MARIANA RIBEIRO DE OLIVEIRA
EMPREGADOS PORTADORES DE HIV/AIDS: ALCANCE E APLICAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Esp. Fabiane
Freitas de Almeida Pinto
Brasília
2010
Universidade
Católica de Brasília
Monografia de autoria de Mariana Ribeiro de Oliveira, intitulada
“EMPREGADOS PORTADORES DE HIV/AIDS: ALCANCE E APLICAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA”, apresentada como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em (---/---/----),
defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assina
__________________________________________
Presidente: Profª Esp. Fabiane Freitas de A. Pinto
Orientador
Universidade Católica de Brasília
__________________________________________
Integrante: Prof.
Universidade Católica de Brasília
__________________________________________
Integrante: Prof.
Universidade Católica de Brasília
Brasília
2010
Dedico o presente trabalho à minha
família e amigos, especialmente àquele
que esteve ao meu lado todos os dias
durante este lustro, me dando suporte e
criando oportunidades para o meu
crescimento.
Dedico, também, aos docentes que, além
de me prover o conhecimento jurídico,
ofereceram lições de vida, servindo como
como estímulo e demonstração de que
não há dificuldade insuperável quando é
forte o desejo de realização.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, sempre presente em minha vida, concedendo-me esta
oportunidade de enriquecer meus conhecimentos.
Agradeço aos amigos e queridos colegas, pessoas inesquecíveis, que a Instituição
me permitiu conhecer, e espero os reencontrar no futuro.
Agradeço aos docentes, especialmente a prof.ª Vanessa Maria de Morais, a qual,
durante, antes e após as aulas, oferecia suporte tanto no campo jurídico como em
assuntos corriqueiros, se tornando uma grande amiga.
Agradeço de forma muito carinhosa à minha orientadora, Professora Fabiane
Freitas, pela infinita paciência, enorme atenção e apoio, grandes ensinamentos e
irrestrita colaboração.
RESUMO
Referência: OLIVEIRA, Mariana Ribeiro de. Empregados portadores de HIV/AIDS:
Alcance e Aplicação da Legislação Trabalhista. 2010. 96 fls. Monografia do
Curso de Direito - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
O presente trabalho tem por finalidade analisar, sob a luz dos princípios
constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade e das Orientações
e Recomendações das Organizações Internacionais da Saúde e do Trabalho, a
abrangência das leis trabalhistas protetivas dos portadores de HIV ou doentes de
AIDS. Devido à importância do tema, verifica-se necessária a implementação de
políticas públicas e privadas, fornecendo, assim, o conhecimento àqueles que
convivem com a doença no meio social e apoio e dignidade para empregados
portadores de HIV/AIDS. Nesse sentido, colaciona-se, além da legislação cabível ao
caso em tela, ensinamentos doutrinários e entendimentos de diversos TRT’s e do
TST sobre a discriminação sofrida pelo empregado soropositivo.
Palavras-chave: Empregado portador de AIDS. Direitos Trabalhistas. OIT. OMS.
Ambiente de trabalho. Discriminação.
ABSTRACT
Reference: OLIVEIRA, Mariana Ribeiro de. Employees with HIV/AIDS: Scope and
Application of Labor Laws. 2010. 96 fls. Monograph of the course of law.Universidade Católica de Brasília, 2010.
This study aims to examine, in light of the constitutional principles of Human Dignity
and Equality and the Guidelines and Recommendations for International
Organizations of Health and Labor, the scope of protective labor laws of HIV carriers
or AIDS patients. Due to the importance of the topic, it is imperative to implement
public politics and private sectors, thus providing the knowledge to those living with
the disease in social support and dignity for employees with HIV/AIDS. In that sense,
collect themselves, in addition to legislation applicable to the case in, religious
teachings and understandings of many of the TST and TRT's about the
discrimination faced by HIV positive employee.
Keywords: HIV/AIDS Employees. Labor Laws. ILO. WHO. Work environment.
Discrimination.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
AIDS - Acquired immune deficiency syndrome
ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade
Arts. – Artigos
CF/88 – Constituição Federal da República do Brasil de 1988
CFM - Conselho Federal de Medicina
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CPC – Código de Processo Civil
DJ – Diário da Justiça
Esp - Especialista
HIV - Human immunodeficiency virus
ILO - International Labor Organization
LER - Lesão por Esforço Repetitivo
nº - número
OIT - Organização Internacional do Trabalho
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde
p – Página
Res - Resolução
RODC - Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo
SIDA - Síndrome de Imunodeficiência Adquirida
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
WHO - World Health Organization
§ – parágrafo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................9
1 - A ORIGEM DO TRABALHO HUMANO E BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE
A SAÚDE DO TRABALHADOR. ..............................................................................11
1.1 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ORIGENS DO TRABALHO HUMANO.........12
1.2 - A PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR NO DIREITO COMPARADO
...............................................................................................................................20
1.3 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O RECONHECIMENTO
DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR. ART. 7°, CF...........34
2- A AIDS NO AMBIENTE DE TRABALHO .............................................................39
2.1- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS HIV
...............................................................................................................................41
2.2 A REPERCUSSÃO DA MOLÉSTIA NO MUNDO DO TRABALHO................44
2.3 - DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO DE EMPREGO DO
PORTADOR DE HIV .............................................................................................47
2.4 - DECLARAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE E
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO SOBRE A AIDS. ..............55
3 - DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR COM AIDS...........................61
3.1 - EXIGIBILIDADE DO EXAME ADMISSIONAL DO EMPREGADO. ART. 168,
CLT........................................................................................................................63
3.2 - INVESTIGAÇÃO DO HIV/AIDS POR PARTE DO EMPREGADOR NA
VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO: VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE DO
EMPREGADO? .....................................................................................................65
3.3 - AS CONDIÇÕES DE SAÚDE DO OBREIRO SOROPOSITIVO. LIMITES DE
PROTEÇÃO ..........................................................................................................69
4 - DO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO NO AMBIENTE DE TRABALHO .......73
4.1 - DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO DO TRATAMENTO
DISCRIMINATÓRIO. .............................................................................................75
4.2 - POLÍTICAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS ADVINDAS DO PODER PÚBLICO E
DE INSTITUIÇÕES REPRESENTATIVAS DA SOCIEDADE ...............................78
4.3 - JULGADOS DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ENVOLVENDO
EMPREGADOS COM HIV.....................................................................................83
CONCLUSÃO ...........................................................................................................90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................94
9
INTRODUÇÃO
Este trabalho monográfico constitui uma reflexão (sem nenhuma pretensão de
esgotamento do tema) a respeito do labor desenvolvido trabalhador com diagnóstico
de HIV. A bem da verdade, o debate do tema no contexto social surge no Século
XXI, com o esclarecimento propiciado pelas pesquisas médicas e divulgação por
campanhas
(nos
meios
de
comunicação),
suscitando
dúvidas
quanto
o
encaminhamento adequado da questão da AIDS e a capacidade laborativa dos
portadores da doença.
Estima-se que, atualmente, 90% dos portadores de HIV ou doentes de AIDS
integrem a População Economicamente Ativa, ou seja, em idade e condições de
trabalho. A legislação trabalhista tem, por um de seus objetivos, proteger e defender
os direitos e garantias dos trabalhadores, sem diferenciá-los por suas condições.
No entanto ainda persistem situações que são levadas a julgamento por conta
da intransigência ou resistência com relação aos trabalhadores soropositivos que,
como os demais trabalhadores, tem direito à dignidade da pessoa humana, ao
respeito e a qualidade de vida, amparadas pela Lei Maior.
Além do problema de saúde pública, a discriminação avança afetando o
indivíduo no âmbito do trabalho, sendo sua dignidade intensivamente comprometida,
por conta de especulações e do pouco conhecimento sobre o que é, o que causa,
como se contamina, como se evita o contágio da doença e o quanto ela interfere na
qualidade das atividades laborais do trabalhador portador de HIV/AIDS.
No intento de apontar o atual cenário em que se desenvolvem as relações
trabalhistas, a presente monografia foi estruturada de modo a expor a evolução do
pensamento jurídico, no que diz respeito ao alcance e aplicação da referida
legislação no caso de empregados portadores de HIV/AIDS, até as mais recentes
jurisprudências sobre o tema.
Para tal intento no capítulo I, é feito um retrospecto sobre a origem do
trabalho humano, o conceito e as distinções no trato da relação entre empregado e
empregador. Também se tece breves considerações sobre a saúde do trabalhador
com a complexificação das relações ao longo da historia. Outro aspecto abordado,
diz respeito aos direitos e obrigações dos participantes da relação de trabalho, como
são vistos comparativamente conforme apresentados pelas e OIT.
10
Em sequência, o capitulo 2, especifica como é tratada a questão da AIDS na
sua repercussão no mundo do trabalho, abordando a real definição do que é o
HIV/AIDS, bem como as verdades e mentiras sobre a doença. Como forma de
proteção ao trabalhador, aqui também se fala da tutela jurídica dada sobre o tema,
tanto no âmbito nacional, amparado constitucionalmente, como internacional, pelas
Declarações e Resoluções da OMS e OIT.
Logo após, no capítulo III, aborda-se a proteção jurídica do trabalhador,
englobando a exigibilidade do exame admissional no ato da contratação, como
forma de violação da intimidade do empregado, que ocorrerá se o empregador fizer
um exame de AIDS sem a devida autorização do empregado e os limites de
proteção ao soropositivo, ou seja, as condições básicas para o empregado portador
de HIV trabalhar em tal lugar.
Já no capítulo IV, utilizando-se do entendimento dos Tribunais do Trabalho
Brasileiros, comprova-se por um lado a existência real de condutas discriminatórias
no ambiente de trabalho e o embaraço em constituir mecanismos que propiciem sua
comprovação. Por outro lado, apresenta-se os esforços subsidiados pelas políticas
públicas contra a discriminação, além dos argumentos apresentadas pelas decisões
formalizadas pelos julgadores no intuito de garantir o emprego do portador do vírus
da AIDS, quando declaram as dispensas abusivas, discriminatórias ou obstativas de
direitos.
Em conclusão desta monografia, espera-se, de maneira satisfatória, tornar
evidente, a luz dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da
Igualdade e das Orientações e Recomendações das Organizações Internacionais da
Saúde e do Trabalho, a abrangência das leis trabalhistas protetivas dos portadores
de HIV ou doentes de AIDS.
11
1 - A ORIGEM DO TRABALHO HUMANO E BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE
A SAÚDE DO TRABALHADOR.
Porque deste ouvido à voz de tua mulher, e comeste da árvore, de que eu
tinha te ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa;
tirarás dela o sustento com trabalhos penosos, todos os dias da tua vida.
Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás
o pão com o suor do teu rosto até que voltes à terra, de que foste tomado;
1
porque tu és pó, e em pó te hás de tornar.
Do ponto de vista conceitual, pode-se dizer que o labor tem origem desde o
ato da criação divina, mesmo antes até do ‘pecado original’, como uma maneira de
dar prosseguimento a obra de Deus, ou seja, uma benção. O trabalho, a ação em
prol da subsistência, remonta a gênese humana como uma função inerente a
condição do homem. Entretanto, depreende-se dos versículos supra que, a partir do
‘pecado original’, o trabalho desde os tempos imemoriais tem sido algo penoso, a
ser feito com muito esforço, como um castigo dado a Adão pelo erro cometido,
fazendo com que a humanidade trabalhasse como forma de absolvição e resgate da
dignidade perdida.
Tem-se, então, um aspecto da realidade trazida no termo trabalho, revelando
a dureza e a dificuldade, agora irreversíveis constituídas na vida humana. Talvez por
esse motivo não seja raro localizar no repertório figurado de várias culturas tal
percepção do trabalho como pena.
A imagem hebraica sobre o trabalho aponta este como um valor da atividade
do ser humano, determinado materialmente como corpo, como organismo, enfim,
dotado de vida.
O trabalho como movimento transformador do homem sobre a natureza
interfere também na maneira de compreender a realidade que nos cerca, ou seja,
nunca permanecem iguais ao fim de uma atividade, independente do seu caráter.
Nesse sentido pode-se dizer que, através do trabalho, o homem se aperfeiçoa ao
mesmo tempo em que produz sua própria cultura.
O trabalho é uma das formas do homem atuar sobre o mundo e que o faz de
vários modos, mas com certeza o faz devido à bagagem que traz de sua herança
1
Gênesis, Capítulo 3, versículos 17-19. Bíblia Sagrada - 24ª Edição Claretiana. Ed. Ave-Maria, 2000.
12
cultural e sua ideologia acerca das relações sociais. Enfim, é partindo dessa
perspectiva que se pretende alcançar a questão do trabalho na atualidade.
1.1 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ORIGENS DO TRABALHO HUMANO
A origem etimológica da palavra trabalho é tripalium2, um instrumento feito de
três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no qual os
agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, para rasgá-los, esfiapá-los.
Dicionários gerais3, contudo, registram tripalium apenas como instrumento de
tortura, o que teria sido originalmente, ou se tornado depois. A tripalium se liga ao
verbo do latim vulgar tripaliare, que significa justamente “torturar”.
Partindo da Antiguidade Grega e Romana, o homem adaptava a natureza a si
e a essa condição se denomina trabalho. Na Grécia, o cidadão, para participar
ativamente das discussões dos problemas da polis (cidades-estado), bem como se
dedicar à elaboração de leis e aos cargos públicos, necessitava de tempo livre para
exercer essas funções.
Aristóteles4 olhava o trabalho com desprezo, do alto da filosofia, como próprio
de homens sem inteligência, como indicado apenas para escravos e como apenas
preparador de homens para a escravidão. O trabalho manual, segundo ele,
entorpece e deteriora a mente, não deixando tempo nem energia para a inteligência
e para a política.
A despeito de a civilização grega ser formada no intuito de valorizar as
cidades e à vida urbana, a agricultura compunha-se como atividade central da
economia, ou seja, aqueles camponeses que extraiam do solo os seus próprios
meios de subsistência eram livres. Por esse motivo, a posse de terra era de grande
valor para aquela sociedade. Na maioria das cidades gregas dos séculos VI e V
a.C., só os cidadãos podiam ser proprietários5. Contudo, em suas pequenas
2
CUNHA, Antonio Geraldo. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 4ª Edição. Editora Lexikon,
2010.
3
Dicionário Novo Aurélio Século XXI. 3ª Edição, Ed. Nova Fronteira, 1999.
4
DURANT, Will. História da Civilização, 1942 Apud BARROS, Maria Alice. Curso de Direito de
Trabalho - 5ª Edição. Ed. Ltr, 2009, p. 36.
5
AQUINO, Rubim Santos Leão et al. História das sociedades: das comunidades primitivas às
sociedades medievais. 1980
13
parcelas de solo fértil, os cidadãos gregos trabalhavam na tentativa de extrair da
terra pouco produtiva os alimentos necessários para sua manutenção, tendo a
escassez da mesma facilitado o surgimento de núcleos urbanos independentes
futuramente.
Criaram-se, então, meios de acordar as condições de trabalho, tais como:
1. a Locatio Conductio, um ajuste consensual por meio do qual uma pessoa se
obrigava a fornecer a outra o uso e o gozo de uma coisa, a prestação de um
serviço ou de uma obra em troca de um preço que a outra parte se obrigava a
pagar. Era comum que fosse utilizado o serviço escravo de outros senhores,
incluindo-se neste contexto os homens livres de baixo poder aquisitivo,
passando estes a ser incluídos na locação de seus serviços. O pagamento
era elemento essencial, sendo fixado pelas partes, variando de acordo com a
lei da oferta e procura;
2. a Locatio Rei, onde uma das partes se obrigava a conceder a outra o uso e o
gozo de uma coisa em troca de certa retribuição;
3. a Locatio Operis, na qual o objetivo era o resultado de determinada obra que
uma pessoa se comprometia a executar para outrem, mediante um preço e
assumindo os riscos de tal execução;
4. a Locatio Operarum, prestação de serviços por uma pessoa, cuja
remuneração era fixada tendo em vista o tempo gasto na execução, não o
resultado do trabalho, arcando o credor do trabalho com os riscos advindos
da prestação, antecedendo o contrato de trabalho.6
Devido às particularidades da intuição e aos refinamentos da razão, os gregos
deixaram certas ponderações sobre a questão do trabalho. É comum encontrar-se,
nos textos da Grécia Clássica, formulações em que o desprezo pelo trabalho
aparece e cultua-se a única atividade dita digna do homem livre, qual seja, o ócio
dos filósofos.
Contudo, para o sustento da composição das cidades, havendo tempo livre
para dedicar-se à sua administração, sem deixar de produzir riqueza, era
imprescindível que fosse generalizado o trabalho escravo.
O escravismo tornou-se o modo de exploração econômico que sustentava a
cidade e o campo e que proporcionava privilégios às elites gregas. Ser escravo nas
6
CALDERON, Moacir. Professor de Direito do Trabalho I. Fases Históricas da relação de trabalhoAnotações de aula em abril/2007.
14
polis significava não poder participar da vida política, ser excluído de parte das
festas religiosas, ser desprovido de direitos e da educação para jovens cidadãos.
Ao contrário do que ocorreu nos tempos modernos, a instituição da
escravidão na Antiguidade não foi uma forma do obter mão-de-obra barata
nem instrumento de exploração para fins de lucro, mas sim a tentativa de
excluir o labor das condições da vida humana. Tudo o que os homens
tinham em comum com as outras formas de vida animal era considerado
inumano. (Essa era também, por sinal, a razão da teoria grega, tão malinterpretada, da natureza inumana do escravo. Aristóteles, que sustentou
tão explicitamente a sua teoria para depois, no leito de morte, alforriar seus
escravos, talvez não fosse tão incoerente como tendem a pensar os
modernos. Não negava que os escravos pudessem ser humanos; negava
somente o emprego da palavra homem para designar membros da espécie
humana totalmente sujeitos à necessidade). E a verdade que o emprego da
palavra animal no conceito de animal laborans, ao contrário do outro uso,
muito discutível, da mesma palavra na expressão animal rationale, é
inteiramente justificado. O animal laborans é, realmente, apenas uma das
espécies animais que vivem na Terra – na melhor as hipóteses a mais
7
desenvolvida.
Por ter uma conotação material, tornou-se possível a escravidão. O escravo
assemelhava-se à coisa que pertencia ao seu senhor, a partir do momento em que
era arrematado, não tendo como, portanto, prestar seu consentimento contratual e
contrair as obrigações que lhe foram impostas, perdendo a posse de si mesmo.
Aquele tinha seu direito à vida e ao tratamento digno sonegados.
A escravidão explica-se pelas particulares condições econômicas da época e
pela falta de um conceito autêntico de liberdade. O trabalho no mundo grego era
considerado tanto como vil, opressor da inteligência humana, bem como aquele que
era exaltado como essência do homem.8
Percebe-se que, para os antigos gregos, não estava a adesão irrefletida à
escravidão e uma rejeição do trabalho como algo indigno em si mesmo. A se crer
nas advertências de Hannah Arendt, eles produziram tal interpretação da realidade
humana do trabalho que o problema da tensão entre liberdade da razão e a
necessidade do labor se exprimia na contradição entre o animal laborans e o animal
rationale.
Na opinião de Durkheim, a sociedade era um organismo constituído de partes
identificáveis e com relações bem definidas entre essas partes. A divisão social do
trabalho significava o funcionamento, a princípio harmônico, desse organismo. Uma
7
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª Edição. Ed. Forense, 1958. p. 94-5.
BATAGLIA, Felice apud BARROS, Maria Alice. Curso de Direito do Trabalho. 5ª Ed. Ed. LTR, 2009,
p. 56
8
15
divisão sistemática da sociedade e dos trabalhos que cada divisão desempenharia
se traduziria em uma melhor compreensão da sociedade e, portanto, uma forma de
melhorá-la como um todo, não tendo o indivíduo importância já que o mesmo não
constrói a sociedade e suas instituições, mas sim as herda e deve adequar-se ao
contexto que elas proporcionam. Dessa forma, é por meio da Divisão Social do
Trabalho que a forma mais acabada de consciência, a coletiva, se impõe, já que “o
trabalho só se divide espontaneamente se a sociedade está constituída de tal
maneira que as desigualdades sociais expressam exatamente as desigualdades
naturais.”9
A queda do Império Romano provocou mudanças na vida das cidades, com o
consequente enfeudamento. Por toda a Europa desenvolveu-se uma sociedade
onde contingentes populacionais punham-se sob a proteção de senhores da terra
prestando-lhes promessas de fidelidade. As condições gerais dos exercícios da
atividade produtiva eram análogas, isto é, sob certos aspectos, às da Antiguidade
Grega, assumindo a forma geral da servidão.
Na Idade Média algumas características ainda permaneceram. Embora os
gregos e os romanos já residissem nas cidades, o trabalho agrícola supria suas
necessidades. No feudo, o serviço era confiado ao servo, que já era reconhecido
como pessoa e não mais como coisa, apesar de que a situação do trabalho servil
ser muito semelhante à dos escravos. Os donos de terras não dependiam do
trabalho para viver, cabendo assim aos não proprietários o cultivo das terras
privadas para sua própria sobrevivência e também a dos seus senhores.
Os frutos produzidos em solos diferentes daqueles de propriedade do senhor
feudal poderiam ser encontrados em pequenas feiras que se formavam entre um
feudo e outro, surgindo, assim, o comércio. Aos poucos as relações individuais de
trabalho foram sendo substituídas “por um regime heterônomo, que se manifestou,
sobretudo no segundo período da época medieval, nas corporações de ofício”
10
,
onde a principal preocupação era garantir a constância da fabricação e a qualidade
das mercadorias vendidas.
A partir deste ponto, verifica-se a configuração de um espaço urbano,
espalhando-se desvinculada do centro feudal. Surge, enfim, a classe da burguesia,
denominação derivada da palavra burgo. As novas formas de troca de bens de
9
DURKHEIM, Emile. Regras do Método Sociológico. Ed. Martin Claret, 2001. p. 37
BARROS, 2009, p. 33
10
16
consumo já revelavam distinções pontuais. Seus componentes eram pessoas que
desenvolviam atividades artesanais, fortalecendo as corporações de ofício aliadas
com a acumulação de capital através do comércio de suas produções.
Até meados do Século XVIII, menos de 10% da população vivia nas
cidades. A principal atividade econômica era a agricultura. A população das
áreas rurais produzia suas próprias roupas e utensílios. A maior parte do
artesanato era produzida por famílias, com matérias-primas fornecidas
pelos burgueses, que depois distribuíam as mercadorias para as demais
regiões. Os países europeus eram quase todos governados por monarquias
autoritárias. O povo não tinha direito à participação política na sociedade e
enfrentava dificuldades. Havia pouca mobilidade social, e quase sempre os
11
filhos seguiam a mesma profissão dos pais.
Fala-se aqui do deslocamento do eixo de produção da agricultura para o
capitalismo ou o modo de produção moderno. Com a necessidade de se buscar
melhor qualidade de vida a massa trabalhadora partiu da zona rural para as vilas e
cidades. Este êxodo tornou as cidades um lugar aonde podia-se encontrar uma
grande disponibilidade de mão-de-obra. Isso foi um marco para o surgimento de
diversas ciências, como a Sociologia12.
As corporações de ofício traziam em sua formação, como objetivo, o
estabelecimento de uma estrutura hierárquica, o regulamento da capacidade
produtiva e das técnicas de fabricação. Aqueles que já tinham passado pela prova
da obra-mestra eram tidos como os mestres, que por mérito, possuíam a
propriedade das oficinas. Em princípio, obtinham tal cargo pelas suas aptidões
profissionais ou pela execução de uma obra-prima, tendo como aprendizes os
menores que recebiam ensino metódico do ofício ou profissão, mediante pagamento
de taxas. Findo o período de aprendizado, tornavam-se companheiros e exerciam
suas atividades nos locais públicos, obtendo pagamento pelos mestres. Contudo,
apesar de almejar uma melhora na escala técnica, aqueles que eram companheiros
só poderiam aprimorar sua atuação profissional se dispusessem de verba para
adquirir a carta de mestria ou se contraíssem matrimônio ou com a filha ou com a
viúva do mestre.
No início da Revolução Industrial, os trabalhadores enfrentavam péssimas
condições de trabalho e recebiam baixos salários. Com muita luta, foram
11
12
CAMARGO, Nelson José de (Org.). Biblioteca do ensino fundamental e médio. Ed. Sivadi, 2005.
PEREIRA, Leonardo Gomes. Notas de aula. Fev/2010.
17
conquistando seus direitos. (...) Patrões e empregados devem ter
consciência de seus direitos e deveres.
As relações de trabalho presididas pelos critérios heterônomos das
corporações de ofício trouxeram a necessidade de substituição por uma
regulamentação essencialmente autônoma. Surgiu daí uma liberdade econômica
sem limites, com opressão dos mais fracos, gerando uma nova forma de escravidão.
É o que se extrai do pensamento de Lacordaire: “Entre o forte e o fraco, entre o rico
e o pobre, entre o patrão e o empregado, é a liberdade que escraviza, é a lei que
liberta”.13
Os abusos praticados pelos mestres nas corporações de ofício geraram
greves e revoltas dos companheiros, principalmente em face da tendência de se
transformar o ofício em um bem de família e da incapacidade de adaptação do
trabalho ali desenvolvido às novas exigências socioeconômicas. O espírito
monopolizador que dominava as corporações e o apego às formas superadas de
produção foram motivos mais do que suficientes para incrementar a transição da
sociedade artesanal para o capitalismo mercantil.
A realidade mercantil sofreu uma forte regulamentação da economia,
passando a ser contestada por alguns pensadores, levando os monarcas a
necessitarem aumentar o controle burocrático sobre os meios produtivos e a
exercerem uma espécie de patrimonialismo sobre as riquezas da nação, provocando
um descontentamento nos detentores do capital. Em fins do século XIX, com o
declínio do absolutismo e com os primeiros sinais da queda do imperialismo e do
colonialismo, o que enfraqueceria o poder dos monarcas, os detentores do capital industriais, sobretudo - vislumbraram a possibilidade, que se confirmou, da
afirmação do capitalismo puro.
Além de possibilitar uma impressionante acumulação de riquezas, o
capitalismo mercantil criou uma economia de aspecto concorrencial onde as
potências econômicas buscavam acordos, implantavam tarifas e
promoveram guerras com o objetivo de ampliar suas perspectivas
comerciais. No entanto, a relação harmônica entre a burguesia e os
monarcas ganhou uma nova feição na medida em que a manutenção dos
privilégios da nobreza se transformava em um empecilho ao
desenvolvimento burguês.14
13
BARROS, 2009. p. 43.
SOUSA, Rainer. Origem do Capitalismo. 2007. Disponível em:
http://www.brasilescola.com/historiag/origem-capitalismo.htm. Acesso em 19 outubro 2010.
14
18
Em 1791, extinguiram-se definitivamente as corporações de ofício por meio
da Lei de Chapelier, em seu art. 7º, transcrito a seguir:
A partir de 1º de abril, todo homem é livre para dedicar-se ao trabalho,
profissão, arte ou ofício que achar conveniente, porém estará obrigado a
prover-se de uma licença, a pagar os impostos de acordo com as tarifas
seguintes e a conformar-se com os regulamentos da polícia que existiam ou
que se expeçam no futuro. 15
Pode-se considerar como aspecto positivo, a obtenção da liberdade de
trabalho, já que a capacidade volitiva do operário fazia-se necessária no ato de
escolha do trabalho e da profissão. Contraposto a isso, o impedimento da
possibilidade de existência de qualquer órgão entre o indivíduo e Estado era
temerário, pois as associações foram vedadas. Consecutivamente, a inovação
tecnológica acelerou a crise do regime artesanal, culminando na Revolução
Industrial, a partir da qual o homem passou a ser substituído pela máquina.
Para Durkheim, as acusações de que a divisão do trabalho reduziu o
trabalhador a uma máquina que repete rotineiramente os mesmos movimentos e
que não relaciona as operações que lhe são exigidas a nenhum fim são injustas.
Isso porque, em sua visão, a Divisão Social do Trabalho introduz também uma nova
solidariedade, a Orgânica, em substituição a primitiva Mecânica.16
Sendo o lucro o único desejo dos mestres da manufatura, o trabalhador era
explorado ao máximo, com remunerações tão ínfimas que obrigavam o proletário a
uma jornada de trabalho de até 15 horas para garantir a subsistência, incluídos na
massa trabalhadora mulheres e crianças que contribuíam de certa forma para o
sustento de suas famílias. Não havia nenhuma garantia previdenciária e era
conferido ao empresário, pela Lei “Senhor e Empregado”, o direito de encarcerar o
operário que abandonasse o trabalho.17
Com o advento da Revolução Francesa, a liberdade individual foi consagrada
logo no início da nova Constituição, elaborada no ano de 1791, por qual foi
confirmada a liberdade para o exercício das profissões. Os indivíduos adquiriam por
sua vontade o poder supremo para realizar toda a classe de atos jurídicos, os quais
passavam a ter força de lei entre as partes, porque aceitos voluntariamente.
15
SOUSA, 2007.
SOUSA, 2007.
17
BARROS, 2007.
16
19
O Código de Napoleão de 1804 foi o primeiro grande código da idade
moderna que procurou harmonizar o Direito Romano com o direito público
costumeiro e, em essência, rendia homenagem à doutrina dos direitos do homem,
colocando o indivíduo frente ao Estado, em posição superior, já que sancionava a
autonomia do direito privado em relação ao direito público. Seu espírito reflete a
mentalidade individualista da época. A referida codificação ratificou e corrigiu a
maior parte das conquistas sociais alcançadas pela sociedade civil burguesa a partir
da Revolução de 1789, confirmando a vontade contratual como norma suprema das
relações jurídicas. Do mesmo modo, foi um marco da modernidade, assinalando o
estabelecimento, no mundo jurídico, do reconhecimento das novas relações
socioeconômicas decorrentes dos acontecimentos provocados pela ‘queda da
Bastilha’.
Muito embora tenha sido considerado o Código da Burguesia, por ter atendido
aos interesses e às aspirações dessa classe, não foi redigido com o propósito de ser
uma lei de privilégios, ao contrário, a intenção foi elaborar-se um código impessoal,
expressão eterna das coisas, para ser aplicado sem distinção de classe e sem limite
de tempo, tanto que o mesmo continua vigente até os dias de hoje.
Historicamente, o primeiro grande passo foi dado na França, com o Código
de Napoleão, de 1804, que permanece até hoje regulando a vida jurídica de
um povo altamente civilizado, tendo servido de modelo a diversos países na
elaboração de seu direito positivo.18
As primeiras normas trabalhistas aprovadas pelos Estados Europeus foram
editadas no século XIX. Em 1818, o empresário Robert Owen, reconhecido como pai
da legislação trabalhista, propôs a celebração de um tratado internacional limitando
a jornada de trabalho. Owen colaborou, no ano seguinte, para a aprovação de uma
lei sobre o trabalho do menor, proibindo o emprego de crianças de 9 anos e fixando
a jornada de 12 horas àqueles que eram menores de 16. Como uma de suas
maiores contribuições para o Direito do Trabalho, incentivou a reunião dos operários
em sindicatos, tornando-se, desde então, um influente mecanismo de conquista dos
direitos social-trabalhistas. Na França, o exercício do direito de greve; na Alemanha,
os seguros sociais; e os acidentes do trabalho, na Itália.19
18
19
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Ed. Saraiva, 2009, p. 87.
SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3ª Edição. Ed. Renovar, 2004, p 9.
20
Depreende-se do breve levantamento acima exposto que o trabalho humano
sempre foi visto, pelo menos, através de dois conceitos distintos. Numa primeira
visão, o trabalho é concebido como fonte de libertação, fator de cultura, progresso e
realização pessoal, dando dignidade ao ser humano, pela razão de colocá-lo como
administrador do universo, um indivíduo com regalia em relação aos demais seres,
visto que apenas ele pode realizar trabalho com discernimento, sensatez e
liberdade, descobrindo e modificando, através de seu empenho, a terra e suas
riquezas.
A outra visão acerca do trabalho entende este como sendo uma penalidade,
um castigo imposto ao homem decaído, sendo uma forma de punição aos seus
erros e desobediências. Na visão Evangélica, o trabalho é um castigo, porém
purificante e libertador. A diferença é que, antes da ideia do ‘pecado original’, o
trabalho era alegre e sem fadigas, e, a partir da desobediência de Adão e de Eva,
tornou-se penoso, quando o homem precisou trabalhar para se manter.
As duas visões, entretanto, não são de todo contraditórias. Ambas assumem
a importância da ação laborativa como forma de mudança de status quo, de
aquisição de autossuficiência e de possibilidade de desenvolvimento e ascensão.
No foco da abordagem desta monografia caberá no próximo tópico destacar
aspectos muitas vezes preteridos no processo histórico das relações trabalhistas.
1.2 - A PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR NO DIREITO COMPARADO
[...] Art. XXV - Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis.20
Faz-se necessário, neste ponto, uma conceituação dos participantes da
relação de trabalho. Antes de tudo, deve-se atentar ao conceito de pessoa lato
sensu.
Em sua origem, pessoa é um vocábulo provavelmente de origem etrusca, do
qual proveio o termo em latim persona, que originalmente significava a ‘máscara,
20
Art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10.12.1948 pela Assembléia
Geral das Nações Unidas (ONU). Ratificada pelo Brasil em 28/09/1989
21
figura, personagem de teatro, papel representado por um ator’21, e daí assumiu o
significado de ser humano. Entre os juristas romanos, passou a designar ‘ser que
têm direitos e obrigações’. E foi com esse significado que foi introduzida na
linguagem filosófica para designar os papéis representados pelo homem na vida. Em
seu sentido mais corriqueiro, pessoa é o homem em suas relações com o mundo ou
com ele próprio.
A partir de Descartes, “ao mesmo tempo em que enfraquece-se ou diminui o
reconhecimento do caráter substancial da pessoa, acentua-se a sua natureza de
relação, especialmente no que pertine à relação do homem consigo mesmo.”
Locke afirma que a pessoa "é um ser inteligente e pensante que possui razão
e reflexão, podendo observar-se em diversos tempos e lugares; e isso ele faz
somente por meio da consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele".22
Hegel entendia por pessoa o sujeito autoconsciente enquanto "simples
referência a si mesmo na própria individualidade".
Contra tais interpretações, encontram-se as posições filosóficas que se
recusam a reduzir o ser humano à sua própria consciência e fazem polêmica contra
a forma mais radical dessa interpretação, que é o hegelnianismo. Neste sentido, a
antropologia de esquerda de Hegel e Marx, constitui o início de uma renovação
desse conceito ou a evidenciação de um aspecto sobre o qual a tradição filosófica
se calara, a de que a pessoa humana é constituída ou condicionada essencialmente
pelas "relações de produção e trabalho", e que o homem interage com a natureza e
com os outros homens para satisfazer às suas necessidades.23
Kant, entretanto, já caracterizara o conceito de pessoa como “heterorrelação”.
Quando Kant afirmava que "os seres racionais são chamados de pessoas porque a
natureza deles os indica já como fins em si mesmos, como algo que não pode ser
empregado unicamente como meio", de fato declarava que a natureza da pessoa, do
ponto de vista moral, consiste na relação intersubjetiva.
Na acepção jurídica, pessoa é ser que é capaz de exercer direitos e contrair
obrigações na ordem civil. O Código Civil de 2002 classifica-a em pessoa natural e
21
BARROS, 2009, p. 75.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. P. 762. Apud. BARROS, 2009.
23
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. P.762. Apud. BARROS, 2009.
22
22
pessoa jurídica. A personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei
põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.24
Finalmente, pode-se dizer que pessoa é todo ente dotado de personalidade
para o direito, isto é, com aptidão para ser titular de direitos subjetivos. Um direito
pressupõe um titular. Às pessoas, sujeitos de direitos, são reconhecidas as
faculdades ou direitos subjetivos. Todo ser humano é pessoa. Toda pessoa é capaz
de direitos e deveres na ordem civil.
[...] pessoa é quem pode ser sujeito de direito... (...) Certamente, o ser
sujeito do direito a, em concreto, portanto é diferente de ser pessoa, que é
em plano acima, abstrato; mas não se há de levar muito a fundo a
diferença, porque a pessoa já nasce com titularidade concreta,que é a do
direito de personalidade como tal, o direito a ser sujeito de direitos. Tal
direito ressalta aos nossos olhos quando pensamos em terem existido, e
ainda existirem em sistemas jurídicos destoantes da civilização
contemporânea, seres humanos sem capacidade de direito... (...) a
personalidade em si não é direito; é qualidade, é o ser capaz de direitos, o
ser possível estar nas relações jurídicas como sujeito de direito.25
O conceito de direito da personalidade está vinculado ao reconhecimento de
valores intrínsecos à pessoa humana, imprescindíveis para o desenvolvimento de
suas potencialidades físicas, psíquicas e morais. O mais relevante dos direitos da
personalidade é o direito à vida, inerente ao homem, sendo reconhecido pela ordem
jurídica, onde seu descumprimento causa um dano irreversível, qual seja, a morte.
Para a proteção do bem-estar do ser humano, surge o dever do Estado, garantido
no art. 6º da Constituição Federal, de assegurar saúde a todos.
No âmbito trabalhista atual, tem-se como elemento essencial da atividade
laboral, o trabalhador, que apesar da inexistência de um conceito jurídico na
legislação infraconstitucional, pode ser compreendido a partir da conceituação de
trabalho magistralmente oferecida por Sussekind26:
Toda energia humana, física ou mental, utilizada na produção de um bem
corpóreo ou incorpóreo ou na realização de um serviço, é trabalho; e aquele
que a utiliza é, sem dúvida, um trabalhador. Trabalhador é, assim, o artista
que compõe uma sinfonia; o cientista que descobre a vacina contra
determinada enfermidade; o advogado que defende o réu; o condutor que
dirige um transporte coletivo; o mecânico que conserta uma máquina; o
24
GUIMARÃES, Diocleciano Torrieri (ORG.). Dicionário Técnico Jurídico. 2006, pg. 442.
MIRANDA, Pontes de – Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tratado de Direito Privado – Parte
Geral. p. 215.
26
SUSSEKIND, 2004, P. 9
25
23
operário que manufatura uma utilidade; o jornalista que escreve um
comentário; o bancário que confere as assinaturas do cheque, etc.
Ressalte-se que a conceituação de trabalhador distingue-se da definição de
empregado, sendo aquele um gênero, enquanto este uma de suas espécies.
Doutrinariamente, o empregado é definido como sendo a “pessoa que presta
serviço a empregador, mediante salário que esse lhe paga pela prestação, em
caráter permanente, de serviços de seu ofício, aquele que emprega sua energia
física ou intelectual na produção de um trabalho útil”.27
Por seu turno, consta do Decreto-Lei nº. 5.452/43 - Consolidação das Leis do
Trabalho, CLT - a conceituação de empregado consagrada pelo ordenamento
jurídico brasileiro.
Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário.
Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à
condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Em seu art. 196, parte do Título VIII - Da Ordem Social, a Constituição
Federal prevê que saúde é direito de todos e dever do Estado. Em decorrência
dessa tutela constitucional da saúde, observa-se, nos termos do art. 7º, XXII da
Carta Magna28, que o constituinte originário reconheceu a necessidade de
disciplinarem-se de forma especial os direitos do obreiro em prol da garantia do seu
bem-estar, no ambiente de trabalho.
De maneira abrangente, é fácil constatar que os ambientes de trabalho não
estão adequados à realização do trabalho. Vê-se ocorrer acidentes de trabalho,
acometimentos de enfermidades profissionais e algumas moléstias da mente, que
são tão prejudiciais ao trabalhador quanto as físicas, podendo provocar uma
instabilidade no emprego.
Os riscos decorrentes da má qualidade no ambiente de trabalho são
conhecidos há anos, podendo-se citar como exemplo as doenças profissionais
27
GUIMARÃES, 2006, p. 278
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: (...) XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança.
28
24
causadas pela absorção do chumbo, do mercúrio, de solventes, e pela exposição à
poeira de silicose ou de amianto.29
O renomado doutrinador Sérgio Pinto Martins refere-se, em sua obra, que
entre os Romanos já existia a obrigação de prestação de assistência aos servos
pelo pater familiae.30
Como um direito resguardado na Declaração dos Direitos Humanos, a saúde
faz parte essencial do tema de meio ambiente de trabalho. Pode-se até contrapor,
em razão do empregador, o direito à integridade física do obreiro, direito
personalíssimo.
Quando há a admissão de um novo obreiro, este traz consigo uma série de
bens jurídicos que deverão ser tutelados pelo empregador, por via da adoção de
medidas de higiene, meios de segurança para prevenir doenças profissionais e
acidentes no trabalho. O local de trabalho e suas imediações deverão ser mantidos,
pelo empregador, de modo que não exista qualquer tipo de risco à vida e/ou a saúde
do empregado, pois o comprometimento desta pode gerar-lhe determinado grau de
incapacidade, havendo, portanto, a possibilidade de responsabilização civil do
empregador por dano material e/ou moral, se tal mal decorrer de ato ilícito ou de
risco provocado por inadequadas condições de trabalho.31
No ano de 1945, quando diplomatas reuniram-se com o intuito de constituir a
Organização das Nações Unidas, um dos tópicos discutidos foi a criação de uma
organização global da saúde. Dessa forma, a Organização Mundial de Saúde - OMS
- veio à luz em sete de abril de 1948, com a missão de prover liderança em assuntos
globais de saúde, estabelecer normas, prover suporte técnico para países, e
monitorar e assessorar assuntos sobre saúde.
Para a OMS, o conceito de saúde “é o completo bem-estar psíquico, mental e
social do indivíduo”.32 Tal ideia impede uma aplicação imediata, sendo necessário
sejam feitas as devidas adaptações no campo jurídico, já que o completo bem-estar
traduz-se em questão política que diz respeito à sociedade como um todo.
A saúde do trabalhador e um ambiente de trabalho saudável são valiosos
bens individuais, comunitários e dos países. A saúde ocupacional é uma
29
BARROS, 2009, P. 61
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Ed. Atlas, 2010, 11ª Ed. P. 29.
31
Art. 7º, inciso XXVIII, CF.
32
ALMEIDA FILHO, Naomar. O Conceito de Saúde: Ponto Cego da Epidemologia? Disponível em:
http://www.scielosp.org/pdf/rbepid/v3n1-3/02.pdf. Acesso em 14 outubro 2010
30
25
importante estratégia não somente para garantir a saúde dos trabalhadores,
mas também para contribuir positivamente para a produtividade, qualidade
dos produtos, motivação e satisfação do trabalho e, portanto, para a
melhoria geral na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um
33
todo.
Atualmente, segundo a OMS, os maiores desafios para a saúde do
trabalhador são problemas de saúde ocupacionais conexos com as novas
tecnologias de informação e automação, novas substâncias químicas e energias
físicas, riscos de saúde associados às novas biotecnologias, transferência de
tecnologias perigosas, envelhecimento da população trabalhadora, algo sobre a
crescente mobilidade dos trabalhadores, ocorrência de novas doenças ocupacionais
de várias origens e problemas especiais dos grupos vulneráveis, incluindo-se aí os
portadores de doenças crônicas, deficientes, migrantes e desempregados.
Para a OMS, o indivíduo carece de um espaço saudável no que se refere às
suas necessidades básicas, aonde se destaca a saúde, visando ao correto
desenvolvimento de suas ações da vida diária, tornando-se função da empresa
buscar atingir tais requisitos através da melhoria de seu ambiente organizacional.
No sentido de cumprir a Declaração dos Direitos Humanos atentando-se para
a saúde do trabalhador, foram elaborados documentos pertinentes ao tema,
disponibilizados pela Organização Pan-Americana de Saúde, a seguir tabulados34:
Doenças Relacionadas
Este manual foi elaborado e está sendo disponibilizado
ao Trabalho - Manual de
com
procedimentos para os
profissionais dos serviços de saúde, em especial na
serviços de saúde
Atenção
o
objetivo
Básica,
de
contribuir
quanto
aos
para
orientar
procedimentos
os
de
assistência, prevenção e vigilância da saúde dos
trabalhadores
e
possibilitar
a
caracterização
das
relações da doença com o trabalho ou a ocupação, na
perspectiva da Saúde do Trabalhador.
33
Organização Pan-Americana de Saúde. Saúde e Ambiente-Conceito. Disponível em:
http://www.opas.org.br/ambiente/temas.cfm?id=44&Area=Conceito Acesso em 23 setembro
34
Organização Pan-Americana de Saúde. Saúde e Ambiente - Documentos. Disponível em:
http://www.opas.org.br/ambiente/temas.cfm?id=44&Area=Documentos. 2010. Acesso em 23
setembro
26
Globalizing Technical
Esta publicação em inglês apresenta o processo de
Standards: Impact and
padronização européia no seu contexto de mudança,
Challenges for
onde os padrões europeus estão sendo moldados
Occupational Health and
crescentemente a nível internacional. Na época em que
Safety
a União Européia trouxe uma harmonização técnica na
sua
Nova
Abordagem,
a
padronização
foi
essencialmente um exercício nacional. Hoje em dia, a
produção industrial é quase sem exceção uma atividade
européia e internacional: num mercado global com um
forte crescimento no comércio internacional, fabricantes
veem os padrões internacionais como uma chave para
obterem acesso e estímulo nos mercados. Este livro
exemplifica alguns aspectos dos debates atuais de
como os padrões europeus e internacionais, como
foram desenvolvidos no “ISO” e “IEC”, podem afetar a
saúde e segurança dos trabalhadores europeus.
Improving Safety, Health
Este manual mostra como a utilização de ações
and the Working
simples, efetivas e de baixo custo pode melhorar a
Environment in the
segurança e saúde nos locais de trabalho e ao mesmo
Informal Sector
tempo aumentar a produtividade. A metodologia é
baseada em estudos pilotos, experiência de campo
extensiva e análises cuidadosas da real necessidade
dos operadores do setor informal. O manual aborda
preocupações básicas de segurança e saúde. Inclui
ideias práticas sobre tópicos chave como: exposição à
poeira, uso de substâncias químicas, prevenção de
fogo, posturas de trabalho, primeiros socorros, etc. A
ênfase é dada nas medidas práticas de baixo custo,
identificadas localmente para melhorar as condições do
ambiente de trabalho. Esta abordagem de treinamento
foi construída em cima de experiência local em África,
particularmente em Tanzânia e Nigéria. Está baseada
na experiência atual de operadores do setor informal
27
que têm participado em programas piloto de formação
organizados pela International Labour Organization
(ILO).
Principios Directivos
Os princípios diretivos contidos neste documento tem
Técnicos y Éticos
por objetivo servir de instrumento de apoio para aqueles
Relativos a la Vigilancia
que possuem responsabilidades na concepção, na
de la Salud de los
implantação, prática e na gestão de mecanismos de
Trabajadores
vigilância da saúde dos trabalhadores, que facilitem o
trabalho preventivo para oferecer trabalho seguro e
saudável para todos.
Vigilância de Exposição
Este trabalho tem como objetivo discutir a prioridade,
Ocupacional a
utilidade e viabilidade da vigilância em saúde pública
Substâncias Tóxicas
como instrumento para caracterizar a ocorrência de
exposições ocupacionais a substâncias tóxicas, com
vistas ao desenvolvimento de ações de controle. Foi
realizada uma revisão bibliográfica sobre a vigilância em
saúde, sua aplicação em saúde do trabalhador e
especificamente em condições de risco em saúde
ocupacional.
Para
ilustrar
a
potencialidade
dos
laboratórios atuantes em toxicologia ocupacional como
fontes
de
conglomerados
informação
de
para
identificação
trabalhadores
expostos
de
a
determinadas substâncias tóxicas, são apresentados
alguns dados sobre a produção de um laboratório
atuante na área no Estado de São Paulo. Foram
identificadas diversas características que conferem
prioridade e utilidade a sistemas de vigilância nos
moldes
discutidos
no
trabalho
e
apontam
sua
viabilidade; foi discutida a necessidade de ações para
melhorar a qualidade das práticas nesta área.
Paralelamente à proteção dada ao trabalhador garantida em lei, surge no ano
de 1919, num contexto histórico de pós-guerra, a Organização Internacional do
Trabalho - OIT -, uma agência do sistema das Nações Unidas, onde os
28
representantes dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que
os do governo.
A Primeira Guerra Mundial teve terríveis consequências econômicas.
Desorganizaram-se a indústria e o comércio, os “aproveitadores” fizeram
enormes fortunas com suas especulações e a moeda desvalorizou-se. As
despesas com a luta aumentaram formidavelmente a dívida pública das
nações, daí resultando o aumento dos impostos e o encarecimento do custo
de vida. A hegemonia econômica passou aos Estados Unidos que, por seus
empréstimos, tornaram-se o maior credor dos aliados, e durante a guerra
tinha aumentado consideravelmente sua riqueza. Apesar disso, porém, o
país, por várias causas, veio a sofrer, em 1929, uma crise que se refletiu em
todo o mundo.35
Tal organização traz como objetivos específicos a promoção dos princípios
fundamentais e direitos no trabalho através de um sistema de supervisão e de
aplicação de normas; a promoção de melhores oportunidades de emprego/renda
para mulheres e homens em condições de livre escolha, de não discriminação e de
dignidade; o aumento a abrangência e a eficácia da proteção social; e o
fortalecimento do tripartismo (Governo, empregador e trabalhador) e do diálogo
social.36
No que concerne a saúde, a OIT editou algumas convenções que, em seu
todo, definem a responsabilidade do Estado na elaboração de uma legislação
própria sobre medidas de prevenção, dos empregadores pela aplicação das
medidas definidas e dos empregados pela observância das normas, apresentação
de propostas, recebimento de informação e orientação.
As principais Convenções da OIT sobre saúde e segurança, ratificadas pelo
Brasil, são37:
Convenção n. 12, de
Trata da indenização por acidente do trabalho na
12/11/1921.
agricultura, onde todos os Membros da Organização
Internacional do Trabalho que ratificam a presente
convenção comprometem-se a estender a todos os
assalariados agrícolas o benefício das leis e regulamentos
35
RUESCAS, Jesus (ORG.). História Geral. Editora Sivadi.
OIT Brasil. Conheça a OIT. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/inst/index.php. Acesso em 23
setembro 2010.
37
Ministério das Relações Exteriores. Atos Multilaterais Assinados pelo Brasil no âmbito da
Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/trabalho.htm.
Acesso em 23 setembro 2010.
36
29
que têm por objeto indenizar as vítimas de acidentes
ocorridos no trabalho ou no curso do trabalho. Foi
promulgada no Brasil pelo Decreto n. 41.721 em 1957
Convenção n. 42, de
Trata da indenização por enfermidade profissional, onde
21/06/1934.
todo Membro da Organização Internacional do Trabalho
que ratifique a presente Convenção obriga-se a garantir às
vítimas de enfermidades profissionais, ou a quem tiver
seus direitos, uma indenização baseada nos princípios
gerais da legislação nacional sobre indenização por
acidentes de trabalho, considerando como enfermidades
profissionais as intoxicações produzidas pelas substâncias
tóxicas, quando ditas enfermidades ou intoxicações afetem
aos trabalhadores pertencentes às indústrias, profissões ou
operações correspondentes em dito quadro, e resultem do
trabalho em uma empresa sujeita à legislação nacional. Foi
promulgada no Brasil pelo Dec. n. 1.361, em 1937
Convenção n. 115, de
Trata da proteção contra radiações ionizantes, onde fixa
22/06/1960.
doses máximas permissíveis de exposição a radiações
ionizantes procedentes de fontes externas ou internas ao
organismo
e
quantidades
máximas
permissíveis
de
substâncias radioativas que possam ser introduzidas no
organismo, e de restringir, ao nível mais baixo possível, a
exposição dos trabalhadores, havendo a necessidade de
prever na legislação a notificação de trabalho envolvendo a
exposição a radiação ionizante. Foi promulgada no Brasil
pelo Decreto n. 62.151, de 19 de janeiro de 1968.
Convenção n. 120, de
Trata da higiene no comércio e escritórios, obrigando-se a
08/07/1964.
existir nos locais de trabalho uma higienização
manutenção
adequadas
de
equipamentos
e
e
das
instalações, que devem ser ventiladas, iluminadas e
providas
de
conforto
térmico,
inclusive
quando
subterrâneas ou desprovidas de janelas; disponibilização
de assentos adequados e em número suficiente para uso
30
dos trabalhadores; fornecimento de água potável ou outra
bebida
em
quantidade
suficiente;
manutenção
de
lavatórios, instalações sanitárias e vestiários adequados e
mantidos em condições satisfatórias; implantação de
medidas de redução de ruídos e vibrações que possam
provocar
danos
à
saúde
dos
trabalhadores;
disponibilização de enfermaria ou posto de primeiros
socorros ou ainda caixas de primeiros socorros. Foi
promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 66.498, de 27 de
abril de 1970.
Convenção n. 127, de
Trata do peso máximo das cargas, proibindo-se a exigência
28/06/1967.
ou permissão de transporte manual de carga cujo peso
possa
comprometer
a
segurança
ou
saúde
dos
trabalhadores, tendo-se em conta todas as condições em
que o trabalho deva ser executado, sendo necessária a
formação
satisfatória
do
trabalhador
empregado
no
transporte manual de carga, limitando-se, ainda, o emprego
de mulheres e menores de 18 anos no transporte manual
de carga, exceto as de peso consideravelmente inferior ao
admitido para adultos do sexo masculino. Foi promulgada
pelo Brasil pelo Decreto n. 67.339, de 5 de outubro de
1970.
Convenção n. 136, de
Trata da proteção contra riscos de intoxicação por
23/06/1971.
benzeno, onde proibi-se o benzeno ou produtos de
benzeno em certas atividades que devem incluir, no
mínimo, seu uso como solvente ou diluente, exceto quando
em sistema fechado ou outros métodos de trabalho
igualmente seguros como também prevê o dever de tomar
providências que assegurem nos locais de trabalho.
Obriga-se, ainda, a realização, por profissional reconhecido
pela autoridade competente, exames médicos admissional
e periódicos completos, que incluam análise de sangue, de
trabalhadores expostos ao benzeno ou produtos contendo
31
benzeno. Foi promulgado pelo Brasil pelo Decreto n. 1.253,
de 27 de setembro de 1994.
Convenção n. 139, de
Trata da prevenção e controle de riscos profissionais em
24/06/1974.
substâncias cancerígenas no local de trabalho, onde obriga
a se determinar periodicamente lista de substâncias e
agentes cancerígenos aos quais a exposição no trabalho
estará proibida ou sujeita a autorização ou controle,
considerando-se
os
dados
mais
recentes
de
recomendações e guias da OIT ou outros organismos
competentes; buscar a substituição dessas substâncias por
outras não cancerígenas ou menos nocivas; reduzir o
número de trabalhadores expostos e o tempo de exposição
a substâncias cancerígenas ao mínimo compatível com a
segurança;
prescrever
medidas
de
proteção
dos
trabalhadores contra os riscos da exposição a substâncias
ou agentes cancerígenos, assegurando sistema apropriado
de registro. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 157,
de 2 de julho de 1991.
Convenção n. 148, de
Trata da proteção contra os riscos provenientes da
01/06/1977.
contaminação do ar, ruído e vibrações no ambiente de
trabalho,
onde
competente
de
é
responsabilidade
estabelecer
critérios
da
autoridade
periodicamente
revisados que permitam definir os riscos de exposição à
contaminação do ar, ao ruído e às vibrações nos locais de
trabalho, fixando limites de exposição, após consulta com
pessoas
tecnicamente
organizações
qualificadas
interessadas
designadas
pelas
representativas
de
empregadores e trabalhadores. Foi promulgada pelo Brasil
pelo Decreto n. 92.413, de 15 de outubro de 1986.
Convenção n.155, de
Trata da segurança e saúde dos trabalhadores e meio
22/06/1981
ambiente de trabalho, devendo-se formular e por em
prática uma política nacional coerente em matéria de
segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de
32
trabalho, para prevenção de acidentes e danos à saúde
conseqüentes ao trabalho, que guardem relação com a
atividade laboram ou sobrevenham durante o trabalho,
reduzindo ao mínimo as causas dos riscos existentes no
meio ambiente de trabalho. Foi promulgada pelo Brasil pelo
Decreto no 1.254, de 19 de setembro de 1994.
Convenção n.161, de
Trata sobre serviços de saúde do trabalho; devendo-se
07/06/1985.
formular e aplicar política nacional coerente que estabeleça
progressivamente serviços de saúde no trabalho para
todos os trabalhadores, incluindo os do setor público e
membros das cooperativas de produção, com as funções
de identificação e avaliação dos riscos à saúde nos locais
de trabalho; vigilância da saúde dos trabalhadores e dos
fatores e práticas de trabalho que possam afetá-la;
assessoria em matéria de saúde, segurança, higiene no
trabalho e ergonomia, equipamentos de proteção individual
e coletiva, assim como no planejamento e organização do
trabalho; participação em programas de melhorias nas
práticas de trabalho e inspeções de novos equipamentos;
fomento da adaptação do trabalho aos trabalhadores;
assistência
na
adoção
de
medidas
de reabilitação
profissional, bem como, ser direito do trabalhador ser
informado dos riscos para a saúde existentes em seu
trabalho. Foi promulgado pelo Brasil pelo Decreto n. 127,
de 22 de maio de 1991.
Convenção n. 162, de
Trata da prevenção e controle do asbesto, utilizando-se de
04/06/1986.
obrigatoriedade de previsão na legislação nacional de
medidas para prevenção e controle dos riscos à saúde
devidos à exposição profissional ao asbesto, que devem
ser observadas pelos empregadores e trabalhadores, do
dever de estabelecer uma ou mais das medidas:
Substituição do asbesto ou de certos tipos de asbesto ou
de produtos que contenham asbesto por outros materiais
33
ou produtos, ou a utilização de tecnologias alternativas;
proibição total ou parcial do uso de asbesto ou de certos
tipos de asbesto ou de certos produtos contendo asbesto
em determinados processos de trabalho. Foi promulgada
pelo Brasil pelo Decreto n. 126, de 22 de maio de 1990.
Convenção n. 167, de
Trata da saúde e segurança na construção devendo-se
20/06/1988.
adotar
uma
legislação
nacional
que
assegure
o
cumprimento da convenção por meio de normas técnicas,
repertórios de recomendações práticas ou outros métodos,
tomando medidas para garantir a cooperação entre
empregadores
e
trabalhadores
para
o
fomento
da
segurança e saúde nas obras, com a obrigação dos
empregadores e trabalhadores autônomos cumprirem as
medidas de segurança e saúde prescritas, em cooperação,
no caso de estarem realizando simultaneamente atividades
em uma mesma obra. Foi promulgada pelo Brasil pelo
Decreto n. 6.271, de 22 de novembro de 2007.
Convenção n. 170, de
Trata sobre a segurança com produtos químicos, devendo-
25/06/1990.
se formular, por em prática e avaliar periodicamente
política de segurança na utilização de produtos químicos
no trabalho, onde o poder da autoridade competente de
proibir ou restringir a utilização de certos produtos químicos
perigosos ou de exigir notificação ou autorização prévia
para seu uso, sendo obrigada a autoridade competente, ou
organismos reconhecidos pela mesma, de estabelecer
sistemas e critérios específicos apropriados para classificar
os produtos químicos e suas misturas em função do tipo e
grau dos riscos físicos e para a saúde que oferecem. Foi
promulgada pelo Decreto n. 2.657, de 3 de julho de 1998.
Ademais, no campo dos ‘serviços de saúde do trabalho’, designa-se um
serviço investido de funções essencialmente preventivas, destinados a aconselhar o
empregador, o empregado e seus representantes sobre os requisitos necessários à
manutenção de um ambiente de trabalho seguro e salubre e a adaptação do
34
trabalho às capacidades dos empregados, sendo obrigatória a informação dos riscos
à saúde para os trabalhadores. O empregador é responsável pela definição e
execução de uma política de segurança, higiene e saúde que abranja esses
trabalhadores, aos quais deverão ser proporcionados exames médicos periódicos e
equipamentos de proteção visual.
Percebe-se, enfim, que nunca foi tão necessário o investimento na saúde e
segurança do trabalho, pois, com o desenvolvimento de novas tecnologias, surgiram
novas moléstias ocupacionais, mormente no mundo globalizado em que se procura
utilizar técnicas para exigir máximo de produção do trabalhador. Despontam nesse
cenário a LER (Lesão por Esforço Repetitivo), depressão no trabalho e burnout –
síndrome do esgotamento profissional.
1.3 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O RECONHECIMENTO DAS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR. ART. 7°, CF
Conforme estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil,
todo e qualquer cidadão brasileiro tem direitos e obrigações garantidos. Situado
topograficamente no Título II da referida obra, encontram-se os Direitos e Garantias
Fundamentais, estes divididos em cinco espécies, quais sejam, direitos individuais,
coletivos, sociais, à nacionalidade e direitos políticos. Neste ponto, cabe distinguir-se
os direitos das garantias, onde aqueles são bens e vantagens prescritos na forma
constitucional enquanto estes são os instrumentos através dos quais se assegura o
exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso
violados.38
Segue a partir do art. 5º, CF, um rol exemplificativo, na medida em que os
direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem os decorrentes
do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.39
Dessa forma, podem haver direitos supraestatais cuja sua observância
independe de expressa previsão constitucional ou infraconstitucional. Daí a
38
39
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 8ª Edição. Ed. Método, 2005, p. 467.
Art. 5º, Parágrafo 2º, CF.
35
advertência de Pontes de Miranda no sentido de que o direito à vida não pode ser
negado, ainda que não explicitado na relação de direitos constitucionais. 40
A ideia de pessoa humana concebida pela Constituição Brasileira de 1988
revela-se de modo mais claro no conjunto de direitos fundamentais por ela
consagrado. Entretanto, essa ideia também se expressa noutros
dispositivos dispersos por todo texto constitucional, tendo como vetor de
sua unidade e coerência o princípio fundamental que afirma a dignidade da
pessoa humana, que está consagrado logo no artigo primeiro da Carta
Magna.41
No que concerne ao direito trabalhista, no artigo 1º da Constituição
Federal/1988, ao serem enunciados os fundamentos da República Federativa do
Brasil, há o princípio do valor social do trabalho, no inciso IV, orientado pelos
objetivos fundamentais da República, consagrados em seu artigo 3º e que são a
justiça social, a erradicação da pobreza e a promoção do bem de todos. Portanto, os
instrumentos normativos que incidem sobre as relações de trabalho devem visar,
sempre que possível, a prevalência dos valores sociais do trabalho, onde a
dignidade do trabalhador, auferida pela condição de ser humano, deve ter profunda
ressonância na interpretação e aplicação das normas legais e das condições
contratuais de trabalho.
O art. 7º, principal dispositivo constitucional regulador dos direitos trabalhistas,
estabelece, em seu caput e incisos, uma relação não exaustiva dos direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, que, a despeito das respectivas normas especiais de
regência, constituem-se de servidores públicos civis, empregados de empresas
estatais, integrantes das forças armadas, empregados e trabalhadores autônomos,
trabalhadores
temporários;
trabalhadores
avulsos,
empregados
domésticos,
trabalhadores rurais, e trabalhadores voluntários.
Como princípios expressos no artigo supracitado, destacam-se o princípio da
continuidade da relação emprego, o da liberdade sindical, o princípio da igualdade
de direitos entre os trabalhadores urbanos e rurais e o princípio da proteção contra
despedida arbitrária ou sem justa causa.
Pode-se enfatizar, além desses, o princípio da não-discriminação o qual
proíbe a diferença de critérios de admissão, de exercício de funções e de salários
por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX), ou critérios de admissão
40
41
MIRANDA, Pontes de. Apud SUSSEKIND, 2004. p. 187
ALVES, Cleber Francisco apud. SUSSEKIND, 2004, p. 60
36
e de salários em razão de deficiência física (inciso XXXI) e, bem assim, que se
distingam, na aplicação das normas gerais, os respectivos profissionais (XXXII).42
Paralelamente, a teor do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, é de
observar-se que o legislador constituinte conferiu aos direitos dos trabalhadores o
status de cláusula pétrea, i.e., no dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o
atributo da inabolibilidade.
Os direitos sociais dos trabalhadores, enunciados no art. 7º da Constituição,
se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídas no
âmbito normativo do art. 5º, parágrafo 2º, de modo a reconhecer alçada
constitucional às convenções internacionais anteriormente codificadas no
43
Brasil.
Levando-se em consideração a classificação doutrinária para os referidos
direitos, proposta por Sussekind, tem-se que os mesmos podem ser agrupados
segundo: a proteção e extinção do contrato de trabalho; o salário; a participação do
empregado nos lucros e na gestão da empresa; a duração do trabalho; as férias; a
segurança e medicina do trabalho; o indiscriminação no trabalho; a proteção à
maternidade e à paternidade; o trabalho da mulher; o trabalho do menor; a
automação; e a prescrição.44
O ordenamento jurídico brasileiro, além de garantir os direitos do trabalhador,
os regula em leis infraconstitucionais, assegurando a integridade física e mental do
trabalhador em casos de acidentes do trabalho, doenças profissionais e
enfermidades em geral.
A doença profissional e/ou acidente do trabalho, são aqui univocamente
considerados, na medida em que hoje, ambas têm o mesmo tratamento
jurídico pela legislação em vigor, como se depreende dos artigos 19 e 20 da
Lei nº. 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência
Social.45
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a
serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos
no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação
funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho. (omissis)
42
SUSSEKIND, 2004. p. 189
Voto do Ministro Sepúlveda Pertence na ADI nº 1.675-1, acolhido pelo Plenário do STF em
24/09/1997.
44
SUSSEKIND, 2004, p. 189-190
45
GUALAZZI, Alexandre Augusto. “AIDS” e Direito do Trabalho. Ed. LTr, 2005. p. 19.
43
37
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior,
as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo
exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da
respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência
Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se
46
relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
Nesse sentido, em meados do século XV, já havia na Inglaterra uma lei
destinada a amparar os carentes, criando uma contribuição para fins sociais.
A partir de 1883, na Alemanha, com o intuito de abrandar as crises
decorrentes das relações capital-trabalho, instituiu-se uma série de seguros sociais,
como o seguro-doença, que era coberto por subsídios das partes diretamente
envolvidas e do Estado. Em seguida, no ano de 1884, igualmente custeados pelos
empregados, empregadores, e pelo Estado, o seguro contra acidentes do trabalho, e
em 1889 o seguro contra a invalidez e a velhice.
Na França, em 1898, era estabelecida a lei de assistência à velhice e a favor
dos acidentados no trabalho, e não distante, a Carta Encíclica “Rerum Novarum”, de
Leão XIII, datada de 1891, na qual a preocupação com a previdência social, dentre
outras questões relativas ao trabalho, era evidente.
No Brasil, de acordo com a legislação atual, na hipótese de um determinado
empregado encontrar-se debilitado para exercer sua função laboral por qualquer
motivo relacionado à saúde, o empregador terá que aguardar o retorno do mesmo,
após alta médica, para, assim, poder promover, se for o caso, os atos rescisórios.
Enfim, reconhece-se que as preocupações e definições relativas a acidentes
e doenças dos trabalhadores sempre tiveram uma análise genérica, de forma que a
intenção não é, meramente, a segurança dada àqueles que sofrem com acidentes
do trabalho e indisposições profissionais, mas, primeiro, as eventuais garantias que
poderiam advir a um trabalhador acometido de enfermidade mórbida, que não
estivesse relacionada ao seu trabalho.
Dessa forma, têm-se que as hipóteses de afastamento do empregado por
motivo de saúde podem se dar devido a acidentes do trabalho, doenças
profissionais, ou acidentes e doenças não relacionadas ao mesmo, conforme elucida
46
Artigo 19, Lei nº. 8.213 de 1991, Vade Mecum Rideel, 8ª Edição - 2010.
38
o artigo 476, CLT, passando a conferir ao obreiro a mesma proteção social perante a
evolução legislativa.47
47
GUALAZZI, 2005. P. 21.
39
2- A AIDS NO AMBIENTE DE TRABALHO
As moléstias da saúde sempre se fizeram presentes na história da
humanidade. Registros da Antiguidade demonstravam preocupação com as doenças
endêmicas, onde certas doenças estavam habitualmente presentes entre os
membros da população, restrita a uma determinada área e com caráter temporal
ilimitado, entre as quais incluem-se resfriados, pneumonias, febres maláricas e
inflamações nos olhos. Quando surgiam grandes números de casos de
enfermidades em um curto período de tempo, eram chamadas de epidêmicas.
No contexto do Direito do Trabalho, são poucas as menções à saúde do
trabalhador que aparecem na literatura médica da Grécia Clássica, embora as
doenças ocupacionais estivessem presentes, como pode-se depreender das
imagens de tocadores de flauta usando bandagem de couro em volta das bochechas
para evitar a dilatação excessiva.48
Na sociedade romana, as doenças ocupacionais também eram conhecidas,
principalmente a dos mineiros, sujeitos ao envenenamento por chumbo e a
doenças pulmonares, até mesmo antes de receberem a herança grega
relativa à medicina e à higiene. Roma conviveu com epidemias em vários
momentos históricos, uma delas a peste bubônica, destruidora do Império
Oriental, cuja gravidade só se assemelha à Peste Negra. O apreço dos
romanos pelo suprimento de água e pelo destino da água de esgoto
provavelmente foi responsável pela prevenção da disenteria e da febre
tifóide. Com a queda do Império Romano, as instalações higiênicas das
cidades acabaram sendo destruídas, mas o legado greco-romano foi
preservado na Roma oriental e nos mosteiros bizantinos.49
Na Idade Média, a saúde era tratada com desleixo, e quase sempre
designavam a doença como um castigo divino. Graças à falta de higiene, a morte
vinha antecipadamente e 1/3 das crianças morriam antes de completar um ano de
idade. 50
A primeira grande epidemia foi a Peste de Justiniano, em 543 d. C., assim
chamada por ter-se iniciado no Império bizantino, ao tempo do Imperador Justiniano.
Espalhou-se pelos países asiáticos e europeus, e ao atingir Constantinopla, capital
48
BARROS, 2009. p. 1189
BARROS, 2009, p. 1189
50
SEVALHO, Gil. Uma Abordagem Histórica das Representações Sociais de Saúde e Doença. 1993.
49
40
do Império Romano do Oriente, chegou a causar cerca de 10.000 mortes por dia,
acabando por matar 40% da população da cidade. Em meados do séc. XIV ocorreu
a Peste Negra. Recebeu esse nome devido as manchas escuras que apareciam na
pele dos enfermos. Como em outras epidemias, teve início na Ásia Central,
espalhando-se por via terrestre e marítima em todas as direções. Chegou a causar
cinco milhões de mortes na Mongólia e no norte da China. 51
Entretanto, de todas as doenças, a lepra foi a que despertou maior temor,
quando ganhou grande proporção epidêmica nos séculos XIII e XIV. Nesse período,
a Igreja Católica perseguiu os leprosos, estimulando a população a fazer o mesmo.
A moléstia, que até então não possuía tratamento, provocava deformações físicas e
causavam asco e medo. A lepra foi envolvida em uma série de mitos, a cerca de
suas formas de contágio e do perigo que os doentes representavam para os sadios.
O medo da população e a vontade da Igreja Católica de manter a sociedade livre
dos leprosos fizeram estes serem segregados e confinados em leprosários. A
doença era associada à perversão sexual, pois o Antigo Testamento afirma que as
doenças de pele são pecados que afloram, portanto, além do perigo do contágio
físico, havia o perigo do ‘contágio moral’.
As instruções para os leprosos eram minuciosas. Não podiam entrar em
igrejas, hospedarias ou casas, não podiam tocar objetos de uso comum sem luvas,
tinham de usar uma vestimenta especial e carregar matracas ou sinetas que
anunciassem sua presença. Diversas leis foram criadas com a ideia de garantir a
segurança da população sadia; o regulamento dos leprosários era repleto de
tentativas de mantê-los o mais longe possível do resto da sociedade. 52
Talvez o temor e a estigmatização social que outrora existiram em relação a
lepra sejam muito semelhantes ao que hoje se tem demonstrado no tocante
à AIDS, vista como “o mal que discrimina” A desinformação sobre a doença
é, provavelmente, a principal causa dos preconceitos. Frequentemente a
imprensa nacional noticia casos em que o doente é expulso de casa, da
escola, da organização social da empresa e do emprego, e houve até
mesmo situações em que médicos se negaram a operar o doente, por
temor. 53.
51
Peste negra. Guia de Medicina e Saúde ASSIM VIDA. Disponível em:
http://www.assimvida.com.br/artigo.aspx?id=129. Acesso em 07 outubro 2010.
52
NEMMEN, Lis Pavin. Lepra, Perseguição e Segregação na Idade Média. 2004.
53
BARROS, 2009, p. 1189.
41
Como bem exposto supra, aqueles que são portadores de AIDS sofrem
discriminação como aqueles que também são acometidos por outras doenças
estigmatizantes.
Contudo,
tal
comportamento
dá-se,
principalmente,
pelo
desconhecimento sobre o assunto, sendo necessário, a partir deste momento,
aprofundar-se e conhecer-se um pouco mais sobre o que é e o que representa a
AIDS.
2.1- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS HIV
Inicialmente, cabe aqui tecer uma breve consideração entre os conceitos de
doença lato sensu e doença infecto-contagiosa. Do léxico, doença vem definida
como sendo a “denominação genérica de qualquer desvio do estado normal;
conjunto de sinais e/ou sintomas que têm uma só causa, moléstia”. Quanto à
terminologia ‘infecto-contagiosa’, diz-se “que produz infecção e se propaga por
contágio”.54
Desse modo, evidencia-se, a princípio, que a AIDS não se enquadra como
doença infecto-contagiosa, por ter seus meios próprios de infecção, os quais serão
abordados à frente, e sim como infecto-transmissível. A doença infecto-contagiosa
transmite-se também pelo ar, assim como a gripe e a tuberculose, o que não ocorre
com o HIV/AIDS.
Numa análise mais técnica, o HIV - human imunodeficiency virus - é uma
espécie de retrovírus identificado como sendo o causador da AIDS ou SIDA síndrome da imunodeficiência adquirida. A doença recebeu este nome por que, uma
vez infectada a pessoa, o seu sistema imunológico não mais pode proteger-lhe o
corpo, facilitando o aparecimento de infecções oportunistas e/ou neoplasias.
Pesquisas realizadas entre 1983 e 1985 revelaram, porém, a existência de dois
grupos distintos de HIV, o HIV-1 e o HIV-2, o qual apresenta uma taxa de replicação
menor e, por isso, pode ser considerado como uma versão mais “lenta” do HIV-1, o
mais conhecido no Brasil.
O fato de o HIV ser um retrovírus, isto é, de não possuir DNA, sendo
constituído apenas de RNA simples, torna difícil, senão impossível, o combate da
infecção, devido ao constante processo de mutação sofrido a partir do momento em
54
Dicionário Novo Aurélio Século XXI. 3ª Edição, Ed. Nova Fronteira, 1999. P.701 e 1107.
42
que o HIV invade as células do organismo humano, processo denominado de
retrotranscrição. Por sua vez, os linfócitos T - células do sistema imunológico reagem atacando a infecção, entretanto, depois de um tempo, que pode variar entre
meses ou anos, o HIV acaba destruindo estas células, comprometendo a
capacidade do sistema imunológico de defender-se de infecções oportunistas, tais
como a tuberculose, a candidíase, o linfoma, etc.
Não se sabe ao certo sua origem, tendo sido os primeiros casos
diagnosticados nos primeiros anos da década de 80. Atualmente sustenta-se que o
HIV não se transmite pelo ar, nem pela ingestão de comida ou contato social (abraço
ou aperto de mãos), mas mediante contato sanguíneo ou sexual, através dos fluidos
corporais, e pelo contato materno-filial, abrangendo o processo da gravidez, desde o
momento do parto à alimentação por leite materno. 55
Corria o ano de 1981. Desde fins do ano anterior a ocorrência de alguns
casos de pneumocistose e Sarcoma de Kaposi intrigavam alguns médicos
nos Estados Unidos. Acometendo pessoas jovens e previamente saudáveis,
estes casos estavam completamente fora do padrão habitualmente
esperado das duas doenças. Uma característica das pessoas acometidas,
contudo, chamava a atenção dos profissionais: eram todos homossexuais
masculinos. Artigos são publicados informando sobre estes agregados de
casos, outros são descobertos, e a ocorrência dos mesmos atrai a atenção
da imprensa, que começa a repetir a expressão "câncer gay" em seus
relatos. A comunidade gay norte americana, especialmente em Nova York e
São Francisco, reage rapidamente à dupla ameaça: por um lado, algo
parece de fato estar acometendo os seus membros; por outro, a onda de
discriminação ameaça as conquistas de direitos civis duramente alcançadas
na década anterior.
A partir da infecção pelo vírus HIV, o sistema imunológico começa a ser
atacado. É nesta primeira fase, denominada de infecção aguda, que ocorre a
incubação do vírus, ou seja, o período de exposição ao vírus até o aparecimento dos
primeiros sinais da doença. Esse período pode variar entre 3 a 6 semanas.
O
organismo inicia a produção de anticorpos por volta da 8ª semana. Nesta etapa,
os sintomas são semelhantes aos de uma gripe, como febre e mal-estar, passando
despercebidos, na maioria das vezes.56
A fase assintomática, subseqüente à infecção, é marcada pelo forte combate
entre as células de defesa e as constantes e rápidas mutações do vírus. Contudo,
55
VALENTIM, João Hilário. AIDS e relações de trabalho. Ed. Impetus, 2003. p. 27
Ministério da Saúde. Informações sobre a AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br Acesso em
5 outubro 2010
56
43
tem esse nome justamente porque o organismo não se enfraquece o suficiente para
permitir o surgimento de novas doenças, graças ao equilíbrio entre os números de
vírus que amadurecem e morrem. Esta ação do organismo em defesa do corpo pode
durar entre 8 a 10 anos, estando sujeito a alterações devido à saúde e aos cuidados
do soropositivo com o corpo e alimentação. Nesta etapa, somente exames de
sangue específicos são capazes de diagnosticar a infecção.57
Feitas estas considerações acerca do HIV, pode-se, neste passo, conceituar
a AIDS - sigla utilizada nos países ingleses e também adotada no Brasil - por sua
denominação popular: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA – pelo Vírus
da Imunodeficiência Humana – HIV, como sendo o estágio mais avançado da
infecção pelo HIV.
No Brasil, a AIDS tem se configurado como epidemia concentrada. No início
da década de 1980, a epidemia atingiu principalmente os usuários de drogas
injetáveis, homossexuais do sexo masculino e outros homens que, eventualmente,
faziam sexo com outros homens, assim como os indivíduos que receberam
transfusão de sangue e hemoderivados. Já nos últimos anos da década de 1980 e
início dos anos 1990, a epidemia assumiu um perfil diverso. A transmissão
heterossexual passou a ser a principal via de transmissão do HIV, a qual vem
apresentando
maior
tendência
de
crescimento
em
anos
mais
recentes,
acompanhada de uma expressiva participação das mulheres na dinâmica da
epidemia. Os últimos anos são marcados também pelo processo de interiorização e
pauperização da epidemia. Passou dos estratos sociais de maior escolaridade para
os menos escolarizados.58
De 1980 a junho de 2007 foram notificados 474.273 casos de AIDS no País
– 289.074 no Sudeste, 89.250 no Sul, 53.089 no Nordeste, 26.757 no
Centro Oeste e 16.103 no Norte. No Brasil e nas regiões Sul, Sudeste e
Centro Oeste, a incidência de AIDS tende à estabilização. No Norte e
Nordeste, a tendência é de crescimento. Segundo critérios da Organização
Mundial de Saúde (OMS), o Brasil tem uma epidemia concentrada, com
taxa de prevalência da infecção pelo HIV de 0,6% na população de 15 a 49
anos.59
57
Ministério da Saúde. Sintomas e fases da AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br Acesso em
28 outubro 2010
58
Ministério da Saúde. História da AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br Acesso em 28
outubro 2010.
59
Ministério da Saúde. Informações sobre a AIDS. Disponível em :http://www2.aids.gov.br Acesso em
28 outubro 2010
44
Há alguns anos, receber o diagnóstico de AIDS era praticamente uma
sentença de morte. Atualmente, porém, a AIDS vem sendo considerada uma doença
de perfil crônico. Isto significa que é uma doença que não tem cura, mas tratamento,
permitindo a uma pessoa infectada pelo HIV poder viver por um longo período, sem
apresentar nenhum sintoma ou sinal.
Isso tem sido possível graças aos avanços tecnológicos e às pesquisas, que
propiciam o desenvolvimento de medicamentos cada vez mais eficazes. Deve-se,
também, à experiência obtida ao longo dos anos por profissionais de saúde. Todos
estes fatores possibilitam aos portadores do vírus uma sobrevida cada vez maior
bem como uma melhor qualidade.60
Por mais que se tenha evoluído em relação à qualidade de vida dos
portadores de HIV, desde a descoberta da doença, é fato incontroverso que, em
relação à AIDS, nada é tão importante quanto a prevenção. Afinal, a falsa ideia dos
denominados ‘grupos de risco’, como homossexuais, usuários de drogas injetáveis,
etc., deu lugar ao conceito de ‘comportamento de risco’. O que se observa, com o
passar dos anos, é que não importa a que grupo pertença a pessoa, mas a sua
atitude perante situações que envolvem riscos, basicamente, manter relações
sexuais sem preservativo, compartilhar seringas, ou seja, o risco tem a dimensão da
consciência de cada um.61
Dito isso, é inegável àqueles que convivem com HIV, o livre acesso a saúde,
que em seu caso específico, essa segurança, dada pela Lei Maior, é sinônima do
direito à própria vida, garantindo-lhes a dignidade humana e a não discriminação.
2.2 A REPERCUSSÃO DA MOLÉSTIA NO MUNDO DO TRABALHO
A AIDS recebeu atenção mundial com uma magnitude extraordinária,
atemorizando a todos e causando insegurança nos vários setores da atividade
humana. Tal situação manifestou-se, também, de forma acentuada no campo das
relações de trabalho, agravada pela globalização, impondo aos empresários a
redução do custo da mão-de-obra.
60
Ministério da Saúde. Informações sobre a AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br/ Acesso
em 16 outubro 2010
61
BARBOSA, Magno Luiz. AIDS - O Direito e Algumas Reflexões Sobre seu Impacto nas Relações
de Emprego. Ed. Juruá. P. 28
45
No ano de 1993, há mais de uma década, o autor Oscar Ermida Uriarte, já
indicava algumas repercussões da AIDS no Direito do Trabalho, a saber:
Por una parte, es común decir que el Sida afecta, preponderamente, a
personas em edad laboralmente activa: alredador del 90% de los infectados
por el virus de inmunodeficiencia humana (VIH) forman parte de la PEA o
están en edad de integrarla.
Por otro lado, esta misma constatación instala, en materia específica de
Sida, toda la problemática propia de la relación entre salud y trabajo;
ausentismo, productividad, costos laborales, costos de la seguridad social
etc.
Al mismo tiempo, si salimos del campo estadístico y economicista para
ingresar en otro más humano y social, se constata que el lugar de trabajo y
el sindicato son ámbitos apropiados para llevar adelante parte de la labor de
difusión e información que se reconoce como esencial para la prevención
del mal em cuestión.
Finalmente, pero como punto más importante desde nuestro punto de vista,
cuando el Sida es analizado en el marco de las relaciones laborales,
aparecen en juego varios derechos fundamentales: el derecho ao trabajo, a
la no discriminación, a la salud.62
Trata-se, aqui, de definir aqueles que são mais vulneráveis à epidemia de
AIDS. Fala-se, em média, que 90% das pessoas contaminadas com o HIV, ditas
soropositivas, integram a PEA - População Economicamente Ativa - camada da
população composta por jovens e adultos que se encontram inseridos no mercado
de trabalho e podem gerar renda.
Tão elevado contingente, evidentemente, repercute no âmbito laboral, à
exemplo da perda de mão-de-obra qualificada e dos impactos nos orçamentos
previdenciários, devidos aos aumentos do número de benefícios a serem pagos,
dentre outros.
O HIV/AIDS é questão relacionada com o local de trabalho e deveria ser
tratada como qualquer outra doença/problema grave no local de trabalho. Isso é
necessário não só porque afeta a força de trabalho, mas também porque o local de
trabalho, sendo parte da comunidade local, tem papel a desempenhar na grande luta
para conter a disseminação e os efeitos da epidemia.
Ressalte-se que dados da OMS estimam que, em dezembro de 2008,
existiriam no mundo cerca de 33,4 milhões de pessoas portadoras do vírus HIV,
62
URIARTE, Oscar Ermida. AIDS e Direito do Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho, São
Paulo, nº. 83, p. 48, set/1993 Apud. VALENTIM, 2003, p. 29
46
compreendendo nesse montante nada menos que 31,3 milhões de adultos, dos
quais 0,1 a 0,5% encontrar-se-iam no Brasil.63
No campo empresarial, nota-se que se o candidato ao emprego/empregado
vir a apresentar-se como sendo soropositivo ao empregador ou aos outros
funcionários, certamente estará sujeito à discriminação. O que se percebe no
cotidiano é que, quando a maioria das pessoas tem conhecimento de que uma
pessoa é portadora do HIV, adotam-se, instintivamente, alguns cuidados, que, na
verdade, em nada vão diminuir ou aumentar o risco de contágio.64
Existem aqueles que defendem a restrição ao Direito do Trabalho por parte do
portador de HIV, declarando a temerariedade de este transmitir o vírus para os
demais, porém, esta afirmação não se faz correta, a partir do conhecimento das
reais formas de infecção da doença.
No que tange à educação, ao desporto e ao trabalho, o argumento que
garante aos soropositivos o acesso e/ou a prática de exercício é o da
impossibilidade de contágio durante o relacionamento social (omissis)
É impossível, pois, o contágio no cotidiano, nas relações de trabalho, no
estudo, no lazer. É incabível, portanto, qualquer limitação ao desempenho
dessas atividades. Não existe razão de ser. Falta justificativa, a não ser que
se assumam como motivo o preconceito, o castigo por um comportamento
que se considera imoral. (omissis)
Cabe acrescentar a respeito do relativo à possibilidade e acesso ao trabalho
que, em gera, a SIDA não reduz a capacidade de a pessoa cumprir com as
obrigações resultantes do contrato de labor.65
Corroborando este entendimento, Maria Helena Diniz, em sua obra sobre o
biodireito, afirma que a sorologia positiva para o vírus HIV “não acarreta, em regra,
prejuízo da capacidade laborativa de seu portador, nem risco no convívio
profissional, porque para o controle da infecção bastaria correta informação e
procedimento preventivo pertinente.”66
Do ponto de vista do empregado portador de AIDS, a integração social e o
convívio num ambiente socialmente receptivo, acolhedor e sensível aos seus
problemas e necessidades, aonde não experimente a sensação da discriminação,
são de grande valia no tratamento da enfermidade.
63
World Health Organization. Data and Statics. Disponível em:
http://www.who.int/hiv/data/en/index.html Acesso em 26 outubro 2010
64
GUALAZZI, 2005, p.32
65
RUDNICKI, Dani. AIDS e direito: Papel do estado e da sociedade na prevenção da doença. Livraria
do Advogado, 1996, apud. VALENTIM, João Hilário.
66
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. Ed. Saraiva, 2001. p. 192.
47
O ato de estar trabalhando, sentir-se integrado, respeitado e produtivo
colabora em muito para a manutenção da auto-estima da pessoa, auxiliando, assim,
no tratamento e, consequentemente, na salvaguarda do seu estado de saúde, além
de propiciar uma condição necessária para o provimento de seu sustento, sua
alimentação, ponto importante para o tratamento da AIDS, como já ressaltado.
Desta maneira, espera-se que o trabalho não seja uma circunstância
agravante da enfermidade, nem de exclusão social do portador do HIV ou do doente
da AIDS, mas sim, pelo contrário, que contribua para a eliminação do preconceito e
para a melhoria da condição de vida do enfermo, sendo um fator de efetiva inclusão
social.
Pode-se afirmar que, no caso do HIV/AIDS, infelizmente, a pior doença que
se verifica é a doença social, cabendo a todos eliminá-la.
2.3 - DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO DE EMPREGO DO PORTADOR
DE HIV
Após análise dos princípios fundamentais direcionados a todos os cidadãos,
tem-se como indispensável à apreciação daqueles mais relevantes, sob a ótica do
portador do vírus HIV. À parte o aspecto econômico e sob a égide do ordenamento
jurídico pátrio, subsistem os direitos e garantias fundamentais insculpidos, mormente
nos artigos 5º e 7º da Constituição Federal.
Sendo a vida o bem mais precioso do ser humano, é o mais fundamental e
precede aos demais, do que resulta ser pré-requisito à existência de todos os outros
direitos, protegido tanto no plano nacional quanto no internacional.
Para Alexandre de Moraes, o direito à vida há de ser considerado sob duas
acepções: uma relacionada ao direito de viver e continuar vivo - aspecto
biológico - e outra relacionada à existência de uma vida digna quanto à
subsistência. Assim, o direito à vida significa não só assegurar os meios
necessários à preservação da vida de todos, como também garantia das
condições para se viver com dignidade. Portanto, o direito à vida deve ser
entendido como “direito a um nível de vida adequado com a condição
humana”, o que implica o atendimento de vários direitos, como à
alimentação, ao vestuário, à saúde, à educação, à cultura e ao lazer, dentre
outros. Cabe ao Estado assegurar o direito à vida em toda a sua plenitude
e, ao fazê-lo, deve proceder de modo a respeitar os princípios fundamentais
da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, considerando-se, ainda, os objetivos
fundamentais da República brasileira, que são os da construção de uma
48
sociedade livre, justa e solidária, que prime pelo desenvolvimento nacional,
prela redução das desigualdades sociais e regionais e pela erradicação da
pobreza e da marginalização.67
O direito à saúde é um direito fundamental do ser humano, indissociável do
direito à vida, como o é também o direito ao meio ambiente sadio e seguro.
Na legislação pátria brasileira, o direito à saúde é um dos direitos
fundamentais do cidadão, de natureza social, como dispões os artigos 6º e 196 da
Carta Magna. Pode-se sustentar, então, que o direito à saúde é uma inferência ao
direito à vida.
Numa sociedade competitiva como a capitalista, onde a sobrevivência está
diretamente relacionada à capacidade de produzir riqueza, ou seja, à
capacidade de trabalho da pessoa, a saúde é condição essencial para a
plena realização daquela, devendo o Estado garantir os meios de
manutenção desta, bem como de sua recuperação, assegurando o direito
ao tratamento, como condição de retorno ao estado de potência anterior.
Mas não só; na impossibilidade de concretização desse direito, deve o
Estado assegurar os meios de sobrevivência da pessoa, daí os direitos à
previdência e à seguridade social.68
De caráter indisponível e assegurado a todos, indistintamente, o direito à
saúde é um direito público subjetivo fundamental69, elencado na Carta Magna em
vários artigos, afirmando que a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doenças e de outros agravos e recuperação. Esses serviços e ações são de
relevância pública, competindo ao Estado dispor sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle.
Quanto ao meio ambiente, apesar de não figurar expressamente presente no
rol dos direitos sociais, tem-se que o inciso XXII do artigo 7º, CF, assegura ao
trabalhador um ambiente de trabalho seguro e higiênico70. Na mesma visão, se faz
presente no artigo 225, inserido no Título VIII - Da Ordem Social, a previsão de um
meio ambiente ecologicamente equilibrado, visando à sadia qualidade de vida,
67
MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. Ed. Atlas, 1998, p. 97. Apud
VALENTIM, 2003, p. 112.
68
VALENTIM, 2003, p. 111
69
CASTRO, Henrique Hoffman Monteiro de. Do Direito Público subjetivo a saúde. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6783 Acesso em 13 outubro 2010.
70
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social (...) XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança.
49
protegido pelo Poder Público e pela coletividade, no intuito de preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. 71
À semelhança de outras cartas constitucionais contemporâneas, foi
reconhecida a dignidade da pessoa humana como fundamento da República
Federativa do Brasil - art. 1º, inciso III - expressando, assim, sua importância,
consagrada como valor nuclear da ordem constitucional e, portanto, da nossa
sociedade. O fundamento desta dignidade não se esgota ou se limita apenas na
dimensão material, econômica ou social do homem. Há que ser considerada,
também, a dimensão psíquica e espiritual, voltada para o transcendente,
indissociável de sua natureza.
Quanto à substância do princípio, Fábio Konder Comparato afirma que a
dignidade da pessoa consiste não só no fato de ela “ser considerada e
tratada como um fim em si mesma e nunca como um meio”, bem como de
sua “vontade racional”, condição que lhe propicia vivem em “condições de
autonomia”, ou seja, ser capaz de guiar-se pelas leis que edita, decorrendo
daí, como assinalou o filósofo alemão Kant, que todo homem tem dignidade
e não um preço, como as coisas. A humanidade, como espécie, e cada ser
humano, em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem
equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma.72
Orlando Teixeira da Costa pondera sobre o fato de o homem ser tratado como
coisa na relação de trabalho, o que não convêm, por tratar-se de afronta grave ao
princípio da dignidade humana. Dessa forma, assevera que o obreiro não pode ser
visto como objeto, nem receber o tratamento dado a um instrumento ou a máquina.
Contudo, na atualidade, o que se vê é a preponderância das considerações
econômicas, tornando novamente à visão de que os trabalhadores são ‘recursos
humanos’, ou, ainda, ‘capital humano’. Aquele que trabalha, quando considerado
como capital, acaba sendo aceito como um bem econômico suscetível de ser
aplicado na produção. Em outras palavras, é material de uso, avaliado em dinheiro e
componente de um custo. Tal concepção não se faz compatível com o conceito, a
enunciação e o propósito dos instrumentos nacionais e internacionais que veem no
trabalhador uma pessoa humana plenamente revestida de dignidade.73
71
Art. 225, CF/88 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
72
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos fundamentais, 2001. Apud.
VALENTIM, 2003. p. 116
73
VALENTIM, 2003. p. 119
50
Portanto, deve-se ter como premissa básica que o ser humano precede ao
Direito e à organização dos Estados, justificando-se em razão dele mesmo, e não o
contrário. O princípio da dignidade humana não só deve servir de exemplo ao
Direito, à ação do Estado e ao comportamento humano, como também deve servir
de fonte inibidora de todos os atos atentatórios e ofensivos à humanidade.
Inscrito no caput do art. 5º da Carta Constitucional74, está o princípio da
igualdade, amalgamado com vários outros direitos. Como princípio constitucional,
deve nortear a interpretação e a aplicação de todos os preceitos infraconstitucionais,
sendo certo que nem o Estado, nem os particulares podem, no exercício de suas
funções, afastarem-se das diretrizes impostas pelo princípio da isonomia.
Deve-se, contudo, buscar não somente esta aparente igualdade formal
(consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade
material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso
porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se
uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas
75
formalizada perante a lei.
Em diferentes passagens, a Constituição Brasileira ocupa-se em aprofundar a
regra da isonomia material, no entanto, simultaneamente, o próprio constituinte
estabeleceu certas desigualdades, como, por exemplo, em relação a homens e
mulheres, na sua igualdade em direitos e obrigações, destacando-se o inciso L,
artigo 5º, que enuncia condições especiais às presidiárias para que possam
permanecer com os seus filhos durante o período de amamentação76; incisos XVIII e
XIX, artigo 7º, que diferenciam a licença-maternidade e a licença-paternidade,
respectivamente, entre outros.77
Somente afirmar que todos são formalmente iguais perante a lei é
insuficiente, visto que, de fato, existem desigualdades materiais entre as pessoas.
Percebeu-se que uma intervenção era necessária para amenizar as desigualdades
existentes na sociedade. Diante desta realidade, o princípio da igualdade foi
devidamente atualizado, prevendo a adoção de mecanismos de intervenções para
74
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
75
LENZA, 2005. p. 472
76
Art. 5º, L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus
filhos durante o período de amamentação.
77
Art. 7º, XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e
vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei.
51
compensar juridicamente os mais desfavorecidos, possibilitando, assim, uma
igualdade mais próxima da ideal. Estas compensações jurídicas estão traduzidas
nos mecanismos das discriminações positivas ou ações afirmativas.
Da análise do princípio da igualdade em contraposição com o princípio da
diferença que dele se extrai, pode-se dar contornos mais amplos que o da proteção,
em sua definição mais ampla, exatamente por assegurar ao seu destinatário um
direito a ser tratado de modo diverso, sem que isso ofenda o princípio da igualdade.
Temos como certo que a atual realidade do portador do vírus da AIDS, em
nossa sociedade, está a justificar a afirmação desse princípio, em especial
nas relações de trabalho subordinado, posto que se faz necessário dar a
esse trabalhador uma proteção diversa daquela dada aos demais
trabalhadores que se encontrem enfermos. Regra geral, as doenças, sejam
laborais ou não, não estigmatizam os enfermos de modo tão severo e
contundente como o faz, ainda hoje, a AIDS, que, mesmo com todo o
avanço dos medicamentos e dos tratamentos, mesmo com a certeza de que
não existem grupos de risco, mas sim comportamentos de risco, e que a
doença não está relacionada à homossexualidade, à prostituição, à
depravação, às drogas, ao pecado, ainda assim, continua sendo pretexto
78
para discriminação, humilhação e preconceito.
O conceito de pessoa é inconciliável com a desigualdade constantemente
presente na sociedade entre os semelhantes. A tutela legal do direito à igualdade
passa, normalmente, pela declaração de inconstitucionalidade dos preceitos que a
violem no domínio privado, compelindo aquele que praticar atos discriminatórios em
razão de raça, estado civil, religião, sexo, orientação sexual, convicção filosófica,
política e social, entre outros, a obrigação de indenizar.
Discriminação compreende qualquer outra distinção, exclusão ou
preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de
oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que
poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as
organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando
estas existam, e outros organismos adequados. 79
Considera-se, assim, a não discriminação como, possivelmente, a mais
expressiva manifestação do princípio da igualdade, cuja importância, como valor
constitucional, serve de referência do ordenamento jurídico brasileiro, como
conjunto. O principio da não discriminação, presente no art. 7º, CF, proíbe a
diferença de critérios de admissão, de exercício de funções e salários por motivo de
78
VALENTIM, 2003, p. 127
Convenção Internacional n°. 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho, sobre
Discriminação no Emprego e na Ocupação. Ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Dec. N°.
62.150/68.
79
52
sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX), ou critérios de admissão e de salários
em razão de deficiências físicas (inciso XXXI) e, bem assim, que se distinga, na
aplicação das normas gerais, entre os respectivos profissionais (XXXII).
O comportamento discriminatório poderá ocorrer em qualquer etapa do curso
do contrato de trabalho e também na dissolução do pacto laboral. As razões que
podem incentivar tal conduta são diversas, tais como sentimento de superioridade;
antipatia ou preconceito; ignorância; temor; intolerância, abragendo fatores de cunho
psicossocial, educacional ou econômico.
O combate à discriminação no trabalho humano está, portanto, inserido no
princípio constitucional da isonomia.
A tutela antidiscriminatória no Brasil desenvolve sua virtualidade nos incisos
IV, VI, VIII e XVII do artigo 5° e no artigo 7°, XXX e XXXI, da Constituição da
80
República de 1988 . Não basta, entretanto, promulgar leis contra atos
discriminatórios, é necessário, principalmente, combater as causas. Seu
combate exige educação, informação e sensibilização. O fato de a
discriminação ser uma injustiça já é uma razão suficiente para condená-la.81
Sem dúvida, a discriminação é a reação social mais grave que acompanha os
portadores ou supostos portadores do vírus HIV. São atitudes edificadas no medo
irracional daqueles que integram a sociedade, decorrentes de ideias preconcebidas
que veem a demonstrar uma falta de conhecimento acerca das formas de contato.
De forma a colaborar com tal entendimento, foi elaborada e aprovada pela
ENONG - Encontro Nacional de ONG’s que Trabalham com AIDS- no ano de 1989,
em Porto Alegre - RS, uma Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa
Portadora do Vírus da AIDS.
80
Art. 5°-Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...). IV- é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato; VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias; VIII- ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; XVII- é plena a liberdade de
associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; e Art. 7°- São direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXX- proibição de
diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade,
cor ou estado civil; XXXI- proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência. Ambos da Constituição Federal de 1988.
81
BARROS, 2009. p. 1131.
53
I - Todas as pessoas têm direito à informação clara, exata, sobre a AIDS.
Os portadores do vírus têm direitos a informações específicas sobre sua
condição.
II - Todo portador do vírus da AIDS tem direito à assistência e ao
tratamento, dados sem qualquer restrição, garantindo sua melhor qualidade
de vida.
III - Nenhum portador do vírus será submetido a isolamento, quarentena ou
qualquer tipo de discriminação.
IV - Ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das
pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/AIDS, qualquer que
seja sua raça, nacionalidade, religião, sexo ou orientação sexual.
V - Todo portador do vírus da AIDS tem direito à participação em todos os
aspectos da vida social. Toda ação que tende a recusar aos portadores do
HIV/AIDS um emprego, um alojamento, uma assistência ou a privá-los
disso, ou que tenda a restringi-los à participação nas atividades coletivas,
escolares e militares, deve ser considerada discriminatória e ser punida por
lei.
VI - Todas as pessoas têm direito de receber sangue e hemoderivados,
órgãos ou tecidos que tenham sido rigorosamente testados para o HIV.
VII - Ninguém poderá fazer referência à doença de alguém, passada ou
futura, ou ao resultado de seus testes para o HIV/AIDS sem o
consentimento da pessoa envolvida. A privacidade do portador do vírus
deverá ser assegurada por todos os serviços médicos e assistenciais.
VIII - Ninguém será submetido aos testes de HIV/AIDS compulsoriamente,
em caso algum. Os testes de AIDS deverão ser usados exclusivamente
para fins diagnósticos, para controle de transfusões e transplantes, e
estudos epidemiológicos e nunca qualquer tipo de controle de pessoas ou
populações. Em todos os casos de testes, os interessados deverão ser
informados. Os resultados deverão ser informados por um profissional
competente.
IX - Todo portador do vírus tem direito a comunicar apenas às pessoas que
deseja seu estado de saúde e o resultado dos seus testes.
X - Toda pessoa com HIV/AIDS tem direito à continuação de sua vida civil,
profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ação poderá restringir seus direitos
completos à cidadania.82
É indispensável que o trabalhador portador do vírus ou o doente de AIDS
tenha condições de viver sua realidade de modo diverso, podendo adaptar sua vida
profissional, sem passar pelo constrangimento da benesse patronal, sem a
obrigação de justificar-se perante os colegas ou de receber deles manifestações de
desagrado. Ao criarem-se condições favoráveis para que ele possa trabalhar e
produzir de modo adequado à sua saúde manifesta-se o direito à diferença.
O direito à intimidade é um direito fundamental da pessoa, o qual se destina a
proteger a privacidade em seus múltiplos aspectos, sejam eles pessoais, familiares
ou negociais. Com este direito, obsta-se a inserção de estranhos na esfera privada
ou íntima da pessoa, “protegendo-se, dentre outros, os seguintes bens:
82
Ministério da Saúde. Manual de adesão ao tratamento para pessoas vivendo com HIV e AIDS.
2008, p. 31.Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_adesao_tratamento_hiv.pdf. Acesso em 14
outubro 2010.
54
confidências, dados pessoais, memórias, relações familiares, vida conjugal e
saúde”.83 Seu conceito é mais restrito do que o direito à privacidade, sendo ambos
consagrados em preceitos constitucionais constantes do artigo 5°, inciso X.84
É direito de natureza negativa, pois se expressa pela não exposição a
conhecimento de terceiro de elementos particulares da esfera reservada da pessoa.
Entretanto, é possível que a pessoa disponha desse direito, devendo, para tanto,
manifestar-se de modo expresso e delimitado. O direito à intimidade, por ser direito
personalíssimo “é inato, essencial, absoluto, imprescritível, extrapatrimonial e
oponível erga omnes”.85
Poderá ensejar ressarcimento por dano moral em face da violação ao direito à
intimidade a hipótese de pesquisarem-se os aspectos da vida pessoal do obreiro
sem que possuam relevância para a sua atividade laboral.
A inserção do empregado no ambiente de trabalho não lhe retira os direitos
da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie. Faz-se
inadmissível que a ação do empregador se amplie a ponto de ferir a dignidade da
pessoa humana.
Em países como Alemanha, Espanha, França e EUA já existem legislações
tratando sobre a discriminação no ambiente de trabalho, notadamente por motivo de
ser o trabalhador portador do vírus HIV e nas quais se preveem, inclusive, a
reintegração de um empregado dispensado por ser portador de AIDS, ou mesmo por
outro
motivo
congênere,
que
implique
na
demonstração
da
dispensa
discriminatória.86
A proteção da vida privada e da intimidade do trabalhador assume especial
relevância em relação ao empregado portador do vírus HIV ou ao doente de AIDS,
assegurando-lhes, por exemplo, o direito de não terem a sua condição de
soropositivo revelada a terceiros, inclusive ao empregador, se assim não desejarem;
de não serem inquiridos sobre suas vidas pessoais, sua condutas sexuais; de não
terem divulgados os resultados dos exames, solicitados pelo médico da empresa.
83
VALENTIM, 2003 p. 136.
Artigo 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação.
85
VALENTIM, 2003, p. 136.
86
VALENTIM, 2003, p. 168
84
55
Estes direitos dos soropositivos e dos doentes de AIDS veem sendo
afirmados em diversos documentos de cunho internacional, principalmente
provenientes da Organização Internacional do Trabalho e da Organização Mundial
de Saúde, os quais serão abordados adiante.
2.4 - DECLARAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE E ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO SOBRE A AIDS.
Desde sua criação, a Organização Internacional do Trabalho vem pontuando
acerca dos problemas relacionados à realidade laboral em seus vários aspectos, a
exemplo de segurança, higiene, saúde, organização e duração do trabalho,
remuneração, serviços de bem-estar social, discriminação no trabalho, meio
ambiente e condições de vida.
Desta forma, por meio de edição de Convenções Internacionais do Trabalho,
Recomendações, Resoluções e Declarações, versando cada uma sobre temas
variados a respeito do campo do trabalho, veem definindo princípios, direitos e
deveres a serem adotados e observados pelos Estados-Membros.
Dada à proporção que a epidemia da AIDS tomou perante o mundo
trabalhista, tema cada vez mais presente nas discussões e na agenda da
Organização, editaram-se Convenções tratando especificamente do tema.
Na cidade de Genebra, entre os dias 27 e 29 de junho de 1988, realizou-se
uma ‘Reunião Consultiva sobre AIDS no local de trabalho’, que, em parceria com a
Organização Mundial de Saúde e a Organização Internacional do Trabalho, houve,
pela primeira vez, uma manifestação oficial sobre o HIV/AIDS, dando-se início ao
Programa Mundial sobre a AIDS.87
Em razão dessa reunião, editou-se a ‘Declaração da Reunião Consultiva
sobre a AIDS e o Local de Trabalho’, na qual as Organizações Internacionais
envolvidas apresentaram suas orientações acerca do trato desta questão, no intuito
de proteger a dignidade e os direitos humanos tanto daqueles infectados pelo vírus
HIV quanto aqueles doentes de AIDS, quesito essencial para a prevenção e o
87
Oficina Internacional Del Trabajo. HIV/AIDS no Mundo do Trabalho: As Ações e a Legislação
Brasileira. 2002. Disponível em http://www.higieneocupacional.com.br/download/hiv-aids-oit.pdf
Acesso em 28 outubro 2010
56
combate da moléstia; proteger os soropositivos contra tratamentos discriminatórios
em âmbito laboral, devendo ser tratados como quaisquer outros trabalhadores e; o
tratamento igualitário entre aqueles enfermos pela AIDS e os com qualquer outra
enfermidade.
Tais princípios funcionam como uma recomendação aos Estados para a
adoção de procedimentos e políticas públicas no mesmo sentido, no âmbito nacional
ou no empresarial, dando oportunidade de ouvirem-se os interlocutores sociais, por
meio de seus sindicatos, os quais poderão sugerir medidas com vistas a combater
as discriminações e a oferecer salvaguardas, quando se fizerem necessários.
Infere-se, assim, que na grande maioria dos ofícios ou profissões e das
situações laborais, o trabalho não acarreta nenhum risco de contaminação ou
transmissão do vírus HIV, seja de um empregado para outro, seja de um empregado
para um cliente ou de um cliente para um empregado.
Foram definidos outros princípios, e como forma de organização, estes foram
diferenciados em duas partes, um referente àqueles que estão à procura de um
emprego, e outro, relacionado àqueles que já se encontram insertos no mercado de
trabalho.
Aos indivíduos que buscam emprego, não devem ser impostos, nem se
devem exigir, quando do processo de admissão, quaisquer dos procedimentos de
detecção prévia do vírus HIV/AIDS, vez que tal atitude poderia constituir-se em
prática discriminatória.
Quanto às pessoas que já se encontravam trabalhando, definiu-se que:
(a) não se deve exigir o exame para detecção do HIV/AIDS, seja por
métodos diretos ou indiretos;
(b) deve ser respeitado o caráter confidencial de toda informação médica,
inclusive sobre a situação do trabalhador em relação ao HIV/AIDS;
(c) o empregado não deve estar obrigado a informar ao seu empregador
sua situação em relação ao HIV/AIDS; o empregado deve ser protegido de
todo tipo de discriminação ou de ser estigmatizado no lugar de trabalho,
seja por parte de companheiros, trabalhadores, sindicatos, empregadores
ou clientes, constituindo a informação e a educação condições essenciais
para a manutenção do clima de confiança mútua, indispensável para o êxito
da proteção; os empregados e seus familiares devem ter acesso aos
programas de informação e educação sobre HIV/AIDS, bem como aos
meios adequados de assessoramento e consulta; os empregados
infectados não devem ser objeto de discriminação em razão de seu acesso
às prestações da seguridade social ou a outras prestações de natureza
trabalhista e/ou à sua percepção; o empregado deve ter direito à mantença
da relação de trabalho, vez que a infecção pelo HIV não é motivo para
cessar tal relação; o empregado deve ter direito à mudança das condições
de trabalho, quando necessárias, em razão da infecção, pois a infecção
57
pelo HIV/AIDS não proporciona, por si mesma, qualquer limitação à
capacidade de trabalho do empregado, porém se este se encontrar
debilitado, em decorrência de uma enfermidade relacionada com o HIV,
medidas devem ser tomadas, no sentido de promover as alterações
necessárias e razoáveis dessas condições, de modo a possibilitar a
continuidade da prestação de serviços pelo empregado portador do vírus
HIV/AIDS; e,
(d) em toda situação que exija primeiros socorros no local de trabalho,
precauções deverão ser adotadas para reduzir o perigo de transmissão de
qualquer infecção sangüínea.88
Em relação aos problemas referentes à qualidade e ao meio ambiente do
trabalho, a Organização passou, a partir de 1974, a abordá-la sobre um novo
ângulo, em razão da constatação de que, apesar da existência de inúmeras formas
de atuação da Organização neste campo, as condições de trabalho continuavam
sendo, para milhões de trabalhadores, inaceitáveis, porque perigosas, insalubres,
degradantes e indignas.89
Apurou-se, então, que com o envolvimento de empregados e empregadores
na preparação e aplicação das normas, havendo uma co-responsabilidade, garantirse-iam melhores resultados. Depreende-se desta melhoria nas condições do meio
ambiente do trabalho como um problema global, os quais diferentes fatores, que
além de influenciar o bem estar físico e mental do obreiro, configuram-se como um
todo e estão interrelacionados, devendo, portanto, serem enfocados, de forma a se
evitar falhas na avaliação e a possibilitar a explicação dos ensejos reais que tornam
agressivo o ambiente de trabalho.
Em abril de 2005, junto com a Organização Mundial da Saúde, a OIT
organizou a Reunião Tripartite de Especialistas para Elaborarem Diretrizes
Mistas da OIT/OMS sobre os Serviços de Saúde e o HIV/AIDS, em
Genebra. O objetivo das diretrizes é promover uma gestão coordenada do
HIV/AIDS nos serviços de saúde, incluída a prevenção e os riscos
profissionais, a fim de proporcionar aos trabalhadores um ambiente de
trabalho seguro, saudável e decente. Devem ainda servir de base à
formulação de políticas e como referência técnica a governos, organizações
de empregadores e de trabalhadores e a todos os demais grupos e órgãos
cujas responsabilidades e atividades estejam relacionadas com a prestação
de serviços de saúde.90
Assim, o local de trabalho torna-se o ambiente favorável para o
agenciamento de políticas e programas de prevenção e assistência às pessoas que
88
Oficina Internacional Del Trabajo. HIV/AIDS no Mundo do Trabalho: As Ações e a Legislação
Brasileira. 2002. Disponível em http://www.higieneocupacional.com.br/download/hiv-aids-oit.pdf
Acesso em 28 outubro 2010
89
VALENTIM, 2003. p. 151.
90
SOMAVIA, Juan. HIV-AIDS nos locais de trabalho. Disponível em:
http://www.oitbrasil.org.br/prgatv/prg_esp/hiv_aids.php Acesso em 25 outubro 2010
58
vivem com HIV/AIDS. Do mesmo modo que os retornos institucionais e empresariais
adaptam o tipo e a amplitude da informação repassada à população, o local de
trabalho pode ajudar a promover mudanças de atitudes e de comportamento em
relação à epidemia.
Ante esta situação, a Organização Internacional do Trabalho vem se
esforçando para transformar o local de trabalho em um catalisador dos esforços
empreendidos para impedir a disseminação do HIV e restringir seus efeitos
devastadores.
A OIT, a OMS e a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha elaboraram em
conjunto outro documento, denominado ‘Diretrizes sobre a AIDS e os Primeiros
Socorros no Local de Trabalho’, onde foram detalhados cuidados a serem tomados
na reanimação boca a boca de trabalhadores que porventura sofram uma
hemorragia, que recebam respingos de sangue, ou que venham a ter contato com
sangue na prestação de primeiros socorros, etc.
Posteriormente, em Windhoek, na Namíbia, África, no período de 11 a 13 de
outubro de 1999, a OIT realizou o ‘Seminário Regional Tripartite sobre Estratégias
para Abordar as Implicações Sociais e Trabalhistas do VIH/AIDS’. Nele aprovou-se a
‘Plataforma de Ação sobre HIV/AIDS no Contexto do Mundo do Trabalho na África’,
e definiram-se os valores comuns que deveriam nortear os futuros programas e
políticas a serem implementados e seus objetivos. Foi definido ainda um conjunto de
ações a serem praticadas, dentre as quais destacam-se:
(a) eliminar os comportamentos de discriminação e estigma em relação ao
HIV/AIDS, mediante a adoção e a aplicação das normas internacionais do
trabalho da OIT e das legislações nacionais de trabalho;
(b) fortalecer a capacidade dos interlocutores sociais para lutar contra a
pandemia;
(c) promover as oportunidades de ingresso no mercado de trabalho e de
emprego para as pessoas que vivem com HIV/AIDS e suas famílias (...);
(d) reforçar os sistemas de seguridade social e saúde no trabalho, para
proteger os grupos que correm mais risco; (e) formular e aplicar políticas
gerais e programas no mundo do trabalho (...);
(f) incluir as questões relativas ao HIV/AIDS na negociação de convenções
coletivas de trabalho.91
A Plataforma de Ação foi aprovada por unanimidade pelos Ministros do
Trabalho africanos, presentes à 9ª Reunião Regional Africana da OIT, realizada em
Abidjan, entre os dias 8 e 11 de dezembro de 1999. Nesse encontro, também foi
91
Plataforma de Ação sobre HIV/AIDS no Contexto do Mundo do Trabalho na África. Disponível em
www.higieneocupacional.com.br/download/hiv-aids-oit.pdf Acesso em 27 outubro 2010
59
aprovada uma ‘Resolução sobre o HIV e a AIDS no Contexto do Mundo do Trabalho
na África’.
A 88ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em
junho de 2000, aprovou a ‘Resolução sobre HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho’,
apresentada pelo Conselho de Administração da OIT. A Resolução exorta os
governos dos Estados-Membros e as organizações de empregados e empregadores
a:
(a) ampliar a conscientização nacional incluindo a participação de outros
grupos interessados, especialmente no âmbito do trabalho, com vistas a
eliminar o estigma e a discriminação a respeito do HIV/AIDS e a combater a
cultura de segregação e, deste modo, prevenir a propagação do HIV/AIDS;
(b) fortalecer a capacidade dos interlocutores sociais para o enfrentamento
da pandemia;
(c) reforçar os sistemas de segurança e saúde no trabalho a fim de proteger
os grupos de risco;
(d) formular e aplicar políticas e programas sócio-laborais que mitiguem os
efeitos da AIDS, e,
(e) proceder a uma mobilização eficaz dos recursos92
No decorrer da Conferência, foi realizada a ‘Reunião Especial de Alto Nível
sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho’, onde foi apresentado um relatório global
sobre o tema, elaborado pela Secretaria da OIT.93 Tal documento ressalta a
importância da função que a OIT deve exercer nesta situação, colaborando para a
consignação de uma aliança mundial para descobrir uma solução global para os
portadores de HIV/AIDS no mundo do trabalho, promovendo, assim, iniciativas
mundiais e, paralelamente, amparando as iniciativas a nível nacional e das
empresas.
Com esse intuito, foi criado, na ocasião, o Programa Mundial da OIT sobre
HIV/AIDS no Mundo do Trabalho, contendo instruções de cooperação técnica da
OIT, com a finalidade de implementar a aplicação da Resolução e das ações da OIT
sobre HIV/AIDS. Foi ainda celebrado um acordo de cooperação entre a OIT e o
UNAIDS - Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS.94
Em maio de 2001, foi realizada, na sede da OIT em Genebra, uma reunião
técnica internacional que contou com a participação de representantes de governos,
92
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho.
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010
93
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho.
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010
94
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho.
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010
60
organizações de empregadores e de trabalhadores. Aprovou-se nesta reunião o
‘Repertório de Recomendações Práticas sobre HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho’.
Esse documento foi lançado oficialmente pelo Diretor-Geral da OIT, em junho de
2001, por ocasião da Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas
sobre HIV e AIDS (UNGASSAIDS), realizada em Nova York, no período de 25 a 27
de junho de 2001.
Em 17 de junho de 2010, durante a 99ª Conferência Internacional do
Trabalho, votou-se a primeira norma internacional dos direitos humanos sobre
HIV/AIDS e o mundo do trabalho. A nova norma está em forma de Recomendação,
uma das classes de normas de trabalho que a OIT pode adotar. Ainda que se
diferencie de uma Convenção, pois não necessita ratificação, de acordo com o artigo
19 da Constituição da OIT, uma recomendação deve ser comunicada ao Parlamento
e devem ser discutidos os termos de sua implementação através de políticas e da
legislação nacional.95
Embora o debate sobre HIV/AIDS esteja bastante avançado no Brasil, a
proteção contra a discriminação no trabalho ainda é, na maioria das vezes, garantida
por ações judiciais. Com a aprovação da norma da OIT, a luta contra a
discriminação fica fortalecida, já que os governos terão que desenvolver políticas
que considerem a recomendação.
95
Disponível em espanhol: http://www.cut.org.br/sistema/ck/files/old/aids_norma_integra_175.pdf
61
3 - DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR COM AIDS
A ausência de informações acerca da enfermidade tem levado a episódios de
manifestações de preconceito e discriminação, situações ainda tão presentes na
atualidade, com inclusão das relações de trabalho subordinado. Trabalhadores
soropositivos ainda são preteridos nos processos de recrutamento de pessoal.
Muitas
vezes,
o
ambiente
de
trabalho
é
inadequado,
física
e
psicologicamente. Agentes químicos e biológicos nocivos à saúde, pressões por
produção, autoritarismo nas relações interpessoais, em especial entre chefias e
empregados, são uma constante. Um ambiente que deveria ser acolhedor revela-se,
na realidade, um palco de violações de direitos.
A relevância do cotejo deste princípio fundamental, à luz da problemática
relacionada à AIDS, reside na perspectiva instigadora de vislumbrar “possibilidades”
para a solução de eventuais conflitos de interesses, com fundamento nos princípios,
quando da ausência de norma, a regular os casos concretos, ou na utilização destes
como regra orientadora da aplicação de normas jurídicas.
O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar
desigualdades. Como dizia Couture: “o procedimento lógico de corrigir as
desigualdades é o de criar outras desigualdades”.
Enuncia o autor três importantes regras, resultantes do princípio geral de
proteção: a) In dúbio, pro operário, critério que deve utilizar o juiz ou o
intérprete, para escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma,
aquele que seja mais favorável ao trabalhador; b) Da norma mais favorável,
critério a ser usado no caso de haver mais de uma norma aplicável, quando
se deverá optar por aquela que seja mais favorável ao trabalhador, ainda
que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das
normas; c) Da condição mais benéfica, critério pelo qual a aplicação de uma
nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais
favoráveis em que se encontrava um trabalhador.96
Para o trabalhador portador do vírus HIV, a aplicação desse princípio assume
relevância ímpar, como nas hipóteses de alegada falta grave, praticada pelo
empregado, a justificar a rescisão de seu contrato, ou, na falta de robustez da prova
da discriminação, circunstâncias nas quais, mais do que nunca, o intérprete há de
valer-se das regras enunciadoras do princípio da proteção para decidir o conflito de
interesses.
96
GUALAZZI, 2005, p 135
62
Além deste, é necessário tratar-se do princípio da continuidade do emprego.
Este princípio expressa a ideia da preservação da relação de trabalho, seja porque o
contrato de trabalho é de trato sucessivo, seja porque a continuidade da prestação
de serviço propicia ao empregado a possibilidade de considerar-se sujeito de um
contrato de trabalho, seja para propiciar-lhe a tranquilidade necessária para
organizar sua vida profissional e, em especial, a social e a familiar.
Não se está aqui tentando defender a estabilidade no emprego, embora
essa seja uma das consequencias da aplicação desse principio, mas sim
que levemos em conta as projeções, as tendências as inclinações do
princípio, tão bem definidos por Plá Rodrigues, a exemplo da preferência
por contratos por prazo indeterminado, amplitude para a admissão das
transformações dos contratos, facilidade para manter o contrato, apesar dos
descumprimentos ou das nulidades em que se haja incorrido, resistência em
admitir a rescisão unilateral do contrato, por vontade patronal, interpretação
das interrupções dos contratos como simples suspensões, manutenção do
97
contrato nos casos de substituição do empregador.
Para o trabalhador soropositivo ou doente de AIDS, a manutenção da relação
de trabalho é uma necessidade. O trabalho tem função terapêutica, contribuindo
para o desenvolvimento de um sentimento de utilidade, de integração social do
trabalhador, propiciando-lhe não só a estabilidade econômica, mas a tranquilidade
psíquica e mental para enfrentar a doença.
Solidariedade, assistência e apoio são elementos críticos que deveriam reger
a resposta ao HIV/AIDS num local de trabalho. Dever-se-iam criar mecanismos para
estimular abertura, aceitação e apoio a trabalhadores que revelassem sua condição
de HIV bem como a garantia de não serem discriminados ou estigmatizados. Para
atenuar o impacto da epidemia de HIV/AIDS no local de trabalho, esforços deveriam
ser envidados para oferecer aconselhamento e outras formas de apoio social a
trabalhadores e afetados por HIV/AIDS. Onde houvesse serviço de saúde no local
de trabalho, deveria ser realizado o devido tratamento. Na falta desses serviços, os
trabalhadores deveriam ser informados sobre o endereço de serviços externos
disponíveis. Medidas desta natureza têm a vantagem de atender não só aos
trabalhadores, mas também às suas famílias e, especialmente, os seus filhos. A
parceria entre governos, empregadores, trabalhadores, organizações e outros
97
GUALAZZI, 2005 p. 135
63
interlocutores sociais interessados asseguraria também uma efetiva prestação de
serviços e redução de custos.98
3.1 - EXIGIBILIDADE DO EXAME ADMISSIONAL DO EMPREGADO À LUZ DO
ART. 168, CLT.
Todo empregado, quando contratado pelo regime previsto na Consolidação
das Leis Trabalhistas, deve passar por algumas avaliações médicas, antes de ser
admitido; durante a vigência do contrato de trabalho; e ao término do pacto laboral,
denominadas de: exame admissional; periódico; de retorno ao trabalho; de mudança
de função; e demissional.
O exame médico admissional encontra-se previsto no artigo 168 da CLT,
sendo de cunho obrigatório, exigido pelas empresas antes de firmada a contratação
de um funcionário com carteira assinada, compondo o Programa de Controle Médico
de Saúde Ocupacional. O objetivo de tal avaliação é a verificação da capacidade
laborativa do trabalhador, ou seja, se o mesmo encontra-se em condições físicas e
psíquicas para desenvolver as atividades para as quais está sendo contratado.
O exame é realizado por um médico, com especialização em Medicina do
Trabalho, nas empresas obrigadas a manter esse serviço, pois somente este
profissional possui idoneidade para caracterizar uma doença ocupacional. Quando a
empresa não for obrigada a manter SESMT, a investigação deve ser feita,
preferencialmente, por médico do trabalho, ficando a critério da empresa um médico
de outra especialidade. 99
Trata-se de um exame simples, regido nas condições descritas na Norma
Regulamentadora nº. 7, a qual estabelece a obrigatoriedade de elaboração e
implementação, por parte de todos os empregadores que admitam trabalhadores
como empregados, do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, com o
objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto de seus trabalhadores.
Essa análise da saúde do contratado é indispensável para provar o bom
estado de saúde físico e mental do novo funcionário para o exercício de determinada
função para a qual está sendo admitido, sendo imprescindível para evitar transtornos
98
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho.
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010
99
O Exame médico admissional. Disponível www.saberjuridico.com Acesso em 19 outubro 2010
64
com funcionários que tenham problemas de saúde pré-existentes, advindos de
empregos anteriores ou não.
A investigação clínica consiste, basicamente, em exame de aptidão física,
mental. A princípio, é feita a partir de uma entrevista onde se explora a vida
pregressa do trabalhador, questionando-o se sofre de alguma moléstia ou mal-estar,
bem como saber se o obreiro já esteve exposto a possíveis agentes nocivos, ou
mesmo se já utilizou de licenças em empregos anteriores. Numa segunda etapa,
que nem sempre é realizada, mede-se a pressão arterial, os batimentos cardíacos,
etc. Posteriormente, emite-se um Atestado Médico de Capacidade Funcional.100
Recomenda-se a feitura desta avaliação médica a fim de evitarem-se
aborrecimentos futuros e possíveis prejuízos para o empregador, pois este poderá
contratar alguém que já apresente problemas de saúde com origem em serviço
anterior, podendo vir a reivindicar no sistema judiciário, pleiteando estabilidade no
atual emprego. Sem este exame, a empregadora poderá ser considerada culpada
por todas as doenças contraídas pelo trabalhador durante o contrato de trabalho,
respondendo inclusive por eventuais ações indenizatórias por acidente de trabalho
ou doença do trabalho.101
Está inserido neste contexto que qualquer ato discriminatório praticado pela
empresa, no momento da admissão, pode dar ensejo à ação judicial do candidato,
visando à contratação, bem como ação de indenização por danos morais.
Qualquer inaptidão que não seja bem explicada e embasada pode resvalar na
discriminação, como situações clássicas de empresas que deixam de contratar
indivíduos obesos, pessoas com deficiências, portadores de doenças crônicas. Em
relação às gestantes e aos portadores do vírus HIV, a questão torna-se ainda mais
grave, por que os exames são proibidos por lei.
A preocupação com o assunto é tanta que levou o Conselho de Medicina
Federal a elaborar pareceres e relatórios para orientar os médicos, com vistas a
uniformizar o entendimento na comunidade científica, tanto quanto possível,
achando-se, por bem, avaliar e padronizar as normas relativas ao tema, no que
couber, condensando-se em mandamento único, razão que rege a Resolução CFM
nº. 1.665/2003.
100
PROGRAMA DE CONTROLE MÉDICO DE SAÚDE OCUPACIONAL - NR 7, Redação dada pela
Portaria n.º 24, de 29-12-94 / DOU de 30-12-94
101
Exame Admissional. Disponível em: http://www.embrapre.com.br/exame-admissional.html Acesso
em 19 outubro 2010
65
A Resolução nº. 1.359 de 1992, em consonância com as normas
internacionais, proíbe os médicos de empresa de revelarem ao empregador o
diagnóstico do empregado ou candidato ao emprego, cabendo-lhes informar,
exclusivamente, sobre aspectos ligados a capacidade ou não para exercer
determinada função.
O Código de Ética Médica, em seu art. 105, proíbe que o médico forneça
dados sigilosos quando da avaliação médica de trabalhadores, até mesmo por
requisição por parte dos empregadores. Se tal norma não for respeitada, cometerse-á infração ética e civil, podendo o médico ser objeto de medida judicial por
violação de sigilo, cabendo indenização por danos morais.
Art. 4º - É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV.
Art. 9º- O sigilo profissional que liga os médicos entre si e cada médico a
seu paciente deve ser absoluto, nos termos da lei, e notadamente
resguardado em relação aos empregadores e aos serviços públicos.
Parágrafo único - O médico não poderá transmitir informações sobre a
condição do portador do vírus da SIDA (AIDS), mesmo quando submetido a
normas de trabalho em serviço público ou privado, salvo nos casos
previstos em lei, especialmente quando disto resultar a proibição da
internação, a interrupção ou limitação do tratamento ou a transferência dos
custos para o paciente ou sua família.
Art. 10 - O sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado em relação
aos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS), salvo nos casos
determinados por lei, por justa causa ou por autorização expressa do
102
paciente.
Paralelamente, inserto na Declaração da Reunião Consultiva sobre a AIDS e
o Local de Trabalho, devida às específicas formas de contágio do vírus HIV, há uma
recomendação para não se exigir, como etapa de seleção para o trabalhador, a
investigação do HIV/AIDS, não sendo o empregado obrigado a informar ao
empregador acerca de sua situação.
3.2 - INVESTIGAÇÃO DO HIV/AIDS POR PARTE DO EMPREGADOR NA
VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO: VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE DO
EMPREGADO?
Não há explicação para que seja imprescindível a informação de dados
particulares relativa ao HIV/AIDS pelos candidatos a emprego ou a trabalhadores. O
102
Resolução Conselho Federal de Medicina nº. 1.665, do ano de 2003
66
conhecimento das informações concernente ao estado de saúde de um trabalhador
deve estar sujeito aos princípios de confidencialidade presentes no repertório de
práticas da OIT, de 1997, sobre a proteção de dados pessoais dos trabalhadores.103
Não pode, enfim, constar de lista de pré-requisitos para ingresso em qualquer
emprego, a investigação do HIV/AIDS previamente à contratação, como uma parte
da avaliação da capacitação do empregado a determinado trabalho. E, mesmo na
condição de soropositivo, o trabalhador não se encontra obrigado a informar sua
condição nem no ato da admissão e nem em momento algum durante a vigência do
contrato de trabalho.
d) Todo (a) portador (a) do vírus HIV tem direito a ser o (a) único (a) a saber
que é soropositivo, a não ser que exista o risco de contaminar outras
pessoas (ex.: companheiro(a), namorado(a), etc.).
e) Somente o fato de ser soropositivo (a) não torna incapaz o (a)
trabalhador (a) de exercer sua atividade profissional.
f) Nenhum empregador (a) pode exigir o exame de HIV/AIDS como
condição para admitir ou demitir o(a) trabalhador(a), e não é obrigatório
apresentar o resultado do teste de AIDS ao patrão.
g) Nenhum portador do vírus pode ser discriminado (a), afastado (a) ou
rejeitado (a) no trabalho, nem retirado (a) de suas funções por ser
104
soropositivo (a).
O exame admissional, disposto no artigo 168 da Consolidação das Leis do
Trabalho, como já mencionado, tem por sua finalidade a avaliação da capacidade
laborativa do empregado em determinada função.
Se, de qualquer forma, houver a exigência da apresentação de atestado
médico relativo à AIDS, o empregador estará infringindo normas éticas e legais,
podendo ser assinalado caso de restrição ou discriminação. Nesta hipótese, poderse-á negar a feitura do exame ou, até, denunciar o empregador junto aos órgãos
competentes, já que a obrigatoriedade do teste anti-HIV é vedada, segundo a melhor
interpretação dos dispositivos constitucionais, trabalhistas, administrativos e éticoprofissionais, bem como pelas Organizações Internacionais de Saúde - OMS e do
Trabalho - OIT.
A portaria Interministerial nº. 869, de 11 de agosto de 1992, proíbe a testagem
para detecção do vírus HIV, nos exames pré-admissionais e periódicos dos
servidores públicos.
103
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho.
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010
104
Ministério da Saúde. Cartilha de Orientação para multiplicadores. Trabalhando com Mulheres e
AIDS. Disponível em: http://www.cepia.org.br/doc/aids_cartilha_miolo.pdf Acesso em 19 outubro 2010
67
Há a possibilidade dos resultados do teste investigatório para o HIV serem
expostos e aproveitados de forma incorreta, sendo indispensável o assentimento
dado pelos trabalhadores, o qual nem sempre é de todo franco ou fundamentado
numa avaliação de todos os fatos e implicações de teste. Mesmo fora do local de
trabalho, o teste confidencial de HIV deve ser resultado de um consentimento
esclarecido e só realizado por pessoal devidamente qualificado, em condições de
rigoroso sigilo.105
A norma garante o direito de o trabalhador não revelar a sua sorologia
positiva, em qualquer ocasião, pelo princípio da intimidade106, sobretudo porque a
simples constatação de ser soropositivo não afeta em nada a vida profissional,
estando o empregado portador do vírus sujeito aos mesmos deveres e direitos dos
demais empregados.
A convivência com o portador de HIV ou doente de AIDS, quer seja social
quer seja profissional, não apresenta qualquer circunstância de risco, sendo este
capacitado para trabalhar em qualquer atividade a que se sentir apto, desde que não
provoque prejuízo de sua saúde e da saúde de outrem. Neste sentido, até mesmo o
Parecer nº 11/92 do Conselho Federal de Medicina corrobora o pensamento de que
não existe necessidade de afastamento médico de trabalhador da área de saúde
portador do HIV, recomendando, somente, a não-realização de procedimentos
invasivos que, mesmo que acidentalmente, possam gerar ferimentos.107
Destarte, cabe ao empregador velar pela melhoria na condição de vida de
seus empregados, impedindo atitudes discriminatórias no ambiente de trabalho.
Assim sendo, presentes na Portaria Interministerial nº. 3.195 de 10 de agosto de
1988, que trata da instituição de programas de prevenção de AIDS no local de
trabalho em âmbito nacional, existem certas determinações que devem ser
observadas, independentemente da existência de empregado soropositivo na
empresa.108
No mesmo sentido, a Portaria Interministerial nº. 796, datada em 29 de maio
de 1992, dispõe sobre a irregularidade de testes sorológicos compulsórios de
alunos, professores e/ou funcionários, bem como da divulgação de diagnóstico da
105
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho.
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro
106
Art. 5º, X, CF.
107
CARDOSO, José Eduardo Dias. O Trabalhador e o HIV/AIDS. Disponível em: www.labormedsso.com.br/lab_news_artigo15.htm. Acesso em 19 outubro 2010.
108
VALENTIM, 2003. p 229
68
infecção pelo HIV ou da AIDS de qualquer membro da comunidade escolar, ou da
manutenção de classes ou escolas especiais àqueles infectados pelo HIV.
Paralelamente, a Portaria n. 3, de 20 de março de 1998, do Delegado
Regional do Trabalho no Estado do Rio Grande do Sul, constituiu, no âmbito da
Delegacia, a Comissão Regional de AIDS no Local de Trabalho, com a atribuição de
tratar dos assuntos relacionados à prevenção da AIDS e à assistência aos
trabalhadores portadores do vírus HIV e/ou aos doentes de AIDS.
A finalidade de tais atos normativos é divulgar as informações e
conhecimentos pertinentes e estimular, no âmbito das empresas e em todos os
locais de trabalho, a adoção das medidas preventivas contra a Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida. Infelizmente, não se pode afirmar que o objetivo dessas
campanhas foi atingido, já que, transcorridos mais de vinte anos da edição da
primeira Portaria, o ambiente de trabalho ainda não é reconhecido pelos
trabalhadores como local de referência, ou seja, um local onde possam obter
informações acerca da moléstia.
Recentemente, o Ministério do Trabalho e Emprego, considerando a
Convenção nº. 111 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbe todo e
qualquer tipo de discriminação no emprego ou profissão, e paralelamente, a Lei nº.
9.029/95, que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para
efeito de acesso à relação de emprego ou a sua manutenção, lançou a Portaria nº.
1.246, publicada em 28 de maio de 2010, impelindo o uso de teste de HIV em caso
de efetuados os exames médicos concernentes à relação de trabalho.
Art. 2º Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos
por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno,
demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do
trabalhador quanto ao HIV.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não obsta que
campanhas ou programas de prevenção da saúde estimulem os
trabalhadores a conhecer seu estado sorológico quanto ao HIV por meio de
orientações e exames comprovadamente voluntários, sem vínculo com a
relação de trabalho e sempre resguardada a privacidade quanto ao
conhecimento dos resultados.109
Nos mesmos termos, há decisão do TST sobre.
109
Portaria nº. 1.246 de 28 de maio de 2010
69
RECURSO DE REVISTA ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE
CÁLCULO.
SALÁRIO
NORMATIVO.
IMPOSSIBILIDADE. Conforme
entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal - Reclamação nº 6.830
MC/PR - Paraná, publicada no DJE nº 217, em 21/10/2008 -, até que
sobrevenha lei dispondo sobre a base de cálculo do adicional de
insalubridade, e não havendo previsão normativa nesse sentido, essa
parcela deve ser calculada com base no salário mínimo nacional. Recurso
de revista conhecido e provido. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. EXAME
DE SOROLOGIA DE HIV NO ATO DEMISSIONAL. REALIZAÇÃO
COMPULSÓRIA E SEM AUTORIZAÇÃO DA EMPREGADA. ATO
ILÍCITO. Na análise do quadro fático dos autos, o Regional corretamente
concluiu que, na conduta da empregadora de fazer exame para sorologia de
HIV no ato demissional, sem conhecimento e autorização da empregada,
houve abuso de direito, causando-lhe, portanto, dano à sua honra, imagem
e intimidade que justifica sua condenação ao pagamento de indenização
por dano moral, mormente considerando que o exame em questão não está
enquadrado entre os exigíveis por lei em função do exercício da função pela
empregada, uma vez que o artigo 4º da Resolução CFM nº 1.655/2003 veda
a realização compulsória do exame de sorologia para HIV, e as Normas
Regulamentares 1 e 7 do MT e o artigo 168 da CLT não preveem a
realização de exames preventivos em relação a essa patologia .
Acrescenta-se que os argumentos da parte de que a reclamante não provou
que foi constrangida ou humilhada, e que também não tinha conhecimento
da realização do exame não foram esclarecidos pelo Regional e demandam
o exame de fatos e provas dos autos. Observa-se que sobre esses
aspectos o Regional não se manifestou nem foi instado a fazê-lo mediante a
oposição de embargos de declaração. Se pretensão da parte, pois, sob
s
esse enfoque, encontra óbice nas Súmulas nº 126 e 297 do TST. Recurso
110
de revista não conhecido.
Enfim, a infecção pelo HIV não é motivo para término do contrato de trabalho.
Semelhante a outros problemas de saúde, as pessoas com doenças relacionadas ao
HIV deveriam poder trabalhar enquanto estivessem clinicamente em condições de
desempenhar um trabalho viável e adequado.
3.3 - AS CONDIÇÕES DE SAÚDE DO OBREIRO SOROPOSITIVO. LIMITES DE
PROTEÇÃO
A Organização Mundial da Saúde e a Organização Internacional do Trabalho
recomendam que se elabore e se operacionalize programas de prevenção à AIDS
nos locais de trabalho, com o objetivo de promover uma ação sistemática e eficaz
frente ao HIV/AIDS, prevenindo e gerenciando o seu impacto no local de trabalho,
Processo: RR - 518040-28.2005.5.12.0037 Data de Julgamento: 20/10/2010, Relator Ministro: José
Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 28/10/2010.
110
70
criando um ambiente laboral sem discriminações ao portador do HIV e ao doente de
AIDS, como forma de contribuir no enfrentamento desse grave problema social, que
é a epidemia de AIDS.
g) Nenhum portador do vírus pode ser discriminado (a), afastado (a) ou
rejeitado (a) no trabalho, nem retirado (a) de suas funções por ser
soropositivo (a).
h) O (A) portador (a) do vírus HIV, quando doente, tem direito à licença para
tratamento de saúde, reforma militar ou pensão especial.
i) O (A) portador (a) do vírus HIV, quando doente, tem direito ao auxílio
doença ou aposentadoria, quando segurado da Previdência Social.
j) O (A) portador (a) do vírus, quando doente, tem direito à liberação do PIS,
FGTS, independentemente de rescisão contratual (desemprego). Basta
apresentar à Caixa Econômica Federal atestado médico, carteira de
trabalho e carteira de identidade.
k) A perícia médica, para a garantia destes direitos, poderá ser realizada no
local em que se encontre o doente, se este não puder se locomover.
l) O (A) portador (a) do vírus HIV, aposentado (a) ou reformado (a), está
isento (a) do pagamento de imposto de renda sobre os benefícios
recebidos.
m) Os planos de saúde não podem excluir o atendimento a doentes com
AIDS, inclusive os planos de saúde feitos pela empresa.
n) O (A) portador (a) do vírus HIV, que não pode trabalhar e que não tem
direito a auxílio doença, tem direito a uma pensão vitalícia (benefício de
prestação continuada).
o) O (A) portador (a) do vírus HIV tem direito ao passe especial para
portadores de deficiência, que garante a gratuidade no uso dos transportes
coletivos.111
De acordo com o que dispõem os artigos 203 e 204 da Constituição Federal,
fica assegurado ao trabalhador doente, em comprovado estado de carência e
ausência de qualquer benefício, o pagamento de um benefício mensal, proveniente
de recursos da assistência social (pensão vitalícia). A Lei Orgânica da Assistência
Social – LOAS, nº 8.742/93, e o Decreto nº 7.744/95 disciplinam a criação e a
regulamentação do benefício da prestação continuada, respectivamente. Não se
obtendo o deferimento, pela via administrativa, por que o requerente, p.ex., não
cumpre os requisitos exigidos por estas normas, deverá ser feito o pleito judicial.
Não há perda de capacidade laborativa naquele portador de HIV, portanto,
inexistindo necessidade daquele de se abdicar de certa função só pela sua
condição. Entretanto, se o próprio trabalhador não se considera suficientemente
capacitado para a execução de seu labor, há a conveniência de que o mesmo seja
transferido para outra função, compatível com o seu estado de saúde. A partir do
momento em que qualquer atividade venha a tornar-se impossível, é indispensável
111
Ministério da Saúde. Cartilha de Orientação para multiplicadores. Trabalhando com Mulheres e
AIDS. Disponível em: http://www.cepia.org.br/doc/aids_cartilha_miolo.pdf Acesso em 19 outubro 2010
71
que o empregado se apresente ao serviço médico da empresa, com vistas à
avaliação e a condução para o auxílio-doença, por incapacidade temporária, ou
aposentadoria por invalidez, por incapacidade permanente.
Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão
proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o
trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a
(re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para
112
participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.
De cunho social inestimável, a Lei nº 7.670, de 8 de setembro de 1988,
estendeu aos portadores do vírus HIV ou aos doentes de AIDS, vários benefícios os
quais já eram assegurados, à época, a indivíduos acometidos de outras doenças
graves. Desta forma, garante-se ao portador de HIV ou àquele responsável pelos
seus cuidados, o direito a sacar os valores depositados em seu nome a título de
FGTS, independentemente de rescisão de contrato de trabalho ou de comunicação
ao empregador, mudança importante devido ao alto custo do tratamento da moléstia.
Somente o trabalhador já doente de AIDS tem direito de efetuar o
levantamento do PlS/PASEP, conforme o disposto na Lei nº 7.670/88. Não há a
obrigatoriedade do período de carência de 12 meses, para o portador de HIV.
Estando empregado, o obreiro terá o seu contrato de trabalho suspenso, devendo o
empregador pagar-lhe os primeiros 15 dias de afastamento, por motivo de doença,
encaminhando-o ao auxílio-doença, fornecendo-lhe as Guias de Relação de
Contribuição de Salários, se a licença exceder o referido prazo. A partir do 15º dia de
afastamento, o INSS deverá pagar os direitos, independentemente de prazo de
contribuição.
Os Tribunais têm se manifestado no sentido da manutenção do emprego,
quando comprovada a existência de moléstia do empregado no exame demissional.
Neste sentido, tem-se conseguido, por meio de mediações, a anulação do ato da
despedida. Ademais, quando o empregado já não é simplesmente um portador, mas
sim um doente de AIDS, a dispensa sem justo motivo é proibida, pois caracteriza-se
como impeditiva aos recebimentos dos direitos previdenciários contidos na Lei nº
7.670/88, quais sejam: o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez.
É sensato dizer que o simples fato de ser soropositivo não o garante qualquer
estabilidade no emprego, já que não há qualquer norma nesse sentido. Contudo, a
112
Papel do serviço de reabilitação funcional do INSS definido na Lei nº 8.213/91
72
nossa legislação protege o trabalhador de dispensa arbitrária (art. 7º, I, da
Constituição Federal, e art. 165, da CLT), impedindo que este seja demitido tãosomente por ser enfermo ou, no caso, por ter o HIV. Todavia, o fato de ser
soropositivo ou doente de AIDS em nada impede a demissão do empregado que
comete falta grave.
73
4 - DO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO NO AMBIENTE DE TRABALHO
Um dos princípios de maior importância para a existência do ser humano –
a dignidade da pessoa humana - foi e ainda é, como conseqüência das
associações e estigmas relacionados à AIDS, um dos mais violados. Isso
acarretou maiores e mais drásticas conseqüências para pandemia da AIDS
e para o portador do vírus HIV. Com a violação desse princípio, pode-se
dizer que todos os outros foram violados, pois todo ser humano é digno de
direitos, de ser tratado com respeito. A discriminação e o preconceito foram
os meios mais perversos e os mais utilizados para ferir o direito à dignidade
do portador do vírus.113
Como já analisado, o simples resultado positivo em um exame anti-HIV não é
motivo suficiente para que o trabalhador seja demitido. Se esse fato vier a ocorrer,
estará caracterizada a atitude discriminatória do empregador, o que é vedado pelo
art. 7º, inciso I, da Constituição Federal.114
São facilmente verificados episódios de situações discriminatórias no
ambiente de trabalho. Existe um véu de ignorância acerca da AIDS, o que torna as
pessoas receosas quanto ao convívio com portadores do HIV. Este temor se
estende às relações de emprego, entre empregados e empregadores, e ao local de
trabalho, entre colegas.
A tutela antidiscriminatória no Brasil desenvolve sua virtualidade nos incisos
IV, VI, VIII e XVII do artigo 5º e no artigo 7º, XXX e XXXI, ambos da Constituição
Federal de 1988.115
113 OLIVEIRA, Tatyane Guimarães. AIDS e Discriminação. 2004. Disponível em:
http://jus.uol.com.br/revista/texto/7126/aids-e-discriminacao/3 Acesso em: 19 outubro 2010
114 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa,
nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
115 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; XVII - é plena a liberdade de
associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; e Art. 7º São direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de
diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade,
cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho
manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.
74
A dispensa do empregado portador de HIV, quando não comprovado um
motivo justificável, presume-se discriminatória e arbitrária, devendo ser coibida, pois
a permanência do trabalhador no emprego, além de caráter de laborterapia, irá
propiciar-lhe a aquisição de benefícios previdenciários que receberá quando estiver
impossibilitado de continuar trabalhando, o que, certamente, ocorrerá, considerando
tratar-se de doença letal.
Recomenda-se, por meio da Convenção nº. 111, a promoção pelos Estados
de políticas que façam com que o público compreenda e aceite os princípios da nãodiscriminação.
Todo País-membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se, por
meios adequados às condições e à prática nacionais, a:
a) buscar a cooperação de organizações de empregadores e de
trabalhadores e de outros organismos apropriados, para promover a
aceitação e observância dessa política;
b) promulgar leis e promover programas educacionais de natureza que
assegurem a aceitação e observância dessa política;
c) revogar quaisquer disposições legais e modificar quaisquer normas ou
práticas administrativas incompatíveis com essa política;
d) pôr sob o controle direto de uma autoridade nacional a execução dessa
política referente a emprego;
e) assegurar a observância dessa política nas atividades de orientação
profissional, de formação profissional e de oferta de empregos;
f) indicar, em seus relatórios anuais sobre a aplicação da Convenção, as
medidas adotadas na execução da política e os resultados por elas
116
alcançados.
A discriminação prejudica a manutenção de políticas de prevenção,
informação e educação sobre a AIDS, trazendo a tona um ambiente social que cria
obstáculos para os programas com essa finalidade.
A Organização Internacional do Trabalho recomenda, por meio da Declaração
da Reunião Consultiva sobre a AIDS e o Local de Trabalho, que sejam adotadas
pelas autoridades publicas procedimentos e políticas sobre o HIV/AIDS, aplicadas
tanto na área pública como na privada.
Reconhece-se, enfim, como fundamental a informação e a educação para se
manter um ambiente de confiança mútua, imprescindível ao amparo das pessoas
portadoras de HIV/AIDS, contra toda estigmatização e preconceito.
116
Convenção nº. 111 da OIT, sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, ratificada
em 19/01/1968 pelo decreto nº. 62.150.
75
4.1 - DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO DO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO.
É inegável de que os ônus processuais são grandes obstáculos para que a
parte, debilitada ou desfavorecida, obtenha uma providência jurisdicional apropriada
aos seus interesses, principalmente nos casos que envolvem discriminação. Trata-se
uma circunstância muito controvertida entre vários diplomas legais que regem a
discriminação no trabalho, os quais aceitam e definem regras de inversão do ônus da
prova nos casos onde se alega a existência de comportamento discriminatório por
parte do empregador.117
Na Consolidação das Leis Trabalhistas, o tema está disciplinado no artigo
818, onde estabelece que o "ônus de provar as alegações incumbe à parte que as
fizer". Não obstante a existência de preceito laboral sobre a matéria, dada a
singeleza do referido dispositivo, prevalece na jurisprudência trabalhista à aplicação
supletiva do princípio do artigo 333 do Código de Processo Civil, segundo o qual
cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito e, ao réu, a prova da
existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
O Poder Judiciário não pode esquecer a inegável dificuldade encarada por
aqueles que buscam produzir provas da discriminação. Na realidade, é
imprescindível se atentar às particularidades do problema, expandindo-se os meios
de prova e dando aos indícios e outras circunstâncias do caso um valor bastante
relevante.
Quando o empregado já não é simplesmente um portador do vírus HIV, ou
seja, quando a doença denominada AIDS já se manifestou, a dispensa sem
justo motivo, mesmo não comprovada a discriminação pela doença letal, é
vedada, pois caracteriza-se como obstativa ao percebimento do direito
previdenciário contido na Lei nº. 7.670, de 8 de setembro de 1988. É
sobejamente sabido que o empregado gravemente enfermo, com doença
letal em desenvolvimento, não pode ser demitido: o art. 476 da CLT é claro
ao informar que o empregado que está em auxílio-doença ou auxílioenfermidade é considerado em licença não remunerada, durante o prazo
desse benefício, não se pondere no sentido de que o autor não estava em
seguro-doença ou auxílio-enfermidade, uma vez que a reclamada impediulhe a obtenção desse benefício quando o demitiu. Não pode a reclamada
obstar o reclamante de perceber o benefício previdenciário e talvez sua
aposentadoria.118
117
LIMA, Firmino Alves. A necessidade e os fundamentos legais da inversão do ônus da prova nos
casos de discriminação. Anamatra, 2006, p. 1
118
TRT - SP - 02920254140 - AC. 7ª T. 35.453/91 - Relª. Juíza Rosa Maria Zuccaro - DOE 8.9.94.
Revisa Synthesis 21/95, p. 228. Apud. BARROS, 2009. P. 1178
76
No tocante à produção de provas, é inegável a dificuldade natural que o
trabalhador tem de produzi-las, ocasião em que é potencializada pela prática de ato
discriminatório, restando a obrigação de provar-se o intento do causador. É notório
que o registro da empresa não o pertence, que os colegas de trabalho podem não
querer testemunhar em seu favor, receando eventual retaliação patronal e, numa
suposição extrema, há que se ponderar sobre aquele colega que, eventualmente
almeja, por ignorância ou não, ou até mesmo de forma irrefletida, que o portador do
vírus não permaneça mais no mesmo ambiente de trabalho, por temor de ser
também infectado.
Demandar do trabalhador soropositivo uma prova indiscutível é praticamente
negar-lhe o direito e tolerar impunemente a discriminação.
É amplamente reconhecida pela doutrina internacional a dificuldade de um
empregado discriminado provar suas alegações em juízo, muito mais
potencializada nos casos de discriminação por efeito adverso (também
conhecida como indireta ou reflexiva pela terminologia européia), situação
nascida de ato neutro ou aparentemente despido de qualquer efeito
discriminatório, mas que provoca impacto discriminatório sobre determinada
pessoa ou grupo de pessoas envolvidas, até mesmo sem intenção.119
A inversão do ônus da prova é um fator importante para a defesa dos direitos
dos hipossuficientes em Juízo.
Cabe ao magistrado, portanto, a adoção de uma posição imparcial, contudo
condizente com a busca do ideal de justiça, determinando que a prova seja realizada
por quem tem aptidão de fazê-la em juízo. Ao tomador dos serviços, portanto,
poderá recair o ônus de demonstrar, por exemplo, por qual motivo a pessoa que se
diz discriminada não obteve o posto de trabalho, motivando o fracasso no processo
de seleção. Justificada, portanto, a reprovação do candidato, será possível um real
exame dos motivos sustentados pelo tomador, para que se verifique a ocorrência ou
não de abuso do direito e das práticas discriminatórias.
O empregador ou contratante possui uma enorme vantagem na capacidade
de produção de provas sobre atitudes discriminatórias, já que dispõe de total acesso
à documentação relativa ao caso, tem acesso a dados fundamentais, dos quais
pode muito bem dispor ou omitir em juízo sem a ciência da parte contrária,
possuindo maior capacidade de arregimentar testemunhos, sem contar o notório
119
LIMA, 2006, p. 1
77
poder coercitivo sobre eles pelo poder da dispensa, poder econômico para
comprovar suas alegações com estatísticas, levantamento de históricos e um grande
número de elementos probantes de grande importância
Tal entendimento já é considerado no âmbito das normas protetivas do
consumidor. O artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, trata com
nitidez essa questão, favorecendo ao consumidor, já que confia ao juiz o poder de
inversão de ônus probatório, ocorrendo, desta forma, o preenchimento de
pressupostos de aferição circunstancial e casuística, quais sejam, verossimilhança e
hipossuficiência.
Na esfera trabalhista, quando em questões abarcando discriminação nas suas
relações, a aplicação da inversão do ônus da prova não só é possível, como, além
disso, se impõe, quando houver indícios a possibilitar a presunção em favor do
empregado.
Finalmente, é de se observar que os requisitos necessários para aplicação
subsidiária do artigo 6º, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor, no processo
do trabalho, são inquestionáveis. A existência de lacuna evidencia-se na medida em
que não há na legislação trabalhista nenhuma norma expressa determinando ou
vedando a inversão do ônus da prova.
O artigo 818 da CLT, como visto, trata da distribuição do ônus da prova, nada
prevendo quanto à possibilidade de sua modificação por determinação judicial. E a
compatibilidade da inversão do ônus da prova prevista no Código Consumerista com
o processo do trabalho também se torna incontestável, tendo em vista a evidente
semelhança existente entre as relações de consumo e de emprego, ambas
caracterizadas pelo desequilíbrio entre as partes que se relacionam.120 Ademais, a
aplicação do referido expediente consumerista também se justifica por ter o direito
material do trabalho, como peculiaridade, o princípio protetivo, que se alastra
também para o direito processual trabalhista.
120
VIEIRA, Letícia D’Oliveira. A prova da discriminação em juízo - Necessidade de aplicação da
distribuição dinâmica do ônus da prova. 2008. Disponível em:
http://jus.uol.com.br/revista/texto/14736/a-prova-da-discriminacao-em-juizo Acesso em 23 outubro
2010
78
4.2 - POLÍTICAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS ADVINDAS DO PODER PÚBLICO E
DE INSTITUIÇÕES REPRESENTATIVAS DA SOCIEDADE
No âmbito internacional, vários países introduziram em suas leis preceitos
protetores do portador de HIV ou doente de AIDS, principalmente na tentativa de
restringir a discriminação.
Na França, a lei de 31 de dezembro de 1992 introduziu no Código do
Trabalho o princípio geral da não-discriminação, segundo o qual ninguém
pode estabelecer restrições aos direitos das pessoas e às liberdades
individuais e coletivas que não sejam justificadas pela natureza da tarefa a
desempenhar, nem proporcionais ao fim almejado. Por outro lado, o Código
Penal Francês pune com pena de reclusão e/ou multa toda a recusa de
contratação baseada no estado de saúde, salvo nos casos de inaptidão
para o emprego, constatada por médico.121
Paralelamente, consta da legislação italiana o mesmo entendimento.
Considerando que a presença do vírus HIV, por si só, não prejudica a
capacidade de trabalho de quem o contrai, o legislador italiano também
interveio com o objetivo de evitar discriminação dos portadores da infecção.
Dentro dessa perspectiva, editou-se a Lei nº. 135, de 1990, cujo art. 6º
proíbe os empregadores, públicos ou privados, de fazer perguntas aos
empregados ou candidatos ao emprego sobre a existência de estado de
soropositividade. No mesmo sentido, o art. 7º da Lei italiana nº. 135, atribui
ao Ministro da Saúde a tarefa de elaborar normas para a proteção contra
contágio profissional pelo HIV nas estruturas sanitárias, assistenciais
122
públicas e privadas.
Há decisões internacionais que corroboram com o entendimento da
Organização Internacional do Trabalho e Organização Mundial de Saúde, de que é
forçoso que sejam fornecidas informações sobre a AIDS pelos empregadores.
Com os mesmos propósitos traçados pela declaração da OMS, o Tribunal
de Direitos Humanos do Canadá autorizou a rescisão indireta do contrato
de trabalho de um empregado, cozinheiro de cantina, que servia à
companhia ferroviária Canadian Pacific. O empregado confessou ser
portador do vírus da AIDS e, a partir daí, a confidência foi divulgada entre
os colegas de trabalho, tendo o capataz se recusado a provar a comida,
chegando a empresa de serviços de cantina a advertir que não seria
possível conter os membros da brigada se decidissem agredir o cozinheiro.
O tribunal, após reconhecer o vínculo empregatício com a Canadian Pacific
e admitir que a empresa não discriminava as pessoas soropositivas,
entendeu que a mesma deixou de fornecer instruções claras com respeito à
121
122
BARROS, 2009, P. 1195
BARROS, 2009. P. 1196
79
AIDS no local de trabalho, o que levou os empregados, como o capataz, a
adotarem determinadas atitudes, em função de seus próprios preconceitos.
Em consequência, condenou a empresa a pagar ao cozinheiro indenização
pela perda dos salários e pelo dano à sua reputação, bem como enviar-lhe
123
uma carta de desculpas.
Consta do Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS
no Mundo do Trabalho, datado de 2001, os direitos e responsabilidades gerais dos
governos e suas autoridades competentes.124
a) Os governos deveriam manter coerência e nos programas nacionais de
HIV/AIDS, reconhecendo a importância da inclusão do mundo do trabalho
nos planos nacionais. Por exemplo, assegurando que a composição dos
Conselhos Nacionais de AIDS inclua representantes de empregadores,
trabalhadores, pessoas portadoras do HIV/AIDS e dos ministérios
responsáveis por questões sociais e de trabalho.
b) As autoridades competentes deveriam mobilizar e apoiar amplas
parcerias para a proteção e prevenção, que incluíssem órgãos públicos,
setor privado, organizações de empregadores e trabalhadores e todos os
atores sociais interessados, envolvendo assim o maior número possível de
parceiros no mundo do trabalho.
c) Os governos deveriam facilitar e coordenar todas as intervenções no
âmbito nacional que criassem um ambiente favorável a intervenções no
mundo do trabalho e capitalizassem a presença de parceiros sociais e de
todos os atores sociais interessados. A coordenação deveria ser
estabelecida com base em medidas e serviços de apoio já existentes.
d) As autoridades competentes deveriam estimular e trabalhar em parceria
com outros parceiros sociais para promover programas de conscientização
e prevenção, especialmente no local de trabalho.
e) Nos países onde os empregadores assumem a responsabilidade primária
de prestar serviços diretos de assistência à saúde dos trabalhadores, os
governos deveriam baixar diretrizes para ajudar os empregadores no
gerenciamento assistencial e clínico do HIV/AIDS. Essas diretrizes
deveriam levar em conta os serviços existentes.
f) Os governos deveriam assegurar que os benefícios garantidos por leis e
regulamentos nacionais fossem aplicáveis aos trabalhadores com HIV/AIDS
de forma não menos favorável do que a trabalhadores com outras doenças
graves. Ao formular e implementar planos de seguridade social, os
governos deveriam levar em consideração a natureza progressiva e
intermitente da doença e preparar planos adequados, por exemplo,
disponibilizando benefícios à medida que fossem necessários e atendendo
prontamente às solicitações.
g) As autoridades competentes deveriam estimular, apoiar e fazer
pesquisas, e publicar os resultados dos censos demográficos, estudos de
incidência e prevalência e estudos de caso sobre melhores práticas, com
vistas a alcançar a devida coerência com os planos nacionais de AIDS,
mobilizar os parceiros sociais, avaliar os custos da epidemia nos locais de
trabalho, para o sistema de seguridade social e para a economia, bem
como facilitar o planejamento para atenuar o impacto socioeconômico da
epidemia. Os governos deveriam se empenhar em criar uma estrutura
institucional normativa para lograr esses objetivos. A pesquisa deveria
incluir análises relativas a gênero, que utilizassem pesquisa e dados de
123
BARROS, 2009. P. 1202.
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho.
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010.
124
80
empregadores e de suas organizações, bem como de organizações de
trabalhadores. A coleta de dados deveria, até onde fosse possível, ser
específicos do setor e separados por sexo, raça, orientação sexual, idade,
emprego e condição ocupacional. Deveria ser também feita de modo
adaptado às culturas de cada grupo. Quando possível, deveria haver
mecanismos permanentes de avaliação de impacto.
h) Os governos, sempre que possível e em consulta com os parceiros
sociais e outros atores sociais interessados, deveriam estimar as
implicações financeiras do HIV/AIDS e buscar mobilizar fundos, local e
internacionalmente, para seus planos estratégicos referentes à AIDS,
inclusive, quando fosse o caso, para seus sistemas de seguridade social.
i) Para eliminar a discriminação no local de trabalho, bem como para
garantir a prevenção e a proteção social no local de trabalho, os governos,
em consulta com os parceiros sociais e especialistas em HIV/AIDS,
deveriam oferecer pertinente infra-estrutura reguladora e, quando
necessário, rever leis trabalhistas e outros instrumentos legais.
j) Quando os governos concedessem financiamento inicial e incentivos a
empreendimentos nacionais e internacionais, deveriam exigir que seus
usuários observassem as leis nacionais e deveriam incentivá-los a seguir
este Repertório de recomendações práticas, bem como códigos e políticas
que dêem força a suas disposições.
k) As autoridades competentes deveriam oferecer informações técnicas e
conselhos a empregadores e trabalhadores no que diz respeito à forma
mais eficiente de aplicar a legislação e regulamentos referentes ao
HIV/AIDS e ao mundo do trabalho. Deveriam fortalecer as estruturas e os
procedimentos para o cumprimento das leis, como inspeção do trabalho e
justiça trabalhista.
l) Os governos deveriam estender e adaptar seus programas de prevenção
da HIV/AIDS a esses trabalhadores, inclusive programas de geração de
renda e de proteção social. Os governos deveriam também conceber e
desenvolver novas abordagens utilizando comunidades locais, quando
conveniente.
m) Os governos deveriam promover assistência e apoio por meio de
programas de saúde pública, sistemas de seguridade social e/ou outras
iniciativas governamentais pertinentes. Os governos também deveriam lutar
para assegurar acesso a tratamento e, quando fosse o caso, ao trabalho,
em parceria com organizações de empregadores e trabalhadores.
n) Nos programas para eliminação do trabalho infantil, os governos
deveriam assegurar que fosse dada a devida atenção ao impacto da
epidemia sobre crianças e jovens cujos pais estejam doentes ou tenham
morrido em consequência do HIV/AIDS.
o) Os governos deveriam promover e apoiar a cooperação em níveis
regional e internacional, por meio de órgãos intergovernamentais e de todos
os interlocutores interessados, para enfocar a atenção internacional no
HIV/AIDS e nas necessidades relacionadas com o mundo do trabalho.
p) Quando fosse o caso, os governos deveriam mobilizar a assistência
internacional em apoio a programas nacionais. Deveriam estimular as
iniciativas que visassem apoio a campanhas internacionais para redução do
custo das drogas anti-retrovirais e para melhorar o acesso a esses
medicamentos.
q) Os governos deveriam adotar todas as medidas possíveis para identificar
os grupos de trabalhadores vulneráveis à infecção e adotar estratégias para
superar os fatores que tornassem esses trabalhadores suscetíveis. Os
governos também deveriam se esforçar para assegurar que fossem criados
programas adequados de prevenção, voltados para esses trabalhadores.
Respeitando as orientações dadas pela OIT, o Governo Brasileiro instituiu
várias políticas, tanto através do Poder Executivo como pela Legislação Federal. A
81
partir de ações e políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, da
Justiça e do Trabalho e emprego, aborda-se o trato da AIDS nas relações de
trabalho.
Objetiva-se pela estratégia desenvolvida pelo Ministério da Saúde a redução
da incidência da infecção pelo HIV/AIDS e outras DST; ampliação do acesso ao
diagnóstico, ao tratamento e à assistência e, por fim, o fortalecimento das
instituições públicas e privadas, responsáveis pelo controle das DST/AIDS.125
A execução desses objetivos processa-se através de três linhas de ação, que
se articulam entre si, a saber: 1) promoção, prevenção e proteção, que sintetizam a
promoção da saúde, a prevenção da transmissão e a proteção dos direitos
fundamentais das pessoas com DST/AIDS; 2) diagnóstico e assistência; e 3)
desenvolvimento institucional e gestão.
Tem-se, como forma de tornar conhecido o tema, o desenvolvimento de
campanhas
de
prevenção,
elaboração
de
cartilhas,
de
folders,
sempre
conjuntamente com outras instâncias governamentais, bem como, federal, estadual
e municipal, além de organizações não-governamentais, ao qual se oferece apoio
técnico, financiamento de projetos de ações, etc.
Quanto à política de diagnóstico e tratamento da AIDS, são oferecidos
gratuitamente exames laboratoriais e diagnósticos, promoção do aconselhamento
antes e depois do teste, promoção do acesso daqueles infectados aos serviços de
saúde e assistência, fornecimento gratuito de medicamentos anti-retrovirais, dentre
outras.
Da mesma forma, o Ministério da Saúde estimula a implementação de
programas de prevenção e assistência das DST/AIDS no local de trabalho, bem
como financiando e realização de ações de prevenção, sensibilização e informação,
além de confecção de material informativo sobre o assunto, tanto por empresas
quanto por entidades sindicais.126
Em março de 1996, através do decreto nº. 20, foi criado o GTEDEO - Grupo
de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e Ocupação, com a
125
Notícias do Departamento - Brasil reafirma eficácia da política de redução de danos como
estratégia de saúde pública. Disponível em: http://www.aids.gov.br/node/38113. Acesso em 27
outubro 2010.
126
Ministério da Saúde - Coordenação Nacional de DST e AIDS. Manual de Diretrizes e Técnicas
para Elaboração e Implantação de Programas de Prevenção e Assistência das DST/AIDS no local de
Trabalho. 1998.
82
finalidade de cumprir a Convenção nº 111, da Organização Internacional do
Trabalho.
Já no âmbito do Ministério do Trabalho, constituiu-se o Grupo de Trabalho
Multidisciplinar, assumindo o desafio de inserir a questão da discriminação de
gênero e raça nas ações e atividades de rotina do Ministério.
A partir de 1999, iniciou-se uma política de estabelecimento de núcleos
estaduais,
denominados
de Núcleos
de
Cidadania
e Trabalho
contra
a
Discriminação no Emprego, que tem por objetivo a implantação da Convenção nº
111 da OIT.
No mesmo sentido, a Portaria Interministerial nº. 3.195, de 10 de agosto de
1988, instituiu a Campanha Interna de Prevenção da AIDS, com o escopo de
divulgar informações e conhecimentos, e ainda, estimular a adoção das medidas
preventivas contra a AIDS em todos os ambientes de trabalho, dando abertura a
Portaria Nº 1.246, de 28/05/2010, que vem orientar as empresas e os trabalhadores
em relação à testagem relacionada ao vírus da imunodeficiência adquirida - HIV.
Juridicamente, sancionou-se duas leis de caráter exclusivo aos portadores da
AIDS. São elas, a Lei nº. 9.313, de 13 de novembro de 1996, que dispõe sobre a
distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS127,
e Lei Nº 7.670, de 8 de setembro de 1988, que estende aos portadores da Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS os benefícios que especifica e dá outras
providências.128
127
Art. 1º Os portadoras do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS (Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação
necessária a seu tratamento. § 1° O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os
medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a
orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde. § 2° A padronização de
terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se fizer necessário, para se
adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no
mercado. Art. 2° As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com
recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, conforme regulamento.
128
Art. 1º A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS fica considerada, para os efeitos
legais, causa que justifica:
I - a concessão de: a) licença para tratamento de saúde prevista nos artigos 104 e 105 da Lei nº
1.711, de 28 de outubro de 1952; b) aposentadoria, nos termos do art. 178, inciso I, alínea b, da Lei
nº 1.711, de 28 de outubro de 1952; c) reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da
Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980; d) pensão especial nos termos do art. 1º da Lei nº 3.738, de
4 de abril de 1960; e) auxílio-doença ou aposentadoria, independentemente do período de carência,
para o segurado que, após filiação à Previdência Social, vier a manifestá-la, bem como a pensão por
morte aos seus dependentes;
II - levantamento dos valores correspondentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS,
independentemente de rescisão do contrato individual de trabalho ou de qualquer outro tipo de
83
As empresas têm adotado diversas políticas para enfrentar problemas da
AIDS em suas dependências, na tentativa de sensibilizar e estimular os empregados
a conhecer o que é a doença, diminuindo, assim, o preconceito.
Por intermédio de convênios, foram desenvolvidas certas ações em benefício
do portador de HIV, como o custeio das despesas com tratamento médico,
medicamentos e internações hospitalares, incentivando o tratamento domiciliar,
realização de campanhas internas de prevenção, promoção de eventos diversos
com foco na família, divulgação de cartazes, publicação de cartilhas, etc.129
Dessa forma, pode-se dizer que o Brasil, embora avançado nas políticas
públicas referentes aos portadores de HIV/AIDS, ainda se faz necessário a procura à
Justiça para garantir proteção contra a discriminação. Cabe, então, a sociedade
aceitar e colocar em prática o bom senso.
4.3 - JULGADOS DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ENVOLVENDO EMPREGADOS
COM HIV
Atualmente, muitos trabalhadores são vítimas de atos de discriminação por
diversos agentes causadores. Deparando-se sem emprego, recorrem ao Poder
Judiciário Trabalhista, para pleitearem seus direitos como cidadãos respeitados e
assegurados.
Tal situação pode-ser verificada em diversas decisões, inclusive do Tribunal
Superior do Trabalho, onde se determina a reintegração de empregados às suas
funções, por despedida arbitrária e discriminatória.130
Torna-se, então, indispensável o reconhecimento do avanço que o Brasil na
acepção de combate a todo e qualquer tipo de prática discriminatória e limitativa
para efeito de acesso ao emprego, especialmente nos casos de despedida,
aplicando-se corretamente os princípios constitucionais de proteção à dignidade
humana e da não discriminação.
pecúlio a que o paciente tenha direito. Parágrafo único. O exame pericial para os fins deste artigo
será realizado no local em que se encontre a pessoa, desde que impossibilitada de se locomover.
129
VALENTIM, 2003. P. 316
130
CHAVES, Luciano Athayde. Trabalho e HIV/AIDS. 2010. Disponível em:
http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/colunas-artigos-e-blogs/blog-de-opini-o1.10994/trabalho-e-hiv-aids-1.155028. Acesso em 31 outubro 2010
84
Já existem, no âmbito jurídico, diversas normas federais e estaduais dispondo
sobre a discriminação em razão do HIV/AIDS, todas tuteladas pelos princípios
constitucionais, referente ao plano da vedação de discriminação.
A caracterização como possibilidade de arbitrariedade na dispensa de
assalariado deriva de interpretação sistemática dos preceitos legais, como a
Convenção nº. 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, que, em seu teor, veda a
discriminação no ambiente de trabalho.
Ademais, tem-se o preceito do art. 1º da Lei nº 9.029, de 1995, que proíbe a
rescisão do contrato de trabalho por ação discriminatória do empregador. Tal lei
garante ao empregado que se sentiu discriminado o direito à reintegração ao
emprego.131
Enfim, existem os princípios constitucionais da igualdade, da nãodiscriminação e da garantia do emprego. Numa análise abrangente de tais
princípios, torna-se clara a possibilidade da reintegração ao emprego após
despedida arbitrária de empregado soropositivo. Deste modo, a partir do momento
que o empregador tome conhecimento da enfermidade da qual padece seu
empregado, a despedida do mesmo será sempre arbitrária, exceto quando for por
justa causa. De certo modo, a dispensa acarreta, inclusive, em prejuízo ao direito
previdenciário do qual o empregado é titular, num momento de necessidade.
Compartilhando com este entendimento, a 6ª Câmara do Tribunal Regional do
Trabalho da 15ª Região - Campinas/SP determinou reintegração de soropositivo, por
achar discriminatória a demissão de trabalhador portador do vírus da AIDS, cabendo
à empresa reintegrá-lo ao serviço.
"Desde logo afasto o alegado desconhecimento da empresa sobre o estado
de saúde do trabalhador, eis que a empresa foi cientificada através de sua
médica, que, na verdade, manteve sigilo quanto ao caso, como lhe
recomenda o código de ética médica", disse Luiz Carlos de Araújo, relator
do recurso. Segundo o magistrado, a legislação não avançou em relação à
necessária estabilidade ao empregado portador da síndrome da imunodeficiência adquirida, cabendo ao juiz aplicar os princípios gerais do direito,
a analogia e os costumes para resolver questões dessa natureza.
"Dada sua proliferação, o contágio pelo vírus HIV já se tornou há muito
tempo, não somente no Brasil, mas em escala mundial, um caso de saúde
pública. Mas, se a cura depende ainda do avanço da ciência médica,
evidentemente o combate ao preconceito com relação aos portadores do
famigerado vírus depende simplesmente da conscientização e de legislação
131
MOREIRA, Maria Miranda. Discriminação do empregado portador de AIDS. Disponível em:
http://jus.uol.com.br/revista/texto/4559/discriminacao-do-empregado-portador-da-aids. Acesso em: 31
outubro 2010
85
específica", fundamentou Araújo, para quem o empregador não pode se
recusar a contratar um aidético ou tratá-lo de forma diferenciada ou, ainda,
dispensá-lo pelo fato de estar infectado.
Baseado na Constituição Federal e na Lei 9.029/95, Araújo reconheceu o
direito à estabilidade do trabalhador e, como a empresa não encerrou suas
atividades, a alegada dispensa por contenção de despesas não poderia ter
ocorrido. Para concluir, foi determinado, inclusive, o pagamento de todos os
salários, reajustados desde a demissão até a real reintegração, corrigidos
monetariamente e acrescidos dos juros de mora. O valor da condenação foi
estipulado em R$10 mil.132
No mesmo sentido, em 24 de junho de 2005, os juízes da 9ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região determinaram que a Eletropaulo
Metropolitana Eletricidade São Paulo S.A. reintegrem e paguem indenização por
danos morais a um portador do vírus da AIDS. Na relação empregatícia, o
empregador pode dispensar empregados mediante o pagamento das verbas
indenizatórias previstas na legislação trabalhista. Esse poder, contudo, encontra
limitações nas garantias de emprego, assim como no princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana. Portador do vírus HIV, o reclamante defendeu que
doença garantiria a ele estabilidade no emprego e que a dispensa teria sido
discriminatória, gerando dano moral.
Para a juíza Jane Granzoto Torres da Silva, relatora do recurso no tribunal,
“o Direito é considerado como o conjunto de normas que regem as relações
sociais. Dessa forma, a AIDS, no aspecto social que envolve a doença,
passa a estar intimamente ligada ao direito, na medida em que cria
situações múltiplas entre o portador da doença e o mundo em que vive”.
Segundo a relatora, apesar da afirmação da Eletropaulo, de que o
reclamante é apenas portador do vírus HIV e que nunca teve qualquer
anomalia manifestada em razão da imunodeficiência, prontuário médico
juntado ao processo “denuncia as inúmeras vezes em que o mesmo se
serviu do departamento médico da empresa, buscando atendimento”.
“Sendo o autor portador do vírus HIV, situação essa do conhecimento da ré,
se a dispensa do autor não ocorreu pelos motivos mencionados na peça
contestatória e, ainda, sem qualquer critério específico, evidente a
presunção da prática de ato discriminatório. É certa a relatividade de
referida presunção, cabendo à demandada infirmá-la, por meio de prova
robusta, o que não foi feito”, observou.
Para a juíza Jane, a demissão “efetivamente causou prejuízo moral ao
reclamante, inclusive com a necessidade de bater às portas do Poder
Judiciário para ver efetivado um direito que lhe é consagrado
constitucionalmente e de modo fundamental”.133
Em 1º de dezembro de 2004, em fase de recurso, a 2ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho reafirmou entendimento de que o portador do vírus HIV tem
132
133
Processo 00910-2005-033-15-00-4 RO, TRT 15ª Região.
RO 01760.2000.007.02.00-6
86
direito à garantia de emprego e, portanto, se foi demitido, deve ser reintegrado ao
posto de trabalho, como acontecido no caso em tela.
De acordo com a relatora do Recurso Ordinário, juíza Mariângela de
Campos Argento Muraro, é inconcebível que o direito do empregador em
rescindir o contrato de trabalho, "possa ferir o direito fundamental à
dignidade da pessoa humana insculpido no inciso III do artigo 1º da
Constituição Federal".
Para a relatora, se não há discriminação, deveria haver maior tolerância da
empresa, exatamente pela condição física do trabalhador e, ainda mais, se
ele continua apto a trabalhar. "Aflora a presunção lógica de absoluta falta de
humanidade, acaso não suscitada motivação de ordem disciplinar,
econômica ou financeira para a consumação do ato rescisório".
Em seu voto, a juíza Mariângela explicou que a reintegração envolve as
duas partes da ação, "uma trabalhará; a outra ofertará contraprestação
pelos serviços. A notoriedade do caráter cíclico da deficiência –
comportando melhora da higidez sob rigoroso controle medicamentoso não impede firmar referida convicção, daí porque imprescindível à
estruturação tida por essencial para a sobrevida do recorrente".
"E é esse o objetivo que a majoritária jurisprudência vem buscando
assegurar na concessão da reintegração nos moldes vindicados nestes
autos, a evitar a consolidação de prejuízo irreparável ao hipossuficiente",
134
concluiu a relatora.
Nos mesmos termos, existe jurisprudência sobre a reintegração do
empregado portador de HIV/AIDS.
AIDS. DISCRIMINAÇÃO SOFRIDA PELO PORTADOR DO VÍRUS HIV REINTEGRAÇÃO DEVIDA. Apesar de o governo, bem como a iniciativa
privada, contarem com programas de tratamento e prevenção, tais fatores
não são suficientes para aplacar a discriminação sofrida pelo aidético, que,
na maioria das vezes, é tratado de maneira preconceituosa, ficando em
segundo plano sua condição de cidadão. A propósito, não é demais lembrar
que o portador do vírus HIV não precisa apenas de medicamentos, como
também, e principalmente, de suporte emocional e psicológico, para garantir
sua qualidade de vida, bem como de seus familiares, amigos, e colegas de
trabalho. Por outro lado, setores da doutrina e da jurisprudência mais
presentemente entendem que, se o empregador tinha conhecimento da
condição de soropositivo do empregado, tal fato gera a presunção da
arbitrariedade da demissão. Caso contrário, desde que não comprovado
qualquer ato ilícito de sua parte, terá exercido de maneira regular seu direito
135
potestativo de dispensar imotivadamente o trabalhador.
No TRT da 10ª Região, entende-se que da dispensa imotivada presume-se a
ocorrência de ato discriminatório e arbitrário.
RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV.
DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. Na linha do
entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, tendo a
reclamada ciência de que o empregado é portador do vírus HIV e dispõe de
condições de trabalho, o mero exercício imotivado do direito potestativo da
134
RO 00458.2002.056.02.00-2)
TRT/SP - 01303200801902009 - RO - Ac. 6ªT 20090725454 - Rel. Valdir Florindo - DOE
11/09/2009)
135
87
dispensa faz presumir a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário. (RR 14/2004-037-02-00.0, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 1ª Turma,
Data de Publicação: DJ 07/12/2007). Recurso ordinário conhecido e
136
desprovido.
REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO. O direito de despedir sem justa causa é
potestativo, limitando-se pelas normas legais que vedam a dispensa. Não
estando o empregado protegido por nenhuma das estabilidades legais, não
há como determinar a reintegração. Recurso conhecido e desprovido. O
relatório aprovado é da lavra da Excelentíssima Juíza Maria Regina
Machado Guimarães, do seguinte teor: "A instância originária, por meio da
sentença de fls. 150/154 da lavra do Exm Juiz Urgel Ribeiro Pereira Lopes,
julgou improcedentes os pedidos iniciais. O reclamante recorre às fls.
155/170. Pugna pela reforma do julgado no que tange à reintegração ao
emprego e correspondente indenização, em face da discriminação sofrida
por ser portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS Custas
processuais dispensadas à fl. 154. Contra-razões ofertadas pelo reclamado
às fls. 173/177. O Ministério Público do Trabalho, em parecer de fls.
182/185, oficiou pelo provimento do apelo, por caracterização de ato
137
discriminatório e dispensa arbitrária.
RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV
DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. Na linha do
entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, tendo a
reclamada ciência de que o empregado é portador do vírus HIV e dispõe de
condições de trabalho, o mero exercício imotivado do direito potestativo da
dispensa faz presumir a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário." (RR 14/2004-037-02-00.0, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 1ª Turma,
Data de Publicação: DJ 07/12/2007). Recurso ordinário conhecido e
desprovido. O Excelentíssimo Juiz do Trabalho Roberto dos Santos Soares,
em exercício na MMª 7ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, proferiu a r.
sentença de fls. 411/417, complementada às fls. 445/447, julgando
procedentes em parte os pedidos deduzidos por ELTON GONÇALVES
FERREIRA em face de CONVER COMBUSTÍVEIS VEÍCULOS E
REPRESENTAÇÕES LTDA. A Reclamada interpõe recurso ordinário às fls.
448/474, suscitando a preliminar de carência de ação; no mérito, pretende a
reforma da r. sentença quanto à reintegração, danos morais, quantum
indenizatório e multa do artigo 538 do CPC. Foram ofertadas contrarrazões
às fls. 479/490. Documentos destinados à comprovação do pagamento das
custas processuais e recolhimento do depósito recursal às fls. 475 e 476,
respectivamente. Na forma do artigo 102, do RI desta C. Corte Regional, os
autos não foram encaminhados à prévia análise do d. Ministério Público do
Trabalho. Esta Terceira Turma, em acórdão proferido às fls. 498/502,
acolheu a prefacial de extinção do feito sem apreciação de mérito, na forma
do artigo 267, IV, do CPC. Inconformado com a decisão, interpôs o Autor
Agravo de Instrumento em Recurso de Revista, o qual foi provido pelo
Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Em sede de Recurso de Revista, a
Superior Corte Trabalhista deu provimento ao apelo, para afastar o óbice da
falta de pressuposto processual, consistente na submissão da demanda à
Comissão de Conciliação Prévia. Por conseguinte, determinou o retorno dos
autos a este Regional para prosseguimento do feito (fls. 209/215 do
138
processo TST-AIRR-395/2006-007-10-40.9).
136
TRT10 - Acórdão da 3ª Turma - Processo nº. 00395-2006-007-10-00-4 - RO. Julgado em
15/12/2009 e publicado em 15/01/2010 no DEJT.
137
Acordão 1ª Turma Desembargadora Maria Regina Machado Guimarães - 00534-2004-004-10-009 RO - Julgado em 04/05/2005 e publicado em 20/05/2005
138
Acórdão 3ª Turma - Rel. Juíza Cilene Ferreira Amaro Santos 00395-2006-007-10-00-4 RO Julgado em 15/12/2009 e publicado em 15/01/2010.
88
No TST, o entendimento dominante é que, ao resguardar o emprego daquele
que corre o risco da marginalização social, “permitindo-lhe manter as condições da
própria sobrevivência e da família, a concessão da garantia de emprego, em
situações excepcionais, desestimula a despedida motivada pelo preconceito, e não
por motivo econômico, disciplinar, técnico ou financeiro.”
RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO SUSCITANTE SINDICATO
DOS EMPREGADOS EM ENTIDADES SINDICAIS E ÓRGÃOS
CLASSISTAS DE SANTOS, SÃO VICENTE, PRAIA GRANDE, CUBATÃO,
GUARUJÁ, BERTIOGA, SÃO SEBASTIÃO, MONGAGUÁ E ITANHAÉM.
ENTIDADES
ASSOCIATIVAS.
LEGITIMIDADE
PASSIVA.
TRABALHADORES PORTADORES DE HIV/ AIDS. DISPENSA
DISCRIMINATÓRIA. VEDAÇÃO. 1. O Tribunal Regional indeferiu a cláusula
com fundamento na necessidade de acordo entre as partes. 2. Ocorre, no
entanto, que a Convenção nº 111 da Organização Internacional do
Trabalho, ratificada pelo Brasil, considera como discriminação toda e
qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou
alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão. 3. Em consonância com a norma internacional que
veda práticas discriminatórias para admissão e manutenção do vínculo de
emprego, especialmente em relação aos empregados portadores da
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), a jurisprudência dominante
desta Corte Superior firmou entendimento de que, ao proteger o emprego
de quem corre o risco da marginalização social, permitindo-lhe manter as
condições da própria sobrevivência e da família, a concessão da garantia
de emprego, em situações excepcionais, desestimula a despedida motivada
pelo preconceito, e não por motivo econômico, disciplinar, técnico ou
financeiro. 4. Como forma de conferir eficácia a Convenção nº 111 e ao
Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o
Mundo do Trabalho, faz-se necessário garantir que o empregado, mediante
recomendação médica, seja readaptado em função compatível com seu
estado de saúde, em caso de limitação de sua capacidade laborativa, bem
como, que o teste de HIV não seja exigido como condição para o ingresso/
continuidade no emprego. Cláusula deferida. Recurso ordinário conhecido e
parcialmente provido. Recursos ordinários conhecidos e parcialmente
139
providos.
EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA IMOTIVADA.
PRESUNÇÃO RELATIVA DE DISCRIMINAÇÃO. REINTEGRAÇÃO. A
ordem jurídica pátria repudia a discriminação, cuja presença na voluntas
que precede o ato da dispensa implica a sua ilicitude, ensejando nulidade.
O exercício do direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho
sofre limites, na hipótese de ato discriminatório, em função dos princípios da
função social da propriedade (art. 170, III, da CF), da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF), por
manifesta incompatibilidade. A jurisprudência desta Corte Superior evoluiu
no sentido de presumir discriminatória a dispensa sempre que o
empregador tem ciência de que o empregado é portador do vírus HIV, com
139
Processo: RODC - 2025400-93.2006.5.02.0000 Data de Julgamento: 18/10/2010, Relator Ministro:
Walmir Oliveira da Costa, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Divulgação: DEJT
28/10/2010.
89
a conseqüente inversão do encargo probatório (praesumptio juris tantum).
DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. No dizer de José Affonso Dallegrave
Neto (in Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª
ed., 2007, p. 335), a -imposição de comportamento positivo ao titular da
empresa, quando manifestada na esfera trabalhista, significa um atuar em
favor dos empregados, o que, na prática, é representado pela valorização
do trabalhador, por meio de um ambiente hígido, salário justo e, acima de
tudo, por um tratamento que enalteça a sua dignidade enquanto ser
humano-. Em reforço, Nehemias Domingos de Melo (in Dano Moral
Trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007, p. 129) observa que, em se tratando de
empregado portador do vírus HIV, - a dispensa imotivada constitui atitude
discriminatória e atenta contra os princípios constitucionais do direito à vida,
à dignidade humana e ao trabalho-. Assentado no acórdão regional, que a
despedida ocorreu cinco dias após o retorno de licença médica decorrente
da enfermidade - - permaneceu em gozo do benefício auxílio-doença a
partir de 16-02-2006, retornando ao trabalho em 1º-09-2006. Foi dispensado
sem justa causa pela ré em 06-09-2006 -, tem-se por configurada a violação
dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva, do próprio contrato de trabalho
e da função social da empresa, a ensejar, forte nos arts. 186 e 927 do
Código Civil, o direito a compensação por dano moral. Recurso de revista
140
integralmente não conhecido.
Percebe-se que os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do
Trabalho (Corte Extraordinária em sede trabalhista) vem garantindo o emprego do
portador do vírus da AIDS, inclusive, declarando que suas dispensas são abusivas,
discriminatórias ou obstativas de direitos – garantindo, assim, o cumprimento da
dignidade humana do trabalhador.
140
Processo: RR - 721340-83.2006.5.12.0035. Data de Julgamento: 26/05/2010, Relatora Ministra:
Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 22/10/2010.
90
CONCLUSÃO
Ao realizar a presente pesquisa monográfica, buscou-se entender, à luz dos
princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade, bem
como das Orientações e Recomendações das Organizações Internacionais da
Saúde e do Trabalho, a abrangência das leis trabalhistas protetivas dos portadores
de HIV ou doentes de AIDS.
Primeiramente, no intuito de caracterizar a relevância e a compreensão que
as sociedades dão às relações trabalhistas, traçou-se, através de uma abordagem
histórica, um panorama contendo os principais acontecimentos, que contribuíram
para o entedimento contemporâneo do trabalho no mundo.
Observou-se, que o trabalho, de uma maneira geral, foi interpretado ou como
uma forma de penalização ou como dignificação da pessoa humana. A ideia
aristotélica, por exemplo, era de que o trabalho manual entorpece e deteriora a
mente, não deixando tempo nem energia para a inteligência e para a política.
Sendo a agricultura o principal meio de subsistência da Antiguidade,
estabeleceram-se, então, formas de se acordar as condições de trabalho, obrigando
a todos condutas que respeitassem o pagamento quando da prestação de um
serviço e até remuneração fixa pelo tempo gasto na execução do serviço.
Durante a Idade Média, o serviço era confiado ao servo, trabalhador
semelhante ao escravo, mas que já era reconhecido como pessoa. A partir deste
ponto, verificou-se o início da configuração de um espaço urbano, pelo comércio
entre feudos, tomando rumos diferentes do centro feudal, coroando o nascimento da
burguesia. Dessa maneira, o eixo de produção deslocou-se da agricultura para o
capitalismo, dando abertura a ocorrência o êxodo rural, aumentando a quantidade
de mão-de-obra que poderia se encontrar nas cidades. Após o surgimento das
corporações de ofício, ocorreram vários problemas com o rumo que o capitalismo
demasiado assumiu, principalmente pelo fato dos direitos básicos do trabalhador,
por sua condição de ser humano, serem suprimidos do comportamento social. A
partir de então, graças às revoltas e greves dos operários e com o advento da
Revolução Francesa, fora confirmada a liberdade para o exercício das profissões,
sendo a vontade o poder supremo para a realização de atos jurídicos.
91
As primeiras normas trabalhistas aprovadas pelos Estados Europeus foram
editadas no século XIX, quais sejam, a limitação da jornada de trabalho, a proibição
do emprego de crianças com idade menor ou igual a 9 anos, e a fixação da jornada
de 12 horas àqueles que eram menores de 16, dando abertura para que fosse
garantido a reunião dos operários em sindicatos, o exercício do direito de greve, os
seguros sociais, e os acidentes do trabalho.
Nesse sentido, os riscos decorrentes da má qualidade no ambiente de
trabalho são conhecidos há anos, citando-se como exemplo as doenças
profissionais causadas pela absorção do chumbo, do mercúrio, de solventes, e pela
exposição à poeira de silicose ou de amianto. Por ser um dos direitos resguardados
na Declaração dos Direitos Humanos, a saúde constitui parte essencial do tema de
meio ambiente de trabalho, a qual a Constituição Brasileira, em diversos momentos,
garante aos cidadãos condições para a manutenção de sua qualidade de vida.
Percebeu-se, enfim, que nunca foi tão necessário o investimento na saúde e
segurança do trabalho, pois, com o desenvolvimento de novas tecnologias, surgiram
novas moléstias ocupacionais, mormente no mundo globalizado em que se procura
utilizar técnicas para exigir a máxima produção do trabalhador.
Portanto, os instrumentos normativos que incidem sobre as relações de
trabalho devem visar, sempre que possível, à prevalência dos valores sociais do
trabalho, onde a dignidade do trabalhador, auferida pela condição de ser humano,
deve ter profunda ressonância na interpretação e aplicação das normas legais e das
condições contratuais do mesmo.
As preocupações e definições relativas a acidentes e doenças dos
trabalhadores sempre tiveram uma análise genérica, de forma que a intenção não é,
meramente, a segurança dada àqueles que sofrem com acidentes do trabalho e
indisposições profissionais, mas, antes, as eventuais garantias que poderiam advir a
um trabalhador acometido de enfermidade mórbida, que não estivesse relacionada
ao seu trabalho. Este é o caso do HIV/AIDS.
Adentrando a temática proposta na pesquisa, do alcance e aplicação da
legislação trabalhista no caso de empregados portadores de HIV/AIDS, houve a
preocupação de esclarecer-se a definição do que é o vírus HIV e suas
características, o que significa a soropositividade, a sintomatologia, bem como a
evolução da moléstia e suas formas de contágio. Percebeu-se, então, que sob a
ótica trabalhista, não há falar-se que o empregado/trabalhador portador de HIV ou
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doente de AIDS perde a sua capacidade laborativa. Sustentar tal entendimento
implicaria em abandonar-se o objetivo fundamental da República Federativa do
Brasil, qual seja, construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como violar os
princípios constitucionais do valor social do trabalho, da dignidade humana e da
igualdade. Corroborando com esse entendimento, analisou-se a Declaração da
Organização Internacional do Trabalho em parceria com Organização Mundial de
Saúde sobre a AIDS, que foi editada exatamente para definir, em critérios médicos e
jurídicos, a proteção ao empregado portador de HIV.
Desta forma, graças à obrigatoriedade do exame admissional, de acordo com
a Consolidação das Leis do Trabalho, verificou-se que, no caso de empregado
portador de HIV/AIDS, a investigação da moléstia caracteriza-se como violação da
intimidade do empregado, já que aqueles que são acometidos por tal doença não
são obrigados a revelar a sua condição de saúde para ninguém. Caso, haja o
consentimento ou solicitação por parte do empregado, o exame poderá ser
realizado, entretanto, respeitando sempre a intimidade do trabalhador, pois quando
da feitura de exame, o médico do trabalho que realizá-lo, não poderá, de forma
alguma, violar a intimidade do soropositivo, coibindo-o a informar ou fazendo-o por si
só.
Conclui-se, portanto, que não há função ou ambiente de trabalho que aquele
não possa trabalhar, exceto os quais o próprio empregado não se sinta à vontade. A
legislação brasileira prevê, em várias oportunidades, formas de amparo ao
trabalhador soropositivo, seja de cunho pecuniário ou na própria manutenção do
emprego.
Infelizmente, ainda hoje, devido ao desconhecimento da sociedade sobre a
AIDS, os portadores de tal moléstia sofrem com a discriminação, e não é diferente
no mundo trabalhista. Com o intuito de inibir o tratamento discriminatório sofrido
pelos empregados portadores de AIDS em seu ambiente de trabalho, de acordo com
determinação da OIT sobre o tema, criaram-se políticas públicas e/ou privadas, que
compilaram informação e educação sobre a doença, considerando que o
desconhecimento é a principal causa de preconceito.
Entre outras situações delicadas observadas pela pesquisa ora empreendida,
restou evidente que ainda hoje, a comprovação de tratamento discriminatório é
controvertida,
haja vista que os documentos e outras fontes formais de prova
normalmente estão em posse do possível discriminador, ou seja, o chefe, e ao
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mesmo tempo, os colegas de trabalho que poderiam testemunhar em favor daquele
podem sentir-se coagidos ou ameaçados em relação a manutenção do seu
emprego.
Enfim, ao colacionar-se jurisprudências sobre o tema, percebeu-se que o
entendimento dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do
Trabalho é praticamente uníssono ao firmar que a dispensa arbitrária de empregado
soropositivo, caracteriza comportamento discriminatório, sendo devido ao mesmo,
danos morais e a imediata reintegração nos quadros de empregados.
Devido à importância do tema, verifica-se necessária a implementação e
fiscalização de políticas públicas e privadas, que forneçam o conhecimento àqueles
que convivem com a doença no meio social e apoio e dignidade para os
empregados portadores de HIV/AIDS, a fim de erradicar-se a discriminação e de
respeitar-se os preceitos constitucionais de igualdade de tratamento.
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Mariana Ribeiro de Oliveira - Universidade Católica de Brasília