Antonio Barros de Castro, meu pai
Autora : La vinia Barros de Castro
Fonte: O Gl obo – 24 de a gosto de 2011
Quando eu tinha por volta de 6 anos de idade escutei a tia de uma amiguinha minha comentar com
minha mãe: “ Sua filha disse que o pai dela se chama Antonio Barros de Castro, falou a ssim o nome
todinho, uma graça, e disse que ele é um dos maiores economias do Brasil”. Ela tinha achado uma coisa
linda de criança. Para mim não era. Eu cresci, fiz mestrado e doutorado – e continuei achando a mesma
coisa.
Meu pai foi meu herói, meu mestre, meu amigo, meu maior crítico e, junto com minha adorada mãe,
meu maior incentivador. Muitas coisas lindas foram ditas sobre ele esses dias e nós da família estamos
muito emocionados com todo o apoio recebido.
Às vezes, eu escuto dizer que meu pai era um otimista. Não é verdade. Era um inconformista. Um crítico
difícil de contra-argumentar, embora excelente ouvinte. Ele buscava sempre uma solução, não óbvia,
depois de analisar os problemas nos seus inúmeros “ladinhos”. Tratava os problemas como diamantes e
ficava lapidando, lapidando, para depois admirar e começar um infindável trabalho de pensar uma
solução.
O “Castro” não se enquadrava bem em nenhuma escola de pensamento. Tinha uma alma
“estruturalista”, escola de pensamento que, junto com a Conceição e o Lessa, ajudou a criar no Brasil.
Esta sua alma se revelava hoje na sua quase obsess ão pela China: “é preciso repensar o Brasil, num
mundo sinocêntrico”, dizia.
Meu pai também tinha muitos “ladinhos”, existiam muitas outras influências em seu pensamento. Leu e
deu muito tempo aulas sobre Marx. Um leitor atento perceberá facilmente, em muitos de seus artigos,
essa influência. Meu pai considerava seu estudo sobre a cana-de-açúcar um de seus melhores trabalhos.
Nele, se encontra o seu lado historiador. Tinha também um lado profundamente keynesiano, digamos,
era o seu lado policy. Sempre acreditou na mão visível do Estado e no perigo de deixar os mercados
sozinhos. Admirava Minsky, mas o seu objeto maior de estudo era o “lado real da economia”.
Um dos autores mais influentes de sua obra era Schumpeter, pela ênfase no caráter inovador do
capitalismo e na compreensão da sua dinâmica. Era quase um schumpeteriano, mas como não
descartava os demais autores, não se podia exatamente dizer isso. Estudou muito os velhos
institucionalistas e dava grande papel às instituições e convenções. Entre os institucionalistas,
Hirschmann, era o seu predileto. Muitos o criticavam por ser assim tão rebelde e por não se definir
nunca academicamente. Mas era essa a sua essência. Reconhecia uma grande idéia, mesmo quando
discordava dela.
Embora a economia fosse a menina dos sues olhos, durante um tempo leu muitas coisas em
administração para adaptar o conceito de “estratégia” aos desafios atuais da economia brasileira. Uma
vez me disse que tinha um caderno inteiro sobre “estratégias”. Ele anotava tudo, parecia um estudante
de graduação daqueles que sentam na primeira fila. Não tinha problemas com a ideia de “escolher
vencedores”, mas tinha repúdio ao seu inverso – apoiar tudo e todos. Isso era para ele a anti -estratégia.
O “Castro” não escreveu muitos artigos em revistas como referee, mas mudou algumas vezes o jeito de
se pensar a economia brasileira. Influenciou gerações com os seus livros e co-autorias, deixou muitos
discípulos e uma legião de ex-alunos que o admiravam. Era um contador de histórias e por isso um
grande professor. Era também uma figura humana muito querida pelas secretárias, empregadas,
Lavinia Barros de Castro, economistas do BNDES e professora de economia brasileira da Ibmec
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motoristas, ascensoristas, enfim todos que o rodeavam. Sempre que me viam pediam para mandar um
abraço para ele.
A frase que mais repetia atualmente era: “o mundo está tão interessante!”. Qualquer pessoa que
passasse com um artigo instigante ele dizia afito: “Preciso ler isso. Mas preciso mesmo, para ontem”.
Tinha sempre pressa no saber. Estudava de domingo a domingo e a gente nem reclamava, pois sabia
que felicidade, para ele, era isso.
Meu pai deixou para trás quatro filhos que têm em comum a adoração pelo pai e sua eterna
companheira, sua cara-metade, minha mãe. Recentemente sua maior diversão (dele e de sua neta) era
“pular na cama do Dodô”. Ele fingia que ralhava, dizia que não podia – e se deliciava. Com sua neta, meu
pai adorava uma transgressão, no caso dele, às idéias pré-estabelecidas.
Lavinia Barros de Castro, economistas do BNDES e professora de economia brasileira da Ibmec
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