola. Por causa dessa situação, o ex-marido entrou com pedido de mudança de guarda para diminuir o intervalo entre as visitas. A mãe chegou a ser advertida em uma audiência para que mudasse o comportamento. Nesta mesma oportunidade, a 4ª Vara de Família acolheu o pedido do pai para que pudesse ver a filha todos os finais de semana. Como o comportamento da mãe não mudou, o pai foi novamente à Justiça. Dessa vez, entrou com pedido de busca e apreensão da menor. A solicitação foi aceita e a guarda ficou, provisoriamente, com ele. Enquanto isso, a Justiça determinou que fosse feito estudos psicológico e social com os pais. Paralelamente, o pai entrou com pedido de guarda definitiva. Ficou constatado no laudo psicológico que a mãe tem distúrbios mentais e que precisa de tratamento constante. “Nossa indicação é que ela [a menor] possa continuar com o pai, para sentir-se mais protegida, o que fortalecerá o seu desenvolvimento biopsicossocial”, escreveu a psicóloga judiciária Maria Aparecida Garcia Leal. A psicóloga constatou, também, que durante a guarda provisória do pai a garota apresentou melhoras na escola e no seu desenvolvimento neurológico. No laudo social, foi constatado que a menor tem afeto pelo companheiro do pai e pelos filhos. Baseada nos laudos, a juíza Daniela de Carvalho Duarte deu a guarda da criança para o pai. Ela também levou em conta parecer do Ministério Público que votou a favor dele. Com a decisão, as visitas da mãe ficaram limitadas para cada 15 dias, entre 13h30 e 15h30, sempre na presença do pai ou de uma pessoa de sua confiança. A menina não poderá dormir na casa da mãe. Para o especialista em Direito de Família Luiz Kignel, o caso não deve ser visto como regra. Ele explica que a decisão não abre precedentes para outros casais homossexuais. “A medida é de exceção. A juíza deu a guarda por constatar que o autor do pedido é um bom pai independentemente da sua relação homoafetiva”, alertou. Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2008 QUESTÃO 1 Utilizando os conhecimentos adquiridos no decorrer das aulas, correlacione a decisão da Juíza com questões relativas aos laudos psicológicos e com questões ligadas à filiação e guarda. 89 Coletânea de Exercícios QUESTÃO OBJETIVA Sobre a relação entre a Psicologia e o Direito, pode-se afirmar que: a. O conhecimento da Psicologia é subjetivo e, por isso, incompatível com o trabalho pericial no campo judiciário. b. A psicologia aplicada no campo judiciário objetiva identificar a patologia mental das pessoas envolvidas em ações judiciais. c. A perícia psicológica deve ser compreendida dentro da especificidade de seu objeto e método de estudo. d. A perícia psicológica tem o objetivo de constatar a veracidade dos fatos. SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS AMENDOLA, Marcia Ferreira. Laudos, Pareceres Psicológicos e a Participação do Assistente Técnico – 7º Encontro de Psicólogos Jurídicos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Serviço de Apoio aos Psicólogos da Corregedoria Geral de Justiça. Disponível em : http://canalpsi.psc.br/canalpsi_revista/pdf/Laudos,%20Pareceres%2 0Psicologicos%20e%20a%20Participacao%20do%20Assistente%20Tecnico.pdf EVANGELISTA, R.; MENEZES, I. V. “Avaliação do dano psicológico em perícias acidentárias”. Revista IMESC, nº 2, 2000. pp. 45-50. JORNAL PSI CRP-SP. “A inserção do psicólogo no Poder Judiciário e sua interface com o Direito. Questões éticas”. Edição nº 146, janeiro/março 2006. 90