A TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE
Charlene Souza da Silva1
RESUMO
Este artigo visa expor uma breve análise da trajetória do Serviço Social no Ministério
Público de Sergipe (MP/SE), enfatizando avanços e desafios que perpassam este
contexto institucional. O Serviço Social no Ministério Público tem como principal função
auxiliar no processo de defesa dos direitos sociais e na luta pelo acesso à cidadania, sua
ação reafirma a concretude dos preceitos éticos da profissão e complementa-se aos
objetivos institucionais do Órgão Ministerial, que atua na defesa dos interesses da
população, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Serviço Social; Ministério Público; cidadania.
ABSTRACT
This article aims to bring out a brief analysis of the trajectory of Social Work in the Public
Prosecution Service of Sergipe (MP / SE), emphasizing progress and challenges that
underlie this institutional context. Social work in the prosecution's main helper function in
the defense of social rights and the struggle for access to citizenship, his action reaffirms
the concreteness of the ethical precepts of the profession and adds to the institutional
objectives of the Ministerial Body, which operates in interests of the population, as
envisaged in the Constitution of 1988.
Keywords: Social Services, Public Ministry, citizenship.
INTRODUÇÃO
Nos últimos 30 anos, o Serviço Social, gradativamente, passou por mudanças que
vieram a favorecer a categoria profissional. Com o Movimento de Reconceituação2, na
década de 70/80 iniciou-se a reflexão e construção de um Projeto Ético-Político que
pudesse romper com a visão filantrópica que a profissão carrega desde sua gênese. Um
“projeto profissional comprometido com a defesa dos direitos sociais, da cidadania, da
esfera pública no horizonte da ampliação progressiva da democratização da política e da
economia na sociedade.” (IAMAMOTO, 2007, p. 113). Além disso, tem como objetivo
[...] construir, no âmbito do Serviço Social, uma proposta de formação
profissional conciliada com novos tempos, radicalmente comprometida
com os valores democráticos e com a prática de construção de uma nova
cidadania na vida social, isto é, de um novo ordenamento das relações
sociais. (Ibidem, p. 168).
1
Graduada em Serviço Social (UFS) e Mestranda em Serviço Social e Políticas Sociais na Universidade
Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]
2
“O Movimento de Reconceituação, tal como se expressou em sua tônica dominante na América Latina,
representou um marco decisivo no desencadeamento do processo de revisão crítica do Serviço Social no
continente.” (IAMAMOTO, 2007, p. 205)
Ao mesmo tempo, o Brasil passava por uma série de transformações na economia
e no seu modo de produção. Com uma industrialização crescente, mesmo com o advento
da Constituição Federal de 1988, em que a sociedade brasileira vivenciou um período de
grandes conquistas – que veio proporcionar a garantia de direitos sociais básicos para a
população de forma universal –, o capitalismo avançava para todos os níveis da
sociedade, que além do mercado e da economia, passou a regular também a conduta do
Estado. Este, por sua vez, voltou-se para o capital e minimizou suas ações para o social,
o que acarretou o aumento nas desigualdades sociais, a exploração da massa
trabalhadora e o nível de miserabilidade da população mais carente. Pode-se dizer que,
“a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte
da sociedade.” (Ibidem, p. 27).
É nesse contexto que se amplia o mercado de trabalho do assistente social, no
sentido de atuar nas sequelas da questão social – geradas no interior do capitalismo –,
sendo mediador de relações entre o Estado e a sociedade através das políticas públicas e
da viabilização dos direitos sociais.
O cenário dos anos 1990 para o Serviço Social se coloca da seguinte maneira,
Projeto político profissional que se materializou no Código de Ética
Profissional do Assistente Social, na Lei de Regulamentação da Profissão
de Serviço Social (Lei 8662/93), ambos em 1993, assim como a nova
proposta de Diretrizes para o Curso de Serviço Social da Associação
Brasileira de Ensino em Serviço Social – ABESS – de 1996, que
redimensiona a formação profissional para fazer frente a esse novo cenário
histórico. (IAMAMOTO, 2007, p. 113).
Deste modo, houve um redimensionamento das ações do profissional de Serviço
Social nas instituições das esferas municipais, estaduais e federal e seu campo de
atuação se ampliou para os Três Poderes3, sendo o campo sócio-jurídico um dos
primeiros espaços que o assistente social adentrou.
A
primeira
assistente
social
atuou
no
campo
sócio-jurídico
no
Brasil,
especificamente em meados de 1940 em São Paulo e foi inserida na Vara de Infância e
Juventude no Tribunal deste Estado. Inicialmente, o que demandava o profissional a este
campo eram os casos de crianças e adolescentes e de família de um modo geral, as
3
Executivo, Legislativo e Judiciário.
principais atividades exercidas eram assessoria em Serviço Social e realização de
estudos e perícias sociais, atribuições que se destacam até os dias atuais.
É importante ressalvar a inserção do assistente social nesse espaço sócioocupacional, para que se possa entender a trajetória e o processo de ampliação da sua
atuação nas diversas instituições que compõem o sistema sócio-jurídico. Além disso, com
a criação de legislações específicas para alguns segmentos da sociedade no decorrer
desse processo contribuíram para essa consolidação, como por exemplo, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (1990) e posteriormente, o Estatuto do Idoso (2003), fizeram
com que crescesse a demanda para o assistente social no campo sócio jurídico. Além de
solidificar a profissão nesse espaço de atuação, suas atividades se estenderam não se
restringindo mais às Varas e aos Tribunais, se expandindo para os Ministérios Públicos,
Defensorias
Públicas,
Universidades
(Escritórios
Modelo),
delegacias,
sistemas
penitenciários e outras instituições que compõem o sistema sócio-jurídico, além de
organizações governamentais e não-governamentais.
O Serviço Social é uma profissão que atua na “ampliação e consolidação da
cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos
direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras.” (BRASIL, 2011, p. 24, grifo
nosso). Sua ação nos diversos espaços sócio-ocupacionais apresenta algumas
particularidades que são identificadas a partir de como a questão social se apresenta no
cotidiano de cada instituição e/ou órgão, dessa forma, tais particularidades são expostas
no fazer profissional do assistente social, ou seja, na sua instrumentalidade.
Instrumentalidade aqui é entendida não somente como um “conjunto de instrumentos e
técnicas (neste caso, a instrumentação técnica), mas [...] uma determinada capacidade ou
propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sóciohistórico.” (GUERRA, 2000, p.53, grifo do autor).
Apesar da inserção do Serviço Social no campo sócio-jurídico não ser recente, em
algumas instituições que compõem esse sistema a inserção é bastante atual, a exemplo
do Ministério Público que só ocorreu quase 50 anos após a inserção nos Tribunais de
Justiça. Paralelo a isso, o debate da categoria acerca dessa temática também ocorreu
recentemente, sendo abordado em 2001 no X Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais, com o eixo-temático Serviço Social e o Sistema Sócio-Jurídico e ganha destaque,
no mesmo ano, com a publicação da edição especial da Revista Serviço Social e
Sociedade, nº 67, pela Editora Cortez, com denominação de Temas sócio-jurídicos. A
partir de então, foram desencadeados vários encontros que fomentaram este debate.
A profissão adentra nesta instituição em meados dos anos 1990, com o objetivo de
zelar pela efetiva proteção dos direitos sociais e ainda viabilizá-los de maneira que sejam
alcançados por todos, a fim de abarcar tanto os princípios constitucionais e institucionais
do Ministério Público de Sergipe, quanto concretizar os preceitos contidos no Código de
Ética Profissional do Assistente Social e na Lei de Regulamentação da Profissão (Lei
8.662/93). A maioria das suas atividades nesse Órgão são comuns às exercidas no Poder
Judiciário, embora sejam instituições distintas4. Deste modo, a pesquisa teve como
finalidade contribuir para a ampliação do conhecimento acerca das ações desenvolvidas
no âmbito do sócio-jurídico, especificamente no Ministério Público de Sergipe,
evidenciando a importância do Serviço Social junto a esse órgão que visa à defesa dos
direitos da população e da justiça social.
A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NO CAMPO SÓCIO-JURÍDICO, COM ÊNFASE
NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE
Ao
contextualizar
o
Serviço
Social
nos
anos 1970/80
–
processo
de
redemocratização da sociedade brasileira – tem-se um período de tensões e mudanças
no interior da profissão. Foi nesse período que se começou a gestar um novo projeto
profissional que pudesse romper – ou pelo menos atenuar – o caráter conservador e
messiânico da profissão5. Esse projeto – que será melhor especificado mais adiante – foi
denominado, na década de 1990, de projeto ético-político do Serviço Social.
É claro que a denúncia do conservadorismo do Serviço Social não surgiu
repentinamente – na verdade, desde a segunda metade dos anos
sessenta (quando o Movimento de Reconceituação, que fez estremecer o
Serviço Social na América Latina, deu seus primeiros passos), aquele
conservadorismo já era objeto de problematização. O trânsito dos anos
setenta aos oitenta, porém, situou esta problematização num nível
diferente na escala em que coincidiu com a crise da ditadura brasileira,
exercida, desde 1º de abril de 1964, por uma tecnoburocracia civil sob
tutela militar a serviço do grande capital. (NETTO, 2007, p. 148-149).
Nessa mesma linha de pensamento, Iamamoto (2007) argumenta que esse projeto
da profissão e de formação profissional é fruto e expressão de um grande movimento da
4
5
Esta distinção será especificada mais adiante no referencial teórico.
Sobre isso ver IAMAMOTO, Marilda Villela Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios
críticos. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2007.
sociedade civil desde a crise da ditadura, pondo em evidência a luta pelo processo
democrático no país por parte dos sujeitos sociais, num contexto de ascensão dos
movimentos sociais e mobilizações em torno da elaboração e aprovação da Constituição
Federal de 1988, que concretiza a ampliação dos direitos sociais.
Este cenário foi ideal para que a categoria em questão externasse suas
inquietações acerca do futuro da profissão, além de ter contribuído para que a condição
política amadurecesse gradativamente, de forma que os primeiros passos para a
construção do novo projeto profissional fossem dados. De tal modo, nos anos 80, se
solidificaram “tanto a formação profissional quanto o trabalho de Serviço Social” (Ibidem,
p. 51), o que permitiu um salto qualitativo na análise da profissão.
Foi no contexto de ascensão dos movimentos sociais, das lutas em torno
da elaboração e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e pela defesa
do Estado de Direito que a categoria dos assistentes sociais foi sendo
socialmente questionada pela prática política de diferentes segmentos da
sociedade civil e não ficou a reboque desses acontecimentos.
(IAMAMOTO, 2008, p. 223).
Porém, era preciso ter consciência de que esse o amadurecimento da condição
política no interior da profissão – apesar de ser muito importante – não era suficiente para
adensar este novo projeto. Para isso, era necessário pensar em elementos que pudessem
abarcar não só o eixo político, como também outros elementos que incluíssem valores
éticos, comprometidos com o processo de democratização gerido no âmbito da sociedade
naquele período.
É pertinente destacar que, nesse momento, muitos profissionais voltaram-se ao
meio acadêmico, especificamente no âmbito da pós-graduação, e iniciaram várias
produções teóricas sobre o Serviço Social que contribuíram demasiadamente para o
amadurecimento teórico e metodológico da profissão. A partir destas produções, começou
a se pensar numa Reforma Curricular6 para o curso de Serviço Social, que contribuísse
para o aperfeiçoamento da formação profissional de acordo com as novas demandas que
surgiam. Enfim, moldar-se diante da nova sociedade contemporânea. Para Netto (2007, p.
151-152),
Um balanço desta produção mostra que, apesar de muito desigual, ela
engendrou uma massa crítica considerável, que permitiu à profissão
6
“A reforma curricular de 1982 foi precedida e sucedida por amplas e produtivas discussões, fortemente
estimuladas pela antiga ABESS (Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social)” (NETTO, 2007, p.152)
estabelecer uma interlocução fecunda com as ciências sociais e,
sobretudo, revelar quadros intelectuais respeitados no conjunto do corpo
profissional e, também, em outras áreas do saber. [...] Na acumulação
teórica operada pelo Serviço Social é notável o fato de, naquilo que ela
teve e tem de maior relevância, incorporar matrizes teóricas e
metodológicas compatíveis com a ruptura com o conservadorismo
profissional – nela se empregaram abertamente vertentes críticas,
destacadamente as inspiradas na tradição marxista. Isto significa que,
também no plano da produção de conhecimentos, instaurou-se um
pluralismo que permitiu a incidência, nos referenciais cognitivos dos
assistentes sociais, de concepções teóricas e metodológicas sintonizadas
com os projetos societários das massas trabalhadoras.
A transição para os anos 1990 foi um período de muitos ganhos para a categoria
profissional, pois à medida que a sociedade brasileira passava por consideráveis
mudanças políticas, econômicas e sociais, seu projeto ético-político era moldado,
baseado tanto nas mudanças no interior da profissão quanto na sociedade, e ganha
hegemonia com o fim da ditadura militar e a promulgação da Carta Magna de 1988,
considerada por muitos autores como Constituição Cidadã.
A década de 1980 foi extremamente fértil na definição de rumos técnicoacadêmicos e políticos para o Serviço Social. Hoje existe um projeto
profissional que aglutina segmentos significativos de assistentes sociais no
país, amplamente discutido e coletivamente construído ao longo das
últimas duas décadas. As diretrizes norteadoras desse projeto se
desdobraram no Código de Ética Profissional do Assistente Social, de
1993, na Lei da Regulamentação da Profissão de Serviço Social e, hoje,
na nova Proposta de Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social.
(IAMAMOTO, 2007, p. 50, grifo do autor).
Com a promulgação da Carta Magna de 1988, a sociedade brasileira conquistou
direitos civis, sociais e políticos que, em sua maioria não eram contemplados nas
Constituições anteriores. Esta reconhece que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza e garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade (MORAES, 2005). Para que esses direitos sejam
resguardados, o Estado dispõe de alguns órgãos e instituições que agem na defesa dos
interesses da população, na luta pela efetivação dos direitos e na manutenção do Estado
Democrático de Direito, considerados funções essenciais à justiça.
Dentre esses órgãos estão o Ministério Público e a Defensoria Pública. O Ministério
Público tem como uma de suas principais funções zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na referida
Constituição e promover a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos (Ibidem). A Defensoria Pública é responsável pela
“orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados” (Ibidem, p. 162)
Nessa perspectiva, o Serviço Social está presente nestes órgãos que prezam pela
democracia, cidadania e efetivação dos direitos preconizados na Constituição.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se garante a efetivação de direitos na
ofensiva neoliberal, “crescem os níveis de exploração e as desigualdades, assim como,
no seu reverso, as insatisfações e resistências presentes nas lutas do dia-a-dia, ainda
carentes de maior organicidade e densidade política.” (IAMAMOTO, 2008, p. 145). Desse
modo, torna-se imprescindível a atuação do assistente social nas esferas do governo e
nas demais organizações da sociedade civil para que se possa abrandar as sequelas da
questão social que cada vez mais se intensificam no bojo da sociedade capitalista.
O processo de conquista e exercício de direitos dos indivíduos vem sendo
marcado em nossa sociedade por avanços e retrocessos. Os processos de
igualdade presentes no conceito de cidadania estão distantes de serem
alcançados, pois ainda permanece uma defasagem entre o enunciado
neste conceito e sua real efetivação no cotidiano. A cidadania só poderá
ser exercida plenamente pelos sujeitos à medida que ocorrem as
mudanças estruturais necessárias em nossa sociedade. (CHUAIRI, 2001,
p. 126).
Além disso, a materialização das políticas públicas oferecidas pelo Estado
encontra-se defasada, a articulação da rede socioassistencial é falha e a seletividade
permeia todo o processo de acesso a essas políticas. Assim, é importante salientar que,
“o assistente social necessita ser um articulador e defensor de políticas sociais que sejam
amplas no seu espectro de ação, levando em consideração questões econômicas,
sociais, políticas, culturais, pessoais e interpessoais.” (OLIVEIRA et al, 2006, p. 10).
Com o acesso a cidadania e a consolidação dos direitos ameaçados pela própria
dinâmica do capitalismo, os indivíduos tem recorrido aos órgãos que prezam pela justiça a
fim de que seus direitos garantidos em lei sejam realmente efetivados. Nesse sentido,
reconhece-se que “o direito de acesso à justiça assume relevância em nossa sociedade, à
medida que aparece como ponto de interligação entre a garantia do exercício de
cidadania da população como um todo e o funcionamento das instituições de justiça”.
(Ibidem, p. 125). Ainda nessa perspectiva, a autora chama atenção no sentido de que,
O agravamento das desigualdades sociais e da pobreza na sociedade
brasileira, o desrespeito aos direitos dos homens levam cada vez mais à
procura do serviço de assistência judiciária um contingente de pessoas em
número muito superior a sua capacidade de atendimento. (Ibidem, p. 132).
Segundo Chuairi (2001), para que o indivíduo busque os serviços ofertados pela
justiça, este deve ter duas finalidades: a primeira, reinvidicar seus direitos para a busca de
solução dos seus problemas, amparados na Lei Maior e sob a proteção do Estado e a
segunda, a ‘crença’ que o sistema jurídico do Estado Democrático de Direito irá garantir o
acesso à justiça igualmente a todos. Assim, o cidadão encontra respaldo no
conhecimento de que “o direito de acesso à justiça é parte integrante da cidadania.
Somente diante da possibilidade de o indivíduo ter seus direitos assegurados pelos
princípios da justiça e de suas instituições é que se torna efetivo o exercício de
cidadania”. (Ibidem, p. 127).
Deste modo, a ação do assistente social deve estar pautada nas legislações
norteadoras do Serviço Social e no compromisso com a sociedade civil, já que “um
trabalho profissional, articulado aos interesses e necessidades dos segmentos que vivem
do trabalho, necessita estar mediado pelos princípios de igualdade, justiça, liberdade e
solidariedade” (VASCONCELOS, 2000, p. 136). O Código de Ética Profissional assinala
que o assistente social deve se empenhar na busca pela “ampliação e consolidação da
cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos
direitos dos direitos civis e políticos das classes trabalhadoras.” (BRASIL, 2011, p. 24).
Através da sua intervenção, o profissional deve agir de modo que os resultados
objetivados sejam realmente alcançados pela população usuária.
A categoria profissional desenvolve uma ação de cunho sócio-educativo na
prestação de serviços sociais, viabilizando o acesso aos direitos e aos
meios de exercê-los, contribuindo para que necessidades e interesses dos
sujeitos de direitos adquiram visibilidade na cena pública e possam, de
fato, serem reconhecidos. (IAMAMOTO, 2007, p. 166).
Como afirmado a priori, o Serviço Social está presente em grande parte dos órgãos
e instituições que prezam pela democracia e pela defesa e efetivação de direitos. Assim,
um dos primeiros campos de atuação do assistente social foi o sócio-jurídico. Chuairi
(2001, p.137) lembra que “o Serviço Social aplicado ao contexto jurídico configura-se
como uma área de trabalho especializado, que atua com as manifestações da questão
social, em sua interseção com o Direito e a Justiça na sociedade.” É importante
considerar que,
O processo de construção do campo de atuação profissional do assistente
social no Poder Judiciário se insere no que tem se denominado de campo
“sócio-jurídico” e exige um profissional crítico que saiba viabilizar os
recursos, os benefícios e o acesso aos serviços judiciários, articulando-os
às formas de controle democrático de Estado. (POCAY; ALAPANIAN,
2006, s.p.).
Para Fávero (2003), o campo sócio-jurídico se refere ao conjunto de áreas em que
a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza jurídica, que se englobam na
Justiça Federal e Estadual, Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, Universidades
(escritórios modelo), na Execução de medidas socioeducativas, Execução de penas
alternativas, Sistemas penitenciários e Organizações não governamentais.
O tema sócio-jurídico, enquanto síntese destas áreas tem sido
disseminada no meio profissional do Serviço Social, em especial com a
sua escolha como tema central da Revista Serviço Social e Sociedade n.
67 (Cortez Editora), pelo comitê que organizou, tendo sido incorporado, a
seguir, como uma das sessões temáticas do X CBAS – Congresso
Brasileiro de Assistentes Sociais/2001. (Fávero, 2003, p. 10).
Os primeiros trabalhos desenvolvidos por um assistente social na área jurídica no
Brasil ocorreram em meados de 1940, nas Varas de Infância e Juventude, em São Paulo,
que passou a ocupar o espaço como perito social7, inicialmente atuando como estagiário
ou como membro do Comissariado de Vigilância (Ibidem).
Num período em que se evidenciava o agravamento e tentativas de
controle das sequelas da questão social e se ampliava a ocupação de
espaços institucionais pelo Serviço Social, o assistente social, com
formação generalista na área social, passou a ter, na Justiça da Infância e
da Juventude, espaço privilegiado de ação, o que fez com que,
progressivamente, deixasse de atuar junto ao Comissariado e ocupasse,
no final desses anos 1940, espaço formal de trabalho no então
denominado Juizado de Menores de São Paulo. (Ibidem, p. 20).
As demandas apresentadas ao Serviço Social nesse campo desde então foram as
intervenções nos casos concernentes às crianças e adolescentes. “Inúmeros concursos
públicos realizados pelo país afora dotaram Varas de Infância e Juventude dos Tribunais
de Justiça estaduais, de equipes técnicas integradas, quase sempre, por assistentes
sociais” (ALAPANIAN; SACRAMENTO; SANTOS, 2006, s.p.). Com a consolidação do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – em 1990, a partir da lei 8.069 – a demanda
aumentou consideravelmente e fez com que o Serviço Social se firmasse ainda mais nas
instituições jurídicas, principalmente.
7
Ainda na atualidade “a perícia é exercida por especialistas da sociedade em geral que, conforme o
interesse, a desenvolvem para esclarecer as mais diversas situações.” (PIZZOL, 2003, p. 6)
O ECA instituiu os direitos fundamentais e as medidas preventivas,
sócioeducativas e protetivas que objetivam assegurá-los. Estabelece as
linhas de ação da política de atendimento, como as políticas e os
programas sociais, serviços de prevenção, entidades de atendimento,
medidas de proteção e organização política. Prioriza a reinserção familiar,
como medida de ressocialização, em vez da tutela de instituições estatais
ou conveniadas. Define os atos inflacionais, estabelece os direitos e as
garantias processuais e as medidas socioeducativas, a remissão e as
pertinentes aos pais ou responsáveis. Institui o conselho tutelar e a justiça
da infância e da juventude, seus, seus procedimentos, a participação do
Ministério Público, por meio de seus promotores e dos advogados ou
defensores, nomeados pelo juiz. (SIMÕES, 2009, p. 219).
As intervenções, geralmente, eram relacionadas aos casos de adoção,
abrigamento, perda do poder familiar, negligência ou maus-tratos, ou ainda ações
voltadas para crianças e adolescentes em conflito com a lei. As demandas referentes a
outros segmentos sociais eram relativamente menores. Posteriormente, em 2003, a partir
da lei 10.741, em que foi instituído o Estatuto do Idoso, o campo de intervenção do
assistente social se ampliou ainda mais, principalmente porque a temática do
envelhecimento tem se destacado bastante nos últimos anos, tendo em vista o
crescimento quantitativo desse segmento populacional em todo o mundo, necessitando
de atenção especial por parte da sociedade em geral.
Entretanto, apesar desses dois segmentos sociais mencionados anteriormente se
referirem a demanda maior do Serviço Social no âmbito sócio-jurídico, sua intervenção
não se restringe a eles. Deve-se considerar que casos de pessoas com deficiência,
mulheres ou outros segmentos que estejam em situação de vulnerabilidade social ou de
direitos violados, há a intervenção do assistente social, principalmente porque, além da
Carta Magna de 1988, também conquistaram legislações específicas 8, e dessa forma, a
atuação profissional veio a ser cada vez mais requisitada pelos profissionais de Direito,
para análise e estudos de casos.
Diante do exposto, em sua trajetória no campo sócio-jurídico, o Serviço Social
conquistou um espaço bem delimitado, tem tradição, é reconhecido pelos operadores do
Direito e pela população como importante para fundamentar decisões judiciais (REY;
GASPERIN, 2006). Isso se concretiza no fato de que sua ação contribui “para uma
melhoria na qualidade do atendimento prestado nas ações do mundo jurídico,
possibilitando à população acesso à justiça e garantia de seus direitos.” (CHUAIRI, 2001,
8
A exemplo da Lei nº 7.853/89 que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua
integração social. E a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) que dispõe sobre os mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher.
p.141). Dessa forma, ganhou espaço e visibilidade institucional ampliando seus campos
de intervenção.
O Serviço Social vem legitimando-se como uma prática fundamental no
campo jurídico e a importância de seu trabalho vem se ampliando com a
política de universalização e a crescente discussão dos direitos humanos e
sociais da população, bem como a necessidade de maior compreensão
dos processos em que se expressam as práticas e as relações sociais.
(Ibidem, p. 140).
Vale destacar que, a visibilidade e, consequentemente, o debate acerca da atuação
profissional nesse espaço sócio-ocupacional é recente, ganhou evidência a partir dos
anos 1990, fato que pode ser explicado pela ampla discussão sobre a atuação nas várias
instituições que compõe o sistema sócio-jurídico, não se restringindo a ação nos Tribunais
de Justiça, instituição que mais requisitava o trabalho dos assistentes sociais nesse
campo. Um dos órgãos que se destaca como um novo campo de inserção do profissional
de Serviço Social é o Ministério Público.
Poder Judiciário e Ministério Público são duas instâncias de poder,
regulamentadas pela Carta Magna. São instituições, que fazem parte do
mesmo contexto jurídico e se complementam no cumprimento de suas
responsabilidades. Elas requerem ao profissional de Serviço Social uma
multiplicidade de demandas, por alguns aspectos semelhantes, por outros
diferentes. (REY; GASPERIN, 2006, p. 1).
Apesar de fazer parte do campo sócio-jurídico, a inserção do Serviço Social no
campo Ministério Público é recente, datada sua inclusão no quadro de servidores desta
instituição a partir da metade dos anos 1990. Não obstante, a criação do Ministério
Público como instituição autônoma também é atual, originou-se a partir da Constituição de
1988, que conceitua em seu artigo 127, o Ministério Público como “instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incubindo-lhe a defesa da ordem
jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
(MORAES, 2005). Tem como princípios a unidade, a indivisibilidade e a independência
funcional. Partindo desse pressuposto, Mazzilli (1996, p. 2) complementa,
O Ministério Público é um órgão do Estado (não do governo), dotado de
especiais garantias, ao qual a Constituição e as leis cometem algumas
funções ativas ou interventivas, em juízo ou fora dele, para a defesa de
interesses da coletividade, principalmente os indisponíveis e os de larga
abrangência social.
Destarte, no Brasil, antes da década de 1980, o órgão ministerial tinha suas
funções semelhantes às do judiciário e até mesmo do executivo, e muitas vezes,
apresentava um caráter punitivo. Garcia (2008, p. 11) pondera que “o Ministério Público já
foi inserido nos capítulos do Poder Judiciário na Carta Constitucional de 1967, e no
capítulo do Poder Executivo, na Carta Constitucional de 1969”. Após a promulgação da
Constituição de 1988, ganhou uma nova “roupagem”, passou a ser função essencial à
justiça e agir na defesa e garantia dos direitos dos idosos, pessoas com deficiência,
crianças e adolescentes, defesa dos interesses dos consumidores, do patrimônio público,
do meio ambiente, das vítimas de violência, além dos serviços de relevância pública.
Diante da ampliação das funções do Ministério Público, considera-se que houve a
necessidade de uma reorganização no interior desta instituição. Dessa forma, além dos
profissionais especializados na área de Direito – profissão predominante no âmbito da
justiça –, o campo de intervenção se expandiu para outras áreas que poderiam contribuir
com seus diversos saberes para a consolidação da defesa dos direitos do cidadão. Nesse
contexto se insere o Serviço Social, que atua diretamente com as expressões da questão
social, comprometido com a cidadania e a justiça social.
O Serviço Social possui uma interface histórica com o Direito, à medida
que sua ação profissional, ao tratar das manifestações e enfrentamento da
questão social, coloca a cidadania, a defesa, preservação e conquista de
direitos, bem como sua efetivação e viabilização, como foco de seu
trabalho. (CHUAIRI, 2001, p.137).
O Serviço Social passou a ser visto como uma profissão necessária nas demandas
judiciárias que envolvem direitos, já que tem como pressuposto atuar na realidade social
da população e fazer com que a cidadania esteja ao alcance de todos. Além disso, tal
expansão decorre ainda de que, em consequência das mudanças ocorridas na
contemporaneidade, os impactos capitalistas na sociedade contribuíram
[...] para alterar ou produzir novas necessidades sociais, levando a ciência
do Direito a requerer o auxílio das Ciências Humanas e Sociais, com o
objetivo de assessorar e subsidiar as decisões e os procedimentos
jurídicos em situações nas quais o conhecimento técnico científico é
necessário. (Ibidem, p. 136).
A profissão inserida no âmbito do órgão ministerial é considerada um avanço para
a categoria no que ser refere ao reconhecimento do seu compromisso com a defesa dos
direitos da população na garantia de acesso à cidadania, e faz com que os preceitos
profissionais se integrem com o objetivo institucional do Ministério Público na defesa
desses direitos.
A cidadania acabou por constituir uma fusão entre os direitos individuais e
sociais, em que os direitos civis constituem a base de sustentação e de
ampliação dos direitos políticos e sociais, ao mesmo tempo em que são
fortalecidos por eles. (PEREIRA, 2008, p. 106).
Assim sendo, o Serviço Social começou a ganhar espaço nos quadros funcionais
do Ministério Público. No entanto, esse fator gerou inquietações nos profissionais da área,
já que a atuação do assistente social no Ministério Público, por ser novo, necessitava de
um debate acerca da construção de diretrizes e parâmetros que pudessem nortear uma
ação específica no âmbito dos Ministérios Públicos de todo país. A partir de então, surgiu
a necessidade da categoria de promover encontros e eventos em que o debate acerca do
direcionamento da atuação profissional nessa área pudesse ser travado, além de
socialização das experiências com os profissionais inseridos ou não no âmbito dessa
instituição. Ainda assim, “por se tratar de um processo incipiente, a busca de uma
identidade coletiva que atribua a esta profissão sentido dentro da instituição é constante.”
(TEJADAS, 2008, p. 1).
Foi nesse contexto que, no ano de 2006, aconteceu o I Encontro Nacional do
Serviço Social no Ministério Público (ENSSMP) em Porto Alegre, organizado pelo Centro
de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, setor do Ministério Público do Rio Grande do
Sul, com o apoio do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e do Conselho
Regional de Serviço Social do Rio Grande do Sul (CRESS/RS). Esse evento consolidou a
necessidade de aprofundar o debate a respeito da inserção do Serviço Social no
Ministério Público, com o objetivo de construir coletivamente um direcionamento para a
profissão através de parâmetros e diretrizes que norteariam o trabalho a nível nacional.
No documento de apresentação dos anais do I ENSSMP consta que
[...] são vastas as tarefas das quais se incumbe o Ministério Público,
podendo-se inferir que, por diversas vezes, seus membros e gestores, no
cumprimento de suas funções, se deparam com questões sobre as quais
necessitam se utilizar de conhecimentos e saberes distintos. É nesse
contexto que os Ministérios Públicos estaduais vêm efetivando a inclusão
em seus quadros técnicos, entre outros, de profissionais do Serviço Social.
Tal movimento pauta-se pela expectativa de que os Assistentes Sociais
possam contribuir positivamente, com seu arcabouço teórico e
instrumentalidade, para o cumprimento da função constitucional da
instituição, qualificando, entre outras, a exigibilidade da formulação e
implementação de políticas sociais competentes, que efetivamente
concretizem a garantia dos direitos assegurados no texto constitucional. (I
ENSSMP,
2006,
disponível
http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/13166).
em
Em complemento ao que foi aludido anteriormente, a respeito da incumbência que
a profissão exerce neste Órgão, o documento continha ainda que,
Por outro lado, os Assistentes Sociais, que têm a defesa da garantia dos
direitos humanos e sociais como um compromisso explicitado em seu
Código de Ética, encontram, nos propósitos e atribuições legais do
Ministério Público, uma afinidade fundamental. Não obstante, sendo o
processo de inserção dos Assistentes Sociais nos quadros dos Ministérios
Públicos relativamente recente, apresenta, por vezes, imprecisões e
ambigüidades, assim como é portador de possibilidades de trabalho
inovadoras. (Ibidem)
Ao mesmo tempo, esse novo espaço que o Serviço Social ocupa, trás consigo
lacunas e desafios que devem ser superados para que a profissão conquiste seu
reconhecimento nesse campo de atuação, com base na valorização das suas
atribuições/competências e o respeito aos preceitos éticos da profissão.
Em Sergipe, no ano de 1989, o Ministério Público passou a ser função essencial à
administração da justiça, sendo assegurada na Constituição do Estado de Sergipe 9.
Considerado “fiscal da lei”, atua na defesa dos interesses individuais e coletivos e na
garantia dos direitos do cidadão, materializados através das diversas políticas públicas
oferecidas pelo Estado.
Vale ressaltar que, para garantir a consolidação desses direitos, é essencial que
haja a articulação com a rede de serviços de saúde, educação, assistência social, entre
outros. Para isso, através do Centro de Apoio Operacional, o Ministério Púbico de Sergipe
(MP/SE) dispõe de Núcleos de Apoio Operacional que abrangem: Segurança Pública,
Infância e Adolescência, Defesa da Cidadania (abrange sua atividades à proteção dos
direitos dos idosos, pessoas com deficiência, dos acidentados do trabalho, entre outros.),
Defesa Comunitária, Educação, Saúde, Meio-ambiente, Urbanismo, Patrimônio Social e
Cultural, Direitos da Mulher e Núcleo Recursal.
Com a finalidade de se aproximar mais da população, este Órgão buscou
estabelecer uma relação direta com os bairros da periferia de Aracaju através do
Programa Defesa Comunitária. A ampliação das funções do Ministério Público, a partir da
Constituição Federal de 1988, permitiu que o Ministério Público de Sergipe criasse em
agosto de 1997 o Programa Defesa Comunitária, tendo por objetivo principal contribuir
9
Constituição do Estado de Sergipe, 1989, Capítulo IV, seção I.
para a viabilização da política de atendimento dos direitos sociais, civis e políticos da
população socialmente vulnerável da periferia do Município de Aracaju. Para o
desenvolvimento destas ações foi necessário a requisição de profissionais capacitados na
área social tais como, assistente social, economista e socióloga, compreendendo que
estes profissionais seriam indispensáveis ao Programa por possuir um amplo
conhecimento sobre as questões sociais e comunitárias. Complementando a equipe,
foram contratados estagiários dos cursos de Direito, Serviço Social, e posteriormente, dos
cursos de Pedagogia, Artes Visuais e Psicologia, bem como uma professora com
formação em Letras.
Portanto, com vistas a prezar pela defesa dos direitos humanos e sociais e a busca
de respostas às demandas trazidas pelas transformações sociais, em acompanhamento
ao contexto sócio-histórico, o órgão ministerial procurou envolver as áreas dos diversos
saberes para o atendimento da população de forma que a realidade social dos sujeitos
fosse analisada em sua totalidade.
Certamente, os desafios colocados aos membros do Ministério Público
(promotores e procuradores de justiça) a partir da Constituição Federal de
1988 - que ampliou significativamente o leque de atribuições do Ministério
Público - demandaram a ampliação e a complexificação do terreno
institucional, motivando a criação de novas áreas interventivas, bem como
a inserção de novas tecnologias e a contratação de profissionais com
formações diversas, estes últimos com a finalidade de oferecer suporte
técnico nas atividades desenvolvidas na seara ministerial. (SILVA; SILVA,
2010, p. 7).
Em 1998, foi colocada á disposição do Programa Defesa Comunitária, uma
assistente social requisitada da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado para compor
a equipe que iria atuar diretamente com a população de bairros da periferia do município
de Aracaju - a exemplo do Bairro Santa Maria (antiga Terra Dura), com o intuito de intervir
na realidade social dessas comunidades carentes proporcionando o acesso á justiça e
aos direitos de cidadania e através da formulação, execução e acompanhamento de
projetos sociais apoiados pelo MP/SE.
Sobre o trabalho com comunidades Chuairi (2001, p. 141) expõe que um
[...] aspecto relevante para a população é a necessidade do
desenvolvimento de programas de informação e orientação em direitos
para a população, através de abordagens individuais e/ou coletivas a
grupos, família e comunidade. O direito à informação é imprescindível para
o exercício de cidadania e para a defesa dos direitos fundamentais das
pessoas.
Assim, o trabalho do Serviço Social junto á população engloba a socialização de
informações que visem à garantia do acesso aos direitos de cidadania e a viabilização de
acesso às políticas públicas existentes no Estado, de forma que possa concretizar o que o
Código de Ética de 1993 indica, através do seu posicionamento “em favor da eqüidade e
justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos
programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática”. (BRASIL, 2011, p. 24).
Sobre o processo de socialização das informações Iamamoto (2008, p. 427) reforça que
Ao nível do trabalho concreto realizado na esfera do Estado, merece
atenção a socialização das informações enquanto uma das atividades
profissionais exercidas pelo assistente social. Ela não se reduz ao mero
repasse de dados sobre as normas e recursos legais; é uma informação
transmitida na ótica do direito social, em que os sujeitos individuais e
coletivos são reconhecidos em suas necessidades coletivas e demandas
legítimas, considerando a realidade macrossocial de que eles são parte e
expressão.
Com a orientação técnica do Programa Defesa Comunitária, no segundo semestre
de 2008, o Ministério Público de Sergipe em parceria com a Universidade Federal de
Sergipe coordenou no âmbito do Estado o “Projeto Lixo e Cidadania” lançado
nacionalmente pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Este projeto tinha como proposta erradicar o trabalho de catação de lixo por
crianças e adolescentes, melhorar as condições de trabalho e de renda da população que
sobrevive da reciclagem do lixo, além de buscar elementos que contribuíssem para a
redução dos impactos sócio-ambientais advindos das lixeiras. Nesse contexto, foi criada
no ano de 2000, a Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju –
CARE e, em 2001, o Projeto “Reforço Criativo Escolar” – RECRIARTE, ambos situados
no Bairro Santa Maria, denominado anteriormente “Terra Dura”, situado na periferia da
capital sergipana.
A CARE é um projeto que visa à organização, capacitação e orientação dos
recicladores dentro dos princípios do cooperativismo, a fim de possibilitar a saída de
muitas famílias do lixão, proporcionar condições mais dignas de trabalho, geração de
renda e melhoria na qualidade de vida, ao passo que objetivava o despertar da
consciência coletiva para a preservação do meio ambiente.
O RECRIARTE tem como prioridade a retirar as crianças do lixão e reduzir a
incidência do trabalho infantil. Além disto, objetivava proporcionar a inclusão social de
crianças e adolescentes, mediante o desenvolvimento de ações sócio-educativas e
culturais, através do reforço escolar e das atividades lúdicas, esportivas e culturais para
crianças e adolescentes de 7 a 14 anos de idade, sendo priorizados os filhos dos
cooperados da CARE e os que residem no bairro Santa Maria. Vale ressaltar que, este
projeto é mantido pela CARE, com o apoio do Ministério Público de Sergipe e outras
parcerias.
Nesse ínterim, ainda sob o acompanhamento do Programa Defesa Comunitária, as
mães das crianças e adolescentes que compõem o RECRIARTE foram contempladas
com cursos e oficinas que contribuíssem para o trabalho de geração de renda.
Posteriormente, foram incluídas na Associação das Mulheres Trabalhadoras em
Reciclagem (MATER) oportunizando a formação do grupo de artesanato “Pintando e
Bordando”, constituído, essencialmente, por mulheres residentes no Bairro Santa Maria e
desenvolvem atividades de artesanato, especificamente, a confecção de peças de
bordado, crochê e pintura.
Constata-se então que a inserção do MP/SE na comunidade, através do Programa
Defesa Comunitária, foi bastante produtiva e propiciou muitos ganhos para a essa
população que vive em situação de vulnerabilidade social extrema.
Nos diferentes espaços ocupacionais do assistente social é de suma
importância impulsionar pesquisas e projetos que favoreçam o
conhecimento do modo de vida e de trabalho – e correspondentes
expressões culturais – dos segmentos populacionais atendidos, criando
um acervo de dados sobre os sujeitos e as expressões da questão social
que as vivenciam. (IAMAMOTO, 2008, p. 200).
Perante a ineficiência do Estado em prestar serviços sociais públicos de qualidade
e da constante violação dos direitos do cidadão, que, apesar de garantidos
constitucionalmente, são negligenciados cotidianamente, intensificou-se a procura ao
MP/SE como última estratégia de possibilidade de acesso à cidadania. Com o aumento
das denúncias de casos de violações de direitos que chegavam ao Órgão e o surgimento
de legislações específicas voltadas para alguns segmentos sociais,
Verifica-se então que, de 1998 a 2001, a necessidade do profissional de Serviço
Social aumentou consideravelmente, fator este que contribuiu para que a profissão
adentrasse gradativamente na Instituição e sua intervenção se mostrasse cada vez mais
essencial no processo de garantia de direitos. Entretanto, até o ano de 2008, além de não
compor o quadro funcional da Instituição de maneira efetiva, o número de profissionais de
Serviço Social era relativamente baixo para a demanda que chegava ao MP/SE.
Destaca-se então que, somente em 2008, houve a criação da Lei 6.450 que dispõe
sobre a nova estrutura do quadro funcional do Ministério Público sergipano, e explicita em
seu artigo 15 que foram reservadas duas vagas para Analista de Serviço Social na
instituição. Esta foi uma grande conquista da categoria profissional, que pela primeira vez
se inseria de forma efetiva (através de concurso público) nesse espaço sócio-ocupacional
em Sergipe, apesar de ser uma inserção tardia comparada a outros estados. A citar: no
Rio de Janeiro e em Minas Gerais a inclusão efetiva do Serviço Social aconteceu em
1994; Santa Catarina em 1995; Pernambuco em 1996; Goiás e Paraná em 1998; Rio
Grande do Sul e Pará em 200110.
Com esse avanço, em 2009, o Serviço Social ganhou um setor próprio dentro da
Instituição denominado Núcleo Técnico de Serviço Social – NUTESS. Em março de 2010
o Núcleo passou a Divisão de Serviço Social (DIVSS), com a finalidade de Planejar,
Organizar, Executar e Controlar as atividades de Serviço Social, nas áreas de Defesa
Comunitária, Infância e Adolescência, Defesa do Acidentado do Trabalho, Idosos,
Deficiente e Direitos Humanos em Geral, e Serviços de Relevância Pública, Controle
Externo da Atividade Policial e Questões Agrárias. As assistentes sociais aprovadas no
concurso foram convocadas a tomar posse, passando a desenvolver suas atividades na
DIVSS, sob a coordenação da assistente social que anteriormente atuava no Programa
de Defesa Comunitária.
A DIVSS contempla três assistentes sociais, um técnico administrativo e
estagiários de Serviço Social e está vinculado ao Centro de Apoio Operacional do
Ministério Público. Com a constituição desse espaço específico, houve a retirada dos
profissionais que atuavam em setores distintos (Defesa Comunitária, Promotoria de
Justiça de Defesa do Acidentado do Trabalho, do Idoso, do Portador de Deficiência e
Direitos Humanos em Geral e 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Adolescência) para
que atuassem conjuntamente num único setor, que passou a receber as requisições das
Promotorias Especializadas. Assim, a DIVSS agora passa a ter uma relação de parceria
com o programa Defesa Comunitária e com as Promotorias, com o objetivo de contribuir
10
Dados colhidos dos artigos apresentados no I Encontro Nacional de Serviço Social no Ministério Público,
ocorrido em 2006.
com subsídios para auxiliar nos procedimentos jurídicos, através dos instrumentais
pertinentes e atuando na elaboração e execução de projetos voltados para a comunidade.
É importante evidenciar que as funções exercidas pelo assistente social no
Ministério Público sergipano, envolvem, predominantemente, o assessoramento as
Promotorias e aos Projetos Sociais, a orientação de estagiários de Serviço Social, o
acompanhamento social de casos, a realização e elaboração de estudos, perícias e
relatórios sociais, principalmente, para a emissão de pareceres sociais que servem para
subsidiar decisões e/ou ações judiciais.
Sabe-se que a utilização dos instrumentais permite ao profissional atingir a
finalidade da sua ação. Especificamente, no espaço sócio-jurídico, os instrumentos são de
fundamental importância, pois detém a particularidade da utilização de alguns
instrumentos - um exemplo é o relatório social - que não são utilizados por outros
profissionais, o que evidencia a especificidade e colaboração do profissional neste
espaço.
Um dos instrumentos mais utilizados pelo assistente social é a visita domiciliar.
Segundo Mioto (2001, p. 148) esta objetiva “conhecer as condições (residência, bairro)
em que vivem tais sujeitos e apreender aspectos do cotidiano das suas relações,
aspectos esses que geralmente escapam à entrevistas de gabinete”. Dessa forma, o
assistente social, muitas vezes, irá mediar a comunicação sociedade/Ministério Público,
através da observação da realidade local da população.
É essencial que o profissional tenha a habilidade de utilizar dos instrumentos e
estar sempre atento ao sigilo profissional preconizado no Código de Ética. “O sigilo
protegerá o usuário em tudo aquilo de que o assistente social tome conhecimento, como
decorrência do exercício da atividade profissional.” (BRASIL, 2011, p. 36).
A utilização de alguns instrumentais depende do tipo de intervenção e da
abordagem que o profissional deseja utilizar. Assim, a aplicação de questionário, a
observação, a análise documental, os relatórios sociais, enfim, qualquer que seja o
instrumento empregado, deve originar resultados claros e objetivos para uma melhor
sistematização das informações tanto para o próprio profissional quanto para profissionais
de outras áreas que necessitem fazer a análise de determinada situação.
O assessoramento é considerado como uma das principais atribuições nesse
campo de atuação. Vale destacar que a assessoria técnica aos órgãos da administração
pública direta e indireta está regulamentada enquanto competência profissional expressa
na Lei de Regulamentação da profissão, o que legitima sua ação no âmbito do Órgão
Ministerial.
É necessário salientar que, não se deve restringir as demandas do Serviço Social à
mera execução dos instrumentais a fim de atingir objetivos e metas para a melhoria da
qualidade de vida do cidadão, mas visualizá-las além disso, levando-se em consideração
a totalidade do contexto em que está inserido o indivíduo e suas particularidades.
Por ser recente11 a atuação profissional no Ministério Público, alguns desafios
perpassam a profissão nesse contexto: o “novo” aparece como desafio para o cotidiano
profissional; a burocracia e a hierarquia marcante na Instituição naturalizada por alguns
do meio jurídico e enraizada no contexto de uma cultura historicamente construída,
presente nas estruturas que compõem o sistema sócio jurídico; assim como, o diálogo
assistente social/promotor de justiça. Dessa forma, pode-se perceber que o Serviço Social
caminha a passos curtos, no entanto, apesar dos desafios apresentados no cotidiano do
exercício profissional, os assistentes sociais que aí estão inseridos, travam uma luta diária
pela ampliação do espaço do Serviço Social e pela sua valorização, o que vem
acontecendo gradativamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sócio-jurídico apresenta-se como um dos campos de atuação que o Serviço
Social atua, compondo as instituições que prezam pela cidadania e justiça social. Dentre
essas instituições está inserido o Ministério Público, que apresenta um histórico recente,
datado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, encarregado de prezar
pelos interesses da população e defender os direitos conquistados historicamente.
A inserção do Serviço Social nessa Instituição é da mesma forma recente, mais
especificamente a partir da década de 1990, por isso se constitui num campo que está em
processo de construção para esta profissão. Para Gasperin e Rey (2006, p. 6)
Neste momento inicial da atuação dos assistentes sociais no Ministério
Público, evidencia-se uma fase de reciprocidade de conhecimentos, pois
tanto os profissionais como a instituição estão identificando caminhos e
potencialidades. Há longa jornada a percorrer, em busca de
amadurecimento das intervenções profissionais e construção de espaço de
atuação em Serviço Social focado na missão institucional.
11
Se comparada à atuação em outros espaços ocupacionais mais tradicionais (saúde, previdência, tribunais
de justiça, entre outros).
Põe-se em evidência aqui que a inserção do Serviço Social no Ministério Público
de Sergipe foi tardia com relação à outros estados, como foi dito a priori. Tem seu marco
cronológico no ano de 1998 com um profissional requisitado de outro órgão da justiça,
mas que, somente em 2008, o profissional passou a fazer parte do quadro efetivo dos
servidores da referida instituição, através de dois profissionais concursados, totalizando
um número de três assistentes sociais.
Deste modo, essa pesquisa objetivou analisar a inserção do Serviço Social no
Ministério Público de Sergipe, a trajetória da profissão e os avanços e desafios no
exercício profissional do assistente social nesse espaço sócio-ocupacional. É perceptível
a importância do Serviço Social dentro do Órgão, em que se pode concluir que o
compromisso ético-político do Serviço Social e a missão do Ministério Público,
complementares em seus objetivos, têm um grande potencial de implicar em ações
efetivas de garantia de direitos. Mas, ainda assim, é relevante destacar a importância da
construção e espaços de discussão para um amadurecimento da atuação profissional na
Instituição.
Desde a inserção do Serviço Social no Ministério Público de Sergipe, sua atuação
vem sendo a cada dia expandida através das demandas que lhes são postas e, como
consequência, gradativamente vai sendo reconhecida por todos os membros que
compõem a Instituição. A proposta do MP/SE ao criar a DIVSS aponta o reconhecimento
da profissão e o compromisso de zelar pelo efetivo respeito aos direitos dos usuários,
seguindo o que está estabelecido no Código de Ética Profissional do Assistente Social e
na Lei de Regulamentação da profissão, ao passo que qualifica a intervenção do Serviço
Social na instituição, propiciando a ampliação do campo de atuação dos assistentes
sociais. Apesar de ser ainda um longo caminho a percorrer, os profissionais estão, aos
poucos, conquistando seu espaço na Instituição.
Entretanto, ainda assim, faz-se necessário registrar a importância da ampliação da
equipe de Serviço Social do MP/SE, já que sua atuação tem sido bastante requisitada
pelos operadores de Direito no que se refere ao auxílio no processo de resolução de
conflitos sociais e efetivação de direitos garantidos constitucionalmente. Essa ampliação
irá refletir positivamente na qualidade das intervenções realizadas pelo Serviço Social.
Observou-se que, apesar de apresentar avanços no seu histórico na Instituição,
como a criação da DIVSS, o Serviço Social ainda tem um longo caminho a percorrer.
Superar os limites e desafios pertencentes à rotina institucional faz parte do seu
compromisso em consolidar e firmar seu território nesse campo de trabalho onde tem
muito a contribuir com seu arcabouço teórico-metodológico, técnico-operativo e éticopolítico no processo de consolidação da cidadania.
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