10.º CONGRESSO DO MUTUALISMO
INTERVENÇÃO NO PAINEL “MUTUALISMO – IMAGEM E VISIBILIDADE”
Quero começar por vos pedir desculpa por me ter socorrido da minha experiência
pessoal para a intervenção que aqui faço. Mas achei, com toda a sinceridade, que seria
mais útil falar-vos do que é concreto e vivido, em detrimento de uma dúzia tiradas de
efeito político de alcance duvidoso.
Há cerca de ano e meio, na cidade do Porto, durante uma conversa descontraída num
intervalo de uma acção de formação promovida pela União das Mutualidades, o dr.
Pedro Bleck da Silva teve um desabafo, em jeito de quem traduzia por palavras o que
lhe ia no pensamento:
– Não percebo a Comunicação Social. Os jornais são incapazes de referir uma única
acção ou evento que venha deste sector. Não percebo. Não sou capaz de perceber.
Tive, então, um lampejo de sapiência, no meio de um grupo de mutualistas em
formação, e, convicto do que iria dizer de seguida, sentenciei em voz alta:
– O mutualismo não é notícia!
O dr. Pedro Bleck da Silva fixou-me, depois olhou para o relógio e lembrou que era
tempo de retomar a formação.
Durante o resto da tarde, arrependi-me um milhão de vezes do que tinha dito.
Sobretudo pelo que, naqueles segundos, não expliquei, nem fui capaz de sintetizar,
deixando no ar uma miríade de interrogações e de dúvidas sem direito a
esclarecimento.
Recentemente, o dr. Pedro Bleck da Silva telefonou-me, convidando-me a intervir, no
âmbito deste Congresso, no painel “Imagem e Visibilidade”, o painel em que,
precisamente, poderia prestar todos os esclarecimentos que ficaram por dar há coisa
de ano e meio.
Por tudo isto, ao dr. Pedro Bleck da Silva e à União das Mutualidades Portuguesas, o
meu sincero e público agradecimento pela oportunidade.
Chamo-me Paulo Silva e tenho carteira profissional de jornalista desde 1989. Mas,
antes disso, fui funcionário da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos durante
seis anos, abandonando uma carreira previsível porque, sei lá bem porquê, gostava de
escrever, gostava de livros, gostava de jornais.
Na minha vida profissional, enquanto jornalista, passei por dois títulos: o jornal “O
Jogo” e o “Jornal de Notícias”. Pelo meio assinei, sempre em jornais, colaborações
muito diversificadas em publicações como o “AutoSport”, “O Comércio do Porto”, o
“Expresso”, o “Norte Popular” e o “Notícias da Covilhã”.
No “Jornal de Notícias”, e durante 15 anos, tive uma experiência multifacetada e, é
verdade, muito enriquecedora. Passei por todas as secções do jornal, fiz notícias de
Economia e de Política, assinei reportagens de Cultura, e chefiei secções de informação
local, informação regional, informação nacional e, por fim, informação internacional.
Mas o melhor de tudo, em termos estritamente pessoais, foram as reportagens que
assinei por esse Mundo fora, a partir do Brasil e do Afeganistão, a partir de Timor e da
Cisjordânia.
Este é o meu retrato enquanto jornalista profissional.
Mas não é esse homem que vocês já estão a imaginar que vos vai falar…
Chamo-me Paulo Silva e desde 1996 que sou associado da Casa da Imprensa, a
associação mutualista dos jornalistas portugueses. Fui lá parar porque fui sensível aos
princípios solidários da associação. Fui lá parar porque sempre admiti que, um dia,
quem sabe?, até podia ter uma doença grave e, eventualmente, também necessitar de
ajuda.
Nos últimos oito anos, e em três mandatos consecutivos completamente distintos, sob
todos os pontos de vista, assumi responsabilidades directivas. De repente, por força de
circunstâncias várias, vi-me, o ano passado, com um “menino” complicado nos braços,
o da presidência da Casa da Imprensa.
Este é o meu retrato enquanto mutualista militante.
Mas também não é esse homem que vocês estão agora a imaginar que vos vai falar…
Quem vos está a falar é, apenas, um ser humano que, por força da vida, é cidadão, é
jornalista e é mutualista. É nessa tripla condição que aqui me apresento e que tentarei
– finalmente!, dirá o dr. Pedro Bleck da Silva –, esclarecer por que motivo o
mutualismo não é notícia, apontando um ou outro caminhos para que, de algum
modo, seja possível, num prazo que nem arrisco quantificar, inverter a actual situação.
Portugal está em crise. A Europa está em crise. O Mundo está em crise. E os jornais são
o reflexo fiel dessa imensa crise em que todos, hoje, estamos mergulhados. Os jornais
e também as rádios e as televisões.
Primeiro, movidas pela necessidade gananciosa de obtenção de cada vez mais e mais
lucros, e agora por força da dita crise, as administrações dos jornais têm cortado
sucessivamente nos custos de exploração sem, com frequência, medirem as
consequências.
Há anos os jornais começaram a mudar de tamanho, emagreceram, ficaram
sucessivamente mais pequenos, e pararam no tablóide actual. Depois, cortaram nos
recursos humanos. Agora, abatem jornalistas nas redacções. Tudo em nome das
contas, por força do dinheiro ou justificando, até, com a própria sustentabilidade dos
respectivos projectos jornalísticos.
Mas as administrações não se limitaram a cortar nos custos do papel. Nem nos
ordenados que, entretanto, deixaram de pagar. Passaram a ter influência directa e
decisiva no próprio conteúdo das suas publicações quando começaram a asfixiar a
disponibilidade financeira que existia para a reportagem e a investigação.
Hoje, os jornais apenas têm disponibilidade para, passe o exagero, uma reportagem
que possibilita a deslocação do repórter ali até ao fim da rua, não mais. E libertar um
jornalista para investigar uma matéria, dar-lhe tempo, é coisa praticamente impossível
de acontecer.
Resultado. O trabalho de um jornalista, neste momento, é extremamente previsível, e
muito pobre. E sentado. É da sua secretária que gere o correio electrónico e que, aqui
e acolá, pilha informação nos portais da Internet. É da sua secretária que acompanha
os pormenores dos noticiários radiofónicos e avalia o eventual impacto das imagens
nos programas televisivos de informação. É da sua secretária que fala com pessoas, as
tão famosas fontes de informação, mesmo que possa nunca ver-lhes o rosto. Sempre
sentado. Há mesmo quem diga que a pesquisa e a investigação diárias de um
jornalista, hoje em dia, passam 99% pelo trabalho de pirataria e de cópia de
conteúdos.
Sem conteúdos originais, sem matérias trabalhadas e maturadas, os jornais estão cada
vez mais parecidos. Ao comparar dois jornais generalistas do mesmo dia, por exemplo,
é muito fácil tropeçar em dezenas de notícias literalmente iguais, às vezes, até, com o
mesmo título, ou no mínimo a mesma ideia em título. O que distingue o jornal A do
jornal B é, muitas vezes, apenas e só o tipo de letra utilizado ou o logótipo da
publicação. Assuntos investigados e trabalhados apenas e só pelo jornal A, ou pelo
jornal B, não existem. Notícias únicas, dignas de manchete ou não, essas não existem.
Com as rádios e as televisões, o fenómeno é muito semelhante. O que é que nos leva,
muitas vezes, a optar pelo canal A, em detrimento do canal B? Claro!, é ali que está
aquele pivô mais simpático.
Os jornais estão cada vez mais parecidos uns com os outros. Não trazem nada de novo.
São iguais, monótonos e repetitivos. São uma chatice. Costumo chamar-lhes produtos
de linha branca, tal e qual como os encontramos no hipermercado: diferentes na
embalagem, iguais no conteúdo. E até fazem lembrar a velha piada do cliente de
restaurante que todos os dias, sem enjoar nem pestanejar, pedia invariavelmente o
mesmo prato: polvo cozido com arroz do mesmo!
Acresce a tudo isto que os órgãos de Comunicação Social deixaram de ter agendas de
trabalho próprias. Hoje, a agenda de todas as redacções é igual ao somatório das
agendas político-partidárias, à agenda dos economistas, à agenda dos banqueiros, à
agenda de quem, de alguma forma, detém o poder, e não será por acaso que, neste
contexto, por exemplo, a agenda dos sindicalistas esteja em perda há alguns anos.
Nem é por acaso, como é óbvio, que a agenda da chamada Economia Social esteja
falida há décadas, até porque a sua existência não vai além do fogacho isolado de uma
ou outra instituição. Quanto às mutualidades nem é bom falar, nunca, por nunca,
tiveram agenda digna desse nome.
Ora, num amplo movimento, tão contraccionista como aquele a que temos vindo a
assistir, o mais certo é os títulos fecharem sucessivamente, sem apelo nem agravo, uns
atrás dos outros. E encerrarão em catadupa até à sobrevivência desesperada de dois
ou três jornais, precisamente aqueles que já nem compramos mas iremos encontrar
no café da esquina, ou no restaurante do costume. Sem qualidade informativa, e sem
produção original e autónoma. Sem gente. Sem vida. (e para os que estão menos
familiarizados com estas coisas, posso garantir-lhes, a pé juntos, até pela experiência
pessoal, que três pessoas, com um computador ligado à Internet, são o bastante, em
Portugal, para colocar na rua um jornal com cerca de 60 páginas).
No limite, perdoem-me a expressão cansada, este movimento favorece o
ressurgimento do pensamento único, a criação de uma linha de raciocínio de direcção
única sem autonomia nem capacidade crítica. No limite, e com algum exagero
confesso, nem precisaremos, sequer, desses dois ou três jornais.
Portugal está em crise. A Europa está em crise. O Mundo está em crise. E as
associações mutualistas também não lhe escapam, embora possam ter aqui uma
janela, uma óptima oportunidade de crescimento.
Mesmo correndo o risco de distorcer a realidade vivida nestes últimos três anos,
arrisco afirmar que somos cerca de uma centena de associações, representamos mais
de um milhão de associados e produzimos um activo superior a três milhões de euros,
com proveitos na ordem de um milhão de euros. E, nem mesmo assim, neste tempo
em que só se fala em milhões e milhões de euros, ninguém nos passa cartão, (os
jornais de que vos falo), ninguém nos ouve.
As associações mutualistas têm relevante presença em duas áreas fundamentais da
existência humana: a protecção na saúde e a previdência. Cultivamos o “auxílio
recíproco” e fazemos desse princípio a nossa prova de vida. E ainda gerimos
equipamentos sociais, lançamos mão a obras sociais e temos trabalho comprovado em
iniciativas de carácter de natureza cultural, intelectual, recreativa, etc.. E nem mesmo
assim, num momento em que o social tende a cair na letargia, até pelas imposições
financeiras da dita e sobredita crise, ninguém nos ouve, ninguém se interessa.
E porquê?
Talvez porque, durante anos, dependemos excessivamente de um subsídio daqui ou
de um apoio estatal de acolá. E hoje, claramente, o Estado está em queda. O Estado e
tudo o que dele possa depender. As associações mutualistas têm de viver e de se
afirmar, prioritariamente, através da quotização dos seus associados. Têm de ser
capazes de garantir a sua independência através dos seus próprios recursos e de gerar,
com o que têm, a sua sobrevivência e autonomia.
Mas, insisto, por que motivo os jornais sonegam a nossa própria existência?
Talvez porque muitos de nós tenham perdido a sua identidade, ao longo dos anos, e
por incapacidade manifesta de aprender com a realidade vivida em Espanha, em
França e na Bélgica, por exemplo.
Na generalidade, e a Casa da Imprensa, posso dizê-lo, é aqui um bom exemplo por
aquilo que não deve ser feito, sem que isto constitua qualquer crítica a uma
Administração específica, as associações mutualistas não têm conseguido desenvolver
um timbre próprio, uma marca que as torne indispensáveis e incontornáveis.
Elas são geridas, na globalidade, na base do voluntariado e isto mina, destrói, qualquer
boa intenção de uma gestão activa. E mesmo quando assim não é, pela existência de
um administrador-delegado, ou de um director-executivo, ou de um secretário-geral, a
tempo inteiro, a verdade é que esse mesmo profissional não tem, nem pode dispor, de
formação adequada que lhe permita, em simultâneo, gerir com a mesma eficácia as
aplicações financeiras que são o sustento da sua associação, os recursos humanos que
lhe estão alocados e, além de muitas outras preocupações, pensar e definir uma
estratégia de marketing e de comunicação que lhe possibilite chegar, de forma
sustentada e com peso argumentativo, junto do jornal A ou do jornal B. Não há superhomens!
Nós, mutualistas, somos seres humanos. E, além das nossas vidas pessoais e afectivas,
antes de sermos dirigentes mutualistas, somos trabalhadores nas nossas empresas.
Temos de prestar contas pelo que fazemos, ou deixámos de fazer. É daí que decorre a
nossa própria sobrevivência.
Nos tempos que correm, as associações mutualistas têm de competir, ombro a ombro,
com qualquer empresa do sector privado, ou instituição pública, temos de ser
modernos e eficientes e os nossos produtos e serviços têm de primar pela qualidade e
pela competitividade, e sempre com elevado grau de profissionalismo. Há muito que
deixámos de ser aquela coisa dos coitadinhos… E, felizmente, tenho a certeza, já todos
percebemos a nova realidade em que nos inserimos.
Pode ajudar as associações mutualistas, mas também não bastará por si só, contratar
alegados e até comprovados especialistas em comunicação. Estes “experts” estão, até
por força do meio, do mercado, em que operam, formatados para trabalhar dentro de
uma lógica que não é a nossa: eles percebem e vivem na lógica do mercado, a lógica
do lucro, nunca dentro de uma lógica de pensamento que apela a valores, hoje
infelizmente cada vez mais tão esotéricos, como a liberdade, a igualdade e a
fraternidade.
A Economia Social não foi capaz de gerar, nestes últimos 100 anos, marcas identitárias
autónomas. E as associações mutualistas menos ainda. Nestes últimos 40 anos, as
únicas marcas que subsistiram, com tudo o que de bom e de mau isso significa para
nós, mutualistas, foram o mealheiro e o pelicano do Montepio Geral.
Maioritariamente, ninguém conhece uma marca de uma associação mutualista,
ninguém sabe o que é isso. E dentro daqueles que sabem o que é o mutualismo,
apenas existe uma referência: o Montepio Geral. E, infelizmente, sou levado a concluir
que isso só acontece pelo poderio financeiro da instituição, não pelo seu valor
acrescentado mutualista…
Aqui chegado tenho de voltar a dirigir-me ao dr. Pedro Bleck da Silva. Até porque acho
que, finalmente, vou esclarecer a minha afirmação de há ano e meio.
Estou plenamente convencido de que a imagem e a visibilidade das associações
mutualistas é aquilo que é dadas as características do chamado movimento mutualista
e, sobretudo, por nossa única e exclusiva responsabilidade. Nossa, dos dirigentes,
directores, administradores e seus responsáveis.
Vou contar-vos um episódio que vivi intensamente, por dentro, e que de algum modo
ilustra o que acabo de afirmar, o caminho imenso que há para percorrer em sede de
mentalidades. Provavelmente, não nos faria mal uma revolução cultural…
Há dois anos, também no Porto. Integrei um projecto jornalístico que, entretanto, viria
a abortar.
Esse projecto, orientado para a produção, impressão e distribuição de um jornal diário
generalista, iria organizar-se sob a forma de uma cooperativa e visava, distintamente,
dois objectivos: em primeiro lugar, dar trabalho e garantir emprego a jornalistas e
outros profissionais da Comunicação Social caídos no desemprego (eram eles,
maioritariamente, oriundos do “Jornal de Notícias”, do “Diário de Notícias”, de “O
Comércio do Porto” e de “A Capital”), não havendo lugar, portanto, a contratações
milionárias, nem a transferências sonantes; em segundo lugar, dar espaço, editorial e
publicitário, a todas as instituições da chamada Economia Social; mais, o enfoque
noticioso seria, todo ele, orientado numa perspectiva completamente distinta
daquelas que conhecemos e reconhecemos no “Público”, no “Diário de Notícias”, no
“Jornal de Notícias”, no “i”, ou no “Correio da Manhã”.
Afinado o projecto editorial, foi necessário traduzir as ideias em números, e assim
partimos, com a ajuda de um economista, também ele, desempregado, para a
elaboração do chamado projecto económico. Nesta fase fomos confrontados com algo
que antevíamos, os futuros cooperadores não teriam arcaboiço financeiro para
suportar os sonhos, pelo que teríamos de bater a duas portas: a da banca, na qual
incluíamos, pois claro, o Montepio Geral, e a das associações, cooperativas e outras
instituições da Economia Social.
E foi neste segundo capítulo da abordagem, nas questões de ordem financeira, que
esbarrámos perante um muro intransponível, fechado sobre si mesmo. E não era por
escassez de disponibilidade financeira…
Nessa altura, a banca até estava disponível a atribuir crédito aos quase 60 profissionais
da Comunicação Social que subscreviam o projecto, mediante determinadas
condições, digamos, as tradicionais condições de mercado.
Quanto à Economia Social, bom!, e perdoem-me aqueles que não foram contactados e
que eventualmente não se sintam retratados nesta história, a porta começou por se
entreabrir, que o projecto era politicamente muito interessante, que acrescentava
valor social, que de facto o sector não tem expressão na Comunicação Social e assim
teria um espaço a que poderia chamar de seu… Enfim, ouvimos um número
interminável de encómios de que nos sentimos orgulhosos e passámos a acalentar,
justificadamente, ainda mais esperanças. Não sabíamos, então, era que para o
projecto avançar, para aquele jornal beneficiar dos apoios da Economia Social e ver a
luz do dia, seria condição necessária e obrigatória que a sua administração fosse
entregue, maioritariamente, aos detentores do capital, e que até a direcção do jornal
fosse nomeada por esses mesmos parceiros maioritários, independentemente de
qualquer do parecer ou da sensibilidade da Redacção!
Tudo dentro da mais pura lógica capitalista! Não teria sido mais claro se,
eventualmente, tivéssemos batido à porta de empresários como Francisco Pinto
Balsemão, Belmiro de Azevedo ou Américo Amorim…
É possível a Economia Social ter mais visibilidade.
É possível às associações mutualistas conquistaram, de pleno direito, espaço e relevo
noticioso.
Mas tudo terá de começar dentro das nossas próprias cabeças. Evocando os valores e
os princípios que nos unem, sim, mas também praticando, exercitando, no concreto e
sem correr riscos de qualquer espécie, o que é a liberdade, a igualdade e a
fraternidade.
Obrigado.
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