O PENSAMENTO CRÍTICO DE CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA SOBRE MARKETING POLÍTICO Victor Kraide Corte Real (Publicitário e mestrando em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo) Resumo: O pesquisador e conceituado jornalista brasileiro Carlos Eduardo Lins da Silva é freqüentemente estudado como sendo um renovador do Pensamento Comunicacional LatinoAmericano. A importância de sua obra está relacionada a sua inquietude intelectual, a maior parte de seus textos são questionamentos decorrentes da relação existente entre a imprensa e a sociedade civil. O presente trabalho visa analisar especificamente o posicionamento crítico deste autor em relação ao marketing político praticado no Brasil. Lins da Silva é um pensador que relaciona de forma apurada os conhecimentos teóricos à prática, usando intensamente seu conceituado profissionalismo jornalístico à pesquisa em Comunicação. Do ponto de vista político, sua postura crítica analisa o grau de maturidade do eleitorado brasileiro e questiona o suposto poder incomensurável atribuído a prática do marketing político, muitas vezes considerado como uma ferramenta “mágica” capaz de decidir eleições, transformando candidatos em produtos e menosprezando a capacidade intelectual do cidadão eleitor. Palavras-chaves: Marketing, Política, Lins da Silva 2 Sobre Carlos Eduardo Lins da Silva Jornalista, pesquisador e professor são apenas três, das muitas facetas assumidas pelo comunicador social chamado Carlos Eduardo Lins da Silva. Nascido em Santos, em 1952, iniciou suas atividades como jornalista ainda muito cedo, aos 19 anos, atuando como repórter em dois jornais da capital paulistana: o Diário da Noite e o Diário de São Paulo, desde então sua intensa produção intelectual não cessou, garantindo assim, importantes contribuições ao pensamento comunicacional latino-americano. Seu currículo é bastante vasto e já foi tratado minuciosamente em outros textos, porém, apesar de não ser o objetivo principal do presente trabalho, não podemos deixar de expor algumas de suas muitas contribuições mencionadas acima. Felizmente, seu currículo ainda está em constante processo, neste sentido, qualquer texto produzido anteriormente a este pode estar defasado, e mesmo este está sujeito a defasar-se rapidamente. Então vamos relacionar a seguir, um pouco da obra e da vida de Carlos Eduardo Lins da Silva até maio de 2003. Como jornalista escreveu centenas de artigos e trabalhou em diversos veículos da imprensa, entre eles: Diário da Noite, Diário de São Paulo, Diários Associados (através da Tribuna de Santos), Raízes, Folha de S. Paulo e atualmente é diretor-adjunto de Redação do jornal Valor Econômico. Ocupou cargos desde repórter até diretor, trabalhando também como correspondente no exterior e editor. Participou também do “Manhattan Conection”, programa veiculado na tv a cabo, sob o comando do jornalista Lucas Mendes e com participação de Nelson Mota e Paulo Francis. Sua formação acadêmica inclui graduação em jornalismo na Faculdade de Comunicação Casper Líbero; Mestrado na Michigan University State, nos Estados Unidos, em 1976, com o tema Mass Media and Environmental Affairs: a case study in Santos, Brazil; Doutorado em Ciências da Comunicação, jornalismo, pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em 1984, com a tese (posteriormente adaptada para livro, virando best-seller nacional) Muito além do Jardim Botânico: estudo da consciência crítica dos trabalhadores face à representação do real feita pelo telejornalismo: pesquisa-ação nos bairros de Lagoa Seca (RN) e Paicará (SP) sobre a recepção do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão; Livre docência, também na ECA, em 1987, com a tese Mil Dias – análise das mudanças no processo de produção da Folha de S. Paulo durante a implantação do “Projeto Folha” (maio/1984 – fevereiro/1987); além dessas teses, Lins da Silva escreveu diversos livros, sendo considerado como o de maior repercussão O Adiantado da Hora: a 3 influência americana sobre o jornalismo brasileiro, publicado pela Editora Summus em 1991. Carlos Eduardo Lins da Silva também foi um docente incansável, lecionando diversas disciplinas nos cursos de comunicação na Universidade de São Paulo, no Instituto Metodista de Ensino Superior, na Universidade Católica de Santos, na Faculdade Casper Líbero e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Também trabalhou como redator, editor e colaborador de revistas científicas e jornais de comunicação, além de ser membro fundador da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e ter atuado na mesma como secretário-geral, membro do conselho fiscal e vice-presidente. A rica carreira de Lins da Silva, apresentada acima de forma muito condensada, sempre teve como base a seriedade e a preocupação com a investigação minuciosa dos fenômenos da comunicação (MACEDO, 2000). Perguntado sobre o que achava de ser rotulado como membro renovador do pensamento comunicacional da América Latina, Lins da Silva respondeu a Adolpho Queiroz através de fax: “Para mim, foi muito gratificante. Mas sei que, em grande parte, essa distinção se deve à amizade de José Marques de Melo” (QUEIROZ, 1996, p. 228). Recentemente mantive contato com ele através de e-mail e telefone, e perguntei se ele ainda mantinha esta posição, então recebi a seguinte mensagem como resposta: Francamente, acho um pouco excessivo classificar-me como renovador da pesquisa sobre comunicação na América Latina. Creio que minha tese de doutoramento, “Muito Além do Jardim Botânico”, tem algum pioneirismo metodológico por ter sido talvez a primeira a se valer da “pesquisa-ação”. Mas o simples fato de que houve muita pouca “replicagem” do método demonstra como provavelmente foi limitada a importância do meu trabalho. Talvez Lins da Silva não goste de rótulos, porém suas principais características como pesquisador, ou seja, “mestiçagem teórica, hibridismo metodológico e determinação ética” (REBOUÇAS, 2000), fazem com que ele seja classificado inevitavelmente como um renovador por excelência. Seus conhecimentos teóricos mesclam conceitos positivistas norte-americanos com os conceitos europeus da Escola de Frankfurt, na verdade o pesquisador-jornalista rompe pressupostos teóricos frankfurtianos dando um sentido menos negativo para a “indústria cultural”, além de questionar a postura excessiva de passividade que a teoria crítica atribui aos receptores da comunicação de massa (MACEDO, 2000). Metodologicamente, Lins da Silva faz adaptações técnicas da pesquisa-ação e da observação participante ativa, desenvolvendo uma metodologia adaptada à realidade brasileira e latino-americana, evoluindo de métodos 4 funcionalistas de observação para uma postura de cidadão aliado ao papel de pesquisador (REBOUÇAS, 2000). Sua determinação ética está ligada a constante preocupação em relacionar pesquisa com questões sociais, a própria evolução metodológica de seu trabalho demonstra isso. Sobre marketing político, o tema principal deste trabalho, Lins da Silva produziu duas obras de grande relevância: Em busca do voto perdido: os meios de comunicação na tentativa de restaurar um pacto populista, no período em que atuou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1979/1981), tratando da análise sobre o uso dos meios de comunicação de massa pelo candidato populista Aluízio Alves e os votos que perdeu nas eleições, devido a hipótese de uma formação de consciência de classes por parte dos trabalhadores nordestinos, e seu potencial para “distinguir entre medidas paliativas e projetos de longo prazo realmente comprometidos com a solução de seus problemas” (MACEDO, 2000). A outra obra é um trabalho mais recente intitulado O Marketing Eleitoral, publicado em 2002, na série de livros “Folha Explica”, é um livro curto no qual Carlos Eduardo Lins da Silva aplica muito de seu conhecimento teórico/crítico, questionando de forma ousada e inovadora a idéia do poder incomensurável do marketing político, e a exagerada relação deste com a obtenção de votos através da manipulação ideológica do eleitorado. Sobre marketing comercial e marketing eleitoral O conceito de marketing eleitoral normalmente é descrito como uma variação do marketing político, estando particularmente preocupado com as estratégias mercadológicas adotadas pelos candidatos políticos durante o período que antecede uma determinada eleição. Porém os conceitos de marketing eleitoral e marketing político muitas vezes aproximam-se e são usados como se não houvesse distinção, pois a maioria dos candidatos políticos acredita que toda sua vida pública está inserida num processo eleitoral, qualquer atitude ou manifestação relacionada à sociedade, pode ser usada a seu favor ou contra nas vésperas de uma eleição. Alguns analistas consideram, por exemplo, o Plano Real, visto até hoje pela maior parte dos brasileiros como bem sucedido, aplicado por Fernando Henrique Cardoso enquanto ainda era ministro da economia do governo Itamar Franco, como sendo o principal elemento determinante de sua vitória na eleição de 1994 e na reeleição de 1998. De fato, as manobras políticas dos candidatos são enfatizadas durante o processo eleitoral, através do 5 chamado marketing eleitoral, mas efetivamente todo indivíduo que pretende ocupar cargos políticos deve estar preocupado em trabalhar seu marketing político diariamente. Algumas ferramentas do marketing comercial são usadas no marketing político, principalmente a propaganda comercial é usada como base para a propaganda política, isso não significa que a escolha de um candidato através do voto seja feita a partir dos mesmos estímulos que temos para comprar uma mercadoria, porém em essência, a propaganda política utiliza argumentos similares aos da propaganda comercial para tentar influenciar os eleitores a escolherem um determinado candidato. Para entendermos esses estímulos que tentam induzir a escolha de um candidato ao invés de outro, precisamos entender um pouco sobre o surgimento da propaganda. As técnicas modernas de propaganda surgiram como conseqüência da industrialização e do desenvolvimento do capitalismo no final do século XIX, naquela época o homem passava a produzir mais do que era capaz de consumir. “Era preciso agregar novos contingentes de consumidores para a demanda poder acompanhar a capacidade de oferta”, além disso, os novos bens de consumo precisavam parecer “necessários, benéficos ou prazerosos” para que os consumidores fossem “levados à decisão de compra” (LINS DA SILVA, 2002). A propaganda começava a ser utilizada como um instrumento capaz de agregar valores aos bens de consumo, fazendo uso de mensagens carregadas de conteúdos ideológicos como liberdade e sucesso, por exemplo, características que supostamente seriam obtidas através da aquisição de determinados bens de consumo. Um carro passava a ser visto não simplesmente como um veículo de transporte, mas como um símbolo de status, poder e sucesso. O surgimento e o avanço tecnológico dos meios de comunicação de massa potencializou a divulgação dos supostos benefícios proporcionados pelos bens de consumo. Conhecimentos sociológicos e psicológicos também passaram a integrar as técnicas de propaganda, na tentativa de aperfeiçoar o conceito de manipulação ideológica das necessidades dos receptores das mensagens publicitárias. A propaganda política também procura atribuir valores, muitas vezes questionáveis, a um determinado candidato, a fim de influenciar uma decisão que está relacionada à busca, através do voto, da opção que aparentemente melhor satisfaça nossas necessidades como cidadãos. Então se o marketing político é similar ao marketing comercial, e se em ambos o objetivo é influenciar o consumidor/eleitor a comprar/eleger produto/candidato, qual é a diferença entre um político e um sabonete? um determinado 6 Carlos Eduardo Lins da Silva procura justamente estabelecer essa diferença, através de argumentos sólidos e do posicionamento crítico em relação as principais teorias e práticas existentes sobre marketing político. Lins da Silva e o marketing político O alto nível intelectual de Lins da Silva obtido através do constante questionamento das teorias de comunicação, seu profundo conhecimento sobre as teses defendidas pela escola positivista norte-americana e pela escola de Frankfurt, fazem com que ele considere o mundo da política, e as diferentes percepções que cada um de nós tem sobre o assunto, como sendo algo bastante complexo, impossibilitando que uma teoria simplista seja sustentada a partir da defesa de que o marketing é uma “atividade mágica” capaz de decidir eleições (LINS DA SILVA, 2002, p.16). Ele ainda argumenta sobre a constante suposição que transforma candidatos em sabonetes, como sendo uma acusação que “subestima até o mais baixo ponto a capacidade de raciocinar do cidadão”, pois somente uma “pessoa imbecilizada escolheria um governante com os mesmos critérios com que elege a marca de seu sabonete” (LINS DA SILVA, 2002, p.13). Lins da Silva levanta uma hipótese a respeito dessa supervalorização atribuída ao marketing político. Como sendo uma hipótese, ela pode vir a ser comprovada ou contestada, mas de qualquer forma ela nos faz pensar sobre a exagerada valorização do marketing político como sendo algo, até certo ponto, prático e útil. Segundo Lins da Silva, a atribuição de tanto poder a esta modalidade do marketing é interessante para o próprio profissional da área, pois assim ele valoriza seu trabalho e beneficia seus negócios; e também serve ao eleitor, na medida em que ele pode responsabilizar outrem por ter sido influenciado a tomar uma decisão errada, quando um eleito se revela incompetente ou corrupto (LINS DA SILVA, 2002, p.10). Questionado sobre as perspectivas de mudanças sobre este aspecto, relacionando marketing político, meios de comunicação e a evolução da democracia em nosso país, ele respondeu através de e-mail: Creio que a visão dos meios de comunicação de massa e especificamente da publicidade e da propaganda como superpoderosos continuará prevalecendo por muito tempo, talvez para sempre porque ela é muito conveniente a todos os interessados, como eu procuro demonstrar no texto: os meios de comunicação são bodes expiatórios de todos os males, todo mundo se 7 isenta de responsabilidade. Se há violência, a culpa é dos meios; se o Collor foi eleito, foi por causa dos meios e assim por diante. De fato esses argumentos normalmente são usados pela opinião pública para dar mais valor do que a prática do marketing político merece. Através dessa hipótese, Carlos Eduardo Lins da Silva não quer justificar o uso desses argumentos, pelo contrário, ele acredita ser até mesmo prejudicial para a democracia esse tipo de argumentação simplista e superficial. Outros pesquisadores como Rubens Figueiredo, por exemplo, também apresentam fortes críticas sobre a concepção exagerada do marketing político, o eleitorado está cada vez mais atento, recusando votar em candidatos cujas campanhas são repletas de ‘truques’ para confundir, quando não enganar, o eleitor. O “marketismo” tem um duplo – e definitivo – defeito. Não é construtivo para a democracia que o suporta. Nem eficiente para os candidatos que o adotam (FIGUEIREDO, 2000, p. 39). O estudo científico sobre o marketing político Vivemos hoje no Brasil um importante período de desenvolvimento democrático, diante do qual as discussões políticas, especialmente os estudos sobre marketing político, têm avançado e recebido muita atenção. Muito dos conhecimentos sobre marketing, aplicados hoje em nossa realidade local, são baseados em estudos científicos feitos durante o período da Segunda Guerra Mundial e nos tempos da Guerra Fria, quando vultosos recursos governamentais foram colocados à disposição de cientistas sociais especialmente dos Estados Unidos, mas também do Reino Unido e de outros países ocidentais, para realização de pesquisas sobre os efeitos da propaganda política. O principal incentivo desses estudos foi o resultado eficaz que a propaganda nazista, desenvolvida por Joseph Goebbels, obteve através do uso excessivo da retórica, dos meios de comunicação de massa e dos símbolos visuais (LINS DA SILVA, 2002, p. 39). Porém, as conclusões desses estudos foram apressadas e ingênuas. Modelos teóricos como o da “agulha hipodérmica” ou da “bala”, segundo os quais os meios de comunicação funcionariam como uma seringa ou uma arma, capazes de injetar na mente dos receptores das mensagens qualquer tipo de conhecimento ou ideologia, encontraram imediata receptividade pública positiva, devido à simplicidade de seus argumentos (LINS DA SILVA, 2002, p. 40). Lins da Silva faz um contraponto, lembrando que ainda naquele mesmo período, alguns pesquisadores perceberam a falha daquelas teorias e saíram a campo a fim de contestar 8 as convicções formuladas em escritórios, tentando provar que a realidade era muito mais complexa do que aquelas teorias estavam supondo. Foi o caso de Paul Lazarsfeld, em 1948, e W. Philips Davidson, em 1959. O que Lazarsfeld concluiu durante a análise das eleições americanas de 1938, 1940, 1944 e 1948, foi que, no caso das mensagens políticas, “rádio, cinema e jornais – os principais meios de comunicação da época – exerceram influência pequena ou mesmo nula sobre a decisão de voto das pessoas por ele examinadas” (LINS DA SILVA, 2002, p. 41). E Davidson, a respeito da relação entre público e meios de comunicação, resumiu que a audiência não é um recipiente passivo, e não pode ser vista como uma massa de barro esperando para ser moldada pelo “mestre propagandista”, os receptores exigem algo das mensagens a que estão expostos, e selecionam o que parece ser mais útil. “Há uma barganha envolvida nesse processo” (LINS DA SILVA, 2002, p. 42). Nelson Jahr Garcia, conceituado pesquisador contemporâneo brasileiro, analisa com bastante critério a capacidade persuasiva e de manipulação ideológica dos meios de comunicação de massa. Ele acredita que os meios de comunicação de massa podem exercer algum controle ideológico sobre o espectador quando este evita fazer qualquer análise ou discussão mais profunda daquilo que está assistindo. Para ele, quando o modelo informativo vigente transforma em espetáculo os fatos sociais, pode abalar de certa forma a credibilidade sobre uma certa versão ideológica da realidade (GARCIA, 1990, p. 71). O mesmo autor, discutindo a relação existente entre propaganda e persuasão, argumenta: A propaganda pode não ser eficaz e, assim mesmo, ficar caracterizada como tal. Por outro lado, pode haver persuasão e não existir propaganda quando não houve a intenção inicial. Todavia, não basta a emissão simples de mensagens sem nenhum cuidado. (...) só se pode verificar a intenção persuasiva se o emissor estiver apoiado num mínimo de precauções. (...) a eficácia ou não de sua campanha é difícil de ser verificada porque outras variáveis podem ter ocorrido para um determinado resultado (GARCIA, 1990, p. 20). A prática da persuasão através de mensagens é uma discussão bastante antiga, LINS DA SILVA (2002, p. 33) expõem a retórica como sendo: o nome da arte de usar a linguagem como forma de persuadir outras pessoas a apoiarem determinada causa ou líder, e ela era objeto de suspeição por parte de alguns pensadores. A crítica hoje feita contra o marketing era basicamente a mesma de Platão (428-348 a.C.) – que foi em relação a retórica quase tão agressivo quanto Adorno (1903-69, o mais conhecido membro da Escola de Frankfurt) seria em relação aos meios de comunicação de massa – em seu tempo: a retórica, ao colocar ênfase nos modos de persuasão em vez de na essência da verdade, mereceria condenação moral. 9 Hoje em dia, segundo Lins da Silva, o meio acadêmico estuda os efeitos do marketing a partir de duas principais teorias, a “cultivacionista” e a “etnográfica”. A corrente de pensamento cultivacionista tem entre seus principais representantes na atualidade, o britânico Neil Postman, defensor dos fortes efeitos do marketing e da visão do público como sendo altamente alienado e irracional. A posição etnográfica representa o trabalho de Richard Hogart e outros culturalistas britânicos, tendo como preocupação a interação que o consumidor de informação faz com as mensagens que recebe, afim de encaixá-las em seus próprios interesses, a partir de suas experiências anteriores e de seu sistema de crenças (LINS DA SILVA, 2002, p. 47-48). Lins da Silva possui um posicionamento mais voltado para a corrente etnográfica, ele acredita no potencial crítico dos receptores das mensagens midiáticas e usa o raciocínio poético de Jorge Luis Borges para sintetizar suas idéias, a respeito da comparação sobre a interpretação de uma mensagem e a descida de um rio, “ninguém desce duas vezes o mesmo rio, porque suas águas mudam” (BORGES, 1996, p. 11), mas o mais interessante é que da mesma forma que uma mensagem pode mudar constantemente, nossos conceitos também podem mudar tanto quanto as águas do rio no qual mergulhamos. “É essa apropriação segmentada do discurso político e dos meios de comunicação de massa que ocorre na vida real. As pessoas entendem de formas diversas um mesmo conteúdo” (LINS DA SILVA, 2002, p. 73). A experiência brasileira Duda Mendonça, renomado profissional do marketing político, argumenta sobre a mudança na legislação eleitoral brasileira, ocorrida em 1996, permitindo a divisão do tempo da propaganda eleitoral em inserções de 30 e 60 segundos de duração ao longo da programação das emissoras de rádio e televisão, como tendo um poder de convencimento e de fixação de argumentos muito, mas muito, maior do que o horário gratuito grande. A sua freqüência é proporcional ao tempo de televisão do partido, o que pode lhe dar até dez inserções por dia – metade delas no horário nobre, no meio de programas de maior audiência, em todos os canais de TV! A força desses comerciais é brutal. Nem o maior anunciante brasileiro tem um décimo dessa freqüência durante um período tão longo (MENDONÇA, 2001, p.117). 10 No que diz respeito à captura da atenção dos espectadores, Lins da Silva concorda que esses pequenos anúncios são mais poderosos do que os longos programas eleitorais, neste sentido, os anúncios curtos podem ser considerados como sendo mais eficazes. Mas isso acaba nos levando a enfatizar a idéia de que os candidatos são apresentados nos meios de comunicação de massa da mesma forma que os sabonetes. Sendo natural que cada vez mais, algumas pessoas tenham a impressão que ambos pertençam ao mesmo gênero. Apesar disso, LINS DA SILVA contesta o resultado desta comparação (2002, p. 71): Não é isso o que acontece de verdade. Um bom anúncio da cerveja Heineken pode fazer um consumidor acostumado com a Miller resolver experimentá-la. Um bom anúncio a favor do direito à prática do aborto dificilmente fará um adepto da tese do direito à vida do feto abandonar sua convicção. Mesmo assim não podemos negar que o desenvolvimento dos meios de comunicação eletrônicos pode ter trazido alguns benefícios para a democracia e para a prática do marketing político. Lins da Silva acredita ser muito mais fácil hoje em dia, não importa se através de programas eleitorais televisivos curtos ou longos, conhecermos as idéias dos diversos candidatos políticos, do que antigamente quando tínhamos que nos deslocar aos comícios, facilitando atualmente a chance de alguém mudar de opinião. De qualquer forma, este suposto avanço representa apenas uma mudança sobre o ambiente onde a informação é propagada, segundo Lins da Silva, o que a pesquisa científica demonstra “é que os meios eletrônicos, como os comícios do passado, funcionam muito mais para cristalizar atitudes e opiniões antes assumidas do que para alterá-las” (LINS DA SILVA, 2002, p. 78). Conclusão Ao longo deste trabalho procuramos conhecer um pouco sobre a visão de Carlos Eduardo Lins da Silva a respeito do marketing político, mas ao contrário do que talvez tenha sido esperado, este texto não procurou confirmar ou contradizer o ponto-de-vista deste autor sobre este tema, mesmo porque as pesquisas sobre o impacto desta modalidade do marketing na sociedade brasileira ainda são escassas, sendo que sua prática, apesar do alto grau de profissionalismo em que se encontra, ainda é feita de maneira bastante intuitiva e relacionada essencialmente a experiências de campanhas bem sucedidas. Os próprios argumentos de Lins da Silva são baseados nesses fatos, sendo que ele demonstra muita cautela para não fazer conclusões apressadas sobre dados empíricos ainda não analisados cientificamente. 11 Enviei algumas questões, através de e-mail, a fim de compreender melhor sua opinião a respeito deste assunto. Perguntei sobre até que ponto as pesquisas de intenção de voto poderiam influenciar uma eleição, e ele respondeu: “acho que influem, sim, mas pouco”; sobre o fato de candidatos na liderança das pesquisas evitarem debates na mídia, sua resposta foi: “pode acontecer, mas nem sempre e nem sempre com os mesmos resultados”; e ainda sobre os critérios superficiais que levam os eleitores a escolhem um candidato, ele comentou: “considero esse um fenômeno corriqueiro: muita gente decide o seu voto por sentimento, não ideologia, e a propaganda política procura explorar esse fenômeno ao máximo”. Sua percepção, somada ao conhecimento de estudos feitos em sociedades mais desenvolvidas democraticamente, leva Lins da Silva a levantar hipóteses de que o eleitorado brasileiro, assim como o de outros países: não se deixa hipnotizar pelo marketing político, que é apenas mais um instrumento – entre vários, e não necessariamente o mais importante – para auxiliá-lo a definir seu voto e a formar suas convicções políticas e ideológicas ao longo da vida. É isso o que indica o bom senso, o que comprova a ciência, o que sugere a observação isenta da realidade. Não acreditar nisso implica descrer da viabilidade da democracia representativa no Brasil (LINS DA SILVA, 2002, p. 83). Diante do que foi exposto ao longo deste texto, tomando como base principal o trabalho intitulado O Marketing Eleitoral de Lins da Silva, além de citações complementares de outros pesquisadores, a única conclusão concreta que pode ser feita é que o ser humano é muito complexo e suas respostas para os estímulos recebidos através da prática do marketing político são muito variadas, sendo praticamente impossível agrupá-las de acordo com um padrão lógico do tipo ação-reação. Muitos “marqueteiros” e estudiosos da comunicação acreditam ainda hoje em teorias similares a da “agulha hipodérmica”, e acham que são capazes de mudar conceitos ideológicos através de maciças campanhas publicitárias. Não podemos negar que os meios de comunicação de massa exercem algum tipo de influência ideológica sobre os receptores de suas informações, afinal a maioria das pessoas passa diariamente algumas horas diante deles, sendo impossível imaginar que nenhum estímulo seja provocado diante desta exposição, principalmente quando uma pessoa não está disposta ou preparada para questionar as informações recebidas através deles, sejam elas sobre um sabonete ou sobre um candidato político. Mas no caso exclusivo do marketing político, a partir do resultado surpreendente de algumas eleições recentes, devemos ser realmente cautelosos ao tentar defender alguma teoria sobre o impacto das mensagens midiáticas, pois 12 se houvesse uma lógica evidente, candidatos com os melhores assessores, melhores campanhas e maior tempo de exposição não perderiam eleições. Bibliografia BORGES, Jorge Luis. Cinco visões pessoais. Brasília: Ed. UnB, 1996. FIGUEIREDO, Rubens. O marketing político: entre a ciência e a falta de razão. In: Marketing político e persuasão eleitoral. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000. GARCIA, Nelson Jahr. Sadismo, sedução e silêncio: propaganda e controle ideológico no Brasil (1964-1980). São Paulo: Edições Loyola, 1990. LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. O marketing eleitoral. São Paulo: Publifolha, 2002 – (Folha Explica). MACEDO, Mônica. Carlos Eduardo Lins da Silva – As idéias de um jornalista pesquisador. PCLA. Volume 1, Número 3: abril / maio / junho 2000. Disponível em: <http://www.metodista.br/unesco>. Acesso em: 05.abr.2003. MENDONÇA, Duda. Casos & Coisas. São Paulo: Globo, 2001. QUEIROZ, Adolpho. Carlos Eduardo Lins da Silva: um renovador na pesquisa de comunicação na América Latina. Comunicação & Sociedade, n° 25, São Bernardo do Campo, 1996. REBOUÇAS, Edgard. Um paradoxo possível: a trajetória comunicacional de Carlos Eduardo Lins da Silva. PCLA. Volume 1, Número 3: abril / maio / junho 2000. Disponível em: <http://www.metodista.br/unesco>. Acesso em: 05.abr.2003.