GENIUS LOCI
Piazza della Signoria em Florença, Itália e o Santuário de Bom Jesus
de Matosinhos em Congonhas, Minas Gerais, Brasil:
uma abordagem comparativa dos aspectos históricos e artísticos.
Silva, Luciana Carla Masiero
Arquiteta
Piazza Felice Bacci 22/15 cap:50126
Florença, Itália
[email protected]
RESUMO
A locução genius loci está ligada em sua origem à identidade de um lugar ou objeto de culto na religião
romana. Esta associação entre gênio e lugar físico nasce da assimilação do gênio, divindade tutelar
romana da casa com os Lari (do latim lar (es) “Lares”), a partir da era de Augusto <63 a.C. - 14>. Os
Lares são figuras da mitologia romana que representam os espíritos protetores dos antepassados que,
segundo as tradições romanas, protegem a família, a propriedade. Entretanto de acordo com o
politeísmo romano o genius loci não deve ser confundido com os Lares, que são os gênios do lugar que
o homem possui. O genius loci caracteriza-se assim por ser o gênio do lugar frequentado pelo homem.
Na arquitetura moderna o termo transforma-se em expressão que identifica as relações com o estudo
do ambiente, uma interação de lugar e identidade. Com a locução genius loci individualiza-se um
conjunto de características socioculturais, arquitetônicas, de linguagem e hábitos que personalizam um
ambiente, uma cidade, um lugar. Com Norberg-Schulz, o estudo do Genius Loci é interessado na
fenomenologia da arquitetura e na reflexão sobre o lugar, visto como um sítio com uma identidade
precisa, reconhecível com caracteres que podem ser eternos ou mutáveis. Um termo transversal, que
diz respeito aos atributos próprios de um ambiente entrelaçado ao homem e às suas tradições, onde
arquitetura e arte dialogam com a paisagem e evidenciam condições de apropriação do espaço urbano,
diretamente ligadas às questões socioculturais e histórico-civis de uma sociedade.
Uma análise
sucinta com o intuito de descrever e ponderar questões relativas à identidade de um lugar, que nos dois
casos analisados são decretadas pelos eventos históricos indissociáveis à ação artística humana, por
mãos de célebres personagens, gênios de um tempo. O texto segue abordando aspetos relativos aos
casos de estudo: a Piazza della Signoria em Florença, Itália e o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos
em Congonhas, Minas Gerais, Brasil.
Palavras-chave: Genius Loci; Piazza della Signoria - Florença; Santuario Bom Jesus do Matosinhos Congonhas, Minas Gerais.
Introdução
O genius loci “pertencente” a um determinado lugar, vem analisado aqui numa visão mais
ampla podendo ser visto como um fenômeno intensificador do potencial cultural de um lugar
na medida em que esta autenticidade consegue manter sua longevidade com qualidade de
fruição do espaço.
Neste sentido os eventos históricos e artísticos associados a um lugar e somados a um
quadro geral de intervenções urbanas passadas ao longo do tempo influenciam diretamente
na identidade deste lugar.
É interessante analisar as características intrínsecas que permanecem quando nos
deparamos com um espaço urbano, sua paisagem e seus monumentos. Segundo Carsalade:
O lugar, como o acontecimento, é um elemento que se vivifica no
tempo e no espaço contínuo, se constituído em um momento e
espaços físicos diferenciados, conseguindo assim, uma identidade
1
própria, constituída por atributos específicos.
Esta reflexão deve conceber a percepção de um espaço único, distinguível, especial. Uma
relação que alcança o limite do afeto entre lugar e seu habitante e/ou visitante. Este seria a
definição ideal de genius loci: um fenômeno que acontece de forma sensitiva, quase
indescritível.
Florença e a Piazza della Signoria
O centro histórico de Florença (Figura 01) é o segundo centro histórico italiano protegido pela
Unesco (1982), depois de Roma (1980); e o quarto bem da lista geral dos 49 bens tombados
na Itália.
Ocupada em 59 a.C. pelos romanos e instaurada como acampamento militar às margens do
rio Arno, Florença (Firenze em italiano) apresenta uma conformação urbana ainda hoje
perceptível pela sua malha quadricular e dividida pelos eixos cardus e decumanos,
respectivamente as principais vias norte-sul e leste-oeste, fundamentais na conformação
urbana das colônias romanas. A toponímia em algumas áreas da cidade é facilmente
perceptível na porção oriental da cidade dantesca bem como nas proximidades do rio Arno.
Sobre o desenho urbano primitivo da cidade de Florença, especifica Leonardo Benevolo:
Florentia è uma città romana secondaria, orientata secondo i punti
cardinali ma non allineata com la centuriazione della campagna
circostante nè coll’Arno e questa inclinazione è determinante per lo
sviluppo successivo (Florentia é uma cidade romana secundária,
orientada segundo os pontos cardeais mas não alinhada com a área
da campanha circundante e nem com o Arno e esta inclinação é
2
determinante pelo desenvolvimento sucessivo).
1
CARSALADE, Flavio de Lemos, 2007, p.111.
2
BENEVOLO, 1993, p.52-53.
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Figura 01 – Vista panorâmica de Florença (Foto: Luciana Masiero).
Localizada na porção sul da antiga cidade romana, a Piazza della Singoria (Figura 02) palco
de feitos históricos da cidade de Florença é considerada um verdadeiro museu a céu aberto e
ainda hoje sedia manifestações e festas tradicionais da cidade.
No século XIII Florença è um dos centros econômicos mais importantes da Europa com
aproximadamente 100.000 habitantes e graças e este desenvolvimento a cidade ganha um
“piano regolatore” supervisionado por Arnolfo de Cambio que é quem “ridisegna
contemporanemente Il centro e la periferia” (redesenha contemporaneamente o centro e a
periferia).3
Neste contexto nascem os dois polos urbanos da cidade:
A ridosso del nucleo primitivo si organizzano Il centro religioso, com la
nuova cattedrale di S. Maria del Fiore, e il centro politico col palazzo e
la piazza della Signoria.(…) Su questo splendido telaio lavoreranno gli
artisti del Rinascimento per rifinire la forma urbana nel ‘400 e nel ‘500
(Próximo ao núcleo primitivo se organizam o centro religioso, com a
nova catedral de S. Maria del Fiore, e o centro político com o palácio e
a praça da Signoria. (…) sobre esta esplêndida malha trabalharão os
artistas do Renascimento para definir a forma urbana nos séculos
4
1400 e 1500).
Arnolfo de Cambio é neste período o arquiteto responsável pelo projeto do Palazzo dei Priori
(atual Palazzo Vecchio), bem como por outras edificações importantes da cidade como a
Catedral Santa Maria del Fiore e a Igreja de Santa Croce.
O Palazzo Vecchio (Figura 02) edificação dominante na Piazza della Signoria marca o polo
destinado à vida civil, mantendo sua função de sede política e administrativa até os dias atuais
(hoje funciona como sede da prefeitura de Florença e do Museu do Palazzo Vecchio).
3
BENEVOLO, 1993, p. 53.
4
BENEVOLO, 1993, p. 53-54.
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Ao longo do século XIV a praça garante sua conformação durante a construção do palácio
público que só é possível graças à demolição de edifícios medievais pré-existentes.
Figura 02 – Palazzo Vecchio – Piazza della Signoria, Florença. (Foto: Serena Balerstracci).
Além do palácio público a outra edificação arquitetônica que estabelece a conformação deste
espaço urbano como um grande museu a céu aberto é a “Loggia della Signoria” construída
entre o terceiro e quarto quartéis do século XIV com o intuito de garantir lugar às cerimônias
públicas e arengar a multidão durante os eventos oficiais, definindo o aspecto da praça como
espaço cívico e político.
Certamente este edifício arquitetônico representado pela loggia, antecipa a utilização de
elementos da arquitetura renascentista, como é o caso do arco pleno, e serve de inspiração à
Brunelleschi que ali cresce e assiste à sua construção.
Se pensarmos no movimento artístico que se desenvolveu em Florença no período que
antecipa a primeira fase do Renascimento e nas primeiras décadas do século XV, é possível
destrinchar no mínimo alguns dos momentos mais importantes deste período artístico, como é
o caso de Giotto, capomastro do Duomo de Florença na concepção de seu campanário gótico
e com a aplicação na pintura de uma perspectiva intuitiva; com Donatello que já nos primeiros
anos do século XV vai à Roma em companhia de Brunelleschi para estudar os monumentos
“antigos” já tendo sido contratado para desenvolver alguns trabalhos para a Catedral Santa
Maria Del Fiore, e ainda, com Masaccio na produção da celebre Trinità na Igreja de Santa
Maria Novella, que de forma brilhante e pioneira na história das artes, aplica na pintura os
estudos brunelleschianos da perspectiva. Como pontua Peter Murray:
Alcuni riflessi delle innovazioni architettoniche del Brunelleschi si
possono cogliere nell’opera dei suoi amici Masaccio e Donatello.
(Alguns reflexos das inovações arquitetônicas de Brunelleschi são
possíveis de reconhecer na obra de seus amigos Masaccio e
5
Donatello).
A propósito dos artistas deste período, que eram inscritos como membros das Corporações
das Artes de Florença é interessante a reflexão de Françoise Choay quando menciona:
5
MURRAY, 2009, p.32.
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(...) a essa abordagem literária dos edifícios antigos opõe-se, mais
tarde, na passagem do século XIV para o XV, uma abordagem
sensível, feita pelos “homens das artes” que, diferentemente dos
humanistas, interessam-se, sobretudo pelas formas. Com efeito, cabe
a escultores e a arquitetos descobrir em Roma o universo formal da
6
arte clássica.
Hoje, este complexo espaço que é a praça dialoga com as obras primas da escultura
renascentista ali presentes e datadas entre os séculos XV e XVI (originais e cópias), locadas
em momentos históricos diferentes, e que são de fundamental importância para a concepção
atual deste espaço urbano, e consequentemente para o seu genius loci. Só para citar algumas
delas: o Perseo de Benvenuto Cellini, o Rapto das Sabinas do maneirista Jean de Boulogne, o
grupo escultórico de Hércules e Caco de Baccio Bandinelli. As demais esculturas localizadas
na loggia, com exceção da base do Perseo, são originais ou cópias romanas de originais
gregos.
Vários remanejamentos ocorreram com relação ao posicionamento das esculturas na praça
ao longo dos séculos, seja por questões históricas que por questões de conservação.
Em 1495 a escultura da Judite e Holofernes de Donatello realizada na década de 50 do século
XV foi colocada na tribuna localizada em frente ao Palazzo della Signoria, como símbolo da
vitória republicana de Florença, guiada por Girolamo Savonarola reformador domenicano que
governou Florença entre os anos de 1494 e 1498.
No seu lugar em 1504 foi colocada a célebre estátua do Davi (1501-1504) de Michelangelo
Buonarotti, novo emblema da liberdade republicana (que permanece na praça até 1873), e
trinta anos depois ao lado desta, Hércules e Caco do artista Baccio Bandinelli um dos
símbolos do poder da Casa Médici. Em 1540 quando Cosimo I dos Médici se transfere para o
então Palazzo dei Priori a praça se transforma em praça ducal, símbolo do poder do príncipe e
da organização do Estado.
O posicionamento de Perseo de Benvenuto Cellini na loggia da Signoria, a criação dos Uffizi,
a Fontana di Nettuno de Bartolomeo Ammannati, bem como a estatua equestre de Cosimo I
celebram o governo do novo senhor do Tirreno, fazendo ver no desenho da praça as ações de
um Estado triunfante e vitorioso.
O espaço assim cria sua imagem, como uma monumental galeria de esculturas, posicionadas
não somente em frente ao Palazzo Vecchio, mas também dentro do espaço conformado pela
loggia que no final do século XVIII recebe seus últimos exemplares antigos, entre eles
esculturas romanas provenientes da Villa Médici de Roma.
O Santuário de Bom Jesus de Matosinhos7
Notas históricas e comparativas com a Piazza della Signoria
O conjunto arquitetônico e paisagístico do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos está
localizado no morro do Maranhão na cidade de Congonhas, Minas Gerais. É composto pela
Igreja, pelo adro com as esculturas dos doze Profetas (Figura 03) e pelas seis capelas com
esculturas em madeiras no tamanho natural que representam cenas da Paixão de Cristo,
obras do artista Antônio Francisco Lisboa – o Aleijadinho.
6
CHOAY, 2006, p.46-47.
7
Entra na lista da Unesco como Patrimônio da Humanidade em 1985.
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(Figura 03) Igreja e adro com profetas – Congonhas, Minas Gerais (Foto Luciana Masiero).
O espaço urbano monumental é fascinante e pode ser visto a partir de vários pontos da cidade
conferindo um cenário espetacular graças à sua arquitetura barroca, ao conjunto escultórico,
à paisagem local e ao paisagismo, composto por palmas e jardins que permeiam os “passos”
dispostos ao longo da ladeira de acesso ao complexo religioso.
A percepção do espaço formado pelo conjunto é garantida pela inserção do grupo escultórico
que se integra ao adro da Igreja e à paisagem. O elemento arquitetônico constituído pela
igreja funciona como pano de fundo para os profetas. Sobre esta disposição assinala Jonh
Bury:
A relação entre arquitetura e a escultura em Congonhas difere da que
caracteriza as fachadas de igrejas de seu período inicial. Nessas, a
escultura tem papel subordinado, ao passo que em Congonhas ela
8
domina a arquitetura.
È interessante perceber as diferenças no caso da Piazza della Singoria cujos autores da
estatuária são vários, bem como os períodos de realização e colocação na praça de cada uma
das esculturas. Em Congonhas temos somente um artista, responsável por todo o grupo de
esculturas presentes na “praça”.
O Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, após a construção da Igreja em 1761 e do adro no
final do século XVIII, recebe o grupo escultórico realizado no início do século XIX
representado por um único tema religioso, e ainda, sempre por Bury:
Os profetas formam um conjunto caracterizado por três aspectos
distintos: “arquitetonicamente, enquanto grupo; individualmente,
como obras escultóricas; e psicologicamente, como estudos dos
9
personagens que representam.”
8
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org), 2006, p.43.
9
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org), 2006, p.46.
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Sem dúvida teríamos uma infinidade de itens a serem analisados a respeito da estatuária e de
seus aspectos artísticos. Mas além das questões artísticas, é possível analisar os motivos
históricos de cada uma delas durante sua realização.
No caso da Piazza della Signoria o Davi de Michelangelo, obra “encomendada” para exercer
uma função religiosa e adornar o Duomo de Florença, é colocado em 1504, ano de sua
finalização, ao lado esquerdo do acesso principal ao Palazzo Vecchio sede do então governo
republicano: a escolha definida do posicionamento da escultura colossal foi feita por uma
comissão de artistas e arquitetos renomados da época e muda por completo a intenção e a
simbologia da obra, que passa a ter um sentido cívico e de representação da vitória
republicana para a cidade de Florença na época.
A escultura de Buonarotti pensada para ser colocada num ponto mais alto passa a ser
vislumbrada sob um ponto de vista muito mais baixo do que o previsto. As “desproporções”
calculadas na escultura de Michelangelo visível nas mãos e nos pés da escultura, não seriam
perceptíveis caso a mesma fosse instalada no local originalmente determinado.
No caso dos profetas, este tipo de “estratégia” artística não foi ignorada por Aleijadinho, como
cita Jonh Bury:
Provavelmente, alguns “defeitos” das estatuas são intencionais. O
escorço, por exemplo, aparece como um artifício de perspectiva,
destinado a corrigir as proporções das figuras quando vistas de baixo.
Esse é o caso dos braços e antebraços fora da escala, dos membros
inferiores desproporcionalmente curtos, dos pés muito pequenos e
dos pescoções e cabeças relativamente grandes. A estátua de Amós,
quando vista de perto, ilustra muito bem tais defeitos. Porém, como
ela se localiza bem no alto, no parapeito leste do adro, quando vista
de baixo, do pé da escadaria, suas proporções parecem corretas e
10
naturais.
Além dos estudos da proporção e posicionamento das esculturas analisados pelos dois
artistas, podemos registrar as questões mais simbólicas e relativas à identidade do lugar: na
obra de Michelangelo o Davi se transforma em símbolo de um ideal republicano, marcado da
história de Florença que se intercala ao longo dos séculos com o poder da dinastia tirana da
Casa Médici que durou mais de 300 anos (1434/1737).
A representação do futuro rei de Israel Davi, um colosso, nu e viril, se difere do que tinha sido
representado até então na escultura Renascentista: como com os célebres Davi de Donatello
e de Verrocchio, aonde o jovem Davi vem representado vestido e já com a cabeça de Golia
sob seus pés: com Michelangelo temos o herói, ainda antes do ato da vitória, com a face tensa
e consciente da sua capacidade de vencer o inimigo.
Realizada em um período onde artistas, intelectuais e literários são protagonistas de ideais
neo-platônicos e do humanismo, a escultura original de Davi permanece na praça até o ano de
1873 quando a obra por questões de conservação é substituída por uma cópia e transferida
para um espaço construído sob medida: uma tribuna projetada pelo mesmo arquiteto
vencedor do concurso da fachada neogótica da Catedral florentina Santa Maria Del Fiore,
Emilio de Fabris. A tribuna localizada em um dos espaços do antigo hospital São Mateus e da
Academia de Belas Artes, hoje é sede do importante Museu conhecido como Galleria della
Accademia.
No caso dos profetas, temos por Bury, que escreve em 1949, uma perfeita descrição do que é
possível identificar como o genius loci presente no Santuário de Bom Jesus:
10
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org), 2006, p.48.
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A paisagem de Congonhas (Figura 04), circundada por remotas
montanhas marcadas pelas perfurações das minas de ouro
abandonadas, constitui um magnífico pano de fundo para a obra de
Aleijadinho. De seu elevado terraço, os profetas dominam um imenso
panorama sobre esses montes desolados, delimitados pela massa
azul-escura da serra do Ouro Branco a oeste, a grande distância, e
pela serra de Santo Antônio, no longínquo horizonte a norte e a oeste.
Essa paisagem remota e melancólica acrescenta às figuras de pedra
11
do adro uma grandiosidade inesquecível.
(Figura 04) Vista de Congonhas a partir do Santuário, Minas Gerais (Foto Luciana Masiero).
Na obra de Congonhas, como lembra Bury realizada no segundo período do artista
(1795-1807) é possível identificar desde a metade do século XVIII as inovações artísticas que
refletem as mudanças sociais:
A reação dos nativos contra os portugueses que governavam a
colônia, bastante natural do ponto de vista psicológico, foi ainda
12
acentuada por fatores econômicos políticos.
Interessante é a colocação do autor sobre o ápice do estilo de Aleijadinho no adro do
Santuário de Congonhas e de como este “estilo” representa um drástico desvio do estilo
jesuítico português.
Ainda sobre o aspecto histórico e os reflexos proporcionados pela obra de Aleijadinho no
nosso país, Sylvio de Vasconcellos fala da cidade colonial brasileira, e especificamente da
mineira, e da contribuição de Antônio Francisco Lisboa “para a grandeza da arte brasileira” 13
ligada à importância do artista “no fator histórico de sua época”14:
(...) não se pode deixar de aceitar que foi precisamente em Minas
Gerais que, por circunstâncias várias, se aglutinou de fato e se
11
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org), 2006, p.57.
12
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org), 2006, p.44.
13
14
LEMOS, Celina Borges (Org.), 2004, p.87.
LEMOS, Celina Borges (Org.), 2004, p.87.
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consolidou, de maneira marcante e decisiva, o que se poderia chamar
de consciência da nacionalidade, confirmada, mais tarde na
15
independência.
Neste sentido percebemos a importância da produção artística humana que dentro de um
contexto histórico influencia diretamente a concepção de um lugar, e que incorporado aos
seus fatos históricos, traduz formalmente, por meio da arquitetura e da arte, a identidade
deste lugar.
A conformação da cidade medieval europeia
Uma breve contraposição com a cidade colonial brasileira
Sobre as diversas análises relativas à conformação das cidades europeias, é curiosa a
abordagem de Leonardo Benevolo quando cita as inovações constitutivas da multiplicidade na
conformação das cidades medievais, onde a unidade é garantida por uma regra para o futuro
ao invés da memória de um passado.16
A forma física das cidades medievais é de um modo geral condicionada pela sua organização
política o que torna possível estabelecer um local de encontro, uma imagem de interesse
comum para o reconhecimento desta multiplicidade, criando consequentemente um lugar
identificável.
Sobre estas características, e ainda, pelas questões morfológicas, Benevolo considera as
cidades medievais como não perfeitas:
Vien meno la ricerca di una perfezione della forma cittadina, basata
sulle grandi sistemazioni pubbliche, e vi si sotituisce una familiarità
con l’imperfezione, una tolleranza dell’irregolarità, dell’incompiutezza,
del contrasto, che resteranno caratteri durevoli delle città europee (é
menor a pesquisa de uma perfeição da forma da cidade, baseada em
grandes intervenções públicas, substituída por uma familiaridade com
a imperfeição, uma tolerância à irregularidade, da incompletude, do
contraste, que permanecerão caracteres duráveis das cidades
17
europeias).
Ainda sobre o aspecto familiar e doméstico das cidades europeias Benevolo afirma que estas
se transformam em “piccoli scenari di respiro mondiale, centri di mondi economici e culturali
diversi e contrapposti, e testemoniano la capacità di ridurre un mondo alle misure domestiche
di un luogo” (pequenos cenários de respiro mundial, centro de mundos econômicos e culturais
diversos e opostos, e testemunham a capacidade de reduzir um mundo à medida doméstica
de um lugar).18
Todos estes aspectos podem ser atribuídos à conformação destes centros urbanos que
comportam um estudo de caso muito diferenciado do que fora aplicado nas cidades coloniais
brasilieras.
15
LEMOS, Celina Borges (Org.), 2004, p.87.
16
“ La meravigliosa città medievale, che è stata per un periodo un virtuale capoluogo del mondo mediterraneo,
sintesi di Oriente e Occidente, diventa da allora una tranquilla città provincia (A maravilhosa cidade medieval, que
foi por um período uma capital virtual do mundo mediterrâneo, síntese do Oriente e do Ocidente se transforma a
16
partir de então numa tranquila cidade provincial).
17
Benevolo, 1993, p.34.
18
Benevolo, 1993, p.35.
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A respeito da colonização portuguesa, o território brasileiro não apresenta alguma imposição
do tipo de estrutura urbana, como cita Bury:
Os colonizadores portugueses não levaram para o Brasil nenhuma
tradição firme ou bem sucedida de planejamento urbano. Ao contrário
do que ocorreu na Itália, na França e na Espanha, não foram corrente
19
em Portugal nem o esquema em grelha, nem o radial.
Ainda com Bury sobre o território português:
Essas plantas urbanas ortogonais faziam parte da herança cultural da
Europa Ocidental, derivada da Antiguidade Clássica. Contudo, não
são comuns em Portugal, e relativamente raras às cidades mais
20
antigas construídas pelos portugueses no além-mar.
Sobre o “esquema em grelha” muito utilizado pelos romanos em suas colônias e
acampamentos militares cujos perímetros eram contornados por uma cinta muralha e
normalmente composta por quatro ingressos principais, pouco se vê em Portugal, e muito
menos nas colônias portuguesas no Brasil. Estas foram caracterizadas por um crescimento
orgânico, ao longo de um rio aurífero, como percebido em Minas Gerais onde a conformação
da cidade mineradora colonizada inclusive se distinguia da cidade administrativa.
Normalmente, a tentativa de utilizar o desenho ortogonal pode ser pontuada, por exemplo, em
cidades maiores como Salvador e Rio de Janeiro.
Com relação às questões das fortificações militares, os centros urbanos isolados nas Minas
Gerais não foram alvo de intervenções urbanas relativas à arquitetura militar como aconteceu
nos centros litorâneos do Brasil colonial.
19
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org), 2006, p.169.
20
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org), 2006, p.169.
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Conclusões
O limite entre a importância formal dos elementos arquitetônicos e artísticos inseridos na
paisagem e no contexto urbano e o a história do próprio lugar são fundamentais para a
percepção do seu genius loci.
A análise aborda comparativamente duas situações, onde por um lado, o Santuário de Bom
Jesus de Matosinhos em Congonhas vem realizado em fases sucessivas e sequenciais,
divididos por partes: a Igreja, o adro e as esculturas, quase como a cumprir um único projeto.
Na Piazza della Signoria, o grupo de esculturas possui uma ligação estética e histórica com a
arquitetura que compõe o espaço, mas foram dispostas ao longo de dois séculos em
momentos históricos distintos e realizadas por artistas diversos.
Na Piazza della Signoria estão presentes na grande maioria os exemplares escultóricos
originais. Entretanto é importante salientar que das obras expostas diretamente às
intempéries, dos seis monumentos localizados em frente ao Palazzo Vecchio, três são copias:
o Davi de Michelangelo, o Marzocco de Donatello e a Judite e Holofernes também de
Donatello. As demais são originais, como o Hércules e Caco, a estatua equestre de Cosimo I
e a Fonte de Netuno (Ammannati e Jean de Boulogne). As demais esculturas encontram-se
localizadas na loggia sob a proteção da cobertura da estrutura arquitetônica aberta à cidade
pelas suas arcadas monumentais.
Sabe-se que sobre a construção do Museu de Congonhas, o projeto tem como objetivo uma
melhor compreensão dos aspectos artísticos e religiosos do Santuário e um interessante
programa educativo relacionado à conservação do complexo, como cita Sergio Rodrigo Reis,
Presidente da Fundação Municipal de Cultura, Lazer a Turismo de Congonhas “o projeto
prevê a preparação da cidade para a abertura deste novo espaço cultural dedicado à
devoção, fé e cultura”.21
Permanece aqui um parênteses, uma abertura para a discussão relativa à conservação da
paisagem, uma análise de fatores que possam contribuir para a salvaguarda e a longevidade
de cidades e de centros urbanos, e aqui especificamente, destes dois excepcionais museus a
céu aberto e de suas respectivas paisagens circunstantes.
21
Fonte artigo da internet
www.congonhas.mg.gov.br/Materia_especifica/17168/Congonhas-abre-Semana-Nacional-de-Museus
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CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006.
LEMOS, Celina Borges (Org.) Sylvio de Vasconcelos: textos reunidos: arquitetura, arte e
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LUCHINAT, Cristina Acidini; CAPRETTI, Elena; BRANDT, Kathleen
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TOMEI, Alessandro. Arnolfo de Cambio. Firenze-Milano: Giunti – Dossier Art n.218, 2006.
Fonte web:
www.congonhas.mg.gov.br/Materia_especifica/17168/Congonhas-abre-Semana-Nacional-de
-Museus
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