HORIZONTES Gracinda era o seu nome Texto Teresa Carvalho foto Ana Paula – Acudam! Acudam! … Mas era tarde. Os joelhos de Gracinda dobraram-se sem forças, e ela ficou sentada na terra avermelhada em frente da sua palhota. Lúcia, de quatro anos, e António, de seis, que há pouco gritavam de alegria na água do rio enquanto a mãe lavava a roupa, sentaram-se a seu lado no chão de terra batida. Ela chorou, chorou e desanimou. O celeiro de troncos, bambus e capim, onde Gracinda e Alberto guardavam o milho, a mapira, o feijão e a mandioca, estava completamente queimado. O trabalho duro da machamba e a segurança de ter, pelo menos, uma refeição por dia para a família, até às próximas colheitas do ano seguinte, estavam ali transformados em cinza. – “Ai, o celeiro! O nosso celeiro!” – soluçava e gemia. E as crianças acompanharam-na num choro contido. A notícia correu rápida pelas colinas da aldeia, algures na província da Zambézia, Moçambique. Os vizinhos acorreram. Ninguém vira o criminoso. – Coitada da Gracinda! – diziam uns. Que terá feito para alguém lhe incendiar o celeiro?! – comentavam outros. – Gostava de ajudar, mas sou pobre. Não posso deixar a minha família à fome – desculpava-se uma amiga. Os dias passaram. Gracinda não pediu nada a ninguém. Nem Alberto o fez ou algum dos seus sete filhos. Mas toda a aldeia viu. Sabiam. O que não sabiam é como se alimentariam. Mas o tempo e o esquecimento iam ajudar a acalmar as consciências. Era sábado e Benjamin veio visitar os pais. Residia num lar da vila para estudar. Haveria de ser professor. Quando passou junto da casa da Gracinda, viu estacas queimadas no local do celeiro. Apenas isso. Adivinhou o que acontecera. Aproximou-se e chamou: – Gracinda! Alberto! Alguém? Gracinda saiu da sombra da mangueira. Gostava deste rapaz que, estando já na 10ª classe, costumava falar com ela e com os vizinhos de assuntos interessantes que aprendera na escola e nos livros. Nunca se mostrou superior, mesmo sendo o mais instruído da aldeia. – Gracinda, que aconteceu? – Alguém pegou fogo ao celeiro. Não sabemos quem foi. – E vocês, como se alimentam? – Temos algumas canas-de-açúcar. – E os vizinhos? Já pediram ajuda? – Não peço ajuda. Todos viram. Se não ajudaram, não vou forçar! Benjamin não podia ficar parado. Pegou numa saca e foi a casa de dois amigos de sempre. Os três percorreram as palhotas da aldeia. Abriam as sacas e diziam que vinham buscar uma medida de milho, uma de feijão e outra de farinha de mandioca para a família da Gracinda. Quando o Sol se pôs na linha do horizonte, já os três rapazes dançavam e cantavam à volta das três sacas cheias de alimento que entregariam, daí a pouco, à família de Gracinda, que, à volta de uma fogueira, não esperava panela no lume ou cheiro a xima. Os três amigos aproximaram-se. Gracinda chorou, de felicidade. Hoje, os filhos comeriam xima. Mas não só. Aquelas sacas tiraram-lhe das costas o peso da solidão, do abandono, da indiferença de toda a aldeia, até dos seus amigos. Deu palmas e rezou agradecida. Nessa noite, toda a aldeia dormiu mais sorridente. Alguém vestira o fato de anjo e ensinara a alegria da partilha. Obrigada, Benjamin! Obrigada, José! Obrigada, Marco! Gracinda chorou, de felicidade. Hoje os filhos comeriam xima NOVEMBRO 2009 FÁTIMA MISSIONÁRIA 0