SUJEITO COLETIVO NO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO
TURMA DOM JOSÉ MAURO
VIANA, Valdecir Lopes
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
RESUMO
Este texto integra as reflexões da pesquisa1, em andamento e propõe analisar a vivência
coletiva e em grupo da Turma de Licenciatura em Educação do Campo Dom José
Mauro. Essa turma tem um diferencial, pois, os sujeitos que a compõem foram
indicados pelos movimentos sociais, ONGs e poder publico portanto, um grupo
heterogêneo. Mitos integrantes da turma vêem então com o sentimento e o dever de
sujeito coletivo, com o compromisso de ajudar na construção desse curso.
Deste modo, nosso interesse é conhecer, sistematizar e analisar o papel do sujeito
coletivo dentro do curso, ou seja, de que forma, e até que ponto, estes sujeitos
contribuíram para com o processo de constituição do curso e de formação e organização
da turma. Este momento tem como principal desafio perceber, como cada
movimento/organização tem concebido esse sujeito coletivo e sua inserção na turma, à
medida que esse permanente diálogo entre os sujeitos que compõem a turma e as
entidades que os indicaram, certamente, contribuirá nas análises presentes neste texto,
sobre a importância destes sujeitos no processo de constituição do curso. Nesta
perspectiva, Bogo (2002) ressalta que “participar quer dizer fazer parte, ter o
reconhecimento da importância de compor algo maior do que somos individualmente”
(p.153).
Diante disso, é de suma importância que os sujeitos coletivos participem e construam
coletivamente a Educação do Campo. Ainda segundo o mesmo autor “... as formas
organizativas devem cativar a participação de homens e mulheres. Moças e rapazes.
Todos somos sujeitos da construção da mesma causa. (BOGO, 2002, p.162)
Palavra chave: Educação do Campo, sujeito coletivo e Movimentos sociais.
INTRODUÇÃO
1
Trabalho orientado pela Dr. Maria Isabel Antunes Rocha
Este trabalho propõe retratar a vivência em grupo dos (as) educandos (as) da turma de
Licenciatura em Educação do Campo Dom José Mauro, durante os quatro anos em que
conviveram juntos, tanto na universidade, como também no alojamento. Para tanto, faz
se necessário uma abordagem que vai além, da simples convivência entre os sujeitos,
mas, sobretudo, de mostrar como foi à participação destes, enquanto sujeitos coletivos
na organização da turma e do curso.
Algumas questões pertinentes se fazem presentes neste trabalho, na perspectiva de não
só, alimentar as reflexões propostas aqui, como também evidenciar quais instrumentos
foram utilizados e/ou criados pelos (as) educandos (as) com a finalidade de fortalecer o
curso e, sobretudo, os laços de cumplicidade e solidariedade que ao longo dos quatro
anos foram se formando entre os membros da turma. Uma dessas questões e talvez a
que irá orientar em maior proporção este trabalho é interrogar os sujeitos da turma de
que forma, estes foram se organizando ao longo dos quatro anos.
A turma Dom José Mauro2 se diferencia das demais turmas de Educação do Campo
hoje em andamento na UFMG3, sendo uma dessas características que distingue a turma
em questão, e que aguça ainda mais a minha vontade de pesquisá-la é o fato de agrupar
diversas organizações em sua composição, constituindo uma turma heterogênea, haja
vista que os integrantes, são oriundos de movimentos sociais, sindicais, organizações
não-governamentais e órgãos públicos. Somam-se ao todo 16 entidades.
Deste modo, nosso interesse é conhecer, sistematizar e analisar o papel do sujeito
coletivo dentro do curso, ou seja, de que forma, e até que ponto, estes sujeitos
contribuíram para com o processo de constituição do curso e de formação e organização
da turma. Este momento tem como principal desafio perceber, como cada
movimento/organização tem concebido esse sujeito coletivo e sua inserção na turma, a
medida que esse permanente dialogo entre os sujeitos que compõem a turma e as
entidades que os indicaram, certamente, contribuirá nas análises presentes neste texto,
sobre a importância destes sujeitos no processo de constituição do curso. Nesta
perspectiva, Bogo (2002) ressalta que “participar quer dizer fazer parte, ter o
reconhecimento da importância de compor algo maior do que somos individualmente”
(p.153).
2
Dom José Mauro foi uma grande liderança no Norte de Minas; ao longo de sua história de luta coloca
como principal objetivo o acesso a terra. Veio a falecer em 14/09/2006 em um acidente trágico. A
Turma de Licenciatura em Educação do Campo em reconhecimento para com a sua história de luta
decide homenageá-lo batizando a turma com seu nome.
3
A UFMG atualmente tem três turmas de Licenciatura em Educação do Campo em andamento, sendo
que, uma delas (Turma Dom José Mauro) oferece em seu âmbito de formação duas áreas do
conhecimento, tal como, ciências da vida e da natureza e línguas, artes e literatura. As duas outras
turmas de Licenciatura trabalham, apenas com uma área de formação, sendo uma (turma 2009) da CVN,
e a outra (turma 2010) da LAL.
Diante disso, é de suma importância que os sujeitos coletivos participem e construam
coletivamente a Educação do Campo. Ainda segundo o mesmo autor “... as formas
organizativas devem cativar a participação de homens e mulheres. Moças e rapazes.
Todos somos sujeitos da construção da mesma causa. (BOGO, 2002, p.162)
BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO E A CONSTITUIÇÃO DA
2º TURMA DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA FaE/UFMG
Para iniciar esse dialogo é imprescindível compreender o movimento em torno da
Educação do Campo que culminou no desfecho da criação das licenciaturas e,
notadamente constitui-se enquanto um movimento de lutas, reivindicações e conquistas.
Deste modo faz se necessário um breve resgate sobre essa trajetória recente de nossa
história, nesse sentido segue alguns elementos necessários para esse entendimento.
Em meados da década de 1990 é pautado a nível nacional o debate da “Educação do
Campo”. Inicialmente esse processo foi gestado pelas seguintes entidades: MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), UNB (Universidade de Brasília),
UNICEF (Fundo das nações Unidas para a Infância), UNESCO ( Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil), nesse contexto a Educação do Campo ganha maior visibilidade e
muitos outros movimentos somam forças na luta por uma educação até então negada
para os povos do campo. Nesse cenário começam grandes mobilizações nacionais
envolvendo várias entidades e movimentos sociais populares do campo, propondo a
necessidades de se discutir a fundo essa questão.
Após vários debates, acontece a I Conferência Nacional de Educação do Campo,
realizada em 1998 e a II Conferência Nacional de Educação do Campo, realizada em
2004. No âmbito estadual e regional houve grande mobilização, como é caso da
“Rede Mineira Por uma Educação do Campo”, constituída em 1997.
Esses eventos foram realizados articulando movimentos sociais e sindicais que atuam
no campo, comprometidos com uma educação que contemple as especificidades dos
povos do campo e que promova melhores condições de vida e educação. Desta forma
em 2007 o MEC propõe para algumas universidades federais desenvolver um projeto
piloto de um curso superior para os povos do campo, nessa perspectiva a UFMG adere
ao projeto e dá-se início a composição da 2ª turma de Educação do Campo/MEC do
Estado de Minas Gerais.
A segunda turma de Licenciatura em Educação do Campo da UFMG é fruto da
demanda dos movimentos sociais, sindicais e órgãos públicos que teve como referencia
o primeiro curso de pedagogia com o apoio do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA). Segundo Antunes-Rocha(2009), “A Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Minas Gerais tem atuação histórica junto aos
movimentos populares, tanto urbanos quanto rurais. Traz em seu portfólio uma
expressiva produção em termos de projetos de pesquisas e extensão” (p.39).
Nesse cenário a educação do Campo através das lutas encabeçadas pelos movimentos
sociais e entidades ganha estatus de política pública com a finalidade de atender um
público específico que são as populações camponesas.
Os movimentos sociais juntamente com o poder público acreditando que através da
educação é possível obter um novo olhar sobre o campo começam a se reunir e debater
estratégias de ocupar os espaços da universidade. Percebendo assim, a necessidade de
construir um novo modelo de educação, voltado especificamente para as questões do
Campo. Como bem pontua Arroyo (2005), os movimentos sociais em sua incansável
luta conseguem visibilizar a Educação do Campo para a esfera pública da educação, e
com isso, exigir deste, mudanças estruturais para com os povos do campo.
Os movimentos sociais vêm fazendo uma longa e tensa caminhada
para colocar o campo na agenda pública. Os estados e mais
particularmente os municípios percebem que a gestão da chamada
educação rural está a exigir uma definição profunda. O ministério da
Educação passou a preocupar-se em equacionar uma agenda
especifica para a Educação do Campo. Avança assim, a consciência da
necessidade de uma política pública da Educação. (p. 91).
O sonho de constituir uma turma, cujos sujeitos são oriundos do campo, aos poucos
começa a ganhar corpo e tornar-se realidade.
Após varias reuniões os movimentos sociais e poder público conseguem junto a
Universidade Federal de Minas Gerais em 2008 lançam o segundo vestibular
diferenciado, no qual os aprovados no vestibular apresentaram uma carta de referência
do movimento ou organização que o indicou para compor a turma.
O curso de Licenciatura em Educação do Campo se diferencia dos demais cursos de
graduação ofertados pela universidade em vários aspectos, não só de sua história de luta
e resistência do povo camponês, como também, a própria forma como o curso está
organizado, sendo por área do conhecimento e utiliza como prática de sua formação a
pedagogia da alternância.
Em 17 de fevereiro de 2008, a segunda turma de Licenciatura em Educação do Campo
batizada posteriormente pelo nome de Dom José Mauro, adentra a Universidade Federal
de Minas Gerais. Tal data é considerada simbolicamente pelos movimentos sociais do
campo uma conquista de imprescindível importância, pois para estes sujeitos coletivos
ocupar a universidade arremata muitas das reivindicações presentes ao longo do
processo de luta por uma educação do campo. Para bem compreender essa importância,
faz se necessário frisar que foi uma das poucas vezes que vários (as) dos (as)
camponeses e camponesas tiveram a “oportunidade” de pisar os pés em uma
universidade pública.
A turma iniciou com 60 educandos (as), logo em seguida tornou-se 73, devido ao fato
desse excedente de 13 estudantes vierem transferidos da UNB. Os 13 companheiros e
companheiras oriundos da UNB, que em parceria com o ITERRA localizado no Rio
Grande do Sul realizam o mesmo curso de Educação do Campo concederam a
transferência dos estudantes para a UFMG, e já na 2ª etapa, estes “completaram” a
turma da UFMG.
A 1ª turma de Educação do Campo da UFMG em parceria com o MEC divide-se em
duas áreas do conhecimento: Ciências da Vida e da Natureza e Línguas, Artes e
Literatura.
SUJEITOS COLETIVOS
Este trabalho tematiza compreender a cerca da mobilização inicial dos sujeitos coletivos
oriundos dos movimentos sociais e do poder público, até sua inclusão na UFMG,
culminando assim, na composição da 2ª turma de educação do campo da UFMG e a
primeira em parceria com o MEC. Propõe ainda identificar como os movimentos sociais
deram visibilidade a Educação do Campo e construíram possibilidades de ingressar em
uma das mais respeitadas Universidades Públicas do Brasil.
Tal conquista justifica-se da teimosa luta dos movimentos sociais, para a construção de
um ensino que dialoga com outras dimensões da educação, para além da simples
sistematização dos conteúdos em sala de aula, mas, sobretudo que valorize os povos do
campo e suas especificidades.
De acordo com Antunes-Rocha (2009):
A escola do campo demandada pelos movimentos vai além da
escola das primeiras letras, da escola da palavra, da escola dos
livros didáticos. É um projeto de escola que se articula com os
projetos sociais e econômicos do campo, que cria uma conexão
direta entre formação e produção, entre educação e
compromisso político. Uma escola que, em seus processos de
ensino e de aprendizagem, considera o universo cultural e as
formas próprias de aprendizagem dos povos do campo, que
reconhece e legitima esses saberes construídos a partir de suas
experiências de vida. (p.40)
Descrever os avanços e dificuldades vivenciadas pelo grupo ao longo dos quatro anos,
explicitando, assim, as principais dificuldades, conquistas, erros e acertos do grupo que
na tentativa de construir outra história, não só de conquista pessoal, mas principalmente
para os movimentos do campo e, conseqüentemente para a população que vive no
campo. Importante destacar que nesse processo de conquista das licenciaturas, as
universidades tiveram suas cercas “arrancadas” pelo povo camponês na luta pela
transformação da realidade de descasos, principalmente no que tange a educação
presente atualmente no campo.
Através deste trabalho será possível analisar, mesmo que de forma limitada, a história
de cada um (a) do grupo, a luta dos movimentos para a criação do curso e a participação
dos mesmos na gestão política. Sem a pretensão de esgotar as reflexões a cerca de essas
questões, pretende-se aqui apresentar a construção coletiva do curso na dimensão dos
sujeitos coletivos que a compõem.
Dentro dessa abordagem a escrita deste trabalho é de imprescindível importância, pelo
fato não só de resgatar a luta e mobilização dos movimentos sociais pela educação do
campo, como também de apontar o perfil político da turma que se coloca enquanto uma
construção coletiva, em que envolve sujeitos coletivos. Possibilitando ainda, trazer para
a academia a organicidade da turma e os vários conhecimentos que foram sendo
construídos dentre os quatro anos de conivência. Tal material configura-se por ser um
trabalho acadêmico, que traz as memórias da turma enquanto produção de
conhecimento científico, valorizando os povos do campo e dando respaldo as suas
práticas de convivência e luta pela Educação do Campo.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BOGO, Ademar. A Participação. _____. O Vigor da Mística.
Trabalhadores Rurais Sem Terra. São Paulo, 2002. P.153-165.
Produzido pelos
ARROYO, Miguel G.Por um tratamento público da Educação do Campo. In: MOLINA,
Mônica Castagna e JESUS, Sonia Meire S. Azevedo de.Por uma Educação do Campo:
Contribuições para a constrição de um Projeto de Educação do Campo. Brasília, DF:
Articulação Nacional por uma Educação do Campo, 2005. P.91-108.
ANTUNES-ROCHA, Maria Isabel. Licenciatura em Educação do Campo: histórico e
projeto político pedagógico. In: ANTUNES-ROCHA, Maria Isabel e MARTINS, Aracy
Alves. Educação do Campo: desafios para formação de professores. Belo Horizonte:
Autentica Editora, 2009. P. 39-55.
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