Ex.mo Senhor Presidente do Instituto do Ambiente Rua da Murgueira 9/9ª Zambujal Apartado 7585- Alfragide 2721-865 Amadora Lisboa, 25 de Janeiro de 2008 Assunto: Consulta Pública do Processo de Avaliação de Impacte Ambiental “Parque Eólico de Alto da Coutada” No âmbito da Consulta Pública do Processo de Avaliação de Impacte Ambiental “Parque Eólico de Alto da Coutada”, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) vem submeter junto das entidades competentes a sua exposição referente ao Estudo de Impacte Ambiental (EIA), submetido pela empresa Agri Pro Ambiente – Consultores, S.A., com as seguintes características: • • • • • • • • Parque Eólico com 51 aerogeradores de 2 MW, numa potência total de 102mW Edifício de comando a Norte da Povoação de Lagoa Subestação no acesso principal, encaixada no terreno (entre A3 e A4) Linha de Alta Tensão (60kV) de interligação à Subestação de Chaves, com mais de 25km Melhoramento de cerca de 21km de caminhos florestais para acesso ao Parque Eólico Abertura de cerca de 5km de acessos ao Parque Eólico Estaleiro com 3000m2 a Este do local indicado para Subestação Abertura de plataformas para operações de montagem e manutenção/reparação com 1100m2 Locais Afectados pelo Projecto: A cerca de 5km do SIC Alvão/Marão (PTCON0003, Resolução de Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto); 58.788 ha; A cerca de 5km da Zona Importante para as Aves, PT049, Serras do Alvão e Marão, (IBA designada pela BirdLife International). Reserva Ecológica Nacional delimitada nos PDM de Valpaços e Vila Pouca de Aguiar As questões que nos levantam reservas são listadas em anexo a esta carta, e podem ser resumidas da seguinte maneira: • • • • A ausência de alternativas de macro localização do Parque Eólico em si não pode ser exclusivamente justificada pela inviabilidade económica do processo. Esta falha de planeamento estratégico só não é mais grave pelo facto do empreendimento se localizar fora da Rede Natura 2000. Não é feita a análise dos impactes cumulativos do novo Parque Eólico, considerando a prevista presença de outros dois Parques Eólicos na vizinhança (PE de Negrelo e Guilhado e PE da Padrela). A caracterização do descritor Fauna é incipiente e chega a conclusões erradas, nomeadamente a improbabilidade de ocorrência de Lobo ou Accipitriformes, na enorme área de construção do Parque Eólico, por falha de detecção de indícios de presença durante as visitas ao terreno. No que diz respeito ao Lobo, a análise efectuada apresenta um erro muito grave. Não só parte do local previsto para a implantação do parque eólico é área de ocorrência regular • • • • de lobo, como também inclui o local de criação da alcateia da Padrela (Pimenta et al. 2006). Esta alcateia, é inclusive uma das duas únicas da região do Alvão, cuja reprodução está actualmente confirmada, sendo uma das mais estáveis. No mesmo sentido do ponto anterior vem a afirmação taxativa sobre a ausência de corredores de migração, quando são conhecidos movimentos de passagem significativos de passeriformes nas cumeadas no Marão e Alvão e não foram recolhidos dados de campo no Outono, no âmbito do EIA. No aditamento ao EIA, a primeira versão de esforço de campo foi alterada para uns razoáveis 16 dias de campo, divididas em duas campanhas e realizadas por 4 observadores. Esse esforço torna desconcertante a necessidade de recorrer a bibliografia para indicar probabilidades de nidificação para as espécies considerada de ocorrência regular. Não é apresentada qualquer tabela com a lista de observações próprias de espécies de Fauna. Tendo em conta a previsão de melhorar mais de 20 km de caminhos florestais e construir cerca de 5km de novos acessos, independentemente da Alternativa a adoptar, não compreendemos a ausência de análise dos impactes criados pela rede de acessos sobre a Fauna. A SPEA não concorda com a formulação apresentada para uma das medidas de minimização do EIA: “não devem ser assumidas quaisquer medidas de gestão de habitat capazes de conduzir ao aumento de população (atrair) Accipitriformes”. Não são os valores naturais que se devem moldar à presença do Parque Eólico, é o empreendimento que se deve adaptar à situação actual e potencial do ambiente. A SPEA não quer deixar de aproveitar esta oportunidade para salientar os aspectos que consideramos positivos no projecto em consulta pública e em todo o processo de AIA, dos quais destacamos: • • • • • • A previsão que este projecto possa contribuir para reduzir, em 2,5 milhões de toneladas, a emissão de CO2 para a atmosfera é muito positivo e vem corresponder à opção que Portugal tomou no âmbito de vários acordos internacionais. O facto dos aerogeradores propostos para este empreendimento serem construídos na nova fábrica de Viana do Castelo (cluster industrial), é um passo positivo no sentido da criação de condições para um desenvolvimento estratégico sustentável da exploração de energias eólica em Portugal. A não coexistência de linha eléctrica aérea na cumeada onde é proposta a construção de aerogeradores. A construção da linha eléctrica de interligação fora de áreas sensíveis e a possibilidade desta servir outros PE na região, reduzindo o aumento previsto da rede eléctrica a nível local. O compromisso do promotor realizar um estudo pormenorizado da actividade de morcegos na área de estudo, antes da construção. Não podemos deixar de felicitar a comissão de avaliação, pelas questões pertinentes levantadas no seu ofício de 22 Out 2007. Assim, a SPEA apresenta parecer desfavorável a este Estudo de Impacto Ambiental e à actual proposta de construção do Parque Eólico de Alto da Coutada. Este EIA só por si não disponibiliza informação suficiente para que o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional assegure que serão tomadas as medidas de minimização adequadas para garantir a correcta conservação das áreas protegidas citadas. A SPEA está disponível para reunir com quaisquer intervenientes neste processo, e reserva-se o direito de adicionar ou alterar esta resposta à luz de novos dados que possam surgir, Com os melhores cumprimentos, Domingos Leitão CC: Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade Presidente da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte ANEXO Importância da Conservação das áreas afectadas O empreendimento proposto encontra-se na proximidade de áreas classificadas e ambientalmente sensíveis: 1. 2. 3. A cerca de 5km do SIC Alvão/Marão (PTCON0003, Resolução de Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto); 58.788 ha. A cerca de 5km da Zona Importante para as Aves, PT049, Serras do Alvão e Marão, (IBA designada pela BirdLife International) Dentro de zonas de Reserva Ecológica Nacional delimitada nos PDM de Valpaços e Vila Pouca de Aguiar Figuras de Ordenamento do Território 1. 2. 3. 4. O projecto do Parque Eólico de Alto da Coutada desenvolve-se em área de Reserva Ecológica Nacional (REN), tal como é referido no EIA, e consta no PDM de Valpaços e no PDM de Vila Pouca de Aguiar. Esta classificação determina a impossibilidade de realizar acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações ou destruição do coberto vegetal. As excepções a estas limitações verificam-se apenas aplicáveis quando sejam necessárias acções de interesse público como tal reconhecido por despacho conjunto do Ministro do Planeamento e Administração do Território, do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais e do ministro competente em razão da matéria. Parece-nos prematura a aplicação de qualquer medida de excepção em relação com esta classificação uma vez que se desconhece uma comparação dos valores naturais de locais alternativos de construção do Parque Eólico de Alto da Coutada. Impactos Potenciais Nas Áreas Afectadas O EIA apresenta impactos ambientais que deveriam ser considerados com mais profundidade: 1. 2. Sobre a importância da Fauna. A zona de construção do Parque Eólico de Alto da Coutada foi insuficientemente caracterizada do ponto de vista da Avifauna e dos Mamíferos. Não é apresentada uma lista credível das aves com presenças confirmadas na área, quando só no EIA do PE de Negrelo e Guilhado (adjacente à área de estudo) foram observadas 55 espécies, incluindo Cegonha-preta Ciconia nigra, Grifo Gyps fulvus, Tartaranhão-caçador Circus pygargus, Águia-calçada Hieraaetus penatus, Milhafre-negro Milvus migrans e Peneireirocomum Falco tinnunculus. Estes dados colocam em causa as afirmações sobre a baixa probabilidade de presença de Accipitriformes na área de estudo. Do mesmo modo foram ignoradas as referências a movimentos de passagem de passeriformes, semelhantes às que ocorrem nas cumeadas no Marão e do Alvão (Travassos & Faria, 1999). Aí ocorrem passagens de Chasco-cinzento Oenanthe oenanthe e Chasco-ruivo Oenanthe hispanica nos períodos pré-nupcial e Cartaxo-nortenho Saxicola rubetra no período pós-nupcial. Ignorou-se a identificação da presença de uma alcateia confirmada na área, designada de alcateia de Padrela no Censo Nacional de Lobo 2002/2003 (Pimenta et al. 2005). Por fim reservou-se para uma fase tardia do AIA a apresentação de dados sobre a actividade de quirópteros na área de estudo. 3. 4. Sobre a identificação dos factores de ameaça. Ignorou-se por completo a presença prevista de dois outros Parques Eólicos na Serra da Padrela, o PE de Negrelo e Guilhado e o PE da Padrela. Este facto torna óbvia a necessidade de uma análise de impactes cumulativos neste EIA, uma vez que a área natural a afectar de modo contínuo é na realidade superior em cerca de 25%. Não foi dada importância relevante ao efeito na Fauna da melhoria de 20km de caminhos florestais e da construção de mais 5km de acessos. Sobre a linha de interligação: Não foi feita qualquer recomendação sobre o tipo de apoios da linha de interligação ou da necessidade de aplicar sinalizadores para a avifauna nos cabos. A SPEA recomenda que as linhas aéreas de Alta Tensão tenham fases distanciadas de pelo menos 1,5 m, só utilizem cadeias de suspensão (mínimo de cinco elementos de cadeia) e de amarração (mínimo de seis elementos de cadeia), não tenham seccionadores horizontais no topo dos postes, excepto na posição invertida e preferencialmente utilizem apoios de alinhamento de esteira horizontal, descentrada do poste para permitir isoladores suspensos nas três fases. SPEA A SPEA é uma Organização Não Governamental de Ambiente que trabalha para a Conservação das aves e dos seus habitats em Portugal. Integra uma rede mundial de organizações de Ambiente – a BirdLife International, que actua em mais de 100 países, e tem como objectivo a preservação da diversidade biológica através da conservação das aves, dos seus habitats e do uso sustentável dos recursos naturais. A SPEA é responsável pela designação e seguimento da rede de Zonas Importantes para as Aves (IBA – Important Bird Areas), a rede de sítios da BirdLife International para assegurar a conservação das populações de aves a nível global. A designação destas áreas obedece à aplicação de critérios científicos e objectivos e é compatível com os critérios para a definição de Zonas de Protecção Especial ao abrigo da Directiva Aves da União Europeia. Referências Pimenta, V., I. Barroso, F. Alvares, J. Correia, G. Ferrão da Costa, L. Moreira, J. Nascimento, F. Petrucci-Fonseca, S. Roque & E. Santos. 2005. Situação Populacional do Lobo em Portugal: resultados do Censo Nacional 2002/2003. Relatório Técnico. Instituto da Conservação da Natureza/Grupo Lobo. Lisboa, 158pp + Anexos Travassos, P.J.F. & Faria, P.M.C.P. 1999 Inventariação da Avifauna em cumeadas na Serra do Marão e Alvão. Parque Natural do Alvão, Dezembro 1999, 28pp