Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Goiânia – GO 27 a 29 de maio de 2010
Always and Forever: As Histórias de Amor entre Homens e Vampiros1
Bárbara Saliba Daher Ferreira da Silva2
Carolina de Melo Ferreira Umbelino do Nascimento3
Murillo Lopes Buareto da Silva4
Universidade Federal de Goiás - UFG
Resumo
Este artigo é parte de uma pesquisa experimental e se propõe a estudar a fragilidade do
amor moderno em comparação com o amor imortal e eterno das histórias de vampiros.
Para esses seres imortais o amor não é uma simples convenção, mas a razão de toda uma
existência. A paixão por determinada pessoa (vampiro ou não) acompanha a eternidade do
ser imortal. O ser humano é instável e propenso a mudanças de comportamento e humor.
O individualismo é outro quesito que tem sido presente nos relacionamentos conjugais. Os
casamentos se dissolvem devido ao fim do que os casais um dia chamaram de “amor para
a vida toda”. Os vampiros apaixonados são capazes de tudo por amor. Esse amor é tão
importante para eles que se torna algo a ser cultivado e cuidado para sempre. É um amor
imortal e imutável.
Palavras-chave: Amor; vampiros; humanos; fragilidade; mundo moderno.
O amor pode se realizar?
O amor é antes de tudo uma convenção. A palavra que designamos para
nomear algo que, hoje, chamamos sentimento. Para alguns, cheio de significado e
representação, para outros uma simples invenção da sociedade. Nunca saberemos como os
seres humanos lidavam com isso antes da invenção da “escrita”. Mas a partir do momento
histórico em que surgiram os primeiros registros, lá estava a participação dele.
1
Trabalho apresentado no Intercom Júnior – Jornalismo do XII Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Centro-oeste realizado de 27 a 29 de maio de 2010.
2
Bacharelanda de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia - Facomb, da
Universidade Federal de Goiás - UFG.
3
Bacharelanda de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia - Facomb, da
Universidade Federal de Goiás - UFG.
4
Bacharelando de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia - Facomb, da
Universidade Federal de Goiás - UFG.
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Era diferente do que conhecemos atualmente, pois, assim como o ser humano,
o amor evoluiu através dos séculos. E durante essa evolução foi estudado e experimentado
por muitos. Às vezes, até negado, mas na maioria exaltado.
Alguns dos estudiosos do amor das sociedades moderna e pós-moderna, como
Michel Foucault e Zygmunt Bauman, nos forneceram o material essencial para a
realização desse trabalho. Suas conclusões a cerca dos rumos que essa convenção tem
tomado são nossos pontos de partida para a reflexão.
Mas ao comparar o sentimento que conhecemos hoje com o sentimento
apresentado nas histórias de vampiros, principalmente, nas de Stephenie Meyer, Anne
Rice e Bram Stoker – que escreveram as tramas mais famosas do cinema e da literatura –
ficamos curiosos. Para esses seres imortais em particular, o amor não é uma simples
convenção, mas a razão de toda uma existência. É possível perceber, inclusive, que a
cultura de massa tenta apregoar nos seus mais diversos produtos um amor ideal que a vida
prática observada revela que é praticamente inexistente. Como já diria o autor Edgar
Morin, “O aventureiro, o cowboy, o xerife sempre encontram na floresta virgem, na
savana, no deserto, nas grandes planícies do Oeste o amor de uma heroína pintada e bela”
(MORIN, 2009, p. 131).
“O amor decantado, fotografado, filmado, entrevistado, falsificado,
desvendado, saciado parece natural, evidente. É porque ele é o tema
central da felicidade moderna. (...) a propriedade da cultura de massa é
universalizar, em todos os setores, a obsessão do amor” (MORIN, 2009,
p. 131)
Tais constatações do referido autor demonstram que o amor visto nos filmes e
novelas, principalmente, é idealizado, mas não praticado no mundo terreno. O objetivo
deste estudo, então, é analisar o paradoxo, traçar um paralelo entre o sentimento
invulnerável - que resiste através dos séculos - contado nas histórias de vampiros e o
frágil, mutável e rápido amor da líquida sociedade moderna.
Queremos discutir por que o ser humano, que tem seus dias contados, não
consegue vivê-los de maneira intensa. E por que os imortais, que possuem a eternidade,
tiram o melhor de cada momento.
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Lendas, mitos e mistérios
As lendas de vampiros são muito antigas e estão presentes no imaginário de
diversos povos. É difícil afirmar quando surgiram as primeiras histórias, pois aparecem
referências desde a Grécia antiga. O sangue tem um forte valor simbólico em diversas
culturas: significa vida, paixão, poder, força, e também carrega consigo uma série de tabus
e interditos, o que dá margem para especulações e gera um bom material para mitos.
Existem lendas de vampiros desde 125 a.C., quando ocorreu uma das
principais histórias conhecidas, uma lenda grega. Porém a palavra Upir (palavra de que
derivou a expressão "vampiro"), tem registros de 1047, num documento para um príncipe
Russo, chamado Upir Lichy ou "Vampiro maldoso". Na verdade, pode-se afirmar que
esse foi o primeiro registro por escrito, pois as origens do mito se perdem séculos e
séculos atrás quando a tradição oral prevalecia. Lendas sobre vampiros se originaram no
oriente e viajaram para o ocidente através da Rota da Seda para o Mediterrâneo. De lá, a
partir do século VIII, elas se espalharam por terras eslavas e pelas montanhas dos
Carpathos.
Quase na mesma época em que essas histórias começaram a se difundir,
iniciou-se o processo de “cristianização” da região, e as lendas de vampiros sobreviveram
como mitos, muitas vezes associados ao cristianismo. Após a cristianização a lenda dos
vampiros foi carregada por ciganos, que migraram à Transilvânia, logo depois do
nascimento de Vlad Drácula, em 1431. Assim presente no folclore de muitas culturas, o
vampiro ganhou vida eterna através da literatura a partir do início do século XIX.
Na literatura há clássicos que trazem vampiros mundialmente conhecidos,
como o Conde Drácula, do livro de Bram Stoker, provavelmente o mais famoso de todos;
Lestat de Lioncourt e Louis de Pointe du Lac, criações de Anne Rice, imortalizados no
cinema por Tom Cruise e Brad Pitt, respectivamente; e, mais recentemente, Edward
Cullen, da série de ficção adolescente “Crepúsculo”, da autora Stephenie Meyer.
Existem várias divergências entre os mitos, lendas e histórias contadas nos
livros e no cinema. Segundo Meyer e Rice, alho, água benta, crucifixo e estacas são falsas
convenções da Santa Inquisição. Em suas histórias, não existem muitas maneiras de se
matar um vampiro. Já para Stoker, todos esses elementos são nocivos aos seres noturnos.
Mas as duas autoras também divergem quando os aspectos analisados são a criação de um
vampiro e a exposição ao sol. Em Meyer, os imortais brilham, em Rice, como na maioria
dos textos, eles queimam quando expostos aos raios do Sol.
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Outra recorrência quando se trata de vampiros é o poder de sedução que
podem exercer. Caracterizados como seres extremamente belos, com força e velocidade
sobre-humanos, de pele pálida e forma física perfeita, os vampiros são comumente
associados à luxúria. Entretanto, todos os autores descrevem de maneira similar o amor
entre vampiros. Quase todas as histórias e contos dizem de um amor único e,
principalmente, eterno e imortal, no sentido literal dos adjetivos. Para esses seres imortais
o amor não é uma simples convenção, mas a razão de toda uma existência.
Segundo Zygmunt Bauman, o homem moderno está preso por ligações
extremamente superficiais e facilmente rompíveis. Ele vive uma batalha interna entre a
vontade de estreitar esses laços e a necessidade de mantê-los frouxos para que possam ser
rompidos a qualquer momento. O ser humano de hoje tem medo de amar e de se
relacionar, mas tem mais medo ainda das conseqüências que o amor e os relacionamentos
podem trazer em longo prazo. Por isso, acabam sujeitando-se a noites de desejo com
pessoas que mal conhecem, passando pela vida de vários indivíduos ao mesmo tempo,
sem realmente se interessar por eles.
Os vampiros amam incondicionalmente e constroem uma ligação eterna com o
objeto de seu amor. Drácula passa a eternidade procurando pelas reencarnações de sua
amada. Louis, depois da morte de sua companheira, diz ser “um espírito preso em um
corpo imortal. Vazio e imutável!”. Edward tenta se matar quando, depois de um equívoco,
acredita que sua cara metade está morta.
O ser humano é instável e propenso a mudanças de comportamento e humor.
Possui as mais variadas dúvidas, inclusive, e na maior parte do tempo, sobre o amor e o
retorno da dedicação que oferece ao outro. Isso traz o medo e a insegurança, o que
caracteriza a dúvida sobre seus sentimentos e emoções. Os vampiros, por outro lado,
representam tudo aquilo que os seres humanos gostariam de ser e de viver, mas não
podem, não conseguem. Eles são a exteriorização de alguns dos sentimentos mais
humanos.
Quantos anos você tem?
Uma característica dos tempos modernos é, sem dúvida, a superficialidade dos
relacionamentos amorosos. As pessoas deixaram de ver o convívio com o outro como algo
necessário para a sobrevivência. Até algumas décadas atrás, o indivíduo que queria ter
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uma vida social considerada normal tinha, entre seus ideais, o casamento. As pessoas
namoravam, casavam-se e constituíam uma família.
Hoje, a própria estrutura familiar não é mais a mesma. A formação “Pai, Mãe
e Filhos” não é mais a única existente. Há homens que moram sozinhos, mulheres que
passam o dia todo fora de casa, homens que, após colocarem fim no casamento, voltam
para a casa dos pais, entre outras formações. Já não é mais uma exigência social ter um
parceiro para ser aceito na comunidade. Esse é um dos motivos que auxiliaram na
constituição de uma mentalidade que não vê no relacionamento amoroso o único caminho
para a felicidade. Pode-se ser feliz e bem aceito sem ter uma esposa ou marido. Com isso,
os relacionamentos perderam a grande importância que outrora tinham. Como afirma o
jornalista José Ebenézer, “o casamento passou a ser não mais aquele compromisso ‘até
que a morte separe’, mas ‘até que surja uma nova opção’".
O individualismo é outro quesito que tem sido presente nos relacionamentos
conjugais. A sociedade que cultua este individualismo é uma sociedade extremamente
voltada para o prazer. Muitas pessoas querem obter apenas satisfação em seus
relacionamentos, sem pensar no outro, sem crer que o outro também precisa ser satisfeito.
Nesse aspecto, Zygmunt Bauman compara:
(...) o ser amado transformou-se numa tela – em branco de preferência.
Suas cores naturais empalideceram, de modo a não se chocar com a
figura do pintor. O pintor não precisa indagar da tela como esta se sente,
lá embaixo, sob toda aquela tinta. (Bauman, Zygmunt, 2004, p. 34.)
Outra marca típica destes tempos em que se experimenta relacionamentos
descartáveis é a presença quantitativa de casamentos que são celebrados por interesses
outros que não o amor. Este sentimento antigo chamado de "amor" tem sido descartado
por muitos que se aventuram no casamento. Para estes, casamento é realmente uma
aventura e não um compromisso. Se der certo, tudo bem; se não der, parte-se para outra.
Entra-se e sai-se de casamentos como se troca de roupa diante do espelho da vida, na
busca daquela que componha melhor o figurino da ocasião.
Exemplo disso é o alto número de divórcios que têm ocorrido ultimamente em
todo o mundo. Cerca de 1,4 milhão de casais se divorciaram no ano passado na China, um
aumento de 18,2% em relação a 2006. De acordo com o IBGE, cerca de 1 milhão de
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pessoas se casam todos os anos no Brasil – e pouco mais de 250 mil se separam no mesmo
período. Conclui-se que, de cada quatro casamentos, um termina em separação.
De acordo com muitos psicólogos, um casamento que se estabelece em bases
tão frágeis realmente não tem como dar certo. Diante do primeiro obstáculo da vida, tal
relacionamento sucumbe porque não tem raízes sólidas e seguras. Vêm, então, o
desinteresse, a desarmonia, a desavença, o ciúme, a inveja, a desconfiança e outros tantos
sentimentos menos nobres. Nessa altura, fica difícil de sustentar um casamento com bases
tão superficiais. A relação conjugal acaba perdendo a “eternidade” estabelecida no
momento das bênçãos matrimoniais.
“Desenvolvimentos recentes põem em jogo, senão a própria concepção
nuclear, pelo menos o tema do único amor. As perturbações da vida
amorosa dos olimpianos tendem, paradoxalmente, a desmitologizar o
amor de cinema. As inconstâncias, rupturas ou divórcios dos Martine
Carol, Rita Hayworth, Elizabeth Taylor, Brigitte Bardot, Margaret,
Soraya, Vatim, etc, racham e desintegram o happy end amoroso do
cinema” (MORIN, p, 137, 2009)
Estamos tratando do casamento, pois esta instituição é um exemplo mais
prático e “palpável” da situação em voga, uma vez que o seu tempo pode ser contado,
pode ser medido. Mas trata-se apenas de uma representação da validade de algo ainda
maior: o amor. Esse sentimento não apresenta mais, para a grande maioria das pessoas, o
caráter irrevogável que tinha. Se o casamento não é mais eterno, o amor – lembrando que
se trata de uma generalização, mas sabemos das várias exceções – também não. Como
afirma Zygmunt Bauman, as relações são consideradas “relações de bolso”, uma vez que
podem ser guardadas para se lançar mão delas quando for preciso.
Apesar destas constatações reais, percebemos que, como já citado no início
deste artigo, a cultura de massa – e a indústria cultural – ainda “vende” a cultura do amor
idealizado. Trata-se de uma insistência em passar, através dos produtos, a “falsa realidade”
citada por Edgar Morin. “A falsa racionalidade, ou seja, a racionalização abstrata e
unidimensional, triunfa sobre a Terra” (MORIN, p. 208, 2000)
É nesse momento que surge a correlação com o amor nas histórias dos
vampiros. Entre estes seres sobrenaturais, o sentimento amoroso é exaltado e eterno.
Diferentemente do mundo humano, não passou por uma transformação e nem perdeu seu
caráter vitalício. Os vampiros retratados em filmes e livros vivem uma história amorosa
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para sempre. A paixão por determinada pessoa (vampiro ou não) acompanha a eternidade
do ser imortal.
Outro aspecto que merece uma boa comparação entre relacionamentos
amorosos humanos e vampirescos é a fidelidade. Em uma pesquisa publicada na revista
Veja, a autora Daniela Pinheiro divulgou recentemente uma pesquisa realizada pela sua
equipe sobre o comportamento de homens e mulheres casados. O levantamento constatou
que 60% dos homens já foram infiéis. Os principais motivos apontados pelos
entrevistados são atração, problemas no casamento e “circunstâncias”. De acordo com o
mesmo estudo, 47% das mulheres também já foram infiéis. Os principais motivos por elas
citados são insatisfação, vontade de experimentar outro parceiro, falta de amor e atração.
Na mesma pesquisa, 59% dos homens disseram que sentiam vontade de serem
infiéis pela insatisfação no relacionamento, pela atração e instinto sexual. 55% das
mulheres entrevistadas disseram que sentiam a mesma vontade pela atração, insatisfação
no casamento e raiva.
Com tais resultados, podemos concluir que homens traem por razões ligadas à
sexualidade e as mulheres por motivos ligados ao casamento e por vingança. As traições
costumam ocorrer nos quatro primeiros anos de união. A maioria dos homens e mulheres
tem vontade de ter um caso. Eles não o fazem por falta de oportunidade. Elas, por não
querer que o marido lhes faça o mesmo.
Uma reportagem publicada recentemente pela revista Época revelou que uma
série de pesquisas sugerem que o sonho da maioria das pessoas continua sendo um
casamento único, que dure a vida inteira. “As pessoas não se separam por ter superado
essa aspiração romântica. Ao contrário, elas se afastam amarguradas por não conseguir
atingir esse ideal” (Época, nº 622, 2010)
Seja como for, independentemente dos motivos, os dados revelam uma alta
tendência à traição. Não se tem mais o compromisso representado pela aliança. As pessoas
traem. Já entre os vampiros a infidelidade amorosa é inaceitável. Todos os sentimentos
vividos por esses seres são muito mais intensos, agem com muito mais força no
comportamento dos mesmos, e o amor é o exemplo mais característico. Quando um
vampiro ama alguém ele realmente nutre por essa pessoa um amor eterno e, acima de tudo,
fiel. Não há casos de traição nas histórias de vampiro.
Ao analisar este aspecto, pensamos que talvez a falta de devoção ao outro e a
infidelidade entre os humanos se deva à vida curta - se comparada à longevidade de um
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vampiro. As pessoas têm uma expectativa bem menor, querem sempre experimentar,
aproveitar a vida e o tempo. Entre os vampiros, seres vitalícios, essa “pressa” não existe.
Eles não querem ter muitos, mas apenas um.
Fora da percepção do homem, está o fato de que buscar o aproveitamento de
seu tempo, pequenos e grandes momentos e oportunidades passam despercebidos. Capazes
de experimentar sentimentos e emoções de forma única – diferente de qualquer outro ser,
imaginário ou real – nós estamos tão preocupados com a rapidez e a fluidez agregada à
nossa vida na líquida sociedade moderna que nos esquecemos de olhar atentamente, de
sentir, de realmente aproveitar. Podemos achar que estamos ganhando tempo e
multiplicando experiências, mas estamos desperdiçando momentos de felicidade e
completude. Mas, se aprendermos com os vampiros, percebemos que, na verdade, estamos
perdendo um tempo muito valioso.
Quando se pode viver para sempre, pelo que você vive?
Em se tratando do amor conjugal nos lembramos do que Foucault diz sobre o
desgaste do casamento. Segundo o filósofo, o amor entre marido e mulher se desgasta com
o nascimento dos filhos, e, a partir de então, a relação começa a decair num processo
autodestrutivo. No mundo moderno não são apenas os filhos os responsáveis pela
eliminação da paixão entre os cônjuges. A fragilidade das relações e a velocidade em que
elas são obrigadas a acontecer acaba abalando as estruturas de qualquer casamento,
eliminando sentimentos como o amor e a paixão. Surgem aí o ciúme excessivo, a
insegurança, e os pensamentos de infidelidade.
Entre os vampiros filhos não são um problema. Para gerar filhos é preciso
haver mudanças no corpo da mulher e, como as vampiras estão mortas, seus organismos
não podem se adaptar aos bebês. Dessa forma, as mulheres vampiras não podem
engravidar. Na maioria das histórias, parte-se do mesmo pressuposto para os homens. Os
vampiros estão mortos e, portanto, não podem mais produzir espermatozóides, se tornando
incapazes de procriarem. No entanto, algumas lendas dizem que, como o corpo masculino
não precisa mudar, e o vampiro homem já era fértil antes de ser transformado, os vampiros
podem, sim, engravidar mulheres humanas.
O fato é que os filhos não são fator separador dos casais nas histórias de
vampiros. Sem esse elemento, a relação não teria porque decair, de acordo com os
parâmetros de Foucault. A beleza do amor eterno está no fato deste não ter nenhum
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obstáculo em seu caminho. Os vampiros se entregam de uma forma única ao ser amado, se
sacrificam por ele, pois sabem que aquele amor é único. Na maioria das vezes, a entrega é
recíproca. Se um humano chega a escolher viver um amor com um vampiro, ele já está
bem consciente de que aquilo é único e especial.
Depois de transformados, os vampiros nunca mudam. Independente de suas
idades, eles não crescem, não envelhecem, não engordam. Isso pode causar transtorno para
muitos deles, pois algo que acomete a todos eles é o amor. A personagem Claudia, de
“Entrevista com um vampiro”, foi transformada enquanto criança, tendo sempre o aspecto
angelical de uma boneca. Mas ela se apaixonou insanamente pelo seu Criador, o vampiro
Louis, o que a fez querer crescer e se tornar uma mulher atraente. Numa tentativa de
mudar, ela corta seus cachos para tentar parecer mais velha, mas eles crescem de volta
imediatamente.
O amor é um sentimento que se apodera de todos os vampiros, mas cada um
reage de um jeito. Se ainda não tiverem encontrado seu companheiro até serem
transformados, depois disso desenvolverão sentimentos, na maioria das vezes, por
humanos, buscando uma conexão com o que costumavam ser. Esse amor é tão importante
para eles que se torna algo a ser cultivado e cuidado para sempre. É um amor imortal e
imutável. Os vampiros apaixonados são capazes de tudo por amor.
Os seres humanos são bastante diferentes. Completamente mutáveis, são
controlados por uma série de hormônios e fatores externos que fazem com que o amor de
agora, anunciado como o amor da vida toda, se torne outro em apenas alguns anos.
Casamentos acabam porque o amor acaba. Uma vida inteira, construída juntos, pode
chegar ao fim se um dos membros do relacionamento arranjar um novo amor.
A partir dessa fragilidade do amor moderno, que se contrapõe a esse amor
imbatível e imortal dos vampiros, é possível questionar se o amor eterno é realmente
possível, ou será que ele é tão surreal que só existe entre seres imaginários?
O amor pode se realizar. Ele só está esperando por você
Se é possível tirar uma lição do que propomos neste artigo, é que o amor no
mundo moderno está frágil e efêmero devido apenas às ações humanas. Tentamos mostrar
ao longo de nossas comparações como o ser humano deseja o verdadeiro sentimento do
amor mas não consegue obtê-lo. É por isso que exteriorizamos nossos desejos em nossas
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criações, sendo que os vampiros, suas histórias, sua sensualidade e seu amor imortal são
criações humanas.
A falta de tempo e de credibilidade nesse sentimento faz com que nossas
relações pareçam ínfimas perto das que lemos e vemos nas histórias de vampiros, e em
tantas outras histórias de amor perfeito. A perfeição não pode e nunca será alcançada.
Errar é parte fundamental do humano. Mas a busca por algo quase perfeito também é algo
inerente à nossa condição. E, para encontrar esse algo, basta querermos. O amor
verdadeiro e (quase) eterno existe sim. Ele só está esperando que alguém queira encontrálo.
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