Capítulo VII
3. O encontro de Jesus com a Santíssima Mãe.
Segunda queda de Jesus debaixo da cruz.
A Mãe de Jesus, transpassada de dor, tinha se retirado do Fórum com João e algumas mulheres,
depois de ouvir a sentença que lhe condenara injustamente o Filho. Tinham visitado muitos dos
lugares sagrados pela Paixão de Jesus, mas quando o correr do povo e o toque dos clarins e o séqüito
de Pilatos, com os soldados, anunciaram a partida para o Calvário, Maria não pode conter-se mais: o
amor a impelia a ver do divino Filho no seu sofrimento e pediu a João que a conduzisse a um lugar
onde Jesus tiveSse de paSsar.
Eles tinham vindo dos lados de Sião. Passaram ao lado do Tribunal de onde Jesus, havia pouco,
fora levado por portas e alamedas que noutros tempos estavam fechadas, mas nessa ocasião abertas,
para dar passagem à multidão. Passaram depois pela parte ocidental de um palácio, que do outro lado
dá por um portão, para a rua larga, na qual o séqüito entrou depois da primeira queda de Jesus. Não
sei mais com certeza se esse palácio era uma ala da casa de Pilatos, com a qual parece estar ligada por
pátios e alamedas ou se é, como me lembro agora, a própria habitação do sumo sacerdote Caifás, pois
a casa em Sião era apenas o Tribunal. João conseguiu de um criado ou porteiro compassivo a licença
de passar, com Maria e as companheiras, para o outro lado e o mesmo empregado abriu-lhes o portão
para a rua larga. Estava com eles um sobrinho de José de Arimatéia, Suzana, Joana Chusa e Salomé
de Jerusalém seguira a Santíssima Virgem.
Quando vi a dolorosa Mãe de Deus, pálida, olhos vermelhos de chorar, tremendo e gemendo,
envolta da cabeça aos pés num manto azul-cinzento, passando com as companheiras por aquela casa,
senti-me presa de dor e susto. Já se ouviam por sobre as casas o tumulto e os gritos do séqüito que se
aproximava, o toque da trombeta e a voz do arauto, anunciando nas esquinas das ruas a execução de
um condenado à cruz. O criado abriu o portão; o ruído tornou-se mais distinto e assustador. Maria
rezava e disse a João: Que devo fazer, ficar para vê-lo ou fugir? Como poderei suportar vê-lo neste
estado?” João disse: “Se não ficardes, arrepender-vos-eis amargamente toda a vida.” Então saíram da
casa, ficando à espera, sob a arcada do portão. Olhavam para a direita, rua abaixo, que até lá subia,
mas continuava plana, do lugar onde estava Maria.
Ai! Como o som da trombeta lhe penetrou no coração! O séqüito aproximava-se, ainda estaria
distante uns 80 passos, quando saíram do portão. Ali o povo não andava na frente, mas aos lados e
atrás havia alguns grupos. Grande parte da gentalha, que saíra por último do Tribunal, corria por
atalhos para a frente, para ocupar outros lugares de onde pudesse ver passar o séqüito.
Quando os servos dos algozes, que transportavam os instrumentos do suplício, se aproximaram,
impertinentes e triunfantes, começou a Mãe de Jesus a tremer e chorar e torcer as mãos de aflição. Um
dos miseráveis perguntou aos que iam ao lado: “Quem é essa mulher que está ali lamentando?” Um
deles respondeu: “É a mãe do Galileu.” Ouvindo isso os celerados insultaram-na com palavras de
troça, apontaram-na com os dedos e um desses homens perversos tomou os cravos, com os quais
Jesus devia ser pregado na cruz e mostrou-o à Santíssima Virgem, com ar de escárnio. Ela, porém,
torcendo as mãos, olhava na direção de seu Filho e esmagada pela dor, encostou-se ao pilar do portão.
Tinha a palidez de um cadáver e os lábios roxos. Passaram os fariseus a cavalo; depois veio o menino,
com o título da cruz e, ai! Alguns passos atrás, Jesus, o Filho de Deus, seu próprio Filho querido, o
Santo, o Redentor; lá ia cambaleando e curvado, afastando penosamente a cabeça com a coroa de
espinhos do pesado fardo da cruz. Os algozes arrastavam-no pelas cordas para a frente; tinha o rosto
pálido, coberto de sangue e pisaduras, a barba toda junta e colada sobre o queixo pela sangue. Os
olhos encovados e sangrentos do Salvador, sob o horrível enredo da coroa de espinhos, lançaram um
olhar grave e cheio de piedade à Mãe dolorosa e depois, tropeçando, Ele caiu pela segunda vez, sob o
peso da cruz, sobre os joelhos e as mãos. A Mãe, na veemência da dor, não via mais nem soldados
nem algozes, via só o Filho querido em estado tão lastimoso e tão maltratado. Estendendo os braços,
correu os poucos passos do portão até Jesus, através dos algozes e abraçando-o, caiu-lhe ao lado de
1
joelhos. Ouvi as palavras: “Meu Filho!” – “Minha Mãe!” – não sei se foram pronunciadas pelos lábios
ou só pelo coração.
Houve um tumulto: João e as mulheres tentavam afastar Maria, os algozes praguejavam e
insultavam-na. Um deles gritou: “Mulher, que queres aqui? Se o tivesses educado melhor, não estaria
agora em nossas mãos. Vi que alguns dos soldados estavam comovidos. Eles afastaram a Santíssima
Virgem, nenhum, porém, a tocou. João e as mulheres levaram-na e ela caiu de joelhos, como morta de
dor, sobre a pedra angular do portão, a qual suportava o muro. Estava de costas viradas para o séqüito,
apoiando-se com as mãos na parte superior da pedra inclinada, sobre a qual caíra. Era uma pedra com
veias verdes, onde os joelhos de Nossa Senhora tocaram ficaram cavidades e onde as mãos se lhe
apoiaram, deixaram marcas menos profundas. Eram impressões chatas, com contornos poucos claros,
semelhantes a impressões causadas por uma pancada sobre massa de farinha. Era uma pedra muito
dura. Vi que no tempo do bispo Tiago, o Menor, essa pedra foi colocada na primeira Igreja católica,
que foi construída ao lado da piscina de Betesda.
Já o tenho dito várias vezes e digo-o mais uma vez que vi em diversas ocasiões tais impressões
causadas pelo contato de pessoas santas em acontecimentos de grande importância. Isso é tão certo,
que há até a expressão: “Uma pedra sentir-se-ia comovida”, ou a outra: “Isso faz impressão”. A eterna
Sabedoria não tinha precisão da arte da imprensa para transmitir à posteridade testemunhos dos
santos.
Como os soldados, armados de lanças, que marchavam aos lados do séqüito, impeliam o povo
para diante, os dois discípulos que estavam com a Mãe de Jesus reconduziram-na pelo portão, que foi
fechado atrás deles.
Os algozes tinham, no entanto, levantado Jesus aos arrancos e puseram-lhe a cruz de novo ao
ombro, mas de outra maneira. Os braços da cruz, amarrados ao tronco haviam ficado um pouco soltos
e um deles descera um pouco ao lado do tronco, foi esse que Jesus abraçou então, de modo que o
tronco da cruz pendia atrás, mais no chão.
2
Download

O encontro de Jesus com a Santíssima Mãe. Segunda queda de