ZEE: Sustentabilidade, o sonho possível O Paraná enfrenta problemas ambientais como erosão de solos, uso intensivo de agrotóxicos, falta de saneamento, poluição de rios e desmatamento de remanescentes florestais. Compatibilizar a preservação da natureza com o desenvolvimento econômico será tarefa do futuro governador do Estado. “Um de nossos pleitos é pela conclusão do ZEE [Zoneamento Ecológico-Econômico], para definir com clareza as regiões do estado mais adaptadas a determinadas culturas”, afirma o superintendente adjunto da Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná), Nelson Costa. Negociação - A implantação do zoneamento, entretanto, envolve muita negociação. “O grande problema do ZEE é político. Será preciso negociar com as várias regiões o que pode e o que não pode ser cultivado, as atividades que podem ser estimuladas e aquelas que não podem ter apoio, por causa dos riscos ambientais”, observa Christian Luiz da Silva, professor da pós-graduação em Tecnologia da UTFPR em Curitiba. “Falta ainda um pouco de amadurecimento da sociedade para compreender que há ações fundamentais que são de longo prazo, e é preciso abrir mão do imediatismo. Mas o papel do poder público é de justamente fazer essa sensibilização”, acrescenta Silva. Compromisso - Segundo Nelson Costa, a implantação do ZEE e outras reivindicações do agronegócio já foram apresentadas aos dois principais candidatos ao governo do estado – Beto Richa (PSDB) e Osmar Dias (PDT) –, que se comprometeram a manter alguns projetos e programas criados pelo ex-governador Roberto Requião (PMDB) ou pelo atual, Orlando Pessuti (PMDB). Conservação do solo - Uma das decisões mais recentes do governador Pessuti foi editar, no começo do mês, uma normativa sobre o uso de solos no Paraná. As novas normas foram debatidas com o setor produtivo, que ajudará a difundi-las entre os agricultores. O objetivo é retomar a excelência do plantio direto e reduzir a erosão no campo – problema quase eliminado nas últimas décadas, mas que voltou a preocupar. Quem não seguir as normas será punido com multa. Segundo Rafael Fuentes, pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), parte das lavouras perdeu as chamadas curvas de nível, que são sulcos que seguram as águas da chuva, evitando a erosão. “No fim dos anos 80 e começo dos 90, havia mais políticas públicas nesse sentido, com apoio financeiro do Banco Mundial. Depois disso, sem a difusão da técnica, começou a ser feita uma agricultura menos cuidadosa com relação ao solo.” Essa técnica, também chamada de terraço, é fundamental para garantir os benefícios ambientais do plantio direto, já bastante difundido no Paraná. Segundo Fuentes, quase 5,7 milhões de hectares no Paraná (60% da área plantada) são cultivados por esse sistema, que consiste na semeadura na palha, sem necessidade de revirar muito o solo. Valor agregado no campo - “Quando falamos em sustentabilidade no campo, também temos de discutir se os produtores conseguem se autossustentar. Se eles têm dificuldades financeiras, têm mais dificuldade para cumprir com a legislação ambiental”, diz Nelson Costa, da Ocepar. Segundo ele, é fundamental que o governo estadual crie programas para agregar valor à produção rural. “O interior precisa e deve industrializar mais a matéria-prima. Com isso o agricultor tem melhor remuneração e pode investir mais na conservação.” “Quando exportamos grãos, estamos exportando solo, água e nutrientes. Um estado agrícola como o Paraná não pode se dar ao luxo de exportar grãos sem agregar valor. É preciso industrializá-los, e de preferência no interior”, avalia o engenheiro ambiental Carlos Mello Garcias, professor da PUCPR. De acordo com Plano Diretor para o Agronegócio do Paraná, lançado em julho pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), esse é o grande desafio atual: gerar novos produtos com mais valor agregado. Para realizar isso, é preciso investir em capacitação, diz o assessor da presidência da Faep, Carlos Augusto Albuquerque. Saneamento - “Houve investimento nos últimos anos em saneamento, mas nossos rios não podem ser o escoamento de esgoto das cidades. Enquanto não limparmos os rios, não poderemos ser sustentáveis”, diz o engenheiro ambiental Carlos Mello Garcias. Segundo ele, apesar de o Paraná ter índices melhores do que o resto do Brasil (considerando as áreas urbanas e rurais), a situação ainda é muito crítica. “Estamos totalmente atrasados, discutindo ainda a universalização das redes. O debate deveria ser sobre a reutilização da água, além de um bom tratamento.” O saneamento também influencia no desenvolvimento regional, explica Christian Luiz da Silva, da UTFPR. “Com a ampliação e melhora da coleta, é possível melhorar a balneabilidade de nossas praias, e isso trará grandes benefícios em várias áreas.” Políticas públicas - De acordo com Rafael Filippin, coordenador jurídico da ONG Liga Ambiental, o próximo governador precisa fortalecer os órgãos públicos para definir as políticas públicas ambientais, especialmente as relativas aos recursos hídricos. Ele critica o modelo atual, sob responsabilidade do Instituto Paranaense de Águas, criado no ano passado. “O instituto tem técnicos muito competentes, mas tem carência de mão de obra. Na prática, o planejamento de saneamento está concentrado nas mãos da Sanepar, o que não deveria ocorrer, pois ela é uma concessionária.” Cidades sustentáveis - O professor Christian Luiz da Silva, da UTFPR, explica que o desenvolvimento sustentável envolve muito mais do que a produção agropecuária e a proteção do meio ambiente. “Ele envolve a preservação da cultura, o uso de espaços físicos de maneira adequada e uma condição de vida social mínima para a população.” Todas as ações relacionadas a esses indicadores não devem ficar apenas na mão do governador e de seu secretariado. Mas o próximo chefe do Executivo deve ser um líder que conduza os 399 municípios do Paraná a buscar o desenvolvimento sustentável. “A ação nas áreas urbanas é muito importante, pois é onde se consome quase a totalidade do que se produz na área rural. Então, qualquer ação vai reverberar no campo. Não podemos tratar dos dois como coisas separadas. É a cidade que pressiona o campo, que por isso quer produzir mais”, afirma Carlos Mello Garcias, da PUCPR. Setor empresarial - Além do poder público, o setor empresarial também é um parceiro importante na sustentabilidade. Essa é uma das principais bandeiras da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), que já em 2004 criou o Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis), que organiza e monitora indicadores socioeconômicos. Outra ação da Fiep é o programa Cidades Inovadoras, que começou a ser formatado no ano passado, com o lançamento do projeto Curitiba 2030, que pretende desenhar um plano de desenvolvimento de longo prazo para a capital paranaense. Leia mais sobre os programas da Fiep nos sites www.orbis.org.br e www.cidadesinovadoras.org.br. Código Florestal - O Código Florestal é um dos pontos mais sensíveis na relação entre agronegócio e meio ambiente. A Faep defende mudanças na legislação atual, que exige que no Paraná pelo menos 20% de cada propriedade seja conservada com floresta, a chamada reserva legal. O agronegócio também defende que cada estado tenha autonomia parar criar regras próprias de conservação (hoje, essa atribuição é federal). “Não se pode estabelecer um parâmetro nacional, como o das áreas de proteção permanente em volta dos rios. A Embrapa já mostrou que, às vezes, uma pequena faixa [de vegetação] já protege bem a água; em outros locais precisa ser maior”, afirma o assessor da presidência da Faep, Carlos Augusto Albuquerque. Segundo ele, critérios científicos devem definir as regras. Ambientalistas - Os ambientalistas consideram necessária a manutenção de 20% da propriedade como reserva legal. Em um documento encaminhado aos candidatos, eles afirmam que atualmente há um déficit de 2,4 milhões de hectares de áreas preservadas e que a única maneira de aumentar a rentabilidade da agricultura é incrementar a produtividade das áreas já exploradas. A definição do novo Código Florestal, em debate na Câmara dos Deputados, ainda está longe de acabar. Uma comissão especial aprovou um texto considerado muito liberal. O Ministério do Meio Ambiente está produzindo um texto substitutivo. Conservação do verde - Os parques e as unidades de conservação do Paraná precisam de um novo modelo de gestão, com a aplicação dos planos de manejo, que ainda não saíram do papel. A observação é de Rafael Filippin, da ONG Liga Ambiental. “Eles [os parques] precisam ser um vetor de desenvolvimento das regiões. A meta deve ser transformar os parques de Vila Velha e do Guartelá nos moldes do Parque Nacional do Iguaçu. As unidades de conservação precisam se tornar espaços de educação e turismo sustentável. Potencial para isso nós temos.”As cidades serranas de Gramado e Canela, no Rio Grande do Sul, são exemplos positivos citados pelo professor Carlos Mello Garcias, da PUCPR. “São cidades que primam pela conservação ambiental. Assim como Bonito [MS], como os Lençóis Maranhenses [MA]. Há vários exemplos que comprovam que é possível a exploração econômica com preservação ambiental.” Compromisso total - Os candidatos ao governo estão sendo convidados a assumir uma postura clara quanto à conservação da biodiversidade. Um manifesto com 160 assinaturas de pessoas físicas e jurídicas foi enviado ao políticos, pedindo que se manifestem até o próximo dia 20. As respostas deles serão divulgadas ao público. “Os recursos naturais estão em situação crítica. O Paraná, pela sua vocação agrícola, depende fortemente do bom funcionamento dos seus ecossistemas. A população também depende do bom funcionamento da atmosfera, da água”, afirma a jornalista Teresa Urban, uma das organizadoras do manifesto, em parceria com Clóvis Borges, da ONG ambientalista SPVS. “É possível melhorar, continuar produzindo e recuperando o que já foi degradado. Não é só um sonho possível, mas uma necessidade”, acrescenta Teresa. Christian Luiz da Silva, professor da UTFPR, diz que todas as medidas são factíveis. “O desenvolvimento sustentável não é intangível; está ao nosso alcance. Mas precisamos de um governador que tenha uma visão de Estado, algo de longo prazo, e que não fique preocupado apenas com seu governo.” Ecologia - Falta de saneamento, erosão, poluição e degradação do solo, das bacias hidrográficas e das unidades de conservação. Os recursos naturais do Paraná – inclusive a população – sofrem por causa desses problemas e estão em perigo. Por isso um dos grandes desafios do próximo governador será recuperar o meio ambiente, ao mesmo tempo em que incentiva o crescimento econômico. Barreiras - As barreiras para o desenvolvimento sustentável são várias, mas são conhecidas e podem ser resolvidas. Um deles é a falta do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), que indicará quais as atividades produtivas podem e quais não podem ser desenvolvidas em cada região paranaense. Esse planejamento já deveria estar pronto há vários anos, mas ficou engavetado. Desde 2004, pelo menos, havia notícias de que ele ficaria pronto em breve, o que nunca ocorreu. No mês passado, a comissão que coordenará os trabalhos começou a trabalhar. Mas a conclusão deve ocorrer somente na próxima gestão estadual. Intervenção - O governo do Paraná também precisa intervir urgentemente no saneamento básico. No estado, quase metade dos domicílios (46,3%) não é ligada à rede de coleta de esgoto, segundo o IBGE. O desempenho, que é um pouco melhor do que a média brasileira, é influenciado pela realidade rural, onde a maioria das casas usam fossas sépticas. O grande problema é que a maioria das residências rurais (58,5%) é servida por uma fossa rudimentar – geralmente apenas um buraco na terra. Lixo - A área rural também é prejudicada quando o assunto é coleta de lixo. Apenas 28,8% dos domicílios do campo contam com o serviço regular. Outros 60% enterram os dejetos no próprio terreno, ou os queimam. Tanto esse índice como o da fossa rudimentar são piores do que a média brasileira. O interior do Paraná e os pequenos municípios são os mais prejudicados pela falta de infraestrutura de saneamento, mas as áreas urbanas também geram muitos dejetos e têm sua parcela de culpa na deterioração dos rios paranaenses. Um exemplo negativo é o Rio Iguaçu, na região metropolitana de Curitiba. Em 2006, ele era tão poluído quanto o Rio Tietê na zona metropolitana de São Paulo. O cenário atual mostra que a tarefa do desenvolvimento sustentável é complexa, mas não se trata de um sonho impossível, dizem os especialistas. Afinal, a terra é tão boa que, em se plantando, tudo dá. Dá para produzir mais e dá para reflorestar. Desenvolvimento sustentável envolve diversos programas e áreas e deve ser uma premissa do próximo governo. Em seguida são listadas algumas das ações fundamentais para garantir o bem-estar ambiental dos paranaenses. (Gazeta do Povo)