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A FANTASIA DO REAL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: COMPREENDENDO A CRIANÇA E A LINGUAGEM IMAGINATIVA Tony Aparecido Moreira, José Milton de Lima, Márcia Regina Canhoto de Lima FCT/UNESP – Departamento de Educação ‐ Campus de Presidente Prudente – SP. Agência financiadora: PPGE/CAPES. E‐mail: [email protected] RESUMO A presente investigação, vinculada ao Programa de Pós‐Graduação em Educação da FCT/UNESP de Presidente Prudente, parte do pressuposto de que a fantasia do real não é, ainda, compreendida e valorizada no contexto da Educação Infantil. O estudo surgiu a partir dos resultados de um projeto de extensão, desenvolvido em instituições educacionais. A fantasia do real representa um dos eixos das culturas da infância, um meio particular de compreensão e inserção da criança no mundo social e cultural. O objetivo desta pesquisa consiste em compreender melhor a fantasia da criança e encontrar caminhos para seu desenvolvimento no contexto escolar. A investigação é de natureza qualitativa e se apóia no método da investigação‐ação, que tem natureza empírica voltada a transformação da realidade. O referencial teórico contempla, particularmente autores da Sociologia da Infância. Entre os resultados, destacamos repercussões na prática educativa, na diminuição da evasão e nas expressões imaginativas e criativas das crianças. Palavras‐chave: Fantasia do Real; Criança; Educação Infantil; Culturas da Infância; Sociologia da Infância. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS A compreensão de mundo para a criança ocorre por meio de linguagens particulares que tornam o universo menos complexo e mais próximo de seus olhos e de suas mãos. O que nesta pesquisa chamamos de fantasia, foi denominado como um dos eixos das Culturas da Infância por Sarmento (2004) representa muito mais do que um instrumento de expressão consiste em um condicionante de desenvolvimento, eixo indispensável à vida da criança e conteúdo primordial da Educação Infantil, com presença defendida pelos documentos oficiais que regem essa modalidade educacional no país. O brincar de fantasiar ou imaginar desempenha um importante papel na vida das crianças, como um caminho que as conduz para realidades distantes e diversas. A experiência a ser proposta consiste na exploração do imaginário, no desenvolvimento de atividades que possibilitem que a criança supere limitações de seus contextos pelo viés lúdico e simbólico. Entre as crianças que brincam com uma Barbie, ou que chutam um crânio humano, ou que empurram uma Kalashnikov de plástico, ou que jogam berlinde, ou lançam o peão, ou brincam às casinhas, ou se divertem na consola ou no écran do computador há todo um mundo de diferenças: de condição de social, de contexto, de valores, de referências simbólicas, de expectativas e possibilidades. Mas há Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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também um elemento comum: a experiência das situações mais extremas através do jogo e da construção imaginária de contextos de vida (SARMENTO, 2006, p. 02). A capacidade simbólica representa a possibilidade de relacionar as imagens e seus sentidos. Esse fator é primordial para que a criança consiga representar o que vê e atribuir significados, alcançando assim ferramentas para aprendizagens mais complexas por meio de encontros com diversos elementos da cultura. A atuação do adulto é indispensável neste processo, segundo Agostinho (2010), seu papel consiste em questionar as verdades absolutas, abrindo‐se para refletir e entender a importância da experiência da fantasia na infância, como um caminho para descobertas mais prazerosas e significativas. A fantasia do real não é tão compreendida no meio educacional, tendo em vista outras preocupações vigentes. Entendemos que esse conhecimento é fundamental para qualificação das práticas educativas e representa um recurso para a superação das dificuldades que o educador possa encontrar. Partimos do pressuposto, que no interior das instituições de Educação Infantil ainda reside reprodução de técnicas, por exemplo: de letramento e cuidados, que não contemplam as devidas necessidades de desenvolvimento da criança, contrariando até mesmo as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2009). As realidades encontradas revelam um distanciamento entre os avanços conquistados pelas produções científicas e suportes legais oficiais que devem nortear a prática educativa nessa modalidade educacional. Segundo La Taille (2009), não há cultura do sentido sem educação para o sentido, as instituições escolares precisam estar em sintonia com a vida dos alunos. O autor defende a necessidade de despertar a curiosidade no sujeito, a partir da admiração, já que, o sentido não se impõe, mas é despertado. A fantasia representa um meio de sentido para a criança, a Educação Infantil deve assumir essa linguagem como recurso indispensável e garantir que os momentos vividos sejam repletos de descobertas e protagonismos. A trajetória da fantasia depende também de uma boa narrativa, que possa situar a criança no contexto a ser explorado. Ghirardello (2005), no campo da Comunicação Social, destaca a responsabilidade pela saúde imaginativa e levanta a questão sobre a qualidade das narrativas oferecidas às crianças. Uma narrativa de qualidade é aquela que oferece metáforas ou continentes para as experiências das crianças. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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Uma das grandes preocupações desta pesquisa é para com a qualidade das experiências que são proporcionadas à criança, visto que, ainda, há um espaço vago e pouca orientação pedagógica no que se refere à temática. Nesse sentido, almejamos contribuir com o contexto, tendo em vista a apresentação de indicativos resultantes da estreita relação entre teoria e prática para contemplar a fantasia das crianças e superar as encruzilhadas que desafiam o trabalho pedagógico. Podemos considerar que a partir da escuta das vozes tão particulares das crianças, do enxergar de suas realidades tão diversas, na compreensão de seus mundos tão outros, encontraremos mais caminhos para a qualificação de nossas práticas e concepções. A partir das considerações apresentadas, destacamos como objetivos principais: 
Problematizar a compreensão da linguagem imaginativa da criança por parte das educadoras por meio de uma proposta de investiga‐ação, a fim de contribuir na qualificação do diálogo com as culturas da infância dentro desta instituição de Educação Infantil. 
Desenvolver uma proposta contextualizada de valorização das Culturas da Infância, tendo a fantasia do real como linguagem fundamental para experiências mais significativas e encontrando caminhos para a prática pedagógica. METODOLOGIA Esta pesquisa é de natureza qualitativa e utiliza da metodologia da Investigação‐ação para o alcance dos seus objetivos. Segundo Contreras‐Domingo (1994, p.14): [...] es uma forma de entender la práticta docente segun la cual intentamos mjorar‐la sistematicamente, buscando para ello entender mejor cuáles son los contextos y condicionantes de la misma. No es solo uma ayuda para resolver los problemas de la prática, es decir, para descubrir la natuleza problemática de la enseñanza y para, problematizándola, reorientar el sentido de la misma, así como nuestra valoración de lo que ésta debiera ser, a lo que deberia aspirar. A partir de estudos anteriores no contexto da Educação Infantil, enxergamos a necessidade de uma investigação mais profunda para ampliar os saberes sobre a fantasia da criança, entretanto, considerado o número reduzido de pesquisas sobre a temática, optamos em adotar um tipo de metodologia que permitisse a inserção na prática educativa e vivência da temática de maneira plena, buscando compreender as suas possibilidades dentro do contexto educacional. Encontramos no método da investigação‐ação a possibilidade de estreitar saberes produzidos no âmbito acadêmico junto à realidade escolar. Há significativas produções sobre as Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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Culturas da Infância e sobre a imaginação da criança, mas a prática educativa não acompanha esses avanços científicos. Tendo encontrado a problemática de que a fantasia da criança é pouco compreendida e valorizada na Educação Infantil, a proposta de ação apresentada foi o desenvolvimento de atividades da fantasia do real, para levantar indicativos sobre a importância dessas vivências e contribuir com a qualificação das práticas e rotinas, dentro de uma instituição de Educação Infantil do município de Presidente Prudente – SP. Um dos maiores contributos para o estudo foi o fato de que o interesse também partiu da própria comunidade escolar que firmou parceria com a universidade. As atividades são oferecidas por meio de intervenções que ocorrem semanalmente com duas turmas de crianças, Pré I e II, com idade entre 3 e 5 anos. A escolha das salas foi aleatória, sem que nenhuma criança fosse excluída, garantindo ainda, o direito de não participar. O estudo está dentro de uma investigação maior na instituição, aprovada pelo Comitê de Ética da FCT/UNESP sob o número 071/2009. As educadoras acompanham as intervenções, compromisso firmado previamente para possibilitar a problematização da prática, sob qual levantamos os aspectos de discordância em relação aos aportes teóricos, e geramos um espaço de discussão e reflexão sobre as práticas desenvolvidas e as concepções que as permeiam. O roteiro prático foi construído a partir do estudo das Culturas da Infância e em especial do eixo fantasia do real. A seqüência de momentos da intervenção foi sendo estabelecida no decorrer do processo, seguindo o percurso previsto pela base metodológica, de ação‐observação‐reflexão‐
nova ação. O primeiro momento vivenciado com as crianças consiste em um espaço de diálogo, tendo em vista a base teórica da Sociologia da Infância que prevê a escuta das vozes das crianças e o direito de participação. Sobretudo, a partir de questões simples sobre suas vidas, podemos mais bem compreender os contextos em que as crianças vivem, por meio de suas próprias explanações, além de identificar a presença da linguagem fantasiosa para expressar suas realidades. Depois do período de conversa, passamos a contar estórias, que representa um importante recurso para alicerçar a vivência da fantasia infantil. Após esse momento, acontece o brincar de fantasiar, período no qual as crianças vivenciam os contextos da narrativa de forma livre. O último momento consiste em uma conversa conclusiva, que além de representar mais uma oportunidade da criança exercer seu protagonismo, possibilita caminhos para as próximas intervenções pela própria opinião das crianças. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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Para a obtenção dos dados, são utilizadas diferentes formas, não há um padrão fixo de instrumento, assim como o método possui um caráter multiplicador de dimensões para enxergar o objeto, também entendido como deslocamento temático, da mesma maneira ocorre em relação ao plano de análise, com maior foco nas relações do que nas técnicas. Se a investigação‐acção, correctamente entendida e praticada, implica um deslocamento temático e um aprofundamento teórico na configuração dos objectos de estudo, por comparação com a pesquisa não interventora, também no plano metodológico implica novas exigências de rigor. A diferença não se situa tanto nas técnicas de recolha de informação, que são as mesmas de qualquer pesquisa em ciências sociais – dos inquéritos por questionário, observação directa, passando pelos variados tipos de entrevista, pela análise documental e outras – mas antes nas formas que aqui se assumem e nos modos como são tratadas as relações sociais de observação. (BENAVENTE et al, 1990, p. 09). Soares (2006, p. 37), considera a própria vivência da fantasia como uma ferramenta metodológica, ressaltando sua eficácia em retratar a complexidade de emoções e vivências: Com os cuidados éticos adotados, a observação de situações de faz‐
de‐conta, bem como a realização de pequenas dramatizações à volta de um determinado tema, propostas interessantes, extremamente comuns em crianças mais pequenas, permitem recriar as suas representações acerca dos mundos, dos sentimentos, das acções que os trespassam e que acabam por retratar com evidente particularidade a complexidade de emoções e vivências, que seria impossível resgatar com métodos tradicionais. Os dados são recolhidos por meio das interações com os sujeitos envolvidos, crianças e educadoras, buscamos a partir das falas e expressões, identificar as possíveis transformações, em especial, a evolução das concepções e práticas pedagógicas das educadoras e da capacidade simbólica e criativa das crianças. O método investigação‐ação, segundo Benavente (1990, p.11), tem em seu centro os processos de inovação e transformação dinamizados por uma intervenção reflexiva, “cientificamente informada e produtiva, geradora de conhecimentos teóricos e operatórios [...]”, está respondendo muito bem aos anseios que sustentamos, em especial, pelo fato de que a fantasia não é uma linguagem com presença garantida no contexto da Educação Infantil, sendo, muitas vezes, nem considerada como uma atividade humana digna de preocupação. Enxergamos a responsabilidade de não apenas relatarmos tal realidade, mas, munidos de conhecimentos Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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científicos contribuir de alguma forma para a produção de indicativos que possam colaborar com o concepção e emprego da fantasia do real no contexto educacional. RESULTADOS Por meio processo de ação‐observação‐reflexão‐nova ação, identificamos que no decorrer das intervenções, as experiências geradas influenciaram tanto a vida das crianças como das educadoras. Dentre os resultados levantados, podemos destacar: 
Avanço gradativo da participação das crianças durante as intervenções e maior participação nas aulas comuns; 
Evolução da criatividade, com apresentação de maior número de elementos em atividades discursivas, artísticas e expressivas; 
Diminuição de faltas e evasão de crianças; 
Envolvimento dos pais com as atividades e maior participação deles durante as brincadeiras de seus filhos; 
Qualificação de um método básico para trabalhar a fantasia do real; 
Evolução da capacidade imaginativa das crianças. Esses dados foram sendo colhidos no decorrer de todo processo, com enriquecimento gradativo acompanhado e confirmado também pelas educadoras, pais e outros atores da comunidade escolar. Almejamos, até o término desta investigação contribuir ainda mais com a qualificação das relações em torno da fantasia da criança, tendo em vista, auxiliar no conhecimento da temática dentro do âmbito escolar e acadêmico. DISCUSSÃO As atividades desenvolvidas estão gradualmente influenciando as relações no contexto. As intervenções costumam ser iniciadas em sala, após seguimos para espaços externos, onde buscamos motivar a vivência da fantasia desde o primeiro momento. Podemos simplesmente sair da sala e ir a quadra, mas, se tratando de infância, preferimos “deixar o castelo e ir a floresta como quem procura encontrar o tesouro que se perdeu sem temer os monstros e as feras” (MOREIRA, 2012). As crianças são concebidas como protagonistas do estudo, visto que, todo o avanço gerado em relação às práticas e concepções das educadoras está diretamente ligado ao grau de Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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participação e aceitação das crianças. É por meio de suas próprias expressões que se torna visível a importância da linguagem imaginativa no meio escolar e a necessidade da qualificação das práticas em torno desse eixo das Culturas da Infância. CONCLUSÃO Quanto mais próximos nos colocamos da criança, mais convencidos ficamos de que conhecemos pouco sobre a infância, e que mesmo munidos de corretos discursos, as propostas de encontro completam os que os livros deixam de revelar. Se entendemos a infância como uma construção social, devemos estar conscientes de que perante a mobilidade das relações a compreensão das realidades tende a ficar mais complexa. Compreender melhor a fantasia da criança representa muito mais que entender uma maneira de ler o mundo, alerta para a necessidade de enxergar o outro, principalmente, quando não lhe são garantidos os direitos de visibilidade, passando a ser considerado com um número, como um aluno, sem face, sem sonhos, sem história. Enquanto a criança continuar a ser subestimada, corremos o risco que a sociedade perca cada vez mais suas belas faces, seus melhores sonhos e suas histórias mais genuínas. REFERÊNCIAS AGOSTINHO, K. A. Formas de participação das crianças na Educação Infantil. 2010, 349 f. Tese (Doutorado em Estudos da Criança) – Instituto do Educação, Universidade do Minho, Braga. BENAVENTE, A. et al. Práticas de Mudança e de Investigação – conhecimento e intervenção na escola primária. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 29, p. 55‐80, fev. 1990. BRASIL. Ministério da Educação e do desporto. Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil: introdução. Brasília: MEC/SEF, v.1, 2009. CONTRERAS‐DOMINGO, J. La ivestigación em la acción: como se hace?. Cuadernos de Pedagogia, Barcelona, n.. 224, p. 14‐19, abr. 1994. GIRARDELLO, G. A Imaginação Infantil e as histórias da TV. Construir Notícias, Recife, 2005, p. 33 – 36. LA TAILLE, Yves. Formação ética. Do tédio ao respeito de si. Porto Alegre, RS: Artmed, 2009. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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MOREIRA, T. A. et al. A Fantasia do Real no contexto da Educação Infantil: compreendendo e valorizando o olhar da criança. In: SEMINÁRIO DE GRUPOS DE PESQUISA SOBRE CRIANÇAS E INFÂNCIAS, 3. 2012, Aracaju. Anais eletrônicos...Aracaju: Universidade federal do Sergipe, 2012. Disponível em: <http://www.grupeci.pro.br/adm/impressos/trabalhos/TR301.pdf>. Acesso em 28 ago. 2012. SARMENTO, M. J. Infâncias, tempos e espaços: um diálogo com Manuel Jacinto Sarmento. Currículo sem Fronteiras, v. 6, n. 1, p. 15‐24, 2006. __________; CERISARA, A. B. Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagogicas da infância e educação. Porto: ASA, 2004. SOARES, N. F. A investigação participativa no grupo social da infância. Currículo sem fronteiras, v. 6, n. 1, p. 25‐40, jan./jun. 2006. CANÇADO, Agenor Lopes. Toxocomanias de substituição. In: CONGRESSO FARMACÊUTICO E BIOQUÍMICO PAN‐AMERICANO, 3. , 1989, São Paulo. Anais... São Paulo: Federação das Associações de Farmacêuticos do Brasil, 1990. p. 259‐300 Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012
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