PÚBLICO, SEX 23 JAN 2015 | 47 “Aqui d’el Rey”, gritou o jornalista Francisco Teixeira da Mota Escrever direito O interesse público das notícias pode sobrepor-se ao segredo de justiça O segredo de justiça volta a estar na moda. O crime de “lesamajestades” voltou à ribalta desta vez pela pena de um diretor de um jornal de diário que se foi queixar direta e pessoalmente à procuradorageral da República (P-GR), que o aconselhou a contratar um advogado, o que levou o diretor do jornal a publicar um editorial no seu jornal com o título Estado não cumpre e assobia para o lado. A P-GR, pelo seu lado, emitiu um comunicado relatando o teor da conversa tido com o diretor. O jornal em questão é o Jornal de Notícias, o diretor Afonso Camões e as notícias que deram origem a esta deslocação à Procuradoria-geral da República e subsequente polémica pública foram publicadas no jornal Correio da Manhã. No essencial e no que concerne ao diretor do JN, sob o título Sócrates disposto a financiar compra do DN e JN, o Correio da Manhã afirma o seguinte: “O CM sabe que Sócrates chegou a analisar o financiamento da compra (do grupo Controlinveste, detentor dos media DN, JN e TSF) com Proença (de Carvalho) e a admitir que poderia ajudar a arranjar capital para o negócio. Sócrates viria a ter um papel decisivo na nomeação do seu amigo Afonso Camões como diretor do Jornal de Notícias. E, mais à frente: “Afonso Camões, atual diretor do Jornal de Notícias, alertou José Sócrates para a investigação e para o risco de serem publicadas notícias sobre esse assunto. BARTOON LUÍS AFONSO Foi em maio do ano passado, quando se encontrava em Macau, integrado na comitiva oficial do Presidente da República, que visitava a China. O episódio ocorreu antes mesmo da revista Sábado e do CM darem conta da investigação”. E, por último: “Camões caiu nas escutas a discutir com Sócrates a sua preferência por ser diretor do DN. Sócrates, no entanto, disse que seria melhor assumir o cargo no JN para concorrer diretamente com o CM. Foi o que aconteceu.” Notícias cheias de interesse público, como facilmente se constata e, ao mesmo tempo, com origem em escutas telefónicas obtidas no decorrer do processo judicial que corre contra o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, e que se encontra em segredo de justiça. O código penal considera que é crime a divulgação ilegítima de teor de ato do processo que se encontre coberto pelo segredo de justiça; pelo seu lado, o código de processo penal criou — há uns anos e de uma forma envergonhada e polémica — um novo crime de desobediência para quem publicar comunicações interceptadas num processo judicial, excepto se os intervenientes tiverem consentido na sua divulgação. A aplicação destas leis não é tão evidente como poderia parecer dada a necessidade de as conjugar com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Nos três casos em que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) se teve de pronunciar sobre condenações de jornalistas portugueses por violação do segredo de justiça, Campos Dâmaso c. Portugal em 2008, Laranjeira Marques da Silva c. Portugal em 2010 e Pinto Coelho c. Portugal em 2011, considerou sempre que Portugal tinha violado o direito à liberdade de expressão e condenou o nosso país a indemnizar os jornalistas quanto aos custos processuais. A razão de ser destas condenações — e das futuras, como os mais avisados bem o sabem — é o facto de os tribunais portugueses terem aplicado mecanicamente São maçãs, senhor a lei penal, esquecendo-se de ponderar os interesses da justiça e da presunção de inocência com a liberdade de expressão e de informação tal como é configurada na CEDH. Para o TEDH, importante é saber se se justifica, em concreto, a restrição à liberdade de expressão que resulta da criminalização da violação do segredo de justiça: a publicação da notícia prejudicou a investigação criminal? A reputação do visado, nomeadamente, a presunção da sua inocência foi posta em causa? O jornalista noticiou essa factualidade de uma forma neutra, não “condenando” o visado? Estas as questões que devem ser ponderadas na aplicação da lei penal em causa para respeitar a jurisprudência do TEDH, sendo certo que quanto ao novo crime de divulgação de gravações de escutas obtidas em processo judicial não são conhecidas decisões dos nossos tribunais e o TEDH nunca se pronunciou sobre tal matéria. Mas, naturalmente, as questões não serão muito distintas, havendo, naturalmente, que aferir do interesse público da divulgação de tais gravações e da eventual ofensa ao direito ao respeito pela vida privada e familiar do visado, tendo em conta que tal direito consta expressamente da CEDH. Não parece um mau conselho, a contratação de um ou mesmo mais advogados... O jornalista noticiou essa factualidade de uma forma neutra, não “condenando” o visado? Advogado. Escreve à sexta-feira [email protected] N Miguel Esteves Cardoso Ainda ontem o PÚBLICO de terça-feira, Samuel Silva contou a história de Raul Rodrigues (R.R.), professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima. Passou sete anos à procura de variedades minhotas de maçã e encontrou 62 maçãs diferentes. Só no Minho. Uma chama-se camoesado-biribau; outra três-ao-prato... e faltam mais 60. R.R., com a modéstia de que só os heróis são capazes, sentia “a necessidade de preservar o património genético frutícola [que é] um legado importante dos nossos antepassados”. É o que está a fazer. Imaginese o prazer de poder visitar um pomar de macieiras em Ponte de Lima onde se pudesse observar as árvores ao longo do ano e, quando a época deixasse, poder prová-las cruas, cozidas ou refeitas como sidras. Aqui na freguesia de Colares há alguns agricultores teimosos que continuam a trabalhar com variedades deliciosas mas desconhecidas de maçãs. Deve ser assim por toda a província da Estremadura. É bem possível que seja assim em todas as regiões portuguesas. Das 62 variedades descobertas e mantidas por R.R. aposto que pelo menos metade também se encontrava fora do Minho. Algumas, porventura, ainda se encontram. É urgente ler a reportagem inteira para se perceber a inteligência e importância do trabalho de R.R. Ele usa o método biológico de produção, fazendo com que “a protecção contra pragas e doenças seja mais fácil do que na produção industrial”. E quem diz maçã diz qualquer planta, flor, fruta ou semente que nos dá prazer e faz bem.