Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216
EM BUSCA DA MEMÓRIA DA CIDADE DE JACAREZINHO/PR:
LEVANTAMENTO E ESTUDO DOS ARTISTAS
Juliana Carolina da Silva
(Bolsista PIBIC-FA / G-CCHE-UENP/CJ)
Luciana Brito
(Orientadora - CLCA-UENP/CJ)
Grupo de Pesquisa Literatura e História: Memória e Representação
Introdução
Tomando a consideração de Ítalo Calvino de que "a memória é redundante:
repete símbolos para que a cidade comece a existir" (2003, p. 23), admitimos que não só com
prédios se edifica uma cidade, pois a urbe é formada, progride ou se esparsa conforme a
percepção de seus transeuntes.
Por meio dessa percepção do cotidiano, dos costumes e das crenças, também
se pode apreender e compreender a história de determinado local. A arte, por sua vez, é a
forma de se expressar a percepção do homem, a maneira como transfigura e imprime seus
sentidos e sentimentos, projetando ao presente as imagens e conceitos de um tempo singular
que jamais serão revividos, mas revisitados, criando a consciência da intercomunicabilidade
da história1.
Dessa maneira, a obra de arte, ao mesmo tempo em que registra os ritos e o
cotidiano de seu tempo de produção, se torna prova da unidade atemporal do espírito humano;
da superioridade da imaginação em relação ao real; da inferioridade das ideias no que tange
aos sentimentos, uma vez que observadas pelo presente. O que importa não são as obras em
si, mas a forma como são coletivamente interpretadas e sentidas, formas, essas, que as
próprias obras dificilmente poderiam ter previsto (EAGLETON, 2003).
Como comenta Eagleton (1997, p. 12),
Não existe uma obra ou uma tradição que seja valiosa em si, a despeito do que se
tenha dito, ou se venha a dizer, sobre isso. “Valor” é um termo transitivo: significa
tudo aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas em situações
específicas, de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos.
Assim, é possível que, ocorrendo uma transformação bastante profunda em nossa
história, possamos no futuro produzir uma sociedade incapaz de atribuir qualquer
valor a Shakespeare.
1
Carta de Burra, apresentada na Austrália em 1980, pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios/ICOMOS.
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Logo, vemos a Arte a criar novas significações de ideários e tempos, além
da época presente, adquirindo novas representações e valores conforme interpretações
coletivas, mostrando, como denominador comum, o público.
Torna-se a obra, por essa via, mais do que uma expressão da arte, pois
mostra o seu caráter de cultura enquanto construção histórica, concebendo-se em uma
dialética de permanência e mudança, de resistência e intercâmbio entre as diversas culturas
em que se moldaram as translações econômicas, sociais e, consequentemente, culturais ao
longo da história de Jacarezinho. Podemos, dessa forma, dar simplificada sustentação à
famosa sentença de Walter Benjamin (1996, p. 115): “Nunca houve um monumento da
cultura que não fosse também um monumento da barbárie”.
Assim, partindo do conceito de que o registro reflete o reconhecimento do
valor das expressões culturais e destas enquanto parte do patrimônio cultural, o presente
artigo tem por objetivo realizar um levantamento e, posteriormente, um estudo dos artistas
(escritores, poetas, pintores e escultores) da cidade de Jacarezinho/PR. Nosso intuito é
cooperar para o levantamento da memória cultural da cidade e assegurar a memória artística e
social, em que obras de arte são matérias portadoras de significado, conforme “dão suporte à
memória coletiva e são fonte da história dos homens e da terra” (OLIVEIRA, 2008, p. 146).
Arte e cidade
Observa-se que em cada objeto de arte se reconhece facilmente um
sedimento de noções que o artista tem em comum com a sociedade da qual faz parte. Tal
proximidade se configura como a linguagem histórica e falada de que ele se serve (ARGAN,
2005). A partir disto, vemos a confluência social e cultural novamente a permear a expressão
artística; sob o prisma da arte cunhada como “acadêmica”, por seu vanguardismo citadino,
notamos o surgimento da arte como sensação “pura”, tomando a exemplo os trabalhos de
Gisele Camargo e Heloísa M. M. Moreira.
Ademais, podemos entrever na arte popular o modo de viver e pensar de
seus representantes. Os artistas desenvolvem estratégias para filtrar e reorganizar o que advém
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da cultura hegemônica e nela integram e fundem a memória histórica. Modelos disso são as
esculturas e pinturas fortemente identitárias de João Caldeira ou em Donizetti.
Assim, a arte local, ao tentar projetar a sensibilidade, se valeu de uma
grande variedade de meios, ferramentas e prismas. É o que nos mostra a escultura
predominantemente sacra que circulou pela catedral, colégios e casarões de Jacarezinho, e
agora nos relata uma cidade tradicional, profundamente marcada pelas instituições de caráter
religioso.
Entretanto, em alguns casos, o tradicionalismo se mescla ao modernismo,
como expressa o mural da antiga Faculdade de Filosofia, que hoje abriga o Centro de Ciências
Humanas e da Educação e o Centro de Letras, Comunicação e Artes da Universidade Estadual
do Norte do Paraná (campus Jacarezinho). Ao retratar o campo e seus “pioneiros”, com
figuras fluídas e cores da terra, a obra se torna “uma experiência transformadora, em que tudo
o que antes parecia ‘sólido’ e certo ‘desmancha no ar’”, tal qual certa descrição de Karl Marx
e Friedrich Engels no Manifesto Comunista (2001, p. 03). Em pedras de arenito e argilas
coloridas, a visão da efemeridade se refaz e contrasta com a arte antes estabelecida, como a
escultura animista do pioneiro na técnica da argila na cidade, o anteriormente citado João
Caldeira.
Há também a presença de afrescos e quadros hoje são considerados retratos
da cidade em seu desenvolvimento agrícola e da riqueza do setor agropecuário, desde o café
até as lavouras de cana-de-açúcar. Inicialmente, todavia, essas gravuras eram produzidas para
informar a capital das tentativas de colonização a partir do século XIX.
Já a década de 1950 remete o público jacarezinhense às pinturas
expressionistas que o fluminense Eugênio Sigaud compôs na Catedral Diocesana de
Jacarezinho, demonstrando a realidade da população pelo olhar de um visitante. Contudo,
frente ao aclamado pintor, não devemos nos esquecer dos artistas locais, que afluíram sobre
técnicas e movimentos individuais e coletivos, como as iniciativas das “bandeirantes”, em
1966, com a Exposição de Arte da cidade, e a Fábrica Mágica, na década de 1990.
Os traços dos movimentos artísticos ao longo da história de Jacarezinho
confundem-se em coloniais, modernistas e contemporâneas, e é essa dança de tendências e
estéticas que predomina na literatura. Interiorana e bucólica no início do século, à medida que
cresce, se mostra marcada pelas influências externas da diversificada população estudantil
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acolhida pela Faculdade de Letras. Tal diálogo se desenvolve há mais de 50 anos, deixando
resquícios em suas poesias, crônicas, contos, teatros e romances.
Contudo, além da apreciação constante e da busca por enxergar a história
pelos diferentes universos das produções artísticas locais, devemos encontrar maneiras de
integrar as obras e a população. De tal forma, se procurará a preservação através do
conhecimento de sua história, aliado ao reconhecimento de seu patrimônio histórico-cultural.
O enleio da arte com o conhecimento, as expressões e as visões populares se
mostra uma das inquietações formadoras da presente pesquisa. Por isso faz-se uso do termo
“reconhecer” em consonância com o significado de “lembrar”, tal qual a definição de Ana
Cleide Chiarotti Cesário no Pronunciamento de Abertura do III Encontro Cidades Novas – A
Construção de Políticas Patrimoniais: Norte de Ações Preservacionistas de Londrina, região
norte do Paraná e Sul do país:
segundo Halbwachs (1990), é um ato que está relacionado aos “quadros sociais
reais” que servem de referências às lembranças individuais, como: lugares, datas,
instituições, acontecimentos públicos. Portanto, lembrar relaciona a memória
individual à coletividade a que pertencemos, enfatizando os laços afetivos que as
lembranças em comum estabelecem entre os indivíduos. (CESÁRIO, 2011, p. 09)
Assim, a busca pelo reconhecimento das artes em sua modernidade ou
traços folclóricos e vozes populares concretiza-se na formação do sentimento de pertencer a
uma mesma cultura local e do dever de guardar a história, na conscientização de que cada
cidadão é, ao mesmo tempo, portador da cultura e agente construtor na identidade cultural,
que será herdada e construída constantemente, numa similar dialética.
Dessa forma, não apenas o registro dos bens materiais que pertencem ao
Patrimônio Histórico de Jacarezinho engloba o conceito de patrimônio cultural em suas
dimensões históricas, artísticas e naturais; são inclusos os bens imateriais, como os artistas,
suas influências e biografias, buscando sociabilidades e tradições. Logo, o intuito de fazer o
levantamento de artistas se estabelece como também sendo uma das formas de preservar, no
sentido de catalogar, conhecer, tanto as obras quanto a memória dos autores que laboraram
sob a história da cidade. Busca-se aqui o conhecimento e o levantamento dos artistas e suas
trajetórias a fim de melhor compreender a artística local e conservá-la.
O direito à memória
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Contudo, não basta o restaurar, conservar ou o documentar: um bem cultural
é preservado quando tem uma função social. É preciso, portanto, reinseri-lo na dinâmica
social, realizando exposições e conscientizando a população, a fim de reforçar ou restabelecer
tal função, visto que a atribuição de representatividade sociocultural é a matriz do Patrimônio
a que nos referimos.
Medidas como essas se fazem necessárias porque, diferente do que ocorre
individualmente, a memória social se constrói ao longo de muitas gerações, todas
mergulhadas em relações determinadas por estruturas sociais. Sua formação implica na
referência ao que não foi presenciado, na representação de processos e estruturas sociais que
já se transformaram. Assim, a geração atual possui vestígios dos padrões sociais que lhes
antecederam, potenciais suportes de sua memória. Portanto, é também pela seleção, análise e
interpretação de tais suportes, os bens culturais, que são construídas a memória e o
esquecimento social.
Dessarte, as produções artísticas em Jacarezinho podem ser diagnosticadas
como manifestações culturais espontâneas, carregadas de expressões que caracterizam a
cidade na significação atribuída pelo autor e nas interpretações sociais. Ao ponderar que a
preservação do patrimônio cultural representa um conjunto que contribui para a construção da
memória e do progressivo esquecimento social, reconhecemos a preservação e a revitalização
dos bens culturais como um direito do cidadão, que deve ser exercido e assegurado pelo poder
público.
Conforme o Art. 216 da Constituição Federal, estabelecido desde 1988, “o
poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (Brasil, 1988, art. 216).
Isso significa que o Estado deverá fornecer meios para se garantir o acesso à lembrança,
tornando possível o desenvolvimento histórico e crítico das bases da realidade atual.
O trabalho de valorização, preservação e reutilização do Patrimônio Cultural
constitui uma forma de envolver a comunidade, permitindo-lhe a consciência de si mesma e a
revitalização das tradições. A valorização da identidade cultural faz com que se intensifique o
sentimento de pertencimento à comunidade. O esquecimento e a depreciação do patrimônio
sociocultural, por sua vez, expressam nossa dependência cultural.
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Em outras palavras: a memória gira em torno de um dado básico do fenômeno
humano, a mudança. Se não houver memória, a mudança será sempre fator de
alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma de referência e cada ato
seria uma reação mecânica, uma resposta nova e solitária a cada momento, um
mergulho do passado esvaziado para o vazio do futuro. É a memória que funciona
como instrumento (...) de identidade, conservação e desenvolvimento que torna
legível os acontecimentos. (MENEZES, 1984, p. 34)
Portando, a memória social é decisiva para a construção do sentido da
dimensão histórica da sociedade. O processo de desenvolvimento social passa a ser percebido
como algo sujeito a mudanças que se formam, por intervenção das forças sociais do presente,
a partir de acúmulos produzidos historicamente. Ao assinalar que “vivemos no longo prazo”,
Braudel (1996, p. 71) indica que as reorganizações da vida social se fazem em presença de um
agrupamento sucessivo e contínuo de mudanças produzidas numa longa duração, que
deságuam na realidade atual, condicionando alternativas de construção do futuro.
Conforme Walter Benjamin,
extrair a metáfora moral da esfera da política, e descobrir no espaço da ação política
o espaço completo da imagem. Mas esse espaço da imagem não pode de modo
algum ser medido de forma contemplativa. [...] aí se abre esse espaço de imagens
que procuramos, o mundo em sua atualidade completa e multidimensional, no qual
não há lugar para qualquer “sala confortável” (BENJAMIN, 1996).
Dessa maneira, pensa-se a gestão da arte como prática política que detém o
conhecimento e o esquecimento cultural, fatores que nos remetem à perda de ritos e crenças e
da história cotidiana de gerações anteriores. Num processo sempre contínuo, movido na
vertigem das novas tecnologias, o tempo contemporâneo, pós-moderno, mostra-se com cada
vez menos espaço para a experiência e o saber dela advindo, essas duas forças-motrizes da
arte exercida pelos artistas de outrora.
Entretanto, essa produção remanesce em nichos de arte popular como
contracorrente ao movimento desendividualista, que caminha para o conhecimento puramente
informacional, em direção à perda da consciência e saber gerados pelo convívio coletivo. Ou
seja, caímos na alienação de nossos próprios habitus ao esquecer a herança cultural que
constitui nossa identidade.
Como mostrou Pierre Bourdieu em A economia das trocas simbólicas
(1974), o campo em que o habitus funciona mais mascaradamente é o da arte. Terreno por
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excelência da negação do social se faz, sem dúvida, aquele em que, de modo mais forte, se
demarcam as diferentes formas de relação com a cultura.
Sendo a conscientização do passado a maneira de buscar o ativo
posicionamento no presente, consideramos esta uma época de dialogismos temporais. A partir
disso, o cidadão deve ter a possibilidade de se posicionar rente à construção do futuro sob a
mediação do passado. Posição, essa, atingida pela memória coletiva mediante os suportes de
memória, como o acesso aos patrimônios socioculturais e às experiências que estes
transgeracionam, transportando a memória social de uma geração à outra.
Considerações finais
Ao abordar que a identidade cultural não é uma essência, posto que não seja
estática, estável, coerente ou unificada, permanente e, tampouco, homogênea, Stuart Hall, no
livro A identidade cultural na pós-modernidade (2006), nos põe a observar em nossa
constituição de crenças o apelo aos mitos. No caso do Paraná e de suas cidades fundadas
sobre a agropecuária entre o final do século XIX e o início do século XX, os mitos
fundadores, como a ideia do “vazio demográfico”, perfazem o imaginário popular, conforme
vemos na escultura Jacarezinho Antigo, de João Caldeira.
Frente ao grande fluxo das migrações populacionais e imigrações,
principalmente da Itália, Japão, Croácia e Polônia, de 1900 a 1940, fizeram-se necessários
mitos que unificassem suas histórias sobre uma construção cultural comum, denominados, por
esta razão de fundadores. Sobre esse primeiro mito, Jacarezinho se constitui numa rede de
culturas, que podemos definir como sendo uma identidade em construção, um efeito, um
processo de produção, uma relação da qual o levantamento artístico possibilitará encontrar a
arte das minorias e seu consequente reconhecimento como expressão histórica em meio à
pressão das tendências e mitos hegemônicos.
Nessa constituição ambígua de narrativas, estruturas discursivas e sistemas
de representação, conectadas estreitamente com as relações de poder, a conservação do
patrimônio sociocultural de Jacarezinho em suas práticas e simbolizações são os meios de
conservar que visam o reavivar a arte em suas significações. Assim, o consequente processo
de valoração e o reconhecimento da arte incentivam olhares diferentes sobre a realidade,
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promovendo a produção, apreciação e o conhecimento da arte local, na tríade de produçãoconscientização-produção.
Portanto, buscando meios de contribuir com a cultura artística de
Jacarezinho, pretendemos incentivar a participação ativa na dinâmica social da arte, sendo,
concomitantemente, herdeiros e construtores da cultura artística. Quanto a esta, buscaremos
meios de divulgação para conscientizar e fazer lembrar, visto que a atribuição de
representatividade sociocultural derivada do contato com a Memória é a matriz do Patrimônio
Cultural. Sua revitalização será o labor de nossa pesquisa.
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Para citar este artigo:
SILVA, Juliana Carolina da. Em busca da memória da cidade de Jacarezinho/PR:
levantamento e estudo dos artistas.In: X SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2013. Anais... UENP – Universidade
Estadual do Norte do Paraná – Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2013.
ISSN – 18089216. p. 223 – 231.
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Juliana Carolina da Silva