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BERNARD PALISSY: UM CIENTISTA FRANCÊS
DO SÉCULO XVI
Paulo Cesar Strauch
D.Sc.- pesquisador
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Bernard Palissy (c.1510-c.1590) foi naturalista, ceramista, escritor e conferencista. Sua
diversificada atividade científica cobriu uma vasta área do conhecimento, com trabalhos em
agricultura, agrimensura, alquimia, botânica, cerâmica, engenharia, fabricação de vitrais,
filosofia, física, geologia, hidrologia, jardinagem, literatura,
medicina, metalurgia,
meteorologia, mineralogia, paleontologia, pintura, toxicologia e zoologia.
Sabe-se pouco da sua família, bem como da sua infância e juventude. Seu pai era
provavelmente um artesão, porque Palissy sabia desenhar e pintar, técnicas que na época eram
passadas de pai para filho. Palissy, mais tarde, aprendeu os ofícios de pintura de vitrais,
agrimensura e possivelmente fabricação de vidro.
No início da sua mocidade, empreendeu viagens por várias regiões da França, como Guienne,
Gascogne, Pyrénées, Savoie, Auvergne, Bourgogne e outras (AUDIAT, L. – 1868, p.25-36), um
trajeto que hoje seria melhor descrito como a Tour de France. Sustentou-se o tempo todo com
seus conhecimentos de montagem e pintura de vitrais bem como de agrimensura.
Esta viagem por um país que apresenta em seu relativamente pequeno território uma grande
diversidade de ambientes geológicos, como a França, permitiu-lhe realizar muitas investigações
em história natural. Sua mente captava todas aquelas imagens, ao mesmo tempo que procurava
interpretar os fenômenos que observava. Tratava-se de mente bastante curiosa; para ele, a
natureza constituía um grande livro e “ a ciência se manifesta a quem a procura” (CAP, P.A.G. –
1844, p. xxix).
É provável que em 1539 ele tenha terminado a sua viagem exploratória pela França. Naquele
ano, casou-se e fixou residência em Saintes, capital da antiga província real de Saintonges;
atualmente no departamento Charente-Maritime, no sudoeste da França.
Não se sabe se foi naquela época, ou antes, que ele avistou um objeto que, segundo ele, era “uma
taça de barro, torneada e esmaltada com tal beleza que perturbou a minha mente...” (PALISSY, B.
- 1580, p.274). Muitos afirmam que se tratava de uma peça de majólica esmaltada da Itália, o que
parece pouco provável. Tudo indica que ele possa ter-se deparado com uma peça de porcelana
chinesa na casa de algum nobre.
Ele tomou a decisão de fabricar peças como aquela. Só que não conhecia nada de esmaltes, de
construção de fornos, da produção do fogo. Seu aprendizado em bases totalmente empíricas, sem
nenhum conhecimento teórico prévio, como relatado por ele mesmo no capítulo De L´Art de la
Terre do seu conhecido livro Discours admirables demandou-lhe bastante tempo e recursos,
levando-o e a sua família à penúria. Depois de muitos anos, obteve sucesso e, muito embora não
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tenha conseguido reproduzir a porcelana chinesa, acabou por produzir uma técnica própria e seus
trabalhos passaram a ser bastante valorizados pela classe nobre.
Palissy, chamou as suas peças de “figulines rustiques” por representarem objetos rústicos, de
rochedos, de grutas, de árvores, de animais e algumas vezes de pessoas; o todo em relevo ou em
uma saliência redonda e revestido(a) por um verniz escuro (CAP P.A.G. – 1844, p.15). A maior
parte das peças, todavia, é constituída de pratos, redondos e ovais, que reproduzem o fundo de
um lago e decorados com plantas, insetos, crustáceos e répteis de argila, trabalhadas em relevo.
Várias dessas peças podem ser vistas em importantes museus no mundo.
Estes pequenos animais que parecem vivos, foram obtidos por moldagem em gesso de seus
cadáveres realizada cuidadosamente, de modo a não deixar quaisquer indicações de danos
provocados em seus delicados tecidos. Por meio desta técnica, podem ser mostrados na cerâmica
pequenos detalhes, como escamas de serpentes e peixes e nervuras de folhas, por exemplo.
Palissy não fora o primeiro a fazer isso, mas seu trabalho foi especialmente valorizado e ele
zelosamente manteve segredo das suas técnicas não deixando detalhes nos seus registros escritos.
As historiadoras de arte francesas Maryvonne Cassan (Musée du Louvre) e Géraldine VendéLobert relatam (CASSAN,M – 2003, p.4) que a cerâmica desenvolvida por Palissy é feita de
argila vermelha da região de Saintes e que se desconhece a técnica utilizada por ele para produzir
esmaltes coloridos à base de chumbo, por não tê-la divulgado nos seus escritos, comportando-se,
neste caso, como muitos artistas de seu tempo.
Ele forneceu, todavia, algumas pistas sobre o tipo de substâncias que utilizava, quando
escreveu que:
“Os esmaltes de que me ocupo são feitos de estanho, de chumbo, de
ferro, de aço, de antimônio, de safira, de cobre, de areia, de salicácea,
de cinzas de cascalho, de litargírio, de pedra de Périgord.” ...”
(PALISSY, B. - 1580, p.291)
Nesta listagem cabem algumas explicações. A salicácea é uma espécie vegetal cujas cinzas
fornecem sódio e entra na fabricação dos esmaltes. O litargírio (PbO) ou óxido de chumbo
amarelo é empregado como fundente na fabricação dos esmaltes. O estanho opacifica os
esmaltes. Os demais materiais constituem óxidos de antimônio para a cor amarela, de cobre
para o verde, a safira ou cobalto para o azul, se bem que ferro possa fornecer as cores azul e
verde, sendo frequentemente misturado com outros pigmentos. Quanto à pedra de Périgord,
contém óxido de manganês, responsável pela cor marrom ou preta. (CASSAN,M – 2003, p.
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Durante toda a sua vida sofreu perseguição religiosa por conta da sua adesão ao
protestantismo. Foi preso algumas vezes e solto em seguida por interferência do seu patrono,
o duque de Montmorency- Anne de Montmorency (1493-1567) e depois, com a morte deste, da
própria rainha Catarina de Médici (1519-1589). Com a ajuda dela, ele e sua família
escaparam do massacre dos calvinistas perpetrado pelos católicos na célebre noite de 24 de
agosto de 1572, conhecida por noite de São Bartolomeu. Mais tarde, realizou pesquisa em
história natural fora da França. Retornou a Paris em 1575. A partir de então, pretendeu tornarse conhecido, não mais como calvinista e ceramista, mas como cientista. (FOSTER, M.L. –
1931, p. 1058)
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No período de 1575 a 1584 realizou palestras públicas em Paris, anunciadas através de
cartazes afixados em diversas estradas da França e que não eram gratuitas, mas pagas para
que, segundo ele, estivessem presentes apenas “os mais doutos e os mais curiosos”
(AUDIAT, L. – 1868, p.350). A intenção de Palissy era que suas ideias fossem divulgadas e
submetidas ao escrutínio público de sábios, já que tinham resultado apenas de suas
observações e interpretações. (AUDIAT, L. – 1868, p.351). Os frequentadores eram de bom
nível (AUDIAT, L. – 1868, p.421-5), como, por exemplo, o célebre cirurgião Ambroise Paré
(1510-1590) (AUDIAT, L. – 1868, p. 426)
Por conta dessas palestras, ele tornou-se conhecido como um Filósofo Natural, como eram
chamados os cientistas naquela época, apesar de ser, segundo sua próprias palavras, “um
homem desprovido de latim” (PALISSY, B. -1580 ,prólogo). Aliás, suas palestras em francês
traziam uma contribuição inestimável à disseminação das ciências, o que era muito criticado
pela poderosa Universidade de Paris, que defendia que apenas o latim deveria ser usado para a
difusão das ideias.
Com todo o seu prestígio, Palissy continuava a sofrer perseguições, até ser preso, em 1587,
desta vez de forma definitiva. Sem a proteção da rainha e não aceitando o perdão que lhe fora
oferecido desde que abjurasse a sua crença, veio a morrer em data incerta, em 1589
(FOSTER, M.L. – 1931, p. 1050) ou 1590 ((RÉAUME, E. -1877, p. 351)
O trabalho de Palissy, como naturalista, permaneceu desconhecido até o século XVIII, quando ele
passou a ser reconhecido por cientistas franceses. Sabe-se que em 1720, em sessão da Académie
des Sciences de Paris, seu secretário perpétuo, Bernard de Bouyer de Fontenelle (1657-1757),
fez menção aos escritos e descobertas de Palissy em história natural; em 1772, George Louis
Leclerc (1707-1788), Conde de Buffon, o famoso naturalista francês, em sua Théorie de la
Terre deu consistência às conjecturas de Palissy; em 1777, o cientista e engenheiro de minas
francês Barthélemy Faujas de Saint –Fond (1741-1819), que lançou os fundamentos da
geologia, mandou reimprimir os livros de Palissy. (DELECLUZE, E.J.– 1838, p. 61)
Seus dois principais livros foram Recepte Véritable, publicado em 1563 e Discours
Admirables, publicado em 1580. Eles foram escritos de forma similar sob a forma de
diálogos, entre “Demande “ e Réponse” no primeiro e entre “Théorique” e “Pratique” no
segundo. Em “Réponse” e “Pratique” Palissy apresenta suas ideias e conceitos.
No primeiro livro Palissy aborda vários assuntos, incluindo agricultura (no qual propõe
métodos melhores para a lavoura e o uso de adubos), geologia (no qual teoriza sobre a origem
dos sais, fontes, pedras preciosas e formações rochosas), minas e florestas. Neste trecho,
pode-se ler, por exemplo, um texto com uma visão ecológica de impressionante atualidade,
conforme reproduzido a seguir.
“Não existe arte no mundo para a qual se necessite mais entendimento
do que a agricultura e eu lhe asseguro que se esta atividade for realizada
sem entendimento constituirá uma violação diária da terra. Na verdade,
eu imagino que a terra e os produtos não exigem vingança de alguns
assassinos, homens ignorantes e mal agradecidos, que, sem nenhuma
razão, depredam e destroem árvores e plantas. Ouso também afirmar que
se a terra for adequadamente cultivada, cuidadosamente lavrada como
deve ser, um diarista produzirá mais do que dois poderão com os métodos
atuais... Aborrece-me ver os grandes, que deveriam ser inteligentes,
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deixar suas fazendas nas mãos de ignorantões...”. (PALISSY, B. - 1563,
p. 3)
Também é apresentada neste livro a descrição de um jardim ideal, muito embora não esteja
incluído um desenho do mesmo. Os princípios por ele estabelecidos e descritos acabarão por
governar os projetos de jardins nos séculos XVII e XVIII, tanto na França como em outros
países.
Ele também trata da fundação da igreja protestante e perseguição aos calvinistas em Saintes.
Neste contexto, é também apresentado um projeto (sem desenhos) para uma fortaleza em
espiral, segundo ele inexpugnável e que poderia eventualmente servir de refúgio aos crentes
quando perseguidos.
No segundo livro, Discours admirables, como o próprio nome indica, ele parece deixar
registradas suas palestras públicas para a posteridade. O livro é dividido em diversos
capítulos. O primeiro, e também o mais longo, trata da água. Os capítulos seguintes abordam
os metais e a sua gênese, remédios, os diferentes tipos de sais e sua natureza, , características
dos minerais e rochas, tanto comuns como preciosas, argila e marga e arte da cerâmica.
Mesmo sem detalhar seus pontos de vista, vale acentuar não só o pioneirismo como a atualidade
de muitas das suas ideias. Por exemplo, mesmo sendo desprovido de uma compreensão moderna
da biologia, sua interpretação sobre o processo de fossilização estava bastante à frente dos seus
contemporâneos, bem como no reconhecimento da relação entre fósseis e seres vivos e extintos e
do processo de petrificação. Esta sua visão deve ter sido muito influenciada pela sua técnica de
moldagem em gesso de corpos de animais, bem como por suas explorações naturais pela França,
pesquisando seu solo. Para ilustrar suas palestras, ele convidava os assistentes a visitar sua
coleção particular de espécimes, onde predominavam fósseis, considerada como o primeiro
gabinete de história natural da França (CAP, P.A.G. – 1844, p. 18).
Também surpreendente é sua visão sobre o ciclo de água da natureza, sendo reconhecido hoje
como um dos pioneiros no estabelecimento do papel das chuvas no mecanismo de formação das
fontes e rios. Ele também discorreu sobre os poços artesianos e sua recarga a partir de rios
próximos e o reflorestamento como meio de evitar a erosão do solo. Explicou até mesmo que “ a
causa do arco-íris não é senão principalmente que o Sol passa diretamente através das chuvas
que se opõem ao aparecimento do sol” (CAP, P.A.G. – 1844, p. 22)
A partir do século XIX, passou a haver um renovado interesse por Palissy, dos pontos de
vista artístico, científico e literário, a ponto terem sido escritas entre 1830 e 1890 pelo menos
70 biografias dele (CASSAN,M – 2003, p. 6). Outros autores apontam a sua influência sobre
Francis Bacon (1561-1626). Por exemplo, o físico e historiador de ciência Ferdinand Hoefer
(1811-1878) afirma taxativamente que :
"Foi a Bernard Palissy e não a Francis Bacon, que devemos a
introdução final do método experimental na ciência. L´Art de Terre do
ceramista apareceu antes [1580] do Novum Organum [1620] do
cavaleiro da Inglaterra.” (HOEFER, F. – 1873, p.394)
Alguns autores modernos compartilham desta visão. Por exemplo, o químico e historiador da
ciência norte-americano Hugh Salzberg (n.1921) ressaltou que “[Palissy] enfatizava a
importância da pesquisa e experimentação independentes e insistia que as teorias deveriam ser
sempre comprovadas por observação.” Foi ainda mais longe. Para ele, “as palestras de Palissy
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tiveram uma influência considerável na geração seguinte de cientistas franceses. Francis
Bacon provavelmente assistiu a algumas delas quando em visita a Paris em sua juventude.”
(SALZBERG, H.W. –1991, p. 132-133)
A grande quantidade de assuntos por ele abordados, as interfaces ciência, técnica e arte que
existem nos seus escritos e a sua própria vida, tornam Bernard Palissy uma personagem
fascinante e ao mesmo tempo altamente relevante para investigar aquelas interfaces, bem
como aquelas entre diversas ciências e, até mesmo, a interface disso tudo com o social. Esta
investigação deverá ser muito facilitada pela existência de abundante literatura, que trata de
muitos destes aspectos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUDIAT, L. – Bernard Palissy: Étude sur sa vie et sur ses travaux – Paris: Didier – 1868
CASSAN,M.; Vendé-Lober, G. – Bernard Palissy, ses suiveurs, ses emules – Dossier
Pédagogique – Service Culturel – Musée National Adrien Dubouché – Limoges, 2003 –
Disponível em www.musee-adriendubouche.fr/documents/bernardpalissy.pdf
CAP, P.A.G. – Oeuvres complètes de Bernard Palissy – Paris: Béthune et Plon – 1844
DELECLUZE, E.J.– Bernard Palissy – Revue Française, T.10, 3, III-1838
FOSTER, M.L. – Bernard Palissy: Sixteenth-Century Scientist – Jounal of Chemical
Education, Vol.8 No.6 (1931)
HOEFER, F. – Histoire de la Physique et de la Chimie depuis les temps les plus reculés
jusqu´a nos jours – Paris: Librairie Hachette – 1873
PALISSY, B. - Recepte véritable, par laquelle tous les hommes de la France pourront apprendre à
multiplier et augmenter leurs thrésors. Item, ceux que n´ont jamais eu cognoissance des lettres,
pourront apprendre une philosophie nécessaire à tous les habitantes de la terre. Item, en ce livre
est contenu le dessin d´un jardin autant déletable et d´utile invention, qu´il en fût oncques veu.
Item, le dessin et ordonnance d´une ville de fortresse, la plus imprenable qu´homme onyt jamais
parler.- La Rochelle – 1563
PALISSY, B. - Discours admirables de la nature des Eaux et Fontaines, tant naturelles
qu´artificielles, des métaux, des sels et salines, des pierres, des terres, du feu et des émaux;
aux plusieurs autres excellents secrets des choses naturelles. Plus en traité de la Marne, fort
utile et nécessaire à ceux qui se mellent de l´agriculture. – Paris: Chez Martin Le Jeune –
1580
RÉAUME, E.; Causade, F. de – Oeuvres Complètes de Théodore Agrippa d ´Aubigné – Tome
II – Paris: Alphonse Lemerre- 1877
SALZBERG, H.W. – From Caveman to Chemist: Circumstances and Achievements –
Washington, D.C.: American Chemical Society – 1991
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