MARIANA RIBEIRO DE OLIVEIRA EMPREGADOS PORTADORES DE HIV/AIDS: ALCANCE E APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Esp. Fabiane Freitas de Almeida Pinto Brasília 2010 Universidade Católica de Brasília Monografia de autoria de Mariana Ribeiro de Oliveira, intitulada “EMPREGADOS PORTADORES DE HIV/AIDS: ALCANCE E APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em (---/---/----), defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assina __________________________________________ Presidente: Profª Esp. Fabiane Freitas de A. Pinto Orientador Universidade Católica de Brasília __________________________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília __________________________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília Brasília 2010 Dedico o presente trabalho à minha família e amigos, especialmente àquele que esteve ao meu lado todos os dias durante este lustro, me dando suporte e criando oportunidades para o meu crescimento. Dedico, também, aos docentes que, além de me prover o conhecimento jurídico, ofereceram lições de vida, servindo como como estímulo e demonstração de que não há dificuldade insuperável quando é forte o desejo de realização. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, sempre presente em minha vida, concedendo-me esta oportunidade de enriquecer meus conhecimentos. Agradeço aos amigos e queridos colegas, pessoas inesquecíveis, que a Instituição me permitiu conhecer, e espero os reencontrar no futuro. Agradeço aos docentes, especialmente a prof.ª Vanessa Maria de Morais, a qual, durante, antes e após as aulas, oferecia suporte tanto no campo jurídico como em assuntos corriqueiros, se tornando uma grande amiga. Agradeço de forma muito carinhosa à minha orientadora, Professora Fabiane Freitas, pela infinita paciência, enorme atenção e apoio, grandes ensinamentos e irrestrita colaboração. RESUMO Referência: OLIVEIRA, Mariana Ribeiro de. Empregados portadores de HIV/AIDS: Alcance e Aplicação da Legislação Trabalhista. 2010. 96 fls. Monografia do Curso de Direito - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. O presente trabalho tem por finalidade analisar, sob a luz dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade e das Orientações e Recomendações das Organizações Internacionais da Saúde e do Trabalho, a abrangência das leis trabalhistas protetivas dos portadores de HIV ou doentes de AIDS. Devido à importância do tema, verifica-se necessária a implementação de políticas públicas e privadas, fornecendo, assim, o conhecimento àqueles que convivem com a doença no meio social e apoio e dignidade para empregados portadores de HIV/AIDS. Nesse sentido, colaciona-se, além da legislação cabível ao caso em tela, ensinamentos doutrinários e entendimentos de diversos TRT’s e do TST sobre a discriminação sofrida pelo empregado soropositivo. Palavras-chave: Empregado portador de AIDS. Direitos Trabalhistas. OIT. OMS. Ambiente de trabalho. Discriminação. ABSTRACT Reference: OLIVEIRA, Mariana Ribeiro de. Employees with HIV/AIDS: Scope and Application of Labor Laws. 2010. 96 fls. Monograph of the course of law.Universidade Católica de Brasília, 2010. This study aims to examine, in light of the constitutional principles of Human Dignity and Equality and the Guidelines and Recommendations for International Organizations of Health and Labor, the scope of protective labor laws of HIV carriers or AIDS patients. Due to the importance of the topic, it is imperative to implement public politics and private sectors, thus providing the knowledge to those living with the disease in social support and dignity for employees with HIV/AIDS. In that sense, collect themselves, in addition to legislation applicable to the case in, religious teachings and understandings of many of the TST and TRT's about the discrimination faced by HIV positive employee. Keywords: HIV/AIDS Employees. Labor Laws. ILO. WHO. Work environment. Discrimination. LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS AIDS - Acquired immune deficiency syndrome ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade Arts. – Artigos CF/88 – Constituição Federal da República do Brasil de 1988 CFM - Conselho Federal de Medicina CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CPC – Código de Processo Civil DJ – Diário da Justiça Esp - Especialista HIV - Human immunodeficiency virus ILO - International Labor Organization LER - Lesão por Esforço Repetitivo nº - número OIT - Organização Internacional do Trabalho OMS - Organização Mundial de Saúde ONU - Organização das Nações Unidas OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde p – Página Res - Resolução RODC - Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo SIDA - Síndrome de Imunodeficiência Adquirida STF - Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TRT – Tribunal Regional do Trabalho TST – Tribunal Superior do Trabalho WHO - World Health Organization § – parágrafo SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................9 1 - A ORIGEM DO TRABALHO HUMANO E BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A SAÚDE DO TRABALHADOR. ..............................................................................11 1.1 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ORIGENS DO TRABALHO HUMANO.........12 1.2 - A PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR NO DIREITO COMPARADO ...............................................................................................................................20 1.3 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O RECONHECIMENTO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR. ART. 7°, CF...........34 2- A AIDS NO AMBIENTE DE TRABALHO .............................................................39 2.1- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS HIV ...............................................................................................................................41 2.2 A REPERCUSSÃO DA MOLÉSTIA NO MUNDO DO TRABALHO................44 2.3 - DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO DE EMPREGO DO PORTADOR DE HIV .............................................................................................47 2.4 - DECLARAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE E ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO SOBRE A AIDS. ..............55 3 - DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR COM AIDS...........................61 3.1 - EXIGIBILIDADE DO EXAME ADMISSIONAL DO EMPREGADO. ART. 168, CLT........................................................................................................................63 3.2 - INVESTIGAÇÃO DO HIV/AIDS POR PARTE DO EMPREGADOR NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO: VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE DO EMPREGADO? .....................................................................................................65 3.3 - AS CONDIÇÕES DE SAÚDE DO OBREIRO SOROPOSITIVO. LIMITES DE PROTEÇÃO ..........................................................................................................69 4 - DO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO NO AMBIENTE DE TRABALHO .......73 4.1 - DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO DO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO. .............................................................................................75 4.2 - POLÍTICAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS ADVINDAS DO PODER PÚBLICO E DE INSTITUIÇÕES REPRESENTATIVAS DA SOCIEDADE ...............................78 4.3 - JULGADOS DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ENVOLVENDO EMPREGADOS COM HIV.....................................................................................83 CONCLUSÃO ...........................................................................................................90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................94 9 INTRODUÇÃO Este trabalho monográfico constitui uma reflexão (sem nenhuma pretensão de esgotamento do tema) a respeito do labor desenvolvido trabalhador com diagnóstico de HIV. A bem da verdade, o debate do tema no contexto social surge no Século XXI, com o esclarecimento propiciado pelas pesquisas médicas e divulgação por campanhas (nos meios de comunicação), suscitando dúvidas quanto o encaminhamento adequado da questão da AIDS e a capacidade laborativa dos portadores da doença. Estima-se que, atualmente, 90% dos portadores de HIV ou doentes de AIDS integrem a População Economicamente Ativa, ou seja, em idade e condições de trabalho. A legislação trabalhista tem, por um de seus objetivos, proteger e defender os direitos e garantias dos trabalhadores, sem diferenciá-los por suas condições. No entanto ainda persistem situações que são levadas a julgamento por conta da intransigência ou resistência com relação aos trabalhadores soropositivos que, como os demais trabalhadores, tem direito à dignidade da pessoa humana, ao respeito e a qualidade de vida, amparadas pela Lei Maior. Além do problema de saúde pública, a discriminação avança afetando o indivíduo no âmbito do trabalho, sendo sua dignidade intensivamente comprometida, por conta de especulações e do pouco conhecimento sobre o que é, o que causa, como se contamina, como se evita o contágio da doença e o quanto ela interfere na qualidade das atividades laborais do trabalhador portador de HIV/AIDS. No intento de apontar o atual cenário em que se desenvolvem as relações trabalhistas, a presente monografia foi estruturada de modo a expor a evolução do pensamento jurídico, no que diz respeito ao alcance e aplicação da referida legislação no caso de empregados portadores de HIV/AIDS, até as mais recentes jurisprudências sobre o tema. Para tal intento no capítulo I, é feito um retrospecto sobre a origem do trabalho humano, o conceito e as distinções no trato da relação entre empregado e empregador. Também se tece breves considerações sobre a saúde do trabalhador com a complexificação das relações ao longo da historia. Outro aspecto abordado, diz respeito aos direitos e obrigações dos participantes da relação de trabalho, como são vistos comparativamente conforme apresentados pelas e OIT. 10 Em sequência, o capitulo 2, especifica como é tratada a questão da AIDS na sua repercussão no mundo do trabalho, abordando a real definição do que é o HIV/AIDS, bem como as verdades e mentiras sobre a doença. Como forma de proteção ao trabalhador, aqui também se fala da tutela jurídica dada sobre o tema, tanto no âmbito nacional, amparado constitucionalmente, como internacional, pelas Declarações e Resoluções da OMS e OIT. Logo após, no capítulo III, aborda-se a proteção jurídica do trabalhador, englobando a exigibilidade do exame admissional no ato da contratação, como forma de violação da intimidade do empregado, que ocorrerá se o empregador fizer um exame de AIDS sem a devida autorização do empregado e os limites de proteção ao soropositivo, ou seja, as condições básicas para o empregado portador de HIV trabalhar em tal lugar. Já no capítulo IV, utilizando-se do entendimento dos Tribunais do Trabalho Brasileiros, comprova-se por um lado a existência real de condutas discriminatórias no ambiente de trabalho e o embaraço em constituir mecanismos que propiciem sua comprovação. Por outro lado, apresenta-se os esforços subsidiados pelas políticas públicas contra a discriminação, além dos argumentos apresentadas pelas decisões formalizadas pelos julgadores no intuito de garantir o emprego do portador do vírus da AIDS, quando declaram as dispensas abusivas, discriminatórias ou obstativas de direitos. Em conclusão desta monografia, espera-se, de maneira satisfatória, tornar evidente, a luz dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade e das Orientações e Recomendações das Organizações Internacionais da Saúde e do Trabalho, a abrangência das leis trabalhistas protetivas dos portadores de HIV ou doentes de AIDS. 11 1 - A ORIGEM DO TRABALHO HUMANO E BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A SAÚDE DO TRABALHADOR. Porque deste ouvido à voz de tua mulher, e comeste da árvore, de que eu tinha te ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos, todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor do teu rosto até que voltes à terra, de que foste tomado; 1 porque tu és pó, e em pó te hás de tornar. Do ponto de vista conceitual, pode-se dizer que o labor tem origem desde o ato da criação divina, mesmo antes até do ‘pecado original’, como uma maneira de dar prosseguimento a obra de Deus, ou seja, uma benção. O trabalho, a ação em prol da subsistência, remonta a gênese humana como uma função inerente a condição do homem. Entretanto, depreende-se dos versículos supra que, a partir do ‘pecado original’, o trabalho desde os tempos imemoriais tem sido algo penoso, a ser feito com muito esforço, como um castigo dado a Adão pelo erro cometido, fazendo com que a humanidade trabalhasse como forma de absolvição e resgate da dignidade perdida. Tem-se, então, um aspecto da realidade trazida no termo trabalho, revelando a dureza e a dificuldade, agora irreversíveis constituídas na vida humana. Talvez por esse motivo não seja raro localizar no repertório figurado de várias culturas tal percepção do trabalho como pena. A imagem hebraica sobre o trabalho aponta este como um valor da atividade do ser humano, determinado materialmente como corpo, como organismo, enfim, dotado de vida. O trabalho como movimento transformador do homem sobre a natureza interfere também na maneira de compreender a realidade que nos cerca, ou seja, nunca permanecem iguais ao fim de uma atividade, independente do seu caráter. Nesse sentido pode-se dizer que, através do trabalho, o homem se aperfeiçoa ao mesmo tempo em que produz sua própria cultura. O trabalho é uma das formas do homem atuar sobre o mundo e que o faz de vários modos, mas com certeza o faz devido à bagagem que traz de sua herança 1 Gênesis, Capítulo 3, versículos 17-19. Bíblia Sagrada - 24ª Edição Claretiana. Ed. Ave-Maria, 2000. 12 cultural e sua ideologia acerca das relações sociais. Enfim, é partindo dessa perspectiva que se pretende alcançar a questão do trabalho na atualidade. 1.1 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ORIGENS DO TRABALHO HUMANO A origem etimológica da palavra trabalho é tripalium2, um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no qual os agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, para rasgá-los, esfiapá-los. Dicionários gerais3, contudo, registram tripalium apenas como instrumento de tortura, o que teria sido originalmente, ou se tornado depois. A tripalium se liga ao verbo do latim vulgar tripaliare, que significa justamente “torturar”. Partindo da Antiguidade Grega e Romana, o homem adaptava a natureza a si e a essa condição se denomina trabalho. Na Grécia, o cidadão, para participar ativamente das discussões dos problemas da polis (cidades-estado), bem como se dedicar à elaboração de leis e aos cargos públicos, necessitava de tempo livre para exercer essas funções. Aristóteles4 olhava o trabalho com desprezo, do alto da filosofia, como próprio de homens sem inteligência, como indicado apenas para escravos e como apenas preparador de homens para a escravidão. O trabalho manual, segundo ele, entorpece e deteriora a mente, não deixando tempo nem energia para a inteligência e para a política. A despeito de a civilização grega ser formada no intuito de valorizar as cidades e à vida urbana, a agricultura compunha-se como atividade central da economia, ou seja, aqueles camponeses que extraiam do solo os seus próprios meios de subsistência eram livres. Por esse motivo, a posse de terra era de grande valor para aquela sociedade. Na maioria das cidades gregas dos séculos VI e V a.C., só os cidadãos podiam ser proprietários5. Contudo, em suas pequenas 2 CUNHA, Antonio Geraldo. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 4ª Edição. Editora Lexikon, 2010. 3 Dicionário Novo Aurélio Século XXI. 3ª Edição, Ed. Nova Fronteira, 1999. 4 DURANT, Will. História da Civilização, 1942 Apud BARROS, Maria Alice. Curso de Direito de Trabalho - 5ª Edição. Ed. Ltr, 2009, p. 36. 5 AQUINO, Rubim Santos Leão et al. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. 1980 13 parcelas de solo fértil, os cidadãos gregos trabalhavam na tentativa de extrair da terra pouco produtiva os alimentos necessários para sua manutenção, tendo a escassez da mesma facilitado o surgimento de núcleos urbanos independentes futuramente. Criaram-se, então, meios de acordar as condições de trabalho, tais como: 1. a Locatio Conductio, um ajuste consensual por meio do qual uma pessoa se obrigava a fornecer a outra o uso e o gozo de uma coisa, a prestação de um serviço ou de uma obra em troca de um preço que a outra parte se obrigava a pagar. Era comum que fosse utilizado o serviço escravo de outros senhores, incluindo-se neste contexto os homens livres de baixo poder aquisitivo, passando estes a ser incluídos na locação de seus serviços. O pagamento era elemento essencial, sendo fixado pelas partes, variando de acordo com a lei da oferta e procura; 2. a Locatio Rei, onde uma das partes se obrigava a conceder a outra o uso e o gozo de uma coisa em troca de certa retribuição; 3. a Locatio Operis, na qual o objetivo era o resultado de determinada obra que uma pessoa se comprometia a executar para outrem, mediante um preço e assumindo os riscos de tal execução; 4. a Locatio Operarum, prestação de serviços por uma pessoa, cuja remuneração era fixada tendo em vista o tempo gasto na execução, não o resultado do trabalho, arcando o credor do trabalho com os riscos advindos da prestação, antecedendo o contrato de trabalho.6 Devido às particularidades da intuição e aos refinamentos da razão, os gregos deixaram certas ponderações sobre a questão do trabalho. É comum encontrar-se, nos textos da Grécia Clássica, formulações em que o desprezo pelo trabalho aparece e cultua-se a única atividade dita digna do homem livre, qual seja, o ócio dos filósofos. Contudo, para o sustento da composição das cidades, havendo tempo livre para dedicar-se à sua administração, sem deixar de produzir riqueza, era imprescindível que fosse generalizado o trabalho escravo. O escravismo tornou-se o modo de exploração econômico que sustentava a cidade e o campo e que proporcionava privilégios às elites gregas. Ser escravo nas 6 CALDERON, Moacir. Professor de Direito do Trabalho I. Fases Históricas da relação de trabalhoAnotações de aula em abril/2007. 14 polis significava não poder participar da vida política, ser excluído de parte das festas religiosas, ser desprovido de direitos e da educação para jovens cidadãos. Ao contrário do que ocorreu nos tempos modernos, a instituição da escravidão na Antiguidade não foi uma forma do obter mão-de-obra barata nem instrumento de exploração para fins de lucro, mas sim a tentativa de excluir o labor das condições da vida humana. Tudo o que os homens tinham em comum com as outras formas de vida animal era considerado inumano. (Essa era também, por sinal, a razão da teoria grega, tão malinterpretada, da natureza inumana do escravo. Aristóteles, que sustentou tão explicitamente a sua teoria para depois, no leito de morte, alforriar seus escravos, talvez não fosse tão incoerente como tendem a pensar os modernos. Não negava que os escravos pudessem ser humanos; negava somente o emprego da palavra homem para designar membros da espécie humana totalmente sujeitos à necessidade). E a verdade que o emprego da palavra animal no conceito de animal laborans, ao contrário do outro uso, muito discutível, da mesma palavra na expressão animal rationale, é inteiramente justificado. O animal laborans é, realmente, apenas uma das espécies animais que vivem na Terra – na melhor as hipóteses a mais 7 desenvolvida. Por ter uma conotação material, tornou-se possível a escravidão. O escravo assemelhava-se à coisa que pertencia ao seu senhor, a partir do momento em que era arrematado, não tendo como, portanto, prestar seu consentimento contratual e contrair as obrigações que lhe foram impostas, perdendo a posse de si mesmo. Aquele tinha seu direito à vida e ao tratamento digno sonegados. A escravidão explica-se pelas particulares condições econômicas da época e pela falta de um conceito autêntico de liberdade. O trabalho no mundo grego era considerado tanto como vil, opressor da inteligência humana, bem como aquele que era exaltado como essência do homem.8 Percebe-se que, para os antigos gregos, não estava a adesão irrefletida à escravidão e uma rejeição do trabalho como algo indigno em si mesmo. A se crer nas advertências de Hannah Arendt, eles produziram tal interpretação da realidade humana do trabalho que o problema da tensão entre liberdade da razão e a necessidade do labor se exprimia na contradição entre o animal laborans e o animal rationale. Na opinião de Durkheim, a sociedade era um organismo constituído de partes identificáveis e com relações bem definidas entre essas partes. A divisão social do trabalho significava o funcionamento, a princípio harmônico, desse organismo. Uma 7 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª Edição. Ed. Forense, 1958. p. 94-5. BATAGLIA, Felice apud BARROS, Maria Alice. Curso de Direito do Trabalho. 5ª Ed. Ed. LTR, 2009, p. 56 8 15 divisão sistemática da sociedade e dos trabalhos que cada divisão desempenharia se traduziria em uma melhor compreensão da sociedade e, portanto, uma forma de melhorá-la como um todo, não tendo o indivíduo importância já que o mesmo não constrói a sociedade e suas instituições, mas sim as herda e deve adequar-se ao contexto que elas proporcionam. Dessa forma, é por meio da Divisão Social do Trabalho que a forma mais acabada de consciência, a coletiva, se impõe, já que “o trabalho só se divide espontaneamente se a sociedade está constituída de tal maneira que as desigualdades sociais expressam exatamente as desigualdades naturais.”9 A queda do Império Romano provocou mudanças na vida das cidades, com o consequente enfeudamento. Por toda a Europa desenvolveu-se uma sociedade onde contingentes populacionais punham-se sob a proteção de senhores da terra prestando-lhes promessas de fidelidade. As condições gerais dos exercícios da atividade produtiva eram análogas, isto é, sob certos aspectos, às da Antiguidade Grega, assumindo a forma geral da servidão. Na Idade Média algumas características ainda permaneceram. Embora os gregos e os romanos já residissem nas cidades, o trabalho agrícola supria suas necessidades. No feudo, o serviço era confiado ao servo, que já era reconhecido como pessoa e não mais como coisa, apesar de que a situação do trabalho servil ser muito semelhante à dos escravos. Os donos de terras não dependiam do trabalho para viver, cabendo assim aos não proprietários o cultivo das terras privadas para sua própria sobrevivência e também a dos seus senhores. Os frutos produzidos em solos diferentes daqueles de propriedade do senhor feudal poderiam ser encontrados em pequenas feiras que se formavam entre um feudo e outro, surgindo, assim, o comércio. Aos poucos as relações individuais de trabalho foram sendo substituídas “por um regime heterônomo, que se manifestou, sobretudo no segundo período da época medieval, nas corporações de ofício” 10 , onde a principal preocupação era garantir a constância da fabricação e a qualidade das mercadorias vendidas. A partir deste ponto, verifica-se a configuração de um espaço urbano, espalhando-se desvinculada do centro feudal. Surge, enfim, a classe da burguesia, denominação derivada da palavra burgo. As novas formas de troca de bens de 9 DURKHEIM, Emile. Regras do Método Sociológico. Ed. Martin Claret, 2001. p. 37 BARROS, 2009, p. 33 10 16 consumo já revelavam distinções pontuais. Seus componentes eram pessoas que desenvolviam atividades artesanais, fortalecendo as corporações de ofício aliadas com a acumulação de capital através do comércio de suas produções. Até meados do Século XVIII, menos de 10% da população vivia nas cidades. A principal atividade econômica era a agricultura. A população das áreas rurais produzia suas próprias roupas e utensílios. A maior parte do artesanato era produzida por famílias, com matérias-primas fornecidas pelos burgueses, que depois distribuíam as mercadorias para as demais regiões. Os países europeus eram quase todos governados por monarquias autoritárias. O povo não tinha direito à participação política na sociedade e enfrentava dificuldades. Havia pouca mobilidade social, e quase sempre os 11 filhos seguiam a mesma profissão dos pais. Fala-se aqui do deslocamento do eixo de produção da agricultura para o capitalismo ou o modo de produção moderno. Com a necessidade de se buscar melhor qualidade de vida a massa trabalhadora partiu da zona rural para as vilas e cidades. Este êxodo tornou as cidades um lugar aonde podia-se encontrar uma grande disponibilidade de mão-de-obra. Isso foi um marco para o surgimento de diversas ciências, como a Sociologia12. As corporações de ofício traziam em sua formação, como objetivo, o estabelecimento de uma estrutura hierárquica, o regulamento da capacidade produtiva e das técnicas de fabricação. Aqueles que já tinham passado pela prova da obra-mestra eram tidos como os mestres, que por mérito, possuíam a propriedade das oficinas. Em princípio, obtinham tal cargo pelas suas aptidões profissionais ou pela execução de uma obra-prima, tendo como aprendizes os menores que recebiam ensino metódico do ofício ou profissão, mediante pagamento de taxas. Findo o período de aprendizado, tornavam-se companheiros e exerciam suas atividades nos locais públicos, obtendo pagamento pelos mestres. Contudo, apesar de almejar uma melhora na escala técnica, aqueles que eram companheiros só poderiam aprimorar sua atuação profissional se dispusessem de verba para adquirir a carta de mestria ou se contraíssem matrimônio ou com a filha ou com a viúva do mestre. No início da Revolução Industrial, os trabalhadores enfrentavam péssimas condições de trabalho e recebiam baixos salários. Com muita luta, foram 11 12 CAMARGO, Nelson José de (Org.). Biblioteca do ensino fundamental e médio. Ed. Sivadi, 2005. PEREIRA, Leonardo Gomes. Notas de aula. Fev/2010. 17 conquistando seus direitos. (...) Patrões e empregados devem ter consciência de seus direitos e deveres. As relações de trabalho presididas pelos critérios heterônomos das corporações de ofício trouxeram a necessidade de substituição por uma regulamentação essencialmente autônoma. Surgiu daí uma liberdade econômica sem limites, com opressão dos mais fracos, gerando uma nova forma de escravidão. É o que se extrai do pensamento de Lacordaire: “Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o patrão e o empregado, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta”.13 Os abusos praticados pelos mestres nas corporações de ofício geraram greves e revoltas dos companheiros, principalmente em face da tendência de se transformar o ofício em um bem de família e da incapacidade de adaptação do trabalho ali desenvolvido às novas exigências socioeconômicas. O espírito monopolizador que dominava as corporações e o apego às formas superadas de produção foram motivos mais do que suficientes para incrementar a transição da sociedade artesanal para o capitalismo mercantil. A realidade mercantil sofreu uma forte regulamentação da economia, passando a ser contestada por alguns pensadores, levando os monarcas a necessitarem aumentar o controle burocrático sobre os meios produtivos e a exercerem uma espécie de patrimonialismo sobre as riquezas da nação, provocando um descontentamento nos detentores do capital. Em fins do século XIX, com o declínio do absolutismo e com os primeiros sinais da queda do imperialismo e do colonialismo, o que enfraqueceria o poder dos monarcas, os detentores do capital industriais, sobretudo - vislumbraram a possibilidade, que se confirmou, da afirmação do capitalismo puro. Além de possibilitar uma impressionante acumulação de riquezas, o capitalismo mercantil criou uma economia de aspecto concorrencial onde as potências econômicas buscavam acordos, implantavam tarifas e promoveram guerras com o objetivo de ampliar suas perspectivas comerciais. No entanto, a relação harmônica entre a burguesia e os monarcas ganhou uma nova feição na medida em que a manutenção dos privilégios da nobreza se transformava em um empecilho ao desenvolvimento burguês.14 13 BARROS, 2009. p. 43. SOUSA, Rainer. Origem do Capitalismo. 2007. Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiag/origem-capitalismo.htm. Acesso em 19 outubro 2010. 14 18 Em 1791, extinguiram-se definitivamente as corporações de ofício por meio da Lei de Chapelier, em seu art. 7º, transcrito a seguir: A partir de 1º de abril, todo homem é livre para dedicar-se ao trabalho, profissão, arte ou ofício que achar conveniente, porém estará obrigado a prover-se de uma licença, a pagar os impostos de acordo com as tarifas seguintes e a conformar-se com os regulamentos da polícia que existiam ou que se expeçam no futuro. 15 Pode-se considerar como aspecto positivo, a obtenção da liberdade de trabalho, já que a capacidade volitiva do operário fazia-se necessária no ato de escolha do trabalho e da profissão. Contraposto a isso, o impedimento da possibilidade de existência de qualquer órgão entre o indivíduo e Estado era temerário, pois as associações foram vedadas. Consecutivamente, a inovação tecnológica acelerou a crise do regime artesanal, culminando na Revolução Industrial, a partir da qual o homem passou a ser substituído pela máquina. Para Durkheim, as acusações de que a divisão do trabalho reduziu o trabalhador a uma máquina que repete rotineiramente os mesmos movimentos e que não relaciona as operações que lhe são exigidas a nenhum fim são injustas. Isso porque, em sua visão, a Divisão Social do Trabalho introduz também uma nova solidariedade, a Orgânica, em substituição a primitiva Mecânica.16 Sendo o lucro o único desejo dos mestres da manufatura, o trabalhador era explorado ao máximo, com remunerações tão ínfimas que obrigavam o proletário a uma jornada de trabalho de até 15 horas para garantir a subsistência, incluídos na massa trabalhadora mulheres e crianças que contribuíam de certa forma para o sustento de suas famílias. Não havia nenhuma garantia previdenciária e era conferido ao empresário, pela Lei “Senhor e Empregado”, o direito de encarcerar o operário que abandonasse o trabalho.17 Com o advento da Revolução Francesa, a liberdade individual foi consagrada logo no início da nova Constituição, elaborada no ano de 1791, por qual foi confirmada a liberdade para o exercício das profissões. Os indivíduos adquiriam por sua vontade o poder supremo para realizar toda a classe de atos jurídicos, os quais passavam a ter força de lei entre as partes, porque aceitos voluntariamente. 15 SOUSA, 2007. SOUSA, 2007. 17 BARROS, 2007. 16 19 O Código de Napoleão de 1804 foi o primeiro grande código da idade moderna que procurou harmonizar o Direito Romano com o direito público costumeiro e, em essência, rendia homenagem à doutrina dos direitos do homem, colocando o indivíduo frente ao Estado, em posição superior, já que sancionava a autonomia do direito privado em relação ao direito público. Seu espírito reflete a mentalidade individualista da época. A referida codificação ratificou e corrigiu a maior parte das conquistas sociais alcançadas pela sociedade civil burguesa a partir da Revolução de 1789, confirmando a vontade contratual como norma suprema das relações jurídicas. Do mesmo modo, foi um marco da modernidade, assinalando o estabelecimento, no mundo jurídico, do reconhecimento das novas relações socioeconômicas decorrentes dos acontecimentos provocados pela ‘queda da Bastilha’. Muito embora tenha sido considerado o Código da Burguesia, por ter atendido aos interesses e às aspirações dessa classe, não foi redigido com o propósito de ser uma lei de privilégios, ao contrário, a intenção foi elaborar-se um código impessoal, expressão eterna das coisas, para ser aplicado sem distinção de classe e sem limite de tempo, tanto que o mesmo continua vigente até os dias de hoje. Historicamente, o primeiro grande passo foi dado na França, com o Código de Napoleão, de 1804, que permanece até hoje regulando a vida jurídica de um povo altamente civilizado, tendo servido de modelo a diversos países na elaboração de seu direito positivo.18 As primeiras normas trabalhistas aprovadas pelos Estados Europeus foram editadas no século XIX. Em 1818, o empresário Robert Owen, reconhecido como pai da legislação trabalhista, propôs a celebração de um tratado internacional limitando a jornada de trabalho. Owen colaborou, no ano seguinte, para a aprovação de uma lei sobre o trabalho do menor, proibindo o emprego de crianças de 9 anos e fixando a jornada de 12 horas àqueles que eram menores de 16. Como uma de suas maiores contribuições para o Direito do Trabalho, incentivou a reunião dos operários em sindicatos, tornando-se, desde então, um influente mecanismo de conquista dos direitos social-trabalhistas. Na França, o exercício do direito de greve; na Alemanha, os seguros sociais; e os acidentes do trabalho, na Itália.19 18 19 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Ed. Saraiva, 2009, p. 87. SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3ª Edição. Ed. Renovar, 2004, p 9. 20 Depreende-se do breve levantamento acima exposto que o trabalho humano sempre foi visto, pelo menos, através de dois conceitos distintos. Numa primeira visão, o trabalho é concebido como fonte de libertação, fator de cultura, progresso e realização pessoal, dando dignidade ao ser humano, pela razão de colocá-lo como administrador do universo, um indivíduo com regalia em relação aos demais seres, visto que apenas ele pode realizar trabalho com discernimento, sensatez e liberdade, descobrindo e modificando, através de seu empenho, a terra e suas riquezas. A outra visão acerca do trabalho entende este como sendo uma penalidade, um castigo imposto ao homem decaído, sendo uma forma de punição aos seus erros e desobediências. Na visão Evangélica, o trabalho é um castigo, porém purificante e libertador. A diferença é que, antes da ideia do ‘pecado original’, o trabalho era alegre e sem fadigas, e, a partir da desobediência de Adão e de Eva, tornou-se penoso, quando o homem precisou trabalhar para se manter. As duas visões, entretanto, não são de todo contraditórias. Ambas assumem a importância da ação laborativa como forma de mudança de status quo, de aquisição de autossuficiência e de possibilidade de desenvolvimento e ascensão. No foco da abordagem desta monografia caberá no próximo tópico destacar aspectos muitas vezes preteridos no processo histórico das relações trabalhistas. 1.2 - A PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR NO DIREITO COMPARADO [...] Art. XXV - Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis.20 Faz-se necessário, neste ponto, uma conceituação dos participantes da relação de trabalho. Antes de tudo, deve-se atentar ao conceito de pessoa lato sensu. Em sua origem, pessoa é um vocábulo provavelmente de origem etrusca, do qual proveio o termo em latim persona, que originalmente significava a ‘máscara, 20 Art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10.12.1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU). Ratificada pelo Brasil em 28/09/1989 21 figura, personagem de teatro, papel representado por um ator’21, e daí assumiu o significado de ser humano. Entre os juristas romanos, passou a designar ‘ser que têm direitos e obrigações’. E foi com esse significado que foi introduzida na linguagem filosófica para designar os papéis representados pelo homem na vida. Em seu sentido mais corriqueiro, pessoa é o homem em suas relações com o mundo ou com ele próprio. A partir de Descartes, “ao mesmo tempo em que enfraquece-se ou diminui o reconhecimento do caráter substancial da pessoa, acentua-se a sua natureza de relação, especialmente no que pertine à relação do homem consigo mesmo.” Locke afirma que a pessoa "é um ser inteligente e pensante que possui razão e reflexão, podendo observar-se em diversos tempos e lugares; e isso ele faz somente por meio da consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele".22 Hegel entendia por pessoa o sujeito autoconsciente enquanto "simples referência a si mesmo na própria individualidade". Contra tais interpretações, encontram-se as posições filosóficas que se recusam a reduzir o ser humano à sua própria consciência e fazem polêmica contra a forma mais radical dessa interpretação, que é o hegelnianismo. Neste sentido, a antropologia de esquerda de Hegel e Marx, constitui o início de uma renovação desse conceito ou a evidenciação de um aspecto sobre o qual a tradição filosófica se calara, a de que a pessoa humana é constituída ou condicionada essencialmente pelas "relações de produção e trabalho", e que o homem interage com a natureza e com os outros homens para satisfazer às suas necessidades.23 Kant, entretanto, já caracterizara o conceito de pessoa como “heterorrelação”. Quando Kant afirmava que "os seres racionais são chamados de pessoas porque a natureza deles os indica já como fins em si mesmos, como algo que não pode ser empregado unicamente como meio", de fato declarava que a natureza da pessoa, do ponto de vista moral, consiste na relação intersubjetiva. Na acepção jurídica, pessoa é ser que é capaz de exercer direitos e contrair obrigações na ordem civil. O Código Civil de 2002 classifica-a em pessoa natural e 21 BARROS, 2009, p. 75. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. P. 762. Apud. BARROS, 2009. 23 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. P.762. Apud. BARROS, 2009. 22 22 pessoa jurídica. A personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.24 Finalmente, pode-se dizer que pessoa é todo ente dotado de personalidade para o direito, isto é, com aptidão para ser titular de direitos subjetivos. Um direito pressupõe um titular. Às pessoas, sujeitos de direitos, são reconhecidas as faculdades ou direitos subjetivos. Todo ser humano é pessoa. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. [...] pessoa é quem pode ser sujeito de direito... (...) Certamente, o ser sujeito do direito a, em concreto, portanto é diferente de ser pessoa, que é em plano acima, abstrato; mas não se há de levar muito a fundo a diferença, porque a pessoa já nasce com titularidade concreta,que é a do direito de personalidade como tal, o direito a ser sujeito de direitos. Tal direito ressalta aos nossos olhos quando pensamos em terem existido, e ainda existirem em sistemas jurídicos destoantes da civilização contemporânea, seres humanos sem capacidade de direito... (...) a personalidade em si não é direito; é qualidade, é o ser capaz de direitos, o ser possível estar nas relações jurídicas como sujeito de direito.25 O conceito de direito da personalidade está vinculado ao reconhecimento de valores intrínsecos à pessoa humana, imprescindíveis para o desenvolvimento de suas potencialidades físicas, psíquicas e morais. O mais relevante dos direitos da personalidade é o direito à vida, inerente ao homem, sendo reconhecido pela ordem jurídica, onde seu descumprimento causa um dano irreversível, qual seja, a morte. Para a proteção do bem-estar do ser humano, surge o dever do Estado, garantido no art. 6º da Constituição Federal, de assegurar saúde a todos. No âmbito trabalhista atual, tem-se como elemento essencial da atividade laboral, o trabalhador, que apesar da inexistência de um conceito jurídico na legislação infraconstitucional, pode ser compreendido a partir da conceituação de trabalho magistralmente oferecida por Sussekind26: Toda energia humana, física ou mental, utilizada na produção de um bem corpóreo ou incorpóreo ou na realização de um serviço, é trabalho; e aquele que a utiliza é, sem dúvida, um trabalhador. Trabalhador é, assim, o artista que compõe uma sinfonia; o cientista que descobre a vacina contra determinada enfermidade; o advogado que defende o réu; o condutor que dirige um transporte coletivo; o mecânico que conserta uma máquina; o 24 GUIMARÃES, Diocleciano Torrieri (ORG.). Dicionário Técnico Jurídico. 2006, pg. 442. MIRANDA, Pontes de – Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tratado de Direito Privado – Parte Geral. p. 215. 26 SUSSEKIND, 2004, P. 9 25 23 operário que manufatura uma utilidade; o jornalista que escreve um comentário; o bancário que confere as assinaturas do cheque, etc. Ressalte-se que a conceituação de trabalhador distingue-se da definição de empregado, sendo aquele um gênero, enquanto este uma de suas espécies. Doutrinariamente, o empregado é definido como sendo a “pessoa que presta serviço a empregador, mediante salário que esse lhe paga pela prestação, em caráter permanente, de serviços de seu ofício, aquele que emprega sua energia física ou intelectual na produção de um trabalho útil”.27 Por seu turno, consta do Decreto-Lei nº. 5.452/43 - Consolidação das Leis do Trabalho, CLT - a conceituação de empregado consagrada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. Em seu art. 196, parte do Título VIII - Da Ordem Social, a Constituição Federal prevê que saúde é direito de todos e dever do Estado. Em decorrência dessa tutela constitucional da saúde, observa-se, nos termos do art. 7º, XXII da Carta Magna28, que o constituinte originário reconheceu a necessidade de disciplinarem-se de forma especial os direitos do obreiro em prol da garantia do seu bem-estar, no ambiente de trabalho. De maneira abrangente, é fácil constatar que os ambientes de trabalho não estão adequados à realização do trabalho. Vê-se ocorrer acidentes de trabalho, acometimentos de enfermidades profissionais e algumas moléstias da mente, que são tão prejudiciais ao trabalhador quanto as físicas, podendo provocar uma instabilidade no emprego. Os riscos decorrentes da má qualidade no ambiente de trabalho são conhecidos há anos, podendo-se citar como exemplo as doenças profissionais 27 GUIMARÃES, 2006, p. 278 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. 28 24 causadas pela absorção do chumbo, do mercúrio, de solventes, e pela exposição à poeira de silicose ou de amianto.29 O renomado doutrinador Sérgio Pinto Martins refere-se, em sua obra, que entre os Romanos já existia a obrigação de prestação de assistência aos servos pelo pater familiae.30 Como um direito resguardado na Declaração dos Direitos Humanos, a saúde faz parte essencial do tema de meio ambiente de trabalho. Pode-se até contrapor, em razão do empregador, o direito à integridade física do obreiro, direito personalíssimo. Quando há a admissão de um novo obreiro, este traz consigo uma série de bens jurídicos que deverão ser tutelados pelo empregador, por via da adoção de medidas de higiene, meios de segurança para prevenir doenças profissionais e acidentes no trabalho. O local de trabalho e suas imediações deverão ser mantidos, pelo empregador, de modo que não exista qualquer tipo de risco à vida e/ou a saúde do empregado, pois o comprometimento desta pode gerar-lhe determinado grau de incapacidade, havendo, portanto, a possibilidade de responsabilização civil do empregador por dano material e/ou moral, se tal mal decorrer de ato ilícito ou de risco provocado por inadequadas condições de trabalho.31 No ano de 1945, quando diplomatas reuniram-se com o intuito de constituir a Organização das Nações Unidas, um dos tópicos discutidos foi a criação de uma organização global da saúde. Dessa forma, a Organização Mundial de Saúde - OMS - veio à luz em sete de abril de 1948, com a missão de prover liderança em assuntos globais de saúde, estabelecer normas, prover suporte técnico para países, e monitorar e assessorar assuntos sobre saúde. Para a OMS, o conceito de saúde “é o completo bem-estar psíquico, mental e social do indivíduo”.32 Tal ideia impede uma aplicação imediata, sendo necessário sejam feitas as devidas adaptações no campo jurídico, já que o completo bem-estar traduz-se em questão política que diz respeito à sociedade como um todo. A saúde do trabalhador e um ambiente de trabalho saudável são valiosos bens individuais, comunitários e dos países. A saúde ocupacional é uma 29 BARROS, 2009, P. 61 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Ed. Atlas, 2010, 11ª Ed. P. 29. 31 Art. 7º, inciso XXVIII, CF. 32 ALMEIDA FILHO, Naomar. O Conceito de Saúde: Ponto Cego da Epidemologia? Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/rbepid/v3n1-3/02.pdf. Acesso em 14 outubro 2010 30 25 importante estratégia não somente para garantir a saúde dos trabalhadores, mas também para contribuir positivamente para a produtividade, qualidade dos produtos, motivação e satisfação do trabalho e, portanto, para a melhoria geral na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um 33 todo. Atualmente, segundo a OMS, os maiores desafios para a saúde do trabalhador são problemas de saúde ocupacionais conexos com as novas tecnologias de informação e automação, novas substâncias químicas e energias físicas, riscos de saúde associados às novas biotecnologias, transferência de tecnologias perigosas, envelhecimento da população trabalhadora, algo sobre a crescente mobilidade dos trabalhadores, ocorrência de novas doenças ocupacionais de várias origens e problemas especiais dos grupos vulneráveis, incluindo-se aí os portadores de doenças crônicas, deficientes, migrantes e desempregados. Para a OMS, o indivíduo carece de um espaço saudável no que se refere às suas necessidades básicas, aonde se destaca a saúde, visando ao correto desenvolvimento de suas ações da vida diária, tornando-se função da empresa buscar atingir tais requisitos através da melhoria de seu ambiente organizacional. No sentido de cumprir a Declaração dos Direitos Humanos atentando-se para a saúde do trabalhador, foram elaborados documentos pertinentes ao tema, disponibilizados pela Organização Pan-Americana de Saúde, a seguir tabulados34: Doenças Relacionadas Este manual foi elaborado e está sendo disponibilizado ao Trabalho - Manual de com procedimentos para os profissionais dos serviços de saúde, em especial na serviços de saúde Atenção o objetivo Básica, de contribuir quanto aos para orientar procedimentos os de assistência, prevenção e vigilância da saúde dos trabalhadores e possibilitar a caracterização das relações da doença com o trabalho ou a ocupação, na perspectiva da Saúde do Trabalhador. 33 Organização Pan-Americana de Saúde. Saúde e Ambiente-Conceito. Disponível em: http://www.opas.org.br/ambiente/temas.cfm?id=44&Area=Conceito Acesso em 23 setembro 34 Organização Pan-Americana de Saúde. Saúde e Ambiente - Documentos. Disponível em: http://www.opas.org.br/ambiente/temas.cfm?id=44&Area=Documentos. 2010. Acesso em 23 setembro 26 Globalizing Technical Esta publicação em inglês apresenta o processo de Standards: Impact and padronização européia no seu contexto de mudança, Challenges for onde os padrões europeus estão sendo moldados Occupational Health and crescentemente a nível internacional. Na época em que Safety a União Européia trouxe uma harmonização técnica na sua Nova Abordagem, a padronização foi essencialmente um exercício nacional. Hoje em dia, a produção industrial é quase sem exceção uma atividade européia e internacional: num mercado global com um forte crescimento no comércio internacional, fabricantes veem os padrões internacionais como uma chave para obterem acesso e estímulo nos mercados. Este livro exemplifica alguns aspectos dos debates atuais de como os padrões europeus e internacionais, como foram desenvolvidos no “ISO” e “IEC”, podem afetar a saúde e segurança dos trabalhadores europeus. Improving Safety, Health Este manual mostra como a utilização de ações and the Working simples, efetivas e de baixo custo pode melhorar a Environment in the segurança e saúde nos locais de trabalho e ao mesmo Informal Sector tempo aumentar a produtividade. A metodologia é baseada em estudos pilotos, experiência de campo extensiva e análises cuidadosas da real necessidade dos operadores do setor informal. O manual aborda preocupações básicas de segurança e saúde. Inclui ideias práticas sobre tópicos chave como: exposição à poeira, uso de substâncias químicas, prevenção de fogo, posturas de trabalho, primeiros socorros, etc. A ênfase é dada nas medidas práticas de baixo custo, identificadas localmente para melhorar as condições do ambiente de trabalho. Esta abordagem de treinamento foi construída em cima de experiência local em África, particularmente em Tanzânia e Nigéria. Está baseada na experiência atual de operadores do setor informal 27 que têm participado em programas piloto de formação organizados pela International Labour Organization (ILO). Principios Directivos Os princípios diretivos contidos neste documento tem Técnicos y Éticos por objetivo servir de instrumento de apoio para aqueles Relativos a la Vigilancia que possuem responsabilidades na concepção, na de la Salud de los implantação, prática e na gestão de mecanismos de Trabajadores vigilância da saúde dos trabalhadores, que facilitem o trabalho preventivo para oferecer trabalho seguro e saudável para todos. Vigilância de Exposição Este trabalho tem como objetivo discutir a prioridade, Ocupacional a utilidade e viabilidade da vigilância em saúde pública Substâncias Tóxicas como instrumento para caracterizar a ocorrência de exposições ocupacionais a substâncias tóxicas, com vistas ao desenvolvimento de ações de controle. Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a vigilância em saúde, sua aplicação em saúde do trabalhador e especificamente em condições de risco em saúde ocupacional. Para ilustrar a potencialidade dos laboratórios atuantes em toxicologia ocupacional como fontes de conglomerados informação de para identificação trabalhadores expostos de a determinadas substâncias tóxicas, são apresentados alguns dados sobre a produção de um laboratório atuante na área no Estado de São Paulo. Foram identificadas diversas características que conferem prioridade e utilidade a sistemas de vigilância nos moldes discutidos no trabalho e apontam sua viabilidade; foi discutida a necessidade de ações para melhorar a qualidade das práticas nesta área. Paralelamente à proteção dada ao trabalhador garantida em lei, surge no ano de 1919, num contexto histórico de pós-guerra, a Organização Internacional do Trabalho - OIT -, uma agência do sistema das Nações Unidas, onde os 28 representantes dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo. A Primeira Guerra Mundial teve terríveis consequências econômicas. Desorganizaram-se a indústria e o comércio, os “aproveitadores” fizeram enormes fortunas com suas especulações e a moeda desvalorizou-se. As despesas com a luta aumentaram formidavelmente a dívida pública das nações, daí resultando o aumento dos impostos e o encarecimento do custo de vida. A hegemonia econômica passou aos Estados Unidos que, por seus empréstimos, tornaram-se o maior credor dos aliados, e durante a guerra tinha aumentado consideravelmente sua riqueza. Apesar disso, porém, o país, por várias causas, veio a sofrer, em 1929, uma crise que se refletiu em todo o mundo.35 Tal organização traz como objetivos específicos a promoção dos princípios fundamentais e direitos no trabalho através de um sistema de supervisão e de aplicação de normas; a promoção de melhores oportunidades de emprego/renda para mulheres e homens em condições de livre escolha, de não discriminação e de dignidade; o aumento a abrangência e a eficácia da proteção social; e o fortalecimento do tripartismo (Governo, empregador e trabalhador) e do diálogo social.36 No que concerne a saúde, a OIT editou algumas convenções que, em seu todo, definem a responsabilidade do Estado na elaboração de uma legislação própria sobre medidas de prevenção, dos empregadores pela aplicação das medidas definidas e dos empregados pela observância das normas, apresentação de propostas, recebimento de informação e orientação. As principais Convenções da OIT sobre saúde e segurança, ratificadas pelo Brasil, são37: Convenção n. 12, de Trata da indenização por acidente do trabalho na 12/11/1921. agricultura, onde todos os Membros da Organização Internacional do Trabalho que ratificam a presente convenção comprometem-se a estender a todos os assalariados agrícolas o benefício das leis e regulamentos 35 RUESCAS, Jesus (ORG.). História Geral. Editora Sivadi. OIT Brasil. Conheça a OIT. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/inst/index.php. Acesso em 23 setembro 2010. 37 Ministério das Relações Exteriores. Atos Multilaterais Assinados pelo Brasil no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/trabalho.htm. Acesso em 23 setembro 2010. 36 29 que têm por objeto indenizar as vítimas de acidentes ocorridos no trabalho ou no curso do trabalho. Foi promulgada no Brasil pelo Decreto n. 41.721 em 1957 Convenção n. 42, de Trata da indenização por enfermidade profissional, onde 21/06/1934. todo Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente Convenção obriga-se a garantir às vítimas de enfermidades profissionais, ou a quem tiver seus direitos, uma indenização baseada nos princípios gerais da legislação nacional sobre indenização por acidentes de trabalho, considerando como enfermidades profissionais as intoxicações produzidas pelas substâncias tóxicas, quando ditas enfermidades ou intoxicações afetem aos trabalhadores pertencentes às indústrias, profissões ou operações correspondentes em dito quadro, e resultem do trabalho em uma empresa sujeita à legislação nacional. Foi promulgada no Brasil pelo Dec. n. 1.361, em 1937 Convenção n. 115, de Trata da proteção contra radiações ionizantes, onde fixa 22/06/1960. doses máximas permissíveis de exposição a radiações ionizantes procedentes de fontes externas ou internas ao organismo e quantidades máximas permissíveis de substâncias radioativas que possam ser introduzidas no organismo, e de restringir, ao nível mais baixo possível, a exposição dos trabalhadores, havendo a necessidade de prever na legislação a notificação de trabalho envolvendo a exposição a radiação ionizante. Foi promulgada no Brasil pelo Decreto n. 62.151, de 19 de janeiro de 1968. Convenção n. 120, de Trata da higiene no comércio e escritórios, obrigando-se a 08/07/1964. existir nos locais de trabalho uma higienização manutenção adequadas de equipamentos e e das instalações, que devem ser ventiladas, iluminadas e providas de conforto térmico, inclusive quando subterrâneas ou desprovidas de janelas; disponibilização de assentos adequados e em número suficiente para uso 30 dos trabalhadores; fornecimento de água potável ou outra bebida em quantidade suficiente; manutenção de lavatórios, instalações sanitárias e vestiários adequados e mantidos em condições satisfatórias; implantação de medidas de redução de ruídos e vibrações que possam provocar danos à saúde dos trabalhadores; disponibilização de enfermaria ou posto de primeiros socorros ou ainda caixas de primeiros socorros. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 66.498, de 27 de abril de 1970. Convenção n. 127, de Trata do peso máximo das cargas, proibindo-se a exigência 28/06/1967. ou permissão de transporte manual de carga cujo peso possa comprometer a segurança ou saúde dos trabalhadores, tendo-se em conta todas as condições em que o trabalho deva ser executado, sendo necessária a formação satisfatória do trabalhador empregado no transporte manual de carga, limitando-se, ainda, o emprego de mulheres e menores de 18 anos no transporte manual de carga, exceto as de peso consideravelmente inferior ao admitido para adultos do sexo masculino. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 67.339, de 5 de outubro de 1970. Convenção n. 136, de Trata da proteção contra riscos de intoxicação por 23/06/1971. benzeno, onde proibi-se o benzeno ou produtos de benzeno em certas atividades que devem incluir, no mínimo, seu uso como solvente ou diluente, exceto quando em sistema fechado ou outros métodos de trabalho igualmente seguros como também prevê o dever de tomar providências que assegurem nos locais de trabalho. Obriga-se, ainda, a realização, por profissional reconhecido pela autoridade competente, exames médicos admissional e periódicos completos, que incluam análise de sangue, de trabalhadores expostos ao benzeno ou produtos contendo 31 benzeno. Foi promulgado pelo Brasil pelo Decreto n. 1.253, de 27 de setembro de 1994. Convenção n. 139, de Trata da prevenção e controle de riscos profissionais em 24/06/1974. substâncias cancerígenas no local de trabalho, onde obriga a se determinar periodicamente lista de substâncias e agentes cancerígenos aos quais a exposição no trabalho estará proibida ou sujeita a autorização ou controle, considerando-se os dados mais recentes de recomendações e guias da OIT ou outros organismos competentes; buscar a substituição dessas substâncias por outras não cancerígenas ou menos nocivas; reduzir o número de trabalhadores expostos e o tempo de exposição a substâncias cancerígenas ao mínimo compatível com a segurança; prescrever medidas de proteção dos trabalhadores contra os riscos da exposição a substâncias ou agentes cancerígenos, assegurando sistema apropriado de registro. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 157, de 2 de julho de 1991. Convenção n. 148, de Trata da proteção contra os riscos provenientes da 01/06/1977. contaminação do ar, ruído e vibrações no ambiente de trabalho, onde competente de é responsabilidade estabelecer critérios da autoridade periodicamente revisados que permitam definir os riscos de exposição à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações nos locais de trabalho, fixando limites de exposição, após consulta com pessoas tecnicamente organizações qualificadas interessadas designadas pelas representativas de empregadores e trabalhadores. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 92.413, de 15 de outubro de 1986. Convenção n.155, de Trata da segurança e saúde dos trabalhadores e meio 22/06/1981 ambiente de trabalho, devendo-se formular e por em prática uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de 32 trabalho, para prevenção de acidentes e danos à saúde conseqüentes ao trabalho, que guardem relação com a atividade laboram ou sobrevenham durante o trabalho, reduzindo ao mínimo as causas dos riscos existentes no meio ambiente de trabalho. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto no 1.254, de 19 de setembro de 1994. Convenção n.161, de Trata sobre serviços de saúde do trabalho; devendo-se 07/06/1985. formular e aplicar política nacional coerente que estabeleça progressivamente serviços de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, incluindo os do setor público e membros das cooperativas de produção, com as funções de identificação e avaliação dos riscos à saúde nos locais de trabalho; vigilância da saúde dos trabalhadores e dos fatores e práticas de trabalho que possam afetá-la; assessoria em matéria de saúde, segurança, higiene no trabalho e ergonomia, equipamentos de proteção individual e coletiva, assim como no planejamento e organização do trabalho; participação em programas de melhorias nas práticas de trabalho e inspeções de novos equipamentos; fomento da adaptação do trabalho aos trabalhadores; assistência na adoção de medidas de reabilitação profissional, bem como, ser direito do trabalhador ser informado dos riscos para a saúde existentes em seu trabalho. Foi promulgado pelo Brasil pelo Decreto n. 127, de 22 de maio de 1991. Convenção n. 162, de Trata da prevenção e controle do asbesto, utilizando-se de 04/06/1986. obrigatoriedade de previsão na legislação nacional de medidas para prevenção e controle dos riscos à saúde devidos à exposição profissional ao asbesto, que devem ser observadas pelos empregadores e trabalhadores, do dever de estabelecer uma ou mais das medidas: Substituição do asbesto ou de certos tipos de asbesto ou de produtos que contenham asbesto por outros materiais 33 ou produtos, ou a utilização de tecnologias alternativas; proibição total ou parcial do uso de asbesto ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos contendo asbesto em determinados processos de trabalho. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 126, de 22 de maio de 1990. Convenção n. 167, de Trata da saúde e segurança na construção devendo-se 20/06/1988. adotar uma legislação nacional que assegure o cumprimento da convenção por meio de normas técnicas, repertórios de recomendações práticas ou outros métodos, tomando medidas para garantir a cooperação entre empregadores e trabalhadores para o fomento da segurança e saúde nas obras, com a obrigação dos empregadores e trabalhadores autônomos cumprirem as medidas de segurança e saúde prescritas, em cooperação, no caso de estarem realizando simultaneamente atividades em uma mesma obra. Foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 6.271, de 22 de novembro de 2007. Convenção n. 170, de Trata sobre a segurança com produtos químicos, devendo- 25/06/1990. se formular, por em prática e avaliar periodicamente política de segurança na utilização de produtos químicos no trabalho, onde o poder da autoridade competente de proibir ou restringir a utilização de certos produtos químicos perigosos ou de exigir notificação ou autorização prévia para seu uso, sendo obrigada a autoridade competente, ou organismos reconhecidos pela mesma, de estabelecer sistemas e critérios específicos apropriados para classificar os produtos químicos e suas misturas em função do tipo e grau dos riscos físicos e para a saúde que oferecem. Foi promulgada pelo Decreto n. 2.657, de 3 de julho de 1998. Ademais, no campo dos ‘serviços de saúde do trabalho’, designa-se um serviço investido de funções essencialmente preventivas, destinados a aconselhar o empregador, o empregado e seus representantes sobre os requisitos necessários à manutenção de um ambiente de trabalho seguro e salubre e a adaptação do 34 trabalho às capacidades dos empregados, sendo obrigatória a informação dos riscos à saúde para os trabalhadores. O empregador é responsável pela definição e execução de uma política de segurança, higiene e saúde que abranja esses trabalhadores, aos quais deverão ser proporcionados exames médicos periódicos e equipamentos de proteção visual. Percebe-se, enfim, que nunca foi tão necessário o investimento na saúde e segurança do trabalho, pois, com o desenvolvimento de novas tecnologias, surgiram novas moléstias ocupacionais, mormente no mundo globalizado em que se procura utilizar técnicas para exigir máximo de produção do trabalhador. Despontam nesse cenário a LER (Lesão por Esforço Repetitivo), depressão no trabalho e burnout – síndrome do esgotamento profissional. 1.3 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O RECONHECIMENTO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR. ART. 7°, CF Conforme estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil, todo e qualquer cidadão brasileiro tem direitos e obrigações garantidos. Situado topograficamente no Título II da referida obra, encontram-se os Direitos e Garantias Fundamentais, estes divididos em cinco espécies, quais sejam, direitos individuais, coletivos, sociais, à nacionalidade e direitos políticos. Neste ponto, cabe distinguir-se os direitos das garantias, onde aqueles são bens e vantagens prescritos na forma constitucional enquanto estes são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.38 Segue a partir do art. 5º, CF, um rol exemplificativo, na medida em que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem os decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.39 Dessa forma, podem haver direitos supraestatais cuja sua observância independe de expressa previsão constitucional ou infraconstitucional. Daí a 38 39 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 8ª Edição. Ed. Método, 2005, p. 467. Art. 5º, Parágrafo 2º, CF. 35 advertência de Pontes de Miranda no sentido de que o direito à vida não pode ser negado, ainda que não explicitado na relação de direitos constitucionais. 40 A ideia de pessoa humana concebida pela Constituição Brasileira de 1988 revela-se de modo mais claro no conjunto de direitos fundamentais por ela consagrado. Entretanto, essa ideia também se expressa noutros dispositivos dispersos por todo texto constitucional, tendo como vetor de sua unidade e coerência o princípio fundamental que afirma a dignidade da pessoa humana, que está consagrado logo no artigo primeiro da Carta Magna.41 No que concerne ao direito trabalhista, no artigo 1º da Constituição Federal/1988, ao serem enunciados os fundamentos da República Federativa do Brasil, há o princípio do valor social do trabalho, no inciso IV, orientado pelos objetivos fundamentais da República, consagrados em seu artigo 3º e que são a justiça social, a erradicação da pobreza e a promoção do bem de todos. Portanto, os instrumentos normativos que incidem sobre as relações de trabalho devem visar, sempre que possível, a prevalência dos valores sociais do trabalho, onde a dignidade do trabalhador, auferida pela condição de ser humano, deve ter profunda ressonância na interpretação e aplicação das normas legais e das condições contratuais de trabalho. O art. 7º, principal dispositivo constitucional regulador dos direitos trabalhistas, estabelece, em seu caput e incisos, uma relação não exaustiva dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que, a despeito das respectivas normas especiais de regência, constituem-se de servidores públicos civis, empregados de empresas estatais, integrantes das forças armadas, empregados e trabalhadores autônomos, trabalhadores temporários; trabalhadores avulsos, empregados domésticos, trabalhadores rurais, e trabalhadores voluntários. Como princípios expressos no artigo supracitado, destacam-se o princípio da continuidade da relação emprego, o da liberdade sindical, o princípio da igualdade de direitos entre os trabalhadores urbanos e rurais e o princípio da proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Pode-se enfatizar, além desses, o princípio da não-discriminação o qual proíbe a diferença de critérios de admissão, de exercício de funções e de salários por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX), ou critérios de admissão 40 41 MIRANDA, Pontes de. Apud SUSSEKIND, 2004. p. 187 ALVES, Cleber Francisco apud. SUSSEKIND, 2004, p. 60 36 e de salários em razão de deficiência física (inciso XXXI) e, bem assim, que se distingam, na aplicação das normas gerais, os respectivos profissionais (XXXII).42 Paralelamente, a teor do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, é de observar-se que o legislador constituinte conferiu aos direitos dos trabalhadores o status de cláusula pétrea, i.e., no dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o atributo da inabolibilidade. Os direitos sociais dos trabalhadores, enunciados no art. 7º da Constituição, se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídas no âmbito normativo do art. 5º, parágrafo 2º, de modo a reconhecer alçada constitucional às convenções internacionais anteriormente codificadas no 43 Brasil. Levando-se em consideração a classificação doutrinária para os referidos direitos, proposta por Sussekind, tem-se que os mesmos podem ser agrupados segundo: a proteção e extinção do contrato de trabalho; o salário; a participação do empregado nos lucros e na gestão da empresa; a duração do trabalho; as férias; a segurança e medicina do trabalho; o indiscriminação no trabalho; a proteção à maternidade e à paternidade; o trabalho da mulher; o trabalho do menor; a automação; e a prescrição.44 O ordenamento jurídico brasileiro, além de garantir os direitos do trabalhador, os regula em leis infraconstitucionais, assegurando a integridade física e mental do trabalhador em casos de acidentes do trabalho, doenças profissionais e enfermidades em geral. A doença profissional e/ou acidente do trabalho, são aqui univocamente considerados, na medida em que hoje, ambas têm o mesmo tratamento jurídico pela legislação em vigor, como se depreende dos artigos 19 e 20 da Lei nº. 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.45 Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (omissis) 42 SUSSEKIND, 2004. p. 189 Voto do Ministro Sepúlveda Pertence na ADI nº 1.675-1, acolhido pelo Plenário do STF em 24/09/1997. 44 SUSSEKIND, 2004, p. 189-190 45 GUALAZZI, Alexandre Augusto. “AIDS” e Direito do Trabalho. Ed. LTr, 2005. p. 19. 43 37 Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se 46 relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. Nesse sentido, em meados do século XV, já havia na Inglaterra uma lei destinada a amparar os carentes, criando uma contribuição para fins sociais. A partir de 1883, na Alemanha, com o intuito de abrandar as crises decorrentes das relações capital-trabalho, instituiu-se uma série de seguros sociais, como o seguro-doença, que era coberto por subsídios das partes diretamente envolvidas e do Estado. Em seguida, no ano de 1884, igualmente custeados pelos empregados, empregadores, e pelo Estado, o seguro contra acidentes do trabalho, e em 1889 o seguro contra a invalidez e a velhice. Na França, em 1898, era estabelecida a lei de assistência à velhice e a favor dos acidentados no trabalho, e não distante, a Carta Encíclica “Rerum Novarum”, de Leão XIII, datada de 1891, na qual a preocupação com a previdência social, dentre outras questões relativas ao trabalho, era evidente. No Brasil, de acordo com a legislação atual, na hipótese de um determinado empregado encontrar-se debilitado para exercer sua função laboral por qualquer motivo relacionado à saúde, o empregador terá que aguardar o retorno do mesmo, após alta médica, para, assim, poder promover, se for o caso, os atos rescisórios. Enfim, reconhece-se que as preocupações e definições relativas a acidentes e doenças dos trabalhadores sempre tiveram uma análise genérica, de forma que a intenção não é, meramente, a segurança dada àqueles que sofrem com acidentes do trabalho e indisposições profissionais, mas, primeiro, as eventuais garantias que poderiam advir a um trabalhador acometido de enfermidade mórbida, que não estivesse relacionada ao seu trabalho. Dessa forma, têm-se que as hipóteses de afastamento do empregado por motivo de saúde podem se dar devido a acidentes do trabalho, doenças profissionais, ou acidentes e doenças não relacionadas ao mesmo, conforme elucida 46 Artigo 19, Lei nº. 8.213 de 1991, Vade Mecum Rideel, 8ª Edição - 2010. 38 o artigo 476, CLT, passando a conferir ao obreiro a mesma proteção social perante a evolução legislativa.47 47 GUALAZZI, 2005. P. 21. 39 2- A AIDS NO AMBIENTE DE TRABALHO As moléstias da saúde sempre se fizeram presentes na história da humanidade. Registros da Antiguidade demonstravam preocupação com as doenças endêmicas, onde certas doenças estavam habitualmente presentes entre os membros da população, restrita a uma determinada área e com caráter temporal ilimitado, entre as quais incluem-se resfriados, pneumonias, febres maláricas e inflamações nos olhos. Quando surgiam grandes números de casos de enfermidades em um curto período de tempo, eram chamadas de epidêmicas. No contexto do Direito do Trabalho, são poucas as menções à saúde do trabalhador que aparecem na literatura médica da Grécia Clássica, embora as doenças ocupacionais estivessem presentes, como pode-se depreender das imagens de tocadores de flauta usando bandagem de couro em volta das bochechas para evitar a dilatação excessiva.48 Na sociedade romana, as doenças ocupacionais também eram conhecidas, principalmente a dos mineiros, sujeitos ao envenenamento por chumbo e a doenças pulmonares, até mesmo antes de receberem a herança grega relativa à medicina e à higiene. Roma conviveu com epidemias em vários momentos históricos, uma delas a peste bubônica, destruidora do Império Oriental, cuja gravidade só se assemelha à Peste Negra. O apreço dos romanos pelo suprimento de água e pelo destino da água de esgoto provavelmente foi responsável pela prevenção da disenteria e da febre tifóide. Com a queda do Império Romano, as instalações higiênicas das cidades acabaram sendo destruídas, mas o legado greco-romano foi preservado na Roma oriental e nos mosteiros bizantinos.49 Na Idade Média, a saúde era tratada com desleixo, e quase sempre designavam a doença como um castigo divino. Graças à falta de higiene, a morte vinha antecipadamente e 1/3 das crianças morriam antes de completar um ano de idade. 50 A primeira grande epidemia foi a Peste de Justiniano, em 543 d. C., assim chamada por ter-se iniciado no Império bizantino, ao tempo do Imperador Justiniano. Espalhou-se pelos países asiáticos e europeus, e ao atingir Constantinopla, capital 48 BARROS, 2009. p. 1189 BARROS, 2009, p. 1189 50 SEVALHO, Gil. Uma Abordagem Histórica das Representações Sociais de Saúde e Doença. 1993. 49 40 do Império Romano do Oriente, chegou a causar cerca de 10.000 mortes por dia, acabando por matar 40% da população da cidade. Em meados do séc. XIV ocorreu a Peste Negra. Recebeu esse nome devido as manchas escuras que apareciam na pele dos enfermos. Como em outras epidemias, teve início na Ásia Central, espalhando-se por via terrestre e marítima em todas as direções. Chegou a causar cinco milhões de mortes na Mongólia e no norte da China. 51 Entretanto, de todas as doenças, a lepra foi a que despertou maior temor, quando ganhou grande proporção epidêmica nos séculos XIII e XIV. Nesse período, a Igreja Católica perseguiu os leprosos, estimulando a população a fazer o mesmo. A moléstia, que até então não possuía tratamento, provocava deformações físicas e causavam asco e medo. A lepra foi envolvida em uma série de mitos, a cerca de suas formas de contágio e do perigo que os doentes representavam para os sadios. O medo da população e a vontade da Igreja Católica de manter a sociedade livre dos leprosos fizeram estes serem segregados e confinados em leprosários. A doença era associada à perversão sexual, pois o Antigo Testamento afirma que as doenças de pele são pecados que afloram, portanto, além do perigo do contágio físico, havia o perigo do ‘contágio moral’. As instruções para os leprosos eram minuciosas. Não podiam entrar em igrejas, hospedarias ou casas, não podiam tocar objetos de uso comum sem luvas, tinham de usar uma vestimenta especial e carregar matracas ou sinetas que anunciassem sua presença. Diversas leis foram criadas com a ideia de garantir a segurança da população sadia; o regulamento dos leprosários era repleto de tentativas de mantê-los o mais longe possível do resto da sociedade. 52 Talvez o temor e a estigmatização social que outrora existiram em relação a lepra sejam muito semelhantes ao que hoje se tem demonstrado no tocante à AIDS, vista como “o mal que discrimina” A desinformação sobre a doença é, provavelmente, a principal causa dos preconceitos. Frequentemente a imprensa nacional noticia casos em que o doente é expulso de casa, da escola, da organização social da empresa e do emprego, e houve até mesmo situações em que médicos se negaram a operar o doente, por temor. 53. 51 Peste negra. Guia de Medicina e Saúde ASSIM VIDA. Disponível em: http://www.assimvida.com.br/artigo.aspx?id=129. Acesso em 07 outubro 2010. 52 NEMMEN, Lis Pavin. Lepra, Perseguição e Segregação na Idade Média. 2004. 53 BARROS, 2009, p. 1189. 41 Como bem exposto supra, aqueles que são portadores de AIDS sofrem discriminação como aqueles que também são acometidos por outras doenças estigmatizantes. Contudo, tal comportamento dá-se, principalmente, pelo desconhecimento sobre o assunto, sendo necessário, a partir deste momento, aprofundar-se e conhecer-se um pouco mais sobre o que é e o que representa a AIDS. 2.1- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INFECÇÃO PELO VÍRUS HIV Inicialmente, cabe aqui tecer uma breve consideração entre os conceitos de doença lato sensu e doença infecto-contagiosa. Do léxico, doença vem definida como sendo a “denominação genérica de qualquer desvio do estado normal; conjunto de sinais e/ou sintomas que têm uma só causa, moléstia”. Quanto à terminologia ‘infecto-contagiosa’, diz-se “que produz infecção e se propaga por contágio”.54 Desse modo, evidencia-se, a princípio, que a AIDS não se enquadra como doença infecto-contagiosa, por ter seus meios próprios de infecção, os quais serão abordados à frente, e sim como infecto-transmissível. A doença infecto-contagiosa transmite-se também pelo ar, assim como a gripe e a tuberculose, o que não ocorre com o HIV/AIDS. Numa análise mais técnica, o HIV - human imunodeficiency virus - é uma espécie de retrovírus identificado como sendo o causador da AIDS ou SIDA síndrome da imunodeficiência adquirida. A doença recebeu este nome por que, uma vez infectada a pessoa, o seu sistema imunológico não mais pode proteger-lhe o corpo, facilitando o aparecimento de infecções oportunistas e/ou neoplasias. Pesquisas realizadas entre 1983 e 1985 revelaram, porém, a existência de dois grupos distintos de HIV, o HIV-1 e o HIV-2, o qual apresenta uma taxa de replicação menor e, por isso, pode ser considerado como uma versão mais “lenta” do HIV-1, o mais conhecido no Brasil. O fato de o HIV ser um retrovírus, isto é, de não possuir DNA, sendo constituído apenas de RNA simples, torna difícil, senão impossível, o combate da infecção, devido ao constante processo de mutação sofrido a partir do momento em 54 Dicionário Novo Aurélio Século XXI. 3ª Edição, Ed. Nova Fronteira, 1999. P.701 e 1107. 42 que o HIV invade as células do organismo humano, processo denominado de retrotranscrição. Por sua vez, os linfócitos T - células do sistema imunológico reagem atacando a infecção, entretanto, depois de um tempo, que pode variar entre meses ou anos, o HIV acaba destruindo estas células, comprometendo a capacidade do sistema imunológico de defender-se de infecções oportunistas, tais como a tuberculose, a candidíase, o linfoma, etc. Não se sabe ao certo sua origem, tendo sido os primeiros casos diagnosticados nos primeiros anos da década de 80. Atualmente sustenta-se que o HIV não se transmite pelo ar, nem pela ingestão de comida ou contato social (abraço ou aperto de mãos), mas mediante contato sanguíneo ou sexual, através dos fluidos corporais, e pelo contato materno-filial, abrangendo o processo da gravidez, desde o momento do parto à alimentação por leite materno. 55 Corria o ano de 1981. Desde fins do ano anterior a ocorrência de alguns casos de pneumocistose e Sarcoma de Kaposi intrigavam alguns médicos nos Estados Unidos. Acometendo pessoas jovens e previamente saudáveis, estes casos estavam completamente fora do padrão habitualmente esperado das duas doenças. Uma característica das pessoas acometidas, contudo, chamava a atenção dos profissionais: eram todos homossexuais masculinos. Artigos são publicados informando sobre estes agregados de casos, outros são descobertos, e a ocorrência dos mesmos atrai a atenção da imprensa, que começa a repetir a expressão "câncer gay" em seus relatos. A comunidade gay norte americana, especialmente em Nova York e São Francisco, reage rapidamente à dupla ameaça: por um lado, algo parece de fato estar acometendo os seus membros; por outro, a onda de discriminação ameaça as conquistas de direitos civis duramente alcançadas na década anterior. A partir da infecção pelo vírus HIV, o sistema imunológico começa a ser atacado. É nesta primeira fase, denominada de infecção aguda, que ocorre a incubação do vírus, ou seja, o período de exposição ao vírus até o aparecimento dos primeiros sinais da doença. Esse período pode variar entre 3 a 6 semanas. O organismo inicia a produção de anticorpos por volta da 8ª semana. Nesta etapa, os sintomas são semelhantes aos de uma gripe, como febre e mal-estar, passando despercebidos, na maioria das vezes.56 A fase assintomática, subseqüente à infecção, é marcada pelo forte combate entre as células de defesa e as constantes e rápidas mutações do vírus. Contudo, 55 VALENTIM, João Hilário. AIDS e relações de trabalho. Ed. Impetus, 2003. p. 27 Ministério da Saúde. Informações sobre a AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br Acesso em 5 outubro 2010 56 43 tem esse nome justamente porque o organismo não se enfraquece o suficiente para permitir o surgimento de novas doenças, graças ao equilíbrio entre os números de vírus que amadurecem e morrem. Esta ação do organismo em defesa do corpo pode durar entre 8 a 10 anos, estando sujeito a alterações devido à saúde e aos cuidados do soropositivo com o corpo e alimentação. Nesta etapa, somente exames de sangue específicos são capazes de diagnosticar a infecção.57 Feitas estas considerações acerca do HIV, pode-se, neste passo, conceituar a AIDS - sigla utilizada nos países ingleses e também adotada no Brasil - por sua denominação popular: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA – pelo Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV, como sendo o estágio mais avançado da infecção pelo HIV. No Brasil, a AIDS tem se configurado como epidemia concentrada. No início da década de 1980, a epidemia atingiu principalmente os usuários de drogas injetáveis, homossexuais do sexo masculino e outros homens que, eventualmente, faziam sexo com outros homens, assim como os indivíduos que receberam transfusão de sangue e hemoderivados. Já nos últimos anos da década de 1980 e início dos anos 1990, a epidemia assumiu um perfil diverso. A transmissão heterossexual passou a ser a principal via de transmissão do HIV, a qual vem apresentando maior tendência de crescimento em anos mais recentes, acompanhada de uma expressiva participação das mulheres na dinâmica da epidemia. Os últimos anos são marcados também pelo processo de interiorização e pauperização da epidemia. Passou dos estratos sociais de maior escolaridade para os menos escolarizados.58 De 1980 a junho de 2007 foram notificados 474.273 casos de AIDS no País – 289.074 no Sudeste, 89.250 no Sul, 53.089 no Nordeste, 26.757 no Centro Oeste e 16.103 no Norte. No Brasil e nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, a incidência de AIDS tende à estabilização. No Norte e Nordeste, a tendência é de crescimento. Segundo critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil tem uma epidemia concentrada, com taxa de prevalência da infecção pelo HIV de 0,6% na população de 15 a 49 anos.59 57 Ministério da Saúde. Sintomas e fases da AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br Acesso em 28 outubro 2010 58 Ministério da Saúde. História da AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br Acesso em 28 outubro 2010. 59 Ministério da Saúde. Informações sobre a AIDS. Disponível em :http://www2.aids.gov.br Acesso em 28 outubro 2010 44 Há alguns anos, receber o diagnóstico de AIDS era praticamente uma sentença de morte. Atualmente, porém, a AIDS vem sendo considerada uma doença de perfil crônico. Isto significa que é uma doença que não tem cura, mas tratamento, permitindo a uma pessoa infectada pelo HIV poder viver por um longo período, sem apresentar nenhum sintoma ou sinal. Isso tem sido possível graças aos avanços tecnológicos e às pesquisas, que propiciam o desenvolvimento de medicamentos cada vez mais eficazes. Deve-se, também, à experiência obtida ao longo dos anos por profissionais de saúde. Todos estes fatores possibilitam aos portadores do vírus uma sobrevida cada vez maior bem como uma melhor qualidade.60 Por mais que se tenha evoluído em relação à qualidade de vida dos portadores de HIV, desde a descoberta da doença, é fato incontroverso que, em relação à AIDS, nada é tão importante quanto a prevenção. Afinal, a falsa ideia dos denominados ‘grupos de risco’, como homossexuais, usuários de drogas injetáveis, etc., deu lugar ao conceito de ‘comportamento de risco’. O que se observa, com o passar dos anos, é que não importa a que grupo pertença a pessoa, mas a sua atitude perante situações que envolvem riscos, basicamente, manter relações sexuais sem preservativo, compartilhar seringas, ou seja, o risco tem a dimensão da consciência de cada um.61 Dito isso, é inegável àqueles que convivem com HIV, o livre acesso a saúde, que em seu caso específico, essa segurança, dada pela Lei Maior, é sinônima do direito à própria vida, garantindo-lhes a dignidade humana e a não discriminação. 2.2 A REPERCUSSÃO DA MOLÉSTIA NO MUNDO DO TRABALHO A AIDS recebeu atenção mundial com uma magnitude extraordinária, atemorizando a todos e causando insegurança nos vários setores da atividade humana. Tal situação manifestou-se, também, de forma acentuada no campo das relações de trabalho, agravada pela globalização, impondo aos empresários a redução do custo da mão-de-obra. 60 Ministério da Saúde. Informações sobre a AIDS. Disponível em: http://www2.aids.gov.br/ Acesso em 16 outubro 2010 61 BARBOSA, Magno Luiz. AIDS - O Direito e Algumas Reflexões Sobre seu Impacto nas Relações de Emprego. Ed. Juruá. P. 28 45 No ano de 1993, há mais de uma década, o autor Oscar Ermida Uriarte, já indicava algumas repercussões da AIDS no Direito do Trabalho, a saber: Por una parte, es común decir que el Sida afecta, preponderamente, a personas em edad laboralmente activa: alredador del 90% de los infectados por el virus de inmunodeficiencia humana (VIH) forman parte de la PEA o están en edad de integrarla. Por otro lado, esta misma constatación instala, en materia específica de Sida, toda la problemática propia de la relación entre salud y trabajo; ausentismo, productividad, costos laborales, costos de la seguridad social etc. Al mismo tiempo, si salimos del campo estadístico y economicista para ingresar en otro más humano y social, se constata que el lugar de trabajo y el sindicato son ámbitos apropiados para llevar adelante parte de la labor de difusión e información que se reconoce como esencial para la prevención del mal em cuestión. Finalmente, pero como punto más importante desde nuestro punto de vista, cuando el Sida es analizado en el marco de las relaciones laborales, aparecen en juego varios derechos fundamentales: el derecho ao trabajo, a la no discriminación, a la salud.62 Trata-se, aqui, de definir aqueles que são mais vulneráveis à epidemia de AIDS. Fala-se, em média, que 90% das pessoas contaminadas com o HIV, ditas soropositivas, integram a PEA - População Economicamente Ativa - camada da população composta por jovens e adultos que se encontram inseridos no mercado de trabalho e podem gerar renda. Tão elevado contingente, evidentemente, repercute no âmbito laboral, à exemplo da perda de mão-de-obra qualificada e dos impactos nos orçamentos previdenciários, devidos aos aumentos do número de benefícios a serem pagos, dentre outros. O HIV/AIDS é questão relacionada com o local de trabalho e deveria ser tratada como qualquer outra doença/problema grave no local de trabalho. Isso é necessário não só porque afeta a força de trabalho, mas também porque o local de trabalho, sendo parte da comunidade local, tem papel a desempenhar na grande luta para conter a disseminação e os efeitos da epidemia. Ressalte-se que dados da OMS estimam que, em dezembro de 2008, existiriam no mundo cerca de 33,4 milhões de pessoas portadoras do vírus HIV, 62 URIARTE, Oscar Ermida. AIDS e Direito do Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, nº. 83, p. 48, set/1993 Apud. VALENTIM, 2003, p. 29 46 compreendendo nesse montante nada menos que 31,3 milhões de adultos, dos quais 0,1 a 0,5% encontrar-se-iam no Brasil.63 No campo empresarial, nota-se que se o candidato ao emprego/empregado vir a apresentar-se como sendo soropositivo ao empregador ou aos outros funcionários, certamente estará sujeito à discriminação. O que se percebe no cotidiano é que, quando a maioria das pessoas tem conhecimento de que uma pessoa é portadora do HIV, adotam-se, instintivamente, alguns cuidados, que, na verdade, em nada vão diminuir ou aumentar o risco de contágio.64 Existem aqueles que defendem a restrição ao Direito do Trabalho por parte do portador de HIV, declarando a temerariedade de este transmitir o vírus para os demais, porém, esta afirmação não se faz correta, a partir do conhecimento das reais formas de infecção da doença. No que tange à educação, ao desporto e ao trabalho, o argumento que garante aos soropositivos o acesso e/ou a prática de exercício é o da impossibilidade de contágio durante o relacionamento social (omissis) É impossível, pois, o contágio no cotidiano, nas relações de trabalho, no estudo, no lazer. É incabível, portanto, qualquer limitação ao desempenho dessas atividades. Não existe razão de ser. Falta justificativa, a não ser que se assumam como motivo o preconceito, o castigo por um comportamento que se considera imoral. (omissis) Cabe acrescentar a respeito do relativo à possibilidade e acesso ao trabalho que, em gera, a SIDA não reduz a capacidade de a pessoa cumprir com as obrigações resultantes do contrato de labor.65 Corroborando este entendimento, Maria Helena Diniz, em sua obra sobre o biodireito, afirma que a sorologia positiva para o vírus HIV “não acarreta, em regra, prejuízo da capacidade laborativa de seu portador, nem risco no convívio profissional, porque para o controle da infecção bastaria correta informação e procedimento preventivo pertinente.”66 Do ponto de vista do empregado portador de AIDS, a integração social e o convívio num ambiente socialmente receptivo, acolhedor e sensível aos seus problemas e necessidades, aonde não experimente a sensação da discriminação, são de grande valia no tratamento da enfermidade. 63 World Health Organization. Data and Statics. Disponível em: http://www.who.int/hiv/data/en/index.html Acesso em 26 outubro 2010 64 GUALAZZI, 2005, p.32 65 RUDNICKI, Dani. AIDS e direito: Papel do estado e da sociedade na prevenção da doença. Livraria do Advogado, 1996, apud. VALENTIM, João Hilário. 66 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. Ed. Saraiva, 2001. p. 192. 47 O ato de estar trabalhando, sentir-se integrado, respeitado e produtivo colabora em muito para a manutenção da auto-estima da pessoa, auxiliando, assim, no tratamento e, consequentemente, na salvaguarda do seu estado de saúde, além de propiciar uma condição necessária para o provimento de seu sustento, sua alimentação, ponto importante para o tratamento da AIDS, como já ressaltado. Desta maneira, espera-se que o trabalho não seja uma circunstância agravante da enfermidade, nem de exclusão social do portador do HIV ou do doente da AIDS, mas sim, pelo contrário, que contribua para a eliminação do preconceito e para a melhoria da condição de vida do enfermo, sendo um fator de efetiva inclusão social. Pode-se afirmar que, no caso do HIV/AIDS, infelizmente, a pior doença que se verifica é a doença social, cabendo a todos eliminá-la. 2.3 - DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO DE EMPREGO DO PORTADOR DE HIV Após análise dos princípios fundamentais direcionados a todos os cidadãos, tem-se como indispensável à apreciação daqueles mais relevantes, sob a ótica do portador do vírus HIV. À parte o aspecto econômico e sob a égide do ordenamento jurídico pátrio, subsistem os direitos e garantias fundamentais insculpidos, mormente nos artigos 5º e 7º da Constituição Federal. Sendo a vida o bem mais precioso do ser humano, é o mais fundamental e precede aos demais, do que resulta ser pré-requisito à existência de todos os outros direitos, protegido tanto no plano nacional quanto no internacional. Para Alexandre de Moraes, o direito à vida há de ser considerado sob duas acepções: uma relacionada ao direito de viver e continuar vivo - aspecto biológico - e outra relacionada à existência de uma vida digna quanto à subsistência. Assim, o direito à vida significa não só assegurar os meios necessários à preservação da vida de todos, como também garantia das condições para se viver com dignidade. Portanto, o direito à vida deve ser entendido como “direito a um nível de vida adequado com a condição humana”, o que implica o atendimento de vários direitos, como à alimentação, ao vestuário, à saúde, à educação, à cultura e ao lazer, dentre outros. Cabe ao Estado assegurar o direito à vida em toda a sua plenitude e, ao fazê-lo, deve proceder de modo a respeitar os princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, considerando-se, ainda, os objetivos fundamentais da República brasileira, que são os da construção de uma 48 sociedade livre, justa e solidária, que prime pelo desenvolvimento nacional, prela redução das desigualdades sociais e regionais e pela erradicação da pobreza e da marginalização.67 O direito à saúde é um direito fundamental do ser humano, indissociável do direito à vida, como o é também o direito ao meio ambiente sadio e seguro. Na legislação pátria brasileira, o direito à saúde é um dos direitos fundamentais do cidadão, de natureza social, como dispões os artigos 6º e 196 da Carta Magna. Pode-se sustentar, então, que o direito à saúde é uma inferência ao direito à vida. Numa sociedade competitiva como a capitalista, onde a sobrevivência está diretamente relacionada à capacidade de produzir riqueza, ou seja, à capacidade de trabalho da pessoa, a saúde é condição essencial para a plena realização daquela, devendo o Estado garantir os meios de manutenção desta, bem como de sua recuperação, assegurando o direito ao tratamento, como condição de retorno ao estado de potência anterior. Mas não só; na impossibilidade de concretização desse direito, deve o Estado assegurar os meios de sobrevivência da pessoa, daí os direitos à previdência e à seguridade social.68 De caráter indisponível e assegurado a todos, indistintamente, o direito à saúde é um direito público subjetivo fundamental69, elencado na Carta Magna em vários artigos, afirmando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e recuperação. Esses serviços e ações são de relevância pública, competindo ao Estado dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle. Quanto ao meio ambiente, apesar de não figurar expressamente presente no rol dos direitos sociais, tem-se que o inciso XXII do artigo 7º, CF, assegura ao trabalhador um ambiente de trabalho seguro e higiênico70. Na mesma visão, se faz presente no artigo 225, inserido no Título VIII - Da Ordem Social, a previsão de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, visando à sadia qualidade de vida, 67 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. Ed. Atlas, 1998, p. 97. Apud VALENTIM, 2003, p. 112. 68 VALENTIM, 2003, p. 111 69 CASTRO, Henrique Hoffman Monteiro de. Do Direito Público subjetivo a saúde. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6783 Acesso em 13 outubro 2010. 70 Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (...) XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. 49 protegido pelo Poder Público e pela coletividade, no intuito de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 71 À semelhança de outras cartas constitucionais contemporâneas, foi reconhecida a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil - art. 1º, inciso III - expressando, assim, sua importância, consagrada como valor nuclear da ordem constitucional e, portanto, da nossa sociedade. O fundamento desta dignidade não se esgota ou se limita apenas na dimensão material, econômica ou social do homem. Há que ser considerada, também, a dimensão psíquica e espiritual, voltada para o transcendente, indissociável de sua natureza. Quanto à substância do princípio, Fábio Konder Comparato afirma que a dignidade da pessoa consiste não só no fato de ela “ser considerada e tratada como um fim em si mesma e nunca como um meio”, bem como de sua “vontade racional”, condição que lhe propicia vivem em “condições de autonomia”, ou seja, ser capaz de guiar-se pelas leis que edita, decorrendo daí, como assinalou o filósofo alemão Kant, que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas. A humanidade, como espécie, e cada ser humano, em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma.72 Orlando Teixeira da Costa pondera sobre o fato de o homem ser tratado como coisa na relação de trabalho, o que não convêm, por tratar-se de afronta grave ao princípio da dignidade humana. Dessa forma, assevera que o obreiro não pode ser visto como objeto, nem receber o tratamento dado a um instrumento ou a máquina. Contudo, na atualidade, o que se vê é a preponderância das considerações econômicas, tornando novamente à visão de que os trabalhadores são ‘recursos humanos’, ou, ainda, ‘capital humano’. Aquele que trabalha, quando considerado como capital, acaba sendo aceito como um bem econômico suscetível de ser aplicado na produção. Em outras palavras, é material de uso, avaliado em dinheiro e componente de um custo. Tal concepção não se faz compatível com o conceito, a enunciação e o propósito dos instrumentos nacionais e internacionais que veem no trabalhador uma pessoa humana plenamente revestida de dignidade.73 71 Art. 225, CF/88 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 72 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos fundamentais, 2001. Apud. VALENTIM, 2003. p. 116 73 VALENTIM, 2003. p. 119 50 Portanto, deve-se ter como premissa básica que o ser humano precede ao Direito e à organização dos Estados, justificando-se em razão dele mesmo, e não o contrário. O princípio da dignidade humana não só deve servir de exemplo ao Direito, à ação do Estado e ao comportamento humano, como também deve servir de fonte inibidora de todos os atos atentatórios e ofensivos à humanidade. Inscrito no caput do art. 5º da Carta Constitucional74, está o princípio da igualdade, amalgamado com vários outros direitos. Como princípio constitucional, deve nortear a interpretação e a aplicação de todos os preceitos infraconstitucionais, sendo certo que nem o Estado, nem os particulares podem, no exercício de suas funções, afastarem-se das diretrizes impostas pelo princípio da isonomia. Deve-se, contudo, buscar não somente esta aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas 75 formalizada perante a lei. Em diferentes passagens, a Constituição Brasileira ocupa-se em aprofundar a regra da isonomia material, no entanto, simultaneamente, o próprio constituinte estabeleceu certas desigualdades, como, por exemplo, em relação a homens e mulheres, na sua igualdade em direitos e obrigações, destacando-se o inciso L, artigo 5º, que enuncia condições especiais às presidiárias para que possam permanecer com os seus filhos durante o período de amamentação76; incisos XVIII e XIX, artigo 7º, que diferenciam a licença-maternidade e a licença-paternidade, respectivamente, entre outros.77 Somente afirmar que todos são formalmente iguais perante a lei é insuficiente, visto que, de fato, existem desigualdades materiais entre as pessoas. Percebeu-se que uma intervenção era necessária para amenizar as desigualdades existentes na sociedade. Diante desta realidade, o princípio da igualdade foi devidamente atualizado, prevendo a adoção de mecanismos de intervenções para 74 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 75 LENZA, 2005. p. 472 76 Art. 5º, L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. 77 Art. 7º, XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei. 51 compensar juridicamente os mais desfavorecidos, possibilitando, assim, uma igualdade mais próxima da ideal. Estas compensações jurídicas estão traduzidas nos mecanismos das discriminações positivas ou ações afirmativas. Da análise do princípio da igualdade em contraposição com o princípio da diferença que dele se extrai, pode-se dar contornos mais amplos que o da proteção, em sua definição mais ampla, exatamente por assegurar ao seu destinatário um direito a ser tratado de modo diverso, sem que isso ofenda o princípio da igualdade. Temos como certo que a atual realidade do portador do vírus da AIDS, em nossa sociedade, está a justificar a afirmação desse princípio, em especial nas relações de trabalho subordinado, posto que se faz necessário dar a esse trabalhador uma proteção diversa daquela dada aos demais trabalhadores que se encontrem enfermos. Regra geral, as doenças, sejam laborais ou não, não estigmatizam os enfermos de modo tão severo e contundente como o faz, ainda hoje, a AIDS, que, mesmo com todo o avanço dos medicamentos e dos tratamentos, mesmo com a certeza de que não existem grupos de risco, mas sim comportamentos de risco, e que a doença não está relacionada à homossexualidade, à prostituição, à depravação, às drogas, ao pecado, ainda assim, continua sendo pretexto 78 para discriminação, humilhação e preconceito. O conceito de pessoa é inconciliável com a desigualdade constantemente presente na sociedade entre os semelhantes. A tutela legal do direito à igualdade passa, normalmente, pela declaração de inconstitucionalidade dos preceitos que a violem no domínio privado, compelindo aquele que praticar atos discriminatórios em razão de raça, estado civil, religião, sexo, orientação sexual, convicção filosófica, política e social, entre outros, a obrigação de indenizar. Discriminação compreende qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados. 79 Considera-se, assim, a não discriminação como, possivelmente, a mais expressiva manifestação do princípio da igualdade, cuja importância, como valor constitucional, serve de referência do ordenamento jurídico brasileiro, como conjunto. O principio da não discriminação, presente no art. 7º, CF, proíbe a diferença de critérios de admissão, de exercício de funções e salários por motivo de 78 VALENTIM, 2003, p. 127 Convenção Internacional n°. 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho, sobre Discriminação no Emprego e na Ocupação. Ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Dec. N°. 62.150/68. 79 52 sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX), ou critérios de admissão e de salários em razão de deficiências físicas (inciso XXXI) e, bem assim, que se distinga, na aplicação das normas gerais, entre os respectivos profissionais (XXXII). O comportamento discriminatório poderá ocorrer em qualquer etapa do curso do contrato de trabalho e também na dissolução do pacto laboral. As razões que podem incentivar tal conduta são diversas, tais como sentimento de superioridade; antipatia ou preconceito; ignorância; temor; intolerância, abragendo fatores de cunho psicossocial, educacional ou econômico. O combate à discriminação no trabalho humano está, portanto, inserido no princípio constitucional da isonomia. A tutela antidiscriminatória no Brasil desenvolve sua virtualidade nos incisos IV, VI, VIII e XVII do artigo 5° e no artigo 7°, XXX e XXXI, da Constituição da 80 República de 1988 . Não basta, entretanto, promulgar leis contra atos discriminatórios, é necessário, principalmente, combater as causas. Seu combate exige educação, informação e sensibilização. O fato de a discriminação ser uma injustiça já é uma razão suficiente para condená-la.81 Sem dúvida, a discriminação é a reação social mais grave que acompanha os portadores ou supostos portadores do vírus HIV. São atitudes edificadas no medo irracional daqueles que integram a sociedade, decorrentes de ideias preconcebidas que veem a demonstrar uma falta de conhecimento acerca das formas de contato. De forma a colaborar com tal entendimento, foi elaborada e aprovada pela ENONG - Encontro Nacional de ONG’s que Trabalham com AIDS- no ano de 1989, em Porto Alegre - RS, uma Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da AIDS. 80 Art. 5°-Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...). IV- é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VIII- ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; XVII- é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; e Art. 7°- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXX- proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI- proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Ambos da Constituição Federal de 1988. 81 BARROS, 2009. p. 1131. 53 I - Todas as pessoas têm direito à informação clara, exata, sobre a AIDS. Os portadores do vírus têm direitos a informações específicas sobre sua condição. II - Todo portador do vírus da AIDS tem direito à assistência e ao tratamento, dados sem qualquer restrição, garantindo sua melhor qualidade de vida. III - Nenhum portador do vírus será submetido a isolamento, quarentena ou qualquer tipo de discriminação. IV - Ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/AIDS, qualquer que seja sua raça, nacionalidade, religião, sexo ou orientação sexual. V - Todo portador do vírus da AIDS tem direito à participação em todos os aspectos da vida social. Toda ação que tende a recusar aos portadores do HIV/AIDS um emprego, um alojamento, uma assistência ou a privá-los disso, ou que tenda a restringi-los à participação nas atividades coletivas, escolares e militares, deve ser considerada discriminatória e ser punida por lei. VI - Todas as pessoas têm direito de receber sangue e hemoderivados, órgãos ou tecidos que tenham sido rigorosamente testados para o HIV. VII - Ninguém poderá fazer referência à doença de alguém, passada ou futura, ou ao resultado de seus testes para o HIV/AIDS sem o consentimento da pessoa envolvida. A privacidade do portador do vírus deverá ser assegurada por todos os serviços médicos e assistenciais. VIII - Ninguém será submetido aos testes de HIV/AIDS compulsoriamente, em caso algum. Os testes de AIDS deverão ser usados exclusivamente para fins diagnósticos, para controle de transfusões e transplantes, e estudos epidemiológicos e nunca qualquer tipo de controle de pessoas ou populações. Em todos os casos de testes, os interessados deverão ser informados. Os resultados deverão ser informados por um profissional competente. IX - Todo portador do vírus tem direito a comunicar apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde e o resultado dos seus testes. X - Toda pessoa com HIV/AIDS tem direito à continuação de sua vida civil, profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ação poderá restringir seus direitos completos à cidadania.82 É indispensável que o trabalhador portador do vírus ou o doente de AIDS tenha condições de viver sua realidade de modo diverso, podendo adaptar sua vida profissional, sem passar pelo constrangimento da benesse patronal, sem a obrigação de justificar-se perante os colegas ou de receber deles manifestações de desagrado. Ao criarem-se condições favoráveis para que ele possa trabalhar e produzir de modo adequado à sua saúde manifesta-se o direito à diferença. O direito à intimidade é um direito fundamental da pessoa, o qual se destina a proteger a privacidade em seus múltiplos aspectos, sejam eles pessoais, familiares ou negociais. Com este direito, obsta-se a inserção de estranhos na esfera privada ou íntima da pessoa, “protegendo-se, dentre outros, os seguintes bens: 82 Ministério da Saúde. Manual de adesão ao tratamento para pessoas vivendo com HIV e AIDS. 2008, p. 31.Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_adesao_tratamento_hiv.pdf. Acesso em 14 outubro 2010. 54 confidências, dados pessoais, memórias, relações familiares, vida conjugal e saúde”.83 Seu conceito é mais restrito do que o direito à privacidade, sendo ambos consagrados em preceitos constitucionais constantes do artigo 5°, inciso X.84 É direito de natureza negativa, pois se expressa pela não exposição a conhecimento de terceiro de elementos particulares da esfera reservada da pessoa. Entretanto, é possível que a pessoa disponha desse direito, devendo, para tanto, manifestar-se de modo expresso e delimitado. O direito à intimidade, por ser direito personalíssimo “é inato, essencial, absoluto, imprescritível, extrapatrimonial e oponível erga omnes”.85 Poderá ensejar ressarcimento por dano moral em face da violação ao direito à intimidade a hipótese de pesquisarem-se os aspectos da vida pessoal do obreiro sem que possuam relevância para a sua atividade laboral. A inserção do empregado no ambiente de trabalho não lhe retira os direitos da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie. Faz-se inadmissível que a ação do empregador se amplie a ponto de ferir a dignidade da pessoa humana. Em países como Alemanha, Espanha, França e EUA já existem legislações tratando sobre a discriminação no ambiente de trabalho, notadamente por motivo de ser o trabalhador portador do vírus HIV e nas quais se preveem, inclusive, a reintegração de um empregado dispensado por ser portador de AIDS, ou mesmo por outro motivo congênere, que implique na demonstração da dispensa discriminatória.86 A proteção da vida privada e da intimidade do trabalhador assume especial relevância em relação ao empregado portador do vírus HIV ou ao doente de AIDS, assegurando-lhes, por exemplo, o direito de não terem a sua condição de soropositivo revelada a terceiros, inclusive ao empregador, se assim não desejarem; de não serem inquiridos sobre suas vidas pessoais, sua condutas sexuais; de não terem divulgados os resultados dos exames, solicitados pelo médico da empresa. 83 VALENTIM, 2003 p. 136. Artigo 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 85 VALENTIM, 2003, p. 136. 86 VALENTIM, 2003, p. 168 84 55 Estes direitos dos soropositivos e dos doentes de AIDS veem sendo afirmados em diversos documentos de cunho internacional, principalmente provenientes da Organização Internacional do Trabalho e da Organização Mundial de Saúde, os quais serão abordados adiante. 2.4 - DECLARAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE E ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO SOBRE A AIDS. Desde sua criação, a Organização Internacional do Trabalho vem pontuando acerca dos problemas relacionados à realidade laboral em seus vários aspectos, a exemplo de segurança, higiene, saúde, organização e duração do trabalho, remuneração, serviços de bem-estar social, discriminação no trabalho, meio ambiente e condições de vida. Desta forma, por meio de edição de Convenções Internacionais do Trabalho, Recomendações, Resoluções e Declarações, versando cada uma sobre temas variados a respeito do campo do trabalho, veem definindo princípios, direitos e deveres a serem adotados e observados pelos Estados-Membros. Dada à proporção que a epidemia da AIDS tomou perante o mundo trabalhista, tema cada vez mais presente nas discussões e na agenda da Organização, editaram-se Convenções tratando especificamente do tema. Na cidade de Genebra, entre os dias 27 e 29 de junho de 1988, realizou-se uma ‘Reunião Consultiva sobre AIDS no local de trabalho’, que, em parceria com a Organização Mundial de Saúde e a Organização Internacional do Trabalho, houve, pela primeira vez, uma manifestação oficial sobre o HIV/AIDS, dando-se início ao Programa Mundial sobre a AIDS.87 Em razão dessa reunião, editou-se a ‘Declaração da Reunião Consultiva sobre a AIDS e o Local de Trabalho’, na qual as Organizações Internacionais envolvidas apresentaram suas orientações acerca do trato desta questão, no intuito de proteger a dignidade e os direitos humanos tanto daqueles infectados pelo vírus HIV quanto aqueles doentes de AIDS, quesito essencial para a prevenção e o 87 Oficina Internacional Del Trabajo. HIV/AIDS no Mundo do Trabalho: As Ações e a Legislação Brasileira. 2002. Disponível em http://www.higieneocupacional.com.br/download/hiv-aids-oit.pdf Acesso em 28 outubro 2010 56 combate da moléstia; proteger os soropositivos contra tratamentos discriminatórios em âmbito laboral, devendo ser tratados como quaisquer outros trabalhadores e; o tratamento igualitário entre aqueles enfermos pela AIDS e os com qualquer outra enfermidade. Tais princípios funcionam como uma recomendação aos Estados para a adoção de procedimentos e políticas públicas no mesmo sentido, no âmbito nacional ou no empresarial, dando oportunidade de ouvirem-se os interlocutores sociais, por meio de seus sindicatos, os quais poderão sugerir medidas com vistas a combater as discriminações e a oferecer salvaguardas, quando se fizerem necessários. Infere-se, assim, que na grande maioria dos ofícios ou profissões e das situações laborais, o trabalho não acarreta nenhum risco de contaminação ou transmissão do vírus HIV, seja de um empregado para outro, seja de um empregado para um cliente ou de um cliente para um empregado. Foram definidos outros princípios, e como forma de organização, estes foram diferenciados em duas partes, um referente àqueles que estão à procura de um emprego, e outro, relacionado àqueles que já se encontram insertos no mercado de trabalho. Aos indivíduos que buscam emprego, não devem ser impostos, nem se devem exigir, quando do processo de admissão, quaisquer dos procedimentos de detecção prévia do vírus HIV/AIDS, vez que tal atitude poderia constituir-se em prática discriminatória. Quanto às pessoas que já se encontravam trabalhando, definiu-se que: (a) não se deve exigir o exame para detecção do HIV/AIDS, seja por métodos diretos ou indiretos; (b) deve ser respeitado o caráter confidencial de toda informação médica, inclusive sobre a situação do trabalhador em relação ao HIV/AIDS; (c) o empregado não deve estar obrigado a informar ao seu empregador sua situação em relação ao HIV/AIDS; o empregado deve ser protegido de todo tipo de discriminação ou de ser estigmatizado no lugar de trabalho, seja por parte de companheiros, trabalhadores, sindicatos, empregadores ou clientes, constituindo a informação e a educação condições essenciais para a manutenção do clima de confiança mútua, indispensável para o êxito da proteção; os empregados e seus familiares devem ter acesso aos programas de informação e educação sobre HIV/AIDS, bem como aos meios adequados de assessoramento e consulta; os empregados infectados não devem ser objeto de discriminação em razão de seu acesso às prestações da seguridade social ou a outras prestações de natureza trabalhista e/ou à sua percepção; o empregado deve ter direito à mantença da relação de trabalho, vez que a infecção pelo HIV não é motivo para cessar tal relação; o empregado deve ter direito à mudança das condições de trabalho, quando necessárias, em razão da infecção, pois a infecção 57 pelo HIV/AIDS não proporciona, por si mesma, qualquer limitação à capacidade de trabalho do empregado, porém se este se encontrar debilitado, em decorrência de uma enfermidade relacionada com o HIV, medidas devem ser tomadas, no sentido de promover as alterações necessárias e razoáveis dessas condições, de modo a possibilitar a continuidade da prestação de serviços pelo empregado portador do vírus HIV/AIDS; e, (d) em toda situação que exija primeiros socorros no local de trabalho, precauções deverão ser adotadas para reduzir o perigo de transmissão de qualquer infecção sangüínea.88 Em relação aos problemas referentes à qualidade e ao meio ambiente do trabalho, a Organização passou, a partir de 1974, a abordá-la sobre um novo ângulo, em razão da constatação de que, apesar da existência de inúmeras formas de atuação da Organização neste campo, as condições de trabalho continuavam sendo, para milhões de trabalhadores, inaceitáveis, porque perigosas, insalubres, degradantes e indignas.89 Apurou-se, então, que com o envolvimento de empregados e empregadores na preparação e aplicação das normas, havendo uma co-responsabilidade, garantirse-iam melhores resultados. Depreende-se desta melhoria nas condições do meio ambiente do trabalho como um problema global, os quais diferentes fatores, que além de influenciar o bem estar físico e mental do obreiro, configuram-se como um todo e estão interrelacionados, devendo, portanto, serem enfocados, de forma a se evitar falhas na avaliação e a possibilitar a explicação dos ensejos reais que tornam agressivo o ambiente de trabalho. Em abril de 2005, junto com a Organização Mundial da Saúde, a OIT organizou a Reunião Tripartite de Especialistas para Elaborarem Diretrizes Mistas da OIT/OMS sobre os Serviços de Saúde e o HIV/AIDS, em Genebra. O objetivo das diretrizes é promover uma gestão coordenada do HIV/AIDS nos serviços de saúde, incluída a prevenção e os riscos profissionais, a fim de proporcionar aos trabalhadores um ambiente de trabalho seguro, saudável e decente. Devem ainda servir de base à formulação de políticas e como referência técnica a governos, organizações de empregadores e de trabalhadores e a todos os demais grupos e órgãos cujas responsabilidades e atividades estejam relacionadas com a prestação de serviços de saúde.90 Assim, o local de trabalho torna-se o ambiente favorável para o agenciamento de políticas e programas de prevenção e assistência às pessoas que 88 Oficina Internacional Del Trabajo. HIV/AIDS no Mundo do Trabalho: As Ações e a Legislação Brasileira. 2002. Disponível em http://www.higieneocupacional.com.br/download/hiv-aids-oit.pdf Acesso em 28 outubro 2010 89 VALENTIM, 2003. p. 151. 90 SOMAVIA, Juan. HIV-AIDS nos locais de trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/prgatv/prg_esp/hiv_aids.php Acesso em 25 outubro 2010 58 vivem com HIV/AIDS. Do mesmo modo que os retornos institucionais e empresariais adaptam o tipo e a amplitude da informação repassada à população, o local de trabalho pode ajudar a promover mudanças de atitudes e de comportamento em relação à epidemia. Ante esta situação, a Organização Internacional do Trabalho vem se esforçando para transformar o local de trabalho em um catalisador dos esforços empreendidos para impedir a disseminação do HIV e restringir seus efeitos devastadores. A OIT, a OMS e a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha elaboraram em conjunto outro documento, denominado ‘Diretrizes sobre a AIDS e os Primeiros Socorros no Local de Trabalho’, onde foram detalhados cuidados a serem tomados na reanimação boca a boca de trabalhadores que porventura sofram uma hemorragia, que recebam respingos de sangue, ou que venham a ter contato com sangue na prestação de primeiros socorros, etc. Posteriormente, em Windhoek, na Namíbia, África, no período de 11 a 13 de outubro de 1999, a OIT realizou o ‘Seminário Regional Tripartite sobre Estratégias para Abordar as Implicações Sociais e Trabalhistas do VIH/AIDS’. Nele aprovou-se a ‘Plataforma de Ação sobre HIV/AIDS no Contexto do Mundo do Trabalho na África’, e definiram-se os valores comuns que deveriam nortear os futuros programas e políticas a serem implementados e seus objetivos. Foi definido ainda um conjunto de ações a serem praticadas, dentre as quais destacam-se: (a) eliminar os comportamentos de discriminação e estigma em relação ao HIV/AIDS, mediante a adoção e a aplicação das normas internacionais do trabalho da OIT e das legislações nacionais de trabalho; (b) fortalecer a capacidade dos interlocutores sociais para lutar contra a pandemia; (c) promover as oportunidades de ingresso no mercado de trabalho e de emprego para as pessoas que vivem com HIV/AIDS e suas famílias (...); (d) reforçar os sistemas de seguridade social e saúde no trabalho, para proteger os grupos que correm mais risco; (e) formular e aplicar políticas gerais e programas no mundo do trabalho (...); (f) incluir as questões relativas ao HIV/AIDS na negociação de convenções coletivas de trabalho.91 A Plataforma de Ação foi aprovada por unanimidade pelos Ministros do Trabalho africanos, presentes à 9ª Reunião Regional Africana da OIT, realizada em Abidjan, entre os dias 8 e 11 de dezembro de 1999. Nesse encontro, também foi 91 Plataforma de Ação sobre HIV/AIDS no Contexto do Mundo do Trabalho na África. Disponível em www.higieneocupacional.com.br/download/hiv-aids-oit.pdf Acesso em 27 outubro 2010 59 aprovada uma ‘Resolução sobre o HIV e a AIDS no Contexto do Mundo do Trabalho na África’. A 88ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em junho de 2000, aprovou a ‘Resolução sobre HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho’, apresentada pelo Conselho de Administração da OIT. A Resolução exorta os governos dos Estados-Membros e as organizações de empregados e empregadores a: (a) ampliar a conscientização nacional incluindo a participação de outros grupos interessados, especialmente no âmbito do trabalho, com vistas a eliminar o estigma e a discriminação a respeito do HIV/AIDS e a combater a cultura de segregação e, deste modo, prevenir a propagação do HIV/AIDS; (b) fortalecer a capacidade dos interlocutores sociais para o enfrentamento da pandemia; (c) reforçar os sistemas de segurança e saúde no trabalho a fim de proteger os grupos de risco; (d) formular e aplicar políticas e programas sócio-laborais que mitiguem os efeitos da AIDS, e, (e) proceder a uma mobilização eficaz dos recursos92 No decorrer da Conferência, foi realizada a ‘Reunião Especial de Alto Nível sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho’, onde foi apresentado um relatório global sobre o tema, elaborado pela Secretaria da OIT.93 Tal documento ressalta a importância da função que a OIT deve exercer nesta situação, colaborando para a consignação de uma aliança mundial para descobrir uma solução global para os portadores de HIV/AIDS no mundo do trabalho, promovendo, assim, iniciativas mundiais e, paralelamente, amparando as iniciativas a nível nacional e das empresas. Com esse intuito, foi criado, na ocasião, o Programa Mundial da OIT sobre HIV/AIDS no Mundo do Trabalho, contendo instruções de cooperação técnica da OIT, com a finalidade de implementar a aplicação da Resolução e das ações da OIT sobre HIV/AIDS. Foi ainda celebrado um acordo de cooperação entre a OIT e o UNAIDS - Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS.94 Em maio de 2001, foi realizada, na sede da OIT em Genebra, uma reunião técnica internacional que contou com a participação de representantes de governos, 92 Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010 93 Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010 94 Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010 60 organizações de empregadores e de trabalhadores. Aprovou-se nesta reunião o ‘Repertório de Recomendações Práticas sobre HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho’. Esse documento foi lançado oficialmente pelo Diretor-Geral da OIT, em junho de 2001, por ocasião da Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre HIV e AIDS (UNGASSAIDS), realizada em Nova York, no período de 25 a 27 de junho de 2001. Em 17 de junho de 2010, durante a 99ª Conferência Internacional do Trabalho, votou-se a primeira norma internacional dos direitos humanos sobre HIV/AIDS e o mundo do trabalho. A nova norma está em forma de Recomendação, uma das classes de normas de trabalho que a OIT pode adotar. Ainda que se diferencie de uma Convenção, pois não necessita ratificação, de acordo com o artigo 19 da Constituição da OIT, uma recomendação deve ser comunicada ao Parlamento e devem ser discutidos os termos de sua implementação através de políticas e da legislação nacional.95 Embora o debate sobre HIV/AIDS esteja bastante avançado no Brasil, a proteção contra a discriminação no trabalho ainda é, na maioria das vezes, garantida por ações judiciais. Com a aprovação da norma da OIT, a luta contra a discriminação fica fortalecida, já que os governos terão que desenvolver políticas que considerem a recomendação. 95 Disponível em espanhol: http://www.cut.org.br/sistema/ck/files/old/aids_norma_integra_175.pdf 61 3 - DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR COM AIDS A ausência de informações acerca da enfermidade tem levado a episódios de manifestações de preconceito e discriminação, situações ainda tão presentes na atualidade, com inclusão das relações de trabalho subordinado. Trabalhadores soropositivos ainda são preteridos nos processos de recrutamento de pessoal. Muitas vezes, o ambiente de trabalho é inadequado, física e psicologicamente. Agentes químicos e biológicos nocivos à saúde, pressões por produção, autoritarismo nas relações interpessoais, em especial entre chefias e empregados, são uma constante. Um ambiente que deveria ser acolhedor revela-se, na realidade, um palco de violações de direitos. A relevância do cotejo deste princípio fundamental, à luz da problemática relacionada à AIDS, reside na perspectiva instigadora de vislumbrar “possibilidades” para a solução de eventuais conflitos de interesses, com fundamento nos princípios, quando da ausência de norma, a regular os casos concretos, ou na utilização destes como regra orientadora da aplicação de normas jurídicas. O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades. Como dizia Couture: “o procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades”. Enuncia o autor três importantes regras, resultantes do princípio geral de proteção: a) In dúbio, pro operário, critério que deve utilizar o juiz ou o intérprete, para escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador; b) Da norma mais favorável, critério a ser usado no caso de haver mais de uma norma aplicável, quando se deverá optar por aquela que seja mais favorável ao trabalhador, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas; c) Da condição mais benéfica, critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador.96 Para o trabalhador portador do vírus HIV, a aplicação desse princípio assume relevância ímpar, como nas hipóteses de alegada falta grave, praticada pelo empregado, a justificar a rescisão de seu contrato, ou, na falta de robustez da prova da discriminação, circunstâncias nas quais, mais do que nunca, o intérprete há de valer-se das regras enunciadoras do princípio da proteção para decidir o conflito de interesses. 96 GUALAZZI, 2005, p 135 62 Além deste, é necessário tratar-se do princípio da continuidade do emprego. Este princípio expressa a ideia da preservação da relação de trabalho, seja porque o contrato de trabalho é de trato sucessivo, seja porque a continuidade da prestação de serviço propicia ao empregado a possibilidade de considerar-se sujeito de um contrato de trabalho, seja para propiciar-lhe a tranquilidade necessária para organizar sua vida profissional e, em especial, a social e a familiar. Não se está aqui tentando defender a estabilidade no emprego, embora essa seja uma das consequencias da aplicação desse principio, mas sim que levemos em conta as projeções, as tendências as inclinações do princípio, tão bem definidos por Plá Rodrigues, a exemplo da preferência por contratos por prazo indeterminado, amplitude para a admissão das transformações dos contratos, facilidade para manter o contrato, apesar dos descumprimentos ou das nulidades em que se haja incorrido, resistência em admitir a rescisão unilateral do contrato, por vontade patronal, interpretação das interrupções dos contratos como simples suspensões, manutenção do 97 contrato nos casos de substituição do empregador. Para o trabalhador soropositivo ou doente de AIDS, a manutenção da relação de trabalho é uma necessidade. O trabalho tem função terapêutica, contribuindo para o desenvolvimento de um sentimento de utilidade, de integração social do trabalhador, propiciando-lhe não só a estabilidade econômica, mas a tranquilidade psíquica e mental para enfrentar a doença. Solidariedade, assistência e apoio são elementos críticos que deveriam reger a resposta ao HIV/AIDS num local de trabalho. Dever-se-iam criar mecanismos para estimular abertura, aceitação e apoio a trabalhadores que revelassem sua condição de HIV bem como a garantia de não serem discriminados ou estigmatizados. Para atenuar o impacto da epidemia de HIV/AIDS no local de trabalho, esforços deveriam ser envidados para oferecer aconselhamento e outras formas de apoio social a trabalhadores e afetados por HIV/AIDS. Onde houvesse serviço de saúde no local de trabalho, deveria ser realizado o devido tratamento. Na falta desses serviços, os trabalhadores deveriam ser informados sobre o endereço de serviços externos disponíveis. Medidas desta natureza têm a vantagem de atender não só aos trabalhadores, mas também às suas famílias e, especialmente, os seus filhos. A parceria entre governos, empregadores, trabalhadores, organizações e outros 97 GUALAZZI, 2005 p. 135 63 interlocutores sociais interessados asseguraria também uma efetiva prestação de serviços e redução de custos.98 3.1 - EXIGIBILIDADE DO EXAME ADMISSIONAL DO EMPREGADO À LUZ DO ART. 168, CLT. Todo empregado, quando contratado pelo regime previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas, deve passar por algumas avaliações médicas, antes de ser admitido; durante a vigência do contrato de trabalho; e ao término do pacto laboral, denominadas de: exame admissional; periódico; de retorno ao trabalho; de mudança de função; e demissional. O exame médico admissional encontra-se previsto no artigo 168 da CLT, sendo de cunho obrigatório, exigido pelas empresas antes de firmada a contratação de um funcionário com carteira assinada, compondo o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional. O objetivo de tal avaliação é a verificação da capacidade laborativa do trabalhador, ou seja, se o mesmo encontra-se em condições físicas e psíquicas para desenvolver as atividades para as quais está sendo contratado. O exame é realizado por um médico, com especialização em Medicina do Trabalho, nas empresas obrigadas a manter esse serviço, pois somente este profissional possui idoneidade para caracterizar uma doença ocupacional. Quando a empresa não for obrigada a manter SESMT, a investigação deve ser feita, preferencialmente, por médico do trabalho, ficando a critério da empresa um médico de outra especialidade. 99 Trata-se de um exame simples, regido nas condições descritas na Norma Regulamentadora nº. 7, a qual estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, com o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto de seus trabalhadores. Essa análise da saúde do contratado é indispensável para provar o bom estado de saúde físico e mental do novo funcionário para o exercício de determinada função para a qual está sendo admitido, sendo imprescindível para evitar transtornos 98 Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010 99 O Exame médico admissional. Disponível www.saberjuridico.com Acesso em 19 outubro 2010 64 com funcionários que tenham problemas de saúde pré-existentes, advindos de empregos anteriores ou não. A investigação clínica consiste, basicamente, em exame de aptidão física, mental. A princípio, é feita a partir de uma entrevista onde se explora a vida pregressa do trabalhador, questionando-o se sofre de alguma moléstia ou mal-estar, bem como saber se o obreiro já esteve exposto a possíveis agentes nocivos, ou mesmo se já utilizou de licenças em empregos anteriores. Numa segunda etapa, que nem sempre é realizada, mede-se a pressão arterial, os batimentos cardíacos, etc. Posteriormente, emite-se um Atestado Médico de Capacidade Funcional.100 Recomenda-se a feitura desta avaliação médica a fim de evitarem-se aborrecimentos futuros e possíveis prejuízos para o empregador, pois este poderá contratar alguém que já apresente problemas de saúde com origem em serviço anterior, podendo vir a reivindicar no sistema judiciário, pleiteando estabilidade no atual emprego. Sem este exame, a empregadora poderá ser considerada culpada por todas as doenças contraídas pelo trabalhador durante o contrato de trabalho, respondendo inclusive por eventuais ações indenizatórias por acidente de trabalho ou doença do trabalho.101 Está inserido neste contexto que qualquer ato discriminatório praticado pela empresa, no momento da admissão, pode dar ensejo à ação judicial do candidato, visando à contratação, bem como ação de indenização por danos morais. Qualquer inaptidão que não seja bem explicada e embasada pode resvalar na discriminação, como situações clássicas de empresas que deixam de contratar indivíduos obesos, pessoas com deficiências, portadores de doenças crônicas. Em relação às gestantes e aos portadores do vírus HIV, a questão torna-se ainda mais grave, por que os exames são proibidos por lei. A preocupação com o assunto é tanta que levou o Conselho de Medicina Federal a elaborar pareceres e relatórios para orientar os médicos, com vistas a uniformizar o entendimento na comunidade científica, tanto quanto possível, achando-se, por bem, avaliar e padronizar as normas relativas ao tema, no que couber, condensando-se em mandamento único, razão que rege a Resolução CFM nº. 1.665/2003. 100 PROGRAMA DE CONTROLE MÉDICO DE SAÚDE OCUPACIONAL - NR 7, Redação dada pela Portaria n.º 24, de 29-12-94 / DOU de 30-12-94 101 Exame Admissional. Disponível em: http://www.embrapre.com.br/exame-admissional.html Acesso em 19 outubro 2010 65 A Resolução nº. 1.359 de 1992, em consonância com as normas internacionais, proíbe os médicos de empresa de revelarem ao empregador o diagnóstico do empregado ou candidato ao emprego, cabendo-lhes informar, exclusivamente, sobre aspectos ligados a capacidade ou não para exercer determinada função. O Código de Ética Médica, em seu art. 105, proíbe que o médico forneça dados sigilosos quando da avaliação médica de trabalhadores, até mesmo por requisição por parte dos empregadores. Se tal norma não for respeitada, cometerse-á infração ética e civil, podendo o médico ser objeto de medida judicial por violação de sigilo, cabendo indenização por danos morais. Art. 4º - É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV. Art. 9º- O sigilo profissional que liga os médicos entre si e cada médico a seu paciente deve ser absoluto, nos termos da lei, e notadamente resguardado em relação aos empregadores e aos serviços públicos. Parágrafo único - O médico não poderá transmitir informações sobre a condição do portador do vírus da SIDA (AIDS), mesmo quando submetido a normas de trabalho em serviço público ou privado, salvo nos casos previstos em lei, especialmente quando disto resultar a proibição da internação, a interrupção ou limitação do tratamento ou a transferência dos custos para o paciente ou sua família. Art. 10 - O sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado em relação aos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS), salvo nos casos determinados por lei, por justa causa ou por autorização expressa do 102 paciente. Paralelamente, inserto na Declaração da Reunião Consultiva sobre a AIDS e o Local de Trabalho, devida às específicas formas de contágio do vírus HIV, há uma recomendação para não se exigir, como etapa de seleção para o trabalhador, a investigação do HIV/AIDS, não sendo o empregado obrigado a informar ao empregador acerca de sua situação. 3.2 - INVESTIGAÇÃO DO HIV/AIDS POR PARTE DO EMPREGADOR NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO: VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE DO EMPREGADO? Não há explicação para que seja imprescindível a informação de dados particulares relativa ao HIV/AIDS pelos candidatos a emprego ou a trabalhadores. O 102 Resolução Conselho Federal de Medicina nº. 1.665, do ano de 2003 66 conhecimento das informações concernente ao estado de saúde de um trabalhador deve estar sujeito aos princípios de confidencialidade presentes no repertório de práticas da OIT, de 1997, sobre a proteção de dados pessoais dos trabalhadores.103 Não pode, enfim, constar de lista de pré-requisitos para ingresso em qualquer emprego, a investigação do HIV/AIDS previamente à contratação, como uma parte da avaliação da capacitação do empregado a determinado trabalho. E, mesmo na condição de soropositivo, o trabalhador não se encontra obrigado a informar sua condição nem no ato da admissão e nem em momento algum durante a vigência do contrato de trabalho. d) Todo (a) portador (a) do vírus HIV tem direito a ser o (a) único (a) a saber que é soropositivo, a não ser que exista o risco de contaminar outras pessoas (ex.: companheiro(a), namorado(a), etc.). e) Somente o fato de ser soropositivo (a) não torna incapaz o (a) trabalhador (a) de exercer sua atividade profissional. f) Nenhum empregador (a) pode exigir o exame de HIV/AIDS como condição para admitir ou demitir o(a) trabalhador(a), e não é obrigatório apresentar o resultado do teste de AIDS ao patrão. g) Nenhum portador do vírus pode ser discriminado (a), afastado (a) ou rejeitado (a) no trabalho, nem retirado (a) de suas funções por ser 104 soropositivo (a). O exame admissional, disposto no artigo 168 da Consolidação das Leis do Trabalho, como já mencionado, tem por sua finalidade a avaliação da capacidade laborativa do empregado em determinada função. Se, de qualquer forma, houver a exigência da apresentação de atestado médico relativo à AIDS, o empregador estará infringindo normas éticas e legais, podendo ser assinalado caso de restrição ou discriminação. Nesta hipótese, poderse-á negar a feitura do exame ou, até, denunciar o empregador junto aos órgãos competentes, já que a obrigatoriedade do teste anti-HIV é vedada, segundo a melhor interpretação dos dispositivos constitucionais, trabalhistas, administrativos e éticoprofissionais, bem como pelas Organizações Internacionais de Saúde - OMS e do Trabalho - OIT. A portaria Interministerial nº. 869, de 11 de agosto de 1992, proíbe a testagem para detecção do vírus HIV, nos exames pré-admissionais e periódicos dos servidores públicos. 103 Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010 104 Ministério da Saúde. Cartilha de Orientação para multiplicadores. Trabalhando com Mulheres e AIDS. Disponível em: http://www.cepia.org.br/doc/aids_cartilha_miolo.pdf Acesso em 19 outubro 2010 67 Há a possibilidade dos resultados do teste investigatório para o HIV serem expostos e aproveitados de forma incorreta, sendo indispensável o assentimento dado pelos trabalhadores, o qual nem sempre é de todo franco ou fundamentado numa avaliação de todos os fatos e implicações de teste. Mesmo fora do local de trabalho, o teste confidencial de HIV deve ser resultado de um consentimento esclarecido e só realizado por pessoal devidamente qualificado, em condições de rigoroso sigilo.105 A norma garante o direito de o trabalhador não revelar a sua sorologia positiva, em qualquer ocasião, pelo princípio da intimidade106, sobretudo porque a simples constatação de ser soropositivo não afeta em nada a vida profissional, estando o empregado portador do vírus sujeito aos mesmos deveres e direitos dos demais empregados. A convivência com o portador de HIV ou doente de AIDS, quer seja social quer seja profissional, não apresenta qualquer circunstância de risco, sendo este capacitado para trabalhar em qualquer atividade a que se sentir apto, desde que não provoque prejuízo de sua saúde e da saúde de outrem. Neste sentido, até mesmo o Parecer nº 11/92 do Conselho Federal de Medicina corrobora o pensamento de que não existe necessidade de afastamento médico de trabalhador da área de saúde portador do HIV, recomendando, somente, a não-realização de procedimentos invasivos que, mesmo que acidentalmente, possam gerar ferimentos.107 Destarte, cabe ao empregador velar pela melhoria na condição de vida de seus empregados, impedindo atitudes discriminatórias no ambiente de trabalho. Assim sendo, presentes na Portaria Interministerial nº. 3.195 de 10 de agosto de 1988, que trata da instituição de programas de prevenção de AIDS no local de trabalho em âmbito nacional, existem certas determinações que devem ser observadas, independentemente da existência de empregado soropositivo na empresa.108 No mesmo sentido, a Portaria Interministerial nº. 796, datada em 29 de maio de 1992, dispõe sobre a irregularidade de testes sorológicos compulsórios de alunos, professores e/ou funcionários, bem como da divulgação de diagnóstico da 105 Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 106 Art. 5º, X, CF. 107 CARDOSO, José Eduardo Dias. O Trabalhador e o HIV/AIDS. Disponível em: www.labormedsso.com.br/lab_news_artigo15.htm. Acesso em 19 outubro 2010. 108 VALENTIM, 2003. p 229 68 infecção pelo HIV ou da AIDS de qualquer membro da comunidade escolar, ou da manutenção de classes ou escolas especiais àqueles infectados pelo HIV. Paralelamente, a Portaria n. 3, de 20 de março de 1998, do Delegado Regional do Trabalho no Estado do Rio Grande do Sul, constituiu, no âmbito da Delegacia, a Comissão Regional de AIDS no Local de Trabalho, com a atribuição de tratar dos assuntos relacionados à prevenção da AIDS e à assistência aos trabalhadores portadores do vírus HIV e/ou aos doentes de AIDS. A finalidade de tais atos normativos é divulgar as informações e conhecimentos pertinentes e estimular, no âmbito das empresas e em todos os locais de trabalho, a adoção das medidas preventivas contra a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Infelizmente, não se pode afirmar que o objetivo dessas campanhas foi atingido, já que, transcorridos mais de vinte anos da edição da primeira Portaria, o ambiente de trabalho ainda não é reconhecido pelos trabalhadores como local de referência, ou seja, um local onde possam obter informações acerca da moléstia. Recentemente, o Ministério do Trabalho e Emprego, considerando a Convenção nº. 111 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbe todo e qualquer tipo de discriminação no emprego ou profissão, e paralelamente, a Lei nº. 9.029/95, que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego ou a sua manutenção, lançou a Portaria nº. 1.246, publicada em 28 de maio de 2010, impelindo o uso de teste de HIV em caso de efetuados os exames médicos concernentes à relação de trabalho. Art. 2º Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não obsta que campanhas ou programas de prevenção da saúde estimulem os trabalhadores a conhecer seu estado sorológico quanto ao HIV por meio de orientações e exames comprovadamente voluntários, sem vínculo com a relação de trabalho e sempre resguardada a privacidade quanto ao conhecimento dos resultados.109 Nos mesmos termos, há decisão do TST sobre. 109 Portaria nº. 1.246 de 28 de maio de 2010 69 RECURSO DE REVISTA ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. SALÁRIO NORMATIVO. IMPOSSIBILIDADE. Conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal - Reclamação nº 6.830 MC/PR - Paraná, publicada no DJE nº 217, em 21/10/2008 -, até que sobrevenha lei dispondo sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade, e não havendo previsão normativa nesse sentido, essa parcela deve ser calculada com base no salário mínimo nacional. Recurso de revista conhecido e provido. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. EXAME DE SOROLOGIA DE HIV NO ATO DEMISSIONAL. REALIZAÇÃO COMPULSÓRIA E SEM AUTORIZAÇÃO DA EMPREGADA. ATO ILÍCITO. Na análise do quadro fático dos autos, o Regional corretamente concluiu que, na conduta da empregadora de fazer exame para sorologia de HIV no ato demissional, sem conhecimento e autorização da empregada, houve abuso de direito, causando-lhe, portanto, dano à sua honra, imagem e intimidade que justifica sua condenação ao pagamento de indenização por dano moral, mormente considerando que o exame em questão não está enquadrado entre os exigíveis por lei em função do exercício da função pela empregada, uma vez que o artigo 4º da Resolução CFM nº 1.655/2003 veda a realização compulsória do exame de sorologia para HIV, e as Normas Regulamentares 1 e 7 do MT e o artigo 168 da CLT não preveem a realização de exames preventivos em relação a essa patologia . Acrescenta-se que os argumentos da parte de que a reclamante não provou que foi constrangida ou humilhada, e que também não tinha conhecimento da realização do exame não foram esclarecidos pelo Regional e demandam o exame de fatos e provas dos autos. Observa-se que sobre esses aspectos o Regional não se manifestou nem foi instado a fazê-lo mediante a oposição de embargos de declaração. Se pretensão da parte, pois, sob s esse enfoque, encontra óbice nas Súmulas nº 126 e 297 do TST. Recurso 110 de revista não conhecido. Enfim, a infecção pelo HIV não é motivo para término do contrato de trabalho. Semelhante a outros problemas de saúde, as pessoas com doenças relacionadas ao HIV deveriam poder trabalhar enquanto estivessem clinicamente em condições de desempenhar um trabalho viável e adequado. 3.3 - AS CONDIÇÕES DE SAÚDE DO OBREIRO SOROPOSITIVO. LIMITES DE PROTEÇÃO A Organização Mundial da Saúde e a Organização Internacional do Trabalho recomendam que se elabore e se operacionalize programas de prevenção à AIDS nos locais de trabalho, com o objetivo de promover uma ação sistemática e eficaz frente ao HIV/AIDS, prevenindo e gerenciando o seu impacto no local de trabalho, Processo: RR - 518040-28.2005.5.12.0037 Data de Julgamento: 20/10/2010, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 28/10/2010. 110 70 criando um ambiente laboral sem discriminações ao portador do HIV e ao doente de AIDS, como forma de contribuir no enfrentamento desse grave problema social, que é a epidemia de AIDS. g) Nenhum portador do vírus pode ser discriminado (a), afastado (a) ou rejeitado (a) no trabalho, nem retirado (a) de suas funções por ser soropositivo (a). h) O (A) portador (a) do vírus HIV, quando doente, tem direito à licença para tratamento de saúde, reforma militar ou pensão especial. i) O (A) portador (a) do vírus HIV, quando doente, tem direito ao auxílio doença ou aposentadoria, quando segurado da Previdência Social. j) O (A) portador (a) do vírus, quando doente, tem direito à liberação do PIS, FGTS, independentemente de rescisão contratual (desemprego). Basta apresentar à Caixa Econômica Federal atestado médico, carteira de trabalho e carteira de identidade. k) A perícia médica, para a garantia destes direitos, poderá ser realizada no local em que se encontre o doente, se este não puder se locomover. l) O (A) portador (a) do vírus HIV, aposentado (a) ou reformado (a), está isento (a) do pagamento de imposto de renda sobre os benefícios recebidos. m) Os planos de saúde não podem excluir o atendimento a doentes com AIDS, inclusive os planos de saúde feitos pela empresa. n) O (A) portador (a) do vírus HIV, que não pode trabalhar e que não tem direito a auxílio doença, tem direito a uma pensão vitalícia (benefício de prestação continuada). o) O (A) portador (a) do vírus HIV tem direito ao passe especial para portadores de deficiência, que garante a gratuidade no uso dos transportes coletivos.111 De acordo com o que dispõem os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, fica assegurado ao trabalhador doente, em comprovado estado de carência e ausência de qualquer benefício, o pagamento de um benefício mensal, proveniente de recursos da assistência social (pensão vitalícia). A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, nº 8.742/93, e o Decreto nº 7.744/95 disciplinam a criação e a regulamentação do benefício da prestação continuada, respectivamente. Não se obtendo o deferimento, pela via administrativa, por que o requerente, p.ex., não cumpre os requisitos exigidos por estas normas, deverá ser feito o pleito judicial. Não há perda de capacidade laborativa naquele portador de HIV, portanto, inexistindo necessidade daquele de se abdicar de certa função só pela sua condição. Entretanto, se o próprio trabalhador não se considera suficientemente capacitado para a execução de seu labor, há a conveniência de que o mesmo seja transferido para outra função, compatível com o seu estado de saúde. A partir do momento em que qualquer atividade venha a tornar-se impossível, é indispensável 111 Ministério da Saúde. Cartilha de Orientação para multiplicadores. Trabalhando com Mulheres e AIDS. Disponível em: http://www.cepia.org.br/doc/aids_cartilha_miolo.pdf Acesso em 19 outubro 2010 71 que o empregado se apresente ao serviço médico da empresa, com vistas à avaliação e a condução para o auxílio-doença, por incapacidade temporária, ou aposentadoria por invalidez, por incapacidade permanente. Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para 112 participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive. De cunho social inestimável, a Lei nº 7.670, de 8 de setembro de 1988, estendeu aos portadores do vírus HIV ou aos doentes de AIDS, vários benefícios os quais já eram assegurados, à época, a indivíduos acometidos de outras doenças graves. Desta forma, garante-se ao portador de HIV ou àquele responsável pelos seus cuidados, o direito a sacar os valores depositados em seu nome a título de FGTS, independentemente de rescisão de contrato de trabalho ou de comunicação ao empregador, mudança importante devido ao alto custo do tratamento da moléstia. Somente o trabalhador já doente de AIDS tem direito de efetuar o levantamento do PlS/PASEP, conforme o disposto na Lei nº 7.670/88. Não há a obrigatoriedade do período de carência de 12 meses, para o portador de HIV. Estando empregado, o obreiro terá o seu contrato de trabalho suspenso, devendo o empregador pagar-lhe os primeiros 15 dias de afastamento, por motivo de doença, encaminhando-o ao auxílio-doença, fornecendo-lhe as Guias de Relação de Contribuição de Salários, se a licença exceder o referido prazo. A partir do 15º dia de afastamento, o INSS deverá pagar os direitos, independentemente de prazo de contribuição. Os Tribunais têm se manifestado no sentido da manutenção do emprego, quando comprovada a existência de moléstia do empregado no exame demissional. Neste sentido, tem-se conseguido, por meio de mediações, a anulação do ato da despedida. Ademais, quando o empregado já não é simplesmente um portador, mas sim um doente de AIDS, a dispensa sem justo motivo é proibida, pois caracteriza-se como impeditiva aos recebimentos dos direitos previdenciários contidos na Lei nº 7.670/88, quais sejam: o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. É sensato dizer que o simples fato de ser soropositivo não o garante qualquer estabilidade no emprego, já que não há qualquer norma nesse sentido. Contudo, a 112 Papel do serviço de reabilitação funcional do INSS definido na Lei nº 8.213/91 72 nossa legislação protege o trabalhador de dispensa arbitrária (art. 7º, I, da Constituição Federal, e art. 165, da CLT), impedindo que este seja demitido tãosomente por ser enfermo ou, no caso, por ter o HIV. Todavia, o fato de ser soropositivo ou doente de AIDS em nada impede a demissão do empregado que comete falta grave. 73 4 - DO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO NO AMBIENTE DE TRABALHO Um dos princípios de maior importância para a existência do ser humano – a dignidade da pessoa humana - foi e ainda é, como conseqüência das associações e estigmas relacionados à AIDS, um dos mais violados. Isso acarretou maiores e mais drásticas conseqüências para pandemia da AIDS e para o portador do vírus HIV. Com a violação desse princípio, pode-se dizer que todos os outros foram violados, pois todo ser humano é digno de direitos, de ser tratado com respeito. A discriminação e o preconceito foram os meios mais perversos e os mais utilizados para ferir o direito à dignidade do portador do vírus.113 Como já analisado, o simples resultado positivo em um exame anti-HIV não é motivo suficiente para que o trabalhador seja demitido. Se esse fato vier a ocorrer, estará caracterizada a atitude discriminatória do empregador, o que é vedado pelo art. 7º, inciso I, da Constituição Federal.114 São facilmente verificados episódios de situações discriminatórias no ambiente de trabalho. Existe um véu de ignorância acerca da AIDS, o que torna as pessoas receosas quanto ao convívio com portadores do HIV. Este temor se estende às relações de emprego, entre empregados e empregadores, e ao local de trabalho, entre colegas. A tutela antidiscriminatória no Brasil desenvolve sua virtualidade nos incisos IV, VI, VIII e XVII do artigo 5º e no artigo 7º, XXX e XXXI, ambos da Constituição Federal de 1988.115 113 OLIVEIRA, Tatyane Guimarães. AIDS e Discriminação. 2004. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/7126/aids-e-discriminacao/3 Acesso em: 19 outubro 2010 114 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; 115 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; e Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos. 74 A dispensa do empregado portador de HIV, quando não comprovado um motivo justificável, presume-se discriminatória e arbitrária, devendo ser coibida, pois a permanência do trabalhador no emprego, além de caráter de laborterapia, irá propiciar-lhe a aquisição de benefícios previdenciários que receberá quando estiver impossibilitado de continuar trabalhando, o que, certamente, ocorrerá, considerando tratar-se de doença letal. Recomenda-se, por meio da Convenção nº. 111, a promoção pelos Estados de políticas que façam com que o público compreenda e aceite os princípios da nãodiscriminação. Todo País-membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se, por meios adequados às condições e à prática nacionais, a: a) buscar a cooperação de organizações de empregadores e de trabalhadores e de outros organismos apropriados, para promover a aceitação e observância dessa política; b) promulgar leis e promover programas educacionais de natureza que assegurem a aceitação e observância dessa política; c) revogar quaisquer disposições legais e modificar quaisquer normas ou práticas administrativas incompatíveis com essa política; d) pôr sob o controle direto de uma autoridade nacional a execução dessa política referente a emprego; e) assegurar a observância dessa política nas atividades de orientação profissional, de formação profissional e de oferta de empregos; f) indicar, em seus relatórios anuais sobre a aplicação da Convenção, as medidas adotadas na execução da política e os resultados por elas 116 alcançados. A discriminação prejudica a manutenção de políticas de prevenção, informação e educação sobre a AIDS, trazendo a tona um ambiente social que cria obstáculos para os programas com essa finalidade. A Organização Internacional do Trabalho recomenda, por meio da Declaração da Reunião Consultiva sobre a AIDS e o Local de Trabalho, que sejam adotadas pelas autoridades publicas procedimentos e políticas sobre o HIV/AIDS, aplicadas tanto na área pública como na privada. Reconhece-se, enfim, como fundamental a informação e a educação para se manter um ambiente de confiança mútua, imprescindível ao amparo das pessoas portadoras de HIV/AIDS, contra toda estigmatização e preconceito. 116 Convenção nº. 111 da OIT, sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, ratificada em 19/01/1968 pelo decreto nº. 62.150. 75 4.1 - DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO DO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO. É inegável de que os ônus processuais são grandes obstáculos para que a parte, debilitada ou desfavorecida, obtenha uma providência jurisdicional apropriada aos seus interesses, principalmente nos casos que envolvem discriminação. Trata-se uma circunstância muito controvertida entre vários diplomas legais que regem a discriminação no trabalho, os quais aceitam e definem regras de inversão do ônus da prova nos casos onde se alega a existência de comportamento discriminatório por parte do empregador.117 Na Consolidação das Leis Trabalhistas, o tema está disciplinado no artigo 818, onde estabelece que o "ônus de provar as alegações incumbe à parte que as fizer". Não obstante a existência de preceito laboral sobre a matéria, dada a singeleza do referido dispositivo, prevalece na jurisprudência trabalhista à aplicação supletiva do princípio do artigo 333 do Código de Processo Civil, segundo o qual cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito e, ao réu, a prova da existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. O Poder Judiciário não pode esquecer a inegável dificuldade encarada por aqueles que buscam produzir provas da discriminação. Na realidade, é imprescindível se atentar às particularidades do problema, expandindo-se os meios de prova e dando aos indícios e outras circunstâncias do caso um valor bastante relevante. Quando o empregado já não é simplesmente um portador do vírus HIV, ou seja, quando a doença denominada AIDS já se manifestou, a dispensa sem justo motivo, mesmo não comprovada a discriminação pela doença letal, é vedada, pois caracteriza-se como obstativa ao percebimento do direito previdenciário contido na Lei nº. 7.670, de 8 de setembro de 1988. É sobejamente sabido que o empregado gravemente enfermo, com doença letal em desenvolvimento, não pode ser demitido: o art. 476 da CLT é claro ao informar que o empregado que está em auxílio-doença ou auxílioenfermidade é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício, não se pondere no sentido de que o autor não estava em seguro-doença ou auxílio-enfermidade, uma vez que a reclamada impediulhe a obtenção desse benefício quando o demitiu. Não pode a reclamada obstar o reclamante de perceber o benefício previdenciário e talvez sua aposentadoria.118 117 LIMA, Firmino Alves. A necessidade e os fundamentos legais da inversão do ônus da prova nos casos de discriminação. Anamatra, 2006, p. 1 118 TRT - SP - 02920254140 - AC. 7ª T. 35.453/91 - Relª. Juíza Rosa Maria Zuccaro - DOE 8.9.94. Revisa Synthesis 21/95, p. 228. Apud. BARROS, 2009. P. 1178 76 No tocante à produção de provas, é inegável a dificuldade natural que o trabalhador tem de produzi-las, ocasião em que é potencializada pela prática de ato discriminatório, restando a obrigação de provar-se o intento do causador. É notório que o registro da empresa não o pertence, que os colegas de trabalho podem não querer testemunhar em seu favor, receando eventual retaliação patronal e, numa suposição extrema, há que se ponderar sobre aquele colega que, eventualmente almeja, por ignorância ou não, ou até mesmo de forma irrefletida, que o portador do vírus não permaneça mais no mesmo ambiente de trabalho, por temor de ser também infectado. Demandar do trabalhador soropositivo uma prova indiscutível é praticamente negar-lhe o direito e tolerar impunemente a discriminação. É amplamente reconhecida pela doutrina internacional a dificuldade de um empregado discriminado provar suas alegações em juízo, muito mais potencializada nos casos de discriminação por efeito adverso (também conhecida como indireta ou reflexiva pela terminologia européia), situação nascida de ato neutro ou aparentemente despido de qualquer efeito discriminatório, mas que provoca impacto discriminatório sobre determinada pessoa ou grupo de pessoas envolvidas, até mesmo sem intenção.119 A inversão do ônus da prova é um fator importante para a defesa dos direitos dos hipossuficientes em Juízo. Cabe ao magistrado, portanto, a adoção de uma posição imparcial, contudo condizente com a busca do ideal de justiça, determinando que a prova seja realizada por quem tem aptidão de fazê-la em juízo. Ao tomador dos serviços, portanto, poderá recair o ônus de demonstrar, por exemplo, por qual motivo a pessoa que se diz discriminada não obteve o posto de trabalho, motivando o fracasso no processo de seleção. Justificada, portanto, a reprovação do candidato, será possível um real exame dos motivos sustentados pelo tomador, para que se verifique a ocorrência ou não de abuso do direito e das práticas discriminatórias. O empregador ou contratante possui uma enorme vantagem na capacidade de produção de provas sobre atitudes discriminatórias, já que dispõe de total acesso à documentação relativa ao caso, tem acesso a dados fundamentais, dos quais pode muito bem dispor ou omitir em juízo sem a ciência da parte contrária, possuindo maior capacidade de arregimentar testemunhos, sem contar o notório 119 LIMA, 2006, p. 1 77 poder coercitivo sobre eles pelo poder da dispensa, poder econômico para comprovar suas alegações com estatísticas, levantamento de históricos e um grande número de elementos probantes de grande importância Tal entendimento já é considerado no âmbito das normas protetivas do consumidor. O artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, trata com nitidez essa questão, favorecendo ao consumidor, já que confia ao juiz o poder de inversão de ônus probatório, ocorrendo, desta forma, o preenchimento de pressupostos de aferição circunstancial e casuística, quais sejam, verossimilhança e hipossuficiência. Na esfera trabalhista, quando em questões abarcando discriminação nas suas relações, a aplicação da inversão do ônus da prova não só é possível, como, além disso, se impõe, quando houver indícios a possibilitar a presunção em favor do empregado. Finalmente, é de se observar que os requisitos necessários para aplicação subsidiária do artigo 6º, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor, no processo do trabalho, são inquestionáveis. A existência de lacuna evidencia-se na medida em que não há na legislação trabalhista nenhuma norma expressa determinando ou vedando a inversão do ônus da prova. O artigo 818 da CLT, como visto, trata da distribuição do ônus da prova, nada prevendo quanto à possibilidade de sua modificação por determinação judicial. E a compatibilidade da inversão do ônus da prova prevista no Código Consumerista com o processo do trabalho também se torna incontestável, tendo em vista a evidente semelhança existente entre as relações de consumo e de emprego, ambas caracterizadas pelo desequilíbrio entre as partes que se relacionam.120 Ademais, a aplicação do referido expediente consumerista também se justifica por ter o direito material do trabalho, como peculiaridade, o princípio protetivo, que se alastra também para o direito processual trabalhista. 120 VIEIRA, Letícia D’Oliveira. A prova da discriminação em juízo - Necessidade de aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova. 2008. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/14736/a-prova-da-discriminacao-em-juizo Acesso em 23 outubro 2010 78 4.2 - POLÍTICAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS ADVINDAS DO PODER PÚBLICO E DE INSTITUIÇÕES REPRESENTATIVAS DA SOCIEDADE No âmbito internacional, vários países introduziram em suas leis preceitos protetores do portador de HIV ou doente de AIDS, principalmente na tentativa de restringir a discriminação. Na França, a lei de 31 de dezembro de 1992 introduziu no Código do Trabalho o princípio geral da não-discriminação, segundo o qual ninguém pode estabelecer restrições aos direitos das pessoas e às liberdades individuais e coletivas que não sejam justificadas pela natureza da tarefa a desempenhar, nem proporcionais ao fim almejado. Por outro lado, o Código Penal Francês pune com pena de reclusão e/ou multa toda a recusa de contratação baseada no estado de saúde, salvo nos casos de inaptidão para o emprego, constatada por médico.121 Paralelamente, consta da legislação italiana o mesmo entendimento. Considerando que a presença do vírus HIV, por si só, não prejudica a capacidade de trabalho de quem o contrai, o legislador italiano também interveio com o objetivo de evitar discriminação dos portadores da infecção. Dentro dessa perspectiva, editou-se a Lei nº. 135, de 1990, cujo art. 6º proíbe os empregadores, públicos ou privados, de fazer perguntas aos empregados ou candidatos ao emprego sobre a existência de estado de soropositividade. No mesmo sentido, o art. 7º da Lei italiana nº. 135, atribui ao Ministro da Saúde a tarefa de elaborar normas para a proteção contra contágio profissional pelo HIV nas estruturas sanitárias, assistenciais 122 públicas e privadas. Há decisões internacionais que corroboram com o entendimento da Organização Internacional do Trabalho e Organização Mundial de Saúde, de que é forçoso que sejam fornecidas informações sobre a AIDS pelos empregadores. Com os mesmos propósitos traçados pela declaração da OMS, o Tribunal de Direitos Humanos do Canadá autorizou a rescisão indireta do contrato de trabalho de um empregado, cozinheiro de cantina, que servia à companhia ferroviária Canadian Pacific. O empregado confessou ser portador do vírus da AIDS e, a partir daí, a confidência foi divulgada entre os colegas de trabalho, tendo o capataz se recusado a provar a comida, chegando a empresa de serviços de cantina a advertir que não seria possível conter os membros da brigada se decidissem agredir o cozinheiro. O tribunal, após reconhecer o vínculo empregatício com a Canadian Pacific e admitir que a empresa não discriminava as pessoas soropositivas, entendeu que a mesma deixou de fornecer instruções claras com respeito à 121 122 BARROS, 2009, P. 1195 BARROS, 2009. P. 1196 79 AIDS no local de trabalho, o que levou os empregados, como o capataz, a adotarem determinadas atitudes, em função de seus próprios preconceitos. Em consequência, condenou a empresa a pagar ao cozinheiro indenização pela perda dos salários e pelo dano à sua reputação, bem como enviar-lhe 123 uma carta de desculpas. Consta do Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS no Mundo do Trabalho, datado de 2001, os direitos e responsabilidades gerais dos governos e suas autoridades competentes.124 a) Os governos deveriam manter coerência e nos programas nacionais de HIV/AIDS, reconhecendo a importância da inclusão do mundo do trabalho nos planos nacionais. Por exemplo, assegurando que a composição dos Conselhos Nacionais de AIDS inclua representantes de empregadores, trabalhadores, pessoas portadoras do HIV/AIDS e dos ministérios responsáveis por questões sociais e de trabalho. b) As autoridades competentes deveriam mobilizar e apoiar amplas parcerias para a proteção e prevenção, que incluíssem órgãos públicos, setor privado, organizações de empregadores e trabalhadores e todos os atores sociais interessados, envolvendo assim o maior número possível de parceiros no mundo do trabalho. c) Os governos deveriam facilitar e coordenar todas as intervenções no âmbito nacional que criassem um ambiente favorável a intervenções no mundo do trabalho e capitalizassem a presença de parceiros sociais e de todos os atores sociais interessados. A coordenação deveria ser estabelecida com base em medidas e serviços de apoio já existentes. d) As autoridades competentes deveriam estimular e trabalhar em parceria com outros parceiros sociais para promover programas de conscientização e prevenção, especialmente no local de trabalho. e) Nos países onde os empregadores assumem a responsabilidade primária de prestar serviços diretos de assistência à saúde dos trabalhadores, os governos deveriam baixar diretrizes para ajudar os empregadores no gerenciamento assistencial e clínico do HIV/AIDS. Essas diretrizes deveriam levar em conta os serviços existentes. f) Os governos deveriam assegurar que os benefícios garantidos por leis e regulamentos nacionais fossem aplicáveis aos trabalhadores com HIV/AIDS de forma não menos favorável do que a trabalhadores com outras doenças graves. Ao formular e implementar planos de seguridade social, os governos deveriam levar em consideração a natureza progressiva e intermitente da doença e preparar planos adequados, por exemplo, disponibilizando benefícios à medida que fossem necessários e atendendo prontamente às solicitações. g) As autoridades competentes deveriam estimular, apoiar e fazer pesquisas, e publicar os resultados dos censos demográficos, estudos de incidência e prevalência e estudos de caso sobre melhores práticas, com vistas a alcançar a devida coerência com os planos nacionais de AIDS, mobilizar os parceiros sociais, avaliar os custos da epidemia nos locais de trabalho, para o sistema de seguridade social e para a economia, bem como facilitar o planejamento para atenuar o impacto socioeconômico da epidemia. Os governos deveriam se empenhar em criar uma estrutura institucional normativa para lograr esses objetivos. A pesquisa deveria incluir análises relativas a gênero, que utilizassem pesquisa e dados de 123 BARROS, 2009. P. 1202. Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/download/hiv_aids_pt.pdf. Acesso em 23 outubro 2010. 124 80 empregadores e de suas organizações, bem como de organizações de trabalhadores. A coleta de dados deveria, até onde fosse possível, ser específicos do setor e separados por sexo, raça, orientação sexual, idade, emprego e condição ocupacional. Deveria ser também feita de modo adaptado às culturas de cada grupo. Quando possível, deveria haver mecanismos permanentes de avaliação de impacto. h) Os governos, sempre que possível e em consulta com os parceiros sociais e outros atores sociais interessados, deveriam estimar as implicações financeiras do HIV/AIDS e buscar mobilizar fundos, local e internacionalmente, para seus planos estratégicos referentes à AIDS, inclusive, quando fosse o caso, para seus sistemas de seguridade social. i) Para eliminar a discriminação no local de trabalho, bem como para garantir a prevenção e a proteção social no local de trabalho, os governos, em consulta com os parceiros sociais e especialistas em HIV/AIDS, deveriam oferecer pertinente infra-estrutura reguladora e, quando necessário, rever leis trabalhistas e outros instrumentos legais. j) Quando os governos concedessem financiamento inicial e incentivos a empreendimentos nacionais e internacionais, deveriam exigir que seus usuários observassem as leis nacionais e deveriam incentivá-los a seguir este Repertório de recomendações práticas, bem como códigos e políticas que dêem força a suas disposições. k) As autoridades competentes deveriam oferecer informações técnicas e conselhos a empregadores e trabalhadores no que diz respeito à forma mais eficiente de aplicar a legislação e regulamentos referentes ao HIV/AIDS e ao mundo do trabalho. Deveriam fortalecer as estruturas e os procedimentos para o cumprimento das leis, como inspeção do trabalho e justiça trabalhista. l) Os governos deveriam estender e adaptar seus programas de prevenção da HIV/AIDS a esses trabalhadores, inclusive programas de geração de renda e de proteção social. Os governos deveriam também conceber e desenvolver novas abordagens utilizando comunidades locais, quando conveniente. m) Os governos deveriam promover assistência e apoio por meio de programas de saúde pública, sistemas de seguridade social e/ou outras iniciativas governamentais pertinentes. Os governos também deveriam lutar para assegurar acesso a tratamento e, quando fosse o caso, ao trabalho, em parceria com organizações de empregadores e trabalhadores. n) Nos programas para eliminação do trabalho infantil, os governos deveriam assegurar que fosse dada a devida atenção ao impacto da epidemia sobre crianças e jovens cujos pais estejam doentes ou tenham morrido em consequência do HIV/AIDS. o) Os governos deveriam promover e apoiar a cooperação em níveis regional e internacional, por meio de órgãos intergovernamentais e de todos os interlocutores interessados, para enfocar a atenção internacional no HIV/AIDS e nas necessidades relacionadas com o mundo do trabalho. p) Quando fosse o caso, os governos deveriam mobilizar a assistência internacional em apoio a programas nacionais. Deveriam estimular as iniciativas que visassem apoio a campanhas internacionais para redução do custo das drogas anti-retrovirais e para melhorar o acesso a esses medicamentos. q) Os governos deveriam adotar todas as medidas possíveis para identificar os grupos de trabalhadores vulneráveis à infecção e adotar estratégias para superar os fatores que tornassem esses trabalhadores suscetíveis. Os governos também deveriam se esforçar para assegurar que fossem criados programas adequados de prevenção, voltados para esses trabalhadores. Respeitando as orientações dadas pela OIT, o Governo Brasileiro instituiu várias políticas, tanto através do Poder Executivo como pela Legislação Federal. A 81 partir de ações e políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, da Justiça e do Trabalho e emprego, aborda-se o trato da AIDS nas relações de trabalho. Objetiva-se pela estratégia desenvolvida pelo Ministério da Saúde a redução da incidência da infecção pelo HIV/AIDS e outras DST; ampliação do acesso ao diagnóstico, ao tratamento e à assistência e, por fim, o fortalecimento das instituições públicas e privadas, responsáveis pelo controle das DST/AIDS.125 A execução desses objetivos processa-se através de três linhas de ação, que se articulam entre si, a saber: 1) promoção, prevenção e proteção, que sintetizam a promoção da saúde, a prevenção da transmissão e a proteção dos direitos fundamentais das pessoas com DST/AIDS; 2) diagnóstico e assistência; e 3) desenvolvimento institucional e gestão. Tem-se, como forma de tornar conhecido o tema, o desenvolvimento de campanhas de prevenção, elaboração de cartilhas, de folders, sempre conjuntamente com outras instâncias governamentais, bem como, federal, estadual e municipal, além de organizações não-governamentais, ao qual se oferece apoio técnico, financiamento de projetos de ações, etc. Quanto à política de diagnóstico e tratamento da AIDS, são oferecidos gratuitamente exames laboratoriais e diagnósticos, promoção do aconselhamento antes e depois do teste, promoção do acesso daqueles infectados aos serviços de saúde e assistência, fornecimento gratuito de medicamentos anti-retrovirais, dentre outras. Da mesma forma, o Ministério da Saúde estimula a implementação de programas de prevenção e assistência das DST/AIDS no local de trabalho, bem como financiando e realização de ações de prevenção, sensibilização e informação, além de confecção de material informativo sobre o assunto, tanto por empresas quanto por entidades sindicais.126 Em março de 1996, através do decreto nº. 20, foi criado o GTEDEO - Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e Ocupação, com a 125 Notícias do Departamento - Brasil reafirma eficácia da política de redução de danos como estratégia de saúde pública. Disponível em: http://www.aids.gov.br/node/38113. Acesso em 27 outubro 2010. 126 Ministério da Saúde - Coordenação Nacional de DST e AIDS. Manual de Diretrizes e Técnicas para Elaboração e Implantação de Programas de Prevenção e Assistência das DST/AIDS no local de Trabalho. 1998. 82 finalidade de cumprir a Convenção nº 111, da Organização Internacional do Trabalho. Já no âmbito do Ministério do Trabalho, constituiu-se o Grupo de Trabalho Multidisciplinar, assumindo o desafio de inserir a questão da discriminação de gênero e raça nas ações e atividades de rotina do Ministério. A partir de 1999, iniciou-se uma política de estabelecimento de núcleos estaduais, denominados de Núcleos de Cidadania e Trabalho contra a Discriminação no Emprego, que tem por objetivo a implantação da Convenção nº 111 da OIT. No mesmo sentido, a Portaria Interministerial nº. 3.195, de 10 de agosto de 1988, instituiu a Campanha Interna de Prevenção da AIDS, com o escopo de divulgar informações e conhecimentos, e ainda, estimular a adoção das medidas preventivas contra a AIDS em todos os ambientes de trabalho, dando abertura a Portaria Nº 1.246, de 28/05/2010, que vem orientar as empresas e os trabalhadores em relação à testagem relacionada ao vírus da imunodeficiência adquirida - HIV. Juridicamente, sancionou-se duas leis de caráter exclusivo aos portadores da AIDS. São elas, a Lei nº. 9.313, de 13 de novembro de 1996, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS127, e Lei Nº 7.670, de 8 de setembro de 1988, que estende aos portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS os benefícios que especifica e dá outras providências.128 127 Art. 1º Os portadoras do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento. § 1° O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde. § 2° A padronização de terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado. Art. 2° As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento. 128 Art. 1º A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS fica considerada, para os efeitos legais, causa que justifica: I - a concessão de: a) licença para tratamento de saúde prevista nos artigos 104 e 105 da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952; b) aposentadoria, nos termos do art. 178, inciso I, alínea b, da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952; c) reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980; d) pensão especial nos termos do art. 1º da Lei nº 3.738, de 4 de abril de 1960; e) auxílio-doença ou aposentadoria, independentemente do período de carência, para o segurado que, após filiação à Previdência Social, vier a manifestá-la, bem como a pensão por morte aos seus dependentes; II - levantamento dos valores correspondentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, independentemente de rescisão do contrato individual de trabalho ou de qualquer outro tipo de 83 As empresas têm adotado diversas políticas para enfrentar problemas da AIDS em suas dependências, na tentativa de sensibilizar e estimular os empregados a conhecer o que é a doença, diminuindo, assim, o preconceito. Por intermédio de convênios, foram desenvolvidas certas ações em benefício do portador de HIV, como o custeio das despesas com tratamento médico, medicamentos e internações hospitalares, incentivando o tratamento domiciliar, realização de campanhas internas de prevenção, promoção de eventos diversos com foco na família, divulgação de cartazes, publicação de cartilhas, etc.129 Dessa forma, pode-se dizer que o Brasil, embora avançado nas políticas públicas referentes aos portadores de HIV/AIDS, ainda se faz necessário a procura à Justiça para garantir proteção contra a discriminação. Cabe, então, a sociedade aceitar e colocar em prática o bom senso. 4.3 - JULGADOS DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ENVOLVENDO EMPREGADOS COM HIV Atualmente, muitos trabalhadores são vítimas de atos de discriminação por diversos agentes causadores. Deparando-se sem emprego, recorrem ao Poder Judiciário Trabalhista, para pleitearem seus direitos como cidadãos respeitados e assegurados. Tal situação pode-ser verificada em diversas decisões, inclusive do Tribunal Superior do Trabalho, onde se determina a reintegração de empregados às suas funções, por despedida arbitrária e discriminatória.130 Torna-se, então, indispensável o reconhecimento do avanço que o Brasil na acepção de combate a todo e qualquer tipo de prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso ao emprego, especialmente nos casos de despedida, aplicando-se corretamente os princípios constitucionais de proteção à dignidade humana e da não discriminação. pecúlio a que o paciente tenha direito. Parágrafo único. O exame pericial para os fins deste artigo será realizado no local em que se encontre a pessoa, desde que impossibilitada de se locomover. 129 VALENTIM, 2003. P. 316 130 CHAVES, Luciano Athayde. Trabalho e HIV/AIDS. 2010. Disponível em: http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/colunas-artigos-e-blogs/blog-de-opini-o1.10994/trabalho-e-hiv-aids-1.155028. Acesso em 31 outubro 2010 84 Já existem, no âmbito jurídico, diversas normas federais e estaduais dispondo sobre a discriminação em razão do HIV/AIDS, todas tuteladas pelos princípios constitucionais, referente ao plano da vedação de discriminação. A caracterização como possibilidade de arbitrariedade na dispensa de assalariado deriva de interpretação sistemática dos preceitos legais, como a Convenção nº. 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, que, em seu teor, veda a discriminação no ambiente de trabalho. Ademais, tem-se o preceito do art. 1º da Lei nº 9.029, de 1995, que proíbe a rescisão do contrato de trabalho por ação discriminatória do empregador. Tal lei garante ao empregado que se sentiu discriminado o direito à reintegração ao emprego.131 Enfim, existem os princípios constitucionais da igualdade, da nãodiscriminação e da garantia do emprego. Numa análise abrangente de tais princípios, torna-se clara a possibilidade da reintegração ao emprego após despedida arbitrária de empregado soropositivo. Deste modo, a partir do momento que o empregador tome conhecimento da enfermidade da qual padece seu empregado, a despedida do mesmo será sempre arbitrária, exceto quando for por justa causa. De certo modo, a dispensa acarreta, inclusive, em prejuízo ao direito previdenciário do qual o empregado é titular, num momento de necessidade. Compartilhando com este entendimento, a 6ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região - Campinas/SP determinou reintegração de soropositivo, por achar discriminatória a demissão de trabalhador portador do vírus da AIDS, cabendo à empresa reintegrá-lo ao serviço. "Desde logo afasto o alegado desconhecimento da empresa sobre o estado de saúde do trabalhador, eis que a empresa foi cientificada através de sua médica, que, na verdade, manteve sigilo quanto ao caso, como lhe recomenda o código de ética médica", disse Luiz Carlos de Araújo, relator do recurso. Segundo o magistrado, a legislação não avançou em relação à necessária estabilidade ao empregado portador da síndrome da imunodeficiência adquirida, cabendo ao juiz aplicar os princípios gerais do direito, a analogia e os costumes para resolver questões dessa natureza. "Dada sua proliferação, o contágio pelo vírus HIV já se tornou há muito tempo, não somente no Brasil, mas em escala mundial, um caso de saúde pública. Mas, se a cura depende ainda do avanço da ciência médica, evidentemente o combate ao preconceito com relação aos portadores do famigerado vírus depende simplesmente da conscientização e de legislação 131 MOREIRA, Maria Miranda. Discriminação do empregado portador de AIDS. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/4559/discriminacao-do-empregado-portador-da-aids. Acesso em: 31 outubro 2010 85 específica", fundamentou Araújo, para quem o empregador não pode se recusar a contratar um aidético ou tratá-lo de forma diferenciada ou, ainda, dispensá-lo pelo fato de estar infectado. Baseado na Constituição Federal e na Lei 9.029/95, Araújo reconheceu o direito à estabilidade do trabalhador e, como a empresa não encerrou suas atividades, a alegada dispensa por contenção de despesas não poderia ter ocorrido. Para concluir, foi determinado, inclusive, o pagamento de todos os salários, reajustados desde a demissão até a real reintegração, corrigidos monetariamente e acrescidos dos juros de mora. O valor da condenação foi estipulado em R$10 mil.132 No mesmo sentido, em 24 de junho de 2005, os juízes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região determinaram que a Eletropaulo Metropolitana Eletricidade São Paulo S.A. reintegrem e paguem indenização por danos morais a um portador do vírus da AIDS. Na relação empregatícia, o empregador pode dispensar empregados mediante o pagamento das verbas indenizatórias previstas na legislação trabalhista. Esse poder, contudo, encontra limitações nas garantias de emprego, assim como no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Portador do vírus HIV, o reclamante defendeu que doença garantiria a ele estabilidade no emprego e que a dispensa teria sido discriminatória, gerando dano moral. Para a juíza Jane Granzoto Torres da Silva, relatora do recurso no tribunal, “o Direito é considerado como o conjunto de normas que regem as relações sociais. Dessa forma, a AIDS, no aspecto social que envolve a doença, passa a estar intimamente ligada ao direito, na medida em que cria situações múltiplas entre o portador da doença e o mundo em que vive”. Segundo a relatora, apesar da afirmação da Eletropaulo, de que o reclamante é apenas portador do vírus HIV e que nunca teve qualquer anomalia manifestada em razão da imunodeficiência, prontuário médico juntado ao processo “denuncia as inúmeras vezes em que o mesmo se serviu do departamento médico da empresa, buscando atendimento”. “Sendo o autor portador do vírus HIV, situação essa do conhecimento da ré, se a dispensa do autor não ocorreu pelos motivos mencionados na peça contestatória e, ainda, sem qualquer critério específico, evidente a presunção da prática de ato discriminatório. É certa a relatividade de referida presunção, cabendo à demandada infirmá-la, por meio de prova robusta, o que não foi feito”, observou. Para a juíza Jane, a demissão “efetivamente causou prejuízo moral ao reclamante, inclusive com a necessidade de bater às portas do Poder Judiciário para ver efetivado um direito que lhe é consagrado constitucionalmente e de modo fundamental”.133 Em 1º de dezembro de 2004, em fase de recurso, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho reafirmou entendimento de que o portador do vírus HIV tem 132 133 Processo 00910-2005-033-15-00-4 RO, TRT 15ª Região. RO 01760.2000.007.02.00-6 86 direito à garantia de emprego e, portanto, se foi demitido, deve ser reintegrado ao posto de trabalho, como acontecido no caso em tela. De acordo com a relatora do Recurso Ordinário, juíza Mariângela de Campos Argento Muraro, é inconcebível que o direito do empregador em rescindir o contrato de trabalho, "possa ferir o direito fundamental à dignidade da pessoa humana insculpido no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal". Para a relatora, se não há discriminação, deveria haver maior tolerância da empresa, exatamente pela condição física do trabalhador e, ainda mais, se ele continua apto a trabalhar. "Aflora a presunção lógica de absoluta falta de humanidade, acaso não suscitada motivação de ordem disciplinar, econômica ou financeira para a consumação do ato rescisório". Em seu voto, a juíza Mariângela explicou que a reintegração envolve as duas partes da ação, "uma trabalhará; a outra ofertará contraprestação pelos serviços. A notoriedade do caráter cíclico da deficiência – comportando melhora da higidez sob rigoroso controle medicamentoso não impede firmar referida convicção, daí porque imprescindível à estruturação tida por essencial para a sobrevida do recorrente". "E é esse o objetivo que a majoritária jurisprudência vem buscando assegurar na concessão da reintegração nos moldes vindicados nestes autos, a evitar a consolidação de prejuízo irreparável ao hipossuficiente", 134 concluiu a relatora. Nos mesmos termos, existe jurisprudência sobre a reintegração do empregado portador de HIV/AIDS. AIDS. DISCRIMINAÇÃO SOFRIDA PELO PORTADOR DO VÍRUS HIV REINTEGRAÇÃO DEVIDA. Apesar de o governo, bem como a iniciativa privada, contarem com programas de tratamento e prevenção, tais fatores não são suficientes para aplacar a discriminação sofrida pelo aidético, que, na maioria das vezes, é tratado de maneira preconceituosa, ficando em segundo plano sua condição de cidadão. A propósito, não é demais lembrar que o portador do vírus HIV não precisa apenas de medicamentos, como também, e principalmente, de suporte emocional e psicológico, para garantir sua qualidade de vida, bem como de seus familiares, amigos, e colegas de trabalho. Por outro lado, setores da doutrina e da jurisprudência mais presentemente entendem que, se o empregador tinha conhecimento da condição de soropositivo do empregado, tal fato gera a presunção da arbitrariedade da demissão. Caso contrário, desde que não comprovado qualquer ato ilícito de sua parte, terá exercido de maneira regular seu direito 135 potestativo de dispensar imotivadamente o trabalhador. No TRT da 10ª Região, entende-se que da dispensa imotivada presume-se a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário. RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. Na linha do entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, tendo a reclamada ciência de que o empregado é portador do vírus HIV e dispõe de condições de trabalho, o mero exercício imotivado do direito potestativo da 134 RO 00458.2002.056.02.00-2) TRT/SP - 01303200801902009 - RO - Ac. 6ªT 20090725454 - Rel. Valdir Florindo - DOE 11/09/2009) 135 87 dispensa faz presumir a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário. (RR 14/2004-037-02-00.0, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 07/12/2007). Recurso ordinário conhecido e 136 desprovido. REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO. O direito de despedir sem justa causa é potestativo, limitando-se pelas normas legais que vedam a dispensa. Não estando o empregado protegido por nenhuma das estabilidades legais, não há como determinar a reintegração. Recurso conhecido e desprovido. O relatório aprovado é da lavra da Excelentíssima Juíza Maria Regina Machado Guimarães, do seguinte teor: "A instância originária, por meio da sentença de fls. 150/154 da lavra do Exm Juiz Urgel Ribeiro Pereira Lopes, julgou improcedentes os pedidos iniciais. O reclamante recorre às fls. 155/170. Pugna pela reforma do julgado no que tange à reintegração ao emprego e correspondente indenização, em face da discriminação sofrida por ser portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS Custas processuais dispensadas à fl. 154. Contra-razões ofertadas pelo reclamado às fls. 173/177. O Ministério Público do Trabalho, em parecer de fls. 182/185, oficiou pelo provimento do apelo, por caracterização de ato 137 discriminatório e dispensa arbitrária. RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. Na linha do entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, tendo a reclamada ciência de que o empregado é portador do vírus HIV e dispõe de condições de trabalho, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário." (RR 14/2004-037-02-00.0, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 07/12/2007). Recurso ordinário conhecido e desprovido. O Excelentíssimo Juiz do Trabalho Roberto dos Santos Soares, em exercício na MMª 7ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, proferiu a r. sentença de fls. 411/417, complementada às fls. 445/447, julgando procedentes em parte os pedidos deduzidos por ELTON GONÇALVES FERREIRA em face de CONVER COMBUSTÍVEIS VEÍCULOS E REPRESENTAÇÕES LTDA. A Reclamada interpõe recurso ordinário às fls. 448/474, suscitando a preliminar de carência de ação; no mérito, pretende a reforma da r. sentença quanto à reintegração, danos morais, quantum indenizatório e multa do artigo 538 do CPC. Foram ofertadas contrarrazões às fls. 479/490. Documentos destinados à comprovação do pagamento das custas processuais e recolhimento do depósito recursal às fls. 475 e 476, respectivamente. Na forma do artigo 102, do RI desta C. Corte Regional, os autos não foram encaminhados à prévia análise do d. Ministério Público do Trabalho. Esta Terceira Turma, em acórdão proferido às fls. 498/502, acolheu a prefacial de extinção do feito sem apreciação de mérito, na forma do artigo 267, IV, do CPC. Inconformado com a decisão, interpôs o Autor Agravo de Instrumento em Recurso de Revista, o qual foi provido pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Em sede de Recurso de Revista, a Superior Corte Trabalhista deu provimento ao apelo, para afastar o óbice da falta de pressuposto processual, consistente na submissão da demanda à Comissão de Conciliação Prévia. Por conseguinte, determinou o retorno dos autos a este Regional para prosseguimento do feito (fls. 209/215 do 138 processo TST-AIRR-395/2006-007-10-40.9). 136 TRT10 - Acórdão da 3ª Turma - Processo nº. 00395-2006-007-10-00-4 - RO. Julgado em 15/12/2009 e publicado em 15/01/2010 no DEJT. 137 Acordão 1ª Turma Desembargadora Maria Regina Machado Guimarães - 00534-2004-004-10-009 RO - Julgado em 04/05/2005 e publicado em 20/05/2005 138 Acórdão 3ª Turma - Rel. Juíza Cilene Ferreira Amaro Santos 00395-2006-007-10-00-4 RO Julgado em 15/12/2009 e publicado em 15/01/2010. 88 No TST, o entendimento dominante é que, ao resguardar o emprego daquele que corre o risco da marginalização social, “permitindo-lhe manter as condições da própria sobrevivência e da família, a concessão da garantia de emprego, em situações excepcionais, desestimula a despedida motivada pelo preconceito, e não por motivo econômico, disciplinar, técnico ou financeiro.” RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO SUSCITANTE SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ENTIDADES SINDICAIS E ÓRGÃOS CLASSISTAS DE SANTOS, SÃO VICENTE, PRAIA GRANDE, CUBATÃO, GUARUJÁ, BERTIOGA, SÃO SEBASTIÃO, MONGAGUÁ E ITANHAÉM. ENTIDADES ASSOCIATIVAS. LEGITIMIDADE PASSIVA. TRABALHADORES PORTADORES DE HIV/ AIDS. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. VEDAÇÃO. 1. O Tribunal Regional indeferiu a cláusula com fundamento na necessidade de acordo entre as partes. 2. Ocorre, no entanto, que a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, considera como discriminação toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão. 3. Em consonância com a norma internacional que veda práticas discriminatórias para admissão e manutenção do vínculo de emprego, especialmente em relação aos empregados portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), a jurisprudência dominante desta Corte Superior firmou entendimento de que, ao proteger o emprego de quem corre o risco da marginalização social, permitindo-lhe manter as condições da própria sobrevivência e da família, a concessão da garantia de emprego, em situações excepcionais, desestimula a despedida motivada pelo preconceito, e não por motivo econômico, disciplinar, técnico ou financeiro. 4. Como forma de conferir eficácia a Convenção nº 111 e ao Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho, faz-se necessário garantir que o empregado, mediante recomendação médica, seja readaptado em função compatível com seu estado de saúde, em caso de limitação de sua capacidade laborativa, bem como, que o teste de HIV não seja exigido como condição para o ingresso/ continuidade no emprego. Cláusula deferida. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido. Recursos ordinários conhecidos e parcialmente 139 providos. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA IMOTIVADA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE DISCRIMINAÇÃO. REINTEGRAÇÃO. A ordem jurídica pátria repudia a discriminação, cuja presença na voluntas que precede o ato da dispensa implica a sua ilicitude, ensejando nulidade. O exercício do direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho sofre limites, na hipótese de ato discriminatório, em função dos princípios da função social da propriedade (art. 170, III, da CF), da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF), por manifesta incompatibilidade. A jurisprudência desta Corte Superior evoluiu no sentido de presumir discriminatória a dispensa sempre que o empregador tem ciência de que o empregado é portador do vírus HIV, com 139 Processo: RODC - 2025400-93.2006.5.02.0000 Data de Julgamento: 18/10/2010, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Divulgação: DEJT 28/10/2010. 89 a conseqüente inversão do encargo probatório (praesumptio juris tantum). DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. No dizer de José Affonso Dallegrave Neto (in Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª ed., 2007, p. 335), a -imposição de comportamento positivo ao titular da empresa, quando manifestada na esfera trabalhista, significa um atuar em favor dos empregados, o que, na prática, é representado pela valorização do trabalhador, por meio de um ambiente hígido, salário justo e, acima de tudo, por um tratamento que enalteça a sua dignidade enquanto ser humano-. Em reforço, Nehemias Domingos de Melo (in Dano Moral Trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007, p. 129) observa que, em se tratando de empregado portador do vírus HIV, - a dispensa imotivada constitui atitude discriminatória e atenta contra os princípios constitucionais do direito à vida, à dignidade humana e ao trabalho-. Assentado no acórdão regional, que a despedida ocorreu cinco dias após o retorno de licença médica decorrente da enfermidade - - permaneceu em gozo do benefício auxílio-doença a partir de 16-02-2006, retornando ao trabalho em 1º-09-2006. Foi dispensado sem justa causa pela ré em 06-09-2006 -, tem-se por configurada a violação dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva, do próprio contrato de trabalho e da função social da empresa, a ensejar, forte nos arts. 186 e 927 do Código Civil, o direito a compensação por dano moral. Recurso de revista 140 integralmente não conhecido. Percebe-se que os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho (Corte Extraordinária em sede trabalhista) vem garantindo o emprego do portador do vírus da AIDS, inclusive, declarando que suas dispensas são abusivas, discriminatórias ou obstativas de direitos – garantindo, assim, o cumprimento da dignidade humana do trabalhador. 140 Processo: RR - 721340-83.2006.5.12.0035. Data de Julgamento: 26/05/2010, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 22/10/2010. 90 CONCLUSÃO Ao realizar a presente pesquisa monográfica, buscou-se entender, à luz dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade, bem como das Orientações e Recomendações das Organizações Internacionais da Saúde e do Trabalho, a abrangência das leis trabalhistas protetivas dos portadores de HIV ou doentes de AIDS. Primeiramente, no intuito de caracterizar a relevância e a compreensão que as sociedades dão às relações trabalhistas, traçou-se, através de uma abordagem histórica, um panorama contendo os principais acontecimentos, que contribuíram para o entedimento contemporâneo do trabalho no mundo. Observou-se, que o trabalho, de uma maneira geral, foi interpretado ou como uma forma de penalização ou como dignificação da pessoa humana. A ideia aristotélica, por exemplo, era de que o trabalho manual entorpece e deteriora a mente, não deixando tempo nem energia para a inteligência e para a política. Sendo a agricultura o principal meio de subsistência da Antiguidade, estabeleceram-se, então, formas de se acordar as condições de trabalho, obrigando a todos condutas que respeitassem o pagamento quando da prestação de um serviço e até remuneração fixa pelo tempo gasto na execução do serviço. Durante a Idade Média, o serviço era confiado ao servo, trabalhador semelhante ao escravo, mas que já era reconhecido como pessoa. A partir deste ponto, verificou-se o início da configuração de um espaço urbano, pelo comércio entre feudos, tomando rumos diferentes do centro feudal, coroando o nascimento da burguesia. Dessa maneira, o eixo de produção deslocou-se da agricultura para o capitalismo, dando abertura a ocorrência o êxodo rural, aumentando a quantidade de mão-de-obra que poderia se encontrar nas cidades. Após o surgimento das corporações de ofício, ocorreram vários problemas com o rumo que o capitalismo demasiado assumiu, principalmente pelo fato dos direitos básicos do trabalhador, por sua condição de ser humano, serem suprimidos do comportamento social. A partir de então, graças às revoltas e greves dos operários e com o advento da Revolução Francesa, fora confirmada a liberdade para o exercício das profissões, sendo a vontade o poder supremo para a realização de atos jurídicos. 91 As primeiras normas trabalhistas aprovadas pelos Estados Europeus foram editadas no século XIX, quais sejam, a limitação da jornada de trabalho, a proibição do emprego de crianças com idade menor ou igual a 9 anos, e a fixação da jornada de 12 horas àqueles que eram menores de 16, dando abertura para que fosse garantido a reunião dos operários em sindicatos, o exercício do direito de greve, os seguros sociais, e os acidentes do trabalho. Nesse sentido, os riscos decorrentes da má qualidade no ambiente de trabalho são conhecidos há anos, citando-se como exemplo as doenças profissionais causadas pela absorção do chumbo, do mercúrio, de solventes, e pela exposição à poeira de silicose ou de amianto. Por ser um dos direitos resguardados na Declaração dos Direitos Humanos, a saúde constitui parte essencial do tema de meio ambiente de trabalho, a qual a Constituição Brasileira, em diversos momentos, garante aos cidadãos condições para a manutenção de sua qualidade de vida. Percebeu-se, enfim, que nunca foi tão necessário o investimento na saúde e segurança do trabalho, pois, com o desenvolvimento de novas tecnologias, surgiram novas moléstias ocupacionais, mormente no mundo globalizado em que se procura utilizar técnicas para exigir a máxima produção do trabalhador. Portanto, os instrumentos normativos que incidem sobre as relações de trabalho devem visar, sempre que possível, à prevalência dos valores sociais do trabalho, onde a dignidade do trabalhador, auferida pela condição de ser humano, deve ter profunda ressonância na interpretação e aplicação das normas legais e das condições contratuais do mesmo. As preocupações e definições relativas a acidentes e doenças dos trabalhadores sempre tiveram uma análise genérica, de forma que a intenção não é, meramente, a segurança dada àqueles que sofrem com acidentes do trabalho e indisposições profissionais, mas, antes, as eventuais garantias que poderiam advir a um trabalhador acometido de enfermidade mórbida, que não estivesse relacionada ao seu trabalho. Este é o caso do HIV/AIDS. Adentrando a temática proposta na pesquisa, do alcance e aplicação da legislação trabalhista no caso de empregados portadores de HIV/AIDS, houve a preocupação de esclarecer-se a definição do que é o vírus HIV e suas características, o que significa a soropositividade, a sintomatologia, bem como a evolução da moléstia e suas formas de contágio. Percebeu-se, então, que sob a ótica trabalhista, não há falar-se que o empregado/trabalhador portador de HIV ou 92 doente de AIDS perde a sua capacidade laborativa. Sustentar tal entendimento implicaria em abandonar-se o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, qual seja, construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como violar os princípios constitucionais do valor social do trabalho, da dignidade humana e da igualdade. Corroborando com esse entendimento, analisou-se a Declaração da Organização Internacional do Trabalho em parceria com Organização Mundial de Saúde sobre a AIDS, que foi editada exatamente para definir, em critérios médicos e jurídicos, a proteção ao empregado portador de HIV. Desta forma, graças à obrigatoriedade do exame admissional, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, verificou-se que, no caso de empregado portador de HIV/AIDS, a investigação da moléstia caracteriza-se como violação da intimidade do empregado, já que aqueles que são acometidos por tal doença não são obrigados a revelar a sua condição de saúde para ninguém. Caso, haja o consentimento ou solicitação por parte do empregado, o exame poderá ser realizado, entretanto, respeitando sempre a intimidade do trabalhador, pois quando da feitura de exame, o médico do trabalho que realizá-lo, não poderá, de forma alguma, violar a intimidade do soropositivo, coibindo-o a informar ou fazendo-o por si só. Conclui-se, portanto, que não há função ou ambiente de trabalho que aquele não possa trabalhar, exceto os quais o próprio empregado não se sinta à vontade. A legislação brasileira prevê, em várias oportunidades, formas de amparo ao trabalhador soropositivo, seja de cunho pecuniário ou na própria manutenção do emprego. Infelizmente, ainda hoje, devido ao desconhecimento da sociedade sobre a AIDS, os portadores de tal moléstia sofrem com a discriminação, e não é diferente no mundo trabalhista. Com o intuito de inibir o tratamento discriminatório sofrido pelos empregados portadores de AIDS em seu ambiente de trabalho, de acordo com determinação da OIT sobre o tema, criaram-se políticas públicas e/ou privadas, que compilaram informação e educação sobre a doença, considerando que o desconhecimento é a principal causa de preconceito. Entre outras situações delicadas observadas pela pesquisa ora empreendida, restou evidente que ainda hoje, a comprovação de tratamento discriminatório é controvertida, haja vista que os documentos e outras fontes formais de prova normalmente estão em posse do possível discriminador, ou seja, o chefe, e ao 93 mesmo tempo, os colegas de trabalho que poderiam testemunhar em favor daquele podem sentir-se coagidos ou ameaçados em relação a manutenção do seu emprego. Enfim, ao colacionar-se jurisprudências sobre o tema, percebeu-se que o entendimento dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho é praticamente uníssono ao firmar que a dispensa arbitrária de empregado soropositivo, caracteriza comportamento discriminatório, sendo devido ao mesmo, danos morais e a imediata reintegração nos quadros de empregados. Devido à importância do tema, verifica-se necessária a implementação e fiscalização de políticas públicas e privadas, que forneçam o conhecimento àqueles que convivem com a doença no meio social e apoio e dignidade para os empregados portadores de HIV/AIDS, a fim de erradicar-se a discriminação e de respeitar-se os preceitos constitucionais de igualdade de tratamento. 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA FILHO, Naomar. O Conceito de Saúde: Ponto Cego da Epidemologia? Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/rbepid/v3n1-3/02.pdf. Acesso em 14 outubro 2010 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª Edição. Ed. Forense, 1958. AQUINO, Rubim Santos Leão et al. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. 1980 BARBOSA, Magno Luiz. AIDS - O Direito e Algumas Reflexões Sobre seu Impacto nas Relações de Emprego. Ed. Juruá. BARROS, Maria Alice. Curso de Direito de Trabalho - 5ª Edição. Ed. Ltr, 2009. CALDERON, Moacir. Professor de Direito do Trabalho I. 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