© Phile Deprez
VICTORIA & Josse De Pauw
ÜBUNG
Teatro • 21h30 (2 e 3 Abr); 17h00 (4 Abr) • Palco do Grande Auditório • Duração 1h10
Espectáculo falado em neerlandês, legendado em inglês.
2, 3 e 4 Abr’04
Übung
Como tudo está calmo esta manhã! E que confusão
ontem à noite. (Riso de Ria). Está toda a gente triste
com alguma coisa. Na vida, dizia a minha mãe, todos
nós contemos as nossas lágrimas, a nossa raiva, as nossas
desilusões. E depois uma noite, com a ajuda do álcool,
todas estas pequenas coisas que nos entristecem saem cá
para fora... Se calhar precisamos que isto aconteça.
Excerto de ÜBUNG de Josse De Pauw
A convite do director artístico Dirk Pauwels,
Josse De Pauw foi artista residente no
victoria em Ghent, de 1999 a 2001.
Anteriormente, na época do Radeis, Dirk e
Josse haviam colaborado em trabalhos visual
e surrealmente exuberantes, que graças a Jo
Dekmine puderam ser apreciados pelo público francófono no Théâtre 140. Passaram-se dezassete anos desde essa época. Um
autêntico viciado do palco, Josse De Pauw
nunca deixou passar qualquer oportunidade
relacionada com a representação: escrita para
teatro, direcção de actores, criação musical,
guiões para cinema e papéis no grande ecrã,
enquanto que a sua presença magnética
continuava a maravilhar o palco. Ligado durante vários anos ao Kaaitheater de Bruxelas,
tendo trabalhado em Ghent cerca de dois
anos, e agora director artístico do Het Net
em Bruges, Josse De Pauw esteve sempre
disposto a franquear as portas do seu teatro à
liberdade de todas as disciplinas. Em Ghent,
victoria é uma casa de produção artística
para todas as gerações e para uma grande
diversidade de disciplinas. Proporciona um
lugar para (por vezes jovens) artistas e produz uma multiplicidade de espectáculos, de
pequena e grande dimensão, locais e internacionais, de enigmáticas estreias a sucessos
internacionalmente aclamados.
victoria convidou Josse a confrontar a
sua escrita para teatro com os jovens. Em
resposta, Josse observou: “Não sou capaz
de escrever um texto que esteja no mesmo
comprimento de onda que a infância e a adolescência. Mas a ideia desenvolveu-se. Porque
não fazer implodir a vida adulta através do
olhar dos jovens que a observam?”. A peça foi
escrita e tornou-se um guião, depois um filme
a preto e branco – o ‘modelo’. Numa magnífica casa de campo, Robert e Rolanda, desgastados e tensos, esperam pela chegada dos
amigos, Ria e Ivo. Logo que ouvem a buzina
do carro, a ‘representação’ começa. Efusão,
beijos e abraços e boa disposição forçada. Um
jantar empurrado à força com vinho, dois
casais que não se dão bem, um amigo solteiro
que é poeta amador e um violinista do Leste,
de quem tomam conta como se se tratasse de
uma romântica cereja em cima do bolo. Há
conversas banais de cortesia, imagens seleccionadas de coisas que possuem (telemóveis,
carros Jaguar, colecção de arte, piscina, sauna,
os sistemas de som e de imagem mais modernos, a culinária mais sofisticada) e conversas
ostensivas que depressam se afundam na
corrente do álcool - antes de todos eles se
depararem com os seus sentimentos mais
profundos.
No palco, seis criança vêem o filme. Têm
doze, talvez treze anos de idade. O som
foi desligado. Vestidos exactamente como
os adultos da festa, divertem-se a recriar
a banda sonora do grande ecrã, dobrando
as vozes, copiando a acção. Estarão a ensaiar? Se estão, para quê? A peça entitula-se
ÜBUNG, que significa ‘exercício, treino’! “A
ideia não foi que eles tivessem de fazer um
grande esforço para expressar as emoções das
personagens. Na realidade, era exactamente
o oposto. Todos eles têm de estar completamente sincronizados com os movimentos
dos lábios do adulto de que cada qual é a versão em miniatura, assim como com o som da
acção. Tiveram de gerir a mecânica funcional
de tudo aquilo. Empenharam-se verdadeiramente e desfrutaram da experiência, logo
desde o início dos ensaios. Adoram imitar
os crescidos. É importante para mim que a
capacidade deles transpareça, que tenham
o ritmo certo e estejam realmente sincronizados. Não os estou a pôr em cena, estou a
dirigir um concerto. Eles debitam secamente
os monólogos e os diálogos, entoam as melodias que estão a dobrar. Preciso que eles
saibam exactamente o que estão a fazer. Os
auriculares e monitores dão-lhes a liberdade
de se moverem enquanto ouvem. É óbvio que
não escolhemos os tímidos ou os discretos
para se envolverem neste projecto. Mas de
qualquer forma os seus ‘modelos’ também
não o são...”.
Os ‘modelos’ apresentados em ÜBUNG passam um mau bocado, apesar de todos os seus
bens de luxo, no momento em que dizem:
“Estamo-nos a divertir imenso!”. Eles têm
tudo o que querem, excepto o que é essencial:
afecto, amor e carinho. “Escrevi papéis muito
estereotipados de propósito, porque sabia
que no filme os actores os preencheriam com
a suas próprias experiências, nuances, preocupações e inquietações – eles são incríveis.
Obviamente, as crianças nunca serão capazes
de rir como os adultos em sociedade, nem de
se deixarem ir daquela forma. Mas é exactamente isto que é belo e confrontacional: as
diferenças entre eles.” Entre o filme a preto
e branco e o palco a cores, quem é que está a
copiar quem? “Usamos a exibição daquilo que
possuímos e daquilo que podemos comprar
para falar por nós. Depois, quando surge uma
necessidade verdadeira de falar, entra-se em
ruptura.” Será um problema dos adolescentes
ou dos adultos? “Quando Rolanda sucumbe
à frente da porta fechada do quarto do ‘seu’
violinista doméstico e chora suavemente,
pedindo-lhe que lhe dê um filho, que sons
coloca essa acção na boca da pequena Louise,
que a está a imitar?”
E quando eles aplaudem a actuação do violinista com a alegria da rolha que salta da
garrafa de champanhe? E quando um tipo
sozinho só está presente para os outros poderem fazer troça dele, como se fosse o bobo
de serviço? Afinal, ÜBUNG dirige-se a quem
e a quê? “As crianças não estão em palco para
julgar os adultos ou a sua representação. De
qualquer das formas, temos por hábito subestimar o efeito que a parte de nós que precisa
de uma ‘representação’ tem sobre as relações
humanas. Dizemos que não é honesto, que
é uma mentira, mas por vezes é o que nos
salva. Mas não enganamos ninguém. Como
é óbvio, as crianças odeiam explosões. Ver
os crescidos a discutir é assustador. Mas, se
explicarmos que na vida real as discussões de
facto acontecem e que não têm importância, que tem que ver com estar irritado ou
cansado, e não em guerra, então as crianças
percebem que não há mal nisso. Não acredito
em criar casulos de inocência, que os protegem das agruras do mundo real, porque isso
cria ‘contos de fadas’ ilusórios. Se as crianças
souberem de tudo, tornam-se perfeitamente
capazes de encaixar aquilo que não nos damos ao trabalho de esconder. Preservar a
pureza como algo de imensamente valioso
provoca-me arrepios!”
ÜBUNG não pretende fazer julgamentos
de valor nem criticar nada em particular.
Procura, no entanto, minimizar as coisas,
simplificando o drama em certas partes, as
pequenas crises e o vazio da vida. Igualmente,
ÜBUNG é atravessado pelo trabalho árduo
do jovem violinista retratado no filme por
George van Dam. Ele quer dominar as cordas
do seu intrumento de modo a que, sejam elas
tocadas, arranhadas ou dedilhadas, acabem
sempre por cantar. Pouco importa aqui que o
violinista só esteja a trabalhar nas suas peças
musicais para ganhar um famoso concurso. E,
enquanto que em palco o pequeno Stefaan já
consegue produzir uma música extraordinária com o seu instrumento, as suas próprias
cordas ainda resistem ao controlo sobre a
fluidez da harmonia... “Amo a vida, a vida tal
como ela é. É assim que nós somos! Com os
nossos sonhos e defeitos, os nossos prazeres e
idiotices, a nossa aspereza e os nossas gargalhadas sonoras.”
Criar e permitir a criação. Josse acrescenta,
“Na verdade, não tinha a mínima ideia de
qual seria o resultado final desta sincronização de crianças ao vivo e adultos filmados. De
qualquer forma, não estava interessado em
controlar as emoções que daí surgissem. Não
gosto de exercer pressão no sentido de obter
um determinado resultado. É verdade que,
para mim, o coração da peça bate em Voorbij
(que quer dizer ‘acabado’ ou ‘terminado’), a
pequena balada que contém rimas ridículas
murmuradas em Flamengo por um poeta
amador que se retirou para a casa de banho.
“Algo de belo passou por mim, junto à minha
cabeça, e aflorou o meu coração. Não sei o
que era. Quis agarrá-lo, mas nada encontrei.
De súbito chorei, suavemente, por muito
tempo, até que o sono me invadiu.”
josse de pauw
A carreira de Josse De Pauw (1952) – actor,
escritor, encenador dramático e realizador
de cinema – demonstra uma multiplicidade artística impressionante. É membro
fundador do grupo de teatro Radeis (1977)
e do colectivo de artistas conhecido
como Schaamte (que viria a tornar-se no
Kaaitheater). Usurpation (1985), o primeiro
projecto teatral que escreveu para música
de Peter Vermeersch, foi um ponto de viragem na sua carreira. Já actuou com Orkater,
com Jan Decorte em Het Stuk-Stuk (1986) e
In ondertussendoor (1987), e com Jan Ritsema
em Trio in mi-bémol (1991). Como actor e escritor, trabalhou com Peter Van Kraaij em
Exiles (1993), no filme Vinaya (1992), Ward
Comblez, He do the life in different voices (1989),
HetKind van de Smid (1990) e Wolokolamsker
Chaussée (1998). Produziu De Meid slaan, com
Tom Jansen, antes de levar à cena Trots vlees,
como parte de “Laagland”, uma estrutura
de trabalho que criara conjuntamente com
Jansen. Trabalhou em parceira com o compositor e músico Peter Vermeersch em Weg
(1998) e Larf (2000). Josse de Pauw é conhecido do público em geral pelos seus papéis em
filmes de Dominique Deruddere (Crazy Love,
Wait until Spring Bandini, Hombres Complicados) e
Marc Didden (Sailors don’t cry, 1988). O seu
mais recente livro, Werk, foi publicado no
final de 2000 e oferece uma perspectiva da
sua vida e obra.
Texto: KunstenFestivaldesArts, Março de 2001
Conceito e Ideia Josse De Pauw, Koen Gisen
Texto e Encenação Josse De Pauw
Assistente de Encenação Katrin Verlende (palco), Koen
Gisen (filme)
Cenário e Figurinos Pynoo
Actores em Palco Emilo De Baudringhien (Ivo), Annelies
De Baere (Ria), Amber Van De Veire (Rolanda), Niels
Pyck (Olivier), Stefaan De Rycke (Georgy), Arne Kinds
(Robert)
Realização Técnica Philippe Digneffe, Michel Malin, Piet
Depoortere
Actores no Filme Josse De Pauw (Robert), Lies Pauwels
(Ria), Dirk Roofthooft (Ivo), George Van Dam (Georgy),
Bernard Van Eeghem (Olivier), Carly Wys (Rolanda), Els
Pynoo (Julie)
Câmara Ruben Impens
Montagem Geert Bové
Anotador Jan De Coster
Ambiente Sonoro George Van Dam, Kurt Maxx
Realização Robbie Boi, Piet Depoortere, Hilde Gythiel,
Kurt Verleure
Legendas Option Facilities – Erik Borgman
Tradução Wendy Van den Borre (Inglês) com o apoio do
VTI (Instituto Flamenco de Teatro)
Produção Pat De Wit
Organização da tournée Hilde Teuchies, Kristof Blom,
Philippe Digneffe
Director Técnico Stefaan Deldaele
Waltz é uma composição de George Van Dam interpretada
por George Van Dam, Philippe Cormann, Amy
Norrington
Agradecimentos Marc, Celine, Marie & Alice Van
den Broeke, Monique Blyau; Kaaitheater &
KunstenFESTIVALdesarts, Bruxelas; Petra Serwe, Ilaria
Mancia, Sergio Rogier & Kaat De Cock, Herman De
Roover & Johan Lanoo, Hotel Brasserie Wijnendael
(Linda De Troyer), An Graré (maquilhagem), Mireille
Van Overmeiren & Danny Hennaert, Phile Deprez
(fotografias)
Com o apoio do Governo da Flandres
Übung recebeu o Grand Prix du TheaterFestival 2001
para o melhor espectáculo de Teatro na Flandres e nos
Países-Baixos.
Produção VICTORIA (Ghent)
Co-produção Het Net (Bruges)
Conselho de Administração
Presidente Manuel José Vaz
Vice-presidente Miguel Lobo Antunes
Vogal Luís dos Santos Ferro
Director Artístico António Pinto Ribeiro
Director Técnico Eugénio Sena
Produção Margarida Mota da Costa, Paula Tavares
dos Santos, António Sequeira Lopes, Catarina
Carmona, Patrícia Blázquez, Marta Cardoso, Rute
Sousa, Maria do Céu Jimenez, Filipe Folhadela
Moreira, Cristina Ribeiro, Paulo Silva, Tiago
Bernardo, Álvaro Coelho, Nuno Cunha, Teresa
Figueiredo, Sofia Fernandes
Direcção de Cena e Iluminação Horácio Fernandes
Maquinaria de Cena José Luís Pereira
Audiovisuais Américo Firmino, Paulo Abrantes
Operador de Luzes Fernando Ricardo
Técnicos de Palco Alcino Ferreira, Nuno Alves
Bilheteira Manuela Fialho, Edgar Andrade
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