90 Teoria e prática da conservação no uso de materiais e técnicas tradicionais - as experiências do CECI Jorge Eduardo Lucena Tinoco I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro Resumo Apresenta-se o CECI como uma organização do terceiro setor, não-governamental. Faz-se uma narrativa sobre os materiais e as técnicas construtivas no Brasil/Pernambuco, apresentando-se as origens, os mestres artífices e os principais ofícios tradicionais. Mostra-se a pertinência do uso dos materiais e técnicas construtivas tradicionais na conservação e restauro do patrimônio construído com um dos fatores de intervenções sustentáveis e inteligentes. Apresentam-se algumas experiências do CECI no âmbito das intervenções de conservação a partir dos estudos e práticas ao longo das onze edições do curso de Gestão de Restauro e da prestação de serviços especializados executados pela Instituição. Palavras-chave: materiais tradicionais, técnicas tradicionais, intervenções sustentáveis. Abstract This paper presents CECI - Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada, as third sector non-governmental organization. The main objectivs are to introduce the ancient materials and building techniques of Pernanbuco/ Brazil, and to highlight the origin of the master craftsmen profession,and the main traditional crafts. The author brings up the relevance of the use of traditional materials and building techniques in the conservation and restoration field apllied to the architectonic heritage,considering it as one factor of sustainable and intelligent intervention. Some of the most important CECI works are debated ,as well the several editions of the Restoration and Managment trainning course. Keywords: Traditional interventions. materials, traditional techniques, sustainable 91 Introdução I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro As experiências do CECI, no âmbito das intervenções no patrimônio cultural construído, resultam dos estudos e práticas ao longo das onze edições do Curso de Gestão e Prática de Obras de Conservação e Restauro do Patrimônio Cultural - Gestão de Restauro, realizadas pelo Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada – CECI e o Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (DAU/UFPE). Também, elas são modeladas a partir da prestação de serviços específicos que possibilitam a execução de metodologias cuja abordagem busca unir a teoria de base acadêmica com a prática de fins comerciais. O CECI é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, declarada no ano de 2005 como uma Organização Social de Interesse Público pelo Ministério da Justiça- OSCIP, com a sede na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil. Tem como missão desenvolver a consciência, o conhecimento e a prática social da conservação integrada do patrimônio cultural e ambiental nas cidades, dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável. Suas atividades são dirigidas para a comunidade técnica e acadêmica brasileira e internacional, com os objetivos de: - Promover cursos especializados, desenvolver pesquisas e dissemi-nar a abordagem da conservação integrada e a proteção do patrimônio cultural construído, bem como desenvolver teorias, métodos e instrumentos de planejamento da conservação desse patrimônio. Desde a primeira edição do Curso de Gestão de Restauro (2003), o CECI constata nas suas observações e estudos a existência de antagonismos entre os profissionais da conservação sobre a utilização de materiais e técnicas tradicionais versus o uso de produtos resultantes das inovações tecnológicas iniciadas na segunda metade do século passado. A área de estudo abrange os períodos colonial, imperial e da primeira república do Brasil presentes nas principais cidades históricas do Nordeste, Sudeste e Centro Oeste do país. O curso resgatou um procedimento de transmissão de conhecimentos se-melhante ao que se produzia no passado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. O contato direto com profissionais de larga experiência em canteiro de obras e com os mestres de ofício e artífices assegurava o processo de transmissão do conhecimento aos mais jovens e inexperientes. Esse tipo de formação ainda é eficaz, pois o saber-fazer é forjado pelo exercício com instrutores e práticos experientes e com a assistência teórica de acadêmicos. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 92 Didaticamente, isso assegura a rápida maturação das capacidades de aprendizado pela interação entre aluno, mes-tres e instrutores. O curso Gestão de Restauro visa à capacitação de profissionais de Arquitetura e Engenharia no campo da execução de obras e serviços do patrimônio cultural construído. Tem por objetivo formar um quadro de profissionais para gestão e gerenciamento de obras e serviços em edificações de valor cultural. As idéias e as técnicas mais avançadas sobre as habilidades de um gestor nos âmbitos conceituais, técnicos e humanos são estudadas e aplicadas, de modo que os alunos compreendam a necessidade de se romper com paradigmas e dogmas. Os mais recentes documentos internacionais e nacionais sobre a proteção ao patrimônio construído demonstram que são necessárias ações baseadas em decisões coletivas, compartilhadas no contexto interno e externo aos eventos. O mundo contemporâneo não aceita mais atitudes de certezas cardeais nem de saberes emanados por pontífices do conhecimento. O processo compartilhado do poder leva à construção coletiva do conhecimento que, ao incentivar a troca de informações entre profissionais de nível superior, mestres artífices e de ofícios, possibilita a reflexão conjunta sobre soluções, promovendo a elaboração de novos co-nhecimentos. A teoria e a prática do CECI têm como ponto convergente a necessidade da aplicação dos conceitos de sustentabilidade como comprometimento do profissional com a gestão sistêmica material e imaterial, construtiva e ambiental. O equilíbrio das ações de intervenções deve pautar-se entre a autenticidade e integridade do bem patrimonial e os custos e benefícios sociais e humanos para o atendimento das necessidades funcionais da edificação. Isto abrange desde adoções das técnicas tradicionais nas obras e serviços à diminuição do uso de recursos energéticos para minimizar os impactos ambientais. Todos os pesquisadores, professores e instrutores do CECI buscam provocar uma reavaliação contínua da inserção de materiais e produtos modernos, lançados no mercado da construção como inovações e panacéias na resolução das necessidades da conservação e restauro do patrimônio construído. As comunidades técnico-científicas e as entidades reguladoras da preservação do patrimônio cultural devem se abrir à reflexão sobre as propriedades e características dos materiais e produtos sintéticos na efetiva promoção da sustentabilidade das intervenções. Materiais e técnicas tradicionais A conservação do patrimônio cultural construído é assegurada pela permanência I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 93 da aplicação das técnicas construtivas tradicionais, devendo ser uma atividade viva na construção civil. O conhecimento dos materiais, das técnicas e dos ofícios tradicionais da construção fornece os subsídios para as intervenções em edificações de valor cultural, possibilitando a garantia da integridade física e da autenticidade de suas características arquitetônicas. Para se fixar idéia sobre a prática das técnicas construtivas tradicionais é importante saber-se sobre o significado da palavra tradição: esta é empregada para designar a transmissão de costumes e práticas, pela via oral de lendas ou narrativas ou por hábitos de valores que são passados de uma geração em geração. O termo técnica construtiva corresponde aos procedimentos da arte de construir, edificar, fabricar... Refere-se aos processos racionais e aos procedimentos práticos da utilização dos materiais naturais, manufaturados e industrializados para satisfazer as necessidades humanas. Assim, no âmbito do patrimônio cultural, as técnicas construtivas tradicionais são os processos e procedimentos de utilização dos materiais de construção, transmitidos pelos costumes e práticas quer pela via oral, narrativas ou por hábitos, passados de geração em geração, de pai para filho1. Origens em Pernambuco A partir de 1534, aportaram no Novo Mundo com o português Duarte Coelho, mestres artífices do oficio da construção. Afinal, o nobre donatário veio com a família e o séquito de colaboradores para se fixar nas suas terras em Pernambuco a fim de edificar uma colônia. Dentre os primeiros mestres de ofício a chegar aqui estavam os carpinas-marceneiros e os ferreiros, que eram membros cativos das tripulações de manutenção das naus que cruzavam o Atlântico rumo às Américas devido as suas habilidades. Também, é provável que mestres oleiros2, alvanéis e canteiros terem feito parte das primeiras levas de colonizadores, porquanto já havia um mínimo de conhecimento prévio das características do solo e da riqueza florestal das terras além-mar. É fato que os materiais disponíveis na natureza, associados às particularidades sócio-culturais, políticas e religiosas de uma comunidade, e a submissão às 1 Manuais editados pelas Livrarias Aillaud e Bertrand a partir do final do séc seus associados. 2 O Foral de Olinda, datado de 1537, cita a existência de fornos de cal e olarias... O Tombo do Mosteiro de São Bento cita haver uma olaria pertencente à Dona Maria Pinta e seu marido Gaspar Figueira anterior a 1597, produzindo tijolos e telhas nas terras onde se fixaram depois os Beneditinos. “A vila está bem situada em lugar eminente de grande vista para o mar, e para a terra; tem boa casaria de pedra e cal, tijolo e telha”in Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica de Fernão Cardim (1580~88). I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 94 condições climáticas na região, determinam as características construtivas locais. Assim, na zona litorânea de Pernambuco, o solo argiloso e plástico, a enorme variedade de madeiras e o afloramento de pedras macias para a lavra como o calcário3 e o arenito4 protagonizaram os principais materiais para a construção. A arquitetura que aqui se desenvolveu foi próxima e íntima aos portugueses, ou seja, alvenarias de tijolos e pedras, com estruturas e componentes de madeira, rebocadas com argamassas de cal e areia para as principais construções religiosas, militares e civis. Aos mais humildes recantos restavam a taipa no seu aspecto mais singular: ambiente de um só cômodo cujas paredes são em trama com esteios e varas de paus de mangue, fixadas por cipós, com enxertos de mistura massapê (lama de barro) e telhado de sapé. Particularmente em Olinda é possível registrar-se que, logo nos primeiros tempos da colônia prevaleceu nas construções urbanas a pedra calcária tanto nas alvenarias como nas cercaduras de vãos, cunhais e ornamentação. Os tijolos e a madeira como materiais das estruturas de paredes foram mais comuns no meio rural, atestadas pelas gravuras de Frans Post e Zacharias Wagner5. Longas águas de telhas de barro cozido estendiam-se sobre casarões, igrejas e casas grandes de engenhos. Nesse período a influência dos mestres carpinas navais foi acentuada, pois, como demonstravam as tesouras de então, viam-se costelas de cavername invertidas adaptadas para moldar os telhados. As tesouras denominadas canga-de-porco foram as testemunhas dessa assertiva. Logo cedo, seu desenho resultou absolutamente impróprio devido aos fortes empuxos laterais nas ilhargas das edificações. Também, viam-se nos mecanismos de aberturas de portas e janelas os mesmos detalhes de articulação observados nas escotilhas e demais esquadrias das caravelas e galeões – os gonzos em madeira6. A arte da cantaria foi privilegiada nos primeiros séculos da Capitania de Pernambuco. A presença de mestres artífices habilidosos desenvolveu nas vilas de Olinda, Igarassu, Goiana e posteriormente em Recife uma escola de escultores que enriqueceram as igrejas com retábulos, portadas e frontões. É provável que as obras de pedras que se fizeram na vizinha Capitania da Paraíba no século 3 Abundante nas colinas de Olinda, particularmente no antigo Colégio dos Jesuítas, onde afloravam. 4 Proveniente dos arrecifes de corais do litoral que correm em toda a costa da antiga capitania e afloram abundantemente entre Recife e Olinda. 5 Ambos membros pintores artistas da missão nassoviana no século XVII da qual fazia parte também Albert Eckhout. 6 Essa tese vem sendo elaborada por este autor, onde, em algumas casas em Olinda, ainda há testemunhos dessas assertivas. No caso, a casa no 12, da Rua Bernardo Vieira de Melo, na Ribeira, cuja construção remonta ao primeiro século da colonização ainda tem as marcas indicando desses detalhes construtivos. 95 I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro Figura 1 – Engenho de Açúcar. Pintura de Franz Post (1612~1680). Fonte: Catálogo da Safra de Itamaracá (Sindaçucar)/1993. XVII tiveram a participação dos cantéos egressos de Pernambuco. Afinal, esses mestres de ofícios como outros eram andarilhos sempre em busca de trabalho onde pudessem armar suas tendas. Outros mestres que seguiam pari passu com os cantéos, e também com os marceneiros-entalhadores, eram os artífices pintores. Tanto as pedras (calcária e a arenítica) como as madeiras eram revestidas com uma intensa policromia de vermelhos e azuis numa mistura mágica a imitar os jaspes e os mármores das grandes catedrais e igrejas européias. Filetes, listéis, escócias, ducinas, óvulos, dentículos, caneluras e muitos outros elementos da modenatura aplicada da gramática da arquitetura eram recobertos com folhas de fino ouro7. Nas vilas de Olinda e Recife registram-se três fatos peculiares quanto ao uso de materiais aplicados em componentes de arremates de paramentos (cunhais) e de vãos de portas e janelas (vergas, ombreiras e soleiras). O primeiro refere-se à proibição no início do século XVII da retirada da pedra calcária pelos cavoqueiros8 no sítio dos Jesuítas, localizada na colina ao Norte da cidade, em razão de já, e então, haver fissuras numa das alas do Colégio; o segundo, foi a taxação exorbitante para retirada do arenito dos arrecifes pelos holandeses para forçar o desmonte e retirada de pedras das casas abandonadas de Olinda, pois, afinal, a possível ocupação da antiga vila era uma ameaça aos invasores; por último foi a proibição por decreto da extração das pedras dos arrefices do porto no século XVIII. Esses fatos possibilitam a demarcação na linha do tempo da passagem do uso da pedra calcária para a arenítica e desta para os tijolos nas edificações dessas cidades. 7 Pesquisas arqueológicas realizadas na Igreja de Santo Antonio do Convento Franciscano de Igarassu na década de 1980 trouxeram à luz os restos do antigo retábulo de pedra calcária, policromada e dourada, da capela mor. Os pedaços encontravam-se sob o piso da capela como material de aterro e nas alvenarias como pedra de construção. Um estudo de anastilose, mesmo que virtual em meio digital, deve ser realizado para se resgatar esse precioso testemunho em Pernambuco. 8 Diz-se daqueles que extraiam pedras calcarias e areníticas para a construção nas lavras de Olinda e dos Arrecifes. TINOCO, Jorge E. L., Notas de Aulas do Curso Gestão de Restauro, CE-CI, 2003. 96 A fartura de matérias de construção disponíveis na região e as riquezas produzidas pela emergente indústria açucareira em Pernambuco favoreceram o mais amplo desenvolvimento das técnicas pelos ofícios tradicionais. “As técnicas utilizadas nos primórdios da colonização pelos portugueses não eram primitivas. Tais técnicas não passaram por um processo de sincretismo com outras técnicas de origem indígena ou africana já que a antiguidade e diversidade das técnicas presentes no universo luso-brasileiro corroboram isso”9. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro Os mestres artífices de ofícios em Pernambuco O adágio popular antes tarde do que nunca pode ser aplicado à atual ação do Poder Público de identificação e documentação dos saberes e dos ofícios tradicionais, referências culturais relacionadas com a construção civil e a arquitetura no Brasil. Isto porque muitos dos mestres do passado já partiram sem ter a oportunidade de deixarem registrados suas façanhas nas artes e nos ofícios do estuque, da cantaria, da funilaria, da marcenaria... Caboclinho, Lola, Figueiredo, Ferrão, Floriano, João Cabelo de Fogo, Livonaldo e muitos anônimos que em Recife e Olinda (como tantos outros nos demais estados do país) contribuíram silenciosamente com seus saberes e habilidades na preservação do patrimônio. A inventariação dos mestres artífices e o registro de suas habilidades são atividades que ao longo do tempo tem-se mostrado ricas e importantes para a história das artes e dos ofícios. Os primeiros e mais importantes registros sobre as técnicas tradicionais da construção encontram-se no tratado de Alberti10 - De re aedificatoria, e na Encyclopédie des sciences, des arts et des métiers de Diderot e D’Alembert11, onde foram registrados os processos das boas práticas da construção e dos ofícios associados às artes mecânicas dos alvanéis (pedreiros), canteis (canteiros), carpinteiros, marceneiros, fundidores e outros. No século XIX, Viollet-le-Duc12 produziu a gigantesca obra Encyclopédie Mediévale onde documentou com suas preciosas ilustrações a produção técnica da arte de construir 9 ARAUJO, Roberto A. Dantas de, in “O Ofício da Construção na Cidade Colonial - Organização, Materiais e Técnicas - O Caso Pernambucano”. Tese de doutorado, FAUSP, 2003 (não publicado, disponível, por demanda, na Biblioteca do CECI). 10 Leon Battista Alberti (Génova, Itália, 1404 ~ 1472) arquiteto, teórico de arte, filósofo da arquitetura e do urbanismo, pintor, músico e escultor. Impresso post-mortem, escrito com base em Vitrúvio (Marcus Vitruvius Pollio, século I A.C), referência básica da Antiguidade. 11 Denis Diderot (Langres, França, 1713 ~ 1784), filósofo e escritor e Jean le Rond d’Alembert (Paris, França, 1717 ~ 1783) filósofo, matemático e físico, produziram a primeira enciclopédia publicada na Europa com a participação de mais de 130 colaboradores. 12 Eugène Emannuel Viollet-le-Duc (Paris, França, 1814 ~ 1879) arquitecto, que segundo John Summerson considera-o, juntamente com Leon Battista Alberti, o maior teórico de arquitectura na história ocidental. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 97 na Idade Média. Nas primeiras décadas do século XX, a coleção produzida pela Biblioteca de Instrução Profissional – BIP13, da Editora Bertrand, reuniu vários expertises de então para produzirem manuais e guias práticos sobre materiais e técnicas tradicionais14. Foram essas e outras publicações de manuais que possibilitaram a permanência das informações sobre os ofícios tradicionais da construção. Esta assertiva encontra ressonância na perda sistemática da transmissão oral e individual do conhecimento dos antigos ofícios a partir, principalmente, das décadas de 1950 e 60, quando tomou impulso a produção de modernos materiais e equipamentos para a construção no Brasil. Em Pernambuco, e em alguns outros estados, foi o antigo Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – DPHAN15 o responsável pela manutenção da atividade das habilidades dos antigos mestres de obras e de ofícios através dos seus programas de restauração do patrimônio. Neste sentido, registra-se a ação do engenheiro Ayrton de Almeida Carvalho, a frente da 5ª Regional do DPHAN16 que desde cedo abrigou mestres experientes e jovens ambiciosos como um José Ferrão Castelo Branco. Este teve uma trajetória exemplar, ingressando no DPHAN como servente e galgando os postos de meio-oficial, oficial, mestre, chegando até ser assessor direto da 5ª Superintendência Regional e da Presidência Nacional do IPHAN. Ferrão foi o responsável pela formação de inúmeros profissionais dentro das atividades diárias do canteiro de obras através da transmissão oral do conhecimento sobre as técnicas construtivas do passado. Inclusive, devo a ele grande parte do aprendizado e conhecimento sobre o assunto. Ainda em Pernambuco, as ações desenvolvidas pela extinta Fundação Centro de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda – FCPSHO, na década de 1980, deram possibilidade à formação tradicional de mais uma leva de profissionais pela prática da realização de obras de conservação e restauro pelo regime direto17. Aliás, foi a garantia do emprego ou do serviço certo por um longo período que fez com que os mestres e artífices não migrassem naquela época para outras atividades no mercado imobiliário da construção civil. O destaque desse período foi a abertura para o diálogo entre os responsáveis técnicos das obras com os mestres de ofício e demais profissionais pedreiros, carpinteiros, pintores... Até 13 Veja-se http://www.ceci-br.org/ceci/br/noticias/292-biblioteca-do-ceci.html [consulta: 20.12.2011]. 14 Registra-se também “O Vinhola Brasileiro - Novo Manual Prático do Engenheiro, Arquiteto, Pedreiro, Carpinteiro, Marceneiro e Serralheiro”, do engenheiro César de Rainville, Rio de Ja-neiro, 1880. 15 Atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN 16 Que cobria os estados da Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Ma-ranhão. 17 No caso, aquele em que o proprietário ou Poder Público executa diretamente os serviços. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 98 então, o peso da hierarquia das funções no setor da construção civil e as barreiras sócio-econômicas dos operários impediam a fruição do conhecimento pelo viés do “inferior” para o “superior”. De certa forma essa mudança de paradigma, inicialmente, causava espanto e timidez entre os mestres e os operários. A superação desse “conflito”, inclusive de gerações, deu-se no convívio da avidez das trocas de informações entre a teoria, a prática e os “segredos” das artes de cada técnica. Nesta primeira década do século XXI, duas importantes ações são registradas para a preservação das técnicas tradicionais da construção a partir da valorização dos mestres artífices. A primeira foi a iniciativa do Programa Monumenta/ MinC de identificar em todo o país artífices artesões, mestres de ofí-cios da construção tradicional para serem selecionados e enviados ao Centro Europeo di Venezia per i Mestieri della Conservazione Del Patrimônio Architettonico na Itália (2000), para especialização nos ofícios tradicionais. A segunda foi a criação do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada – CECI (2003) que, através de pesquisas, publicações e cursos de capacitação, passou a distribuir e incentivar o conhecimento sobre o assunto. Foi com o estímulo da participação de jovens em cursos de capacitação que o mestre canteiro Hamilton Martins teve a iniciativa de congregar seus discípulos em 2004 em torno da associação denominada Corporação de Ofícios do Carmo18. Todas essas ações para a preservação das técnicas tradicionais das artes e ofícios, pelo recorte da valorização dos mestres artífices, atingem suas maiores forças sincrônicas em âmbito do cenário internacional a partir dos meados da década de 1980. Dentre os países que mais se destacam nessa área estão o Japão, a Inglaterra, a França e a Espanha. Inclusive, foram os japoneses um dos primeiros povos a dar o reconhecimento oficial ao mestre artífice como patrimônio nacional. Junto a essa titulação o artesão nipônico recebe também uma recompensa pecuniária mensal e vitalícia para manter os excepcionais padrões tradicionais do seu fazer. Exemplo hoje seguido pelo Governo Brasileiro. Também é importante pontuar o revival dos antigos liceus de artes e ofícios pela criação de escolas de ofícios, onde jovens aprendizes em contato com mestres artífices instrutores perpetuam o conhecimento tradicional da carpintaria, cantaria, estuque, pintura e de tantos outros ofícios comuns à construção e ao restauro de edificações19. 18 «Corporação de Ofícios do Carmo». [consulta: 30.12.2011] http://www.ceci-br.org/ceci/br/restauro/ noticias/115-corporacao-oficio-carmo.html 19 Citam-se o Centro de Los Oficios do Ayuntamiento de León, na Espanha; The Prince’s School of Traditional Arts, na Inglaterra; La Maison de l’Artisanat et des Métiers d’Arts, em França. 99 Dos mestres do passado poucos sobrevivem hoje em dia. Foi em obras realizadas pela antiga Fundação Centro de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda20 e pelo CECI que eles tiveram e ainda têm a oportunidade de contribuir com seus testemunhos de prática na formação de gerações futuras. Dos que se foram, restam os olhos e as mãos dos seus discípulos que dão provas de que suas habilidades tradicionais se perpetuam na mística do Saber - Fazer. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro Os principais ofícios tradicionais Para os estudos desenvolvidos pelo CECI no curso Gestão de Restauro sobre as técnicas e materiais tracionais da construção optou-se pela divisão clássica dos ofícios em seis categorias, a saber: cantaria, estuque, alvenarias, forja/fundição, carpintaria/marcenaria e pintura21. Em cada ofício são estudados, principalmente, os materiais e suas propriedades físico-químicas, as técnicas e os sistemas construtivos, as ferramentas e os equipamentos específicos, os métodos de investigação e análise das alterações, as patologias e os respectivos mecanismos de degradação (poluição atmosférica, efeitos de ataques biológicos...), bem como os métodos de manutenção, conservação e restauro. Todas as investigações resultam em farto material gráfico, iconográfico e fotográfico. 1.1Cantaria – Sobre este ofício destaca-se que, ao contrário da Metrópole, onde eram comuns edificações inteiramente em cantaria, o seu uso no Brasil Colonial ficou restrito a componentes construtivos como cunhais, pilastras, colunas, molduras de portas e janelas, escadarias e obras decorativas em geral, sempre inseridas em uma alvenaria rebocada. As obras de cantaria expressavam valores de beleza, segurança, durabilidade e status justamente pelos recursos materiais e humanos envolvidos, demandando uma mão de obra muito especializada. A rocha utilizada na cantaria, como era de se esperar, variou de região para região, sendo comum em grande parte do nordeste tanto o arenito dos arrecifes quanto o calcário. Em Minas Gerais, foi corrente o uso da pedra sabão e no Rio de Janeiro, o granito. Tais rochas se diferenciavam pela suas propriedades físico-mecânicas e de “trabalhabilidade” e, conseqüentemente, pelo seu emprego e possibilidades plásticas22. 20 Instituição idealizada e criada por este autor em 1979, na administração municipal do prefeito Germano Coelho. 21 Vejam-se os antigos manuais sobre ofícios tradicionais da construção, editados pelas Livrarias Aillaud e Bertrand a partir do final do século XIX, cuja coleção ficou conhecida como Biblioteca de Instrução Profissional – BIP 22 TINOCO, Jorge E. L. e ARAÚJO, Roberto A. Dantas de. «Ofício do Cantel ou Canteiro». In Ofícios I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 100 1.2Estuque – Excetuando o uso das argamassas de cal e areia, de cal e argila ou simplesmente de argila nos revestimentos das alvenarias, o desenvolvimento deste ofício no Brasil teve grande impulso nos meados do século XIX com a chegada das missões francesas e inglesas. Também muito contribuíram a vinda de frades e monges italianos e alemães, dentre outros, que vieram ao país repovoar os monastérios e conventos que caíram em decadência em do decreto do ministro plenipotenciário do Rei Dom José I - Marques de Pombal - que proibiu a recepção de novos membros nos cenóbios em 1764. O estuque produzido aqui abrangeria a Arquitetura Imperial, de cunho classicista, e a Republicana que se manifestou na Arquitetura Eclética e noutros (Art nouveau, neogótico, neocolonial etc.). Com a mais ampla facilidade e rapidez de se reproduzir ornatos aplicados e integrados numa edificação o estuque revolucionou as técnicas de ornamentação das edificações. O acesso ao ornamento, antes proibido ao povo comum pelos altos custos dos materiais (mármores, calcários, granitos etc.) e da mão de obra dos mestres artífices canteiros, agora podia ser elaborado e aplicado nas residências urbanas desde as mais simples àquelas mais abastadas. Os revestimentos especiais de finto-mármore ou marmorino e o escaiola aplicados nas paredes dos principais cômodos só vieram se tornar populares em meados a partir do segundo quartel do século XX quando se substituiu o pó de mármore por areia siliciosa extrafina, lavada e ativada pela queima23. 1.3Alvenarias – Ao aportarem no Brasil, junto com os primeiros colonizadores, os pedreiros trouxeram consigo um rol de técnicas construtivas frutos de um conhecimento acumulado durante séculos e transmitidos de forma oral pelos mestres aos seus aprendizes (perío-dos Românico e Medieval). Suas técnicas acomodaram-se às realidades materiais, sociais e econômicas de cada região do imenso território brasileiro. Os pedreiros e demais oficiais da construção, considerados geralmente como pertencentes a um patamar baixo na hierarquia social colonial, eram denominados “mecânicos”, que, no seu sentido mais antigo, significava “artesão” ou aquele que trabalhava com as mãos. Entretanto, um dos problemas que os historiadores enfrentaram ao estudar a vida destes trabalhadores foi dar explicações sobre o nível de maestria e de status a que muitos deles chegaram24. 1.4Forja/fundição – No Brasil, durante o período Colonial, a metalurgia Tradicionais [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/restauro/oficios-tradicionais/364-oficio-do-cantel-ou-canteiro.html 23 Testemunho do engenheiro-arquiteto Jorge José Tinoco (então com 90 anos) ao Curso de Gestão de Restauro (7ª edição). Notas de aula. CECI, 2007. 24 ARAÚJO, Roberto A. Dantas de. «Ofício do Pedreiro». In Ofícios Tradicionais [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/pesquisa/estudos/oficios-tradicionais/alvenarias.html I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 101 extrativa do ferro foi rudimentar e em pequena escala. A razão para isso era de cunho eminentemente econômico: a mão de obra existente era aplicada em setores mais produtivos (primeiro na indústria da cana de açúcar, depois, na extração do ouro), de modo que a importação do minério já transformado era corrente. Outra razão é que os utensílios de ferro constituíam um dos produtos de exportação da Metrópole. Deste modo, o ferro vindo em barras ou como objetos manufaturados de Portugal e até de outros países europeus, constituía um comércio lucrativo. No Brasil, praticamente até o século XIX, se utilizou um processo milenar de redução direta do minério por meio de carvão vegetal em fornos de pequenas dimensões. A atividade metalúrgica no Brasil Colonial foi exercida pelos artífices ferreiros, caldeireiros, funileiros, latoeiros. A existência destes ofícios, de início, esteve atrelada à indústria açucareira. Machados, foices, arados, correntes e vários outros apetrechos, por exemplo, eram bens imprescindíveis e muito valiosos nos engenhos de açúcar. Era tarefa dos artesãos luso-brasileiros manterem funcionando a arte. E, provavelmente, não podia ser outra mão-de-obra, como os escravos, por exemplo, porque se estaria dando meios a eles de se armarem. À parte o exercício mais comum do ofício da forja existia outro, mais importante, do qual o Governo Metropolitano fazia questão de controlar – o da fundição. É a partir da primeira metade do século XIX que se implanta no Brasil uma série de empreendimentos ligados à produção do ferro em grande escala. Isto, evidentemente reduziu a importância e praticamente extinguiu o ofício da forja nos moldes tradicionais25. 1.5Carpintaria/marcenaria – Entre os ofícios da construção do Período Colonial, os carpinteiros e marceneiros certamente se destacaram como os mais importantes pelo nível de solicitação. A diferença do carpinteiro e do marceneiro está no processo de se trabalhar a madeira. O primeiro beneficia a madeira, cortando-a e lavrando-a em peças que serão utilizadas principalmente nas coberturas, soalhos e forros. Sua jornada de trabalho realiza-se num canteiro de obras. O marceneiro passa a maior parte de seu tempo numa bancada, cortando, encaixando e entalhando peças e objetos. Seu trabalho é mais delicado e, normalmente, requer muita paciência. O uso da madeira fez parte de vários sistemas construtivos inclusive daqueles chamados de “mistos”, caracterizados pelo uso simultâneo do barro e da madeira ou do tijolo e da madeira. No Brasil o uso da madeira na construção foi intensivo, sendo uma das características mais fortes, da Arquitetura Paulista e da Mineira do século XVIII26. 25 Idem, «Ofício do Ferreiro Forjador». In Ofícios Tradicionais [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ ceci/br/pesquisa/estudos/oficios-tradicionais/ferro-a-forja.html 26 TINOCO, Jorge E. L. e ARAÚJO, Roberto A. Dantas de. «Ofício do Carpinteiro». In Ofícios Tradicionais I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 102 1.6Pintura – É necessário distinguir-se a denominação, no passado, do pintor, do caiador e do artista. Pintor era a pessoa que pintava as paredes internas e externas de uma edificação, dando um acabamento decorativo, como por exemplo, os marmorizados e fingimentos, máscaras... No século XIX e no primeiro quartel do XX foram realizados trabalhos notáveis desse tipo de decoração. O caiador era a pessoa que aplicava o leite da cal, com ou sem pigmentos ou corantes, nas paredes internas e externas, muitas vezes ainda com as argamassas de revestimentos frescas. O artista pintor era a pessoa encarregada da elaboração das pinturas artísticas nas telas, painéis e paredes ou afrescos, tanto em forros de madeira ou em estuque, nos portais etc.. Ao contrario do sucedido com outros ofícios tradicionais da construção, a arte dos pintores ainda não foi estudada de modo a ser convenientemente resgatada e utilizada nas ações contemporâneas de conservação e restauro. O resultado disto é facilmente observável nos tons surrealistas e carnavalescos das tintas industrializadas sobre o patrimônio arquitetônico, sempre com colorações vivas e variadas, bem diferente das originais, cuja regra foi historicamente limitada pela paleta dos pigmentos minerais e orgânicos disponíveis27. O fundamento teórico sobre os materiais e as técnicas tradicionais da construção tem base antes na compreensão das características construtivas dos componentes da edificação antiga que àquelas alusivas ao seu passado tecnológico. Isto significa dizer que, a apropriação e o emprego dos materiais e técnicas tradicionais não correspondem a um revival do romantismo ruskiniano28, tampouco sugere uma contraposição aos que defendem a teoria do sacrifício29. Referem-se, sobretudo, a capacidade que os materiais têm de se adaptar ao meio de maneira inteligente e sustentável. Intervenções sustentáveis e inteligentes O CECI entende como sustentável as intervenções que sobrevivem ou persistem no tempo. Para este signatário, correspondem às ações que foram aprovadas nos [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/pesquisa/estudos/oficios-tradicionais/carpintaria-a-marcenaria.html. 27 ARAÚJO, Roberto A. Dantas de. «Ofício do Pintor». In Ofícios Tradicionais [consulta: 12.12.2011]. http:// www.ceci-br.org/ceci/br/pesquisa/estudos/oficios-tradicionais/pintua.html. 28 Assertiva de minus valia, utilizada como a volta a um passado arcaico, empregada pelos opositores do uso das técnicas tradicionais nas intervenções de conservação, imprópria à obra do teórico inglês do século XIX, John Ruskin. 29 Terminologia moderna para denominar o emprego de materiais e técnicas construtivas descartáveis, isto é, rapidamente perecíveis pelas suas características de catalisar as ações do meio ambiente no componente construtivo. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 103 testes aplicados pelo laboratório do tempo. Embora toda e qualquer intervenção cause modificações no bem cultural, as realizadas com base nos procedimentos semelhantes às técnicas construtivas da edificação têm, em princípio, um saldo positivo de longo prazo maior que aquelas baseadas em resultados imediatos com produtos sintetizados pela indústria moderna. A principal vantagem dessa atitude é a da ampliação das possibilidades de se garantir a autenticidade dos componentes construtivos de uma edificação de valor cultural. É claro que, quando se utiliza o princípio da autenticidade para nortear as ações de conservação de bens culturais adentra-se em um território de espe-culações teórico-filosóficas. Neste sentido, há casos emblemáticos e didáticos que estão sempre presentes nos estudos acadêmicos, como o do refazimento do barco de Jasão na estória mitológica do herói grego e o da cabeça do faraó Ramsés, no Templo de mesmo nome, em Abu-Simbel, no Egito. Ambos os casos pode-se dialeticamente conciliar a dicotomia entre os valores de autenticidade concebidos entre o Oriente e o Ocidente. No caso, o CECI compreende por intervenções inteligentes aquelas que têm a capacidade de se adaptar ao meio material (e imaterial) do objeto de modo garantir um equilíbrio progressivo entre o “novo” e o antigo30. Ambos os termos levam ao entendimento de que, uma intervenção é sustentável quando garante ao objeto uma sobrevida maior, isto é, um prolongamento da expectativa de sua trajetória. Uma intervenção é inteligente quando garante a resiliência do material no longo prazo e sua capacidade de carga (uso)31. Como testemunho expressivo dessas assertivas, apresenta-se a técnica antiga das alvenarias de tijolos ou de pedras argamassadas com argila, conhecidas como argamassa bastarda. Segundo ARAÚJO, ao se caracterizar, a partir de testes e análises laboratoriais as argamassas bastardas ou se estabelecer comparações com as argamassas de cal e areia, chega-se às seguintes conclusões: 1) são mais porosas; 2) são muito mais frágeis aos esforços de compressão. Entretanto, a maior porosidade do ponto de vista da conservação e da restauração dos edifícios antigos é uma virtude, porque deixa respirar os antigos muros - é justamente a alta porosidade. Pode-se concluir que uma das características mais surpreendentes dessa alvenaria é a sua pouca rigidez e, conseqüentemente, a sua capacidade de absorver acomodações de toda sorte32. Foi o caso da aplicação da 30 Analogia tomada do estudo da inteligência de pedagogo Piaget. Veja-se “Psicologia da Inte-ligência”, PIAGET, Jean. Editora Fundo de Cultura, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1961. 31 MOITA, José Machado Neto, «O conceito multidisciplinar de Resiliência» [consulta: 20.07.2011] http:// www.fapepi.pi.gov.br /novafapepi/ ciencia/documentos/Resili%EAnciaMoita.PDF (acesso jul/2011). 32 ARAÚJO, Roberto A. Dantas de. «As Argamassas no Período Colonial». In Aula 20 do Curso Gestão de Restauro, Técnicas Construtivas Tradicionais no Brasil – TCTB, 7ª edição, Olinda, 2007. 104 I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro Figura 2 – Moita do Engenho Poço Comprido. Fonte: CECI/nov2008 Figura 3 – Aspecto das colunas em alvenaria de tijolos Figura 4 – Detalhe da alvenaria de tijolos da moita do da moita do Engenho Poço Comprido. Fonte: CECI/ Engenho Poço Comprido. Fonte: CE-CI/nov2008 nov2008 mesma técnica na recuperação de partes das grossas alvenarias das colunas de tijolos de barro maciços, secos ao sol (adobe), assentes com argamassa de argila e caiados no antigo Engenho Poço Comprido, em Vicência, Pernambuco (Brasil), datado do século XVII. Algumas outras técnicas e intervenções podem ser observadas no âmbito do Brasil como as realizadas nas edificações em terra, numas das técnicas denominada taipa-de-pilão, ou em peças estruturais de madeiras de as-soalhos, forros e telhados, ou em cantarias de pedras calcárias e areníticas. Na verdade, seja como for e onde for o princípio dessas intervenções baseia-se na utilização dos mesmos materiais do componente construtivo objeto das ações preventivas ou corretivas. Isso porque a interação de materiais de mesmas propriedades acarreta mínimas reações físico-químicas e de tensões tangencias. O uso de materiais e técnicas tradicionais da construção nas intervenções em componentes construtivos de edificações de valor cultural no Brasil ainda é muito tímido. Até os meados da primeira década deste século, os principais divulgadores desse procedimento eram, no Sul, Isabel Kanan, arquiteta da 11ª SR/IPHAN (Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), e os professores do curso Gestão de Restauro do CECI no Nordeste. Contrariamente a essa postulação, o que ainda se verifica em todo I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 105 o país é o mais amplo emprego de materiais e técnicas antagônicos à história construtiva do edifício. Com a autoridade de quem verifica anualmente, nas principais cidades históricas do Brasil, os procedimentos de execução de obras e serviços em edificações tombadas pelos poderes públicos federais, estaduais e municipais, o CECI destaca intervenções com materiais e técnicas que acarretam o que se denomina ruína precoce. O termo “ruína precoce” foi utilizado inicialmente pelo arquiteto e urbanista Dr. Lúcio Costa, em 1947, num parecer sobre o tombamento da Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha. Referia-se ele a “certos defeitos de construção e abandono a que foi relegado esse edifício pelas autoridades municipais e eclesiásticas...”33. Embora desconhecendo a constatação do mestre face ao estado Figura 5 – Processo de confecção de taipa-de-pilão Figura 6 – Refazimento de taipa-de-pilão e de alvenarias para procedimentos de enxertos e pró-teses. Fonte: de tijolos adobe no restauro da Matriz de Pirenópolis, Curso Gestão de Restau-ro/CECI/nov2009 Goiás. Fonte: Adriano Assunção/Biapo/2007. Figura 7 – Detalhe de sambladura tipo mão-de-amigo para prótese em peças estruturais de madeira, utilizada nas tesouras do telhado da Basílica da Penha. Dispensa o uso de metais para compleição de rigidez da peça. Fonte: CECI/nov2008 Figura 8 – Consolidação das alvenarias de ado-be da capela mor da Igreja de N. Sra. De Be-lém (Cachoeira/ Bahia) feita em concreto ar-mado, substituindo-se os esteios de madeira que poderiam ter sido encachorrados com samblagens mão-de-amigo. Fonte: CECI / nov2006 33 PESSÔA, José Simões de Belmont. In “Lucio Costa: Documentos de Trabalho”, Iphan, Rio de Janeiro; 1ª edição, 1999 106 I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro Figura 9 – Arruinamento precoce da fachada de um sobrado, localizado à Rua do Bom Jesus, na cidade do Recife, dois anos após um grande empreendimento de recuperação geral das edificações naquele logradouro histórico. Fon-te: CECI/jul2004 Figura 10 – Rebocos de um muro de uma casa, à Rua de São Bento, em Olinda. Com um mês de execução do restauro já apresentava graves infestações de fungos e proliferação de algas, antes mesmo de ser pintado. Fonte: CECI/nov2007 de arruinamento precoce daquela edificação moderna, com tão pouco tempo de construção, este autor usou esse termo em 1978 para designar a rápida falência de materiais empregados em algumas obras de restauração nas Minas Gerais e outros estados do Sudeste. É incrível que decorridos tantos anos, verifica-se que as recentes intervenções de conservação e restauro do patrimônio construído situações de colapso antecipado e acelerado das características físico-químicas de certos materiais quer pela impropriedade do seu emprego quer pela qualidade técnica do produto34. Experiências recentes O CECI destaca três experiências onde a utilização de matérias e o em-prego das técnicas tradicionais apresentam resultados satisfatórios na inter-venções de conservação e restauro: (a) ornatos aplicados e integrados da Basílica de N. Sra. da Penha, (b) os azulejos da fachada do sobrado da Rua da Aurora ambos em Recife, (c) pintura do forro da sacristia da Ordem Terceira de São Francisco em Olinda. Destacam-se também a participação de antigos mestres artífices na execução dos trabalhos, bem como o acesso aos conteúdos dos antigos manuais e manuscritos dos ofícios da construção, particularmente aqueles da Biblioteca de Instrução Profissional35. Na área de metodologia de projeto destacam-se os 34 TINOCO, Jorge E. L. «Ruína Precoce». In Conservação Integrada do Patrimônio Construído, [consulta: 12.12.2011]. http://conservacaointegrada.blogspot.com/ 35 Manuais editados pelas Livrarias Aillaud e Bertrand a partir do final do século seus associados. 107 planos diretores de conservação de edificações de valor cultural, os procedimentos das FIDs e das FIPs36 e a modelagem dos custos dos serviços37. Ornatos aplicados e integrados da Basílica de N. Sra. da Penha I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro A Basílica de Nossa Senhora da Penha localiza-se, na Ilha de Santo Antonio, bairro de São José, na cidade do Recife. Desde a sua construção em 1882 até o primeiro quartel do século XX foi um dos elementos de orientação para os navegantes que aportavam no horizonte da cidade, em razão de sua elevada e enorme cúpula, ladeada pelas torres sineiras em forma que lembra os minaretes do Oriente. Ela ainda exerce uma grande influência na conformação urbana e na vida da cidade quer por sua beleza quer pela religiosidade dos Pernambucanos Figura 11 – Praça Dom Vital com a Basílica da Penha. Figura 12 – Ornamentação em estuque policromado Cartão postal s/autoria de 1932. Fonte: Coleção e dourado do transcepto. Fonte: Marta Lima/agost Filatélica de Jorge. E. L. Tinoco. 2008 Figura 13 – Extinção da cal calcítica CH-III para hidratação e maturação durante três ou mais anos. O processo exotérmico deve apresentar temperaturas entre 95Co e 100Co. Fonte: CECI Figura 14 – Procedimentos de lavagem de areia (eliminação de impurezas e contaminações orgânicas), de ativação (queima) e de testes de traços de argamassas para revestimentos especiais. Fonte: CECI 36 Fichas de Identificação de Danos - FIDs e Fichas de Inspeções Periódicas - FIPs. Sobre este assunto leia-se o Texto para Discussão do CECI no 43, « MAPA DE DANOS - Recomendações Básicas ao Gestor de Restauro» [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/publicacoes/59/518-textos-para-discussao-v-43.html 37 Sobre este assunto leiam-se os Textos para Discussão do CECI nos 32 e 33, «PLANILHA DE PREÇOS – Recomendações Básicas ao Gestor de Restauro» e «COMPOSIÇÃO DE PREÇOS – Recomendações Básicas ao Gestor de Restauro» [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/publicacoes/textos-para-discussao. html I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 108 e pela liturgia das benções de São Félix38. Segundo a sua Declaração de Significância, a Basílica é um dos mais representativos exemplares no Brasil das técnicas construtivas do primeiro período da Arquitetura neoclássica. Os trabalhos decorativos em estuque, particularmente nas técnicas do marmorino e escaiola, tanto no interior como no exterior, fazem-na única no Nordeste do Brasil39. O desafio desse trabalho foi a preparação material e humana para desenvolver os trabalhos de conservação e restauro dos ornatos. Desde o início da elaboração do Plano Diretor de Conservação da Basílica (2005), o CECI sabia que precisaria de grande quantidade de cal calcítica de alta qualidade, maturada por três ou mais anos, destinada especificamente para os reparos e refazimentos dos revestimentos em marmorino, escaiola e dos elementos artísticos em estuque de argamassa de cal (ornatos aplicados externos). Neste sentido, introduziu a prática do marmorino e da escaiola40 no Curso de Gestão de Restauro e iniciou a produção de cal para argamassas especiais, extinguindo uma tonelada de cal calcítica CH-III, mantendo-a no processo de hidratação e maturação por mais de três anos; e lançou o Curso de Ofício de Estuque41 para formação de mão de obra. Os trabalhos nos revestimentos e ornatos artísticos da Basílica tiveram início em 2009 e se estenderão até o ano de 2015 (previsão). Outra técnica que estava adormecida no âmbito da construção civil e aos profissionais do restauro foi resgatada pelo CECI, trata-se dos processos de lavagem e queima das areias para produção de revestimentos especiais. Aliás, desde a 1a edição do Curso de Gestão de Restauro em 2003 que essa técnica vem sendo objeto de aplicação prática nas aulas à distancia42. Esses trabalhos de longa duração vêm exigindo a realização rotinas e de procedimentos de inspeção e manutenção periódica nos serviços já realizados e o monitoramento dos níveis de degradação dos componentes construtivos que ainda não foram objeto de intervenção. 38 CECI «Tombamento da Basílica da Penha». [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/ noticias/477-tombamento-da-basilica-da-penha.html 39 Idem, ibidem. 40 CECI «Notícias – Aulas Presenciais». [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/component/ content/article/52-restauro-cursos/393-aulas-presenciais.html 41 CECI «Edital do Curso de Estuque». [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/component/ content/article/52-restauro-cursos/281-edital-do-curso-de-estuque.html 42 Textos para Discussão do CECI no 06, «TÉCNICAS TRADICIONAIS - A TERRA CRUA COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO - Um método de Ensino à Distância». [consulta: 12.12.2011] http://www. ceci-br.org/ceci/br/publicacoes/textos-para-discussao/342-textos-para-discussao-v-06.html I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 109 Azulejos da fachada do sobrado da Rua da Aurora ambos em Recife Os trabalhos de conservação e restauro nos azulejos da fachada do sobrado no 447, da Rua da Aurora, no bairro da Boa Vista, no Recife deram a oportunidade ao CECI de aplicar as práticas do conhecimento teórico acumulado na aplicação de materiais tradicionais em componentes construtivos mais delicados e refinados. Os azulejos do sobrado são do tipo majólica, apresentando um desenho de motivo geométrico, composto de quatro pedras, sendo cada unidade foi pintada à mão na monocromia do azul e branco. Os trabalhos seguirão a metodologia e as recomendações básicas prescritas pelo CECI43. Os trabalhos tiveram dois segmentos distintos de execução: (a) restauração das pedras danificadas; (b) reconstituição de unidades perdidas. As primeiras, as intervenções foram realizadas a frio, enquanto que as pedras de reconstituição foram feitas a quente na técnica tradicional de produção artesanal de azulejos. O diferencial deste trabalho foi o uso e a verificação do desempenho de argamassa de cal calcítica (CH-III, maturada por mais de três anos) com a areia siliciosa ativada no preenchimento de lacunas e perdas das chacotas, como também, o refazimento do vidrado nas peças restauradas se associando pigmentos naturais refinados com resina acrílica solúvel em água com adição de cristais de carbonato de cálcio (precipitação formada na maturação, hidratação, prolongada da cal calcítica). Nos testes de aceleração de envelhecimento e de ataques biológicos em laboratório obtiveram-se resultados animadores quanto às técnicas de enxerto do biscoito (chacota), da reintegração cromática e do vidrado: apresentará alterações cromáticas nas áreas de enxerto após quarenta e três anos; apresentará descolamentos Figura 15 – Foram aplicados vários testes de acelera- Figura 16 – Exemplos de um dos tipos de danos nos ção de envelhecimento, dentre eles incidência de UV. azulejos e do resultado dos testes de ace-leração de O horizonte nesta câmara foi de 43 anos para mani- envelhecimento em laboratório. Fonte: CECI/2010. festação de deterioração no enxerto (vide imagem ao lado). Fonte: CECI/2010. 43 Textos para Discussão do CECI nos 12 e 44, «RESTAURAÇÃO DE AZULEJOS - Recomendações Básicas» e «AZULEJOS DO SÉCULO XIX - Um projeto de restauro» [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ ceci/br/publicacoes/textos-para-discussao.html 110 do biscoito após cinqüenta anos e manifestará infiltrações por ataques biológicos com quarenta e quatro anos44. O principal objetivo dessa atitude foi a de se garantir a mais rápida e fácil reversibilidade das intervenções em contraposição ao uso de resinas epoxídicas como a HXTAL NYL-1. Pelos testes realizados pelo CECI, esta resina sintética apresenta muita resistência à remoção dos enxertos, sendo considerada assim imprópria. Entretanto, o sucesso da aplicação dessa resina sintética pelos profissionais do restauro é a garantia de rapidez da realização dos trabalhos, evitando-se o longo processo de carbonatação da cal. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro Pintura do forro da sacristia da Ordem Terceira de São Francisco em Olinda A Venerável Ordem Terceira de São Francisco está localizada na cidade de Olinda, Pernambuco, no Nordeste do Brasil. É parte do Conjunto Franciscano de Olinda e se insere no núcleo histórico da cidade de incluída na lista dos bens Patrimônio Cultural da Humanidade. O CECI vem realizando ações no Conjunto Franciscano de Olinda desde o ano de 2005 quando elaborou o primeiro Plano Diretor de Conservação45 até as intervenções mais recentes nos bens móveis e integrados. Faz-se particular destaque para os trabalhos de conservação do forro da sacristia da Ordem Terceira. Trata-se de forro de madeira em tábuas justapostas, com a representação de um ático delimitado por uma balaustrada, pintada em perspectiva escorçada, sobre um fundo infinito, com rocalhas e medalhões incorporados nos elementos arquitetônicos, tendo como motivo temático São Francisco recebendo os estigmas do Cristo Seráfico. A cena dos estigmas está em um medalhão central, envolto por uma rocalha e motivos florais, que flutua no céu cobrindo o ático46. O maior desafio das intervenções conservativas no forro da sacristia foi a delimitação do nível e da extensão das ações de recuperação dos danos pelas perdas das áreas pictóricas – as lacunas. Pelo estado de conservação de quase de ruína do forro, ficou claro que a atitude seria de minimizar o aspecto de degradação da pintura e maximizar leitura dos ornamentos artísticos. Esse desafio se manifestou na busca do equilíbrio 44 ALVES Jr., Antonio, in “Relatório de Análises e Avaliações em 10 Amostras de Enxertos nos Azulejos Históricos do Imóvel da Rua da Aurora n. 447, no Recife-PE”. Fev/2010, não publicado, disponível (por demanda) na Biblioteca do CECI. 45 CECI «Plano Diretor do Conjunto Franciscano de Olinda». [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ ceci/br/cooperacao/trabalhos/plano-diretor.html 46 ZANCHETI, Sílvio Mendes et al. «Os Limites do Restauro: Impasses Projetuais». Textos para Discussão do CECI no 41. [consulta: 12.12.2011]. http://www.ceci-br.org/ceci/br/publicacoes/textos-para-discussao.html I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 111 entre melhorar a visibilidade da obra (o objetivo principal) e a manutenção do máximo de autenticidade artística e histórica (material), especialmente da pátina47. Elaboraram-se quatro maquetes eletrônicas para simular as alternativas entre as mínimas e máximas intervenções com o intuito de se avaliar os limites das ações de reintegração pictórica. Esse exercício foi amplamente discutido o que possibilitou um resultado prático coerente com os fundamentos teóricos mais avançados da conservação que o CECI procura aplicar. Em razão de a atitude da mínima intervenção ser uma conduta pouco usual no Brasil, o resultado final dos trabalhos é motivo de surpresa e admiração tanto no meio técnico-profissional do restauro como entre os usuários e visitantes da edificação. Neste trabalho foram aplicados os materiais tradicionais e mantidas as técnicas de pintura utilizadas na confecção do forro. Passados alguns meses da conclusão dos trabalhos de restauro, com a chegada do inverno e o conseqüente aumento da umidade, o forro passou a apresentar algumas manchas de cor esverdeada e outras esbranqui-çadas. Estas manchas apareceram distribuídas pelo forro, Figura 17 – Estado de conservação do forro da sacristia e simulações eletrônicas das possibilidades de reintegrações pictóricas. Fonte: CECI-2007. 47 Idem, ibidem. I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 112 Figura 18 – Detalhes do forro antes e depois das intervenções dentro do critério da mínima intervenção de reintegração da policromia. Fonte: CECI-2008. coincidindo com as áreas onde houve aplicação de uma maior quantidade de cola coelho. Os procedimentos de identificação das causas e as correções foram realizados e resultou na produção de um ensaio para divulgação dos trabalhos e de um problema comum ao ambiente tropical48. Conclusões Na prática, a teoria de que os materiais e produtos, resultados de tecnologias inovadoras, favorecem a sustentabilidade das intervenções de conservação e restauro é outra. Não se tratam de falácias dicotômicas entre o novo e o antigo, o hodierno e o anacrônico, mas da verificação da falência de vários elementos que são expostos a uma interação conflituosa na intimidade dos seus respectivos sistemas. 48 TINOCO, Jorge E. L. et al. «CONSERVAÇÃO DE FORRO DO SÉCULO XVIII - Ataque de fungos e procedimentos de desinfecção». Textos para Discussão do CECI no 45. [consulta: 12.12.2011]. http://www. ceci-br.org/ceci/br/publicacoes/textos-para-discussao.html I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 113 O emprego das técnicas tradicionais da construção na conservação e restauro do patrimônio construído tem se mostrado inteligente e moderno em harmonia com os conceitos avançados de sustentabilidade e conseqüentes reformulações das idéias da ciência dos materiais com respeito à resiliência. Eles foram certificados, antecipadamente, pelo Laboratório do Tempo. Evidentemente que a simples aplicação de materiais e técnicas tradicionais da construção não é o suficiente para a garantia da estabilidade físico-química e a integridade dos componentes construtivos objeto de intervenções de conservação e restauro. Um exemplo dessa assertiva foi o ataque de fungos após a restauração do forro da sacristia da Ordem Terceira de São Francisco de Olinda aqui relatado. Isso veio comprovar que não se podem renunciar aos estudos e às investigações sobre os materiais tradicionais da construção. Embora no Brasil ainda se confunda maliciosamente os que praticam o uso de materiais e técnicas tradicionais como profissionais ingênuos, o fato é que a cada dia são realizadas novas pesquisas que abrem mais o horizonte do conhecimento. Neste sentido, a mais recente investigação e prática do CECI é a da execução de pedras areníticas artificiais a partir da indução de mineralização de argamassas a base de cal calcítica e areia siliciosa ativada. Testes exitosos foram realizados em 2011 na restauração do Forte de São Tiago das Cincos Pontas na cidade do Recife. Nota biográfica Jorge Eduardo Lucena Tinoco - [email protected] Formou-se em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (1976). É pós-graduado em conservação e restauro de monumentos e conjuntos históricos pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (1978). Desde 1973, trabalha na conservação e restauro de monumentos. Foi arquiteto, assessor técnico e diretor da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE, no período de 1976~1993. Foi Secretário do Planejamento da Prefeitura Municipal de Olinda, no período 1978–1981. Foi idealizador e responsável pela implantação dos sistemas municipais de preservação das cidades de Olinda e Igarassu, através da criação do Conselho de Preservação dos Sítios Históricos, da Fundação Centro de Preservação e do Fundo Municipal de Preservação, entre 1979 e 1985. Foi o idealizador da criação de espaços permanentes nas ruas e praças para exposição de imagens sobre evolução I Encontro Luso-Brasileiro de Conservação e Restauro 114 urbana e humana dos lugares notáveis das cidades. 1983~84. Proprietário das marcas “Museu de Rua ®” e “Museu na Praça ®”. Foi o idealizador do regime de execução de obras e serviços de conservação e restauro com o canteiro adaptado para a transmissão de conhecimentos aos operários – 1986-87. Proprietário das marcas “Obra-Escola ®” e “Oficina-Escola ®”. Foi consultor de projetos do Monumenta/BID, do Ministério da Cultura, particularmente às restaurações do Conjunto Chanteclair e da Igreja da Madre Deus no Recife, entre 2000~2005. É o idealizador e responsável técnico por dezenas de cursos de capacitação de arquitetos, engenheiros e mestres-de-obras em conservação e restauro desde 1990, sendo o principal o Curso de Gestão de Restauro junto com a UFPE, aplicado regularmente desde 2003 (encontra-se na 11ª edição). Tem dezenas de artigos publicados e pesquisas sobre materiais e técnicas tradicionais da construção. É membro da Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais – ABRACOR. Associado ao International Council on Monuments and Sites – ICOMOS. Sócio-Gerente da Tinoco OS&R ® – Obras, Serviços & Restauração. É o responsável técnico do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada – CECI.