UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
Programa de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
A “boa sociedade” valenciana do século XIX: redes de sociabilidade
(1829-1868)
Dissertação de Mestrado
ANTONIO CARLOS DA SILVA
Vassouras
2010
2
Antonio Carlos da Silva
A “boa sociedade” valenciana do século XIX: redes de sociabilidade
(1829-1868)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade
Severino Sombra como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em História.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria da Silva Moura
Vassouras
2010
3
Antonio Carlos da Silva
A “boa sociedade” valenciana do século XIX: redes de sociabilidade
(1829-1868)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade
Severino Sombra como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em História.
Banca Examinadora
_________________________________
Profª. Drª. Ana Maria da Silva Moura
(Orientadora)
________________________________
Prof. Dr. Eduardo Scheid
_______________________________
Prof. Dr. Carlos Engemann
Vassouras
2010
4
SILVA, Antonio Carlos da. A “boa sociedade”
valenciana do século XIX: redes de sociabilidade
(18289-1868), Vassouras, PPGH/USS, 2010.
123 fls.
Dissertação de Mestrado.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria da Silva Moura
5
Agradecimentos
Fazer o Mestrado em História certamente foi uma das coisas mais desejadas por
mim nesses últimos anos. Mais do que uma realização é uma superação. Por esse
motivo, meu primeiro agradecimento é para Deus, porque sem ele eu não teria chegado
até aqui. Muitas são foram vezes em que pensamos em desistir, mas buscamos forças de
onde nem imaginamos que poderiam haver. Agradeço à Geise por toda paciência,
compreensão e incentivo. Esta que foi uma grande parceira durante toda esta caminha.
Ela que nem sempre entendeu as ausências, mesmo eu estando tão perto, mas que soube
respeitar o meu momento. Quando entrei no mestrado conheci pessoas maravilhosas, e
cada um a seu jeito me ajudou de alguma forma. Mariléia, Fabiana, Sônia, Alan, Regina
e Edilberto, nunca esquecerei os momentos que compartilhamos. Nunca me esquecerei
das ansiedades, das expectativas, das divergências, mas também do respeito e do
carainho que cultivamos. Não poderia eu deixar de mencionar a preciosa colaboração
dos professores, Carlos Engemann, Claudia Santos, Fábio Lopes, José D’Assunção e
Eduardo Scheid. Cada um colaborou de alguma forma, dando dicas, apontando falhas,
sugerindo caminhos e leituras e incentivando. Agradeço também à minha querida
orientadora professora Ana Maria da Silva Moura que me acolheu no meio do percurso
e causou uma agradável reviravolta em minha pesquisa. Ela que sempre me ouviu,
sugeriu, falou duro quando foi necessário e me acalmou nos momentos de crise. Muitos
foram os amigos que torceram e incentivaram para que concluísse este trabalho, mas
vou registrar apenas dois, porque foram decisivos na confecção do mesmo. Primeiro
gostaria de agradecer ao amigo Adriano Novaes, com quem aprendi quase tudo sobre as
fontes a serem consultadas, as famílias pesquisadas e os personagens abordados. Este
personagem que já colaborou tanto com os trabalhos de historiadores renomado, teve a
paciência de colaborar com este simples amigo. Ao meu muito estimado amigo
Raimundo César de Oliveira Mattos, que não mediu esforços para que eu entrasse no
programa, que por várias vezes leu e releu meus textos. Para agradecer a este amigo por
tudo o que ele me fez durante e antes do mestrado seriam necessárias muito mais
páginas do que as dessa dissertação.
A todos, o meu....
...muito obrigado!
6
Resumo
O Presente trabalho vem fazer uma releitura sobre a boa sociedade do Vale do
Paraíba, mais especificamente o caso de Valença que durante o século XIX ocupou
lugar de destaque na produção cafeeira do Império do Brasil com sua estrutura
escravista. Para isto analisamos os locais de poder onde a boa sociedade reproduzia suas
práticas de sociabilidade e punha em prática seus projetos de poder. Com isto, fizemos
um panorama da Câmara Municipal de Valença, da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Valença e da imprensa local. Para exemplificar o auge da sociabilidade
escolhemos o Visconde do Rio Preto como modelo exemplar desta boa sociedade.
Palavras-chave: Vale do Paraíba, boa sociedade, redes de sociabilidade.
7
Abstract
The Good Society of Valença in the 19th Century. Social Networks. (1829-1868)
The present paper brings a new reading of the good society of the Valley of the Paraiba,
more specifically the case of Valença, which in the 19th century, based on slave work,
had an important place in the production of coffee in the Empire of Brazil. In order to
do that, we analyzed the spaces of power where the good society reproduced its
practices of sociability and executed its projects of power. With that, we do an overview
of the Town Council, of the Fraternity of the Santa Casa de Misericordia of Valença and
through the local press. To exemplify the heyday of the sociability we chose the
Viscount of Rio Preto as a model of this good society.
Key words: Valley of the Paraiba, Good Society, Social Networks.
8
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................................09
Capítulo 1.
Tecendo o poder da Classe Senhorial..............................................................................17
Capítulo 2
Os loci da Boa Sociedade: consolidando seus espaços...................................................40
2.1 – A Câmara Municipal de Valença ...................................................40
2.2 – Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença........................49
2.3 – Imprensa e Poder: os jornais da boa sociedade...............................57
Capítulo 3
O Visconde do Rio Preto como Arquétipo de um grupo, sua morte e a desestruturação
dos projetos da boa sociedade.........................................................................................71
Considerações Finais.....................................................................................................113
Fontes.............................................................................................................................116
Imagens Utilizadas........................................................................................................117
Referencias Bibliográficas.............................................................................................118
9
Introdução
O trabalho que ora apresentamos surgiu da necessidade de preencher uma lacuna
historiográfica no que diz respeito ao Vale do Paraíba Fluminense. Isso porque durante
muitos anos as pesquisas realizadas sempre privilegiaram um olhar sobre a cidade de
Vassouras por motivos de maior acesso a fontes, por exemplo. Entretanto, nos últimos
anos tem se verificado a necessidade de se olhar para o município de Valença que, de
igual modo, foi cenário para o desenvolvimento da cultura cafeeira e do fortalecimento
de uma classe senhorial que baseava sua riqueza na manutenção e na reprodução do
trabalho escravo.
Acreditamos na importância desse trabalho, porque traz a tona uma discussão
sobre as estratégias e as sociabilidades criadas por um grupo de personagens muito
pouco estudados, mas que através de suas relações e interesses participavam
intensamente da vida política da Província do Rio de Janeiro e do Império do Brasil.
Personagens como Brás Carneiro Nogueira da Gama, o Visconde de Baependy e
Domingos Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto: ambos ricos fazendeiros que
criaram ou fortaleceram mecanismos ou espaços de poder através de sua atuação. Nosso
trabalho busca explicitar essas relações mostrando que elas não aconteciam apenas entre
os grandes proprietários, mas com uma ampla rede de subalternos, que através dessas
relações ocupavam seus espaços em cargos públicos e na vida social da cidade.
Nosso recorte temporal baliza os anos de 1829 e 1869. Escolhemos a primeira
data por se tratar do momento em que José da Silveira Vargas assume a Presidência da
Câmara Municipal e inicia um longo período de supremacia dos fazendeiros no poder
público. Identificamos Silveira Vargas como o primeiro líder e representante desse
grupo. Se por um lado ele foi o precursor desse tipo de política, por outro, identificamos
o Visconde do Rio Preto como expoente maior dos interesses dessa classe senhorial,
entretanto, sua morte em 1868 trouxe um momento de desequilíbrio na estrutura
montada por esse grupo.
Estudar sociabilidades no Vale do Paraíba Fluminense não é novidade, pois dois
trabalhos podem ser bem exemplificados. O primeiro que podemos citar é o trabalho de
Ângelo Ferreira1 com seu estudo sobre as redes de sociabilidade em Vassouras no
século XIX. De fato, esse estudo que girou em torno do caso da morte de José Benatar,
trouxe contribuições muito importantes porque deixa bem claro para o leitor as esferas
1
MONTEIRO, Ângelo Ferreira. O Caso Benatar e as Redes de Sociabilidade em Vassouras no século
XIX. (dissertação de mestrado) Vassouras, PPGHIS/USS. 2005.
10
dessa sociabilidade e o conflito surgido na morte de um subalterno. A diferença do
trabalho que apresentamos para o realizado por Ângelo Ferreira vai além da questão
espacial, incluindo ainda a metodologia empregada. Em nosso caso, buscamos entender
as redes estabelecidas como parte de um projeto maior de manutenção do poder e dos
interesses da classe senhorial.
Embora bem diferente do nosso objeto, o estudo de Regina Arieira2, apresenta
uma semelhança no titulo, no espaço e no recorte temporal. Entretanto precisamos
apresentar que embora ela tenha desenvolvido um estudo sobre sociabilidade em
Valença, seu olhar baseia-se, sobretudo, no que diz respeito à da família escrava. Seu
estudo procura, de forma bem documentada, demonstrar como algumas famílias
escravas em Valença buscavam preservar sua integridade através do batismo e do
apadrinhamento.
Mesmo analisando de forma diferente a questão da sociabilidade, o diálogo com
esses dois autores foi de grande valor uma vez que pudemos observar o caminho
trilhado por ambos e verificar os pontos de sucesso e de fragilidade tentando observar o
mesmo em nosso estudo. Além desses autores, procuramos dialogar com historiadores
como Ricardo Salles3 e Mariana Muaze4. De primeiro momento o trabalho de Mariana
Muaze pode parecer mais relevante por conta de estudar a família Ribeiro de Avelar em
Paty do Alferes, mas o trabalho de Ricardo Salles também foi de grande importância
por em um exercício muito intenso ele procurou demonstrar como a classe senhorial
surgida no Vale do Paraíba Fluminense, se valeu da escravidão e fez de tudo para
manter a mesma. É o próprio Ricardo Salles que propõe o termo “subalternos”, que
também utilizamos para nos referirmos aos membros da “boa sociedade”, de menor
poder financeiro mas que viam nos grandes fazendeiros uma possibilidade de ascensão
social.
Nosso caminho estaria muito irregular se não dialogássemos com alguns
memorialistas como Eloy de Andrade5, Luis Damasceno6 e José Leoni Iório7. A
importância dos dois primeiros pode ser verificada por suas ascendências. Eloy de
2
ARIEIRA, Regina Faria. Família e Redes de Sociabilidade em Valença: Um Estudo de Caso (Província
do Rio de Janeiro - 1823-1888). (dissertação de mestrado), Vassouras, PPGH/USS, 2007.
3
SALLES, Ricardo Henrique, E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no
coração do império. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008.
4
MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira, O império do retrato; família, riqueza e representação social no
Brasil oitocentista 1840-1889 (tese de doutorado). Niterói, PPGH/UFF, 2006.
5
ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. O Vale do Paraíba. 1 ed. Rio de Janeiro: 1989.
6
FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença, Ed. Valença, 1924.
7
IORIO, José Leoni, Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora, Cia Dias Cardoso, 1953.
11
Andrade era filho de Joaquim Ribeiro do Vale, importante médico de fazendeiros como
o Visconde do Rio Preto. Além disso, a principal narrativa sobre a morte do visconde
foi transmitida por ele, que na ocasião estava na festa de aniversário e tentou prestar
socorro ao nobre. Já Luis Damasceno Ferreira, era filho do Major João Damasceno
Ferreira, importante fazendeiro e político valenciano no século XIX, tendo ocupado
cargos como o de vereador, delegado de polícia, juiz de paz entre outros. E foi pela
influencia do pai que Luis Damasceno ocupou o cargo de secretário da Câmara
Municipal e, por esse motivo, teve acesso privilegiado às fontes documentais da casa.
Embora tenha sido de grande importância, o trabalho de Luis Damasceno tem uma visão
comprometida, pois conta a história do município através das deliberações e discussões
da Câmara. José Leoni Iório, não possuía diretamente nenhum vínculo com a
aristocracia rural valenciana, mas a importância de seu trabalho consiste em ser uma
compilação das obras de Eloy de Andrade e Luis Damasceno, acrescentando elementos
como os relatos de viajantes como Charles RibeyrolLes e Auguste de Saint-Hilaire, por
exemplo.
Com essas produções referenciais e historiográficas buscamos desenvolver
nosso trabalho, cujos objetivos são: verificar as estratégias para formação das redes de
sociabilidades da aristocracia rural do Vale do Paraíba Fluminense através da nobreza
valenciana. Compreender os interesses políticos envolvidos por essas sociabilidades.
Para isso partimos de indagações que refletiam a necessidade de entendermos por que
estas redes de relações se interligavam através de uma pessoa, o Visconde do Rio Preto?
Mas estas não são as únicas perguntas. Necessitávamos saber ainda, quais o locii destas
redes de sociabilidade e quais instrumentos eram utilizados para seu fortalecimento e
estabilidade.
Nossa abordagem aproximou–se da Micro-História, segundo Sandra Jatahy
Pesavento8, na vertente representada por Edoardo Grendi, Giovanni Levi e Carlo Poni
porque conseguimos com nossas análises reproduzir as redes de relações, os
comportamentos e as identidades, individuais e sociais dos atores envolvidos na escala
microanalítica9. Ainda nas questões metodológicas, dialogamos também com Carlos
Ginzburg10, quando variamos as escalas de nossa análise, estudando os espaços de
8
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Esta história que chamam de micro. In: GUAZZELLI, César Augusto
Barcellos.PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. SCHIMIDT, Benito Bisso. XAVIER, Regina Célia Lima.
Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre; Editora da UFRGS, 2000.
9
Idem p. 211
10
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo. Companhia das Letras 1989.
12
poder na cidade de Valença e mais especificamente as relações em torno do Visconde
do Rio Preto, buscando aproximar-nos de um referencial mais amplo, o modo de viver e
pensar no Império do Brasil, fundamentado, sobretudo, em uma estrutura escravista.
Com a redução das escalas buscamos os indícios dessa forma de viver e pensar do
século XIX no Brasil, tão bem representadas em Valença.
Mas, para a questão
conceitual que responderia à nossa indagação sobre os interesses políticos envolvidos
nesses comportamentos associativos optamos por trabalhar com alguns conceitos e o
primeiro deles é “Poder”, que segundo Michel Foucault11 fica muito empobrecido
quando é colocado unicamente em termos de legislação, Constituição, ou somente em
termos de Estado ou aparelhos do Estado. O poder é muito mais complicado, muito
mais denso e difuso que um conjunto de leis ou um aparelho de Estado12. Para ele o
poder não existe sozinho e é preciso que haja quem exerça e quem se sujeite. O poder
não existe em si; o que existem são relações de poder que são relações de força.
Portanto, toda relação de força exprime uma relação de poder. O poder é algo que se
exerce, que se efetua, que funciona como uma maquinaria, mas que não possui uma
localização única; está presente em diferentes pontos da sociedade, sendo exercido em
níveis variados, e existindo integrado ou não ao Estado.
Não se tem neste caso uma força que seria inteiramente dada a
alguém e que este alguém exerceria isoladamente, totalmente sobre os
outros; é uma máquina que circunscreve todo mundo, tanto aqueles que
exercem o poder quanto aqueles sobre os quais o poder se exerce. Isto me
parece ser a característica das sociedades que se instauraram no século
XIX. O poder não é substancialmente identificado com um individuo que o
possuiria ou que o exerceria devido a seu nascimento; ele torna-se uma
maquinaria de que ninguém é capaz. Logicamente, nesta máquina ninguém
ocupa o mesmo lugar; alguns lugares são preponderantes e permitem
produzir efeitos de supremacia. De modo que eles podem assegurar uma
dominação de classe, na medida em que dissociam o poder do domínio
individua13l.
O poder não é uma essência, nem uma coisa que possa ser apoderada, mas uma
prática social, sendo, portanto, constituída historicamente. Ele funciona como uma rede
que não se localiza em nenhum ponto específico, mas que perpassa toda estrutura social
a qual ninguém escapa, mas que não possui limites ou fronteiras.
11
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo. Editora Paz e Terra. 2006.
Idem p. 221
13
Idem p.219
12
13
O homem é não só o sujeito mas também o objeto do poder social.
Contudo, não existe Poder, se não existe, ao lado do individuo ou grupo que
o exerce, outro individuo ou grupo que é induzido a comportar-se tal como
aquele deseja.
O Poder social não é uma coisa ou a sua posse: é uma relação entre
pessoas.14
Entendemos que o poder é na sua essência uma relação entre homens, que
podem estar envolvidos em várias esferas do mesmo, como o autor descreve. Um
indivíduo que exerce um poder sobre um grupo pode estar sujeito ao poder de um
superior e também do próprio grupo. A emergência Visconde do Rio Preto em nosso
trabalho será porque o consideramos como exemplar dessas relações de poder e não
porque único sujeito do poder.
Ainda na esfera dos conceitos que nortearão nosso modelo explicativo, temos as
chamadas redes de sociabilidade, que são os conjuntos de relações na sociedade que
efetivam e demonstram alianças, como por exemplo; Relações de sangue, compadrio,
negócios, clubes, associações. São relações que podem se tornar estratégicas para
consolidação do poder da classe senhorial. Outro conceito que baliza nosso trabalho é o
de “classe senhorial” e quem melhor descreve este modelo no Vale do Paraíba
Fluminense é o já citado historiador Ricardo Salles, demonstrando toda uma estrutura
de pensamento dos senhores de escravos e de terras que ocuparam a região. Segundo
ele, fazer parte dessa classe de senhores, concedia um status superior e grande poder de
atuação nos grandes círculos políticos do país. Ser um grande proprietário era mais do
que uma condição econômica, era também um estilo de vida. Ricardo Salles demonstra
bem todo aparato desses senhores para a manutenção da escravidão.
Outros autores que trabalham com a classe senhorial são Ilmar de Mattos e
Márcia Gonçalves15, que em seu trabalho demonstram com esse grupo ascendeu ao
poder transformando-se em “boa sociedade”, ou seja, um grupo apto, aos negócios e
assuntos do Estado Imperial. Quando esse grupo se transforma em boa sociedade ele
funde dois poderes: o econômico e o político.
Com o desenvolvimento da pesquisa, estabelecemos nossas hipóteses:
Considerando que os fundamentos de riqueza e poder dos grandes proprietários locais
14
STOPPINO, Mário. Verbete Poder. In. BOBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília LGE: 2004
pp. 933-934
15
MATTOS, Ilmar Rohloff de. GONÇALVES, Márcia de Almeida. O Império da boa sociedade. A
consolidação do Estado Imperial brasileiro. São Paulo: Atual, 2005
14
assentavam–se na cafeicultura e na mão de obra escrava, era de interesse estratégico a
manutenção de uma política que perpetuasse tanto a expansão econômica quanto a
escravidão. A questão principal estaria então, nas possibilidades de atuação, enquanto
categoria produtora e classe social, na esfera estatal e local, ampliando sua influência e
envolvendo outros círculos sociais, entretanto sem permitir a partilha do poder.
Nesse sentido, nossas hipóteses principais apontam:
1- que a “boa sociedade” se espiralava pelas camadas intermediárias – os
subalternos– em um processo de cooptação, através de cargos públicos ou honoríficos.
Plasticamente, uma “espiral” social apresentava como ponta inicial a maior
representação política e econômica local, exemplar dos interesses políticos e
econômicos, mas também dos valores sociais da época;
2- que as relações que interligavam esses grupos, não somente fortaleciam uma
consciência de distinção de classe, mas tornavam-se estratégicas para a manutenção do
poder que permitiria a perpetuação de seus fundamentos, como a escravidão.
3- que o interesse maior de classe, a política de manutenção de poderes, também
foi implementada, na criação e monopolização de “espaços de poder” no Município de
Valença. Câmara Municipal, Jornais e a Irmandade Santa Casa de Misericórdia. São
nesses locais onde os homens da boa sociedade se utilizavam de importantes
instrumentos para seus objetivos como as leis, a voz pública nos debates de seus
interesses e o poder de indicar cargos públicos e encargos honoríficos.
Optamos por responder a estas questões dividindo nosso trabalho em três
capítulos. No primeiro, nosso foco principal foi apresentar o Vale do Paraíba
Fluminense em seu aspecto físico e como isso facilitou o surgimento de uma cultura
cafeeira. Além disso, procuramos explicar como algumas famílias se estabeleceram no
Vale através de sesmarias. Seguindo procuramos demonstrar como surgiu a classe
senhorial valenciana. Demonstramos inicialmente algumas famílias e suas atuações nas
esferas de poder.
No segundo capítulo nossa meta foi apresentar quais os loci dessa boa sociedade.
Para nos três locais foram de suma importância: Câmara Municipal, Irmandade Santa
Casa de Misericórdia, e por ultimo a imprensa local. Para facilitar a compreensão deles
locais, dedicais um subitem para cada um. Ao analisar a Câmara Municipal
demonstramos a permanência de algumas famílias no poder, e a frente delas dois
personagens, o Visconde de Baependy, e o Visconde do Rio Preto, ambos em
momentos diferentes. Procuramos estabelecer algumas ligações entre essas famílias e o
15
rompimento da estabilidade política quando um outro grupo subiu ao poder. Para
compreender tudo isso, montamos um quadro e dividimos o poder na Câmara Municipal
em três períodos: Estruturação, Baependy e Rio Preto. Optamos por analisar a
Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença, por ter sido ela o maior grupo de
convivência social na cidade durante o século XIX. Em um diálogo muito produtivo
com Russel-Wood16, que estudou a Irmandade Santa Casa de Misericórdia da Bahia no
período colonial, demonstramos como esse era um espaço importante para a ascensão
social. Além disso, estabelecemos algumas co-relações entre os membros da Irmandade
e sua atuação em cargos públicos. Por último, mas não menos importante discutimos o
papel da imprensa como difusora dos ideais e os projetos da classe senhorial, mais
especificamente dos conservadores. Para isso, utilizamos quatro periódicos; O
Merrimac, O Valenciano, A Phenix e O Alagoas. Em nosso trabalho abordaremos o que
Tânia Regina de Luca17 chama de “lugar social da imprensa” porque investigamos qual
o papel da imprensa na propagação das idéias da “boa sociedade” e sua vinculação. Para
isso, estabelecemos também um diálogo com as historiadoras Tânia Maria Bessone e
Gladys Sabino Ribeiro demonstrando a parcialidade política dos jornais no século XIX
e sua importância para alguns projetos de poder.
Em nosso terceiro capítulo discorreremos mais profundamente sobre o
personagem do Visconde do Rio Preto que transformou-se, segundo nossa análise, no
arquétipo da boa sociedade, consolidando uma ampla rede de sociabilidade, trazendo
estabilidade política perspectivas de bons negócios com projetos de grande porte como a
construção de um ramal da Estrada União Indústria que saída das portas de sua fazenda,
Flores do Paraíso e um ramal dada estrada de ferro, algo que segundo os jornais traria o
progresso e muitas oportunidades para a região. Para isso, nos utilizaremos dos jornais
que durante a década de 1860 tornaram públicos os anseios da classe senhorial e as
expectativas na figura do visconde. Munidos de documentos com relatórios de gestão,
pretendemos demonstrar como este personagem alcançou o posto de “grande líder”, mas
também transformou-se numa espécie de fiador desses projetos. Ainda nesse capítulo
pretendemos demonstrar que ter uma figura forte como a do Visconde do Rio Preto,
garantiria investimentos em projetos como o da estrada de ferro, e a manutenção da
estrutura escravista, por esse motivo, seus pares também se empenharam na
16
RUSSEL-WOOD, A.J.R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Trad.
Sérgio Duarte. Brasília: Editora UnB, 1981.
17
LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi.
(org.). Fontes Históricas. São Paulo: Ed. Contexto, 2008.
16
consolidação de sua imagem permitindo que ele centralizasse o poder econômico,
político social como Presidente da Câmara Municipal, Provedor da Irmandade Santa
Casa de Misericórdia e da Irmandade Senhor dos Passos, além de Juiz de Paz,
capitalista e Tenente Coronel da Guarda Nacional. Por fim, demonstraremos sua
importância e a desestruturação desse projeto e poder da classe senhorial com as
narrativas após o falecimento do visconde, algo que causa um enorme impacto na
estrutura política e econômica de seus pares.
17
1 – Tecendo o poder da Classe Senhorial
Antes de situarmos Valença no contexto político do século XIX, apresentamos
brevemente a diversidade geográfica e a ocupação do Vale do Paraíba Fluminense que
na “zona de serra acima” [grifo nosso], expressão adotada pelos primeiros exploradores
e que vai se alargando por todo o Vale do Rio Paraíba, apresenta uma grande
variabilidade geográfica. Uma delas é acidentada, entre as serras do Picú, Itatiaia, Amparo,
Abóboras, Fortaleza, água Quente, São João, (...). E a outra, diminuindo sempre a altitude até
chegar à planície de Campos e municípios vizinhos, na longa descida das águas do Rio Paraíba.
Uma Zona é do Alto, a outra do Baixo Paraíba.
Mapa de Valença e Vassouras
Fonte: IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953.
A Serra Abaixo, contem terras planas, baixas, algumas alagadiças, a exemplo
dos municípios atuais de Cabo Frio, Araruama, Magé, e Iguaçu, e tendo como Baixada,
Niterói, São Gonçalo, Caxias e outros.
Uma simples mudança de cultura é o único processo que se emprega
pra obterem abundantes colheitas. Quando a cana começa a produzir com
18
escassez, substituem-na pela mandioca, cuja produção é largamente
compensadora e quando esta, por sua vez, não dá com abundância aos
primeiros anos, voltam ao cultivo da cana, que produz tanto como se fora
plantada pela primeira vez em terra virgem.18
Foi ao longo dessa região fluminense, que por mais de oitenta anos toda a vida
política, social, econômica e financeira da “Velha Província, da Regência, do Primeiro
Reinado e do Segundo Reinado”19 – se condensou. As terras iam sendo conquistadas e
preparadas para a criação de gado vacum e cavalar20, como também roças de variados
produtos para subsistência.
O trajeto do rio vai se alargando “a bacia à direita pelos vales dos rios Bananal,
Barra Mansa, Piraí, Piabanha Paquequer, Dois Rios, e, à esquerda pelo Pirapitinga,
Turvo, Pomba, Muriaé, Paraíbuna e seus afluentes”21. No percurso entre as cidades de
Valença, Paraíba do Sul e Sapucaia, o rio consome-se em águas avolumadas e agitadas,
que se apresentam em rápidas corredeiras em alguns pontos, distinto do percurso que
banha o território paulista. Tendo em alguns pontos o seu leito apertado e que não
consegue conter o volume das águas, inundando as terras adjacentes, fertilizando ainda
mais o solo.
Muitos foram os fatores que corroboraram para o sucesso e a rapidez do
processo de povoamento da região fluminense: tanto fatores de ordem física, como a
presença de acidentes geográficos no extenso litoral, com enseadas e portos, quanto
fatores de ordem econômica, citando-se, entre outros, o processo de arrendamento de
terras adotado pelos padres na planície campista, o sistema de concessão de sesmarias
pela metrópole, a abertura de caminhos para a região das minas, e até mesmo a venda de
pequenas roças que serviam para o abastecimento dos aventureis, tropeiros e viajantes,
entre outros.
Em todas essas explorações não havia para o explorador o receio de
perder-se, internado pelo sertão, porque, da foz, seguia o curso do rio em
direção à nascente, como regresso seguro e sem contratempos, palmilhando
o caminho anteriormente percorrido. Igualmente, se tomava uma montanha
como ponto de referência, a segurança era a mesma, tinha, pois, a
Província nos acidentes geográficos – montanhas e rios – seguras
oportunidades para seu povoamento22.
18
SAINT HILLAIRE apud ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de 1989, p. 17.
ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit.,p. 19.
20
De que se supriam os últimos governadores gerais, a Regência, e o Primeiro Reinado.
21
ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit.,p. 20.
22
Idem p. 24.
19
19
Os explorados eram atraídos pela abundancia de água, para a irrigação das
plantações, do fornecimento abundante de peixes e da própria corrente do rio que não
exigia muito esforço muscular, conduzindo as viagens empreendidas da forma facílima,
propiciando a abertura de roças, em “terras de ninguém” [grifo nosso] – à margem dos
rios e das picadas. Assim, escolhiam lugares de que se agradavam, iniciavam às pressas
um rancho, derrubavam o mato ao derredor, e empregavam grande afinco nas
plantações, abastecendo os bandos que subiam e desciam das terras mineiras. Estes
locais foram conhecidos pelos bandeirantes como “pousos de recursos”.
(...) o povoamento do solo fluminense começou em Campos e
estendeu-se pelo litoral, Cabo Frio, Magé, Iguaçu, Estrela, Praia Grande,
Niterói, Itaguaí, Angra, Parati; mais tarde foram se formando os
aldeamentos das futuras cidades da Baixada: Itaboraí, Macaé, São Fidélis,
Cantagalo, Piraí e por último, as do vale do Paraíba: Paraíba do Sul,
Rezende, São João Marcos, Vassouras, Valença, Vargem Grande23.
Apesar das boas condições geográficas para o povoamento, a região foi ocupada
com as dificuldades provocadas pela resistência dos indígenas que se opuseram à
penetração dos colonizadores24. Assim, em 1785, a vasta região que compreendia as
cabeceiras do Macahé, do Macabú, Macacú e sertões inferiores, era ainda dominada
pelo “gentio”, como também a margem setentrional do Paraíba, nos Vales do Muriahé e
do Pomba. Nesta época, Valença ainda era um povoado de poucas casas, cercado de
inúmeros índios, que acabaram por desaparecer. A Metrópole concedia sesmarias25 de
23
Idem. p. 26.
A luta em Campos foi de um século – iniciada em 1534 por Pedro Góes da Silveira, terminando em
1630, pelos esforços dos jesuítas, do abade dos beneditinos e da vários fidalgos, entre eles, S salvador
Corrêa de Sá Benevides.- Os remanescentes indígenas, que escaparam à morte ou ao aprisionamento,
refugiaram-se em Minas e foram incorporar-se à tribo dos caiapós.
25
Cf.: Sesmaria é um instituto jurídico português (presente na legislação desde 1375) que normatiza a
distribuição de terras destinadas à produção. Este sistema surge em Portugal durante o século XIV,
quando uma crise agrícola atinge o país. O estado, recém-formado e sem capacidades de organizar a
produção de alimentos, decide legar a particulares essa função. Quando a conquista do território brasileiro
se efetiva a partir de 1530, o estado português decide utilizar o sistema sesmarial no Além-Mar, com
algumas adaptações. A partir do momento em que chegam ao Brasil os capitães-donatários, titulares das
capitanias hereditárias, a distribuição de terras à sesmeiros (em Portugal era o nome dado ao funcionário
real responsável pela distribuição de sesmarias, no Brasil, o sesmeiro era o titular da sesmaria) passa a ser
uma prioridade, pois é a sesmaria que vai garantir a instalação da plantation açucareira na colônia. A
principal função do sistema de sesmarias é estimular a produção e isso era patente no seu estatuto
jurídica. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos estabelecidos, seu
direito de posse poderia ser cassado. É na distribuição das terras que está a origem do sistema semarial,
uma forma que se difundiu pelo sul de Portugal a partir do século XIII e que se converteu em verdadeira
política de povoamento, que se estendeu às suas colônias. - A Coroa Portuguesa tomou posse do território
brasileiro por aquisição originária, isto é, por direito de conquista. Por essa razão, todas as terras
“descobertas” passaram a ser consideradas como terra virgem sem qualquer senhorio ou cultivo anterior.
A carta patente dada a Martim Afonso de Souza é unanimente considerada como o primeiro documento
sobre sesmarias do Brasil. O sistema sesmarial perdurou no Brasil até 17 de julho de 1822, quando a
24
20
acordo com a lei das sesmarias e quando eram solicitadas existiam algumas obrigações
a serem cumpridas, como o seu cultivo ou o auxílio na abertura de caminhos. Outras
eram concedidas sem nenhuma obrigação, como uma espécie de prêmio ou recompensa,
quando os requerentes alegavam a prestação de serviços ao rei, na região. “Obrigavamse os beneficiários a demarcar as sesmarias concedidas. A concessão delas remontava
ao segundo século depois do descobrimento, com largas interrupções, sendo
recomeçada em 1730” 26.
Em 1785, na região que corresponde à Resende, um grupo de sesmeiros27 de
renome abriu lavouras e iniciou a indústria pastoril, o que provocou um conflito com os
índios Puris. Dom João prosseguiu com a distribuição das terras da Colônia, e o fez, em
larga escala, principalmente, ao longo do Rio Paraíba e seus afluentes, em torno dos
ranchos à margem do “Caminho Novo”. Dentre esses sesmeiros podemos citar os
avoengos das famílias mais importantes da região no século XIX: os Werneck, os
Machado da Cunha e os Nogueira da Gama.
Segundo Lilia Moritz Schwarcz, “Os ricos, conhecedores do andamento dos
negócios, faziam, das requisições de sesmarias, verdadeira especulação; o Rei as
concedia sem conta e sem medida aos homens a quem imaginava dever serviços”28.
Assim, se alastrava a concessão de terras, por toda a margem esquerda do Rio Paraíba,
de Barra Mansa até a antiga estação de Comércio, compreendidas aqui as fazendas do
próprio Marquês de Baependy, dos barões de Juparanã e Santa Mônica. A referida
autora nos afirma que em 1820 não havia em todo território da Província um palmo de
terra que não tivesse dono, ou não tivesse compreendida na área de uma das sesmarias
doadas.
Eloy de Andrade conclui que:
Era costume então dominante, (...) de concederem sesmarias,de
preferência a pessoas fidalgas, ou com posses bastantes para construir
engenho, excluindo assim da propriedade da terra, as classes pobres ou
desfavorecidas. Todos os requerentes de sesmarias tem sempre, para isso, o
cuidado de alegarem que não são homens sem meios. Pedem terra
Resolução 76, atribuída a José Bonifácio de Andrade e Silva, pôs termo a este regime de apropriação de
terras. A partir daí a posse passou a campear livremente no país, estendendo-se esta situação até a
promulgação da lei de terras, que reconheceu as sesmarias antigas, ratificou formalmente o regime das
posses, e instituiu a compra como a única forma de obtenção de terras. Citado In: GRINBERG, Keila.
Código Civil e Cidadania. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 09.
26
ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit. ,p. 27.
27
José Teixeira, Francisco Leme, Bacharel José Carvalho Rezende, Domingos Lopes Ferraz, Alferes
Antonio Soares Louzada, João Paulo dos Santos.
28
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 38.
21
justamente porque dispõem de recursos. Cada um deles faz ver aos
donatários, capitães mores e governadores que, “hé home de muita posse e
família”29
Alguns requerentes tinham o conhecimento de que as terras requeridas eram
ocupadas por velhos posseiros e alegavam desta forma que a posse era ilegal, sem a
ordem de sua majestade e as requeriam para si. Em outras cartas de concessão, que
serviam de estímulo para futuras arbitrariedades, vinha uma declaração de que o
concessionário fizesse pião na demarcação aonde lhe conviesse, tirando terras para além
das suas posses, retirando assim, posseiros que abriram lavouras sem título algum. Essa
questão da apropriação de terras no XIX é muito importante! Em muitos casos, esses
lotes de terra prosperavam, fomentando a aquisição de outros pelos posseiros. Mas a
concessão exacerbada de algumas posses fez com que alguns sesmeiros não
conseguissem administrar toda a extensão da propriedade; acabando por adotar o
sistema de arrendamentos, separando assim, grandes áreas, e em cada uma delas,
dividiam e entregavam aos pretendentes mediante uma contribuição anual.
O prazo fixado não excedia de quatro anos, sempre renovado, se
esta era a vontade do arrendatário; a contribuição ou o preço do
arrendamento para cem braças quadradas era de um cruzado ou de uma a
duas patacas30 - e a demarcação das áreas arrendadas uma simples
formalidade, (...) o arrendatário recebia uma quantidade de terras seis, oito
ou dez vezes maior do que a constante do ajuste31.
O arrendatário poderia fazer as melhorias que julgasse pertinente, ficando delas
proprietário, e até podendo vendê-las a terceiros, obrigando-os a pagar, tão somente, o
preço anteriormente combinado. A vida nestes arrendamentos era relativamente
tranqüila: os arrendatários tinham a esperança de se tornarem futuros proprietários visto
que sabiam que os prazos seriam renovados e porque também faziam melhorias
substanciais, construíam casas, faziam grandes plantações, engenhos entre outras
benfeitorias. Podemos citar Barra Seca, Manguinhos, Munheca, Sertão, Carneiro Leão e
outras.
Precisamos ressaltar que muito antes das primeiras fazendas de café no Vale, as
fazendas de criação de gado e de cana já estavam em plena prosperidade e com uma
29
ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit. p. 29.
Trezentos e vinte ou seiscentos e quarenta réis.
31
ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit., p. 31.
30
22
sempre crescente população, em virtude da facilidade da posse e do cultivo das terras
pelo sistema de arrendamentos.
Esses inúmeros arrendamentos que se formaram acabaram por proliferar e dar
origem à formação de vários povoados, principalmente na bacia sul-paraibana,
transformando-se mais tarde em vilas e cidades. Todavia, todos eles alcançavam
interesses alheios, principalmente na demarcação de pontos estratégicos, visando
comércio, a reunião ou o agrupamento de seus primeiros moradores. Uns viam
seduzidos pela aventura e pelas informações disseminadas por toda a região através dos
tropeiros e forasteiros. “O movimento delas datavam de 1790, mas só em 1830
aparecem a primeira venda e o primeiro rancho para tropeiros, do lado mineiro”.32
O desenvolvimento da região, baseada na grande propriedade e na escravidão
possibilitou a formação de famílias de grande posse que se tornaram, ao longo do XIX,
beneméritas, filantropas, empreendedores destacados e é neste sentido que
desenvolvemos nosso objeto de pesquisa.
Um estudo que demonstrou o surgimento e fortalecimento dessas famílias foi o
de Mariana Aguiar Ferreira Muaze33. Para ela, entender os relacionamentos e estratégias
internas das famílias do Vale do Paraíba é crucial para se entender o Império do Brasil.
Para isso, ela analisa a família Ribeiro de Avellar, em Paty do Alferes e Vassouras.
Segundo Mariana Muaze foram as estratégias de fortalecimento dessa família que
fizeram com que a mesma despontasse no cenário nacional. Em seu estudo, a autora
passa por clássicos da historiografia brasileira analisando o conceito de família e, por
conseguinte, pertencimento familiar, utilizando o conceito de família extensiva.
Conceito que permitiu ultrapassar o círculo restrito da vida privada, passando pelo
círculo de relacionamento parental alargado e chegando à vida pública. Sua contribuição
para nós é importante porque nos mostra a clara trajetória de uma importante família do
século XIX e suas estratégias de grupo. Além disso, Mariana Muaze aborda a clara
noção de pertencimento de classe que essas famílias possuíam e isso ela demonstra
através dos casamentos da família, a preocupação com a imagem apresentada diante da
sociedade e os locais freqüentados pelos mesmos.
32
ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit. ,p. 37.
MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira, O império do retrato; família, riqueza e representação social no
Brasil oitocentista 1840-1889 (tese de doutorado). Niterói: PPGH/UFF, 2006.
33
23
A principal diferença entre o nosso trabalho e o da autora citada é que ela
centraliza seu foco analisando a família de dentro para fora e em nosso caso,
analisaremos as estratégias externas de algumas dessas famílias.
Nosso objetivo é entender como determinado grupo familiar estendido institui–
se como classe senhorial, que ascendeu política e socialmente no império. Quando nos
referimos à classe senhorial estamos falando de um grupo privilegiado da sociedade que
detinha o poder econômico, mas não somente isso, sendo necessário também o poder
social e ideológico. Schwuarcz fala explicitamente dos modismos da boa sociedade
fluminense, que era fortemente influenciada pelo modelo de civilização francês. Para
ela, a boa sociedade foi criando seu espaço de convivência social principalmente a partir
da década de 1850, onde começa a se estabelecer um novo jeito de vestir, comer,
consumir e se relacionar. Nesse momento parece haver uma clara consciência de
distinção de classe social. Mas a distinção não se faz somente pela via econômica, mas
também pelo monopólio do discurso de construção da cidadania brasileira e
legitimidade desta distinção social. 34
Ilmar de Mattos,35 por sua vez, fala da boa sociedade já no processo de
construção do Estado nacional. Para ele, a elite política e econômica constrói uma
configuração político-social que lhe assegura o destaque entre os demais “novos
brasileiros”. Note-se que esta distinção social também está fundamentada na
manutenção da escravidão. E nesse ponto, tanto Mattos quanto Schwuarcz afinam seus
discursos plenamente. Mattos constrói um conceito de elite política, que detém poder
econômico que, por sua vez, se faz valer da política para assegurar seus interesses
financeiros. Schwuarcz, segue o viés ideológico para construir seu conceito. Para ela, a
distinção social vai além do poder político e econômico. Nasce de um domínio do
discurso de distinção social, buscando raízes até mesmo na construção de tradições.
Ricardo Salles, ao estudar o Vale do Paraíba utiliza-se de uma expressão que
caracteriza bem a sociedade brasileira do século XIX: “O Vale era o escravo”. Mas
segundo o próprio Salles, esta expressão não se refere unicamente ao fato de a região
abrigar um grande contingente de cativos, mas sim de uma enorme estrutura escravista
mantida e articulada pela classe senhorial, que segundo Ilmar de Mattos e mesmo
Ricardo Salles estavam em consolidação. Assim sendo, não podemos olhar para o Vale
34
Idem pp.110-111.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. GONÇALVES, Márcia de Almeida. O Império da boa sociedade. A
consolidação do Estado Imperial brasileiro. São Paulo: Atual, 2005.
35
24
apenas como a terra de barões, ou o “Vale do Café”. É preciso levar em conta algo
muito maior que estava por trás desta estrutura social e econômica: a manutenção da
escravidão. Para Salles esta classe senhorial configurou-se através um estilo próprio de
vida, articulando poderes e interesses, criando hábitos sociais e políticos bem definidos.
Ilmar de Mattos, ao analisar a classe senhorial brasileira, busca explicação em
suas origens e na disputa com a classe mercantil portuguesa. Para Mattos, a ascensão e a
consolidação deste grupo acontece em um momento muito peculiar, quando D. João
chega ao Brasil em 1808, com a família real portuguesa e todo aparato estatal
modificando, assim, a condição da colônia para sede do reino e posteriormente com a
elevação à categoria de Reino Unido. Nesse momento, os grandes proprietários de terras
enxergam a possibilidade de estarem mais perto do rei e, consequentemente, das
decisões políticas. Mas o processo não foi simples, em razão de muitos interesses,
sobretudo os dos comerciantes portugueses que sempre foram os maiores beneficiados
pela política portuguesa. Ricardo Salles argumenta que quem vislumbrou esta
possibilidade foram, sobretudo, os grandes proprietários fluminenses, por estarem mais
perto da nova sede do reino. Ao perceber as estratégias de recolonização das Cortes
portuguesas em 1820, essa classe de senhores de terras começou a se articular para
manter o status de Reino Unido. D. Pedro, então príncipe regente, juntamente com esse
grupo que agora se tornara importantíssimo, assume um projeto de autonomia que
requereria recursos financeiros e novas ligações políticas em pontos estratégicos. Ainda
para Mattos, a real consolidação dessa classe senhorial se dá no período regencial. É
neste momento, então, que esse grupo torna-se a “boa sociedade”.
Ricardo Salles36, ao estudar a chamada classe senhorial constrói, um modelo no
qual, no centro do poder político e social ficam os grandes proprietários e ao seu redor
gravitam profissionais liberais, pequenos proprietários que para ele são de fundamental
importância para o relacionamento de extensão do poder dessa classe senhorial; as
chamadas redes de sociabilidade. É este o modelo fundamental para o nosso estudo.
Manter uma política escravista era uma estratégia de grupo e para isso era
preciso fortalecimento interno, o que se dava através das redes de sociabilidade. Nosso
olhar procura identificar como se estabeleciam estas relações, pois para nosso
entendimento elas são cruciais a fim de caracterizarmos o perfil deste grupo social e
seus interesses. Ainda seguindo o raciocínio de Salles e Mattos, um novo grupo político
36
SALLES, Ricardo Henrique, E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no
coração do império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008
25
e social estava em expansão e ao seu redor gravitavam grupos subalternos compostos
por intelectuais, profissionais liberais, comerciantes de pequeno porte dentre outros.
Já adentrando no nosso corte temporal, Valença foi a cidade com o maior
número de titulares do império. A partir da década de 1830, Valença produzia uma boa
parcela do café e da riqueza da Província do Rio de Janeiro. Como já apontado, as
fazendas valencianas foram surgindo oriundas da doação de sesmarias e faz-se
importante entender que algumas terras já eram habitadas irregularmente e que a
política de doação de terras apenas regularizou a vida de antigos posseiros. O fato é que
essa ocupação territorial provocou, no primeiro momento, um confronto com os índios
“coroados” que viviam na região. Aos poucos os índios foram obrigados a recuar e dar
lugar às fazendas que se tornariam símbolo da riqueza nacional.
As sesmarias criadas e distribuídas, desde os primórdios da aldeia,
foram aos poucos se engrandecendo através da compra e venda, sendo que
em meados do século XIX, já Valença representava um dos pilares da
economia da Província do Rio de Janeiro.37
Reprodução do Mapa de Valença em 1808
Fonte: FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924.
37
TJADER, Rogério da Silva. Uma pequena História de Valença,Valença: Ed. Valença 2003; p. 29
26
Alguns viajantes, quando passaram por terras valencianas, deram depoimentos
que servem para nos dar uma idéia de como a região desenvolveu–se, de tosco
aldeamento em grande centro produtor.
Já em 1819, a situação das fazendas estava regulamentada e a produção de café,
começando no Vale. A Aldeia de Valença requeria alguns melhoramentos, pois a
população aumentava e a região se mostrava propícia a investimentos e instalação de
residências. Em 1820 começa a edificação da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória
que seria aberta ao culto público em 1822, ano da independência do Brasil e da segunda
visita do naturalista francês August Saint-Hilaire que, não concordando com o que se
planejava para a Aldeia de Valença – a sua elevação à condição de vila –, escreve:
Em relação particularmente a Valença, não sei dizer se a
transformação da aldeia em vila foi justificada pela distancia da autoridade
judiciária a que antes estava sujeita, por dificuldades de comunicação ou
outra qualquer circunstancia; mas o certo é que não se justifica nem pela
importância da população, que se estabeleceu nas margens do caminho,
nem pelo próprio povoado, ao qual, na verdade é ridículo dar o nome de
vila.38
Esta observação de Saint-Hilaire, vem em oposição ao fato de que, em 1819, o
então ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Joaquim José de Queiroz, informava a
Sua Majestade, a 23 de janeiro, sobre as providências consideradas necessárias para a
criação e ereção de uma vila na Aldeia de Valença.
Segundo ele, através de informações obtidas com o diretor dos índios sobre a
capacidade e população da Freguesia, na Aldeia, haviam 45 moradores e, na Freguesia,
1.971 habitantes, com setenta fazendas. E ainda mais, segundo o ouvidor, era preciso e
inadiável chamar-se ao aldeamento muitos indígenas, que se tinham afastado para o
oeste da Freguesia. Ele então informa à coroa:
“Manda-me v. m. informar com as noções necessárias a creação e
erecção de uma villa na aldêa de Valença. E em observância da regia
provisão de 8 de Julho de 1819 e decreto de 26 de Março, offíciei ao
director dos índios da dita aldêa para me informar da sua capacidade e
população da freguezia e pela sua resposta e mappas n. 1 e 2 se vê ter a
aldêa 45 moradores e a freguezia 1.971 habitantes com setenta e tantas
fazendas, e tomando proximamente informação pessoalmente do dito
director e outras pessoas, conheci haverem muitos indios para oeste da
freguezia que deveriam chamar-se á directoria d’aquella aldêa, e por isso
ordenei áquele directa fosse examinar e me informasse com um mappa
38
IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953. p. 65
27
circumstanciado; ao que satisfez em n. 3 e 4. Como pelo alvará de 4 de
Setembro de 1820 vem a freguezia da Parayba a pertencer á nova villa do
Paty do Alferes, e o termo de Valença ficaria muito limitado e por outra
parte convem incorporar n’este o mais possivel os indios termo além ela
freguezia, e por isso me parece que este chegue pela margem esquerda do
rio dispersos pelos sertões da parte do oeste, será conveniente que para esta
se estenda aquelle termo alem da Freguezia, e por isso, me parece que este
chegue pela margem esquerda do rio Parayba até o ponto em que n’este faz
barra o ribeirão do Servo, fig. 6 no mappa, e que d’esta se tire uma linha a
rumo de noroeste 4; a norte até encontrar o ribeirão Patriarcha, fig. 17, e
por este abaixo até a sua barra no rio Preto, e pelo sul o rio Parayba
desmembrado assim aquelle districto dos d’esta cidade, S. João do Príncipe
e Rezende, o que se torna mui vantajoso aos povos d’aquelles sertões, pela
grande longitude em que estejam da capital do districto. V. m., porém,
mandará o que fôr servido. — Rio de Janeiro, 23 de Janeiro de 1 821.— O
ouvidor da comarca, Joaquim José de Queiroz”39
Segundo escreve Leoni Iório:
O escritor padre Walsh, passando por Valença, testemunhou a
conclusão das obras da igreja, feita de pedra e cal, e notara certo
retraimento no desenvolvimento da Aldeia; considerava, ainda, que, se tinha
progredido de 1818 a 1822, ficara depois estacionada, atribuindo-se isso às
desvantagens de sua situação geográfica e localização40.
O escritor padre Walsh, descrevendo suas viagens por Valença, em 1828,
declara que “era a primeira coleção de casas que lhe apareceu desde o Rio”. A
respeito desse registro, Taunay escreve — “Este depoimento mostra que a Vila era mais
considerável então do que a sua futura rival de Além Paraíba: Vassouras”. Rodolfo
Garcia, comentando sobre a Vila de Valença, consigna:
“Consistia a Vila de cinqüenta a sessenta casas, com uma igreja,
tudo edificado sem a menor regularidade, numa encosta de colina. À base
desta, notava-se uma estalagem de aspecto confortável. Nela havia uma sala
de jantar, asseiada, com cadeiras patrioticamente pintadas de verde e
amarelo, uma mesa recoberta por oleado, adornada de espelhos e com
cortinas às janelas. Pasmoso naquelas alturas!”41
Mesmo se deparando com duas opiniões diferentes, o certo é que o
desembargador da Coroa Imperial, emitindo seu parecer sobre as considerações do
ouvidor da Comarca, manifestou-se nos seguintes termos:
39
Idem p. 64
Idem p. 64
41
Idem p. 70
40
28
Conformo-me com a informação e parecer do ouvidor da
comarca para que tenha lugar a erecção da aldêa de Valença em villa com
a denominação de villa de Valença, e o termo designado na mesma
informação, ficando desde logo separados d’aquelles outros a que
pertenciam os respectivos territórios, que constituem o mencionado termo,
junctamente com todas as rendas que lhes são pertencentes: dignando-se s.
m. conceder mais para patrimônio da dita villa duas sesmarias de meia
legoa em quadro, conjunctas ou separadas (aonde houver), para serem
aforadas em pequenas porções e em phateosim perpetuo na forma da lei de
23 de Julho de 1766, e ordenar também que sejam creados para a mesma
villa os juizes ordinários e dos orphãos, vereadores, procurador da Camara,
almotacéis e escrivães respectivos, na fórma praticada na creação que de
outras se tem feito e consta dos alvarás das suas creações (sic). O que visto,
Parece a mesa o mesmo que ao ministro informante e ao
desembargador procurador da coroa, soberania e fazenda nacional com os
quaes se conforma.
V. m. imperial, porém, resolverá o que houver por bem.
Rio de Janeiro, 13 de Janeiro de 1823. -— Monsenhor Miranda,
Canto, Veloso, Costa.
Foram votos desembargador monsenhor Almeida e Antonio Felippe
Soares de
Andrade de Brederode.
Despacho: — Como parece. Paço, 3 de Fevereiro de 1823. — Com
a rubrica do imperador dom Pedro I. — José Bonifácio de Andrada e
Silva.”42
42
Idem p. 65
Reprodução da Planta da Vila de Valença em 1836
Fonte: IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953.
29
Embora Saint-Hilaire e Walsh tivessem visões diferentes, acreditamos que os
dois tivessem razão em suas afirmações, uma vez que a aldeia não possuía a população
e infraestrutura observadas em outras vilas da província, mas que sua riqueza era gerada
nas fazendas do entorno rural. Por outro lado, podia-se notar um avanço significativo do
lugar que pouco mais de vinte anos atrás não passara de imenso sertão. Como nos fala
Adriano Novaes:
Nesta época o “Sertão do Rio Preto” era formado “apenas” por
uma exuberante floresta de Mata Atlântica, que muitos viajantes não
cessavam de elogiar, algumas trilhas abertas na mata por contrabandistas e
povoada por índios em toda parte. Durante quase todo o século XVIII, estas
terras ainda se encontravam incultas por vontade da Coroa Portuguesa, que
as denominou de “Áreas Proibidas do Sertão do Rio Preto.”Os motivos
para mantê-las incultas eram muitos.43
Não podemos citar a elevação de Valença à categoria de Vila em 1824 sem antes
fazermos referencia à visita do Imperador D. Pedro I em 1824, que a ocasião, se reuniu
com alguns fazendeiros locais, demonstrando buscar apoio político e financeiro para o
novo Império. Se para Saint-Hilaire a aldeia mesma não tinha condições para sediar
uma Vila, é porque ele olhava apenas para o quantitativo populacional, enquanto o
Imperador e a classe senhorial olhavam para o capital político gerado por esta elevação.
Por certo a elevação de aldeia para vila faz parte de um crescimento econômico
gerado nas fazendas e que será observado até a década de 1870. O lugar que antes era
apenas um sertão, se visto apenas pela ótica da aglomeração aldeã, começara a crescer e
a fazer parte do novo rumo econômico do país.
Em 1859, Charles Ribeyrolles visitando Valença afirma que:
Valença é uma das pequenas cidades mais encantadoras da
Província do Rio. E ainda graças à energia dos primeiros colonos, a
fecundidade das terras e aos estrangeiros ali estabelecidos, Valença tem
prosperado. Villa, desde 1823, ella progride sobre a Matta virgem que
ainda circunda ao lado do cemitério. Suas estradas são bellas e a ligam a
outros pontos da Província. Em sessenta anos o pequeno burgo fez-se em
cidade. 44
43
NOVAES, Adilsom Adriano. Extraído do site
http://www.valenca.org/casaleapentagna/historia/de_valenca/index.html capturado em 27 de novembro de
2007
44
RIBEYROLLES, Charles. Brasil Pitoresco. São Paulo: 1980. Ed. da USP. Vol. I p. 192.
30
Ribeyrolles faz esta observação exatamente no momento em que a produção
cafeeira no Vale do Paraíba estava em alta. Toda essa prosperidade econômica era
traduzida na forma dos palacetes que estavam sendo erguidos no centro da cidade com,
por exemplo, o do Visconde do Rio Preto, terminado em 1858, contando com o que se
tinha de mais luxuoso e também nas fazendas com móveis e utensílios domésticos
importados da Europa.
Planta da Vila de Valença em 1846 – Engenheiro Cezar Cadolino
Fonte: IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953.
Claro está que não foi somente em Valença, mas também em todo o Vale do
Paraíba, o café mostrava-se uma cultura promissora, desde o final do XVIII. Vasto em
terras e propício para o cultivo foi surgindo e se estruturando no Vale uma nova classe
de senhores de terras, muitos desses homens eram originários de algumas famílias
mineiras. Mas não bastava ter terras ou cultivar café para ficar rico. Algumas estruturas
31
precisavam ser montadas e bem organizadas. Assim como no Brasil, o que ditou o tom
no Vale foi a escravidão. Mas manter e reproduzir essa escravidão requeria um aparato
institucional sólido. As fazendas no Vale e em Valença foram se reproduzindo, alguns
antigos posseiros foram receber seus títulos de propriedade e cada vez mais cativos
chegavam à região.
Voltando à Valença, o primeiro momento onde a aristocracia local começa a
tomar forma e se legitimar perante a sociedade é quando acontece a primeira sessão da
Câmara na casa do Ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Antonio Barreto Pereira
Pedroso. Fora feita na casa dele por falta de sede própria. O fato que mais nos chama a
atenção é a eleição para a administração da Câmara.
Instalada que foi a Vila de Valença, verificou-se, em 12 de
novembro, a primeira sessão da Câmara, a qual teve lugar, na Vila, na
residência do ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Antônio Barreto
Pereira Pedroso, fato esse ocorrido em virtude da falta de casa própria. Aí,
depois de preparados os pelouros, com todos os requisitos legais, em
presença dos representantes do clero, da nobreza e do povo em geral, foram
eles, em número de três, metidos dentro de um saquinho de sêda, de onde,
por um menino, foi tirado um dos pelouros, que, aberto em público, acusava
o seguinte resultado da eleição de autoridades para o exercício de 1827:
para Juizes Ordinários — capitão-mor Custódio Ferreira Leite e José
Tomaz de Aquino Cabral, e, para Juiz de órfãos — capitão Bernardo Vieira
Machado; para vereadores — capitão José Pereira dos Santos, Joaquim
Marques da Silva e Antônio Luiz Arêas; e, para procurador da Câmara —
Romão Pinheiro de Lacerda, aos quais foi “deferido, pelo Ministro, o
juramento dos Santos Evangelhos — de bem e verdadeiramente servirem
aos cargos para os quais foram eleitos e legalmente empossados.”
Denominavam-se pelouros pequeninas bolas ocas, feitas de cera, em cujo
interior colocavam-se pequenos pedaços de papel com os nomes dos
candidatos, dos quais, então, se fazia a escolha para Juizes Ordinários e de
Órfãos etc., representando tais bolas o mesmo papel das conhecidas cédulas
eleitorais.45
Acreditamos na importância do momento, porque consistia na primeira
oportunidade da classe senhorial local se organizar em grupo. Era a institucionalização
do poder desse grupo. A Câmara, como veremos mais a frente, oficializou o poder
desses homens através de dispositivos legais, como as posturas municipais e regimentos
internos. Esse era um local privilegiado de acesso ao poder local e regional. Não só o
cargo de vereadores, mas os diversos cargos atrelados à Câmara constituíram-se com
objetos de distinção social e moeda para acordos políticos.
Recorrendo mais uma vez à Mariana Muaze percebemos que os espaços
45
IORIO. José Leoni, Op. cit. p 158
32
públicos eram reflexos estendidos dos espaços privados. A vida política da região
seguia o tom da representação familiar. Mas nem todas as famílias possuíam o mesmo
grau de importância ou extensão de poder. Para melhor compreendermos isto, podemos
citar em Valença famílias como Nogueira da Gama, de prestígio nacional, famílias
como os Werneck, de influencia regional e os Furtado de Mendonça, com sua
importância restrita ao cenário local. Essa hierarquia pode ser confirmada com os cargos
políticos ocupados pelos membros das mesmas.
Exemplo:
Família Nogueira da Gama
Marechal de Campo
Manuel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama,
Marquês de Baependy
Deputado da Assembléia Constituinte
de 1823
Ministro da Fazenda
Presidente do Senado do Império
Juiz de Paz
Tenente Coronel da Guarda Nacional
Vereador;
Deputado Provincial
Brás Carneiro Nogueira da Costa e Gama,
Conde de Baependy
Deputado do Império
Vice-Presidente da Província do Rio de
Janeiro
Presidente da Província do Rio de
Janeiro
Presidente da Província de Pernambuco
Senador do Império
Vereador,
Manuel Jacinto Carneiro Nogueira da Costa e Coronel e Comandante Superior de
Gama, Barão de Juparanã
Guarda Nacional
Deputado Provincial;
Francisco Nicolau Carneiro da Costa e Gama, Tenente Coronel e Comandante da
Barão de Santa Mônica
Guarda Nacional;
Família Werneck
Peregrino
José
de
Américo
Pinheiro, Comandante
Superior
da
Guarda
33
Visconde de Ipiabas
Francisco
Pinheiro
Nacional:
de
Sousa
Werneck,
segundo Barão de Ipiabas
Manuel Vieira Machado da Cunha, Barão do
Aliança (genro do Visconde de Ipiabas)
Subdelegado
Alferes da Guarda Nacional
Família Furtado de Mendonça
Vereador
Herculano Furtado de Mendonça
Delegado de Polícia
Juiz de Paz
Major da Guarda Nacional
Vereador,
João Rufino Furtado de Mendonça
Subdelegado de Polícia;
Coronel da Guarda Nacional
Silveira Vargas
1º Presidente da Câmara Municipal
José da Silveira Vargas
Juiz de Paz
Subdelegado
Capitão da Guarda Nacional
Secretário da Câmara
Vereador
Custodio da Silveira Vargas
Juiz de Paz
Subdelegado
Major da Guarda Nacional
Antonio da Silveira Vargas
Alexandre Silveira Vargas
Vereador
Subdelegado
Subdelegado
Fonte: Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1844-1889)
Além dessas, existiam outros grupos familiares como os “Faro”, “Teixeira
Leite”, “Souza Lima”, “Silveira Vargas”, “Souza Lobo”, “Damasceno Ferreira” dentre
outras. Todas estas famílias estavam ligadas à terra, estando algumas delas estabelecidas
na cidade desde antes da mesma se tornar vila. Em quase todas as legislaturas da
34
Câmara Municipal de 1827 até 1881 todas estas famílias tiveram representantes eleitos
para os cargos de vereador. Mas a extensão destas famílias não se restringia apenas à
Câmara. Elas também eram representadas nas irmandades e na Guarda Nacional. Não
obstante, as mesmas eram representadas em diversos setores da administração pública
como nos cargos de delegado, juiz de órfãos, juiz de paz, fiscal municipal entre outros.
A seguir um demonstrativo do ano de 186846
- Nogueira da Gama
Coronel Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama47 - Comandante da 1ª
Legião da Guarda Nacional em Valença;
Brás Carneiro Nogueira da Gama48 – Juiz de Paz
- Silveira Vargas
Major Custódio da Silveira Vargas – Suplente de Vereador e Municipal,
Comercial e de Órfãos (substituto)
- Souza Werneck
Capitão Ignácio Pinheiro de Souza Weneck – Suplente de Vereador;
- Souza Lobo
Dr. Luiz Alves da Souza Lobo49 – Suplente de Vereador;
- Araújo Silva
José Fredesvindo de Araújo Silva – Procurador Geral, Inspetor do Cemitério
Público
Thomaz Antonio de Araújo Silva – Escrivão das Execuções e do Júri
- Souza Lima
Dr. José Antonio de Souza Lima – Juiz Municipal, Comercial e de Órfãos
(substituto) e Delegado.
- Furtado de Mendonça
Major Herculano Furtado de Mendonça - Juiz Municipal, Comercial e de Órfãos
(substituto)
- Araújo Leite
João Batista de Araújo Leite – Juiz de Paz, Delegado (Substituto), Delegado
Consular Português,
46
Alamnak Laemert. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1868/ capturado em 23 de
julho de 2007
47
Barão de Juparanã
48
Conde de Baependy. Mais tarde seria eleito Deputado Federal e Senador, ocupando ainda os cargos de
Presidente das Províncias do Rio de Janeiro e de Pernambuco
49
Médico
35
João Maurício de Araújo Leite – Delegado (Substituto)
- Damasceno Ferreira
Major João Damasceno Ferreira – Juiz de Paz, Delegado (substituto).
Nossa escolha pelo ano de 1868 se deu porque este foi o ano que marcou o
apogeu das redes de alianças em torno do Visconde do Rio Preto e, paradoxalmente, foi
o ano da sua morte. Como veremos no terceiro capítulo este foi um ano estratégico para
a classe senhorial.
Acreditamos, a partir das leituras acima citadas de Mattos e Salles, que a noção
de boa sociedade no século XIX transcende o significado dos homens bons do período
colonial brasileiro. Na colônia, ser um “homem bom” significava estar apto aos serviços
e representações da coroa portuguesa, algo ligado diretamente à pureza de sangue.
Roberto Guedes50 inclusive, trabalha a questão da mobilidade social e o “defeito
mecânico”51 na colônia, mantido até a quarta geração. Já no império, essa condição é
abandonada e a distinção social se vale não apenas da pureza do sangue, e nem tanto
pela tradição familiar, mas pelas relações que se consegue estabelecer. Sendo assim, a
boa sociedade do século XIX é aquela camada social que tem prestígio político, social e
financeiro, construídos através de amplas redes de sociabilidade.
Utilizando esse conceito podemos entender porque os próprios personagens
estudados se identificavam assim:
Instalou-se a 12 de outubro do corrente (1862), o “Club
Provisório”, reunião de amigos e pessoas da boa sociedade desta cidade.
(grifo nossos)
(...)
Podem participar das reuniões diárias os convidados dos sócios,
por cujo procedimento estes se responsabilizarem.
(...)
O Club Provisório há de ser definitivo, e aumentará na pitoresca
cidade de Valença o incanto da sociabilidade que tanto a distingue.52 (grifo
nosso).
50
FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto Feliz, São
Paulo, c.1798-c.1850. (tese de doutorado). Rio de Janeiro: PPGHIS IFCS/UFRJ, 2005
51
A noção de defeito mecânico é trabalhada por Roberto Guedes no sentido de que não importava se o
indivíduo era rico, o que importava era como ele adquiriu sua riqueza. O defeito mecânico é justamente o
de conseguir sua riqueza por custas de seu próprio trabalho. Isso implicava numa impureza de sangue.
Roberto Guedes trabalha essa questão mostrando justamente o esforço de algumas pessoas se livrarem de
seus “defeitos” que eram transmitidos até a quarta geração.
52
In: O Merrimac - Ano I, nº I, 19 de outubro de 1862 - CD-005 CDH/CESVA
36
Neste anúncio à sociedade valenciana de 1862 fica bem claro para os leitores
que o principal objetivo deste clube era desenvolver e garantir as regras de
sociabilidade. Não obstante, eles fazem questão de afirmar que poderão participar das
reuniões os não-membros, mas que tiverem algum sócio que se responsabilize por seus
procedimentos. O que se entendia como sociabilidades? Era sem dúvida, o trato ameno
das relações sociais públicas ditadas pelas maneiras consideradas civilizadas e de “bom
tom”. Esses eram peculiaridades que distinguiam as pessoas de boa educação, traços de
“exclusividade” de determinados círculos sociais. Naturalmente, não é o mesmo
conceito definidor de um modelo para os nossos estudos históricos. Mas sem dúvida, o
que mais nos serve neste anúncio é a forma como estes personagens se enxergam
perante os demais. Faz-se importante dizer que este clube foi fundado por José
Fredesvindo de Araújo e Silva, que vem a ser membro de uma importante família de
fazendeiros com intensa atividade política na cidade.
Apenas falar das poderosas famílias existentes no Vale do Paraíba Fluminense
durante o século XIX não é o bastante, pois a engrenagem que movia o poder na região
era a escravidão. Valença contava com um grande contingente de cativos trabalhando
nas lavouras de café. Ricardo Sales53 analisando o relatório do Presidente da Província
do Rio de Janeiro chega ao número de 12.835 em 1840, o que equivalia a 70% da
população local. Já em 1856 o número era 23.468 cativos representando 65,38% da
população. A paisagem e a rotina da cidade era marcada pela presença do escravo, como
indicam um acervo de imagens pintadas ou em daguerreótipos, como o das lavadeiras
no chafariz na Praça D. Pedro II logo abaixo da Igreja Matriz.
53
SALLES, Ricardo Henrique. Op. cit. p. 259
37
Fonte: CDH/CESVA – Fundo: Imagens Históricas
A presença do escravo também é amplamente percebida nas páginas dos jornais
locais, na maioria das vezes em anúncios de fuga ou necessidade de serviços
específicos:
Fonte: O Merrimac. Ano II nº I, 1 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA
38
O escravo no Vale do Paraíba também aparecia no cotidiano da cidade como
símbolo de ostentação em grandes eventos como a festa de São João Batista em 1875
que contou com a presença de duas bandas de escravos no centro da cidade como cita
Luis Damasceno:
“... a e São João, feita em 1875, por Maximiano de Siqueira e Silva da
Fonseca e Antonio Maria Cardoso Figueira, então negociantes na cidade;
que ornamentaram a rua Uruguayana até a Igreja Matriz e a praça
Visconde do Rio Preto de bandeiras, galhardetes e balões venezinos,
tornando-as de efeito surpreendente. No cruzamento dessa rua com a de São
José foi levantado um belíssimo coreto, cuja decoração foi feita pelo
provecto artista Manoel Lourenço dos Santos, em o qual tocava a banda de
musica dos escravos do Barão do Pilar e no centro da supra dita praça,
também, foi erguido pelo citado artista um outro coreto, em forma de
castelo, em o qual executava peças do seu vasto repertório a excelente
banda de música, constituída de escravos do Visconde de Pimentel,
corretamente uniformizada e que se compunha de quarenta figuras.54
FONTES?
Fonte: ERMAKOF, George. O Negro na Fotografia Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff
Casa Editorial, 2004.
54
FERREIRA, Luis Damasceno. Op. cit p. 56
39
Mais do que ostentação a escravidão era uma estrutura na qual estava baseada a
riqueza do Vale, por isso, mantê-la era de extrema importância como veremos adiante.
Procuramos neste momento, demonstrar a trajetória do Vale do Paraíba Fluminense no
cenário nacional passando por seus aspectos físicos, mas, sobretudo, seu aspecto social.
Nessa configuração surgiram cidades como Valença, que ainda carece de estudos mais
aprofundados. Nos capítulos adiante demonstraremos de forma mais acentuada como os
homens que habitaram esse lugar se relacionaram e estabeleceram estratégias de
fortalecimento de grupo que dentre outros objetivos tinha como meta manter a
escravidão no Vale.
40
2 – Os loci da Boa Sociedade: consolidando seus espaços
Observamos no primeiro capítulo, de maneira exemplar, a dita “boa sociedade”
tem voz em espaços como clube, jornal e Câmara Municipal. Espaços que tornaram–se
fontes para a percepção de algumas estratégias fundamentais para a consolidação da
classe senhorial no poder e sua manutenção enquanto boa sociedade. Em nosso caso
específico, analisamos três locais muito bem definidos e articulados onde esse grupo se
destacou e construiu seu projeto de poder. Identificamos que em Valença a Câmara
Municipal é o principal palco para atuação desse grupo. No entanto, ela não é a única,
pois as irmandades e clubes sociais serviam de suporte para o fortalecimento das
relações entre os homens da boa sociedade. Mas algo a se notar é o fato de surgir na
mesma época uma imprensa que servia como caixa de ressonância dos anseios
interesses desse grupo. Vamos começar pelo espaço político da Câmara Municipal:
2.1 - A Câmara Municipal de Valença
Como já foi dito, a Câmara Municipal surgiu em 1826 quando a então aldeia foi
elevada à categoria de Vila por D. Pedro I. Desse momento em diante circularia por esta
Casa durante todo o século XIX algumas das famílias mais tradicionais da cidade. As
freguesias se organizavam para serem representadas nos poucos cargos a disposição,
mas algumas nem sempre conseguiam eleger um vereador, enquanto outras, como a
freguesia de Santa Tereza, se consolidaria como uma potência local. Para nosso estudo
vamos nos ater a três momentos muito distintos da Câmara Municipal. Ao primeiro
momento, chamaremos de Período de Estruturação; Ao segundo, Período Baependy, e
ao Terceiro, Período Rio Preto.
O surgimento dessa casa legislativa municipal se dá na conjuntura em que o
governo central imperial restringe os limites de atuação das Câmaras Municipais ao
temas ligados à economia local e a situações de menor relevância. É nesse momento
que, segundo Luis Felipe Alencastro55, o poder de atuação dos Juizes de Paz ficam
limitados e também os antigos Juizes Municipais indicados pela Câmara. Segundo ele,
essa limitação causara muito desconforto nas Câmaras mais antigas, pois mudara uma
estrutura social e política já consolidada. Limites, ainda mais restritos com o Ato
55
ALENCATRO, Luis Felipe de. Vida Privada e Ordem Privada no Império. In. NOVAIS, Fernando e
ALENCATRO, Luis Felipe de. História da Vida Privada no Brasil, volume 2. São Paulo: Cia das Letras,
1998 p. 17
41
Adicional de 1834 criando as Assembléias Provinciais. Agora o poder estava nas mãos
da Província e não mais da municipalidade.
Maria de Fátima Gouveia
56
ao estudar o governo provincial do Rio de Janeiro
durante todo o Império, também sustenta a tese de que a municipalidade não tem
autonomia alguma. Não é mérito de nosso estudo entrar no cotidiano e na rotina dos
despachos municipais, mas sim da Câmara como um espaço de poder. Mesmo assim
não podemos deixar de apontar que mesmo juridicamente, estando impossibilitada de
legislar sobre vários temas, a municipalidade faz-se valer de suas teias de sociabilidade
familiar estendida. Como estudaremos adiante, veremos que o espaço político municipal
cria mecanismos de fortalecimento de grupo que atingem diretamente as decisões da
Província. Ao contrário das Câmaras apontadas por Alencastro, a Câmara valenciana já
surge em um contexto de poderes restritos, por esse motivo, não há nenhum movimento
de insatisfação por parte dos políticos locais.
Os períodos apontados são uma formulação nossa, ao percebermos sobretudo
uma forte influência de dois políticos locais: Brás Carneiro Nogueira da Gama, o
Visconde de Baependy, e Domingos Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto. O
período de estruturação estabelecido entre 1826 e 1832 foi um período de ajustes. A
primeira eleição de fato só aconteceu em 1828, com a eleição do Comendador José da
Silveira Vargas para presidente da mesma. Essas datas balizam o momento da
instalação da Câmara e o fim do mandato da primeira legislatura que além do presidente
Silveira Vargas era composta por João Pinheiro de Souza, Capitão Domingos Martins
Moreira, Capitão João Chrysostomo de Vargas, Capitão Miguel Joaquim Bernardino,
Tenente Francisco Antonio de Almeida Gama e José Joaquim Luz.
Chamamos este período de “Estruturação” por um motivo bem simples: é nesse
momento que a Câmara, ainda não possuindo sede própria e todo o aparato público,
precisava de uma estruturação e regulamentação. E foi isso que a primeira legislatura
fez. O Período Baependy compreende os anos de 1833 e 1860. O Visconde de
Baependy foi vereador por quatro legislaturas sendo presidente em três.
Vejamos o quadro:
56
GOUVEA, Maria de Fátima Silva, O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
42
Legislatura
Presidente
Vereadores
Manoel do Vale Amado
Camilo José Pereira Faro
1833/1836
Visconde de Baependy
Ignácio José Nogueira da Gama
Joaquim Gomes de Souza
Custódio Ferreira Leite
Manoel da Silva Ferreira
José da Silveira Vargas
João Baptista de Araújo Leite
João Pinheiro de Souza
1837/1840
Visconde de Baependy
Antonio Carlos Ferreira
Reginaldo de Souza Werneck
Casimiro Lúcio de Azevedo Coutinho
Rangel.
Antonio Carlos Ferreira
Herculano Furtado de Mendonça
1841/1844
Dr. José Ildelfonso de Souza Eleutério Delphim da Silva
Ramos
José Teixeira da Silva
Manoel da Silva Ferreira
João Baptista de Araújo Leite
Manoel da Silva Ferreira
Herculano Furtado de Mendonça
1845/1848
João Baptista de Araújo Leite
Eleutério Delphim da Silva
João Pinheiro de Souza
Dr. Antonio Luiz da Cunha Manso Sayão
Francisco Tomaz Cardozo
Dr. Manoel Antonio Fernandes
Antonio Leite Pinto
1849/1852
Visconde de Baependy
Anastácio Leite Ribeiro
Dr. Francisco Antonio de Souza Nunes
Francisco de Salles Pinheiro e Souza
Antonio Carlos Ferreira
Dr. Manoel Antonio Fernandes
1853/1856
Visconde de Baependy
Antonio Leite Pinto
Anastácio Leite Ribeiro
Dr. Francisco Antonio de Souza Nunes
43
Francisco de Salles Pinheiro e Souza
Antonio Carlos Ferreira
Antonio Moreira Coelho de Magalhães
Domiciano José de Souza
Dr. Joaquim Saldanha Marinho
1857/1860
Capitão Floriano Leite Ribeiro
Dr. José Fernandes Moreira
João Batista de Araújo Leite
Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama
Custódio da Silveira Vargas
Manoel Pinheiro de Souza
Fonte: FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924.
Acreditamos que o quadro acima já demonstre bem toda influência do Visconde
da Baependy e de sua família, Nogueira da Gama. A começar pela legislatura de
1833/1836, quando dois outros vereadores são parentes do próprio Baependy. Manoel
do Vale Amado era sogro de José Ignácio Nogueira da Gama, irmão do Marques de
Baependy. Outro que ocupava uma cadeira de vereador era o irmão mais moço do
marquês, Ignácio José Nogueira da Gama. Ambos eram tios do mesmo do visconde de
Baependy. Além desses podemos citar ainda outros personagens como Custódio
Ferreira Leite, o Barão de Ayuruoca, tio do famoso Barão de Vassouras e Camilo José
Pereira Faro, filho do 1º Barão do Rio Bonito.
É preciso salientar que todos estes personagens são fazendeiros. Na legislatura
de 1837/1840 outro personagem importante na época que volta à cena é José da Silveira
Vargas. Além dele outros fazendeiros compõem o quadro de vereadores, como João
Pinheiro de Souza, pai do futuro visconde de Ipiabas e Reginaldo de Souza Werneck,
oriundo de uma importante família da região. Mas que o devemos notar não é apenas a
presença de fazendeiros, mas também a presença de advogados/capitalistas como
Antonio Carlos Ferreira e João Baptista de Araújo Leite que ao longo do tempo
tornaram-se importantes articuladores na política local tanto no “Período Baependy”,
quanto no “Período Rio Preto”, indo inclusive além desses dois períodos. A presença
desses dois personagens já prenuncia o que marca o tom da sociabilidade na região.
Segundo Ricardo Salles, a classe senhorial dominava o cenário político local,
mas ele mesmo fala que “esse processo não se restringiu ao grupo de grandes
44
proprietários e comerciantes escravistas, mas se estendeu a outros grupos subalternos
que se espelharam nos primeiros e buscavam aderir a seu estilo de vida”57. Essa
configuração política se mantém durante todo o século XIX, quando um grupo depende
do outro.
Ao analisarmos ainda, outra legislatura como a de 1849/1852, enxergaremos
bem as redes de sociabilidade estabelecidas e a mesma configuração política: Vejamos
que o presidente é o mesmo Visconde de Baependy, e ainda outro fazendeiro surge para
a política local, Antonio Leite Pinto, sobrinho do Barão de Ayuruoca, o Dr. Francisco
Antonio de Souza Nunes que além de ser fazendeiro também era médico, e além dele
também temos Francisco de Salles Pinheiro e Souza, fazendeiro e irmão de João
Pinheiro de Souza. Estes personagens demonstram bem como a política local e regional
estavam intimamente ligada e consequentemente com a política nacional, com a
presença de famílias importantes como os Pinheiro de Souza, Werneck, Pereira Faro,
Leite Pinto, Ferreira Leite e por fim, os Nogueira da Gama.
Mesmo com a ausência do Visconde de Baependy na legislatura de 1857/1860,
por ter este se lançado definitivamente para a política nacional, ainda assim a
enquadramos no período Baependy por conta da presença de seu irmão Manoel Jacinto
Carneiro Nogueira da Gama, futuro Barão de Juparanã, sucessor direto de Baependy.
Neste momento os planos da família era que um representasse os interesses políticos no
âmbito local e outro, no nacional. No entanto, a liderança conquistada por Baependy
não foi alcançada por seu irmão mais novo. Isso, sem falar também no surgimento de
um grupo de oposição, e dentre os oposicionistas destacava-se a figura de Joaquim
Saldanha Marinho, importante político nacional, advogado que defendeu muitos clientes
na região. Saldanha Marinho assumiu o processo contra o Visconde do Rio Preto
movido por um pretenso filho que almejara o reconhecimento da paternidade do
visconde. O processo correu durante longos anos, e o visconde faleceu antes do
julgamento final do processo. O que sabemos é que na partilha amigável dos bens do
visconde, só aparecem com herdeiros seus dois filhos legítimos e a viscondessa, sua
viúva.
Para nós, o período “Baependy” nada mais é do que uma representação local do
cenário nacional. Uma família tradicional como Nogueira da Gama trazia tranqüilidade
e garantias ao projeto de manutenção da escravidão. Por outro lado, políticos como
57
SALLES, Ricardo Henrique, Op. cit. p. 46
45
Saldanha Marinho, mesmo com uma passagem tão rápida pela política local, poderia
representar um desconforto com relação aos projetos dessa classe senhorial.
A união e as estratégias de sociabilidade não são invenções do século XIX. João
Fragoso em seu estudo sobre a sociedade colonial do Rio de Janeiro utiliza-se se termo
medieval para dizer que a nobreza vivia em “bandos”. Para Fragoso o viver em
“bandos” referia-se à teia de alianças que tais famílias criavam entre si e com outros
grupos sociais, tendo por objetivo a hegemonia política ou a sua manutenção58. Com
isso ele explica a estratégia de associação política e parental estabelecia através dos
casamentos e relações comerciais. Ainda seguindo o raciocínio de Fragoso, essa
estratégia criava um fortalecimento do grupo ampliando as possibilidades de
legitimidade social. Maria de Fátima Gouveia, seguindo os passos de Fragoso e também
olhando para o mesmo período estudado por ele, aponta para o fato de que a Câmara
Municipal do Rio de Janeiro reproduzia o que ela chama “sentimento de
pertencimento”59 o que favoreceria o estudo da dinâmica do poder na América
portuguesa. Esse pertencimento, é compreendido por Ilmar de Mattos como noção de
distinção social e é isso que vemos reproduzido na Câmara Municipal de Valença. Uma
clara estratégia de fortalecimento de grupo, uma busca pelo “sentimento de
pertencimento” que é legitimado pela noção de distinção de classe. Ainda recorrendo a
Fragoso, vamos mais longe dizendo que mesmo as subdivisões são importantes, pois
elas criam uma hierarquia social e é esta hierarquia social que faz as engrenagens da
sociabilidade girar, ainda segundo Ilmar de Mattos. Conforme apontamos no capítulo
anterior, utilizando Mariana Muaze60, o sentimento de pertencimento e de legitimidade
social explicita–se pelas associações parentais, pela instituição Família, o que não
significa um curso linear desses grupos familiares da Colônia ao Império.
Nesse sentido, a forte presença do Visconde de Baependy é explicada porque ele
estaria no topo hierarquia social local, sem perder de vista a importância de sua família
no cenário nacional. Mas, a engrenagem para de funcionar bem quando Baependy segue
um rumo natural e transfere-se de vez para a vida política nacional, onde foi deputado
provincial, deputado geral, presidente da província e senador. Seria o desfecho perfeito
para as estratégias do grupo, não fosse a pouca habilidade de seu irmão em cativar e
58
FRAGOSO, João Luis. A nobreza vive em bandos. Tempo - Revista do Departamento de História da
UFF, Niterói: v. 8, n.15, p. 11-35, 2003. p. 9
59
GOUVEIA, Maria de Fátima. Redes de Poder na América Portuguesa - O Caso dos Homens Bons do
Rio de Janeiro, ca. 1790-1822. Revista Brasileira de História v. 18 n. 36 São Paulo 1998
60
MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira, O império do retrato; família, riqueza e representação social no
Brasil oitocentista 1840-1889 (tese de doutorado). Niterói: PPGH/UFF, 2006.
46
fortalecer as redes construídas por sua família. Nesse momento o status quo é
interrompido. As engrenagens da sociabilidade deixam de funcionar bem. Manoel
Jacinto, futuro Barão de Juparanã, era uma pessoa arredia, não inspirava confiança,
diferente de seu irmão mais velho, não tinha habilidade em sociabilizar-se. Era alvo de
constantes boatos, inclusive de conspirar contra o irmão. Na cidade todos conheciam
seu ciúme e rancor por não ser tão bem relacionado quanto Baependy.
Nesse momento de incertezas, alguns discursos surgiam. Para se ter uma idéia
desse período de incerteza, Saldanha Marinho que não era da localidade, opositor dos
ideais do grupo liderado por Baependy, foi provedor da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia entre 1854 e 1860. Irmandade esta, que foi idealizada e fundada pelo
Visconde de Baependy, seu primeiro provedor, e conseguinte por Silveira Vargas,
Ildelfonso de Souza Ramos, futuro Visconde de Jaguary, isso com alternâncias, na
direção da mesma.
A crise da liderança tradicional na cidade possibilitou a ascensão política de
Domingos Custódio Guimarães, na época Barão do Rio Preto e depois Visconde de
mesmo nome. Já no inicio da década de 1850, ele começou a comprar propriedades e
terrenos no centro da cidade para construir uma residência urbana. O Visconde do Rio
Preto, que na época já era um dos mais ricos fazendeiros da região, comprou algumas
propriedades em locais estratégicos, mas optou por construir um palacete em frente a
Praça da Câmara, não poupou dinheiro e construiu uma suntuosa residência que poderia
ser vista por todos. A construção da casa terminou no ano de 1858, ano este que o
mesmo assume o cargo de delegado da freguesia de Santa Tereza, sendo esta sua
primeira atividade de homem público rastreado por nós até o momento. Logo em
seguida foi eleito presidente da Câmara para a legislatura de 1861/1864 e reeleito para a
legislatura 1865/1868. A este momento denominamos “Período Rio Preto”, porque
assim como Baependy ele tornou-se o grande líder dos objetivos da classe senhorial,
ocupando os mesmo lugares que seu antecessor ocupou.
Rio Preto, muito mais sagaz do que Baependy, soube articular até com seus
opositores, alçando projetos de grande porte para a região. Para isso não mediu esforços
na construção da imagem de grande líder, investiu recurso próprios em obras públicas,
irmandades e associações, construindo uma ampla rede de subalternos. Rio Preto, soube
como ninguém administrar a maquina pública, como se estivesse administrando sua
47
vida privada. Era o que Ilmar de Mattos chamou de “Governo da Casa”61. De fato, ele
transformou tudo em uma extensão de sua própria casa. Sua forma de gerir os negócios
públicos em nada se diferenciou de seus negócios privados, algo demonstraremos em
itens mais específicos deste trabalho.
Ao lado de Rio Preto, algumas famílias voltaram a ser fortes. Vejamos o quadro:
Legislatura
Presidente
Vereadores
João Leite Ribeiro
Antonio Leite Pinto
Dr. José Antonio de Souza Lima
1861/1864
Visconde do Rio Preto
Ignácio José de América Pinheiro
João Vieira das Chagas Werneck
João Baptista de Araújo Leite
Antonio da Silveira Vargas
Pedro Gomes Pereira de Moraes
Dr. Guilherme de Almeida Magalhães
Francisco José de Assis
José Luiz Garcia
1865/1868
Visconde do Rio Preto
José de Souz Pires
João Gualberto da Silva
Dr. Joaquim de Almeida Ramos
Simeão Gomes de Assumpção
Custódio Alves de Souza Machado
Fonte: FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924.
Durante esse período, Manoel Jacinto, ganhou como prêmio de consolação o
posto de Comandante Supremo da Guarda Nacional – Legião e Valença. Título este que
não passava de honorífico, pois até as decisões da corporação eram tomadas pelo
Visconde do Rio Preto, pois todos respeitavam muito mais a ele do que a Manoel
Jacinto. As coisas estavam no lugar, Rio Preto era o líder local, Baependy era o Vice-
61
Esta expressão foi usado por Ilmar de Mattos para explicar como as decisões políticas eram tomada
baseando nos anseios privados, a Casa.
48
Presidente da Província do Rio de Janeiro e, segundo Maria Fernando Vieira Martins62,
os dois contavam com o apoio do Visconde do Cruzeiro, então membro do Conselho de
Estado. Era o sonho político da boa sociedade se concretizando. O falecimento do
Visconde do Rio Preto em plena época de eleição, quando todos davam como certa a
vitória do Visconde, abala Valença. Ele morreu sem ver a apuração dos votos que lhe
garantiriam sua reeleição para o terceiro mandato como presidente da Câmara.
Embora o filho do Visconde do Rio Preto e seu genro tenham conseguido seus
assentos na Câmara Municipal nas legislaturas seguintes, optamos por não qualifica-las
com fazendo parte do período, como fizemos no caso do Período Baependy, porque a
morte do Visconde do Rio Preto significou uma ruptura na vida política local que
sempre fora centralizada nas mãos de um “grande líder” e agora passava a ser alvo de
muitas brigas e desentendimentos.
Outro importante espaço ocupado pela boa sociedade valenciana foi a Santa
Casa de Misericórdia.
62
MARTINS, Maria Fernanda Vieira. O círculo dos grandes. Um estudo sobre política, elites e redes no
segundo reinado a partir da trajetória do visconde do Cruzeiro (1854-1889). Lócus: Revista de História.
Juiz de Fora v 13 nº 1 pp. 93-122, 2007
49
2.2 – Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença
Em nossa pesquisa, percebemos que esta instituição foi a maior e a mais
importante instituição social da cidade. Notamos isso ao verificar seu quadro de irmãos,
pelo grande número de notícias publicadas nos jornais e até pelas informações contidas
no Almanack Laemert.
A Irmandade Santa Casa de Misericórdia é uma das mais antigas da cidade e
nossas primeiras referencias podem ser encontradas nos memorialistas Luis Damasceno
Ferreira63 e José Leoni Iório64. No âmbito dos estudos históricos sobre a instituição,
iniciamos pelo trabalho de Elisa Maria Amorim da Costa65, em sua dissertação de
mestrado. Nesse trabalho a autora fez um panorama da irmandade em Valença, entre
sua criação em 1838 e o ano de 1889. Por certo, esta ultima data foi escolhida por ser o
ano que marca o fim do Império do Brasil. A contribuição de Elisa Amorim é bastante
relevante, uma vez que é a primeira e, até o momento única obra que trata
exclusivamente desta irmandade. A autora, na realidade na traz nada de novo, mas faz
uma boa compilação das obras dos memorialistas Luis Damasceno e Leoni Iório. O
ponto fraco da obra, porém, é a ausência de uma bibliografia mais específica sobre o
tema. Elisa Amorim baseia sua análise apenas nos dois autores citados e em alguns
documentos da irmandade, como atas, e o compromisso dos irmãos. Relevante enquanto
único estudo da Irmandade em Valença, a obra de Elisa Amorim deixou muitas lacunas
no que diz respeito aos personagens que constituíam a irmandade. Ela mesma chega a
apontar uma co-relação entre os membros das primeiras mesas diretoras e seus cargos
na Câmara Municipal, mas sequer aponta alguma influência de uma instituição na outra.
Para nós, a grande ausência na obra de Elisa Amorim é o texto de RosselWood66 que trata de forma bastante cuidadosa a trajetória da Santa Casa da Misericórdia
em Salvador entre os anos 1550 e 1755 apontando suas raízes nas Irmandades surgidas
em Portugal até sua instalação por todos os domínios portugueses. A maior contribuição
de Rossel-Wood para nosso trabalho consiste exatamente no fato de ele traçar a
trajetória desta irmandade analisando as ações humanas, ou seja, os medos, o espírito e
o dever de se fazer caridade e as relações estabelecidas pelos homens daquela
63
FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924.
IORIO, José Leoni, Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953.
65
COSTA, Elisa Maria Amorim da; A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (18381889. Vassouras: (Dissertação de Mestrado) - USS, 1997.
66
RUSSEL-WOOD, A.J.R.. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Trad.
Sérgio Duarte. Brasília: Editora UnB, 1981.
64
50
sociedade. Além disso, o autor aborda o movimento em torno da Santa Casa como
sendo uma forma de distinção social e, isso para nós, é de extrema importância observar
porque é exatamente o mesmo que percebemos na Irmandade criada em Valença. Além
disso, ele aponta para o quanto a Santa Casa estava atrelada ao Estado. Russel-Wood
aponta para as grandes disputas que envolviam o Cargo de Provedor da Santa Casa.
Segundo ele, a Irmandade era detentora de um patrimônio considerável oriundo de
doações e heranças, e o desejo de poder e prestigio social falava mais alto que a
competência para gerir estes recursos.
A administração da caridade na Bahia colonial deixava muito
a desejar. Não porque não existisse a maquinaria administrativa –
essa existia. Era sim, porque a administração brasileira naquele
período estava dominada (e até certo ponto ainda está) por uma
minoria de pessoas altamente influentes. Essas pessoas não tinham
formação para os cargos públicos, mas pertenciam a um grupo
interno formado por certas famílias casadas entre si. Para eles, os
cargos administrativos representavam uma tradição familiar e um
dever social.67
Observando as palavras de Russel-Wood encontramos muitas semelhanças entre
a irmandade de Salvador e a Irmandade em Valença no que diz respeito a vontade de
poder e as sociabilidades estabelecidas entre as famílias e sua reprodução no poder. Mas
certamente, a maior relação entre essas duas instituições esteja na figura do Provedor
que era por definição e por ideal:
“...sempre um homem fidalgo de autoridade, prudência, virtude,
reputação e idade, de maneira que os outros irmãos o possam
reconhecer por cabeça, e o obedeçam com mais facilidade, e
ainda que por todas as sobreditas partes o mereça, não poderá
ser eleito de menos idade que quarenta anos”68.
Já em Valença, o Provedor da irmandade “deveria ser uma pessoa respeitável
por suas virtudes e independência”.69 O único ponto de divergência entre os dois
compromissos com relação ao Provedor é a idade. No caso baiano exigia-se uma
personalidade de mais velha, mas da irmandade valenciana isso não existiu e nem
poderia ser diferente por um detalhe muito importante: O Visconde de Baependy,
67
Idem. p.88
Idem p. 89
69
Compromisso da Irmandade Santa Casa de Misericórdia, 1838. Apud. COSTA, Elisa Maria Amorim
da, Op cit.
68
51
aquele que seria o seu primeiro Provedor e que na época era um rapaz de vinte e seis
anos de idade. O fator idade não poderia ser importante já que o mesmo ocupava a
presidência da Câmara Municipal.
Além do Visconde de Baependy, outras personalidades participaram da criação
da irmandade como:
Anastácio Leite Ribeiro – Fazendeiro;
José Teixeira da Silva - Negociante
João Batista de Araújo Leite – Advogado
João Joaquim Ferreira Aguiar;
João Pinheiro de Souza; - Fazendeiro
Vigário Furtado de Mendonça;
José Alves Pinto;
Jose Idelfonso de Souza Ramos, Visconde de Jaguary - Advogado e Fazendeiro
José Silveira Vargas. - Fazendeiro
Essencialmente eram quatro as finalidades da Irmandade;
1º - Curar os enfermos necessitados;
2º - Curar os expostos ou meninos abandonados;
3º - Socorrer os pobres encarcerados;
4º - Dotar as donzelas órfãs e desamparadas.
Mas assim como Russel-Wood aponta em seu trabalho, fazer parte da irmandade
representava um signo de distinção social e para a irmandade possuir em sua mesa
diretora membros do poder público representava o que chamou de “maior grau de
proteção”70 ao analisar o caso de Goa, que elegia quase sempre o Vice-Rei ou o
Governador para o cargo de Provedor.
Em Valença essa não era uma regra explicita, mas era muito freqüente que
membros da mesa diretora ocupassem cadeiras na Câmara Municipal ou em outros
cargos públicos como veremos a seguir:
Nome
Visconde de Baependy
70
Irmandade
1838
Provedor
RUSSEL-WOOD, A.J.R. Op. Cit. p.89
Cargo Publico
Presidente da Câmara
52
José Silveira Vargas
José Silveira Vargas
Conselheiro
1851
Provedor
Tesoureiro
1852
Provedor
João Damasceno Ferreira
Tesoureiro
José Silveira Vargas
João Damasceno Ferreira
Joaquim Saldanha Marinho
Escrivão
Vereador
Juiz de Paz
Suplente de Vereador
Juiz de Paz
Suplente de Vereador
Delegado de Polícia Substituto
Juiz Municipal e de Órfãos
Substituto
Conselheiro Municipal de Instrução
Primária
1853
José Silveira Vargas
João Damasceno Ferreira
Joaquim Saldanha Marinho
Provedor
Tesoureiro
Escrivão
Joaquim Saldanha Marinho
João Damasceno Ferreira
1854
Provedor
Tesoureiro
Escrivão
1855
Provedor
Tesoureiro
Christiano Martins da Costa
Escrivão
Joaquim Saldanha Marinho
João Damasceno Ferreira
1856
Provedor
Tesoureiro
Christiano Martins da Costa
Escrivão
Joaquim Saldanha Marinho
João Damasceno Ferreira
1857
Provedor
Tesoureiro
Christiano Martins da Costa
Escrivão
José Silveira Vargas
José Teixeira da Silva
Joaquim Saldanha Marinho
Juiz de Paz;
Instrução Primária.
Capitão e Secretário Geral da
Guarda Nacional
Delegado de Polícia Substituto;
Juiz Municipal e de Órfãos
Substituto.
Suplente de Vereador;
Conselheiro Municipal de Instrução
Primária
Juiz de Paz
Juiz de Paz
Suplente de Vereador
Suplente de Vereador
Delegado e Polícia Substituto
Coletor de Rendas Provinciais;
Subdelegado;
Vereador
Delegado de Polícia Substituto
Coletor de Rendas Provinciais;
Subdelegado;
Vereador
Delegado de Polícia Substituto
Coletor de Rendas Provinciais;
Subdelegado;
1858
Joaquim Saldanha Marinho
Provedor
João Damasceno Ferreira
Tesoureiro
Pedro Moreno de Alagão
Escrivão
Vereador;
Juiz de Paz
Delegado de Polícia Substituto
Delegado de Polícia Substituto;
Juiz Municipal e de Órfão
Substituto;
53
Conselheiro Municipal de Instrução
Primária
1859
Joaquim Saldanha Marinho
Provedor
João Damasceno Ferreira
Tesoureiro
Pedro Moreno de Alagão
Escrivão
Vereador;
Juiz de Paz
Delegado de Polícia Substituto
Delegado de Polícia Substituto;
Conselheiro Municipal de Instrução
Primária
1860
Joaquim Saldanha Marinho
Provedor
João Damasceno Ferreira
Domingos Tertuliano da
Fonseca
Escrivão
Tesoureiro
Vereador
Juiz de Paz
Juiz Municipal e de Órfão Substituto
Agente dos Correios
1861
Antonio Leite Pinto
João Vieira das Chagas
Werneck
José Antonio de Souza Lima
Antonio Leite Pinto
João Vieira das Chagas
Werneck
José Antonio de Souza Lima
Antonio Leite Pinto
Domingos Tertuliano da
Fonseca
José Fredesvindo de Araújo
Silva
Barão do Rio Preto
Domingos Tertuliano da
Fonseca
José Fredesvindo de Araújo
Silva
Provedor
Vereador
Juiz de Paz
Tesoureiro
Vereador
Procurador Geral
1862
Vereador
Provedor
Tesoureiro
Procurador Geral
1863
Provedor
Tesoureiro
Procurador Geral
1864
Provedor
Tesoureiro
Procurador Geral
Vereador
Juiz de Paz
Vereador
Juiz Municipal e de Órfãos
Substituto
Delegado e Polícia Substituto.
Vereador
Vereador
Vereador
Secretário da Câmara
Presidente da Câmara
Vereador
Subdelegado
Secretário da Câmara
Subdelegado Substituto
1865
Barão do Rio Preto
Provedor
Presidente da Câmara
Juiz de Paz
José Francisco de Araújo
Silva
Escrivão
Tabelião
1866
Barão do Rio Preto
Provedor
Presidente da Câmara
Juiz de Paz
54
José Francisco de Araújo
Silva
Escrivão
Tabelião
1867
Barão do Rio Preto
Provedor
Presidente da Câmara
Juiz de Paz
José Francisco de Araújo
Silva
Escrivão
Tabelião
1868
Visconde do Rio Preto
Provedor
Presidente da Câmara
Juiz de Paz
José Francisco de Araújo
Silva
Escrivão
Tabelião
1869
José Francisco de Araújo
Silva
João Damasceno Ferreira
Escrivão
Tesoureiro
Tabelião
Juiz Municipal, Comercial e de
Órfãos Substitutos
Delegado de Polícia Substituto
1870
José Francisco de Araújo
Silva
João Damasceno Ferreira
Escrivão
Tesoureiro
Tabelião
Juiz Municipal, Comercial e de
Órfãos Substitutos
Delegado de Polícia Substituto
Fonte: Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1844-1889).
Antes de começarmos a analisar o quadro acima, explicamos que nossa escolha
de datas aconteceu seguindo dois critérios básicos: O primeiro, foi enfatizar o ano de
1838, quando a irmandade foi fundada tendo como seu primeiro Provedor o Visconde
de Baependy. Na época ele era o Presidente da Câmara Municipal e assim foi até 1840.
Já na provedoria da Santa Casa, ele continuou até 1841. Entre 1839 e 1849 não
pudemos fazer uma co-relação entre os membros da Mesa Diretora da Santa Casa e os
cargos públicos por falta de informações sobre a administração da Irmandade. Mesmo
assim, nosso trabalho não fica comprometido porque as redes de sociabilidades se
consolidarão politicamente entre os anos de 1850 e 1870, último ano do nosso
demonstrativo. O outro critério que utilizamos foi o de cruzar os dados apenas dos
membros da Mesa Diretora, que era composta por Provedor, Escrivão, Tesoureiro e
Procurador Geral. Com exceção de 1838, onde José Silveira Vargas era vereador e não
estava na mesa diretora, não utilizamos os conselheiros e outros cargos da irmandade,
pois assim o demonstrativo ficaria muito grande e perderia sua eficácia. Acreditamos
55
que a co-relação entre os membros da mesa diretora e seus cargos públicos pode
demonstrar nossa afirmação.
Nos cruzamentos entre os dados, alguns personagens nos chamaram a atenção,
pois percebemos que alguns membros das várias mesas diretoras que estudamos não
possuíam nenhum cargo público, mas logo em seguida, iniciavam carreira no serviço
público. Em outros casos, percebemos que algumas pessoas já estavam em cargos
públicos, mas depois de assumirem cargos na irmandade ascenderam em suas carreiras.
Acompanhando a trajetória dos filhos do fazendeiro José da Silveira Vargas, primeiro
Presidente da Câmara Municipal em 1829, segundo Provedor da Santa Casa no ano de
1841 e retornando à Provedoria em 1849 e nela permanecido até 1854, percebemos
fortes indícios de que suas carreiras como homens públicos e de negócios começou na
Santa Casa. O filho mais velho Custódio Silveira Vargas aparece pela primeira vez no
cenário público em 1855, como Conselheiro da Irmandade, nela permanecendo até
1856. Nesse mesmo, ano disputou as eleições municipais e conseguiu um assento na
Câmara entre os anos de 1857 e 1860. Nesse último ano, conseguiu o cargo de Juiz de
Municipal de Órfãos, onde permaneceu até pelo menos1870, últimos ano de nossa
análise. Em 1861, conquistara a patente de Major da Guarda Nacional. Tudo isso,
certamente colaborou para que 1863 Custódio Silveira Vargas se apresentasse ao
público como capitalista. Seu irmão, Antonio da Silveira Vargas traçou um trajetória
idêntica. Em 1858, ele apareceu pela primeira vez ocupando o cargo de Procurador
Geral da Irmandade e nesse posto ficou até 1859. Em 1860, ocupou o cargo de
Conselheiro e Subdelegado e no mesmo ano disputou as eleições municipais e
conquistou uma cadeira na Câmara Municipal para legislatura de 1861 a 1864. Já em
1861, conseguiu a patente de Capitão da Guarda Nacional. Antonio Silveira Vargas,
assim como seu irmão mais velho, se apresentara como capitalista a sociedade, só que
mais cedo, em 1862. Em 1865, não era mais vereador, não ocupava nenhum cargo
público e nem se apresentara como capitalista, mas em 1866 aparecia novamente, só
que agora como fazendeiro. Em 1868, recebera a patente de Major da Guarda Nacional
assim como seu irmão.
Voltando a Custodio Silveira Vargas, percebemos que ele, ao contrário de seu
irmão, continuava como capitalista, mas 1867 decidiu diversificar seus negócios
tornando-se fazendeiro. Além disso, voltou à Câmara Municipal como vereador para a
legislatura de 1869 a 1872. Nessa família, existia ainda o irmão mais novo Alexandre da
Silveira Vargas do qual não encontramos registros sobre suas atividades na irmandade
56
até 1870, mas assim como os irmãos teve vida pública com o cargo de Subdelegado
entre os anos de 1862 e 1864. Conseguiu a patente de Capitão da Guarda Nacional em
1868, mesmo ano em que se tornou fazendeiro.
Outro personagem que entrou para a vida política da cidade após um cargo na
Irmandade, foi o advogado Guilherme de Almeida Magalhães. Seu primeiro registro foi
como Escrivão da irmandade em 1862, cargo que ocupou até 1863. Em 1865, ocupou o
cargo de vereador até 1866, ano que também assumiu o cargo de Delegado de Polícia.
Para concluirmos recorremos mais uma vez à Russel-Wood, que concluiu que:
A Misericórdia ocupava uma posição proeminente na
sociedade da Bahia. Entre seus membros estavam os mais
eloqüentes cidadãos da Bahia. O Provedor era pessoa de
posição social e financeira.
(...) A participação no corpo de guardiões era. Os nomes
dos irmãos representavam um “Quem é Quem” não apenas na
aristocracia rural e dos principais funcionários públicos, mas
também dos mais importantes artesãos. Por isso a Irmandade
era verdadeiramente representativa da sociedade baiana e da
ideologia colonial71
Se por um lado a Misericórdia na Bahia colonial simbolizava o pensamento da
época, o mesmo acontecia com sua co-relata em Valença. De igual maneira também
representava um signo de distinção e pertencimento social. Assim como Russel-Wood
aponta para a participação na Irmandade da Bahia de pessoas que não compunham os
grupos dos grandes fazendeiros, podemos criar uma co-relação com Ricardo Salles com
sua teoria da participação dos “subalternos” tentando imitar essa elite.
Em terceiro lugar, destacamos o espaço político da Imprensa local.
71
RUSSEL-WOOD, A.J.R. Op. cit. p.89
57
2.3 – Imprensa e Poder: os jornais da boa sociedade
O terceiro tipo de fonte onde a voz da “boa sociedade” se faz ouvir
explicitamente é a imprensa. Ao desenvolver nosso estudo, sentimos necessidade de
perceber as relações de poder estabelecidas pela classe senhorial, fora das formalidades
das atas e documentos oficiais. Percebemos que para termos visão mais ampla dos
espaços de poder, deveríamos recorrer aos jornais da época e da cidade, uma vez que
são fontes ricas de informações e de transmissão do pensamento desse grupo. Valença
contou com um número considerável de periódicos a partir de 1832, com a primeira
edição de O Valenciano. Mas todo o mérito mesmo está no acervo da Família Esteves,
que durante todos esses anos preservou grande parte desse importante material na sede
da Fazenda Santo Antonio do Paiol e que agora encontra-se digitalizado pelo Centro de
Documentação Histórica do Centro de Ensino Superior de Valença. Esses jornais são de
um conteúdo riquíssimo em informações sobre os modos, costumes e relações políticosociais, nosso foco de estudo. Utilizamos, quatro periódicos, a saber: O Merrimac, O
Valenciano, Phenix e O Alagoas, isso por conta de nosso recorte temporal. Mas não
deixaremos de traçar uma trajetória da imprensa local uma vez que a mesma se mostrou
como um poderoso instrumento da classe senhorial.
O primeiro jornal que surgiu na cidade foi O Valenciano em 1832, e de
propriedade da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional da Villa
de Valença, sociedade esta fundada logo após a abdicação de D. Pedro I e composta por
vários fazendeiros e políticos locais que temiam uma suposta ameaça à independência
do Brasil. O jornal era rodado na Thypographia Nacional e seus redatores eram os
padres Meireles e Aguiar, e o agente em Valença era José da Silveira Vargas, presidente
da Câmara Municipal da época. Faz-se importante salientar que o visconde de
Baependy era um dos fundadores dessa sociedade, e na época secretário-geral da
mesma.
José da Silveira Vargas também esteve ligado a outro empreendimento
jornalístico quando junto com Bonifácio Villarinho e Anastácio Leite Ribeiro
patrocinaram A Sentinela Valenciana. Leite Ribeiro também era ligado a Baependy e
mais tarde também foi vereador no período Baependy.
Outro jornal que a partir de 1862 circulou na cidade foi O Merrimac,, editado
por um grupo de sócios e dentre eles podemos citar João Rufino Furtado de Mendonça,
um político local descendente de uma família tradicional na área jurídica e aliado
58
incondicional do Visconde do Rio Preto. João Rufino era o dono da tipografia que
produzia os mesmos. Sua marca registrada sempre foi a parcialidade política, embora
dissesse o contrário. Foi um forte instrumento da classe senhorial. Em 1864, João
Rufino assume totalmente o controle do jornal e o transforma em O Valenciano,
ocupando o posto de redator do mesmo. Esse jornal dura até 1865, mas por conta de um
processo judicial ele deixa de ser impresso. Com um nome muito sugestivo em 1867
surge A Phenix, uma alusão ao pássaro mitológico que ressurge das cinzas. Certamente
o nome não poderia ser mais apropriado uma vez que era o retorno de João Rufino à
imprensa.
Em 1868 surgiu o jornal O Alagoas de propriedade de Custódio Antonio da
Silva e redigido pelo padre Joaquim de Paula Vasconcellos. Em nossas pesquisas não
conseguimos rastrear até o momento nada sobre estes dois personagens, a não ser que
Custódio Antonio fundou outro jornal em 1883, chamado Gazeta de Valença. Sabemos,
no entanto, que O Alagoas teve vida curta, com dois anos de publicação. Outros jornais
surgiram na cidade durante o século XIX e suas características sempre foram
parcialidade política e o envolvimento com os grupos políticos da cidade.
Podemos observar que, já em sua fundação esses jornais revelavam as alianças
políticas com grupos da “boa sociedade” e que revelavam a importância da imprensa na
defesa de interesses de grupo.
Entretanto, a vinculação aos grupos políticos não foi exclusividade do Vale do
Paraíba Fluminense. Segundo Gladys Sabina Ribeiro,72 os irmãos Andrada e Silva
também se utilizaram desse recurso durante todo o período de pré e pós-independência.
A metodologia de análise da autora consiste em identificar os personagens que
escreviam no jornal, situando-os em face dos acontecimentos. Nesse movimento, ela
identifica um grande número de artigos que tentavam construir uma imagem de José
Bonifácio. Seguindo este rastro, ela identifica a ligação dos articulistas com o mesmo
político. Para nós, parece muito conveniente seguir o mesmo caminho, uma vez que
identificamos os proprietários e redatores dos jornais a serem estudados por nós,
faltando apenas articulá-los ao interesses interpostos pela classe senhorial.
Como já expusemos, trabalharemos nesse momento com quatro jornais que são:
O Merrimac, O Valenciano, A Phenix e O Alagoas. Nossa principal proposta nessa
empreitada é demonstrar como os jornais serviam de caixa de ressonância dos interesses
72
RIBEIRO, Gladys Sabina. Nação e cidadania no jornal O TAMOIO. Algumas considerações sobre
José Bonifácio, sobre a Independência e a Constituinte de 1823. Revista Tempo. 2004
59
da classe senhorial. Apontamos que a escolha por esses três periódicos se deu por
estarem eles situados entre 1862 e 1869, recorte temporal que se enquadra dentro do
“Período Rio Preto”.
Para iniciarmos, nos serviremos do jornal O Merrimac que em seu cabeçalho já
dizia sua proposta. “O Merrimac - Um jornal noticioso, comercial e instrutivo –
Publica-se em dias indeterminados. Pagamento da assinatura adiantado”73
Logo de início o jornal que, dentre suas funções apresenta como uma delas a de
instruir. Não obstante, o mesmo indica que não existe uma periodicidade regular e que o
pagamento das assinaturas se daria de forma adiantada. Mas quem pagaria uma quantia
fixa adiantada, por um produto que não tem período certo para receber ou uma
quantidade estipulada? Por certo, estar a par dos assuntos locais e regionais era algo
pelo qual valia a pena pagar por isso. Além disso, os donos do jornal eram de famílias
tradicionais na cidade. Mas já na primeira edição, no editorial de lançamento, eles assim
se reconhecem:
Mais um filho da invenção genial de Gutenberg – O
Merrimac, saúda a todos os valencianos amantes do progresso e da
civilização. Mais um campeão inofo, (sic) sem prestígio e sem
proteção arroja-se na arena imprensa dos lidadores do pensamento.
Quando tudo se agita, quando todos correm a se alistarem ao seido
(sic)das bandeiras do progresso, e marcham a conquista da
civilização.) Valença, importante fração da importante província do
Rio de Janeiro não deve estacionar.
Sobranceiro a mesquinhas intrigas dessa política, toda
pessoal, própria das localidades do interior,mais nobres são as
aspirações do pequeno periódico que hoje faz seu tirocínio.
Critério – eis o palinuro, - moderação – eis sua bússola –
coragem, eis o galerno com que pretende navegar.
Sem cálculos nem ambições dispensamos aureolas (...) O
Merrimac só visará o engrandecimento do município e cidade de
Valença.
(...)
Em nome do progresso, em nome da civilização, em nome de
utilidade, em nome da índole progressista e amante da instrução que
caracteriza os habitantes desta cidade e município. O Merrimac
aguarda bom acolhimento74(grifos nosso)
Vejamos que as aspirações dos jornais são altas, pois eles se colocam como
instrumento do progresso e da civilização. Dizem-se desprovidos de prestigio e
proteção. Segundo eles, seu objetivo era o engrandecimento do município de Valença, e
como eles mesmos diziam, importante fração da Província do Rio de Janeiro. Mas eles
73
74
Cabeçalho do Jornal O Merrimac CD-005 CDH/CESVA
In: O Merrimac, ano I, nº I, 19 de outubro de 1862 CD-005 CDH/CESVA
60
também se referem à sua isenção quanto às “mesquinhas intrigas políticas”. Faz-se
necessário recorrermos ao sub-item anterior e verificarmos que em 1862 a
administração municipal já vivia uma nova legislatura comandada pelo Visconde do Rio
Preto, no entanto, é preciso entender que ainda havia uma divisão por conta da ausência
do Visconde de Baependy na legislatura anterior, e pela impopularidade de seu irmão, o
Barão de Juparanã.
Recorremos a Luis Felipe de Alencastro, para aprofundar a nossa análise:
(...) Um modo de vida caracterizado por uma cultura
camponesa rica, menos desequilibrada que da Itália, menos
rústica que a da Espanha e Portugal, mais densa que a da
Inglaterra, mais presente que a da América do Norte. Folhetins,
operetas e romances vindos da França difundiam no Império a
imagem de um modo de vida rural, conservador e equilibrado,
entrelaçado de aldeias e pequenas cidades nas quais o padre e o
militar, quando havia casernas, apareciam como personagens
de prestígio. Desenhava-se a representação de uma sociedade
rural francesa que aparecia como um paradigma de civilidade
para a sociedade tropical e escravagista dos campos do
império75
A chamada aos ideais de civilização, de progresso e de cultura, assim como uma
linguagem preciosa remetem à permanência de modelos ilustrados inseridos na
formação das elites do Império. Também podemos entender que o pensamento dos
editores do jornal estavam inseridos nos valores da elite da sociedade do Império, que
era amplamente influenciada pelo modelo francês de modernidade e civilização. Ainda
mais quando os editores escrevem que um dos critérios do jornal é a moderação, em
uma clara alusão ao conservadorismo, segundo Alencastro. E eles reafirmam isso no
trecho abaixo:
Vencendo finalmente os tropeços e dificuldades da inerente e
idéia útil e progressista o Merrimac se apresenta de peito aberto para
combater na arena da civilização todos os Monitores que ousarem
desafiá-lo. (grifo nosso)
Bem sabemos que todos aqueles de espírito mesquinho e
malévolo abocanharão e até condenarão esta cátedra nessa ousadia.
(...) Pois bem, seremos tudo quanto quiserdes, mas resta a
consolação de que os homens sérios, sensatos, os políticos que
desejam o bem do país, a autoridade severa, mas imparcial, enfim,
75
ALENCATRO, Luis Felipe de, Op cit. p. 43.
61
todas as pessoas honradas dirão; Avante, mocidade! Avante vosso
esforço nobre e louvável! 76
Na mesma edição de lançamento do jornal, é noticiada a criação do Club
Provisório, que era uma reunião dos homens da boa sociedade valenciana. Nesta notícia
eles apontam que só podem participar das reuniões deste clube os membros e as pessoas
afiançadas pelos mesmos. A proposta do Club Provisório deixa bem claro o que eles
entendiam por civilizado e moderado:
O Club Provisório há de ser definitivo e aumentará na
pitoresca cidade de Valença o incanto (sic) da sociabilidade que
tanto a distingue. (grifo nosso)
(...)
Terminamos esta noticia com os mais lisonjeiros
cumprimentos aos cavalheiros que tiveram tão deliciosa
inspiração77
Ainda na mesma edição, os editores demonstram algumas preocupações e as
estratégias de sociabilidade:
Noticiário:
- Casou-se no dia 16 do corrente a Exma. Sr. Deolinda Augusta
Correia com o Sr. Manoel Joaquim da Cunha Guimarães. Foram
padrinhos Srs. Capitão Joaquim Pinto da Fonseca, José da Silva
Souza Brandão e D. Jezuina Pinto da Fonseca..
- Afiançam-nos os diversos fazendeiros deste município que o bicho
do café está inteiramente instinto e que podemos ter uma grande
colheita.
- Casou-se ontem na capela de São Sebastião do Rio Bonito o Sr.
Claudiano Pinheiro de Souza com a Sra. D. Maria Augusta
Machado.78 (grifos nossos)
Fizemos questão de ressaltar estas notícias por dois motivos: O primeiro referese à forma com que os dois casamentos são anunciados. No primeiro, o nome da mulher
vem na frente com tratamento de “Exma” o não foi conferido nem ao seu noivo. Outro
fato que chama a atenção é a citação dos padrinhos, algo que não acontece com os
outros noivos. Ao procurarmos por esses nomes no Almanack Laemert só encontramos
referencia a José da Silva Souza Brandão que era um fazendeiro e juiz da Irmandade de
Nossa Senhora da Glória e além dele conseguimos identificar um dos noivos que é
76
In: O Merrimac, Ano I, nº I, 19 de outubro de 1862 CD-005 CDH/CESVA
Idem
78
Idem
77
62
Claudiano Pinheiro de Souza, outro fazendeiro, só que da Freguesia de São Sebastião do
Rio Bonito.
Mesmo sem conseguir identificar os outros personagens, para nós fica muito
claro que as noticias giravam em torno do que acontecia na classe senhorial, tanto nos
assuntos sociais quanto em outros assuntos, como conta da preocupação que eles tinham
com as lavouras de café. A vida privada sempre foi um dos pontos fortes desse jornal.
Outro marco dessas publicações são as noticias acerca dos escravos. Em geral tais
notícias eram carregadas de medo, surpresa, indignação e cobrava alguma medida das
autoridades, como foi o caso relatado:
Um fato altamente denuncioso do mais horroroso canibalismo,
uma sacrílega profanação que revolta e faz estremecer de
indignação a pessoa mais indiferente acaba de se dar no centro
desta cidade. (grifo nosso)
Os Protagonistas desse repugnante comédia passam todos os
dias diante de nós.
(...)
Consta-nos que em dez dias do mês passam foi levado a
Cemitério público desta cidade o cadáver de uma criança recém
nascida para ser sepultado. Sendo deixado lá por não estar a
cova pronta (o que sem causa muitas vezes acontece) o cadáver
desapareceu sendo entregue à um preto, escravo. Este fez dele
um presente a escrava de um distinto cavalheiro, aqui residente.
A escrava apreciando o objeto por tanto tempo, talvez,
ambicionado para seus nefastos sortilégios, o escondeu em
lugar insuspeito, o fedido atraiçoando foi ele descoberto por
uma pessoa da casa.79
Esse caso continuou sendo abordado por algumas edições. Após este, apareceu
outro caso suspeito. As autoridades eram cobradas constantemente. Isso seria algo
compreensível por se tratar de um crime supostamente cometido por escravos, no
entanto a sensação de insegurança não aparecia somente em casos relacionados a
escravos. Era também estendida aos pretos livres que residiam na cidade como vemos:
“Chamamos a atenção das autoridades para o ajuntamento cotidiano de pretos que
fazem umas pretas cativas, que tem casa alugadas na rua das flores”.80
Assim como Luis Felipe de Alencastro se serviu dos jornais para escrever sobre
a ordem privada do Império, pretendemos fazer o mesmo, uma vez que tais jornais são
fontes preciosas de informações sobre eventos, cerimônias, velórios, como também, as
79
80
In: O Merrimac, Ano I nº 4 9 de novembro de 1862 CD-005 CDH/CESVA
In: O Merrimac, Ano I, nº. 6 16 de novembro de 1862 - CD-005 CDH/CESVA
63
atividades do poder público. Prova disso é o grande número de publicações “A
Pedido81”, que se tornaram um importante meio de interação da sociedade com os
jornais. Nesse caso, entenda-se a “boa sociedade”.
Nos jornais valencianos podemos encontrar as atividades dos clubes sociais e
das irmandades. Muitas das vezes as eleições para a composição das mesas diretoras
dessas irmandades eram acompanhas pelos jornais e logo após o resultado era publicado
para todos tomarem conhecimento. Outro aspecto intenso desses jornais e que mais
interessa para nosso trabalho, é o envolvimento político atrelado ao envolvimento
econômico.
Noticiário:
A questão importantíssima de que nos ocupamos no
artigo anterior, está sendo agitada em todos os círculos da
cidade. A idéia generosa de ligar os municípios de Valença, do
Rio Preto e circunvizinhos ao grande mercado do Rio de
Janeiro por uma via férrea, não podia, com efeito, deixar de ser
acolhida por todos os nossos concidadãos. Homens e de
reconhecida experiências e aos quais não se pode opor a
objeção de leviandade. (grifo nosso)
(...)
Nomearemos, entre outros, e como dignos do
reconhecimento público, por esse motivo os Srs. Herculano
Furtado de Mendonça, Antonio Carlos, Araújo Leite, Araújo e
Silva, Drs, Lima, Tavares Bastos, Fernandes, e Guilherme,
Negreiro, Américo Ferreira e Fonseca82.
Ultima Hora:
A Diretoria da Estrada de Ferro a carta assinada por 156 dos
principais cidadão deste município relativo ao nosso ramal
projetado resolveu por unanimidade de votos:
Congratular os signatários pela tentativa.
(...)
Acredita-se que as despesas preliminares não excederão
6:000$000rs empregando-se engenheiros e instrumentos da
companhia.83
Embora O Merrimac represente bem as características principais dos periódicos
da época, não nos prendemos apenas ele. Em 1864, depois dois anos de publicação
81
As publicações “A Pedido” constituíam um importante mecanismo de fala dos leitores que solicitavam
de informações variadas.
82
In: O Merrimac. Ano II nº. I, 1 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA
83
In: O Merrimac. Ano II nº 4, 25 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA
64
ininterrupta o jornal O Merrimac deu lugar ao jornal O Valenciano. Não sabemos bem
os motivos que levaram os Padres Joaquim de Paula Vasconcellos e Luis Alves dos
Santos abandonarem a sociedade com João Rufino Furtado de Mendonça. O certo é que
este importante Solicitador da cidade de Valença agora se tornara o único proprietário
de O Merrimac e logo fez questão de mudar seu nome para O Valenciano. Podemos
supor que essa mudança fosse uma estratégia de aproximação com o primeiro jornal
surgido em Valença em 1832, como já falamos anteriormente, de mesmo nome. O que
temos de concreto é a aproximação de João Rufino com os patrocinadores da primeira
versão, dentre eles o Major Silveira Vargas e o Visconde de Baependy. Essas questões
são identificáveis já na primeira edição de O Valenciano, que foi publicada no dia 09 de
fevereiro de 1864 e como de praxe anunciavam que, “no meio das puerilidades,
afrontas das calúnias, das maldições, nós prosseguiremos avante nessa cruzada santa
da civilização e da liberdade.”84 Essa epígrafe foi assinada por Alexandre Herculano
Furtado de Mendonça, jovem advogado de João Rufino. O que mais uma vez notamos
é a preocupação que os editores têm com a “civilização” e com as perseguições e
calúnias sofridas. Nesse sentido, somos levados a dialogar com a historiadora Tânia
Maria Bessone, quando diz que ao introduzir seu estudo sobre o jornal O Patriota faz
uma trajetória da imprensa no Brasil do século XIX e conclui que “nessa perspectiva,
marcavam posições ideológicas e procuravam propalar conceitos que tinham objetivos
políticos e pedagógicos”85. Com essas palavras, a historiadora também parece descrever
as práticas encontradas nos jornais valencianos. Ao contrário do que encontramos na
primeira edição de O Merrimac, em O Valenciano pelo menos não encontramos a
palavra imparcialidade nesta apresentação ao público da cidade. Nem havia de ser
diferente porque no mesmo número eles demonstram extrema parcialidade nas questões
políticas como verificamos na notícia sobre a eleição provincial.
Eleição Provincial
Apuração dos colégios, descontados os votos nulos de Porto das
Caixas e Santa Isabel.
1
2
3
4
84
J.P. de Figueiredo Carvalho
J.B. de Abreo Cardozo Sodré
J.G. Ribeiro de Avellar
B. Alves Machado
313
298
293
292
In: O Valenciano. Ano I nº 1, 09 de fevereiro de 1864 CD-008 CDH/CESVA
FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. As origens da resenha no Brasil: as experiências
de O Patriota. In: CARAVALHO, José Murilo de, e NEVES, Lúcia Maria Bastos. (orgs.). Repensando o
Brasil do oitocentos. Cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009
85
65
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
C.J. Rodrigues T. Filho
J. Accioli de Brito
P.J. Martins Rocha
J.N. Castrioto
A.F. Caldas
M.M. de Noronha Feital
A.J.R. de Vasconcellos de Antas
A.J. de Castro Silva
J.A. e Souza Lima
C. Correa e Castro
M.J. Marinho da Cunha
Ribeiro de Almeida
Fontes
Souto
Sá Carvalho
Carrão
M. Jacintho
Lago
Ismael
292
292
285
279
273
254
252
246
236
233
232
230
215
215
204
198
192
182
134
Há ainda a descontar-se os 5 votos dos eleitores e Bemposta, que
foram anulado, que não sabemos em quem recairão eles.
A chapa do Diretório sofreu algumas avarias. Os Candidatos
prejudicados foram os Sr. Sá Carvalho, Fontes e Ismael. Este último não
pode qualificar sua derrota – vergonhos – (grifo nosso) porque toda
oposição franca que sofreu nasceu de seus próprios correligionários, como
sucedeu neste colégio, ao passo que o Sr. Fontes, teve votação superior sem
pertencer ao Diretório.
Não admira que o Sr. Torres Filho saísse vitorioso, por quanto,
consta-nos ainda, carta branca do Diretório para facilitar-se-lhe a votação
para ter um assento na salinha provincial.
É pena que o Sr. Souto saltasse fora!86
Na lista da apuração, aparecem alguns nomes importantes de famílias da região
como Ribeiro de Avellar e Correia e Castro, além de personalidades como o futuro
Barão de Juparanã, irmão do Visconde de Baependy, que na lista aparece como M.
Jacintho, somando 182 votos. Além disso, a notícia chama a atenção para a presença do
“Diretório”, que nesse caso trata-se do Diretório Conservador. É muito claro o poder
que esse Diretório tem nas eleições regionais. Mais adiante encontramos outra notícia
com o seguinte teor:
1
2
3
4
5
6
86
4º Distrito
Manoel Rodrigues Jardim
Antonio Veríssimo de Matos
Cerqueira Lima
José Feliciano de Moraes Costa
João dos Santos Silveira
Paulino Correa Vidigal
In: O Valenciano, Ano I, nº. 1 - 9 de fevereiro de 1864. CD-008 CDH/CESVA
66
7
8
9
10
11
12
13
14
Felippe José Correa de Mello
Pedro Rodovalho Marcondes dos Reis
José de Paiva Magalhães Calvet
José Antonio de Araújo Filgueiras
Antonio Caetano de Almeida Bahia
Manoel José de Souza
Gitahi
Zoroastro Augusto Pamplona
Os prejudicados foram os Srs. Joaquim Manoel de Sá, Magalhães
Breves, Ferreira de Siqueira, Duarte Silva, e Pinto de Mello.
Os Srs. Cerqueira Lima, Bahia, Souza, Gitahi e Pamplona, não
pertencem ou não foram favorecidos pelo Diretório ligueiro e são todos
liberais genuínos.87 (grifo nosso)
Essa notícia não deixa nenhuma dúvida sobre o posicionamento político dos
Furtado de Mendonça e por conseqüência, seus jornais. A notícia é bem explícita quanto
aos interesses desse grupo. Essa notícia dá conta apenas de uma parte da apuração dos
votos que se sucedeu nas edições posteriores, mas mesmo assim dá um panorama da
política regional voltada para assentos na Assembléia Provincial.
Além de eleições provinciais, o ano de 1864 também seria de eleições
municipais. No município, o então Barão do Rio Preto, presidente da Câmara Municipal
desde 1861, se consolidava como uma liderança conservadora. Ele ocupava agora o
posto que antes fora do Visconde de Baependy. Se nas eleições de 1860 os
conservadores clamavam por um líder forte, agora eles já o tinham. Mesmo assim os
ataques aos liberais continuavam.
Guerra de extinção aos legítimos liberais, gritadores e
utopistas,(sic) tais como Carlos Bernardino de Moura e outros
querem e desejam anarquizar e perverter o povo.
Crestemo-lhes as asas para que seus vôos sejam rasteiros ou
que não possam adejar88.
Quem lê esta notícia, logo de primeiro momento percebe que existia uma fúria
muito grande dos conservadores com relação aos liberais. Se olharmos para o cenário
político nacional, encontraremos durante o segundo reinado um grande embate entre
esses dois grupos, que na realidade eram essencialmente iguais, pois ambos eram
escravagistas; suas divergências aconteciam por conta da política centralista dos
conservadores, a qual os liberais eram contrários. Em 1853, Honório Carneiro Leão,
87
88
In: O Valenciano, Ano I, nº. 1 - 9 de fevereiro de 1864. CD-008 CDH/CESVA
In: O Valenciano, Ano I, nº. 17 - 18 de junho de 1864. CD-008 CDH/CESVA
67
Marquês de Paraná, primo do Visconde de Baependy, formou o Ministério da
Conciliação, formado por conservadores e liberais. Essa tendência se seguiria até 1868
com a queda do gabinete de Zacarias Góes de Vasconcellos, e ascensão de Caxias,
sogro do Barão de Santa Mônica, irmão do Visconde de Baependy.
Voltando para a “guerra” declarada no jornal aos liberais, entendemos que isso
se dava porque na época quem era o Chefe de Gabinete era o próprio Zacarias Góes de
Vasconcellos, um liberal. Para entendermos melhor esta guerra, precisamos relembrar
que a notícia foi publicada em junho e as eleições seriam em setembro, mas para
explicar esse temor dos conservadores com relação aos liberais recorremos ao trabalho
de Raimundo Mattos89, que nos aponta na mesma época uma estreita relação entre
Zacarias e Manoel Antonio Esteves, importante fazendeiro local. Não podemos afirmar
em hipótese alguma que Manoel Esteves fosse um liberal, até porque suas atitudes e
trajetória demonstravam o contrário, mas a proximidade dos dois era tanta que o mesmo
casou seu filho com uma filha de Zacarias. Embora a proximidade dos dois não
significasse uma influência política de Zacarias na cidade, o certo é que os
conservadores não poderiam arriscar, pois apostavam alto na consolidação do Visconde
do Rio Preto como grande líder político e financeiro da cidade.
Para comprovar nossa afirmação recorremos a mais um trecho do jornal. Desta
vez, uma carta enviada por alguém intitulado “O Roceiro”.
Aproxima-se a nova quadra eleitoral, sim, pouco mais de sessenta dias
falta para a eleição primária e já ao longe se houve o som do clarim, que
voz convida a exercer o sagrado direito que a Constituição vos concede.
Já uma reunião de um dos partidos, consta se ter feito, para se tratar da
eleição, pois bem: preparai-vos, marchai no memorável dia sete de
Setembro à Matriz desta cidade, lançai vossa cédula na urna, mas escolhei,
escolhei bem e conscientemente os nomes que devem compor esta lista:
(...)
A contenda eleitoral está finda, etc, etc... Em fim o povo valenciano,
livre correu as ruas com seus sufrágios.
(...)
Eis por fim chegada a nova época de vossa soberania, exercei vossos
direitos com dignidade abraçai a quem de vós cuidou, desprezai a quem vos
desprezou.90
O Roceiro
89
MATTOS, Raimundo César de Oliveira. De comerciante a “cidadão exemplar” – A trajetória de
Manoel Antonio Esteves – Tecendo sociabilidades no oitocentos. Rio de Janeiro, Anais Eletrônicos da IV
Semana de História Política do PPGH/UERJ, 2009
90
In: O Valenciano, Ano I, nº. 18 - 25 de junho de 1864. CD-008 CDH/CESVA
68
Em nossas pesquisas não conseguimos identificar quem seria o personagem
autor desta correspondência, mas mesmo assim podemos perceber que é um
conservador. Acompanhando a trajetória política da cidade identificamos uma brecha
deixada pelos conservadores na legislatura de 1857 a 1860. Na realidade foi no final do
Período Baependy, quando o Visconde de Baependy já não estava mais na política local
e seu irmão tentou assumir seu lugar, mas o mesmo não gozava do mesmo prestígio do
irmão. Com essa brecha, os liberais se fortaleceram e as eleições de 1859 foram muito
disputadas, tendo o Visconde do Rio Preto como grande vencedor e presidente da
Câmara de 1861 a 1864. A contenda eleitoral a que ele se refere é que com a falta de um
“grande líder” como fora o Baependy, os conservadores se dividiram entre aqueles que
apoiavam seu irmão e os que eram terminantemente contra sua figura.
Durante sua legislatura, o Visconde do Rio Preto adotou uma postura de
conciliação e fortalecimento de seu grupo, mas o Barão de Juparanã ainda pleiteava a
herança política do irmão mais velho. Sendo assim, o autor da carta convida seus pares
a votar e a fazer uma comparação entre as duas figuras. De fato, durante sua
administração o Visconde do Rio Preto soube articular muito bem suas relações
restando pouco para o Barão de Juparanã. Nesse momento, não consideramos ser
importante descer a detalhes nesta disputa política, uma vez que nosso foco neste item é
o jornal como espaço de poder.
O Valenciano parou de se editado em 1865 e quase dois anos se passaram até
que em 1867, João Rufino ressurgisse com A Phenix. Sua mensagem inicial é bem clara
e objetiva e diz também qual o seu principal interesse; a proteção da lavoura e
consequentemente da escravidão que era sua principal mão-de-obra:
Até o presente tem se levantado vozes bem fortes e eloqüentes em prol
da lavoura, as quais não tem sido ouvidas, nem atendidas por aqueles que
governam a mão do Estado e deviam prestar a atenção aos negócios da
pátria. 91
Quando tomamos sobre nossos fracos ombros a penosa tarefa de
publicar uma folha em Valença, não foi somente visando o interesse, mas
também esperando pugnar pelos melhoramentos locais, entre os quais
colocamos em primeiro lugar os da – lavoura.
Estenda-nos a classe agrícola sua mão protetora – ampare-nos sob sua
égide tutelar, e nós só aumentaremos o formato desse jornal como
protestaremos à nossos Deuses advogar sua causa com todas as nossas
forças.
Ajudem-nos todas as classes, porque propugnaremos pelo interesse de
todos, e se a causa da lavoura, é, e tem sido, e há de ser, nosso tema
91
In: A Phenix, Ano I, nº8 de 28 de abril de 1867. CD – 015 CDH/CESVA
69
principal, é porque defendendo seus interesses, defenderemos os interesses
de todos.
Ela é o termômetro, que avalia o comércio, anima as indústrias, e as
empresas, as artes, e as ciências, porque é quase a fonte única e principal de
onde provem o dinheiro, sem o qual, menos a virtude, tudo enlanguesce, e
definha e morre.92 (Grifo nosso)
Nada poderia ser mais explicito do que o jornal dizer que advoga em favor da
“lavoura” pedindo proteção aos fazendeiros locais. Eles ainda justificam que essa
“lavoura” é a fonte da riqueza da região a qual eles estão atrelados. Sem ela, segundo
eles, nada mais, subsistiria, porque ela seria quase fonte única de onde vinha o dinheiro
da região. Ainda segundo o jornal, defender a lavoura era um dever de todos.
Em 1868 nasceu o jornal O Alagoas, e o que de mais peculiar podemos notar
neste periódico é a figura de seu proprietário, Custódio Antonio da Silva. Não
encontramos nenhuma referência a sua origem familiar, mas o que marca este
personagem é que ele fora o redator de O Merrimac e O Valenciano e mais tarde viria a
fundar mais outros dois jornais na cidade. Ao contrário dos outros dois jornais, não
conseguimos a primeira edição de O Alagoas, apenas a partir da quarta edição. Edição
esta que trazia estampada em sua capa a notícia do falecimento do Visconde do Rio
Preto. Assim como os outros jornais O Alagoas também estava ligado aos interesses dos
conservadores, basta ver como ele noticiou a morte do Visconde do Rio Preto:
A imprensa valenciana, como representante das grandes idéias,
como admiradora das nobres ações, como defensora dos importantes
interesses de seu rico município, faltaria sem dúvida ao mais sagrado dever
se não viesse render sua última homenagem a este cidadão benemérito.
(...)
Se foram sempre sinceros, e merecidos os louvores que outrora lhe
tributávamos por suas nobres ações, é também sincera e desinteressada a
oferenda que ora fazemos ao morto.
Jamais empunhamos o turíbulo da vil lisonja, jamais queimamos o
incenso corrompido da hipocrisia, porque embora obscuros na carreira do
jornalismo, sempre soubemos conservar-nos na altura de nossa dignidade93.
Para o nosso trabalho, o jornal O Alagoas é também importante porque ele
retrata bem a ruptura de uma conjuntura política com a morte do Visconde do Rio Preto.
É nesse jornal que encontramos parte da classe senhorial vendo seu projeto de poder já
estabelecido, sendo desarticulado. As palavras do redator do jornal são sempre
carregadas de preocupação com a suposta estabilidade alcançada na gestão do Visconde
92
93
In: A Phenix, Ano I, nº9 de 05 de maio de 1867. CD – 015 CDH/CESVA
In : O Alagoas, Ano I, nº04 de 13 de setembro de 1868. CD – 009 CDH/CESVA
70
do Rio Preto. Com sua morte muita coisa estava em jogo: os conservadores se viam
novamente sem um líder, alguém que pudesse tocar seus projetos. Desta vez o Barão de
Juparanã não se apresentava como uma opção, mais sim, como uma realidade já que
com o falecimento do visconde e o segundo lugar nas eleições ele seria o próximo
presidente da Câmara. Embora isso fosse um fato, a preocupação voltava ao cenário
conservador.
Veremos agora se aqueles que ambicionaram este lugar
que sempre fora brilhantemente ocupado, o imitarão, e o
tomarão por modelo. Com a morte do ilustre visconde Valença
perdeu seu protetor, seu verdadeiro arrimo. Lamentemos, pois,
sua morte como uma perda irreparável.
Choremos, valencianos!94
Nossa proposta foi a de comprovar o comprometimento político dos jornais
valencianos. Demonstramos como esses periódicos se tornaram instrumentos
importantes para os conservadores e seu projeto de poder. Com relação a sua estrutura
física notamos uma semelhança com os jornais estudados por Tânia Bessone quando diz
que “os jornais das primeiras décadas do século XIX no Brasil guardavam
semelhanças com os folhetos e panfletos, e alguns podem ser considerados revistas,
bem longe, no entanto, dos modelos gráficos e dos formatos dos jornais da
atualidade.95
Concluímos que os jornais valencianos da época eram importantes para a
propagação dos ideais conservadores, abraçados por um grupo da boa sociedade, e do
que acontecia no cenário provincial e das ressonâncias e impactos locais da política da
corte. Explicitamente eles defendiam costumes e os interesses dos fazendeiros: Os
jornais foram essenciais para transformar o Visconde do Rio Preto em uma figura quase
mítica. Mesmo depois de falecido, os jornais divulgavam maneiras de lucrarem com sua
figura e de manterem sua mitologia política.
94
95
Idem.
FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. Op cit. p. 327
71
3 - O Visconde do Rio Preto como Arquétipo de um grupo, sua morte e a
desestruturação dos projetos da boa sociedade.
Nos capítulos anteriores demonstramos como se criaram e se fortaleceram
algumas redes de sociabilidade em Valença no século XIX. Demonstramos que estas
relações se fortaleciam concomitantemente, no meio privado e no ambiente público.
Através do rastreamento de algumas famílias pudemos entender um pouco destas redes
sociais que ocuparam instituições sociais que, por sua vez, configuraram os dispositivos
de poder de uma elite. Segundo nosso entendimento não é possível entender plenamente
essas redes de sociabilidade em Valença no século XIX sem falar em Domingos
Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto. Dizemos isso porque conforme
demonstraremos, ele foi um dos maiores expoentes desse tipo de prática na cidade,
aliás, prática pertencente à estrutura política e social brasileira da época.
O visconde foi um grande empresário que se instalou em Valença na região da
Freguesia de Santa Tereza e que enriqueceu ainda mais. Ele comprou várias fazendas na
região, criando um pequeno império particular e uma rede muito importante de relações
sociais.
Algumas biografias existem sobre este personagem e a mais atual que
acreditamos ser a mais completa é o trabalho de Rogério da Silva Tjader.96 Neste
trabalho o autor faz um junção de outros biógrafos e acrescenta algumas informações
inéditas. Sua principal contribuição está no fato dele propor uma correlação do
Visconde do Rio Preto com alguns personagens de atuação nacional. Tjader, porém,
procura ressaltar as qualidades do personagem estudado.
“O que Valença proporcionou ao Visconde do Rio Preto, na
possibilidade da formação da sua imensa fortuna, recebeu de volta, sob a
forma de gratidão, colaborando ele de quantas formas se apresentaram
para concretizar seu ideal, em diversas entidades públicas ou privadas, das
quais participou, sempre no intuito de engrandecer o bem comum,
minorando o sofrimento dos mais necessitados, promovendo e projetando
Valença no cenário fluminense e nacional, fazendo desta cidade um local
aprazível, confortável, digno de nele se viver”. 97
Cabe ressaltar que nosso objetivo não é traçar uma biografia deste personagem,
mas mostrar como sua trajetória é exemplar e reveladora das sociabilidades e dos
96
TJADER, Rogério da Silva. Visconde do Rio Preto, Sua Vida, Sua Obra, o Esplendor de Valença.
Valença: PC Duboc Ltda, 2004
97
Idem p. 07
72
projetos de poder em Valença no século XIX. Ao iniciarmos nosso trabalho nos
deparamos com um personagem rico e extremamente importante, que nas palavras de
contemporâneos:
Desnecessário seria apontar aos coevos (sic) a soma de benefícios, que o
falecido, Visconde do Rio Preto fez a Valença, porque eles são testemunhas
que talvez, mas do que eu estejam habilitados para os enumerar. Permitamme, srs., que antes de tratar das exposição dos feitos da Câmara, eu vos
diga alguma cousa a cerca da sentidíssima morte de seus digno Presidente,
o Exmo. Visconde do Rio Preto. Este nome, srs., identificou-se por tal forma
com a Cidade de Valença, pelos benefícios que a ela prodigalizou98
Mas, ao longo de nossa trajetória e dialogando com outros autores percebemos
que Domingos Custódio Guimarães não poderia ser visto com uma exceção, mas sim
com um exemplo das estruturas sociais em que vivia. Semelhantemente pensaram João
Fragoso e Ana Maria Lugão Rios99 ao estudarem o Comendador Manuel de Aguiar
Valim, outro rico empresário, senhor se muitos escravos e proprietário da Fazenda
Resgate em Bananal.
Desde sua saída, aos dezessete anos, da casa paterna aos eventos de 1853,
deixou-nos o Comendador a impressão de ter sido um empresário ousado,
sempre afinado com as oportunidades oferecidas, chegando mesmo a testar
os limites legais impostos pelo Estado, na sua época. O inventário dos bens
por ele deixados é a prova de seu inegável talento no mundo dos negócios.
Ao morrer, havia multiplicado por dez a fortuna que recebera. O montante
dos bens destinados aos seus herdeiros soma a impressionante quantia de
2:847:169$362.
(...)
Ainda que talentoso como empresário, Valim não era exceção. Sua
trajetória foi, pelo contrário, bastante semelhante a de seus pares até, pelo
menos meados da década de 1860100.
Assim como o Visconde do Rio Preto e o citado Manuel de Aguiar Valim,
passaram por Valença alguns personagens que também poderíamos pegar para análise
como José Ildefonso de Sousa Ramos, Barão das Três Barras e 2º Visconde com
98
MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Relatório de Gestão apresentado à Câmara Municipal de
Valença em 07/01/1869. CD 004 - CDH/CESVA.
99
FRAGOSO, João Luis e RIOS, Ana Maria Lugão. Um empresário brasileiro do oitocentos. In:
MATTOS, Hebe Maria e SCHNOOR, Eduardo (orgs). Resgate: Uma janela para os oitocentos. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1995.
100
Idem p. 199
73
Grandeza de Jaguary101, Outro personagem que também poderia servir com ponte de
análise é Peregrino José de Américo Pinheiro, primeiro Barão e Visconde com
Grandeza de Ipiabas102. Para terminar nossa lista de exemplos, citamos ainda Estevão
Ribeiro de Resende, primeiro Barão com Grandeza conde e Marquês de Valença.103
Isso significa que na verdade existia uma elite sócio política que caracterizava
uma determinada estrutura de poder patrimonialista e que o estudo do Visconde do Rio
Preto acrescenta conhecimento aos dispositivos de poder, criados e reproduzidos para o
que era conhecido como boa sociedade. Através do dele teríamos um verdadeiro estudo
de caso, conforme desenvolvemos abaixo.
Filho do Alferes Custódio Guimarães e de Thereza Maria de Jesus, Domingos
Custódio Guimarães nasceu em 23 de agosto de 1802 em São João d’El Rei, mas
curiosamente durante sua vida passou a comemorar seu aniversário no dia 7 de
setembro. Primeiramente verificamos se esta data coincide com a data de comemoração
de São Custódio, o que demonstraria uma devoção particular ou familiar, mas o referido
santo tem sua comemoração na data de 2 de outubro. Isso nos leva a uma segunda
possibilidade de ter esta data ter sido alterada por motivos patrióticos, pois como
veremos adiante Domingos Custódio seguiu para o Rio de Janeiro no início da década
de 1820 e certamente acompanhou de perto os eventos que levaram o Brasil a se separar
de Portugal. Entretanto, essa é só uma possibilidade, pois não sabemos identificar com
certeza a partir de que momento ele passou a comemorar seu aniversário em outro dia.
Sua origem familiar remete a um grupo de grandes proprietários rurais daquela região
mineira que se instalara por lá no início do século XVIII. Procurando as origens
familiares de Domingos Custódio Guimarães precisamos voltar até o século XVIII,
quando em 1723 desembarcou no Rio de Janeiro uma família vinda da ilha do Faial nos
101
Nasceu em Baependi – MG em 28 de setembro de 1812 e faleceu em 23 de julho de 1883. Filho de
Tomé Venâncio Ramos e de Ana Leonor de Sousa, casou-se com Henriqueta Carolina de Sousa Ramos.
Além de advogado foi fazendeiro em Valença, provedor da Irmandade Santa Casa de Valença e provedor
da Irmandade Santa Casa do Rio de Janeiro. Foi também deputado geral, presidente das províncias de
Piauí, Minas Gerais e Pernambuco, ministro da Justiça e senador do Império do Brasil de 1853 a 1883.
102
Nascido Paty do Alferes, 26 de julho de 1811 e falecido em 8 de junho de 1883. Era filho do Capitão
João Pinheiro de Sousa e Isabel Maria da Visitação, casou-se com Ana Joaquina de São José Werneck.
Pai de quinze filhos, entre eles Francisco Pinheiro de Sousa Werneck, segundo barão de Ipiabas. Foi um
fazendeiro extremamente importante em Valença, provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de
Valença e por muito tempo Comandante Supremo da Guarda Nacional – Legião de Valença.
103
Nascido Prados - MG em 20 de julho de 1777 e falecido no Rio de Janeiro no dia 8 de setembro de
1856. Filho do coronel Severino Ribeiro (de família lisboeta) e de Josefa Maria de Resende. Casou-se
com Ilídia Mafalda de Sousa Queirós, filha do brigadeiro Luís Antônio de Sousa Queirós. Também foi
importante fazendeiro em Valença, mas ao contrário do outros não chegou a ser provedor da Irmandade
Santa Casa de Misericórdia e ainda há muito que se estudar sobre a trajetória deste personagem na
política nacional. O Marquês de Valença foi o primeiro juiz de fora de São Paulo, Ministro da Justiça e
Senador do Império.
74
Açores. Maria Nunes, viúva de Manoel Gonçalves Corrêa, trazia consigo suas três
filhas; Antonia da Graça, casada com Manoel Gonçalves da Fonseca, e Helena Maria da
Caridade e Júlia Maria da Caridade, ambas solteiras. A família seguiu para São João
d’El Rei para a região da serra das carrancas. Das três filhas de Maria Nunes
destacamos Julia Maria da Caridade que casou-se com seu conterrâneo Diogo Garcia,
que já havia se instalado na Região tempos atrás, com a obtenção de uma sesmaria na
qual se dedicava a mineração. Diogo Garcia enriqueceu com o negócio de mineração,
tanto que em 1751 conseguiu mais uma sesmaria, ampliando ainda mais sua riqueza.104
Por ser um dos lavradores de maior fábrica de escravos,
cavalos, éguas e gado vacum, e estes em tanta quantidade que já
exparcem (sic) fora das terras que possui, buscando o sertão e mato
da Serra das Carrancas e Ribeirão, chamado das Pitangueiras, com
quem confiam as terras do suplicante e, donde tem já algumas posses
e nelas plantado e colhido sem contradição de pessoa alguma, e
porque as que possuir por verdadeiro título de sesmaria105
Diogo Garcia faleceu em 1762 com o título de Capitão e deixou a cada um de
seus 14 filhos uma pequena fortuna. A filha mais velha de Julia Maria da Caridade e
Diogo Garcia foi Ana Maria do Nascimento que casou-se duas vezes: Seu primeiro
casamento foi aos 12 anos de idade com o português João Pereira de Carvalho na época
com 39 anos, mas o casamento durou pouco, porque ele falecera pouco tempo depois.
Seu segundo casamento foi Manoel da Costa e Silva com quem teve sete 7 filhos.
Dentre esses identificamos Tereza Maria de Jesus que em 1782 casou-se com o Alferes
Pedro Custódio Guimarães.
Sobre sua infância sabe-se muito pouco. Mesmo Rogério da Silva Tjader, seu
principal biógrafo, não tem conhecimento sobre o Período.
De todos os estudiosos do assunto é sabida a versão de que Domingos
Custódio Guimarães foi um homem dado à vida amorosa intensa, em que
pese sua sobriedade, sua integridade, aliada à sua postura de homem de
bem Pouco, quase nada se conhece da vida de Domingos Custódio, antes da
sua ida para o Rio de Janeiro. Por que se deslocou ele para a Corte, é uma
questão não Bem esclarecida.106
104
Cf. TJADER, Rogério da Silva. Op. cit
Revista do Arquivo Público Mineiro, vol. I p. 399. Apud. TJADER, Rogério da Silva. Visconde do Rio
Preto, Sua Vida, Sua Obra, o Esplendor de Valença. Valença: PC Duboc Ltda, 2004. p 53.
106
TJADER, Rogério da Silva. Op.cit p. 56.
105
75
Embora Rogério Tjader não saiba exatamente quais os motivos que levaram
Domingos Custódio para Corte, podemos facilmente concluir este era o destino natural
dos jovens que desejavam se lançar na sociedade imperial brasileira, uma vez que ali
estavam reunidos os principais políticos, as principais famílias e as melhores
oportunidades de negócios. Assim sendo, ir para o Rio de Janeiro significava um rito de
iniciação na boa sociedade brasileira.
Rogério Tjader aponta para um artigo escrito por A. C. Guimarães e publicado
no Jornal do Comercio no dia 19/11/1933 onde o mesmo afirma que Domingos
Custódio era um grande admirador de Napoleão Bonaparte e ao saber de sua prisão na
Ilha de Santa Helena, juntou-se a um grupo de amigos e fugiu para o Rio de Janeiro para
montar uma expedição de libertação do ex-imperador. O próprio Rogério Tjader
questiona e refuta o artigo, pois Napoleão foi levado para Santa Helena em 1815, época
em que Domingos Custódio tinha apenas doze anos.
Mesmo levando em conta que a morte de Napoleão ocorreu em 1821,
pode-se sentir o absurdo do caso de um jovem de apenas 17 anos de idade,
vivendo no interior de um país longínquo, intentar qualquer atitude
libertária para um herói lendário aprisionado.107
De fato este episódio revela-se fantasioso, mas serve para ilustrar o esforço que
muitos autores fizeram para criar uma memória heróica do Barão do Rio Preto, em um
mito político da galeria dos “varões do Império”. Tudo isso talvez seja fruto dos
próprios relatos que veremos mais adiante sobre sua morte e seus feitos.
Outro fato curioso e sem respostas é um possível casamento de Domingos
Custódio com uma menina de nome Ana que supostamente seria sua sobrinha. Segundo
a história Domingos e Ana tiveram seu casamento anulado por ser ele incestuoso. Mas
talvez esta história seja apenas mais uma fantasia sobre a vida deste personagem,
reforçando uma pseudo aura romântica, tal como o falso episódio sobre Napoleão criava
uma aura heróica e aventuresca, pois ainda não foi encontrada nenhuma prova que este
casamento tenha acontecido.
Por um lado não sabemos muito sobre nosso personagem antes do Rio de
Janeiro, por outro sabemos que já no Rio de Janeiro em 1826 fundou juntamente com
João Francisco Mesquita, futuro Conde do Bonfin, a firma Mesquita e Guimarães que
distribuía carnes para toda a cidade do Rio de Janeiro. É sabido a Companhia cresceu
107
Idem p.57
76
muito a partir da chegada da família real portuguesa e permanece após a independência,
períodos nos quais a vida no Rio de Janeiro se intensificou, pelas necessidades de
prestação de serviços, abastecimento e nos negócios.
O negócio deu certo, pois João Francisco era conhecedor do mundo financeiro e
Domingos Custódio hábil e conhecedor da pecuária. Além disso, o futuro Barão do Rio
Preto estava intimamente ligado aos produtores de gado em Minas Gerais já por conta
de seus laços familiares.108 O investimento surgira em hora oportuna, e passou a contar
com apoio do próprio imperador D. Pedro I. Eloy de Andrade109 chega a especular que o
imperador participava dos lucros da Mesquita & Guimarães o que, segundo ele
explicaria as constantes vitórias da firma nas concorrências públicas realizadas pelo
governo. Se isso aconteceu de fato, Eloy de Andrade não conseguiu comprovar, mas o
fato é que realmente a firma venceu inúmeras concorrências durante o primeiro reinado.
Com a prosperidade dos negócios Domingos Custódio adquiriu alguns imóveis
no Rio de Janeiro, chegando a um total de onze propriedades. O investimento em
imóveis era uma prática que se perpetuou ao longo do século XIX, reproduzida pelas
elites urbanas na segunda metade do século110. Consta na partilha amigável que seus
imóveis na Corte estavam assim relacionados:
108
Cf .TJADER, Rogério da Silva. Op cit. p 61.
´ANDRADE, Manoel Eloy de. Op. cit p.180
110
MOURA, Ana Maria da Silva. Cocheiros e Carroceiros: homens livres no Rio de Senhores e escravos.
São Paulo: Ed. Hucitec, 1988, pp. 67-68.
109
77
Classificação dos Bens
Valores
Prédio sito à rua dos Pescadores nº 8
35:000$000
Prédio sito à rua São Pedro nº 67
30:000$000
Prédio sito à rua d’Aurora nº 16
3:000$000
Prédio sito à praça D. Pedro I nº 103
15:000$000
Prédio sito à praça D. Pedro I nº 100
20:000$000
Prédio sito à praça D. Pedro I nº 77, 79 e 81
4:000$000
Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 54
3:000$000
Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 5 B
3:000$000
Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 5 C
4:000$000
Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 30 e32
8:000$000
Prédio sito à rua d’ Estácio de Sá nº 20 e 22
10:000$000
Prédio sito à rua d’ Castelo nº 30
2:000$000
Total
137:500$400
Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio
Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ
Além de sua sociedade com João Francisco Mesquita sabemos que ele casou-se
em 22 de abril de 1838 na Capela de São Cristóvão com Faustina Xavier Pestana, filha
de Francisco Xavier Pestana, importante comerciante no Rio de Janeiro. Essa união não
gerou filhos e durou muito pouco, pois Faustina faleceu pouco tempo depois de se
casar. Seguindo sua vida, Domingos Custódio manteve um relacionamento com
Antonia Felícia Maria Mendes, de origem desconhecida, mas que chegou a morar com
ele em seu palacete no bairro e São Cristóvão. Desta união nasceu Pedro Nolasco da
Costa em junho de 1840.
Após desfazer a sociedade com João Francisco Mesquita do Domingos Custódio
incumbiu seu sobrinho, Joaquim Custódio Guimarães, de comprar terras na região
fluminense, próximas à Corte. Ele então comprou as Fazendas Santa. Quitéria,
Montacavalo, Mirante e São Bento, todas em Minas Gerais e, na Província do Rio de
Janeiro adquiriu as Fazendas Loanda e Flores do Paraíso na Freguesia de Santa Tereza,
em Valença, que pertenciam a João Pedro Maynard. Comprou ainda as Fazendas
Criméia, São Leandro, Santa. Tereza, Santa. Bárbara, União, Santa. Genoveva e Mundo
Novo. Essas fazendas chegaram a produzir 60.000 arrobas de café por ano.
78
Pouco tempo depois em visita a sua família em Minas Gerais, acertou o
compromisso de se casar com sua sobrinha Maria das Dores de Carvalho, filha de sua
irmã Umbelina de São José casada com tenente coronel Joaquim Ignácio de Carvalho.
Para que o casamento pudesse acontecer, um processo de autorização foi montado no
Bispado do Rio de Janeiro e no Bispado de Mariana. Mas por que esse mesmo processo
não foi montado com sua suposta sobrinha Ana? Esta é uma questão que também não
sabemos, mas que indica a fabulação romântica sobre o Barão. Após serem autorizados,
os dois casaram-se em Carrancas no dia 07 de agosto de 1843. Esse momento
representou uma enorme mudança na vida de Domingos Custódio, pois é nele que se
lança como fazendeiro e se estabelece no interior da Província. Durante toda a década
de 1840, ele se dedicou ao desenvolvimento de seu novo negócio. Sobre este período
não encontramos nenhum vestígio que nos indique sua participação na vida política do
Município, fato que mudaria apenas em 1858, como veremos adiante.
Os biógrafos de Domingos Custódio, que foram também formadores de uma
memória no mínimo condescendente, destacaram (seja fantasia ou não) sua riqueza e
empreendedorismo através de seu negócio de carnes na Corte, de possíveis ligações até
mesmo com o imperador, das suas excelentes origens que trazia como “herança natural”
as ligações de classe, mas enfatizam também a questão das propriedades rurais, em
especial a fazenda Flores do Paraíso, onde Domingos Custódio fixou residência. Com
sua sede em forma de U com sua ala esquerda tomada pela grande capela, que ocupa
espaço dos dois andares; a parte central destina – se aos numerosos salões; a ala direita,
aos dormitórios. A entrada do palacete estende-se por quatrocentos metros com
palmeiras dos dois lados. Contava o palacete com galerias de quadros de valor, museu
de raridades. No térreo 2 salões, de bilhar e de visitas, 4 quartos, escritório, biblioteca,
sala de almoço, copa, salão de costura, capela e várias dependências: banheiros,
dispensa e cozinha. No sobrado, salão de recepções, alcançado por majestosa escada
(cujos lados tem dois negros de bronze, de tamanho natural, sustentando nas mãos ricos
candelabros) e que bifurca para a esquerda e direita, há ainda, sala de armas, sala de
jantar onde na parede está pintada “Baía de Guanabara 1800” de José de Villaronga,
vasto dormitório, alcova, 20 quartos para hóspedes e vários banheiros111.
Na opinião de Eloy de Andrade a fazenda Flores do Paraíso foi tida como
modelo em todo o Vale do Paraíba Fluminense e sendo chamada de “a jóia de Valença”
111
Cf. ANDRADE, Manoel Eloy de. Op cit. p 255.
79
Ao tempo do Visconde do Rio Preto era a fazenda modelo de todo o
Vale do Paraíba.
A sua fazenda do Paraíso constituía a jóia de Valença. Na sua
simples grandeza, a casa da fazenda apresentava a placidez de um solar.
Dentro resplandecia o luxo no estilo dos mobiliários, na pureza dos cristais
e dos espelhos, nos desenhos das finas tapeçarias, na sobriedade dos
damascos, nas pratarias lavradas.112 (Grifo nosso)
Não podemos concordar com a afirmação de Eloy de Andrade, quando sugere
uma “simples grandeza” para retratar a Flores do Paraíso. Sem sombra de dúvidas, essa
fazenda não foi projetada para ser simples em nada. Desde as escolha do local para sua
construção até os detalhes internos da residência, foram pensados para causar impacto e
refletir o poder do proprietário. Nessa fazenda trabalhavam quase de quinhentos e
cinqüenta escravos e havia ainda uma banda música com cerca de cinqüenta escravos
que tocavam nas festas oferecidas pelo Visconde. Segundo consta, a casa foi construída
entre 1845 e 1853 e contava com iluminação a gás, algo ainda raro no Brasil.
Óleo sobre tela de Nicolau Facchineti de 1875
Fonte: INEPAC – Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense
112
ANDRADE. Manoel Eloy de. Op. cit. p. 253.
80
Na obra de Nicolau Facchineti de 1875 a fazenda é retratada com um modelo,
embora o autor por sua própria conta tenha alterado um pouco da paisagem para retratar
o seu posicionamento próxima ao Rio Preto. Isso certamente é mais um indício da
mitificação romântica de Domingos Custódio e de seu patrimônio, ligando–os ao lugar
que seu título indicava.
A seguir temos uma imagem da fachada com a famosa entrada ladeada por
palmeiras. Infelizmente, por razões particulares o atual proprietário da fazenda não nos
permite fotografar o interior da mesma, restando apenas contar com algumas poucas
imagens extraídas de sites de turismo.
Fonte: INEPAC – Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense
81
Fonte: INEPAC – Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense
Fonte: Solares da Região Cafeeira do
Brasil Imperial
82
Apenas para ilustrar o interior da propriedade apresentamos a escada interna
ladeado por dois escravos segurando os lustres. Ao analisar estas imagens mais uma vez
questionamos a “simples grandeza” proposta por Eloy de Andrade. Como ele mesmo
diz, os cristais eram puros e selecionados, e as tapeçarias da fazenda eram finas.
Entendemos que tamanho investimento não tenha outro propósito a não ser consolidar
sua distinção social.
Analisando a Partilha Amigável dos herdeiros do visconde podemos resumir
fazenda Flores do Paraíso em alguns números:
Classificação dos Bens
Escravos
Valores
349:800$000
Prata em obras
7:955$400
Trastes
6:090$000
Louças
1:830$000
Roupa
1:150$000
Gado-vacum
2:560$000
Dito – Mular e Cavalar
6:380$000
Dito - Suíno
2:476$000
Dito – Ovellum
190$000
Mantimentos
34:670$000
Casas e mais bem feitorias
46:480$000
Cafezais
36:530$000
Terras
60:000$000
Total
556:111$400
Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio
Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ
A Fazenda Flores do Paraíso sem dúvida foi um exemplo em seu tempo. Seus
números são realmente expressivos. Na fazenda, além do café, produzia-se quase tudo
que era necessário ao consumo de seus habitantes, restando muito pouco para ser
adquirido fora. Para especificar um pouco mais esses números temos identificados na
partilha amigável de seus herdeiros o seguinte:
83
Cafés e Mantimentos
892 arrobas de café em coco
500 arrobas (não está legível)
250 carros de milho
200 alqueires de feijão
50 alqueires de arroz vermelho
180 arrobas de açúcar mascavo
25 pipas de aguardente
Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio
Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ
Além disso, a as terras da fazenda possuíam duas mil braças de testada. Ao todo,
Domingos Custódio foi proprietário de 1273 escravos, dos quais 544 foram listados na
Fazenda Flores do Paraíso a um valor total de 349:800$000. Ainda tomando a mesma
fazenda com exemplo, temos os seguintes números com relação aos cafezais:
Quantidade
26000
55000
50000
50000
30000
44000
21000
17000
16000
7000
3000
319000
Idade
35 anos
25 anos
18 anos
18 anos
13 anos
5 anos
3 anos
1 ano
30 anos
3 anos
16 anos
------
Cafezais
Local
Morro da Horta
Morro das Flores
Morro dos Mineiros
Morro do Assúde
Mata-Paca
Manuel Pógue
José Dias
Manuel Póque
Morro Redondo
Manuel Póque
Canto do Mato
-------------
Valor
1:040$000
6:600$000
6:000$000
5:000$000
4:800$000
8:000$000
2:100$000
510$000
640$000
560$000
480$000
35:730$000
Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio
Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ
Segundo ainda a Partilha Amigável dos herdeiros do Visconde do Rio Preto,
suas propriedades produziam cerca de 60 mil arrobas de café por ano. Com um número
de escravos tão expressivo e uma produção de café tão significativa não é de se
84
estranhar o fato de Domingos Custódio querer ser retratado nessa sua fazenda, seu
grande símbolo de riqueza e rodeado dos símbolos do Império.
Na foto abaixo, ele está com seu uniforme de Tenente-coronel da Guarda
Nacional e, tendo ao fundo os portões da Flores do Paraíso.
Fonte: CDH/CESVA – Fundo Imagens Históricas
Esta imagem nos revela bastante sobre o modelo e auto representação de
nobreza rural que se formou no Brasil. Por um lado o personagem está vestido com
símbolos do império, por outro ele não abre mão retratar a base de sua nova vida em
Valença, a fazenda de café. Ainda no âmbito da representação de Domingos Custódio
em seu império rural, outra imagem simbólica é apresentada no quadro abaixo: Em
primeiro plano, o Visconde aparece montado em um cavalo branco, tendo a esquerda
um escravo e no alto a direita, a Fazenda Loanda.
As fazendas de café são muito estudas para se entender todo o processo de
produção e distribuição do café dentro de um contexto escravista, mas também como
um tipo de propriedade que representava prestígio, poder e distinção social:
85
Quando no início do século XIX um barão do café mandava pintar um
retrato seu e de sua esposa, assim como encomendava móveis e outros
artefatos para sua residência, mesmo que esses objetos jamais fossem
mostrados em público, estava agindo politicamente, isto é, de forma
moderna. Produzia um mito sobre si mesmo, narrava a sua própria história.
Buscava ao mesmo tempo dar significado para sua capacidade de poder
aquisitivo, posição social e as vezes fonte de prazer estético113.
Fonte: CDH/CESVA – Fundo Imagens Históricas
Ricardo Salles, em seu empreendimento de explicar a sociedade escravista
estabelecida no Vale do Paraíba também não deixou de analisar o Visconde do Rio
Preto e suas propriedades dando destaque para a Fazenda Flores do Paraíso.
113
CIPINIUK, Alberto. A face pintada em pano de linho; moldura simbólica da identidade brasileira.
Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio 2003 p
86
O caso do visconde do Rio Preto é exemplar: mais do que um
negócio, implantava um estilo de vida. Estilo que extrapolava as práticas e
as vivências sócias dos fazendeiros para além de suas dimensões imediatas,
pessoais, familiares, econômicas e sociais. Tais práticas estendiam-se para
a dimensão simbólica, visando projeção no tempo, além do âmbito de uma
geração, e no espaço, além da fazenda e da região.114
Na cidade de Valença propriamente dita, Domingos Custódio procurou durante
um tempo um local adequado para construir seu palacete. Chegou a comprar alguns
imóveis, mas em 1853 contratou arquiteto Antonio Bäcker para fazer o projeto para uma
residência em um terreno na Praça da Câmara. Esse arquiteto foi o mesmo que projetou
a Fazenda Flores do Paraíso e por isso já conhecia o estilo de Domingos Custódio.
Além disso, o mesmo fora arquiteto de outras propriedades de nobres da região como o
caso da Fazenda Secretário pertencente ao Barão de Campo Belo.
O terreno estava situado em uma área nobre da cidade com dimensões de 50
metros de frente com 240 metros de fundos. O palacete só ficou pronto em 1858, talvez
não por coincidência, ano em que o Visconde aparece pela primeira vez ocupando
algum cargo público na cidade, como subdelegado na Freguesia de Santa Tereza e
apenas um ano antes de se candidatar a vereador pela primeira vez.
Fonte: Inventário dos Bens Culturais imóveis de Valença/Secretaria de
Estado de Cultura do Rio de Janeiro e Turismo/Serviço de Patrimônio
Histórico, Artístico e Cultural
114
SALLES, Ricardo Henrique. Op. cit. p.146.
87
Assim como a fazenda Flores do Paraíso, o palacete do Visconde no centro da
cidade também foi símbolo de ostentação e poder. Deveras é uma construção que se
destacou em todo o século XIX por seu estilo e dimensões.
O estilo neoclássico do imponente palacete que foi a residência do
Visconde do Rio Preto está definido em sua fachada principal pelo frontão
triangular com o brasão do Visconde do Rio Preto em bronze e pela simetria
das janelas. Também a existência do pátio interno e central, os jardins que
contornam a casa e as portadas cada uma com suas quatro colunas
clássicas “Dóricas” que sustentam belos portões de ferro caracterizam seu
neoclassicismo115.
As casas rurais e urbanas do Visconde do Rio Preto e toda sua suntuosidade não
estão isoladas no tempo e no espaço como exceções, mas são reflexos de um tipo de
cultura que reflete os dispositivos de distinção social e familiar, pois se a casa de um
nobre era um distintivos de classe e seu aspecto exterior era símbolo da posição, da
importância e da hierarquia de seu chefe.116
Assim como na Corte a residência do Imperador possuía símbolos de distinção,
da mesma forma no Vale do Paraíba Fluminense, e consequentemente em Valença, os
nobre faziam questão de exibirem suas insígnias como no caso do palacete do Visconde
do Rio Preto no qual seu frontispício possui até hoje um coroa de conde, prerrogativa
dos nobres “com grandeza”.
Foto: Ricardo Reis/2003
Fonte: Inventário dos Bens Culturais imóveis de
Valença/Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e
Turismo/Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e
Cultural.
115
Prefeitura Municipal de Valença: Inventário dos Bens Culturais imóveis de Valença/Secretaria de
Estado de Cultura do Rio de Janeiro e Turismo/Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural
116
Schwarcz, Lilia Moritz, Op. cit. p. 207
88
A importância do Visconde e sua residência foram tão marcantes que a praça
onde foi edificado o seu palacete antigamente conhecida por “Praça da Câmara”, passou
a ser chamada de “Praça Visconde do Rio Preto”, nome que possui até os dias atuais.
Destacamos até aqui como o Visconde do Rio Preto s seguiu o curso esperado de
suas origens familiares abastadas, “fazendo a Corte”, estabelecendo negócios e
expandindo suas redes sociais, assim como consolida as alianças parentais pelo
casamento. Observamos também como inicia uma nova, mas não inesperada etapa ao se
estabelecer como grande proprietário rural, senhor de escravos, em uma região central
da cafeicultura, produto em expansão a se tornar símbolo da riqueza do Império. Sua
distinção social, titulada, explicita–se no luxo que o cerca e nas representações que
encomenda, retratando–se como grande senhor em pinturas e enfatizando–o na
construção de seu palacete no centro mesmo das decisões municipais. Esse palacete
torna–se também o símbolo de uma outra etapa: a sua entrada na vida pública.
Como já demonstramos em momentos anteriores a sociabilidade e as estratégias
de fortalecimento de grupo foram intensas em Valença no século XIX. A busca por
relações que fortalecessem os indivíduos com o seu grupo social e, também, como já foi
apontada com grupos periféricos, pode ser representada pelos casamentos de Domingos
Custódio Guimarães. Casou-se primeiro com a filha de um importante comerciante do
Rio de Janeiro quando ainda possuía negócios na Corte. Quando, viúvo, decidiu investir
em fazendas e na produção de café, casou-se com Maria das Dores Carvalho, sua
sobrinha ligada a fazendeiros. Esta colocação nos parece muito pertinente porque
percebemos que seus relacionamentos estavam diretamente ligados ao setor em que
estava envolvido, o que indicaria que o trato social e o de negócios e projetos estavam
intimamente ligados aos costumes e a estrutura da época.
Com Maria das Dores Domingos Custódio teve dois filhos, Domingos Custódio
Guimarães (Filho) e Maria Amélia Guimarães. Seguindo uma regra observada nas
principais famílias da época, Domingos Custódio casou seus filhos de forma estratégica.
Seu filho casou-se com Maria Babiana de Araújo Lima, filha do Visconde de
Pirassununga e neta do Marquês de Olinda. Enquanto sua filha Maria Amélia casou-se
com Domingos Theodoro de Azevedo. Esses dois casamentos são estratégicos e
exemplares porque por um lado a família Guimarães ampliava sua rede de relações com
uma família tradicional no império e por outro eles fortaleciam os laços com o ramo
mineiro da mesma.
89
Como já dissemos, o primeiro momento em que identificamos participação
Domingos Custódio na vida política da cidade é no ano de 1858 quando ele aparece pela
primeira vez como subdelegado na Freguesia de Santa Tereza. Em 1860 e foi eleito pela
primeira vez para vereador em Valença. Logo no primeiro mandato assumiu como
presidente da mesma. Nesta época ela já possuía o titulo de Barão do Rio Preto recebido
em 6 de dezembro de 1854.
Seus primeiros anos a frente da municipalidade não foram fáceis, como já
dissemos no capitulo 2 deste trabalho. A cidade sofria uma cisão política e seu maior
mérito foi aproximar as duas partes conflitantes. Em 1863 o Barão do Rio Preto, foi
solicitado para que se tornasse Provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de
Valença. Ele aceitou, sendo eleito no dia 15 de julho do mesmo ano. Na mesma sessão
da Irmandade mandou que se fizesse a obra da varanda do hospital da irmandade com
acomodações para os inválidos e outras obras de melhoramento, correndo todas as
despesas por sua conta. No dia 13 de janeiro de 1864 José Francisco de Araújo Silva
informou ao provedor que a mesma obra até aquele momento já estava em 4:154:$376,
imediatamente Domingos Custódio ofereceu 5:000$000 para cobrir as despesas e o que
faltasse seria também custeado por ele.117 Lembramos aqui que a distinção social trazia
certas “obrigações” de caráter consuetudinário que também reforçavam o prestígio
social. Entendidas como prodigalidade, generosidade social e mesmo espírito público,
atendiam aos requisitos legitimadores de uma riqueza cristã e reforçavam a aura de
opulência e de poder, “naturais” em tão distinto personagem.
Fato importante notado nas atas da Irmandade são as entradas de novos irmãos.
Curiosamente, em uma sessão da Irmandade antes do Barão ser eleito seu Provedor,
vários nomes foram aprovados chegando ao espantoso número de cinqüenta e oito
novos irmãos em uma única sessão:
Irmãos Aprovados na Sessão da irmandade
em 21 de junho de 1863
Américo da Silva Ferreira
Antonio Agrícola Fontes
Antonio Alves Ferreiras Poyares
Antonio da Silva Nicolau
Antonio Manoel de Ornelas
Antonio Pedro da Rosa
117
Cf. Ata de Sessão da Mesa Administrativa da Irmandade Santa Casa de Misericórdia, 13 de janeiro de
1864, livro nº.2
90
Augusto de Azevedo Ramos
Augusto de Azevedo Ramos
Boaventura Barbosa Giesta
Camilo da Silva Fonseca
Custódio Antonio da Silva
Custódio Joaquim Rodrigues
Domingos Alves (...) Pinto
Domingos Fereira Airosa
Domingos Manoel da Fonseca
Dr. Antonio Herculano Furtado de
Mendonça
Dr. Argemiro Antonio Correa do Rego
Dr. Manoel Viera dos Santos Machado
Dr. Zoroastro Augusto Pamplona
Francisco José de Assis
Galdêncio Pinto da Fonseca
J. (...) Manoel Esteves
Jacinto Inácio Fontes
Jerônimo Francisco Ferreira
Jerônimo Francisco Ferreira
João Antonio Teixeira Bastos
João da Silva Fonseca
João de Oliveira Junior
João Norberto B.(...)
João Rodrigues de Magalhães
João Venâncio de Carvalho
Joaquim Cardoso d’Oliveira
Joaquim Inácio Hermógenes de Moura
Joaquim Pinto Ribeiro Grijó
José Custódio Barbosa
José Ferreira de Melo
José Joaquim Coelho
José Joaquim da Costa Alves
Jose Joaquim da Costa e Silva
José Joaquim da Silva
José Joaquim Faceira
José Pinto L. (...)
Júlio César de Sampaio
Luis d’Avelar Figueira
Malaquias Rodrigues d’Avelar Barbosa
Manoel Antonio Pinto Campelo
Manoel da Silva Fonseca
Manoel Joaquim da Cunha Guimarães
Manoel Lourenço dos Santos
Manoel pereira Ramos Junior
Manoel Teixeira da Costa Gomes
Manuel Correa Pinto
Manuel de Souza Alves Junior
91
Miguel Martiniano de Noronha
Paulino d’Aquino (....)
Paulino Neves de Melo
Pedro de Alcântara Lopes
Simeão Gomes d’Assumpção
Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Valença
Na lista acima, um nome que muito nos chama a atenção é o do Dr. Zoroastro
Augusto Pamplona, liberal declarado e amplamente criticado nos jornais e derrotado no
ano 1862 nas eleições para o cargo de deputado provincial. Sua entrada em 1863 em um
grupo predominantemente composto por conservadores sinalizaria uma tentativa de
aproximação desses dois grupos. Como já demonstramos a Irmandade Santa Casa de
Misericórdia constituía um reduto tradicionalmente político na cidade e a grande
quantidade de novos irmãos aceitos durante a provedoria do Visconde do Rido Preto
indica uma clara intenção de fortalecimento para as eleições municipais de 1864
Na esfera da administração pública em 1864 o Visconde foi eleito para seu
segundo mandato como vereador e também presidente da Câmara Municipal e em 1865
sua estratégia política fica ainda mais explicita quando ao mesmo tempo entram para
irmandade os irmãos Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama e Francisco Nicolau
Carneiro Nogueira da Gama, irmãos do Visconde de Bapendy. É muito estranho que
estes dois personagens não tenham entrado antes, ainda mais por serem irmãos do
grande benemérito daquela instituição, tendo sido inclusive seu fundador. Já dissemos
anteriormente que Manoel Jacinto não gozava do mesmo prestígio social e político que
irmão e sua entrada na Irmandade mais uma vez reforça a estratégia do Barão do Rio
Preto de se aproximar de famílias e fazendeiros importantes da região.
Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em
01 de julho de 1865
João Marques de Farias
José de Moura Nunes
João (....) de Almeida (....)
Antonio Lopes da Costa
Manoel José (...)
Dr. Domingos José da Cunha Junior
Antonio Nunes de Matos
Tenente Coronel Manoel Jacinto Carneiro Nogueira
da Gama
92
Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama
Domingos Teodoro Azevedo
João Antonio Augusto Pinto de Freitas
Manuel Antonio Ferraz Junior
Paulino Nenês de Melo
Luiz da Silva Ribeiro
Luiz de Almeida Ribeiro
Domingos Custódio Guimarães
Joaquim Ferreira Guimarães
Joaquim de Abreu (...)
Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Valença
Ao mesmo tempo em que o Barão do Rio Preto fortalecia sua rede de relações
também fortalecia sua família, pois ao verificarmos os nomes dos irmãos aprovados
nessa mesma sessão encontraremos os nomes de Domingos Custódio Guimarães, seu
filho e Domingos Teodoro Azevedo, seu genro. Não bastasse isso, nos anos seguintes
verificamos alguns de seus aliados importantes entrando na Irmandade durante sua
gestão como é o caso do Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo, seu advogado.
Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em
14 de maio de 1866
Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo
Dr. Rodolfo Leite Ribeiro
João Muniz da Silva Neto
Simeão Gomes d’Assumpção
(...) Gomes d’Assumpção
Marcelino Gomes d’Assumpção
Leocárdio Gomes d’Assumpção
Herculano Gomes Alves (...)
Bernardo Joaquim de Roza
José Francisco da Silva
Pedro Francisco Ferreira
Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Valença
Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em
1 de julho de 1866
Emílio Moreno de Alagão
José Barboza Duarte
Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo
Justino Francisco e Souza
93
João Alves da Cunha Vieira
Benjamin Ermelindo de Sales Pinheiro
Joaquim Alves da Cunha Junior
Manoel de Souza Alves Junior
João Machado da Silva Neto
Dr. Constantino Gomes de Souza
Manoel José Ferreira
José Francisco da Silva
Luiz Rufino
Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Valença
Irmãos Aprovados da Sessão da Irmandade em
9 de junho de 1868
Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo (3ª Vez)
Dr. Marciano Antonio de Melo
Dr. Francisco Gualberto da Silva
Dr. João Vieira Machado da Cunha
Antonio Joaquim Rodrigues
João Antonio de Souza Rodrigues
Francisco Couto da Silva
Emílio Moreno d’Alagão
Casemiro Lúcio da Silva
Antonio José da Costa Raimundo
João Inácio C. da Silva
José Maria (...)
Dr. Manoel Nunes da Costa
José Antonio Cortines Laxe
Tristão José Alves
Francisco Duarte Paiva
Luiz d’Almeida Ribeiro
João Candido Pereira Viana
Maximiano Rodrigues Bastos
José Antonio da Silva
José Gonçalves e Moraes
Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Valença
Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em
02 de julho de 1868
Augusto André Dumont
Antonio Augusto Pinto de Freitas
Antonio Francisco da Silva Grandes
Francisco da Motta Barros
Francisco Pinheiro Werneck
94
Manoel Jacinto Soares Vivas
Heliodoro Antonio d’Oliveira Duboc
Francisco Justino de Macedo
Joaquim Barbosa e Mota
Dr. Manoel Nunes da Costa
José Lopes Domingues
Silvestre Correa da Silva
Joaquim Moreno d’Alagão
Francisco Pereira dos Santos
Dr. Francisco Gualberto da Silva
José Augusto Machado
Manoel pereira dos Santos
José de Azevedo Ramos
Pedro Antonio da Moura
José Gonçalves de Moraes
José Mendes Duarte
Antonio Manoel da Costa Fernandes
Antonio José da Costa Raymundo
Casemiro Lucio da Silva
Maquez d’Olinda
H. Ferreira Pena
João Pedro Rodrigues da Silva
João Batista da Silva
Antonio José da Silva Junior
Joaquim Jacob Ferreira Viana
José Lacret
Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Valença
Ao somarmos o número de novos irmãos, no período em que o Visconde do Rio
Preto esteve à frente da Irmandade Santa Casa de Misericórdia teremos um total de 152
confrades. Este dado demonstra uma clara intenção em fortalecer as redes sociais a fim
de tocarem projetos considerados importantes para os cafeicultores da época. Ao
verificarmos o Relatório de Gestão118 de João Rufino Furtado de Mendonça em 1869,
encontramos uma referência a disputa política existente na cidade, e confirmamos
também que o Visconde do Rio Preto era uma figura de mediação.
Permitam-me Srs., que antes de tratar da exposição dos feitos da
Câmara, eu vos diga alguma cousa a cerca das sentidíssima morte de seu
118
Determinava o Regimento Interno da Câmara que todo Presidente ao final de seu mandato ao
empossar a nova legislatura deveria apresentar um Relatório de Gestão indicando o que foi feito e
sugerindo medidas consideradas mais relevantes para o município. O Visconde do Rio Preto faleceu em 7
de setembro de 1868 e não pode completar seu mandato. João Rufino Furtado de Mendonça assumiu a
presidência da casa de setembro de 1868 até o dia 7de janeiro de 1869.
95
digno presidente. o exmo. Visconde do Rio Preto. Este nome, Srs.
Identificou-se por tal forma com a Cidade de Valença, pelo benefícios que a
ela prodigalizou, que nunca serão de sobra as provas de gratidão que a
Câmara e o povo de Valença de tem dado, e continuarão a dar, a memória
de tal distinto cidadão, que soube, sem jactância casar a riqueza com a
filantropia, a grandeza mundana com a caridade divina, a amizade privada
com os severos deveres impostos pela sociedade;– todos tratava com
bondade e acatamento, qualquer que fosse a posição na sociedade; de
ninguém exigia nem aceitava humilhação. Justo e desinteressado nas lutas
políticas do país, nunca com sua influencia ou riqueza subornou o povo
para obter votos para si ou para outrem; distinguia a amizade, o talento e a
virtude onde quer que ela estivesse e não o espírito de partido que tanto tem
amesquinhado a alguns cidadãos, que aliás, em tudo o mais são dignos de
estima e respeito.
Foi no memorável dia 7 de setembro de 1868, seu aniversário, que esse
distinto cidadão, rodeado de sua família e de seus amigos mais devotados
deu a alma ao Credor. Nessa ocasião Srs., em que o povo deste Município,
dividido em duas parcialidades políticas inconciliáveis, disputavam ambas
em todas a paróquias a gloria de o trazerem pela terceira vez a presidência
desta Câmara; para com ele desapareciam as paixões partidárias para só
sobressair o espírito de reconhecimento. 119 (Grifos nosso)
Nesse momento devemos levar em conta que João Rufino era um aliado muito
próximo do Visconde do Rio Preto e, por isso, é não é de se estranhar que ele dedique
muitos elogios ao já finado Visconde. No relatório dá destaque como este nobre soube
articular sua riqueza com a filantropia, quando dedicou logo de inicio uma grande
quantia em dinheiro para salvar a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença
quando assumiu a sua Provedoria. Além disso, saberia casar a amizade com os deveres
da sociedade articulando alianças, e aproximando rivais. Mas o ponto alto da fala de
João Rufino é quando ele deixa explícito que mesmo havendo divergências partidárias,
a figura do Visconde do Rio era quase uma unanimidade para o terceiro mandato na
Câmara Municipal e mais ainda como futuro presidente da casa.
Ainda verificando o relatório de João Rufino, encontramos outro dado que nos
chamou a atenção.
Demonstrativos das Doações feitas à Câmara
Municipal entre 1865 e 1868
Visconde do Rio Preto
41:405$900
Barão de Ipiabas
2:000$000
Com. Manoel Pereira de S. Barros
1:800$000
Antonio Carlos Ferreira
1:050$000
119
MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Relatório de Gestão da Câmara Municipal de Valença, 1869.
CD 011CDH/CESVA.
96
Manoel Antonio de Andrade
Pedro Moreno d’Algodão
Manoel Antonio Esteves
João Damasceno Ferreira
Duarte Gomes d’Assumpção
Manoel Antonio Rodrigues Guivo
Antonio Francisco Nandim
Manoel Baptista da Fonseca
João Rufino Fernando de Mendonça
Francisco José d’Assis
Herculano Furtado de Mendonça
Antonio da Silveira Vargas
João Ignácio Coelho da Silva
José Luiz Garcia
Manoel José Vieira
Domingos Tertuliano da Fonseca
José d’Almeida Ribeiro
Dr. Antonio Herculano F. De Mendonça
José Francisco d’Araújo Silva
Manoel Antonio Pinto Campelo
Joaquim Pereira da Costa Guimarães
Dias & C
João Nepomoceno V. Machado
Domingos Manoel da Fonseca
Antonio Bernardo de Macêdo
Manoel Antonio Teixeira Bastos
José Lacréta
Graciano Antonio de Carvalho
Alvernaz & Lima
João d’Oliveira Junior
Total
626$542
250$000
250$000
200$000
200$000
120$000
100$000
100$000
100$000
100$000
100$000
50$000
50$000
50$000
50$000
30$000
20$000
20$000
20$000
20$000
10$000
10$000
10$000
10$000
10$000
5$000
5$000
5$000
5$000
5$000
48:787$442
Fonte: MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Relatório de Gestão da
Câmara Municipal de Valença, 1869. CD 011CDH/CESVA
A diferença entre a quantia doada pelo Visconde do Rio Preto e os demais
doadores chega ser espantosa. No todo, suas doações representavam cerca de 82% do
total. Não que o Visconde fosse o mais rico da lista, pois nela figuravam outros
fazendeiros tão ricos quanto ele, como o caso do Barão de Ipiabas, de Manoel Antonio
Esteves e do capitalista Antonio Carlos Ferreira.
O Visconde do Rio Preto durante a década de 1860 ampliou sua influencia e seu
poder na cidade. Tamanho investimento em tempo, em negociações e na administração
da esfera pública nos revela o quanto ele esteve presente nos diversos setores da
sociedade. Apenas para citarmos como exemplo, escolhemos o ano de 1867, auge de
97
sua influencia, e verificamos que na ocasião ele era Presidente da Câmara Municipal,
Provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia, Provedor da Irmandade Nosso
Senhor dos Passos e Juiz de Paz da Freguesia de Santa Tereza, juntamente com o
Visconde de Baependy. Além disso na mesma ocasião seu genro, Domingos Theodoro
de Azevedo Junior era o Subdelegado da mesma freguesia.
Todo esse investimento e relacionamento com a boa sociedade consolidou a
figura do Visconde como grande líder local. Sua imagem era símbolo de estabilidade e
credibilidade.
O Visconde do Rio Preto fez um alto investimento ao construir sua imagem
pública. Fez inúmeras doações a Irmandade Santa Casa de Misericórdia e Câmara
Municipal de Valença, participou da administração e construiu alianças políticas
poderosas. Suas ações para a construção da imagem de homem da “boa sociedade”, são
claramente expostas no jornal “O Alagoas” publicado logo após sua morte.
A morte do ilustre varão veio abrir um grande vácuo que jamais será
preenchido. O Visconde não terá sucessores e nem de longe quem o imite.
Morreu! Mas não morrerá sua lembrança, que viverá eternamente nos
corações do agradecido povo valenciano, a quem, com a mão pródiga
cobriu de tantos benefícios120. (Grifos nosso)
As palavras escritas neste periódico podem parecer clichês por conta do
falecimento, mas estas palavras reforçavam uma imagem já conhecida de benemerência.
Mais ainda, o texto diz que com sua morte um vácuo se abriu que jamais seria
preenchido. Essas não nos parecem ser apenas palavras vagas, pois no quadro a seguir
identificaremos o que o Visconde do Rio Preto representou para seus contemporâneos.
Na sessão do dia 2 de julho de 1868, vários novos irmãos foram aceitos na
Irmandade Santa Casa de Misericórdia, além disso, também foi inaugurado no mesmo
dia um retrato do Visconde do Rio Preto, que naquele dia não estava presente.
O irmão Provedor interino participou que, tendo sido encarregado pela
Mesa de mandar tirar o retrato do atual Provedor, Exmo. Irmão Visconde
do Rio Preto, como sinal de grande apreço com que a Irmandade tem os
relevantíssimos (sic)serviços que o Exmo. Irmão tem Prestado a esta Casa
de Caridade, durante os quatro anos de sua Provedoria, encarregou na
corte deste trabalho ao distinto artista Joaquim da Rocha Fragoso, o qual
cumpriu sua missão, dando-nos um perfeito retrato daquele cuja memória
deve ser imorredoura à nossa Irmandade.
(...)
120
In: O Alagoas, Ano I, nº4, 13 de setembro de 1868 CD-009 CDH/CESVA.
98
O retrato foi justo por 850$000 reis, inclusive o encaixotamento, quantia
que já foi paga pelo Irmão Tesoureiro ao dito artista. A mesa resolveu fosse
hoje inaugurado o retrato em memória do atual Provedor Visconde do Rio
Preto, o que se fez com a maior dolenidade, (sic) levantando o Provedor
interino a seguinte saudação: “ Salve ao Visconde do Rio Preto, Benemérito
Irmão Provedor e Benfeitor desta Santa Casa.121
Óleo obre tela de Joaquim da Rocha Fragoso
Fonte: CDH/CESVA – Fundo Imagens Histórica
No século XIX sempre foi uma tradição mandar fazer um retrato do Provedor
para que ficasse registrada sua administração. Até este ponto, nada de diferente no fato
da Mesa Diretora da Irmandade Santa Casa de Misericórdia mandar fazer um retrato do
Visconde do Rio Preto. Para analisarmos o referido quadro necessitamos começar pelo
próprio artista que realizou a obra. Joaquim da Rocha Fragoso estudou na Academia
Imperial de Belas Artes, sendo contemporâneo, de Vitor Meireles e Pedro Américo.
Seguiu o gênero da pintura histórica, tendo retratado personalidades importantes como o
Duque de Caxias, Conde do Bonfim, e a partir de 1868 passou a ser retratista do Conde
121
Sessão da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença, 2 de julho de 1868 Livro nº2.
99
d’Eu. A escolha de tal artista já revela a intenção de se produzir uma obra de bastante
expressão.
Dialogando com o historiador da arte, Alberto Cipiniuk, concordamos que:
O retrato foi e ainda pode ser entendido como o meio como meio de
representação que acata o princípio de fidelidade naturalística, através do
qual certos indivíduos de determinados grupos sociais fazem figurar.
Diferente dos termos correlatos, como pintura e biografia, parece que o
retrato faz parte de um emaranhado de vasos comunicantes, equivalente à
forma como indivíduos coletivamente se organizam para regular e
estabelecer valores para uma sociedade. 122
Partindo desta premissa, entendemos melhor o significado da obra que retrato o
Visconde do Rio Preto. Nossa atenção, entretanto, está no seu significado no conjunto
das imagens, pois é notável que na galeria de ex-provedores da Irmandade Santa Casa
de Misericórdia de Valença a diferença proporcional entre o retrato do Visconde do Rio
Preto e dos demais provedores como veremos a seguir: 123
Foto: Antonio Carlos da Silva
122
CIPINIUK, Alberto. Op. cit.14.
A atual disposição dos quadros no salão histórico da Santa Casa de Misericórdia é uma arrumação
aleatória feita pelo pesquisador e museólogo Adriano Novaes. A utilização destas imagens são para fins
de comparação da proporção dos quadros.
123
100
Foto: Antonio Carlos da Silva
Foto: Antonio Carlos da Silva
101
Nas imagens acima verificamos que o quadro do Visconde do Rio Preto não
somente é o maior em dimensão, como foi retratado em corpo inteiro e com as insígnias
que o distinguia perante a sociedade, como suas comendas, a capa que o caracterizava
como membro da Irmandade e o cetro, símbolo da autoridade do Provedor. É quase uma
representação majestática desse Provedor. Mesmo personalidades já reconhecidas como
o Visconde de Baependy e José da Silveira Vargas, ambos fundadores da Irmandade
Santa Casa de Misericórdia e ex-presidentes da Câmara Municipal não tiveram seus
quadros distinguido dos demais. Outras duas obras que se destacam são os quadros que
ladeiam o retrato do Visconde do Rio Preto: sua filha, Maria Amélia Guimarães à
esquerda, e seu marido, Domingos Theodoro de Azevedo à direita.
A escala de valores desta nova aristocracia pouco cultivada, a
qualidade mais importante a ser ostentada era a visibilidade.
(...)
A visibilidade e a divulgação dos poderes que desfrutavam
precisavam estar em evidência. Assim, não apenas os artefatos que
possuíam eram importantes, mais implicavam na sua visibilidade. 124
As implicações dessa visibilidade dada pelo pictórico, nesse caso pública,
também pode reportada aos quadros aqui apontados em âmbito familiar. Retratado
como exemplo varonil em uniforme militar da Guarda Nacional, ou como grande senhor
rural em sua propriedade ou praticando a nobre equitação em seus domínios, Domingos
Custódio Guimarães primou pela visibilidade de seu prestígio e de seu poder. Essa
visibilidade fez parte importante no processo de sua mitificação, em especial na história
local.
Quando nos referimos aos projetos da boa sociedade, estamos falando de duas
questões cruciais: a manutenção da estrutura escravista no Vale do Paraíba e a
construção de novas vias de acesso para escoamento da produção agrícola.
Com relação à manutenção da estrutura escravista percebemos que o primeiro
momento sobre o qual os fazendeiros locais se manifestaram foi em 1836 protestando
contra a lei de 7 de novembro de 1831 que declarava livres todos os escravos vindos de
fora do Brasil e impunha penas aos traficantes de escravos.
Representação dirigida ao Corpo Legislativo pela Câmara Municipal
da Vila de Valença da Província do Rio de Janeiro. - Augustos e
124
CIPINIUK, Alberto. Op. cit. p. 25
102
Digníssimos Senhores Representantes da Nação Brasileira. – A Câmara
Municipal da Vila de Valença tendo, em data de 6 de Maio do corrente ano,
dirigido suas expressões de homenagem e respeito pela Vossa presente
reunião, novamente o faz, esperando de Vossas Luzes e Patriotismo remédio
a muitos males que ora nos afligem. Augustos e Digníssimos Senhores
Representantes da Nação. A Câmara Municipal da Vila de Valença, tendovos já pedido providências sobre a lei de 7 de Novembro de 1831, vem hoje
novamente lembrar-vos que lanceis Vossas vistas sobre a mais respeitável e
interessante porção da população do Império, que a maior parte está
envolvida na infração da mencionada lei, porque a da necessidade a ela os
levou; cumpre, portanto a Vós, Augustos e Digníssimos Senhores, evitar a
explosão que nos ameaça, derrogando em todas as suas partes a dita lei de
7 de Novembro de 1831, porque sua execução é impraticável e ela, longe de
trazer benefício a Vossos Concidadãos, os insinua à imoralidade; sua
derrogação é de reconhecida utilidade, e sua execução seria concitar os
Povos a uma rebelião e formal desobediência, por que essa maioria
respeitável de Vossos Concidadãos de qualquer das formas procurará com
todas as suas forças conservar intactas suas fortunas, adquiridas com tantas
fadigas e suores.
Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação. A Câmara
Municipal da Vila de Valença, como órgão fiel dos sentimentos dos
habitantes do seu Município, está na convicção de ter cumprido seu dever
quando tão francamente se Vos apresenta pedindo a derrogação da dita lei,
porque, como já disse, sua execução é impraticável e acarretaria a perda de
muitas Famílias e imensidade de desgraças em todo o Império; deixa,
portanto à Vossa penetração o pronto remédio a tantos males. Deus Vos
Guarde, Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação
Brasileira. – Paço da Câmara Municipal da Vila de Valença 1º de Junho de
1836 – Assinados – Anastácio Leite Ribeiro, Presidente. – Manoel do Vale
Amado – Camilo José Pereira do Fáro – João Pinheiro de Souza. –
Visconde de Baependy. – Está conforme. O Secretário, Inocêncio Alves
Ferreira de Azevedo.125(grifos nosso)
As palavras são duras e refletem bem o sentimento dos fazendeiros,
representados pela Câmara Municipal. Notemos neste manifesto a presença do
Visconde de Baependy, que por trinta anos foi grande líder político local, como
demonstramos no capítulo 2.
A Lei Euzébio de Queiroz foi outro duro golpe na estrutura escravista brasileira,
pois de forma mais incisiva colocava fim ao tráfico negreiro. Isso se deu exatamente no
auge do Vale do Paraíba Fluminense, dando um baque ainda maior nos cafeicultores
locais. A alternativa foi o tráfico interprovincial, mas não chegou a ser o suficiente. O
problema se agravou quando a lei do ventre livre começou a ser discutida em 1867.126
125
In: Jornal O Sete d’Abril, Rio de Janeiro, 13 de julho de 1836. Citado In: VASCONCELOS, Op. Cit.,
pp. 16-17. Apud. NOVAES. Adilson Adriano dos Reis. O tráfico interprovincial de escravos em Valença
– 1850-1888. (Monografia de Especialização). Valença: Atlântica Educacional, 2008.
126
Cf. SALLES, Ricardo Henrique. Op. cit. p. 119
103
Só o simples fato de se discutir a emancipação da escravatura já causou um enorme
furor na boa sociedade valenciana.
A escravidão cuja origem se perde em a noite dos tempos, foi sem
contradição, a herança mais funesta, que legou-nos a antiguidade.
Filha da ignorância, e baseada no direito do mais forte, ela rompeu
com seu imenso cortejo de horrores através das trevas, que envolviam as
primitivas eras, e só parou envergonhada – quando o cristianismo agitou
seu luminoso archote e dardejou sobre o mundo essa luz brilhante, que
preludiou a civilização moderna.
Hoje seria o mais monstruoso absurdo negar a necessidade urgente de
acabar com essa instituição bárbara e iníqua, onde quer que ela ainda
subsista.
No Brasil esta verdade está arraigada no coração de todos. Acabar-se
com a escravatura no Brasil é um dos problemas mais urgentes, mais
difíceis, e que demanda ponta solução.
Porém, será oportuno tratar-se agora de semelhante negócio, quando o
Império se acha enredado em complicações tão sérias e cujo desfecho não
se pode prever?
Se de chofre, tentar-se cortar o nó gordio esse passo trará como
resultado imediato e necessário a ruína da fortuna pública e particular,
além de outras muitas conseqüências funestíssimas (sic), que podem
ocorrer, impossíveis até de serem previstas.
A quadra por que infelizmente está passando o Brasil é toda de
provações, e até parece incrível haver, quem imprudentemente fale e
escreva sobre a emancipação da escravatura, sem considerar no males que
pode produzir a divulgação de semelhante idéia, quando uma parte da
população livre está sendo dizimada na guerra e outra ceifada pela
epidemia.
Haja vista para o que se sucedeu nas possessões francesas das
Antilhas127
Pelo que percebemos a imoralidade já não era mais uma questão em debate, mas
sim o que sua extinção causaria. Para esses fazendeiros, que já se sentiam
desprestigiados pelo Estado, as coisas tendiam a piorar.
Somado ao problema da
escravidão estava o escoamento da produção local.
Quando o fazendeiro infatigável – amigo do trabalho demanda nos
lugares interiores terrenos mais novos e mais produtivos, porém mais
distantes do mercado, e a despeito de mil contratempos chega a montar um
estabelecimento agrícola em bom pé, tendo despendido grandes somas, ei-lo
transportando morosa e dificilmente os produtos de sua lavoura por lugares
ínvios: ei-lo vendo depreciado pela demora e pela distância aquilo que a
custo colheu da terra, que regou com seu suor: ei-lo finalmente, arrasto por
127
In: A Phenix Ano I, nº10 de 19 de maio de 1867 CD – 015CDH/CESVA
104
este conjunto de circunstâncias tombando na imensa que a usura de mãos
dadas com a agiotagem lhe tem preparado.128
Célio Aguiar, ao estudar o caso de Vassouras, conclui que:
Pelo transporte do café e pela manutenção de um fornecimento de
provisões, os fazendeiros de Vassouras pagavam um preço elevado. Embora
muitos fazendeiros acreditassem que o trabalho escravo, incluindo aqueles
tropeiros escravos, era grátis já que o preço a aquisição original estava
pago, permanecia o custo de manutenção do trem de tropa, que exigia um
despesa fixa e frequentemente envolvia perdas com mulas aleijadas ou
afogadas e café encharcado ou sujo de lama129.
A logística precária significava, além das perdas visíveis, uma desvalorização no
produto que ficava com sua qualidade comprometida. Por outro lado, essas tropas
deveriam trazer mercadorias de necessidade da fazenda como sal, carne, peixe, sacos de
tecido, ferramentas e vinhos130. Quando isso não era possível em tempo hábil o prejuízo
tornava-se maior.
A abertura de boas estradas, e sua conservação em estado transitável, é
um dos principais assuntos, que deve atrair atenção dos governos
provinciais, e das municipalidades, em beneficio não só dos interesses da
lavoura e do comércio de cargas e mercadorias, como da totalidade da
população para facilidade das comunicações.
Neste município as estradas existentes são poucas, e mal satisfazem as
necessidades.131
Por tudo isso, é fácil entender porque os fazendeiros do Vale do Paraíba
Fluminense procuravam alternativas para resolver este problema. Ao mesmo tempo, a
conjuntura pós proibição do trafico negreiro se estende pelo aumento do preço dos
escravos e pelas dificuldades do abastecimento dessa mão de obra criando um outro
problema para os fazendeiros. Para que a produção de café fosse escoada para o Rio de
Janeiro um contingente muito grande de escravos compunha as tropas que partiam das
fazendas. Por isso, tão importante quanto agilizar o processo de escoamento, era liberar
mais mão-de-obra para a lavoura.
A liberação desta mão-de-obra para sua utilização no trato dos
cafezais, no entanto, dependia da existência de um outro meio de transporte.
128
In: A Phenix Ano I, nº2 de 17 de março de 1867 CD – 015CDH/CESVA
LIMA, Célio César de Aguiar. Onde há fumaça há fogo: A influencia da Economia Cafeeira na
construção da Estrada de Ferro D. Pedro II. (dissertação de mestrado) Vassouras: PPGH, 2007. p. 53
130
Idem. p. 52.
131
A Phenix, Ano I, nº12, de 26 de maio de 1867 - CD-009 CDH/CESVA.
129
105
É certo que a utilização dos tropeiros, homens livre envolvidos com o
transporte de café através das tropas de muares, deu um alívio imediato a
tal problema. Mas o crescimento econômico da província do Rio de Janeiro
andava a passos ligeiros e em pouco tempo, nos períodos de safra
abundante, tornava-se impossível escoar toda a produção das fazendas por
este insuficiente meio de transporte e assim parte do café produzido e sem
possibilidade de imediato escoamento, estragava e se perdia sem mesmo ter
saído da fazenda.132
A estrada de ferro significaria a entrada na região de um número maior de
máquinas, visando melhorar o beneficiamento do produto final e mais liberação de mãode-obra para o plantio e colheita.133 Uma das soluções seria a construção de um ramal
de estrada de ferro que ligaria Valença e Rio Preto à Estrada de Ferro D. Pedro II.
Questão importantíssima de que nos ocupamos em nosso artigo
anterior, está sendo agitada em todos os círculos desta cidade. A idéia
generosa de ligar os municípios de Valença, do Rio Preto e circunvizinhos,
ao grande mercado do Rio de Janeiro por via férrea, não podia, com efeito,
deixar de ser acolhida por todos os nossos concidadãos.
Homens de reconhecida experiência aos quais não se pode opor, a
objeção de leviandade, acham-se cooperando eficazmente para que os
habitantes deste município reúnam seus esforços combinados para
interessante fim.
Nomearemos, entre outros, e como dignos do reconhecimento
público por este motivo, os Srs. Herculano Furtado e Mendonça Antonio
Carlos, Araújo Leite, Araújo e Silva, Drs. Lima, Tavares Bastos, Fernandes
e Guilherme, Negreiros Américo Ferreira, e Fonseca, aos quais todos temos
ouvido aderir da maneira mais formal a praticabilidade do ramal de
Valença.
Ontem se agitava a questão por onde se deva começar, qual o
primeiro passo a dar a semelhante respeito. Alguns desejam que se celebrem
uma reunião prévia das pessoas gradas de todo o município a fim de
discutirem e resolverem acerca da nomeação de uma comissão, a qual
incumba solicitar e promover as adesões dos municípios de Vassouras e do
Rio Preto.134 (grifos nossos)
Essas “pessoas gradas” que já se sentiam tão prejudicadas acreditavam que
somente reunindo esforços é que conseguiriam alcançar seus objetivos e para isso
contavam com a liderança do Visconde do Rio Preto, ele que era um dos maiores
produtores e senhores de escravos da região se via extremamente preocupado com a
possibilidade do fim da escravidão e com o alto custo para escoar a produção.
132
Idem. p. 53
Cf. MACHADO. Humberto Fernandes. Escravos, Senhores e Café: A crise da cafeicultura escravista
do Vale do Paraíba Fluminense, 1860 – 1888. Niterói: Cromos. 1993. p. 55
134
In: O Merrimac, Ano II, nº1, 1 de janeiro de 1863.CD-005 CDH/CESVA.
133
106
Tudo esperamos da atual Câmara Municipal: principalmente tendo
a sua frente um dos caracteres mais conspícuos de nosso município, o Sr.
Barão do Rio Preto, que por mais de uma vez nos há patenteado, o grande
interesse, que toma nos melhoramentos desta localidade, o seu zelo será
maior agora, quando com o projetado ramal de ferro, que já não é mais
uma utopia a nossa cidade tem de se tornar mais populosa e comerciante.135
(Grifos nossos)
A figura do Visconde do Rio Preto se mostrava perfeita para tocar tais projetos.
Era uma personalidade política forte e exemplar para os interesses da boa sociedade,
além de ser uma figura com estreitas relações na Corte. Exemplo disso é o fato de seu
filho, o segundo Barão do Rio Preto, ter se casado com Maria Bibiana de Araújo
Guimarães, filha do Barão de Pirassununga e neta do Marques de Olinda. Para que os
interesses da boa sociedade fossem preservados, seria necessária uma figura forte e
imponente e que ao mesmo que entendesse os desejos do grupo.
Ninguém mais tem sentido, mingúem mais tem sofrido as
funestas conseqüências da condenável indiferença, com que até agora
se tem olhado para a agricultura no Império de Santa Cruz, do que os
próprios agricultores.
Ninguém mais do que eles tem sido vítimas dessa carência de
proteção e desse abandono em que se tem deixado cair a agricultura.
Os representantes da nação são aqueles, que tem o dever de
pugnar pelo bem estado e prosperidade do país.
E por que razão os lavradores, ao passo que em épocas
eleitorais gastam enormes somas para mandarem ao seio da
representação nacional somente homens da lei e sacerdotes da
ciência, não se esforçam por eleger também alguns ministros de
Ceres136 - lavradores inteligentes em fim, que pratica
experimentalmente conheçam as necessidades da lavoura137.
Segundo a visão dos fazendeiros locais a riqueza do país estava diretamente
ligada à lavoura cafeeira e o Estado deveria ser composto por pessoas preocupadas com
a mesma.
Prosseguindo em nosso empenho de advogar a causa da lavoura, e
cingindo-nos nosso programa, iremos apresentando algumas considerações
a bem da mesma.
(...)
135
In: O Merrimac, Ano II, nº4 , 25 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA.
Deusa da Agricultura
137
In: A Phenix, Ano I, nº9, de 05 de maio de 1867. CD – 015 CDH/CESVA
136
107
Até o presente tem se levantado vozes bem fortes e eloqüentes em prol
da lavoura, as quais não tem sido ouvidas, nem atendidas por aqueles que
governam a mão do Estado e deviam prestar a atenção aos negócios da
pátria.
(...)
A lavoura, que tanto compadece com o ameno clima, e com o solo fértil
da América do Sul, vai definhando e morrendo a olhos vistos.
(...)
E quais serão as causas capitais deste mal, que ameaça a fortuna
pública, aniquila as particulares, e por conseguinte, preludia a ruína do
Império Brasileiro?
Assinalemos essas causas.
A primeira e incontestavelmente é determinada pelas dificuldades, que
encontram os lavradores em obter capitais com juros moderados, com os
quais possam alagar as proporções de sua lavoura, bem como fazer face as
continuadas despesas, que hão mister para mantê-la
Cabe aqui uma reflexão ou uma pergunta:
Por que razão os Governos, e as câmaras, que dizem advogar o povo e
advogar sua causa, atendendo os reclames incessantes do mesmo povo, ao
passo que prodigalizam e esbanjam os dinheiros públicos, não estabelecem
meios pelos quais o agricultor possa obter dinheiro, sob hipoteca bem
garantida para dar impulso e engrandecer sua lavoura?
(...)
O terceiro mau que aflige a lavoura do país é a falta de forças. Depois
da suspensão do tráfico o mísero lavrador só pode obter um escravo, que
aliás tanta pensão lhe dá por um preço enormíssimo. (sic)
(...)
E ainda se fala em suspensão ou emancipação repentina da
escravatura!! Se tal acontecer, adeus lavoura, adeus rendas do Estado,
adeus progresso, adeus Brasil, adeus tudo...138
Mesmo com a emancipação da escravidão sendo discutida, havia na cidade uma
forte esperança na atuação do Visconde do Rio Preto. Para a construção do ramal da
estrada de ferro foi constituída a União Valencia desde 1867; por outro lado, uma
parceria foi firmada entre o Visconde do Rio Preto e Mariano Procópio Ferreira Lage
para a construção de um ramal da Estrada União Indústria, que sairia praticamente da
porta de sua propriedade seguindo até Paraibuna onde se ligaria a estrada principal.
A construção deste ramal era na verdade um grande empreendimento que exigia
um alto custo e Mariano Procópio precisava de garantias de retorno no seu
investimento. Domingos Custódio deu-lhe como garantia o escoamento de 100.000
arrobas de café a cada safra139. Para isso ele precisou negociar com outros produtores e
conseguiu essa garantia.
138
139
In: A Phenix ano I, nº. 8 de 28 de abril de 1867. CD – 015CDH/CESVA
TJADER, Rogério da Silva Op. cit. p .181
108
No dia 7 de setembro de 1868 Domingos Custódio Guimarães comemorava seu
aniversário e também marcou para esta data a inauguração da mesma estrada. Para a
ocasião mandou preparar uma enorme festa com inúmeros convidados importantes,
dentre eles o próprio Mariano Procópio. Durante o dia O Visconde do Rio Preto levou
seu ilustre convidado para conhecer sua propriedade. Aquele dia era um dia de glória
para o Visconde; entretanto, ao retornar do passeio com Mariano Procópio, por volta
das 17 horas, à porta de casa já não se sentia bem. Quando entrou em sua residência,
tornou a sentir-se mal e, vitimado por um ataque fulminante, caiu desfalecido, vindo a
falecer.
Esta bela cidade acha-se desde anteontem na maior consternação
que é possível imaginar-se, logo que pelas 6 horas da noite aqui chegou a
fatal e aterradora notícia do falecimento do Exmo. Visconde do Rio Preto,
em sua fazenda na freguesia de Santa Thereza ! Esta tristíssima noticia,
correndo de boca em boca, veloz como um raio, veio confranger e aterrar a
população desta cidade, desde o rico até o pobre, desde o grande até o
pequeno, e infelizmente verdadeira, a todos encheu de tristeza e
consternação. E como não havia de ser assim ? Desde de que Valença
inteira tinha no Exmo. visconde o seu primeiro e único homem , o seu maior
amigo, o seu prestimoso benfeitor, enfim o seu adorado ídolo ? E ele de
certo que tudo isto merecia, e ainda muito mais, pela razão de não só votar
extraordinária amizade a este lugar (do que ainda depois de morto deu
provas, por ter em vida pedido a sua Exma. esposa para ser enterrado no
cemitério desta cidade), como por ter aqui gasto talvez mais de oitenta
contos de réis de sua algibeira com os calçamentos de diversas ruas, obras
da câmara, do hospital da Santa Casa, do adro da matriz e do cemitério, e
aformoseamento das duas praças mais importantes desta cidade !!!140
O articulista exacerba os sentimentos de perda, como era esperado em um
encômio post mortem, que ele considera de toda a população, assim como os elogios a
sua atuação nos melhoramentos da cidade, dando–lhes um caráter extremamente
pessoal. Esses melhoramentos são considerados a sua generosidade pessoal e não às
obrigações administrativas municipais. O falecimento do Visconde do Rio Preto
naquele momento crucial para a boa sociedade surgiu como um duro golpe.
Com o falecimento do Visconde do Rio Preto, o Coronel João Rufino Furtado de
Mendonça assumiu interinamente a presidência da Câmara Municipal, até que se
cumprissem os três meses restantes para o fim daquela legislatura. Conforme
determinava regimento interno da Câmara, ele apresentou no dia 7 de janeiro de 1869
140
In: Jornal do Comércio, Ano 47, nº. 255 – 15 de setembro de 1868. Apud. TJADER. Rogério da Silva.
109
um relatório com os feitos da legislatura anterior e propôs ações que julgava serem
necessárias para o próximo mandato. E no relatório ele diz:
Tão cheio de vida recebia em sua casa grande número de amigos de
sua predileção para festejar o aniversario de seus anos, dia este em que o
seu generoso coração se abria para dar expansão as mais doces efusões do
sentimento, quando foi deste mundo arrebatado pela morte. Parecia que
esta brilhante reunião tinha sido convocada para a solene despedida
daquele que tinha de passar para a eternidade! O dia 7 de setembro de 1868
marca um acontecimento infausto para Valença: foi ele a chave, que fechou
a existência de uma vida tão preciosa, e que desfez em um momento as
nossas únicas, e mais lisonjeiras esperanças. A morte deste ilustre varão
veio abrir grande vácuo que jamais será preenchido. 141 (grifo nosso)
Já em seu relatório João Rufino demonstra preocupação com a estabilidade
política na cidade. Para ele com a morte do visconde, abriu-se um vácuo na boa
sociedade. Embora inaugurado, o ramal da União Indústria não tinha sido concluído e
isso muito o preocupava, porque a não conclusão simbolizava um duro golpe nos
interesses dos homens bons.
João Rufino ainda fala sobre a disputa entre os liberais e os conservadores, mas
também diz como o Visconde do Rio Preto era o ponto de conciliação entre os dois
grupos. Com sua morte quem assumiria o seu lugar? Haveria alguém tão habilidoso e
capaz de se socializar tanto quanto o Visconde do Rio Preto? Veremos agora se aqueles
que ambicionaram este lugar, que sempre foi brilhantemente por ele ocupado, o
imitarão e o tomarão por modelo. 142
Este nome, srs., identificou-se por tal forma com a Cidade de
Valença, pelos benefícios que a ela prodigalizou. Foi no memorável dia 7 de
setembro de 1868, seu aniversário, que este distinto cidadão rodeado de sua
família e de seus amigos devotados deu a alma ao Criador. Nessa ocasião,
Srs., em que o povo deste Município, divididos em duas parcialidades
políticas e inconciliáveis, disputavam ambas em todas as paróquias a gloria
de o trazerem pela terceira vez à presidência desta Câmara: para com ele
desapareciam as paixões partidárias para só sobressair o espírito de
reconhecimento.143
Pouco antes de sua morte Domingos Custódio venceu as eleições municipais e
com uma diferença expressiva para o segundo colocado, o Barão de Juparanã, que
assumiria a presidência da Câmara Municipal. Como nas outras legislaturas, a Câmara
141
In: O Alagoas, Ano I, nº4, 13 setembro de 1868. CD 006 – CDH/CESVA
Idem
143
MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Op.cit
142
110
continuou com o predomínio de conservadores tradicionais da cidade como Araújo
Leite e Custódio Silveira Vargas, Manoel Jacinto C. N. da Gama e como Zoroastro
Augusto Pamplona, um dos principais liberais apenas como suplente.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
Candidato
Visconde do Rio Preto
Coronel Manoel Jacinto. C. N. da Gama
Dr. Luiz Alves de Souza Lobo
Tenente. Marcelino R. Avellar Barbosa
Com. Pedro Gomes P. de Moraes
Major Custódio da Silveira Vargas
Dr. Afonso Xavier Fortes
Dr. José de Calazans Soares Souza
Com. José Gonçalves de Moraes
Com. João Batista de Araújo Leite
Suplentes
Dr. Marciano Antonio de Mello
Dr. Zoroastro Augusto Pamplona
Dr. Antonio Herculano Furtado de Mendonça
Antonio Bernardo Figueira
Simeão Gomes d’Assunpção
Tenente Manoel Antonio de Andrade
Alferes Joaquim Gomes Pimentel
Votos
2308
1299
1284
1284
1271
1262
1260
1218
1202
1174
1167
1162
1155
1137
1130
1125
906
Fonte: Jornal O Alagoas – setembro de 1868 - CD-009 CDH/CESVA
Ao pensarmos pelo lado do predomínio conservador no cenário local, as coisas
mantiveram-se inalteradas. Assim também parece-nos em relação a grande questão local
pendente quando da morte do Barão do Rio Preto: a continuidade do projeto da estrada
de ferro.
O sagrado fogo da caridade, que o finado visconde ateara, e sempre
aceso no Hospital de Valença, não se extinguirá a mingua de sacerdotes; os melhoramentos materiais, que tanto impulso recebiam não estacionarão e
nem o importantíssimo projeto do ramal morrerá asfixiado pelo sufocante
hálito do desanimo; porque consta-nos que o prestimoso cidadão e
importante fazendeiro do município, Sr. Manoel Antonio Esteves, tomará a
peito tornar efetiva sua realização. “Vouloir c’est pouvoir”
Oxalá que o Sr. Esteves queira; cremos que neste caso sua vontade
– será hercúlea clava capaz de esmagar a hydra (sic) multicapite (sic) das
impossibilidades e dificuldades.
É conveniente, porém, que este cidadão seja secundado por outros,
que igualmente auferem grandes vantagens na fatura do ramal.
Convém que todos se reúnam a ele, porque dessa união provirá a
força necessária para se levar a efeito um obra tão gigantesca e de tanto
momento para Valença, sem sobrecarregar um só com seu enorme peso.144
144
O Alagoas, Ano I, nº8, 11 de outubro de 1868. CD-009CDH/CESVA
111
Os interesses da boa sociedade não podiam morrer juntamente com o Visconde
do Rio Preto, por isso, emergia a figura de Manoel Esteves, com a finalidade de
funcionar como um grande fiador do projeto assim como o visconde foi no passado.
Interessante ressaltar que Manoel Esteves nunca ocupara um cargo público, mas os
fazendeiros o preferiam em detrimento do Barão de Juparanã, que mais uma vez se via
enfraquecido.
A ser verídica a notícia que nos deram que o Sr. Esteves se coloca a frente
da empresa do ramal, estamos convictos que ela será sem a menor dúvida
levada a efeito porque conhecemos de perto S.S., sabemos que homem de
força de vontade e dispões de bons recursos, sendo até um daqueles
caracteres que em energia, atividade, e rasgos de generosidade mais se
assemelham ao finado Visconde do Rio Preto.145
Concluímos com isso que a figura do Visconde do Rio Preto não foi uma
exceção, mas sim o resultado de uma cultura política na qual o uso político das redes
sociais possibilitava a continuidade da defesa dos interesses de grupo. Quando ele
faleceu, seus pares sentiram um duro golpe, pois haviam investido muito no
fortalecimento dessa rede de sociabilidade, mas como o articulista mesmo afirmava,
Manoel Antonio Esteves foi tratado com todos os adjetivos próprios a “boa sociedade” e
que por isso mesmo conforme o artigo, era quem mais se aproximava da figura do
Visconde do Rio Preto. Assim como o Visconde do Rio Preto, Manoel Esteves era um
homem de negócios muito habilidoso e vaidoso. Os jornais que utilizamos nesta
pesquisa só puderam ser pesquisados porque Manoel Esteves os guardou em sua
fazenda. Fez recortes de todos os seus feitos e de seus familiares.
A estrada de ferro saiu do papel e tornou-se uma realidade, prova de que não
importava quem era o líder, o importante era haver uma liderança que representava
explicitamente tudo o que implicava na “boa sociedade” valenciana.
Como se depreende de tudo quanto foi afirmado, a morte do Visconde do Rio
Preto abalou profundamente os projetos articulados pela boa sociedade valenciana,
deixando a todos desnorteados. No entanto, como os mesmos projetos não podiam ficar
parados, logo cogitou-se em um substituto à altura para levar adiante os ideais da
cultura política local, constituindo-se a figura de Manoel Esteves como um líder, apesar
de não ter assumido cargos políticos. Era necessário um articulista que unisse habilidade
145
Idem.
112
de negociação e capacidade de superar as diferenças políticas em prol de um projeto que
envolvia a todos aqueles ligados à produção cafeeira. Alçado à condição de “único
capaz de levar adiante o projeto de construção do ramal da linha férrea”, como
“prestimoso cidadão e importante fazendeiro da região”, Manoel Esteves realmente
finalizou o projeto da construção da ferrovia e, por isso, juntamente com outras
lideranças, foi laureado com a comenda da Ordem da Rosa. A boa sociedade valenciana
soube sair-se muito bem, nesse momento, do vácuo aberto com a morte do Visconde do
Rio Preto. Não importando quem assumisse tal posição, alguém precisava ser guindado
à condição de líder para que tudo continuasse a funcionar de maneira conveniente com
os interesses desta boa sociedade.
Com relação à lei ventre livre, só restou o lamento:
Desde que a abolição do trafico veio secar a fonte de onde o Brasil
tirava até então os braços necessários à sua produção agrícola, sempre
crescente, as forças produtivas tem escasseado mui sensivelmente e o
resultado tem sido um grande decréscimo na produção, duplamente
prejudicada com a lei de 28 de setembro de 1871, que veio secar por sua vez
a única vertente por onde se alimentava ainda o braço escravo.
Se os dois profundos cortes nas fontes diretas de onde provinham as
forças produtivas foram, verdade medidas humanitárias, e próprias de nosso
século, não deixaram de causar para a lavoura um mal profundo que já se
tem apalpado e vai tomando proporções formidáveis. E o Brasil cuja sua
principal riqueza está na sua agricultura, pouco tem feito para o muito que
há mister no intuito de prover à grande falta de braços, que se torna maior
de dia para dia..
Se a iniciativa para remediar o mal não parte dos grandes
fazendeiros, se estes não curam de ensaiar um sistema que lhes aproveite,
verão em pouco tempo suas senzalas despovoadas, seus engenhos e escravos
e seus cafezais perdidos. Na emergência nada lhes acudirá, nem o ais
patriótico governo a quem faltam todos os meios práticos e diretos que só
aos fazendeiros cumpre estudar e prover.
Sujeitando nossa opinião aos competentes, paramos por aqui, porque as
dimensões deste jornal não nos dá para mais. 146
146
In: Echo Valenciano, Ano I, nº3, 28 de novembro de 1875. CD-014 CDH/CESVA
113
Considerações finais
Em nosso trabalho apontamos para a estrutura social marcada pelas redes de
sociabilidades características da época. Relações parentais e familiares estendidas que
se cruzavam e se complementavam nas mais extensas relações sociais, a serem
desenvolvidas pelos interesses de grupos específicos. Trabalhamos com o caso
exemplar do Visconde do Rio Preto, membro distinto de uma elite econômica
empresarial e latifundiária escravista cujas relações configuraram uma extensa rede de
relações que caracterizaram uma auto denominada “boa sociedade”.
Nossa pesquisa, embora apresente interfaces entre as dimensões da História
Cultural com a História Política enfatiza esse último aspecto. O que nos interessa, para
além dos valores culturais de época que estruturavam as sociabilidades são as formas e
usos políticos dessas redes. Defendemos que essas redes permitiam e consolidavam
poderes políticos quando usadas como dispositivos de poder que marcaram e
dominaram “lugares“ na sociedade. Lugares esses, estratégicos e que poderiam ser
institucionais como Câmaras Municipais, sociais e recreativos, como clubes e
associações ou divulgadores do pensamento a serviço de projetos, como os jornais.
“Lugares políticos” que se configuraram restritos pelos interesses e pela posição social
de seus membros e que também marcaram suas relações com outros centros de poder,
como a Corte, por exemplo.
Mais especificamente demonstramos como o Visconde do Rio Preto tornou-se
um símbolo da “boa sociedade”, reunindo legitimamente o poder de liderar e
representar determinado grupo na esfera política, social e econômica de Valença.
Quisemos demonstrar como ele construiu sua personagem social e política utilizando e
consolidando as práticas e dispositivos sociais e políticos “vindos do berço”,
conseguindo o reconhecimento de seus pares, até a exacerbação última de sua atuação
como mito da história local. Domingos Custódio Guimarães não foi apenas um grande
fazendeiro, mas também um hábil empresário que soube diversificar seus negócios.
Administrou a municipalidade, o patrimônio da Irmandade Santa Casa de Misericórdia
de Valença e projetos públicos locais como se fossem negócios seus, a ponto de investir
grandes somas particulares em empreendimentos públicos.
Conforme demonstramos no primeiro capítulo o espaço geográfico facilitou o
desenvolvimento de uma cultura cafeeira no Vale do Paraíba Fluminense. Com a
114
possibilidade de desenvolver bons negócios, algumas famílias vindas principalmente de
Minas Gerais se estabeleceram na região. Com o desenvolvimento da economia
cafeeira, aldeias tornaram-se vilas e depois cidades, conforme aconteceu em Valença.
Essas famílias estabeleceram região uma cultura política de representação das mesmas
nos espaços públicos. O crescimento da cultura cafeeira foi baseado na permanecia
dessas famílias nos espaços de poder e na estrutura escravista do Brasil.
No segundo capítulo apresentamos os espaços utilizados pela “boa sociedade”
para o desenvolvimento e fortalecimento das redes de sociabilidades bem como os seus
usos e costumes buscando uma distinção social. Primeiramente falamos da Câmara
Municipal de Valença e como as famílias eram representadas. Demonstramos como o
Visconde de Baependy tornou-se um forte líder político e representante dos
conservadores. Desenvolvendo nossa proposta de entender as redes de sociabilidades,
analisamos a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença, e sua relação com o
poder público. Correlacionamos a atuação política com inserção na Irmandade.
Conforme observamos muitos membros da mesa diretora da Irmandade também
ocupavam cargos públicos. Além disso, demonstramos como ser membro desse grupo
facilitava o ingresso na vida política local como o caso dos Silveira Vargas. Ainda no
terceiro capítulo falamos da imprensa e sua vinculação com a boa sociedade divulgando
seus projetos e objetivos como no caso de O Merrimac com a Estrada de Ferro e A
Phenix com a lavoura e a manutenção da escravidão.
Por ultimo, utilizamos o Visconde do Rio Preto como arquétipo da “boa
sociedade” com um grande investimento social e financeiro para transformar-se em
“grande líder”. Por outro lado, demonstramos que o fortalecimento de sua imagem fazia
parte de uma estratégia para a consolidação de uma figura de credibilidade que pudesse
defender os interesses da boa sociedade.
Em nossa proposta, de entender as redes de sociabilidades estabelecidas em
Valença identificamos primeiramente os Nogueira da Gama, liderados pelo Visconde de
Baependy, arrebanhando outras famílias ao seu redor. Após se ausentar da política local,
lançou-se na política nacional, abrindo espaço para que os liberais se fortalecessem.
Depois de passar anos na região sem se envolver diretamente na política o Visconde do
Rio Preto, surge na cena local como um forte representante dos interesses dos
conservadores. Muito mais do que uma figura forte o Visconde do Rio Preto tornou-se
um personagem de apaziguamento entre os liberais e conservadores. Sua morte causou
115
um momentâneo baque nos interesses de grupo, mas logo em seguida apontam outro
indivíduo para liderar esses interesses.
116
Fontes Consultadas
Siglas
CDH/CESVA – Centro de Documentação Histórica Prof. Rogério da Silva
Tjader/Centro de Ensino Superior de Valença
CRL - Center for Research Libraries/Universidade de Chicago
Fontes
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1844-1889).
Disponível em: http://www.crl.edu/brazil
A Phenix - Ano I, nº8 de 28 de abril de 1867. CD – 015 CDH/CESVA
A Phenix - Ano I, nº9 de 05 de maio de 1867. CD – 015 CDH/CESVA
Echo Valenciano - Ano I, nº3, 28 de novembro de 1875. CD-014 CDH/CESVA
O Merrimac - Ano I, nº1, 19 de outubro de 1862 - CD-005 CDH/CESVA
O Merrimac - Ano I, nº4, 9 de novembro de 1862 - CD-005 CDH/CESVA
O Merrimac - Ano I, nº6, 16 de novembro de 1862 - CD-005 CDH/CESVA
O Merrimac - Ano II nº1, 1 de janeiro de 1863 - CD-005 CDH/CESVA
O Merrimac - Ano II nº4, 25 de janeiro de 1863 - CD-005 CDH/CESVA
O Valenciano - Ano I, nº1, 09 de fevereiro de 1864 - CD-008 CDH/CESVA
O Valenciano - Ano I, nº 3, 27 de fevereiro de 1864. CD-008 CDH/CESVA
O Valenciano - Ano I, nº 17, 18 de junho de 1864 - CD-008 CDH/CESVA
O Valenciano - Ano I, nº 18, 25 de junho de 1864 - CD-008 CDH/CESVA
O Alagoas - Ano I, nº 04, 13 de setembro de 1868 - CD-009 CDH/CESVA
Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio Preto - Processo nº.
2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ
Relatório de Gestão da Câmara Municipal de Valença apresentado pelo Coronel
João Rufino Furtado de Mendonça – 7 de janeiro de 1869 – CD – 002
CDH/CESVA
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Imagens Utilizadas
P. 17 – Mapa de Valença e Vassouras no século XIX
P. 25 – Reprodução do Mapa de Valença em 1808
P. 28 – Reprodução da planta da Vila de Valença em 1836
P. 30 – Planta da Vila de Valença 1846
P. 37 - Praça do Comércio e Catedral de Nossa Senhora da Glória
P. 37 – Anuncio de escravo fugido no Jornal O Merrimac 1863
P. 38 – Banda de Escravos na Rua dos Mineiros 1875
P. 38 – Banda de Escravos na Praça Visconde do Rio Preto
P. 79 – Óleo sobre tela de Nicolau Facchinetti de 1875
P. 80 – Panorâmica atual da Fazenda Flores do Paraíso
P. 81 – Entrada da Fazenda da Flores do Paraíso
P. 81 – Interior da Fazenda Flores do Paraíso
P. 84 – Retrato do Barão do Rio Preto (Oficial da Guarda Nacional)
P. 85 – Retrato do Visconde do Rio Preto
P. 86 – Planta do Palacete do Visconde do Rio Preto
P. 87 – Frontispício do Palacete do Visconde do Rio Preto
P. 98 – Retrato do Visconde do Rio Preto – óleo sobre tela de Joaquim da Rocha
Fragoso 1868
P. 99 – Salão Nobre da Santa Casa de Misericórdia de Valença (atualidade)
P. 100 – Salão Nobre da Santa Casa de Misericórdia de Valença (atualidade)
P. 100 – Salão Nobre da Santa Casa de Misericórdia de Valença (atualidade)
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