Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Maria Luiza Borges Ribeiro
Entrevistada por Rodrigo de Godoy
Realização Museu da Pessoa
Local: São Paulo, 06 de dezembro de 2004
Código do depoimento: SOSHV - 004
P/1 - Para começar, eu quero perguntar para você, seu nome completo, local e data de
nascimento.
R - Meu nome completo é Maria Luiza Borges Ribeiro, eu nasci em 31de julho de 1965, em
Itu, interior do estado.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R - Sou filha de Lázaro Borges Ribeiro e Celina Taborda Borges Ribeiro. Também são
ituanos. Uma família grande, típica do interior.
P/1 - Uma família de Itu?
R - Uma família de Itu, onde tudo é grande!
P/1 - Tudo é grande. (RISOS) Inclusive sua família.
R - Inclusive minha família!
P/1 - Seus pais fazem o quê?
R - A minha mãe é artista plástica, ela pinta e foi professora, educadora a vida toda. Hoje
eles estão aposentados. Meu pai foi funcionário público federal. No início moravam em
sítio, mas a gente já foi criado em casa no centro da cidade, aquelas casas históricas, onde
todo mundo se reúne na cozinha e muita prosa. E democracia era uma coisa de berço! E
muita mulher na família.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Eu tenho só um irmão, mas muitas primas, primos, tios. Aquela coisa de família que
cresce todo mundo junto, então prima dorme na casa da prima, da avó, etc. E acho que
isso faz que a gente aprenda a se relacionar em comunidade, então acho que isso já tem
um pouco do perfil das pessoas que trabalham com ação social.
P/1 - E como foi crescer em Itu, quais são as lembranças que você tem da sua infância?
R - Então, eu tenho uma lembrança ótima, eu acho que foi que fez com que eu me
engajasse na causa que eu atuo na SOS. Meu avô era músico, tocava violão, tocava
chorinho, eles eram músicos. E eles tocavam e ensaiavam na minha casa, na casa dos
meus pais - meus avós moravam no fundo da casa dos meus pais. E nos finais de semana
eles saíam de barco. Tinha uma ilha no Rio Tietê, que se chamava Ilha dos Artistas, e
todas as pessoas iam para essa ilha no final de semana, nadavam no rio, cantavam, e eu
vivi isso. Eu aprendi a nadar no Rio Tietê, a gente ia para lá, é uma área onde tem um
grande canyon e têm uns remanescentes de Mata Atlântica muito bonitos, fazendas
históricas. E eu cresci neste meio. E além disso meu pai era uma figura muito aventureira,
assim, para a época. Inclusive eles faziam campismo. Antes da década de 1970 nem
tinham campings no Brasil, então era uma coisa de viajar, assim, sempre viagens
alternativas. E ele, como hobby, era fotógrafo, então na casa da minha avó, a antiga casa
da minha avó, tinha um laboratório fotográfico, fazia os produtos químicos para revelar a
fotografia. E eu sempre misturei essa coisa da imagem e da natureza, porque a gente
tinha essa vivência, brincava na rua o tempo inteiro, subia em árvore, fazia casa de
árvore. Eu era uma moleca, enfim, matava aula no colégio e ia de bicicleta tomar banho de
cachoeira. Aquela coisa de criança do interior, uma vida maravilhosa, super saudável e
super legal. E aí, eu resolvi fazer comunicação, justamente por essa ligação com a
fotografia e com artes plásticas. A minha mãe sempre leu muito sobre artes, gostava de
artes, a gente vinha para São Paulo em museus. E Itu é uma cidade onde tem um centro
histórico tombado, obras sacras e tem toda uma cultura tradicional. Então eu tinha uma
dúvida entre a área de artes e comunicação, e eu pensava em fazer alguma coisa ligada à
engenharia florestal ou agronomia, mas todo mundo falava: “Ah, isso não é profissão para
mulher, mulher não faz isso, depois nós não temos fazenda, você vai fazer o quê?” E
aquela coisa. E no fim acabei, até desde muito cedo, desde os 15, 16 anos eu já era
fotógrafa, por essa vivência familiar. Então trabalhava em jornais do interior. E eu sempre
buscava fazer alguma coisa. As matérias que eu fazia meio que intuitivamente eram
ligadas à natureza. Um acidente ambiental, que na época não era nem muito tratado como
isso. E aí acabei vindo para São Paulo fazer Comunicação. Entrei na FAAP, fui fazer
jornalismo.
P/1 - Em que ano foi isso?
R - Em 1980.
P/1 - Que você entrou na faculdade?
R - 1981, na verdade. E aí fiz curso de fotografia na Panamericana. Então por conta do
curso de fotografia e da experiência como repórter fotográfica no interior eu já entrei na
faculdade trabalhando, fazendo freelas e trabalhando na área de comunicação com fotojornalismo. Aí fui trabalhar no Estadão. Fiquei morando em São Paulo, na Vila Madalena,
cidade grande, aquelas coisas, você acaba se desligando daquela infância. E aí em 1984 eu
voltei para Itu, já estava formada e fui passear em Itu. E fui passear na beira do Tietê,
nesse lugar onde era a Ilha dos Artistas, onde meus avós se reuniam com os músicos. E vi
uma cena chocante, assim, que o rio estava tomado por espumas, super poluído, mas com
muita espuma, aquilo parecia neve. E aquilo mexeu muito comigo porque eu não
imaginava que a coisa estivesse tão horrível, tão degradada como estava e ninguém falava
disso. E eu fiz uma série de fotos daquelas espumas, na época eram fotos eram fotos em
preto e branco. Eu tinha uma Nikkon, não me separava daquela câmera de jeito nenhum.
E estava tendo um concurso fotográfico. Na verdade era uma bienal na Alemanha, de fotos
de danos ambientais. E eu mandei três fotos do Rio Tietê, com uma árvore no meio, assim,
e muita espuma voando. Como as fotos eram preto e branco, escrevi um texto, uma amiga
me ajudou a escrever um texto, tinha que ser em alemão. Mandamos as fotos e eu recebi
um telegrama que as fotos estavam muito bonitas, tecnicamente bonitas, mas elas tinham
sido desclassificadas porque era uma paisagem com neve e não mostrava acidente
ambiental nenhum. Aí eu procurei essa amiga que escrevia em alemão e falei: “Conta que
não é neve, é poluição mesmo, é um acidente ambiental.” E ela escreveu isso e eu acabei
ganhando o primeiro prêmio com essa denúncia. Na verdade era uma foto denúncia.
P/1 - Só uma pergunta sobre o Rio Tietê. Qual é a imagem que você tinha do rio na sua
infância? Assim, se te perguntarem qual é a sua lembrança do rio na sua infância?
R - Era um rio de corredeiras, porque lá tem muita corredeira, então muita pedra e peixes.
Nesse lugar onde eu aprendi a nadar com os meus primos e meu avô, a gente atravessava
de bote, aí tinham várias pedras, formavam um remanso. A água era cristalina, muito
gelada, aquela coisa de Mata Atlântica mesmo, né? E a gente ainda ficava pegando
cascudo com a mão, aqueles cascudos gigantes que ficavam nas pedras. E aquele barulho
de água correndo na pedra e muito passarinho. Essa é a lembrança que eu tenho.
P/1 - Isso não faz muito tempo?
R - Não.
P/1 - Faz relativamente pouquíssimo tempo?
R - É, 25 anos. Para uma degradação do nível que a gente chegou, é muito pouco tempo.
P/1 - Em questão então de 25 anos a situação mudou drasticamente?
R - Drasticamente. É lógico que ele já devia estar poluído, mas a gente não tinha esse tipo
de informação, e a poluição não era visível, ela não era perceptível. As pessoas nadavam,
pescavam, faziam as suas atividades culturais e econômicas ligadas ao rio. Depois isso se
perdeu. Quer dizer, em menos de duas décadas a cultura mudou. Aí esse choque e o fato
de eu estar fazendo comunicação e de ninguém falar disso, das pessoas não prestarem
atenção, fez com que eu achasse que eu devia fazer alguma coisa na área de meio
ambiente. Quer dizer, de nada adiantaria eu ser ambientalista e... Eu errei a data, era
1983 isso.
P/1 - A faculdade?
R - Não, o lance da foto e da coisa. E aí aconteceu uma outra coisa. Eu estava fazendo
uma reportagem, era um free lancer, uma reportagem de investigação, eu vim também
dessa área de jornalismo de investigação, sobre umas crianças que tinham achado um
material brilhante no interior do Estado, lá em Itu, e que apresentavam hidrocefalia, umas
famílias que apresentavam hidrocefalia. E eu, como eu era de lá, eu fui chamada por um
professor da ESALQ, ele me conhecia porque eu já gostava do meio ambiente. Ele me
chamou e eu tinha que investigar o que era aquilo. Então na época tinha se implantado em
Itu um depósito de rejeito de material nuclear. Era um composto que se chamava Torta II,
uma mistura de tólio e urânio, que seria um pré-combustível para reatores nucleares. E na
década de 1970 a Marinha comprou um sítio em Itu - Sítio Botuxim - como se fosse para
fazer um clube de campo. Isso era informação de segurança nacional na época, as pessoas
não tinham informação. E essas crianças da Escola Rural, elas acharam - esse material
ficou exposto e elas traziam para a escola, uma escola de sítio. Eram filhos de plantadores
de tomate - um produto que parecia, segundo eles, massa de vidro. Então era uma areia
brilhante. É areia monazítica, que a gente tem em abundância no litoral paulista, só que já
pré-beneficiada, então ela era potencialmente, bastante radioativa. E isso ficou a céu
aberto. O prefeito da época pegou esse material, a professora da escola levou esse
material na prefeitura, isso foi década de 1970. E isso foi um assunto de segurança
nacional, foi proibido. Na década de 1980, quando esse professor da USP me chamou, ele
começou a fazer uma pesquisa de qual era a relação de hidrocefalia de algumas crianças
que eram plantadores de tomate e filhos de plantadores de tomates, alguns já eram pais,
e deram, geraram filhos com esse problema, e se isso tinha uma relação com o uso
indiscriminado de agrotóxico ou com aquele produto radioativo que ninguém sabia onde
estava. Então eu fui fazer uma reportagem de investigação sobre isso, tentar descobrir
onde era essa propriedade, se é que isso existia de verdade ou se era história que as
pessoas contavam. E acabei descobrindo nessa investigação jornalística que existiam mais
de sete toneladas desse material enterrado em piscinas, construídas como se fossem
piscinas. E no Cartório de Registro de Móveis isso tinha sido realmente vendido para
piscinas de um clube de campo. Isso gerou uma denúncia, a reportagem gerou uma
denúncia no Congresso Nacional. O Itamar Franco era relator da CPI da Energia Nuclear no
Brasil. E a gente acabou então tendo que mobilizar a sociedade para mexer com essa
questão de um depósito de rejeito nuclear, que ninguém sabia o que significava, o que era
isso, chamavam de lixo atômico. Então nós tivemos uma idéia de criar um Conselho de
Defesa do Meio Ambiente, o Condema de Itu. Isso foi em 1983. Foi o primeiro, senão o
segundo Condema do país, com participação da sociedade civil, e eu era a vice-presidente.
P/1 - Nisso você já estava morando em Itu novamente?
R - Não, eu ainda estava em São Paulo, eu só estava indo e voltando.
P/1 - Você ainda estava na faculdade?
R - Ainda estava na faculdade. Eu estava fazendo free lance, na verdade. Eu tinha essa
facilidade. Primeiro porque eu era ambientalista, segundo porque eu vinha da área de
jornalismo de investigação. Eu gostava de investigação, eu sempre fiz muita matéria na
área de política e de polícia, misturava um pouco desses crimes políticos. Eu sempre, eu fiz
vários estágios nessa área. E aí eu fui chamada então para fazer essa matéria.
P/1 - E como foi essa vivência sua na faculdade nesse período de abertura, porque você
foi?...
R - Eu peguei essa transição.
P/1 - Você pegou um momento de abertura do regime. Como era você ser uma estudante
nesse período, e tão envolvida com temas polêmicos como você estava?
R - Foi uma época muito rica, mas ao mesmo tempo muito reprimida. Eu tive toda minha
turma, a gente não pôde concluir o Jornalismo na FAAP porque o curso foi cassado, por
conta da ditadura. E tinha Wladimir Herzog, a gente teve um diretório acadêmico, que era
o Diretório Wladimir Herzog. Então eu acabei não tendo habilitação de jornalista pela
FAAP, acabei saindo e indo fazer em outro lugar depois porque o curso foi extinto lá. Então
isso eu acho que despertou em nós, naquela época, uma vontade de mexer mesmo com
essas coisas e tentar mudar. E como mudar isso? Reunindo pessoas no que... A gente nem
ouvia falar em ONG, mas a saída foram esses conselhos de participação. Então eu acho
que teve um misto de buscar democracia e buscar qualidade de vida, coisas que a gente
havia perdido. Então para mim a perda, a poluição, o desenvolvimento a qualquer preço,
falta de liberdade significava uma ruptura com as minhas raízes, eu tinha que resgatar isso
de alguma forma, mas não tinha como . Que quando eu conversava com os outros colegas
de profissão estava todo mundo envolvido em pensar na campanha das “Diretas Já!”. Eu
até trabalhei na campanha das “Diretas Já!”, também como fotógrafa, fui em todos os
eventos, em todos os shows de rua, e trabalhei mesmo na campanha das “Diretas Já!”. E
ninguém se preocupava muito com o meio ambiente. E a questão nuclear, ela surge de
uma forma muito perigosa e aí que achei que a comunicação, o jornalismo, esse era o
nosso papel de informar as pessoas. Primeiro que aquilo estava acontecendo no quintal da
casa delas. Um outro lugar que acontecia uma coisa simultânea e que de lá surgiu um
movimento que até tem haver com a fundação da SOS, era a intenção de se instalar na
Praia da Juréia uma usina nuclear. Então, de certa forma as pessoas estavam envolvidas,
parece que numa sintonia em que quem estava ligado à comunicação tinha acesso a essas
informações, sabia como mobilizar pessoas. E as pessoas que trabalhavam no Estado,
sobretudo no governo Montoro, estavam falando em gestão participativa e que meio
ambiente tinha que ter conselho de participação da sociedade e foi aí que eu achei um
caminho para tentar conciliar as coisas. Então na faculdade eu era o bicho-grilo, porque na
FAAP era um bando de burguês e tal, ninguém queria falar de meio ambiente.
P/1 - E qual foi o seu primeiro trabalho?
R - De meio ambiente?
P/1 - Não, seu primeiro trabalho profissional, qual foi sua primeira?...
R - Foi na área de repórter fotográfico.
P/1 - Aquela lá atrás?
R - Lá atrás. Quer dizer, na verdade, antes de fazer de fazer faculdade eu já fazia jornal de
interior, e no jornal do interior você faz tudo, desde do que chamava na época de past-up,
quer dizer.
P/1 - O que é past- up?
R - Hoje a gente diagrama em computador, mas o past- up uma folha de arte onde você
fazia as letras, os títulos, as charges, diagramava as fotos, isso em pranchetas. Então o
jornal era artesanal. E ao mesmo tempo você revelava fotografia. Eu sabia revelar,
trabalhava com laboratório. Então ali você aprende fazer tudo, desde uma reunião de
pauta até como que monta a primeira página e as outras páginas do jornal.
P/1 - Então foi uma experiência riquíssima ter participado desse processo?
R - Foi. Na verdade esse jornal que eu trabalhei, onde eu aprendi, foi minha escola de
jornalismo, chamava Jornal Periscópio.
P/1 - De qual cidade?
R - De Itu.
P/1 - De Itu mesmo?
R - Um jornal tradicional. Quer dizer, Itu é uma cidade histórica. E que era muito legal,
porque você fazia uma matéria e todas as pessoas que liam a tua matéria você encontrava
na rua, então você tinha aquela resposta direta daquilo que você estava falando. E quando
eu comecei falar sobre o Rio Tietê, sobre a morte do Tietê ou mesmo essa história de fazer
uma passeata na rua alertando que as pessoas podiam morrer que energia nuclear era
uma coisa perigosa, lixo atômico. Isso mexeu com as pessoas, as pessoas queriam ter
informação sobre isso. Então ali que eu vi que: “Bom, a gente precisa fazer jornalismo de
meio ambiente.” Mas ninguém fazia isso aqui, não tinha. (PAUSA)
P/1 - Sobre você ter feito essa atividade ainda na adolescência, no jornal, foi isso que te
influenciou a seguir a carreira universitária que você?...
R - De comunicação?
P/1 - Sim.
R - Sim, foi isso, e também acho que um pouco de rebeldia,. E era uma coisa gostosa de
se fazer. A gente não tinha muito medo das coisas. Embora fosse um período de transição,
quer dizer, estava começando a abertura política, ainda era meio complicado certas coisas.
Essa questão nuclear, por exemplo, era uma questão de segurança nacional, então era
meio difícil ter acesso às coisas. E isso me estimulava muito.
P/1 - E como que era a mídia impressa, como você enxergava a mídia impressa nesse
período tão?... Tudo bem que estava num período de abertura, mas não deixava de ser
ditadura ainda.
R - A gente não tinha espaço nenhum para falar de meio ambiente, por exemplo, para
falar dessas coisas. Era realmente, era meio frustrante, a gente não tinha um retorno
dessas coisas. Na verdade o país estava ingressando num processo de abertura política,
então a imprensa estava mais voltada a isso, mas era muito light, era muito insipiente,
embora instigante. Então para mim, na verdade, o jornalismo era uma forma de ganhar a
vida, não era uma coisa de ideologia. Na verdade era onde eu tinha facilidade de trabalhar,
eu sabia fazer desde criança, então eu me dava bem na área. Só que aí a necessidade
financeira e os contatos que eu tinha eu acabei seguindo para a área de assessoria política,
como assessoria de imprensa. Então eu saí do jornalismo impresso, eu acho pelas duas
coisas. Primeiro porque o jornalismo não me dava o espaço. Quer dizer, essas notícias não
vendiam jornal e não se tinha espaço para falar muito disso, era um outro colega que
gostava.
P/1 - O seu interesse sempre foi o tema ambiental?
R - Política e meio ambiente, eu acho que sempre, essas duas coisas. E em todas as
matérias que a gente fazia você via que tinha um tripé, de falta de acesso à informação,
exclusão social e degradação ambiental. Quer dizer, tinha que ter duas formas para poder
mudar essas coisas. Primeiro, uma reforma política. Segundo, que a população tivesse
acesso à informação, tivesse direito de ser informada. E nessa época a gente não tinha,
algumas coisas não eram informadas. Por exemplo, desde a poluição nuclear até a
contaminação da água, ninguém vinha dizer: “Olha, não coma mais o peixe do Rio Tietê
porque é perigoso, faz mal à saúde pública.” Ou: “Não jogue lixo na rua porque você está
criando problema para você.” Ninguém falava em educação ambiental. E aí começaram a
surgir algumas ONGs, acho que justamente como uma saída para poder reunir pessoas
para mudar as coisas.
P/1 - Quais ONGs que você se lembra?
R - Eu me lembro de algumas ONGs do interior. Tinha uma ONG que eu conheci que era da
década de 1970, era de 1973, na verdade, que se chama Alerta, existe até hoje. Uma
outra entidade também lá de Itu, que é a AIPA, ela surgiu mais ou menos na mesma época
que a SOS Mata Atlântica, em 1986. Mas nesse período quando eu comecei a trabalhar
com participação popular, em 1983, eu só conhecia essa ONG, só essa Alerta. Eu ouvia
dizer de outras, o Movimento da Juréia, mas eu não conhecia.
P/1 - E como era essa sua relação com essa ONG de Itu?
R - Era muito ligada a esse problema, quer dizer, as pessoas se mobilizam porque alguma
coisa está acontecendo na vida delas. Então o problema lá era essa questão nuclear, as
pessoas tinham medo. E isso foi implantado em área de manancial, perto de rios que
abastecem a cidade, então as pessoas tinham muito medo e não tinham informação
nenhuma. E essa ONG, ela conseguia trazer pessoas, físicos da Universidade de São Paulo,
da ESALQ, ONGs internacionais. Na época a gente conseguiu chamar várias pessoas que
davam apoio, traziam informação a respeito desses riscos. Então foi mais ou menos isso.
Aí em 1986, justamente porque eu ainda esta ligada com o pessoal do Grupo Estado, eu
fiquei sabendo que aconteceu uma reunião para se fundar uma ONG que depois veio a ser
a SOS Mata Atlântica. Mas nessa época eu não me envolvi com a SOS, eu estava em
outros trabalhos.
P/1 - Você estava no Grupo Estado?
R - Isso.
P/1 - Como você entrou no Grupo Estado?
R - Por causa de fotografia.
P/1 - Você era repórter fotográfico?
R - É. Na verdade foi um convite de um colega que trabalhava lá.
P/1 - E fotografava todo tipo de?...
R - Tudo. Desde jogo de futebol do Santos, do Corinthians, até mostra de artes.
P/1 - Então ainda não foi dessa vez que conseguiu trabalhar com o que você gostava?
R - Não, não, eram coincidências. Na verdade a gente procurava as pautas, que a gente
gostava, mas não tinham editoriais e era muito difícil.
P/1 - Como que é a rotina, o cotidiano de um repórter fotográfico, é muito corrido, como é
que é que funciona?
R - É super corrido e depois... Hoje eu não sei, acho que não deve mais ser assim. Mas na
minha época você fazia tudo. Você não era assim, só o repórter fotográfico. Então, por
exemplo, num plantão de final de semana você escrevia a matéria, você diagramava a
matéria, você tirava a foto e ia revelar. Mas isso porque a gente queria, era uma escola. E
depois, assim, a fotografia, ela tem um lado meio mágico, então você faz os seus free
lancers, você tem o equipamento, é seu, você atrás das coisas que você gosta de fazer.
Então uma outra área que eu gostava, que eu sempre gostei muito de surf, então quando
eu queria viajar nas férias eu sempre arrumava um freela de fotografar campeonatos de
surf em Santa Catarina. E era uma coisa que mulher não fazia. Eu fazia porque eu tinha
umas teleobjetivas, eu gostava de mar e gostava dos surfistas também. (RISOS) Era
mocinha e tal. Então isso foi muito legal. Eu herdei isso do meu pai, essas viagens, de
acampar, mochila nas costas e máquina fotográfica. Até foi ele que me deu as máquinas,
os laboratórios etc. Então na verdade é uma adrenalina total, mas não tinha muito haver
com a área que eu queria atuar que era essa área de meio ambiente. Na verdade eu
consegui trabalhar mais com isso fazendo assessoria, que aí eu já estava política formada,
e paga-se muito melhor em assessoria de comunicação do que nas redações. E aí eu
comecei a trabalhar com políticas públicas, e nessa área de políticas públicas é que eu fui
conhecer pessoas da área de Direito que estavam trabalhando em leis, na elaboração de
Áreas de Proteção Ambiental, que são as APAs municipais, os Conselhos Municipais. Então
eu fui para vários lugares interessantes, várias prefeituras, trabalhando “como ensinar as
pessoas como fazer seus planos diretores, a criarem conselhos, a se mobilizarem”, enfim.
E aí em de 1991 para 1992, a SOS Mata Atlântica começou a fazer com a Rádio Eldorado a
campanha pela despoluição do Tietê. Então foi ai que eu reencontrei a SOS Mata Atlântica.
P/1 - Voltando só um pouquinho, Malu. Como foi que você tomou conhecimento da
Fundação SOS Mata Atlântica?
R - Então, como eu gostava disso, e em 1983 eu comecei a trabalhar com CONDEMA e
com as pessoas, as pessoas eram poucas, então eu conheci Doutor Paulo Nogueira Neto,
que na verdade foi um grande mestre para todo mundo no Brasil sobre como criar áreas
de proteção ambiental, e ele era um dos fundadores da SOS. As pessoas que, por
exemplo, Mário Mantovani, ele trabalhava na CETESB quando eu o conheci, e depois ele foi
para a SOS. Então as pessoas eram comuns, não a entidade. Eu não ouvia falar, na
verdade, de SOS Mata Atlântica e muito menos da Mata Atlântica. Eu fui saber da atuação
da SOS de fato na época da campanha pela mobilização da despoluição do Tietê, ou seja,
em 1991. Foi aí que eu voltei, porque eu estava, na verdade, em outra área.
P/1 - Lá em Itu você disse que na década de 1970 já existia uma ONG?
R - Isso.
P/1 - Como que era tratado o tema ecologia, ambientalismo nos anos 1970 e nos anos
1980?
R - Lá existia essa ONG porque na década de 1970 a cidade foi tombada, por conta do
Patrimônio Histórico. Então essa coisa da memória, dos casarões, as igrejas que foram
tombadas, além da arquitetura e das obras sacras, uma formação geológica lá, que é uma
formação de varvito, é uma rocha, também foi tombada. Então foi um dos primeiros
tombamentos de recurso natural feitos no Brasil. E essa ONG era ligada a isso, eles eram
geólogos, geógrafos, historiadores, então eles estavam muito mais ligados a conseguir
com que fossem feitos os instrumentos legais que preservassem patrimônios naturais:
rochas, plantas. E não sabiam muito bem como. Então ora eu tinha contato com essas
pessoas, ora com gente que trabalhava no governo e que estava trabalhando nessas leis,
porque isso me interessava. Mas muito mais assim em reunião de bate-papo nessas
fazendas históricas. Eu nunca imaginava que eu ia trabalhar com isso depois.
P/1 - E era muito diferente de hoje esse movimento ambientalista desse período 1970,
1980?
R - Era, era um movimento contra, porque a poluição era uma coisa muito terrível, era
uma poluição industrial, uma poluição perigosa, então era aquela coisa de militância
mesmo, de ir para a rua e querer fechar a indústria ou fazer enterro. Na época, sem uma
democracia plena de pessoas porque morreram por causa de questão nuclear. Quer dizer,
coisas que a gente já não faz hoje. Hoje o movimento ambientalista não é um movimento
de ativismo, ele é um movimento de gestão, de parceria, de mobilização, mas de uma
outra forma. E eu acho que a mobilização que eu encontrei na SOS pela causa do Tietê,
primeiro tinha haver com a minha origem, com a minha raiz de criança, com a minha vida.
Mas era um movimento de mobilização social, foi o maior movimento de mobilização social
de que se tem notícia, que se tem conhecimento no Brasil. Graças a essa união, que é no
que eu acredito, da comunicação e com a vontade das pessoas, dos artistas, da memória,
a gente conseguiu uma campanha que reuniu um milhão e duzentas mil pessoas num
abaixo-assinado por uma causa ambiental. Isso, se você for ver, é uma verdadeira
revolução social que ocorreu no Brasil. E acho que sem pensar, porque as pessoas não
tinham noção de que isso ia acontecer. Isso foi um processo, foi uma coisa que a
comunicação, eu acho que a Rádio Eldorado e os microfones da rádio, o pessoal do Grupo
Estado, os fotógrafos, aquelas pessoas, os artistas, aqueles festeiros do Divino Espírito
Santo do interior, aquelas músicas caipiras, toda a energia dessas pessoas, desde um
movimento de vanguarda na arte, tipo Arrigo Barnabé, Itamar Assunção, Rita Lee, tudo
isso se somou e se transformou numa energia muito legal que a SOS Mata Atlântica foi
capaz de catalisar.
P/1 - E ainda num aspecto mais macro, você acha que as Organizações Não
Governamentais ambientalistas internacionais influenciaram muito as ONGs brasileiras do
meio ambiente?
R - Eu acho que num primeiro momento sim, mas a gente tem uma forma muito mais rica
de trabalhar, muito mais brasileira de trabalhar, que é essa coisa da nossa ligação cultural
com a música, com a arte, com a imagem, com as pessoas e isso é um diferencial muito
grande das ONGs brasileira e das ONGs internacionais. As ONGs internacionais, elas já
tinham capacitação técnica, elas já tinham recurso financeiro e nós não. O nosso grande
recurso, a nossa grande característica era o material humano, a riqueza cultural e social
que a gente tinha, e as grandes diferenças. Então eu acho que muito particular. Embora as
experiências internacionais tenham contribuído, foi uma vivencia muito rica, mas muito
particular do Brasil. E as coisas aconteciam simultaneamente. O movimento ambientalista
brigava por causas, enquanto a sociedade brasileira buscava a democracia. Então eu acho
que foi um momento muito rico, único do país, e que ONGs como a SOS ou essas ONGs
que estão aí há mais de uma década vivenciaram isso
P/1 - A década de 1980 foi a década em que as ONGs ambientalistas começaram a ser
criadas de uma maneira mais intensa, um maior número surgiu?
R - Exatamente.
P/1 - E você sabe como se dava uma troca de experiências, você que tinha contato com
essas ONGs, entre as diferentes instituições?
R - Olha, eu não me lembro em que ano, eu sou péssima com essas coisas de data, mas a
gente teve um encontro, o Eco Interior. Era sempre ligado com as universidades, era uma
coisa meio parecida com o movimento dos estudantes, como encontros da UNE, essa
coisas. E nesse Eco Interior essas ONGs todas, elas se encontravam, trocavam
experiências e conversavam.
P/1 - Então existiam eventos?
R - Existiam eventos sobre isso. Só que era muito mais difícil, não tinha internet, ninguém
tinha celular, o sistema de comunicação nosso era mais precário. Mas mesmo assim as
coisas aconteciam. E eu acho que São Paulo, a região Sudeste era uma região muito rica
dessas coisas, desses encontros e oportunidades. E depois a gente até pensava... Teve
uma época que a gente lançou uma rede junto com o jornaizinhos. Essa ONG que eu
conhecia, a Arca, tinha um jornal que se chamava Urtiga, e o nome era bem isso, quer
dizer, provocativo e tal. E a gente teve uma espécie do que seria uma rede de
comunicação. Nós éramos jornalistas e a gente fazia releases e pequenos textos sobre
meio ambiente e distribuía de forma gratuita para vários jornais do interior e para essas
ONGs que tinham ido nessa Eco Interior. E isso fortalecia os movimentos. Mas não
existiam redes, as pessoas não trabalhavam ainda em redes.
P/1 - Não era uma coisa muito divulgada?
R - Não, não era organizada, uma coisa que algumas pessoas conseguiam fazer. E eu acho
que esse foi o grande papel da SOS Mata Atlântica, foi de reunir essas pessoas, de sempre
abrir para ser uma espécie de centro de referência. Uma pessoa queria criar uma ONG
nova, onde ela ia? Ela ia à SOS Mata Atlântica e pedia um estatuto e pedia uma ajuda:
“Como é que eu faço, como é que eu monto um grupo, como que organizo?” E aí pessoas
muito especiais, como Beloyanes, o Mário, o Fábio, essas pessoas ajudavam, eram
multiplicadoras de ONGs, pequenas ONGs, de outras que se tornaram grandes ONGs
também. E acho que isso foi uma coisa legal.
P/1 - E na sua opinião ocorram mudanças significativas na defesa do meio ambiente,
nacional e internacionalmente, nos últimos anos?
R - Olha, acho que você colocou bem. Os anos 1980 foi aquele ano de constituir as
entidades, de formar as ONGs, e várias ONGs e tal. Os anos 1990, sobretudo 1990, 1991,
período pré Eco 92, foi um período muito rico em São Paulo, porque a gente a gente já
tinha tido a Constituição Paulista, que trazia várias aberturas, no final da década de 1980,
para a participação democrática. E uma delas, que eu acho que foi uma das coisas mais
revolucionárias que aconteceu no país e foi precursora do que acontece hoje no Brasil, foi
a Lei de Recursos Hídricos, em 1991. Foi uma lei que dividiu o Estado em bacias
hidrográficas, unidades de gerenciamento, de gestão ambiental e de água, de acordo com
a divisão da natureza e não com a divisão político-adminstrativa. Isso é lógico que vinha
de discussões internacionais, e São Paulo tinha essa modernidade, de estar trazendo para
a sua gestão ambiental, para a sua gestão pública aquele contexto global. E aí eu acho que
foram as transformações mais significativas. Primeiro na década de 1980 veio o Consema
e os Condemas, e nos anos 1990 aparece a questão do recurso hídrico, do saneamento,
como uma causa que é coletiva, que dependia da integração do Poder Público, da iniciativa
privada e sociedade civil. E foi aí que a gente mudou o comportamento. Quer dizer, as
ONGs passaram a falar não mais contra o poluidor e sim transformar o poluidor em
parceiro, para que ele deixe de ser poluidor e passe a contribuir com a gestão ambiental. E
a gente começou a falar em desenvolvimento sustentável. Então essa foi uma grande
mudança mundial. E eu acho que o elemento água, com essa característica de integrar
mesmo e não ter limites físicos ou econômicos, trouxe para a gestão ambiental um novo
modelo, uma nova ordem.
P/1 - Com certeza, mas foi mesmo. E quais problemas você classificaria como os mais
pesados enfrentados na defesa do meio ambiente atualmente?
R - Atualmente?
P/1 - Atualmente.
R - Acho que as mudanças climáticas. Quer dizer, o não cumprimento do Protocolo de
Kyoto aí, é uma coisa que vai trazer conseqüências para toda a humanidade, e
conseqüências drásticas para o planeta. E a escassez do recurso hídrico, a falta de água.
Porque você hoje, a gente tem água, só que não em qualidade e quantidade disponível
para as necessidades humanas. Então a gente mata um rio ou uma fonte de água de
forma muito rápida, mas para reverter essa degradação às vezes é impossível. E isso
requer muito recurso, muita tecnologia e a gente passa a ter guerras e conflitos por conta
da falta da água, da escassez de água. Então eu acho que essas duas coisas, esses dois
extremos, que na verdade estão interligados, são os grandes desafios da humanidade
hoje.
P/1 - E na sua opinião, se no ritmo em que as coisas estão acontecendo com relação à
preservação ambiental, você acha que daqui quanto tempo os efeitos dessa degradação
dos recursos hídricos vão efetivamente, as pessoas vão poder sentir isso de uma maneira
forte?
R - Eu acho que as pessoas já estão sentindo isso de uma maneira forte. A gente vê dois
exemplos: São Paulo, região metropolitana de São Paulo, a gente teve uma mudança
radical de clima. São Paulo era conhecida como a Terra da Garoa, hoje não é mais. Hoje
São Paulo é conhecida como uma região de grande escassez hídrica. Quer dizer, a gente
convive com rodízio de água, com falta de água na beira do Tietê, da Biillings, da
Guarapiranga. A gente convive com doenças de veiculação hídrica e precisa de milhões de
dólares para reverter esse quadro. Então a gente já está tendo um êxodo, as pessoas, as
indústrias, várias atividades econômicas indo embora da região metropolitana de São
Paulo, não por conta da violência ou da agitação da grande cidade, mas por falta d’água,
não tem água disponível para as pessoas. E nós não estamos numa região do semi-árido,
nós estamos numa região de Mata Atlântica, a terra da garoa. O outro extremo seria o que
está acontecendo no Brasil, por exemplo, a discussão com a transposição do São
Francisco. De novo o Brasil buscando uma mega obra, grandes obras para tentar reverter
problemas de falta, de escassez, e toda sociedade mobilizada contra um projeto que virou
um projeto de um governo, um projeto político. Então eu acho que isso já acontece, essa
situação já é crítica, o Brasil já está em estado de alerta, só que a gente ainda não
percebeu, porque o brasileiro tem a cultura da abundância, então a gente acha que a
gente tem grandes rios, grandes florestas, a gente tem a Bacia Amazônica, Bacia do
Paraná, Bacia do Prata, e que nós não vamos ter problema. Nós já estamos tendo
problemas muito sérios.
P/1 - Quais seriam as possibilidades para no mínimo amenizar esses acontecimentos?
R - Eu acho que a principal possibilidade e necessidade é a educação. Hoje a gente está
falando muito de água. O Ano Internacional da Água Doce foi importante para isso, a
igreja católica, a CNBB adotou o ano da água recentemente, as entidades falam disso, nós
temos uma legislação de recursos hídricos no país, um sistema nacional de recursos
hídricos em fase de implementação, que pode mudar esse cenário. Então eu acho que isso
já é muito positivo. O que a gente precisa? A gente precisa de leis, boas leis, nós as
temos. De vontade política, e vontade política só nasce por pressão, não é uma coisa que
nasce de forma espontânea. Então isso exige acesso à informação e educação. Eu acho
que a gente está no caminho certo. Agora, a gente tem que conseguir com que o país de
imponha, não fique refém de regras, de organismos multinacionais, financiadores, que às
vezes a gente não busque grandes soluções para as coisas, e pense em pequenas ações
que podem reverter processos. Eu acho que a gente tem um caminho aí, mas é preciso
que isso seja colocado em co-responsabilidade entre os países desenvolvidos e os países
que estão em desenvolvimento. Quando a gente fala essas coisas parece que está meio
fora, distante da nossa realidade, distante do dia-a-dia, mas não está. Em São Paulo, por
exemplo, a gente precisa de alguns mecanismos que vão fazer com que a gente mude o
comportamento de fato. Um deles é a cobrança pelo uso da água. Quer dizer, quando você
cobra, você sobretaxa a degradação, de forma que a degradação fique inviável
economicamente, você induz novos comportamentos. Então fica mais importante se
comportar para uma ação social, investir em tecnologias para tratamento, para reuso de
água, para economia, para reflorestamento, do que para a degradação em qualquer preço,
como a gente veio praticando até agora. Então acho que esse é o caminho, e é um
caminho que o terceiro setor, as ONGs, tem trilhado aí há muito tempo e que se
capacitaram para isso. Eu acho que esse é um grande momento, é um momento
extremamente importante, é um momento de maturidade mesmo, de projetos, de
formação das pessoas. Que nem hoje, tem curso de gestão ambiental, tem direito
ambiental. Quando a gente começou, no começo dos anos 1980, não tinha, essas áreas
eram poucas pessoas que trabalhavam nessas áreas. Hoje não, hoje a maioria das pessoas
fala disso, a educação ambiental está na rua, está na mídia. Eu acho que a gente pode
ampliar muito isso, e esse é um papel das ONGs.
P/1 - E no que diz respeito aos recursos hídricos, que é uma das suas especialidades, você
acha que a legislação ambiental contempla o assunto de maneira eficaz?
R - A legislação sim. O que ainda não contempla, o que ainda é um desafio é a integração
de políticas. Por exemplo: qual é a relação da Mata Atlântica com os recursos hídricos? É
uma relação totalmente íntegra, você não tem a floresta sem a água e a água sem a
floresta. Agora, a gente não tem uma política integrada. Por mais que a lei diga que a
gestão ambiental deve ocorrer de forma integrada, descentralizada e participativa, você
tem pessoas que trabalham com biodiversidade, com floresta, com fauna, pessoas que
trabalham com água, com solo, com planejamento urbano. O que a gente precisa
conseguir fazer? Integrar esses setores. Então a partir do momento em que eu consiga
planejar conservação de manancial com um bom ordenamento de uso e ocupação do solo,
e com políticas econômicas de reflorestamento, de produção sustentável, eu vou conservar
a água. Se eu não integrar isso eu não vou conseguir avançar. E a gente ainda está refém
de política partidária, de política econômica que segrega essas áreas. Por exemplo: o
saneamento pertence a uma área, a preservação ambiental pertence a uma outra área,
são inclusive órgãos de ministérios diferentes. O Ministério das Cidades cuida da política de
saneamento, o Ministério de Meio Ambiente cuida da política de florestas e água. Isso
precisa ser integrado. Ao mesmo tempo a geração de energia, por exemplo, nossa matriz
energética está toda ligada à água, e é um ministério à parte. Então a gente precisa
integrar essas políticas públicas para que de fato a gente não cometa os mesmos erros
que já aconteceram.
P/1 - E, Malu, agora já entrando na questão da SOS. Quando e como se deu sua entrada?
R - Então, foi a partir da campanha pela despoluição do Tietê, em 1991. Eu peguei o
abaixo-assinado, ajudei a multiplicar no interior, me engajei na mídia por esta causa. E em
1992 eu fui à Eco 92 como jornalista e lá encontrei várias pessoas que estavam envolvidas
no Núcleo União Pró-Tietê, que tinham ido para lá para tentar conseguir o financiamento
para a despoluição do Tietê. E aí em 1993 nós começamos a participar, eu comecei a
participar em Itu, eu ia nos finais de semana para Itu, de um grupo de monitoramento do
Tietê. Era um projeto de educação ambiental que se chamava “Observando o Tietê”, que
foi desenvolvido pelo Professor Samuel Gurgel Branco, um educador que na época
desenvolveu uma metodologia onde o olhar das pessoas servia de monitoramento para a
poluição. E tinha uma malinha, um kit de análise de água, uma mala preta que nós
recebemos. Eram uns 70 grupos, 70 e poucos grupos, eu fui fazer parte de um deles. E ali
conheci várias pessoas que hoje são colegas de trabalho, algumas estão na SOS, outras
são parceiras da SOS. E que uma vez por mês iam à beira do rio, coletavam á água,
faziam a análise e mandavam para o Núcleo União Pró-Tietê na SOS Mata Atlântica. Foi
assim que eu comecei a trabalhar mesmo na SOS.
P/1 - Em 1993?
R - Em 1993, nesse projeto “Observando o Tietê”. A partir do monitoramento do Tietê, o
lugar onde eu fazia o monitoramento era uma estrada antiga, a Rodovia Washington Luiz,
uma estrada que margeia o rio e que foi construída na década de 1920 por Washington
Luiz. Essa estrada, ela zigzagueia o Tietê, ela margeia o Tietê e nas suas bordas está à
Mata Atlântica, nesse canyon. Então a gente ia lá, tinha uma favela, uma casa da década
de 1920 que pertenceu ao DER, em ruínas, e eu propus para o Mário Mantovani uma
parceria com a SOS. Eu falei: “Olha, eu sou o grupo de Itu, a gente quer restaurar essa
estrada, transformar essas estrada numa estrada-parque.” Ninguém sabia o que era isso
na época, nem eu, mas tinha eu e mais alguns museólogos amigos na época, o Geraldo
Garcia, hoje é prefeito de Salto, foi o político mais votado da história daquela cidade, que
fica na beira do Tietê; e o Júlio Abe, que é um museólogo que trabalhava com essa coisa
de museu de percurso, de margem, que faz as pessoas se envolverem. E nós fizemos um
estudo dessa área e falamos: “Aqui a gente pode criar uma unidade de conservação nova,
que seria uma estrada-parque dentro de uma área de proteção ambiental, que preservasse
esses remanescentes de Mata Atlântica, nascentes que abastecem a cidade de Itu e os
patrimônios históricos, incluindo a estrada e as casas, as fazendas do café.” E aí a SOS
topou essa idéia e falou: “Não, essa é uma boa idéia.” Doutor Paulo Nogueira Neto deu
uma grande força para conceituar o que seria uma estrada-parque no Brasil. Nessa esta se
discutindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC, mas essa categoria
não entrou, ainda era muito nova. E aí eu passei a mobilizar pessoas em Itu, eu e um
grupo de outras pessoas que trabalham comigo, o Marcelo Naufal, o Geraldo, o Júlio Abe, e
nós conseguimos 600 e poucos sócios para a SOS Mata Atlântica. Com esse recurso a
gente restaurou uma casa, que era esse imóvel da década de 1920. Lá existiam umas
famílias, era uma favela, nós reintegramos essas pessoas à sociedade, as remanejamos de
lá, restauramos e implantamos a estrada-parque. E aí com essa sede eu passei a ser a
coordenadora,
desse
projeto
da
estrada-parque,
que
reuniu
vários
empresários,
proprietários de fazendas, pessoas como Seu Marcos Steiner, que era o cara que tinha o
Bar do Alemão, que era famoso, todo mundo conhecia. Então, alguns ícones que ajudaram
a mobilizar pessoas. Cineastas como Anselmo Duarte, que fez vários filmes lá. Fiz toda
uma pesquisa, foram feitos 60 filmes da história do cinema brasileiro, aquele período do
cinema de cangaço, naquela área, que era muito perto de São Paulo, tinha um cenário
muito interessante e era muito fácil ter coadjuvantes, atores, enfim, e as produções
ficavam baratas. E tudo isso fez com que a SOS falasse: “Não, então vamos fazer uma
parceria pioneira e vamos montar uma seda da SOS em Itu, na estrada-parque na beira do
Tietê.” Essa sede possibilitou com que a gente pudesse trabalhar no Comitê de Bacias, de
Sorocaba era o Tietê, eu fui eleita vice-presidente. E aí a gente passou a planejar uma
série de outros projetos, de captar recursos e apoios, e estou lá até hoje.
P/1 - Até hoje?
R - É. (RISO) (PAUSA)
P/1 - Agora, focando um pouquinho mais na questão da água, eu queria que você
explicasse para a gente o que é o Núcleo União Pró-Tietê e desde quando ele existe.
R - Na verdade a SOS Mata Atlântica tem várias áreas de atuação, várias prioridades, e a
gestão de recursos hídricos, lógico, pela importância para a vida das pessoas e para a
Mata Atlântica, é uma das missões institucionais da Fundação. Para trabalhar com isso,
numa primeira experiência, a SOS, graças à parceria com a Rádio Eldorado, com a
campanha pela despoluição do Tietê, instituiu o Núcleo União Pró-Tietê, que era na época
um centro de referência da campanha pela despoluição. E dessa capacidade de
mobilização e de adesão, engajamento de pessoas que a SOS Mata Atlântica tem, que eu
acho que é uma característica única da SOS, essa coisa de mobilizar, estimular as pessoas,
de uma forma divertida, legal. Quer dizer, esse é o papel do núcleo, fazer com que um
tema complexo como a defesa da qualidade da água e a manutenção da qualidade da água
e da floresta sejam feitas de formas agradáveis, mobilizadoras, articuladoras. E a partir da
campanha, como é que a gente ia conseguir manter um milhão e duzentas mil pessoas
informadas, mobilizadas e conscientes da causa que é a despoluição do Tietê? Um projeto
que deverá levar aí um século, para reverter, para ter de fato uma gestão. Se for
comparado com o processo do Tâmisa e de outros grandes rios, a média de tempo é essa.
A gente até pensa de uma forma mais otimista, 40, 50 anos a gente consiga melhorar a
coisa.
P/1 - Mas não menos que isso?
R - Não menos que isso. Em curto espaço de tempo não. Quando o Núcleo União Pró-Tietê
começou a trabalhar, teve a campanha de mobilização. Então é muito fácil a visão das
pessoas, as pessoas de mobilizavam, tinha os artistas, tinha a mídia, a causa em si, todo
mundo queria, era uma coisa que estava, era a vontade de todos os paulistas tirar essa
mancha da nossa vida, da nossa história, reverter essa cara que todo mundo fala: “Ah, o
Rio Tietê, que horror!” Um exemplo de um rio degradado.
P/1 - O que não deve ser feito.
R - O que não deve ser feito. A gente queria mudar isso. Um exemplo de como a sociedade
pode reverter essas coisas, que não foram nossas, nós herdamos, não foi nossa culpa, não
é culpa do cidadão, mas também o cidadão deixou de clamar por isso. Então como
reverter isso? Aí o Núcleo União Pró-Tietê passou a desenvolver projetos. E observando o
Tietê, esse programa de monitorar a qualidade da água, de dar espaço para que as
pessoas contem a sua relação com o rio, que façam outro sub-projeto de reflorestamento
de mata ciliar, de educação ambiental, de cultura, de turismo passou a ser missão do
núcleo. O grande programa é o monitoramento da qualidade da água. Esse projeto
“Observando o Tietê” também é uma coisa pioneira, porque é difícil você ter uma ONG que
consegue fazer um projeto de educação ambiental por mais de 10 anos. E quando a gente
fala de educação ambiental, de educação não-formal, você tem que pensar em programas
de duração continuada, não dá para fazer educação ambiental um ano, dois anos e depois
parar. Como as ONGs dependem de recurso, esse projeto, graças ao Professor Samuel
Gurgel Branco, a outras pessoas que trabalharam nessa metodologia, ele é de certa forma
barato e ele consegue se auto-manter, ele tem como ter sustentabilidade e isso é
essencial para uma ONG. Então o Núcleo União Pró-Tietê tem essa característica de
mobilizar, integras as pessoas, articular as pessoas, fazer as pessoas trabalharem de
forma integrada. E aí quando a gente passou a ter o advento da internet nós
transformamos todas essas pessoas, que eram grupos ao longo do rio, em monitores
ambientais que passaram a se integrar em rede eletrônica. Aí o núcleo lançou para uma
discussão mais ampliada com a sociedade civil, com as outras ONGs que estavam ligadas à
água, às correntezas e bacias, à Rede das Águas, que é um programa de informação e
integração voltado a informar e fortalecer a participação da sociedade civil na gestão da
água. Hoje então a SOS tem dentro do seu programa de água, para trabalhar com água, a
Rede das Água, que é essa rede de várias ONGs, de observadores de água, de monitores,
de grupos e de fóruns, e o Programa “Observando o Tietê”. O Núcleo União Pró-Tietê, ela
está muito ligado ao acompanhamento do projeto de despoluição. Quer dizer, é uma coisa
específica que acontece em São Paulo, na região metropolitana de São Paulo e no médio
Tietê, ou seja, ao longo do rio, que é um rio que corta o Estado de leste a oeste, aí nos
seus 1100 quilômetros. Mas essa metodologia vem sendo aplicas em outros grandes rios,
então o projeto acabou ficando maior do que o núcleo, programa de educação ambiental
acabou servindo como multiplicador em outras bacias.
P/1 - Cita alguns exemplos para a gente.
R - O rio Ribeira de Iguape, o rio Sorocaba. Agora a gente está levando essa experiência
para Minas, no rio Doce e nas cabeceiras do São Francisco. Então a metodologia pode ser
aplicada em qualquer rio brasileiro, em qualquer região hidrográfica. E ela é uma
ferramenta de mobilização e de capacitação para a gestão da água, gestão pública da
água.
P/1 - E no sentido do governo, o que realmente foi feito pelo Tietê desde a assinatura do
abaixo-assinado?
R - Primeiro foi contratado o projeto de despoluição, um projeto que está a cargo da
Sabesp, então um projeto executado pelo governo do Estado, com o financiamento do
BID, o Banco Interamericano de Desenvolvimento. A primeira fase do projeto, que
começou em 1992, no governo Fleury, foi uma fase das grandes obras, foram construídas
cinco grandes estações de tratamento de esgoto, só que não tinham as redes de esgoto.
Ou seja, construíram-se as estações, mas o esgoto não chegava lá, ele continuava indo
para os rios. Ele ainda continua indo para os rios. Agora a gente está numa segunda etapa
desse projeto, que é uma das etapas mais difíceis, que é ligar o esgoto das casas das
pessoas às redes coletoras, para que esse esgoto chegue às estações de tratamento. Na
primeira fase também foram envolvidas as indústrias. A gente tinha mais de mil indústrias
poluidoras, cargas industriais que chegavam aos rios e por conseqüência ao Tietê, na
região metropolitana de São Paulo. A Cetesb participou muito dessa etapa, e a iniciativa
privada. E hoje são poucas as indústrias que poluem o rio, menos de 70 indústrias. Então
foi uma redução de carga industrial muito grande. O grande desafio hoje é a poluição dos
esgotos domésticos e a poluição difusa, que é o lixo que a gente joga por aí, é a fuligem
de carro, as casas que não são assistidas pelo saneamento, moradias irregulares, favelas,
ocupações realmente irregulares cujos dejetos vão para os rios. Essa carga difusa o
Projeto Tietê não consegue absorver, então isso precisa da mobilização da sociedade. E o
governo de São Paulo tem feito o quê? Tem mantido o projeto, tem conseguido manter
esse financiamento com recursos do BID, a 50% Sabesp e 50% BID. Essa etapa atual, ela
é uma etapa de 400 milhões de dólares. E a sociedade civil hoje é parte oficial, participa
de forma efetiva do projeto. A SOS Mata Atlântica tem um contrato com a Sabesp e BID
para o componente de educação ambiental do projeto de despoluição do Tietê, que é o
Núcleo União Pró-Tietê que faz. Através desse contrato a gente tem 300 grupos de
comunidades, escolas e pessoas que monitoram a qualidade da água do rio, como eu
comecei, e que monitoram o Projeto Tietê. Quer dizer, o projeto está andando bem, o
governo de São Paulo está gastando o dinheiro direitinho, está cumprindo o cronograma
de obras, está licitando, está fazendo a lição de casa? E como é que o governo faz para
vencer desafios, por exemplo, de municípios que não são operados pela Sabesp, mas que
geram grandes cargas de esgoto, como, por exemplo, Guarulhos e algumas cidades do
ABC. E esse é o papel da sociedade civil hoje, o papel do núcleo hoje é de integrar os
diversos atores que poluem a bacia do Tietê no projeto de despoluição.
P/1 - E quais são as atividades principais da SOS hoje, ligadas à questão da água e da
despoluição?
R - Bem, em primeiro lugar é na área de políticas públicas, então é participar do Conselho
Nacional de Recursos Hídricos, em Brasília, formulando políticas públicas de gestão de
água; depois atuar junto à Rede Brasil de Organismos Multilaterais, quer dizer, junto aos
bancos Mundial, BID, ao BIC Bank, aos bancos internacionais que financiam obras de
saneamento, para que a gestão por bacia hidrográfica seja um componente desses
projetos, que a participação da sociedade civil seja um componente também. Quer dizer,
que não interesse para os bancos só a capacidade financeira, mas um bom estudo de um
impacto ambiental, uma avaliação estratégica e a participação da sociedade. Então nessa
área de política pública a SOS é muito atuante na área de recursos hídricos, a gente
participa do Fórum Nacional dos Comitês de Bacia, que reúne todos os comitês de bacia
brasileiros. Nós temos um colegiado coordenador desse fórum. E no Estado de São Paulo
nós participamos do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e dos Comitês de Bacia onde
a SOS tem sedes. No Alto Tietê, que é a região metropolitana de São Paulo; no Vale do
Ribeira, no Pólo do Lagamar tem um comitê do Rio Ribeira; e no Médio Tietê, em virtude
da sede da estrada-parque de Itu. Dessa forma a gente trabalha com as políticas públicas.
Com educação ambiental, através desse programa “Observando Nossas Águas”, da Rede
das Águas, que são esses sites de integração e informação eletrônica; e de projetos que a
gente está integrando o monitoramento do Atlas da Mata Atlântica com o monitoramento
da qualidade das águas. Quer dizer, então comparando, você tem conservação da Mata
Atlântica, da mata ciliar, você tem uma melhor qualidade de água e vice-versa. E isso
serve
como
estimulador
de
novas
políticas
públicas.
Também
programas
de
reflorestamento e recomposição dessas matas ciliares, pensando na manutenção de
recursos hídricos. Então são vários projetos e ações regionais que se integram numa ação
de política pública.
P/1 - E qual é sua função hoje na SOS Mata Atlântica?
R - Hoje eu coordeno esses projetos na área de recursos hídricos, principalmente a Rede
das Águas e o Núcleo União Pró-Tietê, nesse programa financiado entre BID e Sabesp. E
planejo novas ações na área integrando a conservação da Mata Atlântica e da água.
P/1 - Quais são os principais problemas que você enfrenta na sua função, as dificuldades,
digamos assim?
R - Eu acho que a falta de continuidade política. O Brasil, embora a gente tenha hoje a
figura da reeleição, o país ainda funciona... Antes era de quatro em quatro anos, hoje é de
oito em oito anos. Então, por exemplo, a principal dificuldade para que o maior programa
que eu coordeno que é o Despoluição do Tietê, se mantenha é a vontade política, é a
continuidade do projeto nas mudanças, na sucessão político-partidária do governo
paulista. E também a captação de recursos para coordenar esses projetos. Para que esses
projetos existam, que eles se perpetuem, você precisa captar recursos. Então eu acho que
essas...
P/1 - São os principais?
R - São os principais. Porque a sociedade responde, as pessoas de uma forma geral, elas
estão interessadas, elas querem participar dos programas. Isso não é mais uma
dificuldade, eu acho que a maior dificuldade é a nossa fragilidade institucional e política.
P/1 - Na sua opinião, o nível de conscientização ambiental da população, de um modo
geral, ele cresceu nos últimos anos?
R - Cresceu muito. Mas as pessoas ainda não sabem como elas podem, em atitudes
individuais, colaborar com a conservação ambiental. Isso é uma coisa que as pessoas
querem saber, como elas fazem no seu dia-a-dia para ajudar a conservação ambiental,
para que aquilo não fique uma coisa só de algumas pessoas que vão fazer ecoturismo, por
exemplo, ou de turismo de aventura, que seja uma coisa do dia-a-dia. Por exemplo, não
desperdiçar água na sua casa ou ter o seu esgoto coletado por uma rede de esgoto; exigir
saneamento; reciclar materiais que antes se jogava fora se considerava lixo; reduzir,
evitar o consumo insustentável. São coisas que as pessoas estão querendo aprender. Eu
acho que as pessoas já estão muito informadas, elas estão interessadas. Mas na área de
saneamento eu ainda vejo uma grande dificuldade. As pessoas ainda acham que abrem a
torneira e dão a descarga, nisso a missão está cumprida, elas não se preocupam para
onde vão os seus dejetos e nem de onde vem a água que elas usam. E esse ainda é um
grande desafio, é fazer com que o saneamento seja uma prioridade, assim como a geração
de emprego e renda e a violência. O meio ambiente ainda não é prioridade da sociedade
brasileira. Meio ambiente não elege um político, meio ambiente não muda comportamento
e é o último requisito quando você vai obter um financiamento para qualquer coisa, desde
a compra de um carro até a construção de uma casa. Então eu acho que isso precisa
mudar, e esse é o grande desafio nosso hoje.
P/1 - E quais são as perspectivas, na sua opinião, com relação à Mata Atlântica, a médio e
longo prazo?
R - Olha, eu acho que a gente tem uma perspectiva positiva. Hoje a sociedade sabe da
importância da mata atlântica, o cidadão sabe. Por outro lado, a gente tem como grande
vilão aí a especulação imobiliária. E um Congresso é refém desses lobbies de especulação
imobiliária. Se a gente não implementar logo a Lei da Mata Atlântica, não mudar esses
comportamentos invertendo a ordem de prioridade, onde o dinheiro vem em primeiro
plano e a qualidade vem depois, encurtando a distância entre os muito ricos e os muito
pobres, nós não vamos conseguir inverter a degradação e o cenário vai ser péssimo. Eu
sou uma pessoa bastante otimista até, porque eu acho que a gente tem que acreditar no
que faz. Eu acho que a gente consegue manter a sociedade mobilizada em torno de mudar
esse cenário, e que o Brasil tem a faca e o queijo na mão para reverter isso agora. Só que
se não começar a reverter isso agora, daqui a dez anos a gente não vai mais ter a Mata
Atlântica. Então eu acho que nunca o presente, as nossas atitudes foram tão sérias como
hoje. Não dá mais para ser irresponsável. Hoje as pessoas têm que ser responsáveis, se
elas não forem não vamos deixar a situação pior do que a gente herdou, para as futuras
gerações. É uma coisa que não dá mais para tapar o sol com a peneira.
P/1 - Nem para prorrogar?
R - Nem para prorrogar.
P/1 - Exatamente isso que eu queria te perguntar. Na sua opinião, quais são os principais
problemas reais e graves que a Mata Atlântica passa hoje em dia?
R - Então, eu acho que é a especulação imobiliária, é o principal vilão da mata atlântica.
Hoje as pessoas não estão mais degradando a mata para fazer móvel nem para fazer
lenha, é por moradia, quer seja de altíssimo padrão ou de baixíssimo padrão. Você veja o
entorno da Billings e da Guarapiranga, por exemplo, com as moradias irregulares, mais de
um milhão de pessoas morando de forma irregular em área de manancial, área que
deveria ser conservada, de Mata Atlântica. Ou o Litoral Norte de São Paulo. Te dando dois
extremos. Casas de altíssimo padrão, também na Mata Atlântica. Então esse é o nosso
principal desafio: como conciliar qualidade de vida, ordenamento territorial com a
conservação. Se a gente não mudar isso nós vamos ter as pessoas reféns de um modelo
de crescimento urbano absurdo. E a Mata Atlântica é uma floresta diferente da Amazônia,
é diferente também de outros biomas brasileiros. Ela é uma floresta que está onde a gente
mora, onde estão os grandes centros, então a gente vai ter que segurar crescimento
urbano em áreas que são vitais. Ou a gente faz isso agora ou a gente não vai ter mais nem
água e nem floresta.
P/1 - Simples.
R - Simples.
P/1 - Muito simples. Malu, qual campanha da SOS mais te marcou?
R - Ah, da despoluição do Tietê.
P/1 - Da despoluição.
R - É histórica. Se você conseguir fazer com que um milhão de pessoas se reunam em
torno de uma causa, de uma forma muito divertida, que começou com um jacaré que
apareceu no rio e virou uma campanha nas ondas da rádio e que as pessoas curtiram
muito, curtem até hoje. Eu acho que é uma coisa inédita. Marcou muito. A campanha pela
floresta, pela mata, as outras campanhas, elas têm as suas particularidades, mas essa,
sobretudo, foi uma coisa de movimento, de barulho, de energia mesmo, muito especial.
P/1 - Mobilizar um milhão e duzentas mil pessoas.
R - Não é uma coisa fácil. Eu acho que hoje, com tudo que se tem de recurso de
comunicação, de mídia, de recurso financeiro, a gente não tem uma outra causa que
mobilizasse num tempo tão curto tanta gente. Você não consegue mobilizar. Por exemplo,
a campanha pela Paz, pelo desarmamento. Todo mundo quer isso, mas parece que as
pessoas estão meio adormecidas. Então essa foi uma campanha muito especial, porque ela
soube acordar as pessoas na hora certa.
P/1 - E elas responderam à altura.
R - Elas responderam.
P/1 - E algum projeto ou programa que tenha te marcado também, da SOS?
R - Eu acho que a gestão das Unidades de Conservação. São vários programas, na
verdade, da SOS, mas a forma da SOS trabalhar, por exemplo, com a estrada-parque de
Itu e com a estrada-parque do Guarujá, da Serra do Guararu, onde você tem comunidades
tradicionais, comunidades muito simples e grandes empresários, pessoas que moram em
condomínios de altíssimo padrão, unidas pela mesma causa. Isto me marcou muito. Teve
uma ação que nós fizemos no Natal com a comunidade da Prainha Branca e a comunidade
do Bairro Cachoeira, que são comunidades tradicionais e carentes lá da região, com essas
pessoas aliás,
elas nem viam, porque iam em restaurante de helicóptero ou de iate,
participando de um Natal comunitário. Isso é uma coisa muito interessante. Quer dizer, a
conservação hoje mudou tanto, na nossa forma de ver que você consegue integrar numa
mesma causa extremos que eram tão divergentes. E isso me marcou muito. E eu acho que
também um modelo replicável. O que a SOS tem de especial é isso, é a capacidade de
reunir pessoas para fazer coisas novas, que são desafios e que podem ser feitos por
qualquer pessoa. Eu acho que essa é a fórmula da SOS, é uma fórmula muito especial, é
uma entidade que não é de ninguém e ao mesmo tempo é de todo mundo. E na verdade
isso marca, todo mundo gosta da SOS Mata Atlântica.
P/1 - E na sua opinião, existe algum ponto dentro da SOS, ou alguns pontos, que
necessitem de reformulação?
R - Há sim. Eu acho que na vida da gente é assim, você não pode parar no tempo, você
não pode parar nas coisas. Então daqui para frente a forma de trabalhar com os projetos,
com os programas, a forma de agregar as pessoas, isso tem que mudar. Então a SOS, ela
tem que estar sempre captando pessoas, ela tem que estar sempre se modernizando para
poder fazer programas que respondam às necessidades da sociedade. E daqui para frente
os cenários são outros. Eu já falei dessa questão das parcerias. Quer dizer, a capacidade
de estar sempre constituindo novas parcerias; de estar mantendo filiados, adeptos a
causas; de estar incorporando novas causas; a questão urbana, dentro da nossa área; a
própria questão da comunicação, as novas tecnologias. Então isso vai exigir das futuras
ações da SOS a adesão de novas áreas do conhecimento, de novas áreas do mercado.
Talvez de pessoas não tão apaixonadas, mas de pessoas mais tecnicamente habilitadas
para estarem atuando nas áreas onde a gente atuou até agora. Eu acho que a busca por
tecnologia, por pesquisa, por modelos que possam ser referência, talvez venha a ser um
novo rumo da SOS.
P/1 - E como você enxerga a Fundação hoje?
R - Hoje eu acho que é a maior ou uma das maiores entidades brasileiras, ambientalista,
mas que está aí buscando a sua maturidade. Como formar novas lideranças, novas
entidades, como se manter nessa atuação? Isso a SOS, num grande processo de
amadurecimento.
P/1 - E como você a enxerga daqui a 10 anos?
R - Acho que muito mais descentralizada, atuando em várias regiões dos 17 Estados onde
a Mata Atlântica - espero - ainda exista, em programas com grande capacidade de
mobilização local. Não grandes mobilizações nacionais, mas uma entidade ligada a uma
causa nacional, mas com atuação muito diferenciada e específica por regiões. Eu vejo a
SOS assim. Eu vejo a SOS, as pessoas se apropriando da SOS, ela deixando de ser uma
entidade e sendo uma causa das pessoas.
P/1 - Malu, para finalizar.
R - Ufa! (RISO)
P/1 - Eu queria te perguntar o que a Fundação SOS Mata Atlântica significa para você?
R - Uma grande oportunidade de realizar, de unir pessoas, de conhecer pessoas, de
aprender, e de realizar sonhos. Eu acho que foi, assim - foi e é, né? -, uma oportunidade
fantástica de ter realizado sonhos. Que se a SOS não existisse, talvez esse um milhão de
pessoas não tivessem acreditado que é possível. Eu acho que a SOS representa isso,
representa uma união de esforços de pessoas de várias áreas, de compromissos
diferentes, de formações sócio-econômicas diferentes, realidades diferentes, mas que
conseguem falar a mesma língua e não tem limites de idade, de cor, de credo, e isso é
uma coisa extremamente especial. Eu vejo a SOS assim.
P/1 - Existe alguma coisa que não foi falada ou perguntada que você gostaria de deixar
registrado também, ou não?
R - Que quando a gente fala da SOS parece que a gente está falando de uma grande
instituição, e na verdade ela é uma entidade composta de grandes pessoas. Acho que isso
que é legal, porque quem vai à SOS e vê a sede, a estrutura da Fundação, fala: “Nossa,
mas como é que a SOS consegue fazer tanta coisa, propor tanta coisa, mexer com tanta
coisa?” É porque ela é uma instituição feita de mais de 100 mil pessoas, que não tem uma
cara. Eu acho que isso, eu nem sei como a gente expressa muito, mas é o grande
diferencial. Não é uma fundação, uma instituição ali fechada em si, que tenha grandes
corpos técnicos ou uma conta etc. e tal. Mas é essa sinergia. Eu acho que é isso, vocês
conseguiram passar tudo.
P/1 - Malu, muito obrigado pelo seu depoimento
R - Caramba! (RISO)
P/1 - E daqui a 18 anos a gente conversa de novo.
R - Espero que sim, né?
P/1 - Como você disse: “Para ver o que ainda tem.” Se Deus quiser vai ter aumentado.
Download

P/1 - Para começar, eu quero perguntar para você, seu nome