Um Álibi para a Inocência
Um amigo convidou o outro amigo a assistirem, juntos, um monólogo de um ator
muito conhecido, uma vez que um terceiro amigo havia dito que valia a pena assistir.
Como conhecedores de teatro, os dois amigos se sentiram atraídos pela indicação,
uma vez que Jonas os desafiara a observar o monólogo e extrair, pelo menos, uma lição
de moral contida no texto teatral.
Apesar do tema não ser atrativo para ambos, pois se tratava de relacionamento
conjugal e Lucas havia se divorciado a pouco e andava meio traumatizado com o ocorrido,
mesmo assim aceitou o desafio para não ser subjugado pelo amigo Jonas, nem zombado
pelo amigo Carlos.
E lá se foram os dois, Lucas e Carlos, em direção ao teatro recém-reinaugurado,
pois havia passado por uma boa reforma estrutural.
Em chegando lá Lucas percebe que o exterior do teatro ainda possuía vestígios da
reforma e isto lhe chamou muito a sua atenção, pois sua área de atuação profissional era
design de interiores e exteriores. Observou atentamente, fez algumas anotações,
comentou rapidamente com Carlos sobre os prós e os contras da obra e, enfim, tomaram
seus lugares nas poltronas reservadas.
Carlos, pouco atento aos detalhes da obra, tratou de expectar o monólogo,
observando atentamente cada palavra do ator, seus gestos e a interpretação que lhe era
conferida. Mesmo não sendo um conhecedor aficionado por teatro, muito menos por
monólogos, assim ele o fez pensando no amigo Jonas e o seu desafio: - Será que vocês
são capazes de extrair ao menos uma lição de moral de um monólogo?
Assim os amigos Lucas e Carlos passaram juntos cerca de duas horas, porém em
total silêncio, mesmo quando todos gargalhavam com as piadas do ator, a fim de não
perderem a concentração total e superar todas as expectativas de Jonas e, logicamente,
qualquer discrepâncias entre eles mesmos...
Ao final do monólogo, restava-lhes escrever suas considerações finais e entregar ao
amigo Jonas, o desafiador, e mostrar o quanto eram observadores, detalhistas e
atenciosos ao que lhes fora proposto. Decidiram tomar um café no bar mais próximo e
escrever suas observações, porém sem mostrar o que haviam escrito, um ao outro,
aumentando assim o suspense quanto ao resultado. Tornava-se, assim, um desafio dentro
de outro desafio.
Ao concluírem suas anotações, Lucas e Carlos procuraram Jonas e entregaram suas
folhas, devidamente preenchidas de anotações...
Para surpresa de ambos, Jonas, após lê-las atenciosamente, disse: - Vejo que estou
diante de dois grandes amigos tão observadores quanto eu. Capazes de atentar para
todos os detalhes da vida e extrair ensinamentos favoráveis à caminhada diária... E, antes
mesmo que ele terminasse suas conclusões, Lucas e Carlos se parabenizaram apertando
as mãos, abraçando-se e interrompendo aleivosamente o amigo desafiador, esboçando um
ar de soberba pertinente aos que realizam uma boa tarefa e merecem aplausos... Porém
Jonas, interrompendo-os em suas congratulações declarou: - Apesar de serem
extremamente observadores, vejo os amigos um tanto quanto impacientes com os
resultados que a vida pode lhes proporcionar! Amados e ansiosos colegas, buscai a
paciência como uma virtude a ser cultivada, tanto quanto a observância de todas as
coisas e, acima de tudo concentrem-se em seus objetivos, pois a vida não reserva um álibi
para a inocência. Mesmo sem entender o comentário final de Jonas, ambos se calaram e
aguardaram a conclusão do pensamento do desafiante, já demonstrando assim uma
pequena madureza de espírito, após a precoce saudação alegre e espontânea que
tiveram. Assim, Jonas completou sua conclusão: - Os amigos sequer assinaram suas
folhas e desconhecendo suas caligrafias não posso elucidar um comentário
particularizado, mas digo de forma generalizada, evitando a exposição de ambos, que
estou diante de dois grandes observadores que perscrutam os mais ínfimos detalhes, mas
que facilmente vacilariam em “coar um mosquito, mas deixando passar um camelo em
suas peneiras”... Um dos dois pôde observar cada detalhe da reforma do teatro, desde o
exterior até o interior; até mesmo os minúsculos desenhos do papel de parede não lhe
passaram desapercebidos; a cortina foi tão bem descrita que parece que, ao ler, fui
transportado para dentro do teatro, como numa visão tridimensional... Mas do assunto
tratado, nada foi observado...! Nesse momento Carlos olha para Lucas com ar de
misericórdia e compaixão, pois ele sabia que aquela palavra era dirigida ao amigo e não a
ele. Seu olhar continha a mesma dose de tristeza pelo amigo quanto de alegria por
lembrar que suas observações foram especificamente sobre o tema. Porém o suor frio
chegou-lhe às mãos quando Jonas continuou... – E quanto ao outro, também
extremamente detalhista, porém sem a visão geral, sem o “pano de fundo” que a vida nos
proporciona, fez anotações minuciosas sobre a fala do ator, seus gestos e até copiou
palavras devidamente decoradas do seu texto, porém esqueceu-se de extrair o mais
importante dos detalhes: Um monólogo jamais poderá tratar de relacionamento conjugal,
pois ali será exposta apenas a versão de um ser individual e jamais do casal. Por mais que
o autor tente ser neutro, acabará expressando seu posicionamento como parte desse
relacionamento; portanto um monólogo não serve para tratar de um assunto que se
refere a dois e nunca, jamais, a um dos dois...!
Lucas e Carlos, já agora quebrantado por suas falhas e consolando-se
reciprocamente, ainda tiveram que ouvir Jonas despedindo-os com suas sinceras, porém
duras palavras: - Amigo que é amigo não se cala diante de um desafio, mesmo que
alheio. Antes, o amigo ajuda ao outro amigo em suas dificuldades e compartilha para que,
ambos, sejam devidamente aprovados pelas provas que a vida nos reserva; portanto, um
deveria ter ajudado o outro nesta tarefa tão simples... Foi então que Jonas, conhecedor de
algumas particularidades dos seus amigos, disparou: - Enquanto você, Lucas, tentou fugir
do assunto do monólogo, pois lhe trazia lembranças amargas, não procurando ajuda de
Carlos, você, Carlos, por sua vez pensou apenas em si e esqueceu-se de que Lucas
precisava ser curado e, com certeza precisava de sua ajuda, num momento tão oportuno.
Resta apenas lhes dizer que, o maior desafio que lhes propus foi fazer com que ambos
sejam, verdadeiramente, amigos. A vida não foi feita para ser vivida a sós. Para isso
existem os amigos.
Moral da história: A vida têm seus objetivos e não devemos pensar que vamos
ter, no fim de tudo, um álibi para a inocência, pois ela já haverá deixado de existir.
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