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Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 28/10/2008 (20:23) - Página 13- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW
Enxerto
Terça-feira, 28 de outubro de 2008
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Valor
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A13
“Devemos procurar ter uma vida normal. Se todo mundo ficar
preocupado e com medo, aí que você vai criar um problema econômico.”
De Guido Mantega, ministro da Fazenda, ontem, após reunião com o presidente Lula. Para Mantega, o contágio da crise financeira no Brasil
é mais psicológico que real. Sobre as perdas com derivativos de empresas, Mantega rejeitou a idéia de que o governo irá socorre-las.
A agenda de “um novo Bretton Woods”
JOSÉ ELI
DA VEIGA
F
oi somente em 1950 que o crescimento econômico virou objetivo supremo das políticas governamentais. Ruptura forjada
por rápido convencimento prévio de
que só ele seria capaz de engendrar pleno emprego, objetivo até então preferido por todos os que haviam aderido ao
keynesianismo. E uma ruptura para a
qual foi decisiva a combinação das
idéias de Sir Roy Forbes Harrod, na Inglaterra em 1939, com as de Evsey Domar, nos EUA em 1946, no persuasivo
modelo Harrod-Domar. Em plena Guerra Fria, a panacéia foi inevitável: fosse
qual fosse o contexto, não haveria mazela social que pudesse resistir a uma boa
dose de crescimento econômico. Nem
mesmo as desigualdades.
As críticas não demoraram a surgir.
Basta lembrar que em 1958 foi lançada a
primeira edição do clássico “A Sociedade
Afluente” de John Kenneth Galbraith.
Embora tenha sido ignorado pela maioria dos economistas, por considerarem o
autor no máximo um bom comentarista
político, nada de parecido poderia ter
ocorrido com Ezra J. Mishan ao publicar,
em 1967, uma obra-prima sobre os cus-
Cartas de
Leitores
Correspondências para Av. Jaguaré, 1.485,
CEP 05346-902 - SP ou para
[email protected], com nome, endereço
e telefone. Os textos poderão ser editados.
Banco Central e a crise
O BC agiu muito bem na quinta-feira
(23/10), ao dar um parâmetro ao mercado
ao atuar nas pontas de compra e de venda
de seus títulos no mercado doméstico. Seria interessante atuar também no mercado
internacional. Os bônus brasileiros estão
largados e mostram uma imagem equivocada do risco efetivo da economia brasileira. O BB poderia atuar fazendo mercado no
exterior e lucrando com sua atividade. A diferença entre a oferta de compra e venda
dos bônus brasileiros está enorme, seria
importante a atuação do BB fazendo mercado dos títulos brasileiros negociados no
exterior. Ajudaria a acalmar o câmbio e o
mercado de juros interno.
IGOR CORNELSEN
[email protected]
Crise financeira
A respeito da preocupação de Alkimar
Moura (Valor, de 23/10) de acrescentar novas variáveis ao padrão de regulação dos
bancos centrais, gostaria de observar que
não só o único instrumento da taxa de juros torna o duplo mandato do Fed (de conjugar a estabilidade dos preços com o máximo nível do emprego) contraditório, como que a causa profunda da crise não foi
nem uma, nem outra, mas o fato de o salário do trabalhador americano ter ficado estagnado nos últimos vinte anos (Paul Krugman, Joseph Stigltz), enquanto a produtividade e o lucro cresciam exponencialmente.
Lucros em excesso e salários estagnados
geraram os empréstimos e os calotes. Para
evitar as crises futuras não será preciso apenas maior controle dos bancos, mas acrescentar ao mandato do Fed (e demais BCs) a
perna do controle da distribuição, via
acompanhamento do salário básico. O capitalismo prospera no equilíbrio.
ROGÉRIO ANTONIO LAGOEIRO DE MAGALHÃES
[email protected]
Código de Trânsito brasileiro
“Em projeto que visa reduzir os direitos dos motoristas de todo o Brasil, o Ministério das Cidades apresentou pacotes
de mudanças ao Código de Trânsito Brasileiro. Numa de suas polêmicas e arbitrárias sugestões, o Ministério quer acabar com as placas que avisam que a via é
fiscalizada por radar. Segundo a proposta do Ministério, nas vias que possuam
mais de um radar bastaria apenas um
aviso (imaginem se resolvessem colocar
o aviso no final da via — tecnicamente
estariam dentro da lei). Outra alteração
prevista é um aumento de 87,96% nas
multas de trânsito. Como nossos governantes não conseguem fazer o país crescer, é muito mais fácil atacar o bolso dos
indefesos contribuintes do que coibir a
evasão fiscal e as sonegações que são
mais de 50% do que se arrecada.”
FABIO TAVARES
Rio de Janeiro - RJ
tos do crescimento econômico (traduzida no Brasil com título tragicamente
equivocado). O longo e acirrado debate
entre Mishan e Wilfred Beckerman inaugurou a controvérsia científica sobre o
crescimento como dogma.
Entretanto, foram posteriores os mais
incisivos ataques contra aquilo que passou a ser chamado de “mania” ou “fetiche”
do crescimento. E menos motivados pelos
custos apontados por Mishan, do que pelo
avanço da consciência sobre seus limites
socioambientais. Particularmente nas
obras pioneiras publicadas na década de
1970 por William Kapp, Kenneth Boulding e Herman Daly. Que, por incrível que
pareça, nada pesaram no processo de
emergência da noção “desenvolvimento
sustentável”. O famoso documento da
ONU “Nosso Futuro Comum”, mais conhecido como Relatório Brundtland, mostra
bem como era forte em 1987 a miragem
de uma “nova era de crescimento econômico baseada em políticas que sustentem
e expandam a base de recursos naturais”.
Ocorreu o avesso. O que ficou cada vez
mais evidente ao longo dos últimos dois
decênios foi a irresponsável temeridade
de se aceitar a dependência de energias
de origem fóssil. Não apenas pela necessidade de se combater o aquecimento
global, que agora se mostra incontornável. Também porque não poderiam ser
mais sombrias as conseqüências geopolíticas das desigualdades de acesso às jazidas de petróleo, carvão e gás. E o que é
pior: sem que qualquer promessa de
inovação científico-tecnológica permita
vislumbrar a saída. Por isso, é claro que
os problemas ambientais globais deveriam dominar a pauta da eventual reunião de cúpula que talvez se imponha
por outra razão: o cenário recessivo que
brota de uma das mais sórdidas crises financeiras de que se tem notícia.
Só que esse hipotético “novo Bretton
Woods” de pouco serviria se não engendrasse firme cooperação internacional para promover efetivas decolagens em cerca
de 70 dos países mais periféricos, nos quais
o crescimento econômico é condição necessária, e até suficiente, para que se desenvolvam. Exatamente o inverso do que ocorre nos países centrais, onde o mito do “crescimento sustentável” continuará a causar
muito mais prejuízos do que benefícios. E
se tal virada fosse bem arquitetada, certamente poderia amortecer os impactos sociais causados por reestruturações no Norte, assim como os ambientais resultantes
de mais dinamismo no Sul.
A grande incógnita estaria na semi-periferia. Mas não apenas em quatro “BRIC”,
ou em punhado de “emergentes”. Em 72
países cujas trajetórias de crescimento fazem com que tenham emissões de gases
estufa que ultrapassam as de países centrais. Principalmente um grupo de 20 que
já causa estrago bem maior que o dos dez
maiores emissores do núcleo central. E
sem que possam sequer admitir uma ínfima dúvida sobre a necessidade de cresci-
mento de suas economias. Continuariam
inteiramente à mercê do surgimento de
inovações que descarbonizassem suas matrizes energéticas.
O maior obstáculo, contudo, talvez
nem fosse esse, e sim a dificuldade de se
admitir que os países mais desenvolvidos já possam dispensar o crescimento
econômico. Daí a importância de três
claros sinais de que começa a sair do
gueto o movimento intelectual que pretende caminhar nessa direção.
Ficou cada vez mais evidente ao
longo dos últimos dois decênios
a irresponsável temeridade de
se aceitar a dependência de
energias de origem fóssil
O primeiro é um livro cujo próprio título enfatiza ser muito melhor reduzir o
crescimento de propósito do que ter de
encará-lo por desastre: “Managing Without Growth - Slower by Design, Not Disaster”, do professor Peter A. Victor, da
Universidade de York do Canadá (Edward
Elgar: 2008). Com a ajuda de simulações
econométricas, mostra os possíveis resultados de um decrescimento bem administrado da economia canadense com a
meta de atingir uma condição estacionária por volta de 2030. Os benefícios socioambientais e econômicos não poderiam ser superiores: pleno emprego, eli-
minação da pobreza, mais lazer, considerável redução das emissões de gasesestufa, e tudo com equilíbrio fiscal.
O segundo está no dossiê “A estupidez
do crescimento”, que ocupou 15 páginas
da edição de 18/10 da revista britânica
“NewScientist”, com merecido destaque
para Herman Daly. Ele reconhece que,
além de radical, o anseio de abolir a obsessão pelo crescimento parece politicamente inviável. Mas também pede que
se admita quão absurda é a idéia oposta,
de crescimento além dos limites biofísicos da Terra. E lembra que seus limites
econômicos já estão patentes, pois os
benefícios de mais crescimento são cada
vez mais excedidos pelos custos.
O terceiro foi a realização da primeira
conferência internacional sobre “decrescimento econômico para a sustentabilidade
ambiental e a equidade social” (www.degrowth.net). Nem tudo chega a ter razoável
qualidade na salada de textos que ocupa as
mais de 300 páginas de seus anais. Mas há
ali algumas pérolas, como a demonstração
proposta pelo mestre holandês Roefie
Hueting de que não há conflito entre emprego e conservação, por mais que a sustentabilidade seja incompatível com o permanente aumento da produção.
José Eli da Veiga , professor titular do departamento
de economia da FEA-USP e pesquisador associado do
“Capability & Sustainability Centre” da Universidade de
Cambridge, com apoio da Fapesp, escreve mensalmente
às terças. Página web: www.zeeli.pro.br
América Latina e seu desafio fiscal
É preciso elevar os
níveis de legitimidade
fiscal, que ajudam a
consolidar a confiança
nas instituições.
Por Javier Santiso
V
ivemos tempos incertos mas,
mesmo assim, fascinantes para a América Latina. Há apenas uma década, as economias da região haviam sucumbido num
abrir e fechar de olhos a uma crise financeira como a atual. Os efeitos da tormenta certamente estão se fazendo sentir e
deverão se aprofundar em 2009, exatamente como nas demais economias
emergentes, mas sem a dramaticidade
com a qual as economias latino-americanas nos haviam acostumado.
Um elemento chave desta capacidade
latino-americana de ludibriar o temporal
financeiro melhor do que no passado reside na boa ancoragem fiscal das economias
regionais, que permite uma maior resistência aos choques externos. Apesar disto,
o singular da política fiscal é que ela oferece um exemplo do amadurecimento progressivo das políticas econômicas em boa
parte da América Latina, amadurecimento
que dará bons retornos em momentos difíceis, como os que se avizinham.
De acordo com o nosso novo relatório
“Perspectivas Econômicas da América
Latina 2009”, do Centro de Desenvolvimento da OCDE, a maioria dos governos
latino-americanos (sempre há exceções)
têm tomado durante os últimos anos
medidas fiscais adequadas para enfrentar um contexto crítico como o atual.
Entre os avanços, foi obtida uma melhora significativa na gestão da dívida
pública, o déficit fiscal foi rebaixado e
foram adotadas iniciativas importantes
de responsabilidade fiscal, como a criação de fundos de estabilização. A região
foi também pioneira em inovações fiscais que abrangem desde modalidades
especiais de transferência condicional
de dinheiro em espécie, a interessantes
projetos de orçamentos participativos.
Apesar do já conquistado, resta muito
caminho adiante. A tormenta atual desencadeada nos países desenvolvidos só
agrava a urgência de tomar providências, embora também nos leve a lamentar o tempo desperdiçado durante estes
últimos anos de bonança, agora infelizmente atrás de nós. Nossa análise dos sistemas tributários latino-americanos reconhece os avanços, porém realça também as muitas deficiências que a questão
fiscal continua carregando na região.
Por exemplo, o índice de volatilidade
das receitas públicas continua elevado e,
em especial, a estrutura de arrecadação
demasiado regressiva: as receitas dependem excessivamente de fontes não tributárias, como as tarifas sobre exporta-
ção e exploração de recursos naturais,
todos estes submetidos às volatilidades
que estamos presenciando agora, e dependem também de impostos indiretos,
que oneram o consumo. Pelo contrário,
os impostos sobre a renda pessoal, que
costumam ser muito mais progressivos,
por tributarem segundo o nível de receitas, contribuem com apenas 4% do total
de receitas fiscais da América Latina, ante 27%, nos países da OCDE.
No campo do gasto público, o panorama também oferece muita margem
de melhora. Entre 1990 e 2006, o gasto
público representou 25% do PIB na
América Latina, o que contrasta com os
44% alcançados nos países da OCDE.
Menos dinheiro arrecadado é obviamente sinônimo de menos dinheiro para gastar, embora nosso relatório não
coloque tanta ênfase na quantidade, e
sim na qualidade. A comparação de
rendimento estudantil no Chile e México com países que gastam o mesmo por
estudante, como Lituânia, é ilustrativa
de que os governos latino-americanos
continuam gastando pouco nas políticas de maior impacto sobre a aprendizagem e os resultados, como o número
de horas que os alunos dedicam às suas
aulas, ou à melhora nas políticas de admissão dos centros educativos.
Toda reforma que pretenda promover a qualidade fiscal nos países da
América Latina deve levar em conta es-
tes problemas e propor soluções que
permitam explorar ao máximo o potencial da política fiscal como motor do
desenvolvimento. Os sucessos fiscais
são colocados à prova especialmente
em contextos difíceis como o atual, e é
exatamente agora que convém ressaltar
como a política fiscal pode contribuir
para um crescimento econômico que
não dê as costas à eqüidade. Situar as
políticas fiscais que promovem o crescimento e a igualdade pelo menos no
mesmo nível que as destinadas a estabilizar a produção e os preços é decisivo.
Os governos latino-americanos
continuam gastando pouco nas
políticas de maior impacto
sobre a aprendizagem e os
resultados na educação
Uma política fiscal baseada na eqüidade e na efetividade pode e deve constituir o melhor antídoto contra o caudilhismo fiscal do qual ainda padecem
muitos sistemas latino-americanos e
que explica os baixos níveis de legitimidade fiscal que encontramos há um
ano, quando publicamos o nosso relatório anterior.
Se os cidadãos tiverem certeza de que
seus governos arrecadam de maneira justa e gastam adequadamente, estarão
mais dispostos a cumprir suas obrigações
fiscais, o que por sua vez se refletirá positivamente na própria legitimidade democrática. Níveis elevados de legitimidade fiscal ajudam a consolidar a confiança
da cidadania nas instituições públicas.
Pelo contrário, uma sociedade desigual, na qual os bens públicos são escassos, de baixa qualidade e na qual a
pressão tributária não corresponde ao
nível de receitas, é um sistema em que a
desconfiança em relação às instituições
é maior. A política fiscal, com seus desafios e oportunidades, pode e deve ser
um dos eixos desse diálogo sobre como
a América Latina pode avançar na sua
agenda de desenvolvimento e consolidação democrática.
Injetar maior progressividade nos
gastos é, afinal, também a história da
democracia. Sua consolidação caminha
de mãos dadas com uma maior legitimidade fiscal que só se pode obter arrecadando mais, mas, acima de tudo, gastando melhor, quer dizer, não obrigatoriamente mais, e sim de maneira mais
eficiente e mais progressiva, de modo a
alcançar assim as populações mais pobres da região, que serão inevitavelmente as que novamente sofrerão mais
o impacto da atual crise financeira e
macroeconômica global.
Javier Santiso é diretor do Centro de
Desenvolvimento da OCDE
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América Latina e seu desafio fiscal