O Estado do Maranhão. São Luís, 25 de janeiro de 2015 - DOMINGO 3 PERFIL Salete Farias, pedagoga e professora Fotos/Paulo Soares “Espero fazer muito mais para ajudar outras pessoas” Cobrada pela mãe a persistir nos estudos, a professora e coordenadora do curso de Informática do IFMA, Salete Farias, formou-se em dois cursos e, instigada por sua própria história familiar e de outras mulheres, luta para dar voz à ala feminina Juliene Hidelfonso Da equipe de O Estado P rofessora, pedagoga, engajada nas causas feministas, disciplinada, apaixonada por dança do ventre, entre tantas outras facetas. Essa é Salete Silva Farias, que, no ano passado, ficou entre as 150 mulheres inspiradoras daquele ano. Apegada às questões sociais, a professora era uma jovem bem introspectiva quando cursava Computação, nada que lembre a ativista comunicativa, que gosta de compartilhar o seu conhecimento e acredita que sua missão na terra é fazer o bem ao próximo. Salete Farias é filha mais nova de três irmãos e sempre foi estudiosa. Era cobrada pela mãe para que não abandonasse os estudos. Desde criança, via o esforço de dona Maria da Graça para não deixar que nada faltasse aos filhos. Acompanhar a batalha da mãe foi aos poucos aproximando Salete da luta pelas causas feministas. "Antes, as mulheres tinham uma visão diferente da que tem hoje. A questão da submissão ao homem. Minha mãe não trabalhava e dependia financeiramente do meu pai. Fiquei dos 6 aos 14 anos sem ter a figura paterna em minha casa. Eram sempre minha mãe e meus irmãos. Quando tinha 14 anos, o meu pai voltou para casa para ajudar nas questões financeiras. E assim, aos poucos, vendo a situação da minha mãe, fui criando maior interesse pela luta feminina e comparando os relatos de mulheres que recebia no decorrer dos anos", relata Salete Farias. Há 10 anos, sua irmã do meio faleceu com apenas 22 anos, com problemas de coração, ficando apenas ela e o irmão mais velho. Desde criança, os dois se davam muito bem. Sua mãe sempre se preocupou muito com os estudos dos filhos e dizia que eles tinham que estudar. "O meu irmão estudou, mas só fez até o ensino médio. Ele não quis fazer faculdade e acabou que tive que fazer faculdade pelos dois. Minha mãe sempre falava 'Vocês tem que estudar, tem que estudar', então sempre que eu queria fazer alguma coisa além de estudar, ela meio que barrava e falava 'não, você tem que estudar'", conta sobre a mãe. Ser focada apenas nos estudos por insistência da mãe fez com que Salete não aprendesse muito sobre os afazeres domésticos, mas aos poucos ela foi aprendendo. "Quando queria ajudar em alguma coisa em casa, a cozinhar ou a lavar alguma coisa, minha mãe sempre falava que eu tinha que estudar. E acabou que hoje nem sei fazer muitas coisas domésticas, o que aprendi foi com o tempo", confessa. Infância - Durante a maior parte de sua vida, foi criada pela mãe. Quando tinha seis anos de idade seus pais se separaram - a primeira separação, dentre muitas idas e vindas. Dos seis aos 14 anos, Salete conviveu apenas com a figura materna em casa. Sua mãe, para cuidar dos três filhos, trabalhou em casa de família. Os irmãos passavam o dia todo sozinhos em casa. Iam para a escola, voltavam, almoçavam e depois ficavam em casa sozinhos. "Minha mãe trabalhava em casa de família para poder dar uma vida melhor para mim e os meus irmãos. Ela terminou o ensino médio quando eu já tinha 14 anos, estudava a noite. Sempre foi muita luta. Aos 14 anos, tive de volta a figura paterna em casa", conta. A luta da mãe para sustentar os filhos e a dependência financeira que essa tinha pelo marido marcou muito a vida de Salete que sempre se preocupou em ter a sua independência financeira para que não passasse pelos mesmos problemas que sua mãe passou. Tudo isso fez com que a figura paterna na vida de Salete ficasse ligada apenas a questões financeiras. Formações - Formada em Computação e Pedagogia, a professora Salete Silva Farias aliou às duas áreas e se sente realizada pelas escolhas que fez. "Me formei primeiro em Computação. Chegou aquele momento da vida em que tinha que escolher para o que eu faria vestibular. Na época, o curso de Computação estava no auge. Era uma coisa nova. Ia fazer Matemática, mas como surgiu a Computação optei por esse curso", explica. Após uma experiência rápida em um emprego temporário que teve, a computação entrou em sua vida e não mais saiu. "Passei na Universidade Federal do Maranhão [UFMA], fiz o curso direitinho, trabalhei também. Passei um tempo trabalhando e estudando e acabei atrasando um pouco a minha formação por conta do trabalho. Fiquei um ano só trabalhando, quase tranquei o curso. Quando tive que fazer monografia, criei um software educativo para crianças portadoras de Síndrome de Down porque queria alguma coisa relacionada a essa área, voltada à educação e para ajudar outras pessoas. Não queria fazer algo que fosse apenas ficar guardado, queria algo que desse resultado", conta. O projeto monográfico de Salete Farias e a vontade de continuar no mundo acadêmico a levaram a fazer vestibular mais uma vez, mas agora, para Pedagogia. "Fiz vestibular novamente, passei, cursei com algumas dificuldades porque era emprego e um novo curso, mas consegui me formar aos trancos e barrancos", confessa. Com a Pedagogia, ela pode i RAIO-X NOME COMPLETO: Salete Silva Farias Aniversário: 17 de julho PROFISSÃO: Professora, formada em Ciência da Computação e Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão FILIAÇÃO: Maria da Graça Silva Farias e Raimundo Francisco de Jesus Farias FILHOS: Não tem HOBBY: "A dança do ventre se tornou uma paixão. Faz parte da minha rotina: eu organizo espetáculos, dou aula de dança. Adoro a dança e me sinto realizada quando estou dançando". Professora Salete entre a mãe, Maria da Graça, e o irmão, Sérgio Farias; família apoia em tudo Projeto "Minha Voz" venceu concurso Desde 2010 a professora Salete Farias participa de coletivos feministas - grupos de mulheres que procuram fazer ações em prol de outras mulheres. "Me engajar nesses coletivos fez com que conhecesse muitas pessoas que pensam da mesma forma que eu e que querem trabalhar com isso", explica. No ano passado, surgiu um desafio, o Hackathon - uma maratona de programação com hacker ativismo. Esse desafio foi lançado pela Câmara de Deputados e, em 2014, eles escolheram a temática gêneros e cidadania. Quem tivesse ideias de aplicativos, de sites ou produtos que ajudassem o público feminino “ de alguma forma, deveria se inscrever. O desafio era composto por duas temáticas: violência contra a mulher e cidadania. "Dentro dos coletivos femininos que participo apareceu uma lista de e-mails de pessoas que queriam participar do evento. Então, montei um grupo de três pessoas com a Daniela Rosados, de São Paulo, e o Rafael Reis, de Minas Gerais, mas mora em São Paulo. Nós formamos a equipe vencedora do Hackathon", orgulha-se. O projeto ganhou o nome de "Minha Voz" e é um site que ajuda virtualmente mulheres que possam ter sofrido algum tipo de violência. "A Quando tive que fazer monografia, criei um software educativo para crianças portadoras de Síndrome de Down porque queria alguma coisa relacionada a essa área, voltada à educação e para ajudar outras pessoas. Não queria fazer algo que fosse apenas ficar guardado” Daniela é psicóloga e tem experiência com casos de violência contra a mulher e eu e o Rafael, ficamos na parte de programação do site", conta a professora. O reconhecimento não ficou por aí. Ela foi escolhida pelo site Think Olga, na categoria "Tecnologia", entre as 150 mulheres inspiradoras de 2014. O site é referência nacional em discussões sobre feminilidade, e anualmente realiza a listagem das mulheres mais importantes do ano. Ela também foi curadora da área de software livre da Campus Party Brasil 2014 - um dos eventos de internet mais importantes do mundo. QUALIDADE: Perseverança e gosta de desafios DEFEITO: Teimosia ALEGRIA: Poder ajudar todas as pessoas, tanto na sala de aula como em outros setores TRISTEZA: Fazer algo e isso não dar certo SAUDADE: Infância e adolescência, uma fase em que não havia preocupação com nada PLANOS: Pretende se engajar ainda mais em questões sociais e criar um produto ou uma ação voltada para o público feminino. Algo voltado para as mulheres na área da tecnologia. aprender, construir e ensinar mais coisas. A pedagogia fez com que Salete quisesse ser professora. "O ano que trabalhei no Instituto Federal do Maranhão [IFMA] como professora substituta foi um ano decisivo, em que pude ver que aquilo era o que eu queria fazer de verdade. Então, fiz concurso para ser professora efetiva e hoje estou no IFMA e sou realizada quanto a isso", conta. O curso de Pedagogia mudoua muito, em termos de vontade de ensinar e espalhar o conhecimento. "Descobri uma coisa e quero contar para as pessoas o que aprendi. Espero no futuro fazer muito mais coisas para ajudar outras pessoas" confidencia. Sempre apoiada pela família e pelo namorado, a professora, que cresceu no bairro do Vinhais e sempre estudou em escolas e universidades públicas, confessa que já foi muito “nerd” quando trabalhava apenas com a computação, mas hoje, que aliou as áreas da exatas com sociais, interage bem mais.