UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA Programa de Pós-Graduação em História Mestrado em História A “boa sociedade” valenciana do século XIX: redes de sociabilidade (1829-1868) Dissertação de Mestrado ANTONIO CARLOS DA SILVA Vassouras 2010 2 Antonio Carlos da Silva A “boa sociedade” valenciana do século XIX: redes de sociabilidade (1829-1868) Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade Severino Sombra como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria da Silva Moura Vassouras 2010 3 Antonio Carlos da Silva A “boa sociedade” valenciana do século XIX: redes de sociabilidade (1829-1868) Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade Severino Sombra como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Banca Examinadora _________________________________ Profª. Drª. Ana Maria da Silva Moura (Orientadora) ________________________________ Prof. Dr. Eduardo Scheid _______________________________ Prof. Dr. Carlos Engemann Vassouras 2010 4 SILVA, Antonio Carlos da. A “boa sociedade” valenciana do século XIX: redes de sociabilidade (18289-1868), Vassouras, PPGH/USS, 2010. 123 fls. Dissertação de Mestrado. Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria da Silva Moura 5 Agradecimentos Fazer o Mestrado em História certamente foi uma das coisas mais desejadas por mim nesses últimos anos. Mais do que uma realização é uma superação. Por esse motivo, meu primeiro agradecimento é para Deus, porque sem ele eu não teria chegado até aqui. Muitas são foram vezes em que pensamos em desistir, mas buscamos forças de onde nem imaginamos que poderiam haver. Agradeço à Geise por toda paciência, compreensão e incentivo. Esta que foi uma grande parceira durante toda esta caminha. Ela que nem sempre entendeu as ausências, mesmo eu estando tão perto, mas que soube respeitar o meu momento. Quando entrei no mestrado conheci pessoas maravilhosas, e cada um a seu jeito me ajudou de alguma forma. Mariléia, Fabiana, Sônia, Alan, Regina e Edilberto, nunca esquecerei os momentos que compartilhamos. Nunca me esquecerei das ansiedades, das expectativas, das divergências, mas também do respeito e do carainho que cultivamos. Não poderia eu deixar de mencionar a preciosa colaboração dos professores, Carlos Engemann, Claudia Santos, Fábio Lopes, José D’Assunção e Eduardo Scheid. Cada um colaborou de alguma forma, dando dicas, apontando falhas, sugerindo caminhos e leituras e incentivando. Agradeço também à minha querida orientadora professora Ana Maria da Silva Moura que me acolheu no meio do percurso e causou uma agradável reviravolta em minha pesquisa. Ela que sempre me ouviu, sugeriu, falou duro quando foi necessário e me acalmou nos momentos de crise. Muitos foram os amigos que torceram e incentivaram para que concluísse este trabalho, mas vou registrar apenas dois, porque foram decisivos na confecção do mesmo. Primeiro gostaria de agradecer ao amigo Adriano Novaes, com quem aprendi quase tudo sobre as fontes a serem consultadas, as famílias pesquisadas e os personagens abordados. Este personagem que já colaborou tanto com os trabalhos de historiadores renomado, teve a paciência de colaborar com este simples amigo. Ao meu muito estimado amigo Raimundo César de Oliveira Mattos, que não mediu esforços para que eu entrasse no programa, que por várias vezes leu e releu meus textos. Para agradecer a este amigo por tudo o que ele me fez durante e antes do mestrado seriam necessárias muito mais páginas do que as dessa dissertação. A todos, o meu.... ...muito obrigado! 6 Resumo O Presente trabalho vem fazer uma releitura sobre a boa sociedade do Vale do Paraíba, mais especificamente o caso de Valença que durante o século XIX ocupou lugar de destaque na produção cafeeira do Império do Brasil com sua estrutura escravista. Para isto analisamos os locais de poder onde a boa sociedade reproduzia suas práticas de sociabilidade e punha em prática seus projetos de poder. Com isto, fizemos um panorama da Câmara Municipal de Valença, da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença e da imprensa local. Para exemplificar o auge da sociabilidade escolhemos o Visconde do Rio Preto como modelo exemplar desta boa sociedade. Palavras-chave: Vale do Paraíba, boa sociedade, redes de sociabilidade. 7 Abstract The Good Society of Valença in the 19th Century. Social Networks. (1829-1868) The present paper brings a new reading of the good society of the Valley of the Paraiba, more specifically the case of Valença, which in the 19th century, based on slave work, had an important place in the production of coffee in the Empire of Brazil. In order to do that, we analyzed the spaces of power where the good society reproduced its practices of sociability and executed its projects of power. With that, we do an overview of the Town Council, of the Fraternity of the Santa Casa de Misericordia of Valença and through the local press. To exemplify the heyday of the sociability we chose the Viscount of Rio Preto as a model of this good society. Key words: Valley of the Paraiba, Good Society, Social Networks. 8 SUMÁRIO Introdução......................................................................................................................09 Capítulo 1. Tecendo o poder da Classe Senhorial..............................................................................17 Capítulo 2 Os loci da Boa Sociedade: consolidando seus espaços...................................................40 2.1 – A Câmara Municipal de Valença ...................................................40 2.2 – Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença........................49 2.3 – Imprensa e Poder: os jornais da boa sociedade...............................57 Capítulo 3 O Visconde do Rio Preto como Arquétipo de um grupo, sua morte e a desestruturação dos projetos da boa sociedade.........................................................................................71 Considerações Finais.....................................................................................................113 Fontes.............................................................................................................................116 Imagens Utilizadas........................................................................................................117 Referencias Bibliográficas.............................................................................................118 9 Introdução O trabalho que ora apresentamos surgiu da necessidade de preencher uma lacuna historiográfica no que diz respeito ao Vale do Paraíba Fluminense. Isso porque durante muitos anos as pesquisas realizadas sempre privilegiaram um olhar sobre a cidade de Vassouras por motivos de maior acesso a fontes, por exemplo. Entretanto, nos últimos anos tem se verificado a necessidade de se olhar para o município de Valença que, de igual modo, foi cenário para o desenvolvimento da cultura cafeeira e do fortalecimento de uma classe senhorial que baseava sua riqueza na manutenção e na reprodução do trabalho escravo. Acreditamos na importância desse trabalho, porque traz a tona uma discussão sobre as estratégias e as sociabilidades criadas por um grupo de personagens muito pouco estudados, mas que através de suas relações e interesses participavam intensamente da vida política da Província do Rio de Janeiro e do Império do Brasil. Personagens como Brás Carneiro Nogueira da Gama, o Visconde de Baependy e Domingos Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto: ambos ricos fazendeiros que criaram ou fortaleceram mecanismos ou espaços de poder através de sua atuação. Nosso trabalho busca explicitar essas relações mostrando que elas não aconteciam apenas entre os grandes proprietários, mas com uma ampla rede de subalternos, que através dessas relações ocupavam seus espaços em cargos públicos e na vida social da cidade. Nosso recorte temporal baliza os anos de 1829 e 1869. Escolhemos a primeira data por se tratar do momento em que José da Silveira Vargas assume a Presidência da Câmara Municipal e inicia um longo período de supremacia dos fazendeiros no poder público. Identificamos Silveira Vargas como o primeiro líder e representante desse grupo. Se por um lado ele foi o precursor desse tipo de política, por outro, identificamos o Visconde do Rio Preto como expoente maior dos interesses dessa classe senhorial, entretanto, sua morte em 1868 trouxe um momento de desequilíbrio na estrutura montada por esse grupo. Estudar sociabilidades no Vale do Paraíba Fluminense não é novidade, pois dois trabalhos podem ser bem exemplificados. O primeiro que podemos citar é o trabalho de Ângelo Ferreira1 com seu estudo sobre as redes de sociabilidade em Vassouras no século XIX. De fato, esse estudo que girou em torno do caso da morte de José Benatar, trouxe contribuições muito importantes porque deixa bem claro para o leitor as esferas 1 MONTEIRO, Ângelo Ferreira. O Caso Benatar e as Redes de Sociabilidade em Vassouras no século XIX. (dissertação de mestrado) Vassouras, PPGHIS/USS. 2005. 10 dessa sociabilidade e o conflito surgido na morte de um subalterno. A diferença do trabalho que apresentamos para o realizado por Ângelo Ferreira vai além da questão espacial, incluindo ainda a metodologia empregada. Em nosso caso, buscamos entender as redes estabelecidas como parte de um projeto maior de manutenção do poder e dos interesses da classe senhorial. Embora bem diferente do nosso objeto, o estudo de Regina Arieira2, apresenta uma semelhança no titulo, no espaço e no recorte temporal. Entretanto precisamos apresentar que embora ela tenha desenvolvido um estudo sobre sociabilidade em Valença, seu olhar baseia-se, sobretudo, no que diz respeito à da família escrava. Seu estudo procura, de forma bem documentada, demonstrar como algumas famílias escravas em Valença buscavam preservar sua integridade através do batismo e do apadrinhamento. Mesmo analisando de forma diferente a questão da sociabilidade, o diálogo com esses dois autores foi de grande valor uma vez que pudemos observar o caminho trilhado por ambos e verificar os pontos de sucesso e de fragilidade tentando observar o mesmo em nosso estudo. Além desses autores, procuramos dialogar com historiadores como Ricardo Salles3 e Mariana Muaze4. De primeiro momento o trabalho de Mariana Muaze pode parecer mais relevante por conta de estudar a família Ribeiro de Avelar em Paty do Alferes, mas o trabalho de Ricardo Salles também foi de grande importância por em um exercício muito intenso ele procurou demonstrar como a classe senhorial surgida no Vale do Paraíba Fluminense, se valeu da escravidão e fez de tudo para manter a mesma. É o próprio Ricardo Salles que propõe o termo “subalternos”, que também utilizamos para nos referirmos aos membros da “boa sociedade”, de menor poder financeiro mas que viam nos grandes fazendeiros uma possibilidade de ascensão social. Nosso caminho estaria muito irregular se não dialogássemos com alguns memorialistas como Eloy de Andrade5, Luis Damasceno6 e José Leoni Iório7. A importância dos dois primeiros pode ser verificada por suas ascendências. Eloy de 2 ARIEIRA, Regina Faria. Família e Redes de Sociabilidade em Valença: Um Estudo de Caso (Província do Rio de Janeiro - 1823-1888). (dissertação de mestrado), Vassouras, PPGH/USS, 2007. 3 SALLES, Ricardo Henrique, E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do império. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008. 4 MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira, O império do retrato; família, riqueza e representação social no Brasil oitocentista 1840-1889 (tese de doutorado). Niterói, PPGH/UFF, 2006. 5 ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. O Vale do Paraíba. 1 ed. Rio de Janeiro: 1989. 6 FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença, Ed. Valença, 1924. 7 IORIO, José Leoni, Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora, Cia Dias Cardoso, 1953. 11 Andrade era filho de Joaquim Ribeiro do Vale, importante médico de fazendeiros como o Visconde do Rio Preto. Além disso, a principal narrativa sobre a morte do visconde foi transmitida por ele, que na ocasião estava na festa de aniversário e tentou prestar socorro ao nobre. Já Luis Damasceno Ferreira, era filho do Major João Damasceno Ferreira, importante fazendeiro e político valenciano no século XIX, tendo ocupado cargos como o de vereador, delegado de polícia, juiz de paz entre outros. E foi pela influencia do pai que Luis Damasceno ocupou o cargo de secretário da Câmara Municipal e, por esse motivo, teve acesso privilegiado às fontes documentais da casa. Embora tenha sido de grande importância, o trabalho de Luis Damasceno tem uma visão comprometida, pois conta a história do município através das deliberações e discussões da Câmara. José Leoni Iório, não possuía diretamente nenhum vínculo com a aristocracia rural valenciana, mas a importância de seu trabalho consiste em ser uma compilação das obras de Eloy de Andrade e Luis Damasceno, acrescentando elementos como os relatos de viajantes como Charles RibeyrolLes e Auguste de Saint-Hilaire, por exemplo. Com essas produções referenciais e historiográficas buscamos desenvolver nosso trabalho, cujos objetivos são: verificar as estratégias para formação das redes de sociabilidades da aristocracia rural do Vale do Paraíba Fluminense através da nobreza valenciana. Compreender os interesses políticos envolvidos por essas sociabilidades. Para isso partimos de indagações que refletiam a necessidade de entendermos por que estas redes de relações se interligavam através de uma pessoa, o Visconde do Rio Preto? Mas estas não são as únicas perguntas. Necessitávamos saber ainda, quais o locii destas redes de sociabilidade e quais instrumentos eram utilizados para seu fortalecimento e estabilidade. Nossa abordagem aproximou–se da Micro-História, segundo Sandra Jatahy Pesavento8, na vertente representada por Edoardo Grendi, Giovanni Levi e Carlo Poni porque conseguimos com nossas análises reproduzir as redes de relações, os comportamentos e as identidades, individuais e sociais dos atores envolvidos na escala microanalítica9. Ainda nas questões metodológicas, dialogamos também com Carlos Ginzburg10, quando variamos as escalas de nossa análise, estudando os espaços de 8 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Esta história que chamam de micro. In: GUAZZELLI, César Augusto Barcellos.PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. SCHIMIDT, Benito Bisso. XAVIER, Regina Célia Lima. Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre; Editora da UFRGS, 2000. 9 Idem p. 211 10 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo. Companhia das Letras 1989. 12 poder na cidade de Valença e mais especificamente as relações em torno do Visconde do Rio Preto, buscando aproximar-nos de um referencial mais amplo, o modo de viver e pensar no Império do Brasil, fundamentado, sobretudo, em uma estrutura escravista. Com a redução das escalas buscamos os indícios dessa forma de viver e pensar do século XIX no Brasil, tão bem representadas em Valença. Mas, para a questão conceitual que responderia à nossa indagação sobre os interesses políticos envolvidos nesses comportamentos associativos optamos por trabalhar com alguns conceitos e o primeiro deles é “Poder”, que segundo Michel Foucault11 fica muito empobrecido quando é colocado unicamente em termos de legislação, Constituição, ou somente em termos de Estado ou aparelhos do Estado. O poder é muito mais complicado, muito mais denso e difuso que um conjunto de leis ou um aparelho de Estado12. Para ele o poder não existe sozinho e é preciso que haja quem exerça e quem se sujeite. O poder não existe em si; o que existem são relações de poder que são relações de força. Portanto, toda relação de força exprime uma relação de poder. O poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona como uma maquinaria, mas que não possui uma localização única; está presente em diferentes pontos da sociedade, sendo exercido em níveis variados, e existindo integrado ou não ao Estado. Não se tem neste caso uma força que seria inteiramente dada a alguém e que este alguém exerceria isoladamente, totalmente sobre os outros; é uma máquina que circunscreve todo mundo, tanto aqueles que exercem o poder quanto aqueles sobre os quais o poder se exerce. Isto me parece ser a característica das sociedades que se instauraram no século XIX. O poder não é substancialmente identificado com um individuo que o possuiria ou que o exerceria devido a seu nascimento; ele torna-se uma maquinaria de que ninguém é capaz. Logicamente, nesta máquina ninguém ocupa o mesmo lugar; alguns lugares são preponderantes e permitem produzir efeitos de supremacia. De modo que eles podem assegurar uma dominação de classe, na medida em que dissociam o poder do domínio individua13l. O poder não é uma essência, nem uma coisa que possa ser apoderada, mas uma prática social, sendo, portanto, constituída historicamente. Ele funciona como uma rede que não se localiza em nenhum ponto específico, mas que perpassa toda estrutura social a qual ninguém escapa, mas que não possui limites ou fronteiras. 11 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo. Editora Paz e Terra. 2006. Idem p. 221 13 Idem p.219 12 13 O homem é não só o sujeito mas também o objeto do poder social. Contudo, não existe Poder, se não existe, ao lado do individuo ou grupo que o exerce, outro individuo ou grupo que é induzido a comportar-se tal como aquele deseja. O Poder social não é uma coisa ou a sua posse: é uma relação entre pessoas.14 Entendemos que o poder é na sua essência uma relação entre homens, que podem estar envolvidos em várias esferas do mesmo, como o autor descreve. Um indivíduo que exerce um poder sobre um grupo pode estar sujeito ao poder de um superior e também do próprio grupo. A emergência Visconde do Rio Preto em nosso trabalho será porque o consideramos como exemplar dessas relações de poder e não porque único sujeito do poder. Ainda na esfera dos conceitos que nortearão nosso modelo explicativo, temos as chamadas redes de sociabilidade, que são os conjuntos de relações na sociedade que efetivam e demonstram alianças, como por exemplo; Relações de sangue, compadrio, negócios, clubes, associações. São relações que podem se tornar estratégicas para consolidação do poder da classe senhorial. Outro conceito que baliza nosso trabalho é o de “classe senhorial” e quem melhor descreve este modelo no Vale do Paraíba Fluminense é o já citado historiador Ricardo Salles, demonstrando toda uma estrutura de pensamento dos senhores de escravos e de terras que ocuparam a região. Segundo ele, fazer parte dessa classe de senhores, concedia um status superior e grande poder de atuação nos grandes círculos políticos do país. Ser um grande proprietário era mais do que uma condição econômica, era também um estilo de vida. Ricardo Salles demonstra bem todo aparato desses senhores para a manutenção da escravidão. Outros autores que trabalham com a classe senhorial são Ilmar de Mattos e Márcia Gonçalves15, que em seu trabalho demonstram com esse grupo ascendeu ao poder transformando-se em “boa sociedade”, ou seja, um grupo apto, aos negócios e assuntos do Estado Imperial. Quando esse grupo se transforma em boa sociedade ele funde dois poderes: o econômico e o político. Com o desenvolvimento da pesquisa, estabelecemos nossas hipóteses: Considerando que os fundamentos de riqueza e poder dos grandes proprietários locais 14 STOPPINO, Mário. Verbete Poder. In. BOBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília LGE: 2004 pp. 933-934 15 MATTOS, Ilmar Rohloff de. GONÇALVES, Márcia de Almeida. O Império da boa sociedade. A consolidação do Estado Imperial brasileiro. São Paulo: Atual, 2005 14 assentavam–se na cafeicultura e na mão de obra escrava, era de interesse estratégico a manutenção de uma política que perpetuasse tanto a expansão econômica quanto a escravidão. A questão principal estaria então, nas possibilidades de atuação, enquanto categoria produtora e classe social, na esfera estatal e local, ampliando sua influência e envolvendo outros círculos sociais, entretanto sem permitir a partilha do poder. Nesse sentido, nossas hipóteses principais apontam: 1- que a “boa sociedade” se espiralava pelas camadas intermediárias – os subalternos– em um processo de cooptação, através de cargos públicos ou honoríficos. Plasticamente, uma “espiral” social apresentava como ponta inicial a maior representação política e econômica local, exemplar dos interesses políticos e econômicos, mas também dos valores sociais da época; 2- que as relações que interligavam esses grupos, não somente fortaleciam uma consciência de distinção de classe, mas tornavam-se estratégicas para a manutenção do poder que permitiria a perpetuação de seus fundamentos, como a escravidão. 3- que o interesse maior de classe, a política de manutenção de poderes, também foi implementada, na criação e monopolização de “espaços de poder” no Município de Valença. Câmara Municipal, Jornais e a Irmandade Santa Casa de Misericórdia. São nesses locais onde os homens da boa sociedade se utilizavam de importantes instrumentos para seus objetivos como as leis, a voz pública nos debates de seus interesses e o poder de indicar cargos públicos e encargos honoríficos. Optamos por responder a estas questões dividindo nosso trabalho em três capítulos. No primeiro, nosso foco principal foi apresentar o Vale do Paraíba Fluminense em seu aspecto físico e como isso facilitou o surgimento de uma cultura cafeeira. Além disso, procuramos explicar como algumas famílias se estabeleceram no Vale através de sesmarias. Seguindo procuramos demonstrar como surgiu a classe senhorial valenciana. Demonstramos inicialmente algumas famílias e suas atuações nas esferas de poder. No segundo capítulo nossa meta foi apresentar quais os loci dessa boa sociedade. Para nos três locais foram de suma importância: Câmara Municipal, Irmandade Santa Casa de Misericórdia, e por ultimo a imprensa local. Para facilitar a compreensão deles locais, dedicais um subitem para cada um. Ao analisar a Câmara Municipal demonstramos a permanência de algumas famílias no poder, e a frente delas dois personagens, o Visconde de Baependy, e o Visconde do Rio Preto, ambos em momentos diferentes. Procuramos estabelecer algumas ligações entre essas famílias e o 15 rompimento da estabilidade política quando um outro grupo subiu ao poder. Para compreender tudo isso, montamos um quadro e dividimos o poder na Câmara Municipal em três períodos: Estruturação, Baependy e Rio Preto. Optamos por analisar a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença, por ter sido ela o maior grupo de convivência social na cidade durante o século XIX. Em um diálogo muito produtivo com Russel-Wood16, que estudou a Irmandade Santa Casa de Misericórdia da Bahia no período colonial, demonstramos como esse era um espaço importante para a ascensão social. Além disso, estabelecemos algumas co-relações entre os membros da Irmandade e sua atuação em cargos públicos. Por último, mas não menos importante discutimos o papel da imprensa como difusora dos ideais e os projetos da classe senhorial, mais especificamente dos conservadores. Para isso, utilizamos quatro periódicos; O Merrimac, O Valenciano, A Phenix e O Alagoas. Em nosso trabalho abordaremos o que Tânia Regina de Luca17 chama de “lugar social da imprensa” porque investigamos qual o papel da imprensa na propagação das idéias da “boa sociedade” e sua vinculação. Para isso, estabelecemos também um diálogo com as historiadoras Tânia Maria Bessone e Gladys Sabino Ribeiro demonstrando a parcialidade política dos jornais no século XIX e sua importância para alguns projetos de poder. Em nosso terceiro capítulo discorreremos mais profundamente sobre o personagem do Visconde do Rio Preto que transformou-se, segundo nossa análise, no arquétipo da boa sociedade, consolidando uma ampla rede de sociabilidade, trazendo estabilidade política perspectivas de bons negócios com projetos de grande porte como a construção de um ramal da Estrada União Indústria que saída das portas de sua fazenda, Flores do Paraíso e um ramal dada estrada de ferro, algo que segundo os jornais traria o progresso e muitas oportunidades para a região. Para isso, nos utilizaremos dos jornais que durante a década de 1860 tornaram públicos os anseios da classe senhorial e as expectativas na figura do visconde. Munidos de documentos com relatórios de gestão, pretendemos demonstrar como este personagem alcançou o posto de “grande líder”, mas também transformou-se numa espécie de fiador desses projetos. Ainda nesse capítulo pretendemos demonstrar que ter uma figura forte como a do Visconde do Rio Preto, garantiria investimentos em projetos como o da estrada de ferro, e a manutenção da estrutura escravista, por esse motivo, seus pares também se empenharam na 16 RUSSEL-WOOD, A.J.R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Trad. Sérgio Duarte. Brasília: Editora UnB, 1981. 17 LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Ed. Contexto, 2008. 16 consolidação de sua imagem permitindo que ele centralizasse o poder econômico, político social como Presidente da Câmara Municipal, Provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia e da Irmandade Senhor dos Passos, além de Juiz de Paz, capitalista e Tenente Coronel da Guarda Nacional. Por fim, demonstraremos sua importância e a desestruturação desse projeto e poder da classe senhorial com as narrativas após o falecimento do visconde, algo que causa um enorme impacto na estrutura política e econômica de seus pares. 17 1 – Tecendo o poder da Classe Senhorial Antes de situarmos Valença no contexto político do século XIX, apresentamos brevemente a diversidade geográfica e a ocupação do Vale do Paraíba Fluminense que na “zona de serra acima” [grifo nosso], expressão adotada pelos primeiros exploradores e que vai se alargando por todo o Vale do Rio Paraíba, apresenta uma grande variabilidade geográfica. Uma delas é acidentada, entre as serras do Picú, Itatiaia, Amparo, Abóboras, Fortaleza, água Quente, São João, (...). E a outra, diminuindo sempre a altitude até chegar à planície de Campos e municípios vizinhos, na longa descida das águas do Rio Paraíba. Uma Zona é do Alto, a outra do Baixo Paraíba. Mapa de Valença e Vassouras Fonte: IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953. A Serra Abaixo, contem terras planas, baixas, algumas alagadiças, a exemplo dos municípios atuais de Cabo Frio, Araruama, Magé, e Iguaçu, e tendo como Baixada, Niterói, São Gonçalo, Caxias e outros. Uma simples mudança de cultura é o único processo que se emprega pra obterem abundantes colheitas. Quando a cana começa a produzir com 18 escassez, substituem-na pela mandioca, cuja produção é largamente compensadora e quando esta, por sua vez, não dá com abundância aos primeiros anos, voltam ao cultivo da cana, que produz tanto como se fora plantada pela primeira vez em terra virgem.18 Foi ao longo dessa região fluminense, que por mais de oitenta anos toda a vida política, social, econômica e financeira da “Velha Província, da Regência, do Primeiro Reinado e do Segundo Reinado”19 – se condensou. As terras iam sendo conquistadas e preparadas para a criação de gado vacum e cavalar20, como também roças de variados produtos para subsistência. O trajeto do rio vai se alargando “a bacia à direita pelos vales dos rios Bananal, Barra Mansa, Piraí, Piabanha Paquequer, Dois Rios, e, à esquerda pelo Pirapitinga, Turvo, Pomba, Muriaé, Paraíbuna e seus afluentes”21. No percurso entre as cidades de Valença, Paraíba do Sul e Sapucaia, o rio consome-se em águas avolumadas e agitadas, que se apresentam em rápidas corredeiras em alguns pontos, distinto do percurso que banha o território paulista. Tendo em alguns pontos o seu leito apertado e que não consegue conter o volume das águas, inundando as terras adjacentes, fertilizando ainda mais o solo. Muitos foram os fatores que corroboraram para o sucesso e a rapidez do processo de povoamento da região fluminense: tanto fatores de ordem física, como a presença de acidentes geográficos no extenso litoral, com enseadas e portos, quanto fatores de ordem econômica, citando-se, entre outros, o processo de arrendamento de terras adotado pelos padres na planície campista, o sistema de concessão de sesmarias pela metrópole, a abertura de caminhos para a região das minas, e até mesmo a venda de pequenas roças que serviam para o abastecimento dos aventureis, tropeiros e viajantes, entre outros. Em todas essas explorações não havia para o explorador o receio de perder-se, internado pelo sertão, porque, da foz, seguia o curso do rio em direção à nascente, como regresso seguro e sem contratempos, palmilhando o caminho anteriormente percorrido. Igualmente, se tomava uma montanha como ponto de referência, a segurança era a mesma, tinha, pois, a Província nos acidentes geográficos – montanhas e rios – seguras oportunidades para seu povoamento22. 18 SAINT HILLAIRE apud ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de 1989, p. 17. ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit.,p. 19. 20 De que se supriam os últimos governadores gerais, a Regência, e o Primeiro Reinado. 21 ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit.,p. 20. 22 Idem p. 24. 19 19 Os explorados eram atraídos pela abundancia de água, para a irrigação das plantações, do fornecimento abundante de peixes e da própria corrente do rio que não exigia muito esforço muscular, conduzindo as viagens empreendidas da forma facílima, propiciando a abertura de roças, em “terras de ninguém” [grifo nosso] – à margem dos rios e das picadas. Assim, escolhiam lugares de que se agradavam, iniciavam às pressas um rancho, derrubavam o mato ao derredor, e empregavam grande afinco nas plantações, abastecendo os bandos que subiam e desciam das terras mineiras. Estes locais foram conhecidos pelos bandeirantes como “pousos de recursos”. (...) o povoamento do solo fluminense começou em Campos e estendeu-se pelo litoral, Cabo Frio, Magé, Iguaçu, Estrela, Praia Grande, Niterói, Itaguaí, Angra, Parati; mais tarde foram se formando os aldeamentos das futuras cidades da Baixada: Itaboraí, Macaé, São Fidélis, Cantagalo, Piraí e por último, as do vale do Paraíba: Paraíba do Sul, Rezende, São João Marcos, Vassouras, Valença, Vargem Grande23. Apesar das boas condições geográficas para o povoamento, a região foi ocupada com as dificuldades provocadas pela resistência dos indígenas que se opuseram à penetração dos colonizadores24. Assim, em 1785, a vasta região que compreendia as cabeceiras do Macahé, do Macabú, Macacú e sertões inferiores, era ainda dominada pelo “gentio”, como também a margem setentrional do Paraíba, nos Vales do Muriahé e do Pomba. Nesta época, Valença ainda era um povoado de poucas casas, cercado de inúmeros índios, que acabaram por desaparecer. A Metrópole concedia sesmarias25 de 23 Idem. p. 26. A luta em Campos foi de um século – iniciada em 1534 por Pedro Góes da Silveira, terminando em 1630, pelos esforços dos jesuítas, do abade dos beneditinos e da vários fidalgos, entre eles, S salvador Corrêa de Sá Benevides.- Os remanescentes indígenas, que escaparam à morte ou ao aprisionamento, refugiaram-se em Minas e foram incorporar-se à tribo dos caiapós. 25 Cf.: Sesmaria é um instituto jurídico português (presente na legislação desde 1375) que normatiza a distribuição de terras destinadas à produção. Este sistema surge em Portugal durante o século XIV, quando uma crise agrícola atinge o país. O estado, recém-formado e sem capacidades de organizar a produção de alimentos, decide legar a particulares essa função. Quando a conquista do território brasileiro se efetiva a partir de 1530, o estado português decide utilizar o sistema sesmarial no Além-Mar, com algumas adaptações. A partir do momento em que chegam ao Brasil os capitães-donatários, titulares das capitanias hereditárias, a distribuição de terras à sesmeiros (em Portugal era o nome dado ao funcionário real responsável pela distribuição de sesmarias, no Brasil, o sesmeiro era o titular da sesmaria) passa a ser uma prioridade, pois é a sesmaria que vai garantir a instalação da plantation açucareira na colônia. A principal função do sistema de sesmarias é estimular a produção e isso era patente no seu estatuto jurídica. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos estabelecidos, seu direito de posse poderia ser cassado. É na distribuição das terras que está a origem do sistema semarial, uma forma que se difundiu pelo sul de Portugal a partir do século XIII e que se converteu em verdadeira política de povoamento, que se estendeu às suas colônias. - A Coroa Portuguesa tomou posse do território brasileiro por aquisição originária, isto é, por direito de conquista. Por essa razão, todas as terras “descobertas” passaram a ser consideradas como terra virgem sem qualquer senhorio ou cultivo anterior. A carta patente dada a Martim Afonso de Souza é unanimente considerada como o primeiro documento sobre sesmarias do Brasil. O sistema sesmarial perdurou no Brasil até 17 de julho de 1822, quando a 24 20 acordo com a lei das sesmarias e quando eram solicitadas existiam algumas obrigações a serem cumpridas, como o seu cultivo ou o auxílio na abertura de caminhos. Outras eram concedidas sem nenhuma obrigação, como uma espécie de prêmio ou recompensa, quando os requerentes alegavam a prestação de serviços ao rei, na região. “Obrigavamse os beneficiários a demarcar as sesmarias concedidas. A concessão delas remontava ao segundo século depois do descobrimento, com largas interrupções, sendo recomeçada em 1730” 26. Em 1785, na região que corresponde à Resende, um grupo de sesmeiros27 de renome abriu lavouras e iniciou a indústria pastoril, o que provocou um conflito com os índios Puris. Dom João prosseguiu com a distribuição das terras da Colônia, e o fez, em larga escala, principalmente, ao longo do Rio Paraíba e seus afluentes, em torno dos ranchos à margem do “Caminho Novo”. Dentre esses sesmeiros podemos citar os avoengos das famílias mais importantes da região no século XIX: os Werneck, os Machado da Cunha e os Nogueira da Gama. Segundo Lilia Moritz Schwarcz, “Os ricos, conhecedores do andamento dos negócios, faziam, das requisições de sesmarias, verdadeira especulação; o Rei as concedia sem conta e sem medida aos homens a quem imaginava dever serviços”28. Assim, se alastrava a concessão de terras, por toda a margem esquerda do Rio Paraíba, de Barra Mansa até a antiga estação de Comércio, compreendidas aqui as fazendas do próprio Marquês de Baependy, dos barões de Juparanã e Santa Mônica. A referida autora nos afirma que em 1820 não havia em todo território da Província um palmo de terra que não tivesse dono, ou não tivesse compreendida na área de uma das sesmarias doadas. Eloy de Andrade conclui que: Era costume então dominante, (...) de concederem sesmarias,de preferência a pessoas fidalgas, ou com posses bastantes para construir engenho, excluindo assim da propriedade da terra, as classes pobres ou desfavorecidas. Todos os requerentes de sesmarias tem sempre, para isso, o cuidado de alegarem que não são homens sem meios. Pedem terra Resolução 76, atribuída a José Bonifácio de Andrade e Silva, pôs termo a este regime de apropriação de terras. A partir daí a posse passou a campear livremente no país, estendendo-se esta situação até a promulgação da lei de terras, que reconheceu as sesmarias antigas, ratificou formalmente o regime das posses, e instituiu a compra como a única forma de obtenção de terras. Citado In: GRINBERG, Keila. Código Civil e Cidadania. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 09. 26 ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit. ,p. 27. 27 José Teixeira, Francisco Leme, Bacharel José Carvalho Rezende, Domingos Lopes Ferraz, Alferes Antonio Soares Louzada, João Paulo dos Santos. 28 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 38. 21 justamente porque dispõem de recursos. Cada um deles faz ver aos donatários, capitães mores e governadores que, “hé home de muita posse e família”29 Alguns requerentes tinham o conhecimento de que as terras requeridas eram ocupadas por velhos posseiros e alegavam desta forma que a posse era ilegal, sem a ordem de sua majestade e as requeriam para si. Em outras cartas de concessão, que serviam de estímulo para futuras arbitrariedades, vinha uma declaração de que o concessionário fizesse pião na demarcação aonde lhe conviesse, tirando terras para além das suas posses, retirando assim, posseiros que abriram lavouras sem título algum. Essa questão da apropriação de terras no XIX é muito importante! Em muitos casos, esses lotes de terra prosperavam, fomentando a aquisição de outros pelos posseiros. Mas a concessão exacerbada de algumas posses fez com que alguns sesmeiros não conseguissem administrar toda a extensão da propriedade; acabando por adotar o sistema de arrendamentos, separando assim, grandes áreas, e em cada uma delas, dividiam e entregavam aos pretendentes mediante uma contribuição anual. O prazo fixado não excedia de quatro anos, sempre renovado, se esta era a vontade do arrendatário; a contribuição ou o preço do arrendamento para cem braças quadradas era de um cruzado ou de uma a duas patacas30 - e a demarcação das áreas arrendadas uma simples formalidade, (...) o arrendatário recebia uma quantidade de terras seis, oito ou dez vezes maior do que a constante do ajuste31. O arrendatário poderia fazer as melhorias que julgasse pertinente, ficando delas proprietário, e até podendo vendê-las a terceiros, obrigando-os a pagar, tão somente, o preço anteriormente combinado. A vida nestes arrendamentos era relativamente tranqüila: os arrendatários tinham a esperança de se tornarem futuros proprietários visto que sabiam que os prazos seriam renovados e porque também faziam melhorias substanciais, construíam casas, faziam grandes plantações, engenhos entre outras benfeitorias. Podemos citar Barra Seca, Manguinhos, Munheca, Sertão, Carneiro Leão e outras. Precisamos ressaltar que muito antes das primeiras fazendas de café no Vale, as fazendas de criação de gado e de cana já estavam em plena prosperidade e com uma 29 ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit. p. 29. Trezentos e vinte ou seiscentos e quarenta réis. 31 ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit., p. 31. 30 22 sempre crescente população, em virtude da facilidade da posse e do cultivo das terras pelo sistema de arrendamentos. Esses inúmeros arrendamentos que se formaram acabaram por proliferar e dar origem à formação de vários povoados, principalmente na bacia sul-paraibana, transformando-se mais tarde em vilas e cidades. Todavia, todos eles alcançavam interesses alheios, principalmente na demarcação de pontos estratégicos, visando comércio, a reunião ou o agrupamento de seus primeiros moradores. Uns viam seduzidos pela aventura e pelas informações disseminadas por toda a região através dos tropeiros e forasteiros. “O movimento delas datavam de 1790, mas só em 1830 aparecem a primeira venda e o primeiro rancho para tropeiros, do lado mineiro”.32 O desenvolvimento da região, baseada na grande propriedade e na escravidão possibilitou a formação de famílias de grande posse que se tornaram, ao longo do XIX, beneméritas, filantropas, empreendedores destacados e é neste sentido que desenvolvemos nosso objeto de pesquisa. Um estudo que demonstrou o surgimento e fortalecimento dessas famílias foi o de Mariana Aguiar Ferreira Muaze33. Para ela, entender os relacionamentos e estratégias internas das famílias do Vale do Paraíba é crucial para se entender o Império do Brasil. Para isso, ela analisa a família Ribeiro de Avellar, em Paty do Alferes e Vassouras. Segundo Mariana Muaze foram as estratégias de fortalecimento dessa família que fizeram com que a mesma despontasse no cenário nacional. Em seu estudo, a autora passa por clássicos da historiografia brasileira analisando o conceito de família e, por conseguinte, pertencimento familiar, utilizando o conceito de família extensiva. Conceito que permitiu ultrapassar o círculo restrito da vida privada, passando pelo círculo de relacionamento parental alargado e chegando à vida pública. Sua contribuição para nós é importante porque nos mostra a clara trajetória de uma importante família do século XIX e suas estratégias de grupo. Além disso, Mariana Muaze aborda a clara noção de pertencimento de classe que essas famílias possuíam e isso ela demonstra através dos casamentos da família, a preocupação com a imagem apresentada diante da sociedade e os locais freqüentados pelos mesmos. 32 ANDRADE, Manoel Eloy dos Santos de. Op. cit. ,p. 37. MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira, O império do retrato; família, riqueza e representação social no Brasil oitocentista 1840-1889 (tese de doutorado). Niterói: PPGH/UFF, 2006. 33 23 A principal diferença entre o nosso trabalho e o da autora citada é que ela centraliza seu foco analisando a família de dentro para fora e em nosso caso, analisaremos as estratégias externas de algumas dessas famílias. Nosso objetivo é entender como determinado grupo familiar estendido institui– se como classe senhorial, que ascendeu política e socialmente no império. Quando nos referimos à classe senhorial estamos falando de um grupo privilegiado da sociedade que detinha o poder econômico, mas não somente isso, sendo necessário também o poder social e ideológico. Schwuarcz fala explicitamente dos modismos da boa sociedade fluminense, que era fortemente influenciada pelo modelo de civilização francês. Para ela, a boa sociedade foi criando seu espaço de convivência social principalmente a partir da década de 1850, onde começa a se estabelecer um novo jeito de vestir, comer, consumir e se relacionar. Nesse momento parece haver uma clara consciência de distinção de classe social. Mas a distinção não se faz somente pela via econômica, mas também pelo monopólio do discurso de construção da cidadania brasileira e legitimidade desta distinção social. 34 Ilmar de Mattos,35 por sua vez, fala da boa sociedade já no processo de construção do Estado nacional. Para ele, a elite política e econômica constrói uma configuração político-social que lhe assegura o destaque entre os demais “novos brasileiros”. Note-se que esta distinção social também está fundamentada na manutenção da escravidão. E nesse ponto, tanto Mattos quanto Schwuarcz afinam seus discursos plenamente. Mattos constrói um conceito de elite política, que detém poder econômico que, por sua vez, se faz valer da política para assegurar seus interesses financeiros. Schwuarcz, segue o viés ideológico para construir seu conceito. Para ela, a distinção social vai além do poder político e econômico. Nasce de um domínio do discurso de distinção social, buscando raízes até mesmo na construção de tradições. Ricardo Salles, ao estudar o Vale do Paraíba utiliza-se de uma expressão que caracteriza bem a sociedade brasileira do século XIX: “O Vale era o escravo”. Mas segundo o próprio Salles, esta expressão não se refere unicamente ao fato de a região abrigar um grande contingente de cativos, mas sim de uma enorme estrutura escravista mantida e articulada pela classe senhorial, que segundo Ilmar de Mattos e mesmo Ricardo Salles estavam em consolidação. Assim sendo, não podemos olhar para o Vale 34 Idem pp.110-111. MATTOS, Ilmar Rohloff de. GONÇALVES, Márcia de Almeida. O Império da boa sociedade. A consolidação do Estado Imperial brasileiro. São Paulo: Atual, 2005. 35 24 apenas como a terra de barões, ou o “Vale do Café”. É preciso levar em conta algo muito maior que estava por trás desta estrutura social e econômica: a manutenção da escravidão. Para Salles esta classe senhorial configurou-se através um estilo próprio de vida, articulando poderes e interesses, criando hábitos sociais e políticos bem definidos. Ilmar de Mattos, ao analisar a classe senhorial brasileira, busca explicação em suas origens e na disputa com a classe mercantil portuguesa. Para Mattos, a ascensão e a consolidação deste grupo acontece em um momento muito peculiar, quando D. João chega ao Brasil em 1808, com a família real portuguesa e todo aparato estatal modificando, assim, a condição da colônia para sede do reino e posteriormente com a elevação à categoria de Reino Unido. Nesse momento, os grandes proprietários de terras enxergam a possibilidade de estarem mais perto do rei e, consequentemente, das decisões políticas. Mas o processo não foi simples, em razão de muitos interesses, sobretudo os dos comerciantes portugueses que sempre foram os maiores beneficiados pela política portuguesa. Ricardo Salles argumenta que quem vislumbrou esta possibilidade foram, sobretudo, os grandes proprietários fluminenses, por estarem mais perto da nova sede do reino. Ao perceber as estratégias de recolonização das Cortes portuguesas em 1820, essa classe de senhores de terras começou a se articular para manter o status de Reino Unido. D. Pedro, então príncipe regente, juntamente com esse grupo que agora se tornara importantíssimo, assume um projeto de autonomia que requereria recursos financeiros e novas ligações políticas em pontos estratégicos. Ainda para Mattos, a real consolidação dessa classe senhorial se dá no período regencial. É neste momento, então, que esse grupo torna-se a “boa sociedade”. Ricardo Salles36, ao estudar a chamada classe senhorial constrói, um modelo no qual, no centro do poder político e social ficam os grandes proprietários e ao seu redor gravitam profissionais liberais, pequenos proprietários que para ele são de fundamental importância para o relacionamento de extensão do poder dessa classe senhorial; as chamadas redes de sociabilidade. É este o modelo fundamental para o nosso estudo. Manter uma política escravista era uma estratégia de grupo e para isso era preciso fortalecimento interno, o que se dava através das redes de sociabilidade. Nosso olhar procura identificar como se estabeleciam estas relações, pois para nosso entendimento elas são cruciais a fim de caracterizarmos o perfil deste grupo social e seus interesses. Ainda seguindo o raciocínio de Salles e Mattos, um novo grupo político 36 SALLES, Ricardo Henrique, E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008 25 e social estava em expansão e ao seu redor gravitavam grupos subalternos compostos por intelectuais, profissionais liberais, comerciantes de pequeno porte dentre outros. Já adentrando no nosso corte temporal, Valença foi a cidade com o maior número de titulares do império. A partir da década de 1830, Valença produzia uma boa parcela do café e da riqueza da Província do Rio de Janeiro. Como já apontado, as fazendas valencianas foram surgindo oriundas da doação de sesmarias e faz-se importante entender que algumas terras já eram habitadas irregularmente e que a política de doação de terras apenas regularizou a vida de antigos posseiros. O fato é que essa ocupação territorial provocou, no primeiro momento, um confronto com os índios “coroados” que viviam na região. Aos poucos os índios foram obrigados a recuar e dar lugar às fazendas que se tornariam símbolo da riqueza nacional. As sesmarias criadas e distribuídas, desde os primórdios da aldeia, foram aos poucos se engrandecendo através da compra e venda, sendo que em meados do século XIX, já Valença representava um dos pilares da economia da Província do Rio de Janeiro.37 Reprodução do Mapa de Valença em 1808 Fonte: FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924. 37 TJADER, Rogério da Silva. Uma pequena História de Valença,Valença: Ed. Valença 2003; p. 29 26 Alguns viajantes, quando passaram por terras valencianas, deram depoimentos que servem para nos dar uma idéia de como a região desenvolveu–se, de tosco aldeamento em grande centro produtor. Já em 1819, a situação das fazendas estava regulamentada e a produção de café, começando no Vale. A Aldeia de Valença requeria alguns melhoramentos, pois a população aumentava e a região se mostrava propícia a investimentos e instalação de residências. Em 1820 começa a edificação da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória que seria aberta ao culto público em 1822, ano da independência do Brasil e da segunda visita do naturalista francês August Saint-Hilaire que, não concordando com o que se planejava para a Aldeia de Valença – a sua elevação à condição de vila –, escreve: Em relação particularmente a Valença, não sei dizer se a transformação da aldeia em vila foi justificada pela distancia da autoridade judiciária a que antes estava sujeita, por dificuldades de comunicação ou outra qualquer circunstancia; mas o certo é que não se justifica nem pela importância da população, que se estabeleceu nas margens do caminho, nem pelo próprio povoado, ao qual, na verdade é ridículo dar o nome de vila.38 Esta observação de Saint-Hilaire, vem em oposição ao fato de que, em 1819, o então ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Joaquim José de Queiroz, informava a Sua Majestade, a 23 de janeiro, sobre as providências consideradas necessárias para a criação e ereção de uma vila na Aldeia de Valença. Segundo ele, através de informações obtidas com o diretor dos índios sobre a capacidade e população da Freguesia, na Aldeia, haviam 45 moradores e, na Freguesia, 1.971 habitantes, com setenta fazendas. E ainda mais, segundo o ouvidor, era preciso e inadiável chamar-se ao aldeamento muitos indígenas, que se tinham afastado para o oeste da Freguesia. Ele então informa à coroa: “Manda-me v. m. informar com as noções necessárias a creação e erecção de uma villa na aldêa de Valença. E em observância da regia provisão de 8 de Julho de 1819 e decreto de 26 de Março, offíciei ao director dos índios da dita aldêa para me informar da sua capacidade e população da freguezia e pela sua resposta e mappas n. 1 e 2 se vê ter a aldêa 45 moradores e a freguezia 1.971 habitantes com setenta e tantas fazendas, e tomando proximamente informação pessoalmente do dito director e outras pessoas, conheci haverem muitos indios para oeste da freguezia que deveriam chamar-se á directoria d’aquella aldêa, e por isso ordenei áquele directa fosse examinar e me informasse com um mappa 38 IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953. p. 65 27 circumstanciado; ao que satisfez em n. 3 e 4. Como pelo alvará de 4 de Setembro de 1820 vem a freguezia da Parayba a pertencer á nova villa do Paty do Alferes, e o termo de Valença ficaria muito limitado e por outra parte convem incorporar n’este o mais possivel os indios termo além ela freguezia, e por isso me parece que este chegue pela margem esquerda do rio dispersos pelos sertões da parte do oeste, será conveniente que para esta se estenda aquelle termo alem da Freguezia, e por isso, me parece que este chegue pela margem esquerda do rio Parayba até o ponto em que n’este faz barra o ribeirão do Servo, fig. 6 no mappa, e que d’esta se tire uma linha a rumo de noroeste 4; a norte até encontrar o ribeirão Patriarcha, fig. 17, e por este abaixo até a sua barra no rio Preto, e pelo sul o rio Parayba desmembrado assim aquelle districto dos d’esta cidade, S. João do Príncipe e Rezende, o que se torna mui vantajoso aos povos d’aquelles sertões, pela grande longitude em que estejam da capital do districto. V. m., porém, mandará o que fôr servido. — Rio de Janeiro, 23 de Janeiro de 1 821.— O ouvidor da comarca, Joaquim José de Queiroz”39 Segundo escreve Leoni Iório: O escritor padre Walsh, passando por Valença, testemunhou a conclusão das obras da igreja, feita de pedra e cal, e notara certo retraimento no desenvolvimento da Aldeia; considerava, ainda, que, se tinha progredido de 1818 a 1822, ficara depois estacionada, atribuindo-se isso às desvantagens de sua situação geográfica e localização40. O escritor padre Walsh, descrevendo suas viagens por Valença, em 1828, declara que “era a primeira coleção de casas que lhe apareceu desde o Rio”. A respeito desse registro, Taunay escreve — “Este depoimento mostra que a Vila era mais considerável então do que a sua futura rival de Além Paraíba: Vassouras”. Rodolfo Garcia, comentando sobre a Vila de Valença, consigna: “Consistia a Vila de cinqüenta a sessenta casas, com uma igreja, tudo edificado sem a menor regularidade, numa encosta de colina. À base desta, notava-se uma estalagem de aspecto confortável. Nela havia uma sala de jantar, asseiada, com cadeiras patrioticamente pintadas de verde e amarelo, uma mesa recoberta por oleado, adornada de espelhos e com cortinas às janelas. Pasmoso naquelas alturas!”41 Mesmo se deparando com duas opiniões diferentes, o certo é que o desembargador da Coroa Imperial, emitindo seu parecer sobre as considerações do ouvidor da Comarca, manifestou-se nos seguintes termos: 39 Idem p. 64 Idem p. 64 41 Idem p. 70 40 28 Conformo-me com a informação e parecer do ouvidor da comarca para que tenha lugar a erecção da aldêa de Valença em villa com a denominação de villa de Valença, e o termo designado na mesma informação, ficando desde logo separados d’aquelles outros a que pertenciam os respectivos territórios, que constituem o mencionado termo, junctamente com todas as rendas que lhes são pertencentes: dignando-se s. m. conceder mais para patrimônio da dita villa duas sesmarias de meia legoa em quadro, conjunctas ou separadas (aonde houver), para serem aforadas em pequenas porções e em phateosim perpetuo na forma da lei de 23 de Julho de 1766, e ordenar também que sejam creados para a mesma villa os juizes ordinários e dos orphãos, vereadores, procurador da Camara, almotacéis e escrivães respectivos, na fórma praticada na creação que de outras se tem feito e consta dos alvarás das suas creações (sic). O que visto, Parece a mesa o mesmo que ao ministro informante e ao desembargador procurador da coroa, soberania e fazenda nacional com os quaes se conforma. V. m. imperial, porém, resolverá o que houver por bem. Rio de Janeiro, 13 de Janeiro de 1823. -— Monsenhor Miranda, Canto, Veloso, Costa. Foram votos desembargador monsenhor Almeida e Antonio Felippe Soares de Andrade de Brederode. Despacho: — Como parece. Paço, 3 de Fevereiro de 1823. — Com a rubrica do imperador dom Pedro I. — José Bonifácio de Andrada e Silva.”42 42 Idem p. 65 Reprodução da Planta da Vila de Valença em 1836 Fonte: IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953. 29 Embora Saint-Hilaire e Walsh tivessem visões diferentes, acreditamos que os dois tivessem razão em suas afirmações, uma vez que a aldeia não possuía a população e infraestrutura observadas em outras vilas da província, mas que sua riqueza era gerada nas fazendas do entorno rural. Por outro lado, podia-se notar um avanço significativo do lugar que pouco mais de vinte anos atrás não passara de imenso sertão. Como nos fala Adriano Novaes: Nesta época o “Sertão do Rio Preto” era formado “apenas” por uma exuberante floresta de Mata Atlântica, que muitos viajantes não cessavam de elogiar, algumas trilhas abertas na mata por contrabandistas e povoada por índios em toda parte. Durante quase todo o século XVIII, estas terras ainda se encontravam incultas por vontade da Coroa Portuguesa, que as denominou de “Áreas Proibidas do Sertão do Rio Preto.”Os motivos para mantê-las incultas eram muitos.43 Não podemos citar a elevação de Valença à categoria de Vila em 1824 sem antes fazermos referencia à visita do Imperador D. Pedro I em 1824, que a ocasião, se reuniu com alguns fazendeiros locais, demonstrando buscar apoio político e financeiro para o novo Império. Se para Saint-Hilaire a aldeia mesma não tinha condições para sediar uma Vila, é porque ele olhava apenas para o quantitativo populacional, enquanto o Imperador e a classe senhorial olhavam para o capital político gerado por esta elevação. Por certo a elevação de aldeia para vila faz parte de um crescimento econômico gerado nas fazendas e que será observado até a década de 1870. O lugar que antes era apenas um sertão, se visto apenas pela ótica da aglomeração aldeã, começara a crescer e a fazer parte do novo rumo econômico do país. Em 1859, Charles Ribeyrolles visitando Valença afirma que: Valença é uma das pequenas cidades mais encantadoras da Província do Rio. E ainda graças à energia dos primeiros colonos, a fecundidade das terras e aos estrangeiros ali estabelecidos, Valença tem prosperado. Villa, desde 1823, ella progride sobre a Matta virgem que ainda circunda ao lado do cemitério. Suas estradas são bellas e a ligam a outros pontos da Província. Em sessenta anos o pequeno burgo fez-se em cidade. 44 43 NOVAES, Adilsom Adriano. Extraído do site http://www.valenca.org/casaleapentagna/historia/de_valenca/index.html capturado em 27 de novembro de 2007 44 RIBEYROLLES, Charles. Brasil Pitoresco. São Paulo: 1980. Ed. da USP. Vol. I p. 192. 30 Ribeyrolles faz esta observação exatamente no momento em que a produção cafeeira no Vale do Paraíba estava em alta. Toda essa prosperidade econômica era traduzida na forma dos palacetes que estavam sendo erguidos no centro da cidade com, por exemplo, o do Visconde do Rio Preto, terminado em 1858, contando com o que se tinha de mais luxuoso e também nas fazendas com móveis e utensílios domésticos importados da Europa. Planta da Vila de Valença em 1846 – Engenheiro Cezar Cadolino Fonte: IORIO, José Leoni. Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953. Claro está que não foi somente em Valença, mas também em todo o Vale do Paraíba, o café mostrava-se uma cultura promissora, desde o final do XVIII. Vasto em terras e propício para o cultivo foi surgindo e se estruturando no Vale uma nova classe de senhores de terras, muitos desses homens eram originários de algumas famílias mineiras. Mas não bastava ter terras ou cultivar café para ficar rico. Algumas estruturas 31 precisavam ser montadas e bem organizadas. Assim como no Brasil, o que ditou o tom no Vale foi a escravidão. Mas manter e reproduzir essa escravidão requeria um aparato institucional sólido. As fazendas no Vale e em Valença foram se reproduzindo, alguns antigos posseiros foram receber seus títulos de propriedade e cada vez mais cativos chegavam à região. Voltando à Valença, o primeiro momento onde a aristocracia local começa a tomar forma e se legitimar perante a sociedade é quando acontece a primeira sessão da Câmara na casa do Ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Antonio Barreto Pereira Pedroso. Fora feita na casa dele por falta de sede própria. O fato que mais nos chama a atenção é a eleição para a administração da Câmara. Instalada que foi a Vila de Valença, verificou-se, em 12 de novembro, a primeira sessão da Câmara, a qual teve lugar, na Vila, na residência do ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Antônio Barreto Pereira Pedroso, fato esse ocorrido em virtude da falta de casa própria. Aí, depois de preparados os pelouros, com todos os requisitos legais, em presença dos representantes do clero, da nobreza e do povo em geral, foram eles, em número de três, metidos dentro de um saquinho de sêda, de onde, por um menino, foi tirado um dos pelouros, que, aberto em público, acusava o seguinte resultado da eleição de autoridades para o exercício de 1827: para Juizes Ordinários — capitão-mor Custódio Ferreira Leite e José Tomaz de Aquino Cabral, e, para Juiz de órfãos — capitão Bernardo Vieira Machado; para vereadores — capitão José Pereira dos Santos, Joaquim Marques da Silva e Antônio Luiz Arêas; e, para procurador da Câmara — Romão Pinheiro de Lacerda, aos quais foi “deferido, pelo Ministro, o juramento dos Santos Evangelhos — de bem e verdadeiramente servirem aos cargos para os quais foram eleitos e legalmente empossados.” Denominavam-se pelouros pequeninas bolas ocas, feitas de cera, em cujo interior colocavam-se pequenos pedaços de papel com os nomes dos candidatos, dos quais, então, se fazia a escolha para Juizes Ordinários e de Órfãos etc., representando tais bolas o mesmo papel das conhecidas cédulas eleitorais.45 Acreditamos na importância do momento, porque consistia na primeira oportunidade da classe senhorial local se organizar em grupo. Era a institucionalização do poder desse grupo. A Câmara, como veremos mais a frente, oficializou o poder desses homens através de dispositivos legais, como as posturas municipais e regimentos internos. Esse era um local privilegiado de acesso ao poder local e regional. Não só o cargo de vereadores, mas os diversos cargos atrelados à Câmara constituíram-se com objetos de distinção social e moeda para acordos políticos. Recorrendo mais uma vez à Mariana Muaze percebemos que os espaços 45 IORIO. José Leoni, Op. cit. p 158 32 públicos eram reflexos estendidos dos espaços privados. A vida política da região seguia o tom da representação familiar. Mas nem todas as famílias possuíam o mesmo grau de importância ou extensão de poder. Para melhor compreendermos isto, podemos citar em Valença famílias como Nogueira da Gama, de prestígio nacional, famílias como os Werneck, de influencia regional e os Furtado de Mendonça, com sua importância restrita ao cenário local. Essa hierarquia pode ser confirmada com os cargos políticos ocupados pelos membros das mesmas. Exemplo: Família Nogueira da Gama Marechal de Campo Manuel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama, Marquês de Baependy Deputado da Assembléia Constituinte de 1823 Ministro da Fazenda Presidente do Senado do Império Juiz de Paz Tenente Coronel da Guarda Nacional Vereador; Deputado Provincial Brás Carneiro Nogueira da Costa e Gama, Conde de Baependy Deputado do Império Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro Presidente da Província do Rio de Janeiro Presidente da Província de Pernambuco Senador do Império Vereador, Manuel Jacinto Carneiro Nogueira da Costa e Coronel e Comandante Superior de Gama, Barão de Juparanã Guarda Nacional Deputado Provincial; Francisco Nicolau Carneiro da Costa e Gama, Tenente Coronel e Comandante da Barão de Santa Mônica Guarda Nacional; Família Werneck Peregrino José de Américo Pinheiro, Comandante Superior da Guarda 33 Visconde de Ipiabas Francisco Pinheiro Nacional: de Sousa Werneck, segundo Barão de Ipiabas Manuel Vieira Machado da Cunha, Barão do Aliança (genro do Visconde de Ipiabas) Subdelegado Alferes da Guarda Nacional Família Furtado de Mendonça Vereador Herculano Furtado de Mendonça Delegado de Polícia Juiz de Paz Major da Guarda Nacional Vereador, João Rufino Furtado de Mendonça Subdelegado de Polícia; Coronel da Guarda Nacional Silveira Vargas 1º Presidente da Câmara Municipal José da Silveira Vargas Juiz de Paz Subdelegado Capitão da Guarda Nacional Secretário da Câmara Vereador Custodio da Silveira Vargas Juiz de Paz Subdelegado Major da Guarda Nacional Antonio da Silveira Vargas Alexandre Silveira Vargas Vereador Subdelegado Subdelegado Fonte: Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1844-1889) Além dessas, existiam outros grupos familiares como os “Faro”, “Teixeira Leite”, “Souza Lima”, “Silveira Vargas”, “Souza Lobo”, “Damasceno Ferreira” dentre outras. Todas estas famílias estavam ligadas à terra, estando algumas delas estabelecidas na cidade desde antes da mesma se tornar vila. Em quase todas as legislaturas da 34 Câmara Municipal de 1827 até 1881 todas estas famílias tiveram representantes eleitos para os cargos de vereador. Mas a extensão destas famílias não se restringia apenas à Câmara. Elas também eram representadas nas irmandades e na Guarda Nacional. Não obstante, as mesmas eram representadas em diversos setores da administração pública como nos cargos de delegado, juiz de órfãos, juiz de paz, fiscal municipal entre outros. A seguir um demonstrativo do ano de 186846 - Nogueira da Gama Coronel Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama47 - Comandante da 1ª Legião da Guarda Nacional em Valença; Brás Carneiro Nogueira da Gama48 – Juiz de Paz - Silveira Vargas Major Custódio da Silveira Vargas – Suplente de Vereador e Municipal, Comercial e de Órfãos (substituto) - Souza Werneck Capitão Ignácio Pinheiro de Souza Weneck – Suplente de Vereador; - Souza Lobo Dr. Luiz Alves da Souza Lobo49 – Suplente de Vereador; - Araújo Silva José Fredesvindo de Araújo Silva – Procurador Geral, Inspetor do Cemitério Público Thomaz Antonio de Araújo Silva – Escrivão das Execuções e do Júri - Souza Lima Dr. José Antonio de Souza Lima – Juiz Municipal, Comercial e de Órfãos (substituto) e Delegado. - Furtado de Mendonça Major Herculano Furtado de Mendonça - Juiz Municipal, Comercial e de Órfãos (substituto) - Araújo Leite João Batista de Araújo Leite – Juiz de Paz, Delegado (Substituto), Delegado Consular Português, 46 Alamnak Laemert. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1868/ capturado em 23 de julho de 2007 47 Barão de Juparanã 48 Conde de Baependy. Mais tarde seria eleito Deputado Federal e Senador, ocupando ainda os cargos de Presidente das Províncias do Rio de Janeiro e de Pernambuco 49 Médico 35 João Maurício de Araújo Leite – Delegado (Substituto) - Damasceno Ferreira Major João Damasceno Ferreira – Juiz de Paz, Delegado (substituto). Nossa escolha pelo ano de 1868 se deu porque este foi o ano que marcou o apogeu das redes de alianças em torno do Visconde do Rio Preto e, paradoxalmente, foi o ano da sua morte. Como veremos no terceiro capítulo este foi um ano estratégico para a classe senhorial. Acreditamos, a partir das leituras acima citadas de Mattos e Salles, que a noção de boa sociedade no século XIX transcende o significado dos homens bons do período colonial brasileiro. Na colônia, ser um “homem bom” significava estar apto aos serviços e representações da coroa portuguesa, algo ligado diretamente à pureza de sangue. Roberto Guedes50 inclusive, trabalha a questão da mobilidade social e o “defeito mecânico”51 na colônia, mantido até a quarta geração. Já no império, essa condição é abandonada e a distinção social se vale não apenas da pureza do sangue, e nem tanto pela tradição familiar, mas pelas relações que se consegue estabelecer. Sendo assim, a boa sociedade do século XIX é aquela camada social que tem prestígio político, social e financeiro, construídos através de amplas redes de sociabilidade. Utilizando esse conceito podemos entender porque os próprios personagens estudados se identificavam assim: Instalou-se a 12 de outubro do corrente (1862), o “Club Provisório”, reunião de amigos e pessoas da boa sociedade desta cidade. (grifo nossos) (...) Podem participar das reuniões diárias os convidados dos sócios, por cujo procedimento estes se responsabilizarem. (...) O Club Provisório há de ser definitivo, e aumentará na pitoresca cidade de Valença o incanto da sociabilidade que tanto a distingue.52 (grifo nosso). 50 FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto Feliz, São Paulo, c.1798-c.1850. (tese de doutorado). Rio de Janeiro: PPGHIS IFCS/UFRJ, 2005 51 A noção de defeito mecânico é trabalhada por Roberto Guedes no sentido de que não importava se o indivíduo era rico, o que importava era como ele adquiriu sua riqueza. O defeito mecânico é justamente o de conseguir sua riqueza por custas de seu próprio trabalho. Isso implicava numa impureza de sangue. Roberto Guedes trabalha essa questão mostrando justamente o esforço de algumas pessoas se livrarem de seus “defeitos” que eram transmitidos até a quarta geração. 52 In: O Merrimac - Ano I, nº I, 19 de outubro de 1862 - CD-005 CDH/CESVA 36 Neste anúncio à sociedade valenciana de 1862 fica bem claro para os leitores que o principal objetivo deste clube era desenvolver e garantir as regras de sociabilidade. Não obstante, eles fazem questão de afirmar que poderão participar das reuniões os não-membros, mas que tiverem algum sócio que se responsabilize por seus procedimentos. O que se entendia como sociabilidades? Era sem dúvida, o trato ameno das relações sociais públicas ditadas pelas maneiras consideradas civilizadas e de “bom tom”. Esses eram peculiaridades que distinguiam as pessoas de boa educação, traços de “exclusividade” de determinados círculos sociais. Naturalmente, não é o mesmo conceito definidor de um modelo para os nossos estudos históricos. Mas sem dúvida, o que mais nos serve neste anúncio é a forma como estes personagens se enxergam perante os demais. Faz-se importante dizer que este clube foi fundado por José Fredesvindo de Araújo e Silva, que vem a ser membro de uma importante família de fazendeiros com intensa atividade política na cidade. Apenas falar das poderosas famílias existentes no Vale do Paraíba Fluminense durante o século XIX não é o bastante, pois a engrenagem que movia o poder na região era a escravidão. Valença contava com um grande contingente de cativos trabalhando nas lavouras de café. Ricardo Sales53 analisando o relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro chega ao número de 12.835 em 1840, o que equivalia a 70% da população local. Já em 1856 o número era 23.468 cativos representando 65,38% da população. A paisagem e a rotina da cidade era marcada pela presença do escravo, como indicam um acervo de imagens pintadas ou em daguerreótipos, como o das lavadeiras no chafariz na Praça D. Pedro II logo abaixo da Igreja Matriz. 53 SALLES, Ricardo Henrique. Op. cit. p. 259 37 Fonte: CDH/CESVA – Fundo: Imagens Históricas A presença do escravo também é amplamente percebida nas páginas dos jornais locais, na maioria das vezes em anúncios de fuga ou necessidade de serviços específicos: Fonte: O Merrimac. Ano II nº I, 1 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA 38 O escravo no Vale do Paraíba também aparecia no cotidiano da cidade como símbolo de ostentação em grandes eventos como a festa de São João Batista em 1875 que contou com a presença de duas bandas de escravos no centro da cidade como cita Luis Damasceno: “... a e São João, feita em 1875, por Maximiano de Siqueira e Silva da Fonseca e Antonio Maria Cardoso Figueira, então negociantes na cidade; que ornamentaram a rua Uruguayana até a Igreja Matriz e a praça Visconde do Rio Preto de bandeiras, galhardetes e balões venezinos, tornando-as de efeito surpreendente. No cruzamento dessa rua com a de São José foi levantado um belíssimo coreto, cuja decoração foi feita pelo provecto artista Manoel Lourenço dos Santos, em o qual tocava a banda de musica dos escravos do Barão do Pilar e no centro da supra dita praça, também, foi erguido pelo citado artista um outro coreto, em forma de castelo, em o qual executava peças do seu vasto repertório a excelente banda de música, constituída de escravos do Visconde de Pimentel, corretamente uniformizada e que se compunha de quarenta figuras.54 FONTES? Fonte: ERMAKOF, George. O Negro na Fotografia Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, 2004. 54 FERREIRA, Luis Damasceno. Op. cit p. 56 39 Mais do que ostentação a escravidão era uma estrutura na qual estava baseada a riqueza do Vale, por isso, mantê-la era de extrema importância como veremos adiante. Procuramos neste momento, demonstrar a trajetória do Vale do Paraíba Fluminense no cenário nacional passando por seus aspectos físicos, mas, sobretudo, seu aspecto social. Nessa configuração surgiram cidades como Valença, que ainda carece de estudos mais aprofundados. Nos capítulos adiante demonstraremos de forma mais acentuada como os homens que habitaram esse lugar se relacionaram e estabeleceram estratégias de fortalecimento de grupo que dentre outros objetivos tinha como meta manter a escravidão no Vale. 40 2 – Os loci da Boa Sociedade: consolidando seus espaços Observamos no primeiro capítulo, de maneira exemplar, a dita “boa sociedade” tem voz em espaços como clube, jornal e Câmara Municipal. Espaços que tornaram–se fontes para a percepção de algumas estratégias fundamentais para a consolidação da classe senhorial no poder e sua manutenção enquanto boa sociedade. Em nosso caso específico, analisamos três locais muito bem definidos e articulados onde esse grupo se destacou e construiu seu projeto de poder. Identificamos que em Valença a Câmara Municipal é o principal palco para atuação desse grupo. No entanto, ela não é a única, pois as irmandades e clubes sociais serviam de suporte para o fortalecimento das relações entre os homens da boa sociedade. Mas algo a se notar é o fato de surgir na mesma época uma imprensa que servia como caixa de ressonância dos anseios interesses desse grupo. Vamos começar pelo espaço político da Câmara Municipal: 2.1 - A Câmara Municipal de Valença Como já foi dito, a Câmara Municipal surgiu em 1826 quando a então aldeia foi elevada à categoria de Vila por D. Pedro I. Desse momento em diante circularia por esta Casa durante todo o século XIX algumas das famílias mais tradicionais da cidade. As freguesias se organizavam para serem representadas nos poucos cargos a disposição, mas algumas nem sempre conseguiam eleger um vereador, enquanto outras, como a freguesia de Santa Tereza, se consolidaria como uma potência local. Para nosso estudo vamos nos ater a três momentos muito distintos da Câmara Municipal. Ao primeiro momento, chamaremos de Período de Estruturação; Ao segundo, Período Baependy, e ao Terceiro, Período Rio Preto. O surgimento dessa casa legislativa municipal se dá na conjuntura em que o governo central imperial restringe os limites de atuação das Câmaras Municipais ao temas ligados à economia local e a situações de menor relevância. É nesse momento que, segundo Luis Felipe Alencastro55, o poder de atuação dos Juizes de Paz ficam limitados e também os antigos Juizes Municipais indicados pela Câmara. Segundo ele, essa limitação causara muito desconforto nas Câmaras mais antigas, pois mudara uma estrutura social e política já consolidada. Limites, ainda mais restritos com o Ato 55 ALENCATRO, Luis Felipe de. Vida Privada e Ordem Privada no Império. In. NOVAIS, Fernando e ALENCATRO, Luis Felipe de. História da Vida Privada no Brasil, volume 2. São Paulo: Cia das Letras, 1998 p. 17 41 Adicional de 1834 criando as Assembléias Provinciais. Agora o poder estava nas mãos da Província e não mais da municipalidade. Maria de Fátima Gouveia 56 ao estudar o governo provincial do Rio de Janeiro durante todo o Império, também sustenta a tese de que a municipalidade não tem autonomia alguma. Não é mérito de nosso estudo entrar no cotidiano e na rotina dos despachos municipais, mas sim da Câmara como um espaço de poder. Mesmo assim não podemos deixar de apontar que mesmo juridicamente, estando impossibilitada de legislar sobre vários temas, a municipalidade faz-se valer de suas teias de sociabilidade familiar estendida. Como estudaremos adiante, veremos que o espaço político municipal cria mecanismos de fortalecimento de grupo que atingem diretamente as decisões da Província. Ao contrário das Câmaras apontadas por Alencastro, a Câmara valenciana já surge em um contexto de poderes restritos, por esse motivo, não há nenhum movimento de insatisfação por parte dos políticos locais. Os períodos apontados são uma formulação nossa, ao percebermos sobretudo uma forte influência de dois políticos locais: Brás Carneiro Nogueira da Gama, o Visconde de Baependy, e Domingos Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto. O período de estruturação estabelecido entre 1826 e 1832 foi um período de ajustes. A primeira eleição de fato só aconteceu em 1828, com a eleição do Comendador José da Silveira Vargas para presidente da mesma. Essas datas balizam o momento da instalação da Câmara e o fim do mandato da primeira legislatura que além do presidente Silveira Vargas era composta por João Pinheiro de Souza, Capitão Domingos Martins Moreira, Capitão João Chrysostomo de Vargas, Capitão Miguel Joaquim Bernardino, Tenente Francisco Antonio de Almeida Gama e José Joaquim Luz. Chamamos este período de “Estruturação” por um motivo bem simples: é nesse momento que a Câmara, ainda não possuindo sede própria e todo o aparato público, precisava de uma estruturação e regulamentação. E foi isso que a primeira legislatura fez. O Período Baependy compreende os anos de 1833 e 1860. O Visconde de Baependy foi vereador por quatro legislaturas sendo presidente em três. Vejamos o quadro: 56 GOUVEA, Maria de Fátima Silva, O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 42 Legislatura Presidente Vereadores Manoel do Vale Amado Camilo José Pereira Faro 1833/1836 Visconde de Baependy Ignácio José Nogueira da Gama Joaquim Gomes de Souza Custódio Ferreira Leite Manoel da Silva Ferreira José da Silveira Vargas João Baptista de Araújo Leite João Pinheiro de Souza 1837/1840 Visconde de Baependy Antonio Carlos Ferreira Reginaldo de Souza Werneck Casimiro Lúcio de Azevedo Coutinho Rangel. Antonio Carlos Ferreira Herculano Furtado de Mendonça 1841/1844 Dr. José Ildelfonso de Souza Eleutério Delphim da Silva Ramos José Teixeira da Silva Manoel da Silva Ferreira João Baptista de Araújo Leite Manoel da Silva Ferreira Herculano Furtado de Mendonça 1845/1848 João Baptista de Araújo Leite Eleutério Delphim da Silva João Pinheiro de Souza Dr. Antonio Luiz da Cunha Manso Sayão Francisco Tomaz Cardozo Dr. Manoel Antonio Fernandes Antonio Leite Pinto 1849/1852 Visconde de Baependy Anastácio Leite Ribeiro Dr. Francisco Antonio de Souza Nunes Francisco de Salles Pinheiro e Souza Antonio Carlos Ferreira Dr. Manoel Antonio Fernandes 1853/1856 Visconde de Baependy Antonio Leite Pinto Anastácio Leite Ribeiro Dr. Francisco Antonio de Souza Nunes 43 Francisco de Salles Pinheiro e Souza Antonio Carlos Ferreira Antonio Moreira Coelho de Magalhães Domiciano José de Souza Dr. Joaquim Saldanha Marinho 1857/1860 Capitão Floriano Leite Ribeiro Dr. José Fernandes Moreira João Batista de Araújo Leite Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama Custódio da Silveira Vargas Manoel Pinheiro de Souza Fonte: FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924. Acreditamos que o quadro acima já demonstre bem toda influência do Visconde da Baependy e de sua família, Nogueira da Gama. A começar pela legislatura de 1833/1836, quando dois outros vereadores são parentes do próprio Baependy. Manoel do Vale Amado era sogro de José Ignácio Nogueira da Gama, irmão do Marques de Baependy. Outro que ocupava uma cadeira de vereador era o irmão mais moço do marquês, Ignácio José Nogueira da Gama. Ambos eram tios do mesmo do visconde de Baependy. Além desses podemos citar ainda outros personagens como Custódio Ferreira Leite, o Barão de Ayuruoca, tio do famoso Barão de Vassouras e Camilo José Pereira Faro, filho do 1º Barão do Rio Bonito. É preciso salientar que todos estes personagens são fazendeiros. Na legislatura de 1837/1840 outro personagem importante na época que volta à cena é José da Silveira Vargas. Além dele outros fazendeiros compõem o quadro de vereadores, como João Pinheiro de Souza, pai do futuro visconde de Ipiabas e Reginaldo de Souza Werneck, oriundo de uma importante família da região. Mas que o devemos notar não é apenas a presença de fazendeiros, mas também a presença de advogados/capitalistas como Antonio Carlos Ferreira e João Baptista de Araújo Leite que ao longo do tempo tornaram-se importantes articuladores na política local tanto no “Período Baependy”, quanto no “Período Rio Preto”, indo inclusive além desses dois períodos. A presença desses dois personagens já prenuncia o que marca o tom da sociabilidade na região. Segundo Ricardo Salles, a classe senhorial dominava o cenário político local, mas ele mesmo fala que “esse processo não se restringiu ao grupo de grandes 44 proprietários e comerciantes escravistas, mas se estendeu a outros grupos subalternos que se espelharam nos primeiros e buscavam aderir a seu estilo de vida”57. Essa configuração política se mantém durante todo o século XIX, quando um grupo depende do outro. Ao analisarmos ainda, outra legislatura como a de 1849/1852, enxergaremos bem as redes de sociabilidade estabelecidas e a mesma configuração política: Vejamos que o presidente é o mesmo Visconde de Baependy, e ainda outro fazendeiro surge para a política local, Antonio Leite Pinto, sobrinho do Barão de Ayuruoca, o Dr. Francisco Antonio de Souza Nunes que além de ser fazendeiro também era médico, e além dele também temos Francisco de Salles Pinheiro e Souza, fazendeiro e irmão de João Pinheiro de Souza. Estes personagens demonstram bem como a política local e regional estavam intimamente ligada e consequentemente com a política nacional, com a presença de famílias importantes como os Pinheiro de Souza, Werneck, Pereira Faro, Leite Pinto, Ferreira Leite e por fim, os Nogueira da Gama. Mesmo com a ausência do Visconde de Baependy na legislatura de 1857/1860, por ter este se lançado definitivamente para a política nacional, ainda assim a enquadramos no período Baependy por conta da presença de seu irmão Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama, futuro Barão de Juparanã, sucessor direto de Baependy. Neste momento os planos da família era que um representasse os interesses políticos no âmbito local e outro, no nacional. No entanto, a liderança conquistada por Baependy não foi alcançada por seu irmão mais novo. Isso, sem falar também no surgimento de um grupo de oposição, e dentre os oposicionistas destacava-se a figura de Joaquim Saldanha Marinho, importante político nacional, advogado que defendeu muitos clientes na região. Saldanha Marinho assumiu o processo contra o Visconde do Rio Preto movido por um pretenso filho que almejara o reconhecimento da paternidade do visconde. O processo correu durante longos anos, e o visconde faleceu antes do julgamento final do processo. O que sabemos é que na partilha amigável dos bens do visconde, só aparecem com herdeiros seus dois filhos legítimos e a viscondessa, sua viúva. Para nós, o período “Baependy” nada mais é do que uma representação local do cenário nacional. Uma família tradicional como Nogueira da Gama trazia tranqüilidade e garantias ao projeto de manutenção da escravidão. Por outro lado, políticos como 57 SALLES, Ricardo Henrique, Op. cit. p. 46 45 Saldanha Marinho, mesmo com uma passagem tão rápida pela política local, poderia representar um desconforto com relação aos projetos dessa classe senhorial. A união e as estratégias de sociabilidade não são invenções do século XIX. João Fragoso em seu estudo sobre a sociedade colonial do Rio de Janeiro utiliza-se se termo medieval para dizer que a nobreza vivia em “bandos”. Para Fragoso o viver em “bandos” referia-se à teia de alianças que tais famílias criavam entre si e com outros grupos sociais, tendo por objetivo a hegemonia política ou a sua manutenção58. Com isso ele explica a estratégia de associação política e parental estabelecia através dos casamentos e relações comerciais. Ainda seguindo o raciocínio de Fragoso, essa estratégia criava um fortalecimento do grupo ampliando as possibilidades de legitimidade social. Maria de Fátima Gouveia, seguindo os passos de Fragoso e também olhando para o mesmo período estudado por ele, aponta para o fato de que a Câmara Municipal do Rio de Janeiro reproduzia o que ela chama “sentimento de pertencimento”59 o que favoreceria o estudo da dinâmica do poder na América portuguesa. Esse pertencimento, é compreendido por Ilmar de Mattos como noção de distinção social e é isso que vemos reproduzido na Câmara Municipal de Valença. Uma clara estratégia de fortalecimento de grupo, uma busca pelo “sentimento de pertencimento” que é legitimado pela noção de distinção de classe. Ainda recorrendo a Fragoso, vamos mais longe dizendo que mesmo as subdivisões são importantes, pois elas criam uma hierarquia social e é esta hierarquia social que faz as engrenagens da sociabilidade girar, ainda segundo Ilmar de Mattos. Conforme apontamos no capítulo anterior, utilizando Mariana Muaze60, o sentimento de pertencimento e de legitimidade social explicita–se pelas associações parentais, pela instituição Família, o que não significa um curso linear desses grupos familiares da Colônia ao Império. Nesse sentido, a forte presença do Visconde de Baependy é explicada porque ele estaria no topo hierarquia social local, sem perder de vista a importância de sua família no cenário nacional. Mas, a engrenagem para de funcionar bem quando Baependy segue um rumo natural e transfere-se de vez para a vida política nacional, onde foi deputado provincial, deputado geral, presidente da província e senador. Seria o desfecho perfeito para as estratégias do grupo, não fosse a pouca habilidade de seu irmão em cativar e 58 FRAGOSO, João Luis. A nobreza vive em bandos. Tempo - Revista do Departamento de História da UFF, Niterói: v. 8, n.15, p. 11-35, 2003. p. 9 59 GOUVEIA, Maria de Fátima. Redes de Poder na América Portuguesa - O Caso dos Homens Bons do Rio de Janeiro, ca. 1790-1822. Revista Brasileira de História v. 18 n. 36 São Paulo 1998 60 MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira, O império do retrato; família, riqueza e representação social no Brasil oitocentista 1840-1889 (tese de doutorado). Niterói: PPGH/UFF, 2006. 46 fortalecer as redes construídas por sua família. Nesse momento o status quo é interrompido. As engrenagens da sociabilidade deixam de funcionar bem. Manoel Jacinto, futuro Barão de Juparanã, era uma pessoa arredia, não inspirava confiança, diferente de seu irmão mais velho, não tinha habilidade em sociabilizar-se. Era alvo de constantes boatos, inclusive de conspirar contra o irmão. Na cidade todos conheciam seu ciúme e rancor por não ser tão bem relacionado quanto Baependy. Nesse momento de incertezas, alguns discursos surgiam. Para se ter uma idéia desse período de incerteza, Saldanha Marinho que não era da localidade, opositor dos ideais do grupo liderado por Baependy, foi provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia entre 1854 e 1860. Irmandade esta, que foi idealizada e fundada pelo Visconde de Baependy, seu primeiro provedor, e conseguinte por Silveira Vargas, Ildelfonso de Souza Ramos, futuro Visconde de Jaguary, isso com alternâncias, na direção da mesma. A crise da liderança tradicional na cidade possibilitou a ascensão política de Domingos Custódio Guimarães, na época Barão do Rio Preto e depois Visconde de mesmo nome. Já no inicio da década de 1850, ele começou a comprar propriedades e terrenos no centro da cidade para construir uma residência urbana. O Visconde do Rio Preto, que na época já era um dos mais ricos fazendeiros da região, comprou algumas propriedades em locais estratégicos, mas optou por construir um palacete em frente a Praça da Câmara, não poupou dinheiro e construiu uma suntuosa residência que poderia ser vista por todos. A construção da casa terminou no ano de 1858, ano este que o mesmo assume o cargo de delegado da freguesia de Santa Tereza, sendo esta sua primeira atividade de homem público rastreado por nós até o momento. Logo em seguida foi eleito presidente da Câmara para a legislatura de 1861/1864 e reeleito para a legislatura 1865/1868. A este momento denominamos “Período Rio Preto”, porque assim como Baependy ele tornou-se o grande líder dos objetivos da classe senhorial, ocupando os mesmo lugares que seu antecessor ocupou. Rio Preto, muito mais sagaz do que Baependy, soube articular até com seus opositores, alçando projetos de grande porte para a região. Para isso não mediu esforços na construção da imagem de grande líder, investiu recurso próprios em obras públicas, irmandades e associações, construindo uma ampla rede de subalternos. Rio Preto, soube como ninguém administrar a maquina pública, como se estivesse administrando sua 47 vida privada. Era o que Ilmar de Mattos chamou de “Governo da Casa”61. De fato, ele transformou tudo em uma extensão de sua própria casa. Sua forma de gerir os negócios públicos em nada se diferenciou de seus negócios privados, algo demonstraremos em itens mais específicos deste trabalho. Ao lado de Rio Preto, algumas famílias voltaram a ser fortes. Vejamos o quadro: Legislatura Presidente Vereadores João Leite Ribeiro Antonio Leite Pinto Dr. José Antonio de Souza Lima 1861/1864 Visconde do Rio Preto Ignácio José de América Pinheiro João Vieira das Chagas Werneck João Baptista de Araújo Leite Antonio da Silveira Vargas Pedro Gomes Pereira de Moraes Dr. Guilherme de Almeida Magalhães Francisco José de Assis José Luiz Garcia 1865/1868 Visconde do Rio Preto José de Souz Pires João Gualberto da Silva Dr. Joaquim de Almeida Ramos Simeão Gomes de Assumpção Custódio Alves de Souza Machado Fonte: FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924. Durante esse período, Manoel Jacinto, ganhou como prêmio de consolação o posto de Comandante Supremo da Guarda Nacional – Legião e Valença. Título este que não passava de honorífico, pois até as decisões da corporação eram tomadas pelo Visconde do Rio Preto, pois todos respeitavam muito mais a ele do que a Manoel Jacinto. As coisas estavam no lugar, Rio Preto era o líder local, Baependy era o Vice- 61 Esta expressão foi usado por Ilmar de Mattos para explicar como as decisões políticas eram tomada baseando nos anseios privados, a Casa. 48 Presidente da Província do Rio de Janeiro e, segundo Maria Fernando Vieira Martins62, os dois contavam com o apoio do Visconde do Cruzeiro, então membro do Conselho de Estado. Era o sonho político da boa sociedade se concretizando. O falecimento do Visconde do Rio Preto em plena época de eleição, quando todos davam como certa a vitória do Visconde, abala Valença. Ele morreu sem ver a apuração dos votos que lhe garantiriam sua reeleição para o terceiro mandato como presidente da Câmara. Embora o filho do Visconde do Rio Preto e seu genro tenham conseguido seus assentos na Câmara Municipal nas legislaturas seguintes, optamos por não qualifica-las com fazendo parte do período, como fizemos no caso do Período Baependy, porque a morte do Visconde do Rio Preto significou uma ruptura na vida política local que sempre fora centralizada nas mãos de um “grande líder” e agora passava a ser alvo de muitas brigas e desentendimentos. Outro importante espaço ocupado pela boa sociedade valenciana foi a Santa Casa de Misericórdia. 62 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. O círculo dos grandes. Um estudo sobre política, elites e redes no segundo reinado a partir da trajetória do visconde do Cruzeiro (1854-1889). Lócus: Revista de História. Juiz de Fora v 13 nº 1 pp. 93-122, 2007 49 2.2 – Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença Em nossa pesquisa, percebemos que esta instituição foi a maior e a mais importante instituição social da cidade. Notamos isso ao verificar seu quadro de irmãos, pelo grande número de notícias publicadas nos jornais e até pelas informações contidas no Almanack Laemert. A Irmandade Santa Casa de Misericórdia é uma das mais antigas da cidade e nossas primeiras referencias podem ser encontradas nos memorialistas Luis Damasceno Ferreira63 e José Leoni Iório64. No âmbito dos estudos históricos sobre a instituição, iniciamos pelo trabalho de Elisa Maria Amorim da Costa65, em sua dissertação de mestrado. Nesse trabalho a autora fez um panorama da irmandade em Valença, entre sua criação em 1838 e o ano de 1889. Por certo, esta ultima data foi escolhida por ser o ano que marca o fim do Império do Brasil. A contribuição de Elisa Amorim é bastante relevante, uma vez que é a primeira e, até o momento única obra que trata exclusivamente desta irmandade. A autora, na realidade na traz nada de novo, mas faz uma boa compilação das obras dos memorialistas Luis Damasceno e Leoni Iório. O ponto fraco da obra, porém, é a ausência de uma bibliografia mais específica sobre o tema. Elisa Amorim baseia sua análise apenas nos dois autores citados e em alguns documentos da irmandade, como atas, e o compromisso dos irmãos. Relevante enquanto único estudo da Irmandade em Valença, a obra de Elisa Amorim deixou muitas lacunas no que diz respeito aos personagens que constituíam a irmandade. Ela mesma chega a apontar uma co-relação entre os membros das primeiras mesas diretoras e seus cargos na Câmara Municipal, mas sequer aponta alguma influência de uma instituição na outra. Para nós, a grande ausência na obra de Elisa Amorim é o texto de RosselWood66 que trata de forma bastante cuidadosa a trajetória da Santa Casa da Misericórdia em Salvador entre os anos 1550 e 1755 apontando suas raízes nas Irmandades surgidas em Portugal até sua instalação por todos os domínios portugueses. A maior contribuição de Rossel-Wood para nosso trabalho consiste exatamente no fato de ele traçar a trajetória desta irmandade analisando as ações humanas, ou seja, os medos, o espírito e o dever de se fazer caridade e as relações estabelecidas pelos homens daquela 63 FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. Valença: Ed. Valença, 1924. IORIO, José Leoni, Valença de Ontem e de Hoje. Juiz de Fora: Cia Dias Cardoso, 1953. 65 COSTA, Elisa Maria Amorim da; A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (18381889. Vassouras: (Dissertação de Mestrado) - USS, 1997. 66 RUSSEL-WOOD, A.J.R.. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Trad. Sérgio Duarte. Brasília: Editora UnB, 1981. 64 50 sociedade. Além disso, o autor aborda o movimento em torno da Santa Casa como sendo uma forma de distinção social e, isso para nós, é de extrema importância observar porque é exatamente o mesmo que percebemos na Irmandade criada em Valença. Além disso, ele aponta para o quanto a Santa Casa estava atrelada ao Estado. Russel-Wood aponta para as grandes disputas que envolviam o Cargo de Provedor da Santa Casa. Segundo ele, a Irmandade era detentora de um patrimônio considerável oriundo de doações e heranças, e o desejo de poder e prestigio social falava mais alto que a competência para gerir estes recursos. A administração da caridade na Bahia colonial deixava muito a desejar. Não porque não existisse a maquinaria administrativa – essa existia. Era sim, porque a administração brasileira naquele período estava dominada (e até certo ponto ainda está) por uma minoria de pessoas altamente influentes. Essas pessoas não tinham formação para os cargos públicos, mas pertenciam a um grupo interno formado por certas famílias casadas entre si. Para eles, os cargos administrativos representavam uma tradição familiar e um dever social.67 Observando as palavras de Russel-Wood encontramos muitas semelhanças entre a irmandade de Salvador e a Irmandade em Valença no que diz respeito a vontade de poder e as sociabilidades estabelecidas entre as famílias e sua reprodução no poder. Mas certamente, a maior relação entre essas duas instituições esteja na figura do Provedor que era por definição e por ideal: “...sempre um homem fidalgo de autoridade, prudência, virtude, reputação e idade, de maneira que os outros irmãos o possam reconhecer por cabeça, e o obedeçam com mais facilidade, e ainda que por todas as sobreditas partes o mereça, não poderá ser eleito de menos idade que quarenta anos”68. Já em Valença, o Provedor da irmandade “deveria ser uma pessoa respeitável por suas virtudes e independência”.69 O único ponto de divergência entre os dois compromissos com relação ao Provedor é a idade. No caso baiano exigia-se uma personalidade de mais velha, mas da irmandade valenciana isso não existiu e nem poderia ser diferente por um detalhe muito importante: O Visconde de Baependy, 67 Idem. p.88 Idem p. 89 69 Compromisso da Irmandade Santa Casa de Misericórdia, 1838. Apud. COSTA, Elisa Maria Amorim da, Op cit. 68 51 aquele que seria o seu primeiro Provedor e que na época era um rapaz de vinte e seis anos de idade. O fator idade não poderia ser importante já que o mesmo ocupava a presidência da Câmara Municipal. Além do Visconde de Baependy, outras personalidades participaram da criação da irmandade como: Anastácio Leite Ribeiro – Fazendeiro; José Teixeira da Silva - Negociante João Batista de Araújo Leite – Advogado João Joaquim Ferreira Aguiar; João Pinheiro de Souza; - Fazendeiro Vigário Furtado de Mendonça; José Alves Pinto; Jose Idelfonso de Souza Ramos, Visconde de Jaguary - Advogado e Fazendeiro José Silveira Vargas. - Fazendeiro Essencialmente eram quatro as finalidades da Irmandade; 1º - Curar os enfermos necessitados; 2º - Curar os expostos ou meninos abandonados; 3º - Socorrer os pobres encarcerados; 4º - Dotar as donzelas órfãs e desamparadas. Mas assim como Russel-Wood aponta em seu trabalho, fazer parte da irmandade representava um signo de distinção social e para a irmandade possuir em sua mesa diretora membros do poder público representava o que chamou de “maior grau de proteção”70 ao analisar o caso de Goa, que elegia quase sempre o Vice-Rei ou o Governador para o cargo de Provedor. Em Valença essa não era uma regra explicita, mas era muito freqüente que membros da mesa diretora ocupassem cadeiras na Câmara Municipal ou em outros cargos públicos como veremos a seguir: Nome Visconde de Baependy 70 Irmandade 1838 Provedor RUSSEL-WOOD, A.J.R. Op. Cit. p.89 Cargo Publico Presidente da Câmara 52 José Silveira Vargas José Silveira Vargas Conselheiro 1851 Provedor Tesoureiro 1852 Provedor João Damasceno Ferreira Tesoureiro José Silveira Vargas João Damasceno Ferreira Joaquim Saldanha Marinho Escrivão Vereador Juiz de Paz Suplente de Vereador Juiz de Paz Suplente de Vereador Delegado de Polícia Substituto Juiz Municipal e de Órfãos Substituto Conselheiro Municipal de Instrução Primária 1853 José Silveira Vargas João Damasceno Ferreira Joaquim Saldanha Marinho Provedor Tesoureiro Escrivão Joaquim Saldanha Marinho João Damasceno Ferreira 1854 Provedor Tesoureiro Escrivão 1855 Provedor Tesoureiro Christiano Martins da Costa Escrivão Joaquim Saldanha Marinho João Damasceno Ferreira 1856 Provedor Tesoureiro Christiano Martins da Costa Escrivão Joaquim Saldanha Marinho João Damasceno Ferreira 1857 Provedor Tesoureiro Christiano Martins da Costa Escrivão José Silveira Vargas José Teixeira da Silva Joaquim Saldanha Marinho Juiz de Paz; Instrução Primária. Capitão e Secretário Geral da Guarda Nacional Delegado de Polícia Substituto; Juiz Municipal e de Órfãos Substituto. Suplente de Vereador; Conselheiro Municipal de Instrução Primária Juiz de Paz Juiz de Paz Suplente de Vereador Suplente de Vereador Delegado e Polícia Substituto Coletor de Rendas Provinciais; Subdelegado; Vereador Delegado de Polícia Substituto Coletor de Rendas Provinciais; Subdelegado; Vereador Delegado de Polícia Substituto Coletor de Rendas Provinciais; Subdelegado; 1858 Joaquim Saldanha Marinho Provedor João Damasceno Ferreira Tesoureiro Pedro Moreno de Alagão Escrivão Vereador; Juiz de Paz Delegado de Polícia Substituto Delegado de Polícia Substituto; Juiz Municipal e de Órfão Substituto; 53 Conselheiro Municipal de Instrução Primária 1859 Joaquim Saldanha Marinho Provedor João Damasceno Ferreira Tesoureiro Pedro Moreno de Alagão Escrivão Vereador; Juiz de Paz Delegado de Polícia Substituto Delegado de Polícia Substituto; Conselheiro Municipal de Instrução Primária 1860 Joaquim Saldanha Marinho Provedor João Damasceno Ferreira Domingos Tertuliano da Fonseca Escrivão Tesoureiro Vereador Juiz de Paz Juiz Municipal e de Órfão Substituto Agente dos Correios 1861 Antonio Leite Pinto João Vieira das Chagas Werneck José Antonio de Souza Lima Antonio Leite Pinto João Vieira das Chagas Werneck José Antonio de Souza Lima Antonio Leite Pinto Domingos Tertuliano da Fonseca José Fredesvindo de Araújo Silva Barão do Rio Preto Domingos Tertuliano da Fonseca José Fredesvindo de Araújo Silva Provedor Vereador Juiz de Paz Tesoureiro Vereador Procurador Geral 1862 Vereador Provedor Tesoureiro Procurador Geral 1863 Provedor Tesoureiro Procurador Geral 1864 Provedor Tesoureiro Procurador Geral Vereador Juiz de Paz Vereador Juiz Municipal e de Órfãos Substituto Delegado e Polícia Substituto. Vereador Vereador Vereador Secretário da Câmara Presidente da Câmara Vereador Subdelegado Secretário da Câmara Subdelegado Substituto 1865 Barão do Rio Preto Provedor Presidente da Câmara Juiz de Paz José Francisco de Araújo Silva Escrivão Tabelião 1866 Barão do Rio Preto Provedor Presidente da Câmara Juiz de Paz 54 José Francisco de Araújo Silva Escrivão Tabelião 1867 Barão do Rio Preto Provedor Presidente da Câmara Juiz de Paz José Francisco de Araújo Silva Escrivão Tabelião 1868 Visconde do Rio Preto Provedor Presidente da Câmara Juiz de Paz José Francisco de Araújo Silva Escrivão Tabelião 1869 José Francisco de Araújo Silva João Damasceno Ferreira Escrivão Tesoureiro Tabelião Juiz Municipal, Comercial e de Órfãos Substitutos Delegado de Polícia Substituto 1870 José Francisco de Araújo Silva João Damasceno Ferreira Escrivão Tesoureiro Tabelião Juiz Municipal, Comercial e de Órfãos Substitutos Delegado de Polícia Substituto Fonte: Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1844-1889). Antes de começarmos a analisar o quadro acima, explicamos que nossa escolha de datas aconteceu seguindo dois critérios básicos: O primeiro, foi enfatizar o ano de 1838, quando a irmandade foi fundada tendo como seu primeiro Provedor o Visconde de Baependy. Na época ele era o Presidente da Câmara Municipal e assim foi até 1840. Já na provedoria da Santa Casa, ele continuou até 1841. Entre 1839 e 1849 não pudemos fazer uma co-relação entre os membros da Mesa Diretora da Santa Casa e os cargos públicos por falta de informações sobre a administração da Irmandade. Mesmo assim, nosso trabalho não fica comprometido porque as redes de sociabilidades se consolidarão politicamente entre os anos de 1850 e 1870, último ano do nosso demonstrativo. O outro critério que utilizamos foi o de cruzar os dados apenas dos membros da Mesa Diretora, que era composta por Provedor, Escrivão, Tesoureiro e Procurador Geral. Com exceção de 1838, onde José Silveira Vargas era vereador e não estava na mesa diretora, não utilizamos os conselheiros e outros cargos da irmandade, pois assim o demonstrativo ficaria muito grande e perderia sua eficácia. Acreditamos 55 que a co-relação entre os membros da mesa diretora e seus cargos públicos pode demonstrar nossa afirmação. Nos cruzamentos entre os dados, alguns personagens nos chamaram a atenção, pois percebemos que alguns membros das várias mesas diretoras que estudamos não possuíam nenhum cargo público, mas logo em seguida, iniciavam carreira no serviço público. Em outros casos, percebemos que algumas pessoas já estavam em cargos públicos, mas depois de assumirem cargos na irmandade ascenderam em suas carreiras. Acompanhando a trajetória dos filhos do fazendeiro José da Silveira Vargas, primeiro Presidente da Câmara Municipal em 1829, segundo Provedor da Santa Casa no ano de 1841 e retornando à Provedoria em 1849 e nela permanecido até 1854, percebemos fortes indícios de que suas carreiras como homens públicos e de negócios começou na Santa Casa. O filho mais velho Custódio Silveira Vargas aparece pela primeira vez no cenário público em 1855, como Conselheiro da Irmandade, nela permanecendo até 1856. Nesse mesmo, ano disputou as eleições municipais e conseguiu um assento na Câmara entre os anos de 1857 e 1860. Nesse último ano, conseguiu o cargo de Juiz de Municipal de Órfãos, onde permaneceu até pelo menos1870, últimos ano de nossa análise. Em 1861, conquistara a patente de Major da Guarda Nacional. Tudo isso, certamente colaborou para que 1863 Custódio Silveira Vargas se apresentasse ao público como capitalista. Seu irmão, Antonio da Silveira Vargas traçou um trajetória idêntica. Em 1858, ele apareceu pela primeira vez ocupando o cargo de Procurador Geral da Irmandade e nesse posto ficou até 1859. Em 1860, ocupou o cargo de Conselheiro e Subdelegado e no mesmo ano disputou as eleições municipais e conquistou uma cadeira na Câmara Municipal para legislatura de 1861 a 1864. Já em 1861, conseguiu a patente de Capitão da Guarda Nacional. Antonio Silveira Vargas, assim como seu irmão mais velho, se apresentara como capitalista a sociedade, só que mais cedo, em 1862. Em 1865, não era mais vereador, não ocupava nenhum cargo público e nem se apresentara como capitalista, mas em 1866 aparecia novamente, só que agora como fazendeiro. Em 1868, recebera a patente de Major da Guarda Nacional assim como seu irmão. Voltando a Custodio Silveira Vargas, percebemos que ele, ao contrário de seu irmão, continuava como capitalista, mas 1867 decidiu diversificar seus negócios tornando-se fazendeiro. Além disso, voltou à Câmara Municipal como vereador para a legislatura de 1869 a 1872. Nessa família, existia ainda o irmão mais novo Alexandre da Silveira Vargas do qual não encontramos registros sobre suas atividades na irmandade 56 até 1870, mas assim como os irmãos teve vida pública com o cargo de Subdelegado entre os anos de 1862 e 1864. Conseguiu a patente de Capitão da Guarda Nacional em 1868, mesmo ano em que se tornou fazendeiro. Outro personagem que entrou para a vida política da cidade após um cargo na Irmandade, foi o advogado Guilherme de Almeida Magalhães. Seu primeiro registro foi como Escrivão da irmandade em 1862, cargo que ocupou até 1863. Em 1865, ocupou o cargo de vereador até 1866, ano que também assumiu o cargo de Delegado de Polícia. Para concluirmos recorremos mais uma vez à Russel-Wood, que concluiu que: A Misericórdia ocupava uma posição proeminente na sociedade da Bahia. Entre seus membros estavam os mais eloqüentes cidadãos da Bahia. O Provedor era pessoa de posição social e financeira. (...) A participação no corpo de guardiões era. Os nomes dos irmãos representavam um “Quem é Quem” não apenas na aristocracia rural e dos principais funcionários públicos, mas também dos mais importantes artesãos. Por isso a Irmandade era verdadeiramente representativa da sociedade baiana e da ideologia colonial71 Se por um lado a Misericórdia na Bahia colonial simbolizava o pensamento da época, o mesmo acontecia com sua co-relata em Valença. De igual maneira também representava um signo de distinção e pertencimento social. Assim como Russel-Wood aponta para a participação na Irmandade da Bahia de pessoas que não compunham os grupos dos grandes fazendeiros, podemos criar uma co-relação com Ricardo Salles com sua teoria da participação dos “subalternos” tentando imitar essa elite. Em terceiro lugar, destacamos o espaço político da Imprensa local. 71 RUSSEL-WOOD, A.J.R. Op. cit. p.89 57 2.3 – Imprensa e Poder: os jornais da boa sociedade O terceiro tipo de fonte onde a voz da “boa sociedade” se faz ouvir explicitamente é a imprensa. Ao desenvolver nosso estudo, sentimos necessidade de perceber as relações de poder estabelecidas pela classe senhorial, fora das formalidades das atas e documentos oficiais. Percebemos que para termos visão mais ampla dos espaços de poder, deveríamos recorrer aos jornais da época e da cidade, uma vez que são fontes ricas de informações e de transmissão do pensamento desse grupo. Valença contou com um número considerável de periódicos a partir de 1832, com a primeira edição de O Valenciano. Mas todo o mérito mesmo está no acervo da Família Esteves, que durante todos esses anos preservou grande parte desse importante material na sede da Fazenda Santo Antonio do Paiol e que agora encontra-se digitalizado pelo Centro de Documentação Histórica do Centro de Ensino Superior de Valença. Esses jornais são de um conteúdo riquíssimo em informações sobre os modos, costumes e relações políticosociais, nosso foco de estudo. Utilizamos, quatro periódicos, a saber: O Merrimac, O Valenciano, Phenix e O Alagoas, isso por conta de nosso recorte temporal. Mas não deixaremos de traçar uma trajetória da imprensa local uma vez que a mesma se mostrou como um poderoso instrumento da classe senhorial. O primeiro jornal que surgiu na cidade foi O Valenciano em 1832, e de propriedade da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional da Villa de Valença, sociedade esta fundada logo após a abdicação de D. Pedro I e composta por vários fazendeiros e políticos locais que temiam uma suposta ameaça à independência do Brasil. O jornal era rodado na Thypographia Nacional e seus redatores eram os padres Meireles e Aguiar, e o agente em Valença era José da Silveira Vargas, presidente da Câmara Municipal da época. Faz-se importante salientar que o visconde de Baependy era um dos fundadores dessa sociedade, e na época secretário-geral da mesma. José da Silveira Vargas também esteve ligado a outro empreendimento jornalístico quando junto com Bonifácio Villarinho e Anastácio Leite Ribeiro patrocinaram A Sentinela Valenciana. Leite Ribeiro também era ligado a Baependy e mais tarde também foi vereador no período Baependy. Outro jornal que a partir de 1862 circulou na cidade foi O Merrimac,, editado por um grupo de sócios e dentre eles podemos citar João Rufino Furtado de Mendonça, um político local descendente de uma família tradicional na área jurídica e aliado 58 incondicional do Visconde do Rio Preto. João Rufino era o dono da tipografia que produzia os mesmos. Sua marca registrada sempre foi a parcialidade política, embora dissesse o contrário. Foi um forte instrumento da classe senhorial. Em 1864, João Rufino assume totalmente o controle do jornal e o transforma em O Valenciano, ocupando o posto de redator do mesmo. Esse jornal dura até 1865, mas por conta de um processo judicial ele deixa de ser impresso. Com um nome muito sugestivo em 1867 surge A Phenix, uma alusão ao pássaro mitológico que ressurge das cinzas. Certamente o nome não poderia ser mais apropriado uma vez que era o retorno de João Rufino à imprensa. Em 1868 surgiu o jornal O Alagoas de propriedade de Custódio Antonio da Silva e redigido pelo padre Joaquim de Paula Vasconcellos. Em nossas pesquisas não conseguimos rastrear até o momento nada sobre estes dois personagens, a não ser que Custódio Antonio fundou outro jornal em 1883, chamado Gazeta de Valença. Sabemos, no entanto, que O Alagoas teve vida curta, com dois anos de publicação. Outros jornais surgiram na cidade durante o século XIX e suas características sempre foram parcialidade política e o envolvimento com os grupos políticos da cidade. Podemos observar que, já em sua fundação esses jornais revelavam as alianças políticas com grupos da “boa sociedade” e que revelavam a importância da imprensa na defesa de interesses de grupo. Entretanto, a vinculação aos grupos políticos não foi exclusividade do Vale do Paraíba Fluminense. Segundo Gladys Sabina Ribeiro,72 os irmãos Andrada e Silva também se utilizaram desse recurso durante todo o período de pré e pós-independência. A metodologia de análise da autora consiste em identificar os personagens que escreviam no jornal, situando-os em face dos acontecimentos. Nesse movimento, ela identifica um grande número de artigos que tentavam construir uma imagem de José Bonifácio. Seguindo este rastro, ela identifica a ligação dos articulistas com o mesmo político. Para nós, parece muito conveniente seguir o mesmo caminho, uma vez que identificamos os proprietários e redatores dos jornais a serem estudados por nós, faltando apenas articulá-los ao interesses interpostos pela classe senhorial. Como já expusemos, trabalharemos nesse momento com quatro jornais que são: O Merrimac, O Valenciano, A Phenix e O Alagoas. Nossa principal proposta nessa empreitada é demonstrar como os jornais serviam de caixa de ressonância dos interesses 72 RIBEIRO, Gladys Sabina. Nação e cidadania no jornal O TAMOIO. Algumas considerações sobre José Bonifácio, sobre a Independência e a Constituinte de 1823. Revista Tempo. 2004 59 da classe senhorial. Apontamos que a escolha por esses três periódicos se deu por estarem eles situados entre 1862 e 1869, recorte temporal que se enquadra dentro do “Período Rio Preto”. Para iniciarmos, nos serviremos do jornal O Merrimac que em seu cabeçalho já dizia sua proposta. “O Merrimac - Um jornal noticioso, comercial e instrutivo – Publica-se em dias indeterminados. Pagamento da assinatura adiantado”73 Logo de início o jornal que, dentre suas funções apresenta como uma delas a de instruir. Não obstante, o mesmo indica que não existe uma periodicidade regular e que o pagamento das assinaturas se daria de forma adiantada. Mas quem pagaria uma quantia fixa adiantada, por um produto que não tem período certo para receber ou uma quantidade estipulada? Por certo, estar a par dos assuntos locais e regionais era algo pelo qual valia a pena pagar por isso. Além disso, os donos do jornal eram de famílias tradicionais na cidade. Mas já na primeira edição, no editorial de lançamento, eles assim se reconhecem: Mais um filho da invenção genial de Gutenberg – O Merrimac, saúda a todos os valencianos amantes do progresso e da civilização. Mais um campeão inofo, (sic) sem prestígio e sem proteção arroja-se na arena imprensa dos lidadores do pensamento. Quando tudo se agita, quando todos correm a se alistarem ao seido (sic)das bandeiras do progresso, e marcham a conquista da civilização.) Valença, importante fração da importante província do Rio de Janeiro não deve estacionar. Sobranceiro a mesquinhas intrigas dessa política, toda pessoal, própria das localidades do interior,mais nobres são as aspirações do pequeno periódico que hoje faz seu tirocínio. Critério – eis o palinuro, - moderação – eis sua bússola – coragem, eis o galerno com que pretende navegar. Sem cálculos nem ambições dispensamos aureolas (...) O Merrimac só visará o engrandecimento do município e cidade de Valença. (...) Em nome do progresso, em nome da civilização, em nome de utilidade, em nome da índole progressista e amante da instrução que caracteriza os habitantes desta cidade e município. O Merrimac aguarda bom acolhimento74(grifos nosso) Vejamos que as aspirações dos jornais são altas, pois eles se colocam como instrumento do progresso e da civilização. Dizem-se desprovidos de prestigio e proteção. Segundo eles, seu objetivo era o engrandecimento do município de Valença, e como eles mesmos diziam, importante fração da Província do Rio de Janeiro. Mas eles 73 74 Cabeçalho do Jornal O Merrimac CD-005 CDH/CESVA In: O Merrimac, ano I, nº I, 19 de outubro de 1862 CD-005 CDH/CESVA 60 também se referem à sua isenção quanto às “mesquinhas intrigas políticas”. Faz-se necessário recorrermos ao sub-item anterior e verificarmos que em 1862 a administração municipal já vivia uma nova legislatura comandada pelo Visconde do Rio Preto, no entanto, é preciso entender que ainda havia uma divisão por conta da ausência do Visconde de Baependy na legislatura anterior, e pela impopularidade de seu irmão, o Barão de Juparanã. Recorremos a Luis Felipe de Alencastro, para aprofundar a nossa análise: (...) Um modo de vida caracterizado por uma cultura camponesa rica, menos desequilibrada que da Itália, menos rústica que a da Espanha e Portugal, mais densa que a da Inglaterra, mais presente que a da América do Norte. Folhetins, operetas e romances vindos da França difundiam no Império a imagem de um modo de vida rural, conservador e equilibrado, entrelaçado de aldeias e pequenas cidades nas quais o padre e o militar, quando havia casernas, apareciam como personagens de prestígio. Desenhava-se a representação de uma sociedade rural francesa que aparecia como um paradigma de civilidade para a sociedade tropical e escravagista dos campos do império75 A chamada aos ideais de civilização, de progresso e de cultura, assim como uma linguagem preciosa remetem à permanência de modelos ilustrados inseridos na formação das elites do Império. Também podemos entender que o pensamento dos editores do jornal estavam inseridos nos valores da elite da sociedade do Império, que era amplamente influenciada pelo modelo francês de modernidade e civilização. Ainda mais quando os editores escrevem que um dos critérios do jornal é a moderação, em uma clara alusão ao conservadorismo, segundo Alencastro. E eles reafirmam isso no trecho abaixo: Vencendo finalmente os tropeços e dificuldades da inerente e idéia útil e progressista o Merrimac se apresenta de peito aberto para combater na arena da civilização todos os Monitores que ousarem desafiá-lo. (grifo nosso) Bem sabemos que todos aqueles de espírito mesquinho e malévolo abocanharão e até condenarão esta cátedra nessa ousadia. (...) Pois bem, seremos tudo quanto quiserdes, mas resta a consolação de que os homens sérios, sensatos, os políticos que desejam o bem do país, a autoridade severa, mas imparcial, enfim, 75 ALENCATRO, Luis Felipe de, Op cit. p. 43. 61 todas as pessoas honradas dirão; Avante, mocidade! Avante vosso esforço nobre e louvável! 76 Na mesma edição de lançamento do jornal, é noticiada a criação do Club Provisório, que era uma reunião dos homens da boa sociedade valenciana. Nesta notícia eles apontam que só podem participar das reuniões deste clube os membros e as pessoas afiançadas pelos mesmos. A proposta do Club Provisório deixa bem claro o que eles entendiam por civilizado e moderado: O Club Provisório há de ser definitivo e aumentará na pitoresca cidade de Valença o incanto (sic) da sociabilidade que tanto a distingue. (grifo nosso) (...) Terminamos esta noticia com os mais lisonjeiros cumprimentos aos cavalheiros que tiveram tão deliciosa inspiração77 Ainda na mesma edição, os editores demonstram algumas preocupações e as estratégias de sociabilidade: Noticiário: - Casou-se no dia 16 do corrente a Exma. Sr. Deolinda Augusta Correia com o Sr. Manoel Joaquim da Cunha Guimarães. Foram padrinhos Srs. Capitão Joaquim Pinto da Fonseca, José da Silva Souza Brandão e D. Jezuina Pinto da Fonseca.. - Afiançam-nos os diversos fazendeiros deste município que o bicho do café está inteiramente instinto e que podemos ter uma grande colheita. - Casou-se ontem na capela de São Sebastião do Rio Bonito o Sr. Claudiano Pinheiro de Souza com a Sra. D. Maria Augusta Machado.78 (grifos nossos) Fizemos questão de ressaltar estas notícias por dois motivos: O primeiro referese à forma com que os dois casamentos são anunciados. No primeiro, o nome da mulher vem na frente com tratamento de “Exma” o não foi conferido nem ao seu noivo. Outro fato que chama a atenção é a citação dos padrinhos, algo que não acontece com os outros noivos. Ao procurarmos por esses nomes no Almanack Laemert só encontramos referencia a José da Silva Souza Brandão que era um fazendeiro e juiz da Irmandade de Nossa Senhora da Glória e além dele conseguimos identificar um dos noivos que é 76 In: O Merrimac, Ano I, nº I, 19 de outubro de 1862 CD-005 CDH/CESVA Idem 78 Idem 77 62 Claudiano Pinheiro de Souza, outro fazendeiro, só que da Freguesia de São Sebastião do Rio Bonito. Mesmo sem conseguir identificar os outros personagens, para nós fica muito claro que as noticias giravam em torno do que acontecia na classe senhorial, tanto nos assuntos sociais quanto em outros assuntos, como conta da preocupação que eles tinham com as lavouras de café. A vida privada sempre foi um dos pontos fortes desse jornal. Outro marco dessas publicações são as noticias acerca dos escravos. Em geral tais notícias eram carregadas de medo, surpresa, indignação e cobrava alguma medida das autoridades, como foi o caso relatado: Um fato altamente denuncioso do mais horroroso canibalismo, uma sacrílega profanação que revolta e faz estremecer de indignação a pessoa mais indiferente acaba de se dar no centro desta cidade. (grifo nosso) Os Protagonistas desse repugnante comédia passam todos os dias diante de nós. (...) Consta-nos que em dez dias do mês passam foi levado a Cemitério público desta cidade o cadáver de uma criança recém nascida para ser sepultado. Sendo deixado lá por não estar a cova pronta (o que sem causa muitas vezes acontece) o cadáver desapareceu sendo entregue à um preto, escravo. Este fez dele um presente a escrava de um distinto cavalheiro, aqui residente. A escrava apreciando o objeto por tanto tempo, talvez, ambicionado para seus nefastos sortilégios, o escondeu em lugar insuspeito, o fedido atraiçoando foi ele descoberto por uma pessoa da casa.79 Esse caso continuou sendo abordado por algumas edições. Após este, apareceu outro caso suspeito. As autoridades eram cobradas constantemente. Isso seria algo compreensível por se tratar de um crime supostamente cometido por escravos, no entanto a sensação de insegurança não aparecia somente em casos relacionados a escravos. Era também estendida aos pretos livres que residiam na cidade como vemos: “Chamamos a atenção das autoridades para o ajuntamento cotidiano de pretos que fazem umas pretas cativas, que tem casa alugadas na rua das flores”.80 Assim como Luis Felipe de Alencastro se serviu dos jornais para escrever sobre a ordem privada do Império, pretendemos fazer o mesmo, uma vez que tais jornais são fontes preciosas de informações sobre eventos, cerimônias, velórios, como também, as 79 80 In: O Merrimac, Ano I nº 4 9 de novembro de 1862 CD-005 CDH/CESVA In: O Merrimac, Ano I, nº. 6 16 de novembro de 1862 - CD-005 CDH/CESVA 63 atividades do poder público. Prova disso é o grande número de publicações “A Pedido81”, que se tornaram um importante meio de interação da sociedade com os jornais. Nesse caso, entenda-se a “boa sociedade”. Nos jornais valencianos podemos encontrar as atividades dos clubes sociais e das irmandades. Muitas das vezes as eleições para a composição das mesas diretoras dessas irmandades eram acompanhas pelos jornais e logo após o resultado era publicado para todos tomarem conhecimento. Outro aspecto intenso desses jornais e que mais interessa para nosso trabalho, é o envolvimento político atrelado ao envolvimento econômico. Noticiário: A questão importantíssima de que nos ocupamos no artigo anterior, está sendo agitada em todos os círculos da cidade. A idéia generosa de ligar os municípios de Valença, do Rio Preto e circunvizinhos ao grande mercado do Rio de Janeiro por uma via férrea, não podia, com efeito, deixar de ser acolhida por todos os nossos concidadãos. Homens e de reconhecida experiências e aos quais não se pode opor a objeção de leviandade. (grifo nosso) (...) Nomearemos, entre outros, e como dignos do reconhecimento público, por esse motivo os Srs. Herculano Furtado de Mendonça, Antonio Carlos, Araújo Leite, Araújo e Silva, Drs, Lima, Tavares Bastos, Fernandes, e Guilherme, Negreiro, Américo Ferreira e Fonseca82. Ultima Hora: A Diretoria da Estrada de Ferro a carta assinada por 156 dos principais cidadão deste município relativo ao nosso ramal projetado resolveu por unanimidade de votos: Congratular os signatários pela tentativa. (...) Acredita-se que as despesas preliminares não excederão 6:000$000rs empregando-se engenheiros e instrumentos da companhia.83 Embora O Merrimac represente bem as características principais dos periódicos da época, não nos prendemos apenas ele. Em 1864, depois dois anos de publicação 81 As publicações “A Pedido” constituíam um importante mecanismo de fala dos leitores que solicitavam de informações variadas. 82 In: O Merrimac. Ano II nº. I, 1 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA 83 In: O Merrimac. Ano II nº 4, 25 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA 64 ininterrupta o jornal O Merrimac deu lugar ao jornal O Valenciano. Não sabemos bem os motivos que levaram os Padres Joaquim de Paula Vasconcellos e Luis Alves dos Santos abandonarem a sociedade com João Rufino Furtado de Mendonça. O certo é que este importante Solicitador da cidade de Valença agora se tornara o único proprietário de O Merrimac e logo fez questão de mudar seu nome para O Valenciano. Podemos supor que essa mudança fosse uma estratégia de aproximação com o primeiro jornal surgido em Valença em 1832, como já falamos anteriormente, de mesmo nome. O que temos de concreto é a aproximação de João Rufino com os patrocinadores da primeira versão, dentre eles o Major Silveira Vargas e o Visconde de Baependy. Essas questões são identificáveis já na primeira edição de O Valenciano, que foi publicada no dia 09 de fevereiro de 1864 e como de praxe anunciavam que, “no meio das puerilidades, afrontas das calúnias, das maldições, nós prosseguiremos avante nessa cruzada santa da civilização e da liberdade.”84 Essa epígrafe foi assinada por Alexandre Herculano Furtado de Mendonça, jovem advogado de João Rufino. O que mais uma vez notamos é a preocupação que os editores têm com a “civilização” e com as perseguições e calúnias sofridas. Nesse sentido, somos levados a dialogar com a historiadora Tânia Maria Bessone, quando diz que ao introduzir seu estudo sobre o jornal O Patriota faz uma trajetória da imprensa no Brasil do século XIX e conclui que “nessa perspectiva, marcavam posições ideológicas e procuravam propalar conceitos que tinham objetivos políticos e pedagógicos”85. Com essas palavras, a historiadora também parece descrever as práticas encontradas nos jornais valencianos. Ao contrário do que encontramos na primeira edição de O Merrimac, em O Valenciano pelo menos não encontramos a palavra imparcialidade nesta apresentação ao público da cidade. Nem havia de ser diferente porque no mesmo número eles demonstram extrema parcialidade nas questões políticas como verificamos na notícia sobre a eleição provincial. Eleição Provincial Apuração dos colégios, descontados os votos nulos de Porto das Caixas e Santa Isabel. 1 2 3 4 84 J.P. de Figueiredo Carvalho J.B. de Abreo Cardozo Sodré J.G. Ribeiro de Avellar B. Alves Machado 313 298 293 292 In: O Valenciano. Ano I nº 1, 09 de fevereiro de 1864 CD-008 CDH/CESVA FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. As origens da resenha no Brasil: as experiências de O Patriota. In: CARAVALHO, José Murilo de, e NEVES, Lúcia Maria Bastos. (orgs.). Repensando o Brasil do oitocentos. Cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009 85 65 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 C.J. Rodrigues T. Filho J. Accioli de Brito P.J. Martins Rocha J.N. Castrioto A.F. Caldas M.M. de Noronha Feital A.J.R. de Vasconcellos de Antas A.J. de Castro Silva J.A. e Souza Lima C. Correa e Castro M.J. Marinho da Cunha Ribeiro de Almeida Fontes Souto Sá Carvalho Carrão M. Jacintho Lago Ismael 292 292 285 279 273 254 252 246 236 233 232 230 215 215 204 198 192 182 134 Há ainda a descontar-se os 5 votos dos eleitores e Bemposta, que foram anulado, que não sabemos em quem recairão eles. A chapa do Diretório sofreu algumas avarias. Os Candidatos prejudicados foram os Sr. Sá Carvalho, Fontes e Ismael. Este último não pode qualificar sua derrota – vergonhos – (grifo nosso) porque toda oposição franca que sofreu nasceu de seus próprios correligionários, como sucedeu neste colégio, ao passo que o Sr. Fontes, teve votação superior sem pertencer ao Diretório. Não admira que o Sr. Torres Filho saísse vitorioso, por quanto, consta-nos ainda, carta branca do Diretório para facilitar-se-lhe a votação para ter um assento na salinha provincial. É pena que o Sr. Souto saltasse fora!86 Na lista da apuração, aparecem alguns nomes importantes de famílias da região como Ribeiro de Avellar e Correia e Castro, além de personalidades como o futuro Barão de Juparanã, irmão do Visconde de Baependy, que na lista aparece como M. Jacintho, somando 182 votos. Além disso, a notícia chama a atenção para a presença do “Diretório”, que nesse caso trata-se do Diretório Conservador. É muito claro o poder que esse Diretório tem nas eleições regionais. Mais adiante encontramos outra notícia com o seguinte teor: 1 2 3 4 5 6 86 4º Distrito Manoel Rodrigues Jardim Antonio Veríssimo de Matos Cerqueira Lima José Feliciano de Moraes Costa João dos Santos Silveira Paulino Correa Vidigal In: O Valenciano, Ano I, nº. 1 - 9 de fevereiro de 1864. CD-008 CDH/CESVA 66 7 8 9 10 11 12 13 14 Felippe José Correa de Mello Pedro Rodovalho Marcondes dos Reis José de Paiva Magalhães Calvet José Antonio de Araújo Filgueiras Antonio Caetano de Almeida Bahia Manoel José de Souza Gitahi Zoroastro Augusto Pamplona Os prejudicados foram os Srs. Joaquim Manoel de Sá, Magalhães Breves, Ferreira de Siqueira, Duarte Silva, e Pinto de Mello. Os Srs. Cerqueira Lima, Bahia, Souza, Gitahi e Pamplona, não pertencem ou não foram favorecidos pelo Diretório ligueiro e são todos liberais genuínos.87 (grifo nosso) Essa notícia não deixa nenhuma dúvida sobre o posicionamento político dos Furtado de Mendonça e por conseqüência, seus jornais. A notícia é bem explícita quanto aos interesses desse grupo. Essa notícia dá conta apenas de uma parte da apuração dos votos que se sucedeu nas edições posteriores, mas mesmo assim dá um panorama da política regional voltada para assentos na Assembléia Provincial. Além de eleições provinciais, o ano de 1864 também seria de eleições municipais. No município, o então Barão do Rio Preto, presidente da Câmara Municipal desde 1861, se consolidava como uma liderança conservadora. Ele ocupava agora o posto que antes fora do Visconde de Baependy. Se nas eleições de 1860 os conservadores clamavam por um líder forte, agora eles já o tinham. Mesmo assim os ataques aos liberais continuavam. Guerra de extinção aos legítimos liberais, gritadores e utopistas,(sic) tais como Carlos Bernardino de Moura e outros querem e desejam anarquizar e perverter o povo. Crestemo-lhes as asas para que seus vôos sejam rasteiros ou que não possam adejar88. Quem lê esta notícia, logo de primeiro momento percebe que existia uma fúria muito grande dos conservadores com relação aos liberais. Se olharmos para o cenário político nacional, encontraremos durante o segundo reinado um grande embate entre esses dois grupos, que na realidade eram essencialmente iguais, pois ambos eram escravagistas; suas divergências aconteciam por conta da política centralista dos conservadores, a qual os liberais eram contrários. Em 1853, Honório Carneiro Leão, 87 88 In: O Valenciano, Ano I, nº. 1 - 9 de fevereiro de 1864. CD-008 CDH/CESVA In: O Valenciano, Ano I, nº. 17 - 18 de junho de 1864. CD-008 CDH/CESVA 67 Marquês de Paraná, primo do Visconde de Baependy, formou o Ministério da Conciliação, formado por conservadores e liberais. Essa tendência se seguiria até 1868 com a queda do gabinete de Zacarias Góes de Vasconcellos, e ascensão de Caxias, sogro do Barão de Santa Mônica, irmão do Visconde de Baependy. Voltando para a “guerra” declarada no jornal aos liberais, entendemos que isso se dava porque na época quem era o Chefe de Gabinete era o próprio Zacarias Góes de Vasconcellos, um liberal. Para entendermos melhor esta guerra, precisamos relembrar que a notícia foi publicada em junho e as eleições seriam em setembro, mas para explicar esse temor dos conservadores com relação aos liberais recorremos ao trabalho de Raimundo Mattos89, que nos aponta na mesma época uma estreita relação entre Zacarias e Manoel Antonio Esteves, importante fazendeiro local. Não podemos afirmar em hipótese alguma que Manoel Esteves fosse um liberal, até porque suas atitudes e trajetória demonstravam o contrário, mas a proximidade dos dois era tanta que o mesmo casou seu filho com uma filha de Zacarias. Embora a proximidade dos dois não significasse uma influência política de Zacarias na cidade, o certo é que os conservadores não poderiam arriscar, pois apostavam alto na consolidação do Visconde do Rio Preto como grande líder político e financeiro da cidade. Para comprovar nossa afirmação recorremos a mais um trecho do jornal. Desta vez, uma carta enviada por alguém intitulado “O Roceiro”. Aproxima-se a nova quadra eleitoral, sim, pouco mais de sessenta dias falta para a eleição primária e já ao longe se houve o som do clarim, que voz convida a exercer o sagrado direito que a Constituição vos concede. Já uma reunião de um dos partidos, consta se ter feito, para se tratar da eleição, pois bem: preparai-vos, marchai no memorável dia sete de Setembro à Matriz desta cidade, lançai vossa cédula na urna, mas escolhei, escolhei bem e conscientemente os nomes que devem compor esta lista: (...) A contenda eleitoral está finda, etc, etc... Em fim o povo valenciano, livre correu as ruas com seus sufrágios. (...) Eis por fim chegada a nova época de vossa soberania, exercei vossos direitos com dignidade abraçai a quem de vós cuidou, desprezai a quem vos desprezou.90 O Roceiro 89 MATTOS, Raimundo César de Oliveira. De comerciante a “cidadão exemplar” – A trajetória de Manoel Antonio Esteves – Tecendo sociabilidades no oitocentos. Rio de Janeiro, Anais Eletrônicos da IV Semana de História Política do PPGH/UERJ, 2009 90 In: O Valenciano, Ano I, nº. 18 - 25 de junho de 1864. CD-008 CDH/CESVA 68 Em nossas pesquisas não conseguimos identificar quem seria o personagem autor desta correspondência, mas mesmo assim podemos perceber que é um conservador. Acompanhando a trajetória política da cidade identificamos uma brecha deixada pelos conservadores na legislatura de 1857 a 1860. Na realidade foi no final do Período Baependy, quando o Visconde de Baependy já não estava mais na política local e seu irmão tentou assumir seu lugar, mas o mesmo não gozava do mesmo prestígio do irmão. Com essa brecha, os liberais se fortaleceram e as eleições de 1859 foram muito disputadas, tendo o Visconde do Rio Preto como grande vencedor e presidente da Câmara de 1861 a 1864. A contenda eleitoral a que ele se refere é que com a falta de um “grande líder” como fora o Baependy, os conservadores se dividiram entre aqueles que apoiavam seu irmão e os que eram terminantemente contra sua figura. Durante sua legislatura, o Visconde do Rio Preto adotou uma postura de conciliação e fortalecimento de seu grupo, mas o Barão de Juparanã ainda pleiteava a herança política do irmão mais velho. Sendo assim, o autor da carta convida seus pares a votar e a fazer uma comparação entre as duas figuras. De fato, durante sua administração o Visconde do Rio Preto soube articular muito bem suas relações restando pouco para o Barão de Juparanã. Nesse momento, não consideramos ser importante descer a detalhes nesta disputa política, uma vez que nosso foco neste item é o jornal como espaço de poder. O Valenciano parou de se editado em 1865 e quase dois anos se passaram até que em 1867, João Rufino ressurgisse com A Phenix. Sua mensagem inicial é bem clara e objetiva e diz também qual o seu principal interesse; a proteção da lavoura e consequentemente da escravidão que era sua principal mão-de-obra: Até o presente tem se levantado vozes bem fortes e eloqüentes em prol da lavoura, as quais não tem sido ouvidas, nem atendidas por aqueles que governam a mão do Estado e deviam prestar a atenção aos negócios da pátria. 91 Quando tomamos sobre nossos fracos ombros a penosa tarefa de publicar uma folha em Valença, não foi somente visando o interesse, mas também esperando pugnar pelos melhoramentos locais, entre os quais colocamos em primeiro lugar os da – lavoura. Estenda-nos a classe agrícola sua mão protetora – ampare-nos sob sua égide tutelar, e nós só aumentaremos o formato desse jornal como protestaremos à nossos Deuses advogar sua causa com todas as nossas forças. Ajudem-nos todas as classes, porque propugnaremos pelo interesse de todos, e se a causa da lavoura, é, e tem sido, e há de ser, nosso tema 91 In: A Phenix, Ano I, nº8 de 28 de abril de 1867. CD – 015 CDH/CESVA 69 principal, é porque defendendo seus interesses, defenderemos os interesses de todos. Ela é o termômetro, que avalia o comércio, anima as indústrias, e as empresas, as artes, e as ciências, porque é quase a fonte única e principal de onde provem o dinheiro, sem o qual, menos a virtude, tudo enlanguesce, e definha e morre.92 (Grifo nosso) Nada poderia ser mais explicito do que o jornal dizer que advoga em favor da “lavoura” pedindo proteção aos fazendeiros locais. Eles ainda justificam que essa “lavoura” é a fonte da riqueza da região a qual eles estão atrelados. Sem ela, segundo eles, nada mais, subsistiria, porque ela seria quase fonte única de onde vinha o dinheiro da região. Ainda segundo o jornal, defender a lavoura era um dever de todos. Em 1868 nasceu o jornal O Alagoas, e o que de mais peculiar podemos notar neste periódico é a figura de seu proprietário, Custódio Antonio da Silva. Não encontramos nenhuma referência a sua origem familiar, mas o que marca este personagem é que ele fora o redator de O Merrimac e O Valenciano e mais tarde viria a fundar mais outros dois jornais na cidade. Ao contrário dos outros dois jornais, não conseguimos a primeira edição de O Alagoas, apenas a partir da quarta edição. Edição esta que trazia estampada em sua capa a notícia do falecimento do Visconde do Rio Preto. Assim como os outros jornais O Alagoas também estava ligado aos interesses dos conservadores, basta ver como ele noticiou a morte do Visconde do Rio Preto: A imprensa valenciana, como representante das grandes idéias, como admiradora das nobres ações, como defensora dos importantes interesses de seu rico município, faltaria sem dúvida ao mais sagrado dever se não viesse render sua última homenagem a este cidadão benemérito. (...) Se foram sempre sinceros, e merecidos os louvores que outrora lhe tributávamos por suas nobres ações, é também sincera e desinteressada a oferenda que ora fazemos ao morto. Jamais empunhamos o turíbulo da vil lisonja, jamais queimamos o incenso corrompido da hipocrisia, porque embora obscuros na carreira do jornalismo, sempre soubemos conservar-nos na altura de nossa dignidade93. Para o nosso trabalho, o jornal O Alagoas é também importante porque ele retrata bem a ruptura de uma conjuntura política com a morte do Visconde do Rio Preto. É nesse jornal que encontramos parte da classe senhorial vendo seu projeto de poder já estabelecido, sendo desarticulado. As palavras do redator do jornal são sempre carregadas de preocupação com a suposta estabilidade alcançada na gestão do Visconde 92 93 In: A Phenix, Ano I, nº9 de 05 de maio de 1867. CD – 015 CDH/CESVA In : O Alagoas, Ano I, nº04 de 13 de setembro de 1868. CD – 009 CDH/CESVA 70 do Rio Preto. Com sua morte muita coisa estava em jogo: os conservadores se viam novamente sem um líder, alguém que pudesse tocar seus projetos. Desta vez o Barão de Juparanã não se apresentava como uma opção, mais sim, como uma realidade já que com o falecimento do visconde e o segundo lugar nas eleições ele seria o próximo presidente da Câmara. Embora isso fosse um fato, a preocupação voltava ao cenário conservador. Veremos agora se aqueles que ambicionaram este lugar que sempre fora brilhantemente ocupado, o imitarão, e o tomarão por modelo. Com a morte do ilustre visconde Valença perdeu seu protetor, seu verdadeiro arrimo. Lamentemos, pois, sua morte como uma perda irreparável. Choremos, valencianos!94 Nossa proposta foi a de comprovar o comprometimento político dos jornais valencianos. Demonstramos como esses periódicos se tornaram instrumentos importantes para os conservadores e seu projeto de poder. Com relação a sua estrutura física notamos uma semelhança com os jornais estudados por Tânia Bessone quando diz que “os jornais das primeiras décadas do século XIX no Brasil guardavam semelhanças com os folhetos e panfletos, e alguns podem ser considerados revistas, bem longe, no entanto, dos modelos gráficos e dos formatos dos jornais da atualidade.95 Concluímos que os jornais valencianos da época eram importantes para a propagação dos ideais conservadores, abraçados por um grupo da boa sociedade, e do que acontecia no cenário provincial e das ressonâncias e impactos locais da política da corte. Explicitamente eles defendiam costumes e os interesses dos fazendeiros: Os jornais foram essenciais para transformar o Visconde do Rio Preto em uma figura quase mítica. Mesmo depois de falecido, os jornais divulgavam maneiras de lucrarem com sua figura e de manterem sua mitologia política. 94 95 Idem. FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. Op cit. p. 327 71 3 - O Visconde do Rio Preto como Arquétipo de um grupo, sua morte e a desestruturação dos projetos da boa sociedade. Nos capítulos anteriores demonstramos como se criaram e se fortaleceram algumas redes de sociabilidade em Valença no século XIX. Demonstramos que estas relações se fortaleciam concomitantemente, no meio privado e no ambiente público. Através do rastreamento de algumas famílias pudemos entender um pouco destas redes sociais que ocuparam instituições sociais que, por sua vez, configuraram os dispositivos de poder de uma elite. Segundo nosso entendimento não é possível entender plenamente essas redes de sociabilidade em Valença no século XIX sem falar em Domingos Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto. Dizemos isso porque conforme demonstraremos, ele foi um dos maiores expoentes desse tipo de prática na cidade, aliás, prática pertencente à estrutura política e social brasileira da época. O visconde foi um grande empresário que se instalou em Valença na região da Freguesia de Santa Tereza e que enriqueceu ainda mais. Ele comprou várias fazendas na região, criando um pequeno império particular e uma rede muito importante de relações sociais. Algumas biografias existem sobre este personagem e a mais atual que acreditamos ser a mais completa é o trabalho de Rogério da Silva Tjader.96 Neste trabalho o autor faz um junção de outros biógrafos e acrescenta algumas informações inéditas. Sua principal contribuição está no fato dele propor uma correlação do Visconde do Rio Preto com alguns personagens de atuação nacional. Tjader, porém, procura ressaltar as qualidades do personagem estudado. “O que Valença proporcionou ao Visconde do Rio Preto, na possibilidade da formação da sua imensa fortuna, recebeu de volta, sob a forma de gratidão, colaborando ele de quantas formas se apresentaram para concretizar seu ideal, em diversas entidades públicas ou privadas, das quais participou, sempre no intuito de engrandecer o bem comum, minorando o sofrimento dos mais necessitados, promovendo e projetando Valença no cenário fluminense e nacional, fazendo desta cidade um local aprazível, confortável, digno de nele se viver”. 97 Cabe ressaltar que nosso objetivo não é traçar uma biografia deste personagem, mas mostrar como sua trajetória é exemplar e reveladora das sociabilidades e dos 96 TJADER, Rogério da Silva. Visconde do Rio Preto, Sua Vida, Sua Obra, o Esplendor de Valença. Valença: PC Duboc Ltda, 2004 97 Idem p. 07 72 projetos de poder em Valença no século XIX. Ao iniciarmos nosso trabalho nos deparamos com um personagem rico e extremamente importante, que nas palavras de contemporâneos: Desnecessário seria apontar aos coevos (sic) a soma de benefícios, que o falecido, Visconde do Rio Preto fez a Valença, porque eles são testemunhas que talvez, mas do que eu estejam habilitados para os enumerar. Permitamme, srs., que antes de tratar das exposição dos feitos da Câmara, eu vos diga alguma cousa a cerca da sentidíssima morte de seus digno Presidente, o Exmo. Visconde do Rio Preto. Este nome, srs., identificou-se por tal forma com a Cidade de Valença, pelos benefícios que a ela prodigalizou98 Mas, ao longo de nossa trajetória e dialogando com outros autores percebemos que Domingos Custódio Guimarães não poderia ser visto com uma exceção, mas sim com um exemplo das estruturas sociais em que vivia. Semelhantemente pensaram João Fragoso e Ana Maria Lugão Rios99 ao estudarem o Comendador Manuel de Aguiar Valim, outro rico empresário, senhor se muitos escravos e proprietário da Fazenda Resgate em Bananal. Desde sua saída, aos dezessete anos, da casa paterna aos eventos de 1853, deixou-nos o Comendador a impressão de ter sido um empresário ousado, sempre afinado com as oportunidades oferecidas, chegando mesmo a testar os limites legais impostos pelo Estado, na sua época. O inventário dos bens por ele deixados é a prova de seu inegável talento no mundo dos negócios. Ao morrer, havia multiplicado por dez a fortuna que recebera. O montante dos bens destinados aos seus herdeiros soma a impressionante quantia de 2:847:169$362. (...) Ainda que talentoso como empresário, Valim não era exceção. Sua trajetória foi, pelo contrário, bastante semelhante a de seus pares até, pelo menos meados da década de 1860100. Assim como o Visconde do Rio Preto e o citado Manuel de Aguiar Valim, passaram por Valença alguns personagens que também poderíamos pegar para análise como José Ildefonso de Sousa Ramos, Barão das Três Barras e 2º Visconde com 98 MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Relatório de Gestão apresentado à Câmara Municipal de Valença em 07/01/1869. CD 004 - CDH/CESVA. 99 FRAGOSO, João Luis e RIOS, Ana Maria Lugão. Um empresário brasileiro do oitocentos. In: MATTOS, Hebe Maria e SCHNOOR, Eduardo (orgs). Resgate: Uma janela para os oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995. 100 Idem p. 199 73 Grandeza de Jaguary101, Outro personagem que também poderia servir com ponte de análise é Peregrino José de Américo Pinheiro, primeiro Barão e Visconde com Grandeza de Ipiabas102. Para terminar nossa lista de exemplos, citamos ainda Estevão Ribeiro de Resende, primeiro Barão com Grandeza conde e Marquês de Valença.103 Isso significa que na verdade existia uma elite sócio política que caracterizava uma determinada estrutura de poder patrimonialista e que o estudo do Visconde do Rio Preto acrescenta conhecimento aos dispositivos de poder, criados e reproduzidos para o que era conhecido como boa sociedade. Através do dele teríamos um verdadeiro estudo de caso, conforme desenvolvemos abaixo. Filho do Alferes Custódio Guimarães e de Thereza Maria de Jesus, Domingos Custódio Guimarães nasceu em 23 de agosto de 1802 em São João d’El Rei, mas curiosamente durante sua vida passou a comemorar seu aniversário no dia 7 de setembro. Primeiramente verificamos se esta data coincide com a data de comemoração de São Custódio, o que demonstraria uma devoção particular ou familiar, mas o referido santo tem sua comemoração na data de 2 de outubro. Isso nos leva a uma segunda possibilidade de ter esta data ter sido alterada por motivos patrióticos, pois como veremos adiante Domingos Custódio seguiu para o Rio de Janeiro no início da década de 1820 e certamente acompanhou de perto os eventos que levaram o Brasil a se separar de Portugal. Entretanto, essa é só uma possibilidade, pois não sabemos identificar com certeza a partir de que momento ele passou a comemorar seu aniversário em outro dia. Sua origem familiar remete a um grupo de grandes proprietários rurais daquela região mineira que se instalara por lá no início do século XVIII. Procurando as origens familiares de Domingos Custódio Guimarães precisamos voltar até o século XVIII, quando em 1723 desembarcou no Rio de Janeiro uma família vinda da ilha do Faial nos 101 Nasceu em Baependi – MG em 28 de setembro de 1812 e faleceu em 23 de julho de 1883. Filho de Tomé Venâncio Ramos e de Ana Leonor de Sousa, casou-se com Henriqueta Carolina de Sousa Ramos. Além de advogado foi fazendeiro em Valença, provedor da Irmandade Santa Casa de Valença e provedor da Irmandade Santa Casa do Rio de Janeiro. Foi também deputado geral, presidente das províncias de Piauí, Minas Gerais e Pernambuco, ministro da Justiça e senador do Império do Brasil de 1853 a 1883. 102 Nascido Paty do Alferes, 26 de julho de 1811 e falecido em 8 de junho de 1883. Era filho do Capitão João Pinheiro de Sousa e Isabel Maria da Visitação, casou-se com Ana Joaquina de São José Werneck. Pai de quinze filhos, entre eles Francisco Pinheiro de Sousa Werneck, segundo barão de Ipiabas. Foi um fazendeiro extremamente importante em Valença, provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença e por muito tempo Comandante Supremo da Guarda Nacional – Legião de Valença. 103 Nascido Prados - MG em 20 de julho de 1777 e falecido no Rio de Janeiro no dia 8 de setembro de 1856. Filho do coronel Severino Ribeiro (de família lisboeta) e de Josefa Maria de Resende. Casou-se com Ilídia Mafalda de Sousa Queirós, filha do brigadeiro Luís Antônio de Sousa Queirós. Também foi importante fazendeiro em Valença, mas ao contrário do outros não chegou a ser provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia e ainda há muito que se estudar sobre a trajetória deste personagem na política nacional. O Marquês de Valença foi o primeiro juiz de fora de São Paulo, Ministro da Justiça e Senador do Império. 74 Açores. Maria Nunes, viúva de Manoel Gonçalves Corrêa, trazia consigo suas três filhas; Antonia da Graça, casada com Manoel Gonçalves da Fonseca, e Helena Maria da Caridade e Júlia Maria da Caridade, ambas solteiras. A família seguiu para São João d’El Rei para a região da serra das carrancas. Das três filhas de Maria Nunes destacamos Julia Maria da Caridade que casou-se com seu conterrâneo Diogo Garcia, que já havia se instalado na Região tempos atrás, com a obtenção de uma sesmaria na qual se dedicava a mineração. Diogo Garcia enriqueceu com o negócio de mineração, tanto que em 1751 conseguiu mais uma sesmaria, ampliando ainda mais sua riqueza.104 Por ser um dos lavradores de maior fábrica de escravos, cavalos, éguas e gado vacum, e estes em tanta quantidade que já exparcem (sic) fora das terras que possui, buscando o sertão e mato da Serra das Carrancas e Ribeirão, chamado das Pitangueiras, com quem confiam as terras do suplicante e, donde tem já algumas posses e nelas plantado e colhido sem contradição de pessoa alguma, e porque as que possuir por verdadeiro título de sesmaria105 Diogo Garcia faleceu em 1762 com o título de Capitão e deixou a cada um de seus 14 filhos uma pequena fortuna. A filha mais velha de Julia Maria da Caridade e Diogo Garcia foi Ana Maria do Nascimento que casou-se duas vezes: Seu primeiro casamento foi aos 12 anos de idade com o português João Pereira de Carvalho na época com 39 anos, mas o casamento durou pouco, porque ele falecera pouco tempo depois. Seu segundo casamento foi Manoel da Costa e Silva com quem teve sete 7 filhos. Dentre esses identificamos Tereza Maria de Jesus que em 1782 casou-se com o Alferes Pedro Custódio Guimarães. Sobre sua infância sabe-se muito pouco. Mesmo Rogério da Silva Tjader, seu principal biógrafo, não tem conhecimento sobre o Período. De todos os estudiosos do assunto é sabida a versão de que Domingos Custódio Guimarães foi um homem dado à vida amorosa intensa, em que pese sua sobriedade, sua integridade, aliada à sua postura de homem de bem Pouco, quase nada se conhece da vida de Domingos Custódio, antes da sua ida para o Rio de Janeiro. Por que se deslocou ele para a Corte, é uma questão não Bem esclarecida.106 104 Cf. TJADER, Rogério da Silva. Op. cit Revista do Arquivo Público Mineiro, vol. I p. 399. Apud. TJADER, Rogério da Silva. Visconde do Rio Preto, Sua Vida, Sua Obra, o Esplendor de Valença. Valença: PC Duboc Ltda, 2004. p 53. 106 TJADER, Rogério da Silva. Op.cit p. 56. 105 75 Embora Rogério Tjader não saiba exatamente quais os motivos que levaram Domingos Custódio para Corte, podemos facilmente concluir este era o destino natural dos jovens que desejavam se lançar na sociedade imperial brasileira, uma vez que ali estavam reunidos os principais políticos, as principais famílias e as melhores oportunidades de negócios. Assim sendo, ir para o Rio de Janeiro significava um rito de iniciação na boa sociedade brasileira. Rogério Tjader aponta para um artigo escrito por A. C. Guimarães e publicado no Jornal do Comercio no dia 19/11/1933 onde o mesmo afirma que Domingos Custódio era um grande admirador de Napoleão Bonaparte e ao saber de sua prisão na Ilha de Santa Helena, juntou-se a um grupo de amigos e fugiu para o Rio de Janeiro para montar uma expedição de libertação do ex-imperador. O próprio Rogério Tjader questiona e refuta o artigo, pois Napoleão foi levado para Santa Helena em 1815, época em que Domingos Custódio tinha apenas doze anos. Mesmo levando em conta que a morte de Napoleão ocorreu em 1821, pode-se sentir o absurdo do caso de um jovem de apenas 17 anos de idade, vivendo no interior de um país longínquo, intentar qualquer atitude libertária para um herói lendário aprisionado.107 De fato este episódio revela-se fantasioso, mas serve para ilustrar o esforço que muitos autores fizeram para criar uma memória heróica do Barão do Rio Preto, em um mito político da galeria dos “varões do Império”. Tudo isso talvez seja fruto dos próprios relatos que veremos mais adiante sobre sua morte e seus feitos. Outro fato curioso e sem respostas é um possível casamento de Domingos Custódio com uma menina de nome Ana que supostamente seria sua sobrinha. Segundo a história Domingos e Ana tiveram seu casamento anulado por ser ele incestuoso. Mas talvez esta história seja apenas mais uma fantasia sobre a vida deste personagem, reforçando uma pseudo aura romântica, tal como o falso episódio sobre Napoleão criava uma aura heróica e aventuresca, pois ainda não foi encontrada nenhuma prova que este casamento tenha acontecido. Por um lado não sabemos muito sobre nosso personagem antes do Rio de Janeiro, por outro sabemos que já no Rio de Janeiro em 1826 fundou juntamente com João Francisco Mesquita, futuro Conde do Bonfin, a firma Mesquita e Guimarães que distribuía carnes para toda a cidade do Rio de Janeiro. É sabido a Companhia cresceu 107 Idem p.57 76 muito a partir da chegada da família real portuguesa e permanece após a independência, períodos nos quais a vida no Rio de Janeiro se intensificou, pelas necessidades de prestação de serviços, abastecimento e nos negócios. O negócio deu certo, pois João Francisco era conhecedor do mundo financeiro e Domingos Custódio hábil e conhecedor da pecuária. Além disso, o futuro Barão do Rio Preto estava intimamente ligado aos produtores de gado em Minas Gerais já por conta de seus laços familiares.108 O investimento surgira em hora oportuna, e passou a contar com apoio do próprio imperador D. Pedro I. Eloy de Andrade109 chega a especular que o imperador participava dos lucros da Mesquita & Guimarães o que, segundo ele explicaria as constantes vitórias da firma nas concorrências públicas realizadas pelo governo. Se isso aconteceu de fato, Eloy de Andrade não conseguiu comprovar, mas o fato é que realmente a firma venceu inúmeras concorrências durante o primeiro reinado. Com a prosperidade dos negócios Domingos Custódio adquiriu alguns imóveis no Rio de Janeiro, chegando a um total de onze propriedades. O investimento em imóveis era uma prática que se perpetuou ao longo do século XIX, reproduzida pelas elites urbanas na segunda metade do século110. Consta na partilha amigável que seus imóveis na Corte estavam assim relacionados: 108 Cf .TJADER, Rogério da Silva. Op cit. p 61. ´ANDRADE, Manoel Eloy de. Op. cit p.180 110 MOURA, Ana Maria da Silva. Cocheiros e Carroceiros: homens livres no Rio de Senhores e escravos. São Paulo: Ed. Hucitec, 1988, pp. 67-68. 109 77 Classificação dos Bens Valores Prédio sito à rua dos Pescadores nº 8 35:000$000 Prédio sito à rua São Pedro nº 67 30:000$000 Prédio sito à rua d’Aurora nº 16 3:000$000 Prédio sito à praça D. Pedro I nº 103 15:000$000 Prédio sito à praça D. Pedro I nº 100 20:000$000 Prédio sito à praça D. Pedro I nº 77, 79 e 81 4:000$000 Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 54 3:000$000 Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 5 B 3:000$000 Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 5 C 4:000$000 Prédio sito à rua São Luis Gonzaga nº 30 e32 8:000$000 Prédio sito à rua d’ Estácio de Sá nº 20 e 22 10:000$000 Prédio sito à rua d’ Castelo nº 30 2:000$000 Total 137:500$400 Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ Além de sua sociedade com João Francisco Mesquita sabemos que ele casou-se em 22 de abril de 1838 na Capela de São Cristóvão com Faustina Xavier Pestana, filha de Francisco Xavier Pestana, importante comerciante no Rio de Janeiro. Essa união não gerou filhos e durou muito pouco, pois Faustina faleceu pouco tempo depois de se casar. Seguindo sua vida, Domingos Custódio manteve um relacionamento com Antonia Felícia Maria Mendes, de origem desconhecida, mas que chegou a morar com ele em seu palacete no bairro e São Cristóvão. Desta união nasceu Pedro Nolasco da Costa em junho de 1840. Após desfazer a sociedade com João Francisco Mesquita do Domingos Custódio incumbiu seu sobrinho, Joaquim Custódio Guimarães, de comprar terras na região fluminense, próximas à Corte. Ele então comprou as Fazendas Santa. Quitéria, Montacavalo, Mirante e São Bento, todas em Minas Gerais e, na Província do Rio de Janeiro adquiriu as Fazendas Loanda e Flores do Paraíso na Freguesia de Santa Tereza, em Valença, que pertenciam a João Pedro Maynard. Comprou ainda as Fazendas Criméia, São Leandro, Santa. Tereza, Santa. Bárbara, União, Santa. Genoveva e Mundo Novo. Essas fazendas chegaram a produzir 60.000 arrobas de café por ano. 78 Pouco tempo depois em visita a sua família em Minas Gerais, acertou o compromisso de se casar com sua sobrinha Maria das Dores de Carvalho, filha de sua irmã Umbelina de São José casada com tenente coronel Joaquim Ignácio de Carvalho. Para que o casamento pudesse acontecer, um processo de autorização foi montado no Bispado do Rio de Janeiro e no Bispado de Mariana. Mas por que esse mesmo processo não foi montado com sua suposta sobrinha Ana? Esta é uma questão que também não sabemos, mas que indica a fabulação romântica sobre o Barão. Após serem autorizados, os dois casaram-se em Carrancas no dia 07 de agosto de 1843. Esse momento representou uma enorme mudança na vida de Domingos Custódio, pois é nele que se lança como fazendeiro e se estabelece no interior da Província. Durante toda a década de 1840, ele se dedicou ao desenvolvimento de seu novo negócio. Sobre este período não encontramos nenhum vestígio que nos indique sua participação na vida política do Município, fato que mudaria apenas em 1858, como veremos adiante. Os biógrafos de Domingos Custódio, que foram também formadores de uma memória no mínimo condescendente, destacaram (seja fantasia ou não) sua riqueza e empreendedorismo através de seu negócio de carnes na Corte, de possíveis ligações até mesmo com o imperador, das suas excelentes origens que trazia como “herança natural” as ligações de classe, mas enfatizam também a questão das propriedades rurais, em especial a fazenda Flores do Paraíso, onde Domingos Custódio fixou residência. Com sua sede em forma de U com sua ala esquerda tomada pela grande capela, que ocupa espaço dos dois andares; a parte central destina – se aos numerosos salões; a ala direita, aos dormitórios. A entrada do palacete estende-se por quatrocentos metros com palmeiras dos dois lados. Contava o palacete com galerias de quadros de valor, museu de raridades. No térreo 2 salões, de bilhar e de visitas, 4 quartos, escritório, biblioteca, sala de almoço, copa, salão de costura, capela e várias dependências: banheiros, dispensa e cozinha. No sobrado, salão de recepções, alcançado por majestosa escada (cujos lados tem dois negros de bronze, de tamanho natural, sustentando nas mãos ricos candelabros) e que bifurca para a esquerda e direita, há ainda, sala de armas, sala de jantar onde na parede está pintada “Baía de Guanabara 1800” de José de Villaronga, vasto dormitório, alcova, 20 quartos para hóspedes e vários banheiros111. Na opinião de Eloy de Andrade a fazenda Flores do Paraíso foi tida como modelo em todo o Vale do Paraíba Fluminense e sendo chamada de “a jóia de Valença” 111 Cf. ANDRADE, Manoel Eloy de. Op cit. p 255. 79 Ao tempo do Visconde do Rio Preto era a fazenda modelo de todo o Vale do Paraíba. A sua fazenda do Paraíso constituía a jóia de Valença. Na sua simples grandeza, a casa da fazenda apresentava a placidez de um solar. Dentro resplandecia o luxo no estilo dos mobiliários, na pureza dos cristais e dos espelhos, nos desenhos das finas tapeçarias, na sobriedade dos damascos, nas pratarias lavradas.112 (Grifo nosso) Não podemos concordar com a afirmação de Eloy de Andrade, quando sugere uma “simples grandeza” para retratar a Flores do Paraíso. Sem sombra de dúvidas, essa fazenda não foi projetada para ser simples em nada. Desde as escolha do local para sua construção até os detalhes internos da residência, foram pensados para causar impacto e refletir o poder do proprietário. Nessa fazenda trabalhavam quase de quinhentos e cinqüenta escravos e havia ainda uma banda música com cerca de cinqüenta escravos que tocavam nas festas oferecidas pelo Visconde. Segundo consta, a casa foi construída entre 1845 e 1853 e contava com iluminação a gás, algo ainda raro no Brasil. Óleo sobre tela de Nicolau Facchineti de 1875 Fonte: INEPAC – Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense 112 ANDRADE. Manoel Eloy de. Op. cit. p. 253. 80 Na obra de Nicolau Facchineti de 1875 a fazenda é retratada com um modelo, embora o autor por sua própria conta tenha alterado um pouco da paisagem para retratar o seu posicionamento próxima ao Rio Preto. Isso certamente é mais um indício da mitificação romântica de Domingos Custódio e de seu patrimônio, ligando–os ao lugar que seu título indicava. A seguir temos uma imagem da fachada com a famosa entrada ladeada por palmeiras. Infelizmente, por razões particulares o atual proprietário da fazenda não nos permite fotografar o interior da mesma, restando apenas contar com algumas poucas imagens extraídas de sites de turismo. Fonte: INEPAC – Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense 81 Fonte: INEPAC – Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense Fonte: Solares da Região Cafeeira do Brasil Imperial 82 Apenas para ilustrar o interior da propriedade apresentamos a escada interna ladeado por dois escravos segurando os lustres. Ao analisar estas imagens mais uma vez questionamos a “simples grandeza” proposta por Eloy de Andrade. Como ele mesmo diz, os cristais eram puros e selecionados, e as tapeçarias da fazenda eram finas. Entendemos que tamanho investimento não tenha outro propósito a não ser consolidar sua distinção social. Analisando a Partilha Amigável dos herdeiros do visconde podemos resumir fazenda Flores do Paraíso em alguns números: Classificação dos Bens Escravos Valores 349:800$000 Prata em obras 7:955$400 Trastes 6:090$000 Louças 1:830$000 Roupa 1:150$000 Gado-vacum 2:560$000 Dito – Mular e Cavalar 6:380$000 Dito - Suíno 2:476$000 Dito – Ovellum 190$000 Mantimentos 34:670$000 Casas e mais bem feitorias 46:480$000 Cafezais 36:530$000 Terras 60:000$000 Total 556:111$400 Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ A Fazenda Flores do Paraíso sem dúvida foi um exemplo em seu tempo. Seus números são realmente expressivos. Na fazenda, além do café, produzia-se quase tudo que era necessário ao consumo de seus habitantes, restando muito pouco para ser adquirido fora. Para especificar um pouco mais esses números temos identificados na partilha amigável de seus herdeiros o seguinte: 83 Cafés e Mantimentos 892 arrobas de café em coco 500 arrobas (não está legível) 250 carros de milho 200 alqueires de feijão 50 alqueires de arroz vermelho 180 arrobas de açúcar mascavo 25 pipas de aguardente Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ Além disso, a as terras da fazenda possuíam duas mil braças de testada. Ao todo, Domingos Custódio foi proprietário de 1273 escravos, dos quais 544 foram listados na Fazenda Flores do Paraíso a um valor total de 349:800$000. Ainda tomando a mesma fazenda com exemplo, temos os seguintes números com relação aos cafezais: Quantidade 26000 55000 50000 50000 30000 44000 21000 17000 16000 7000 3000 319000 Idade 35 anos 25 anos 18 anos 18 anos 13 anos 5 anos 3 anos 1 ano 30 anos 3 anos 16 anos ------ Cafezais Local Morro da Horta Morro das Flores Morro dos Mineiros Morro do Assúde Mata-Paca Manuel Pógue José Dias Manuel Póque Morro Redondo Manuel Póque Canto do Mato ------------- Valor 1:040$000 6:600$000 6:000$000 5:000$000 4:800$000 8:000$000 2:100$000 510$000 640$000 560$000 480$000 35:730$000 Fonte: Partilha Amigável entre os herdeiros do Visconde do Rio Preto - Processo nº. 2819 AAN 147 – Museu da Justiça/TJERJ Segundo ainda a Partilha Amigável dos herdeiros do Visconde do Rio Preto, suas propriedades produziam cerca de 60 mil arrobas de café por ano. Com um número de escravos tão expressivo e uma produção de café tão significativa não é de se 84 estranhar o fato de Domingos Custódio querer ser retratado nessa sua fazenda, seu grande símbolo de riqueza e rodeado dos símbolos do Império. Na foto abaixo, ele está com seu uniforme de Tenente-coronel da Guarda Nacional e, tendo ao fundo os portões da Flores do Paraíso. Fonte: CDH/CESVA – Fundo Imagens Históricas Esta imagem nos revela bastante sobre o modelo e auto representação de nobreza rural que se formou no Brasil. Por um lado o personagem está vestido com símbolos do império, por outro ele não abre mão retratar a base de sua nova vida em Valença, a fazenda de café. Ainda no âmbito da representação de Domingos Custódio em seu império rural, outra imagem simbólica é apresentada no quadro abaixo: Em primeiro plano, o Visconde aparece montado em um cavalo branco, tendo a esquerda um escravo e no alto a direita, a Fazenda Loanda. As fazendas de café são muito estudas para se entender todo o processo de produção e distribuição do café dentro de um contexto escravista, mas também como um tipo de propriedade que representava prestígio, poder e distinção social: 85 Quando no início do século XIX um barão do café mandava pintar um retrato seu e de sua esposa, assim como encomendava móveis e outros artefatos para sua residência, mesmo que esses objetos jamais fossem mostrados em público, estava agindo politicamente, isto é, de forma moderna. Produzia um mito sobre si mesmo, narrava a sua própria história. Buscava ao mesmo tempo dar significado para sua capacidade de poder aquisitivo, posição social e as vezes fonte de prazer estético113. Fonte: CDH/CESVA – Fundo Imagens Históricas Ricardo Salles, em seu empreendimento de explicar a sociedade escravista estabelecida no Vale do Paraíba também não deixou de analisar o Visconde do Rio Preto e suas propriedades dando destaque para a Fazenda Flores do Paraíso. 113 CIPINIUK, Alberto. A face pintada em pano de linho; moldura simbólica da identidade brasileira. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio 2003 p 86 O caso do visconde do Rio Preto é exemplar: mais do que um negócio, implantava um estilo de vida. Estilo que extrapolava as práticas e as vivências sócias dos fazendeiros para além de suas dimensões imediatas, pessoais, familiares, econômicas e sociais. Tais práticas estendiam-se para a dimensão simbólica, visando projeção no tempo, além do âmbito de uma geração, e no espaço, além da fazenda e da região.114 Na cidade de Valença propriamente dita, Domingos Custódio procurou durante um tempo um local adequado para construir seu palacete. Chegou a comprar alguns imóveis, mas em 1853 contratou arquiteto Antonio Bäcker para fazer o projeto para uma residência em um terreno na Praça da Câmara. Esse arquiteto foi o mesmo que projetou a Fazenda Flores do Paraíso e por isso já conhecia o estilo de Domingos Custódio. Além disso, o mesmo fora arquiteto de outras propriedades de nobres da região como o caso da Fazenda Secretário pertencente ao Barão de Campo Belo. O terreno estava situado em uma área nobre da cidade com dimensões de 50 metros de frente com 240 metros de fundos. O palacete só ficou pronto em 1858, talvez não por coincidência, ano em que o Visconde aparece pela primeira vez ocupando algum cargo público na cidade, como subdelegado na Freguesia de Santa Tereza e apenas um ano antes de se candidatar a vereador pela primeira vez. Fonte: Inventário dos Bens Culturais imóveis de Valença/Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e Turismo/Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural 114 SALLES, Ricardo Henrique. Op. cit. p.146. 87 Assim como a fazenda Flores do Paraíso, o palacete do Visconde no centro da cidade também foi símbolo de ostentação e poder. Deveras é uma construção que se destacou em todo o século XIX por seu estilo e dimensões. O estilo neoclássico do imponente palacete que foi a residência do Visconde do Rio Preto está definido em sua fachada principal pelo frontão triangular com o brasão do Visconde do Rio Preto em bronze e pela simetria das janelas. Também a existência do pátio interno e central, os jardins que contornam a casa e as portadas cada uma com suas quatro colunas clássicas “Dóricas” que sustentam belos portões de ferro caracterizam seu neoclassicismo115. As casas rurais e urbanas do Visconde do Rio Preto e toda sua suntuosidade não estão isoladas no tempo e no espaço como exceções, mas são reflexos de um tipo de cultura que reflete os dispositivos de distinção social e familiar, pois se a casa de um nobre era um distintivos de classe e seu aspecto exterior era símbolo da posição, da importância e da hierarquia de seu chefe.116 Assim como na Corte a residência do Imperador possuía símbolos de distinção, da mesma forma no Vale do Paraíba Fluminense, e consequentemente em Valença, os nobre faziam questão de exibirem suas insígnias como no caso do palacete do Visconde do Rio Preto no qual seu frontispício possui até hoje um coroa de conde, prerrogativa dos nobres “com grandeza”. Foto: Ricardo Reis/2003 Fonte: Inventário dos Bens Culturais imóveis de Valença/Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e Turismo/Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural. 115 Prefeitura Municipal de Valença: Inventário dos Bens Culturais imóveis de Valença/Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e Turismo/Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural 116 Schwarcz, Lilia Moritz, Op. cit. p. 207 88 A importância do Visconde e sua residência foram tão marcantes que a praça onde foi edificado o seu palacete antigamente conhecida por “Praça da Câmara”, passou a ser chamada de “Praça Visconde do Rio Preto”, nome que possui até os dias atuais. Destacamos até aqui como o Visconde do Rio Preto s seguiu o curso esperado de suas origens familiares abastadas, “fazendo a Corte”, estabelecendo negócios e expandindo suas redes sociais, assim como consolida as alianças parentais pelo casamento. Observamos também como inicia uma nova, mas não inesperada etapa ao se estabelecer como grande proprietário rural, senhor de escravos, em uma região central da cafeicultura, produto em expansão a se tornar símbolo da riqueza do Império. Sua distinção social, titulada, explicita–se no luxo que o cerca e nas representações que encomenda, retratando–se como grande senhor em pinturas e enfatizando–o na construção de seu palacete no centro mesmo das decisões municipais. Esse palacete torna–se também o símbolo de uma outra etapa: a sua entrada na vida pública. Como já demonstramos em momentos anteriores a sociabilidade e as estratégias de fortalecimento de grupo foram intensas em Valença no século XIX. A busca por relações que fortalecessem os indivíduos com o seu grupo social e, também, como já foi apontada com grupos periféricos, pode ser representada pelos casamentos de Domingos Custódio Guimarães. Casou-se primeiro com a filha de um importante comerciante do Rio de Janeiro quando ainda possuía negócios na Corte. Quando, viúvo, decidiu investir em fazendas e na produção de café, casou-se com Maria das Dores Carvalho, sua sobrinha ligada a fazendeiros. Esta colocação nos parece muito pertinente porque percebemos que seus relacionamentos estavam diretamente ligados ao setor em que estava envolvido, o que indicaria que o trato social e o de negócios e projetos estavam intimamente ligados aos costumes e a estrutura da época. Com Maria das Dores Domingos Custódio teve dois filhos, Domingos Custódio Guimarães (Filho) e Maria Amélia Guimarães. Seguindo uma regra observada nas principais famílias da época, Domingos Custódio casou seus filhos de forma estratégica. Seu filho casou-se com Maria Babiana de Araújo Lima, filha do Visconde de Pirassununga e neta do Marquês de Olinda. Enquanto sua filha Maria Amélia casou-se com Domingos Theodoro de Azevedo. Esses dois casamentos são estratégicos e exemplares porque por um lado a família Guimarães ampliava sua rede de relações com uma família tradicional no império e por outro eles fortaleciam os laços com o ramo mineiro da mesma. 89 Como já dissemos, o primeiro momento em que identificamos participação Domingos Custódio na vida política da cidade é no ano de 1858 quando ele aparece pela primeira vez como subdelegado na Freguesia de Santa Tereza. Em 1860 e foi eleito pela primeira vez para vereador em Valença. Logo no primeiro mandato assumiu como presidente da mesma. Nesta época ela já possuía o titulo de Barão do Rio Preto recebido em 6 de dezembro de 1854. Seus primeiros anos a frente da municipalidade não foram fáceis, como já dissemos no capitulo 2 deste trabalho. A cidade sofria uma cisão política e seu maior mérito foi aproximar as duas partes conflitantes. Em 1863 o Barão do Rio Preto, foi solicitado para que se tornasse Provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença. Ele aceitou, sendo eleito no dia 15 de julho do mesmo ano. Na mesma sessão da Irmandade mandou que se fizesse a obra da varanda do hospital da irmandade com acomodações para os inválidos e outras obras de melhoramento, correndo todas as despesas por sua conta. No dia 13 de janeiro de 1864 José Francisco de Araújo Silva informou ao provedor que a mesma obra até aquele momento já estava em 4:154:$376, imediatamente Domingos Custódio ofereceu 5:000$000 para cobrir as despesas e o que faltasse seria também custeado por ele.117 Lembramos aqui que a distinção social trazia certas “obrigações” de caráter consuetudinário que também reforçavam o prestígio social. Entendidas como prodigalidade, generosidade social e mesmo espírito público, atendiam aos requisitos legitimadores de uma riqueza cristã e reforçavam a aura de opulência e de poder, “naturais” em tão distinto personagem. Fato importante notado nas atas da Irmandade são as entradas de novos irmãos. Curiosamente, em uma sessão da Irmandade antes do Barão ser eleito seu Provedor, vários nomes foram aprovados chegando ao espantoso número de cinqüenta e oito novos irmãos em uma única sessão: Irmãos Aprovados na Sessão da irmandade em 21 de junho de 1863 Américo da Silva Ferreira Antonio Agrícola Fontes Antonio Alves Ferreiras Poyares Antonio da Silva Nicolau Antonio Manoel de Ornelas Antonio Pedro da Rosa 117 Cf. Ata de Sessão da Mesa Administrativa da Irmandade Santa Casa de Misericórdia, 13 de janeiro de 1864, livro nº.2 90 Augusto de Azevedo Ramos Augusto de Azevedo Ramos Boaventura Barbosa Giesta Camilo da Silva Fonseca Custódio Antonio da Silva Custódio Joaquim Rodrigues Domingos Alves (...) Pinto Domingos Fereira Airosa Domingos Manoel da Fonseca Dr. Antonio Herculano Furtado de Mendonça Dr. Argemiro Antonio Correa do Rego Dr. Manoel Viera dos Santos Machado Dr. Zoroastro Augusto Pamplona Francisco José de Assis Galdêncio Pinto da Fonseca J. (...) Manoel Esteves Jacinto Inácio Fontes Jerônimo Francisco Ferreira Jerônimo Francisco Ferreira João Antonio Teixeira Bastos João da Silva Fonseca João de Oliveira Junior João Norberto B.(...) João Rodrigues de Magalhães João Venâncio de Carvalho Joaquim Cardoso d’Oliveira Joaquim Inácio Hermógenes de Moura Joaquim Pinto Ribeiro Grijó José Custódio Barbosa José Ferreira de Melo José Joaquim Coelho José Joaquim da Costa Alves Jose Joaquim da Costa e Silva José Joaquim da Silva José Joaquim Faceira José Pinto L. (...) Júlio César de Sampaio Luis d’Avelar Figueira Malaquias Rodrigues d’Avelar Barbosa Manoel Antonio Pinto Campelo Manoel da Silva Fonseca Manoel Joaquim da Cunha Guimarães Manoel Lourenço dos Santos Manoel pereira Ramos Junior Manoel Teixeira da Costa Gomes Manuel Correa Pinto Manuel de Souza Alves Junior 91 Miguel Martiniano de Noronha Paulino d’Aquino (....) Paulino Neves de Melo Pedro de Alcântara Lopes Simeão Gomes d’Assumpção Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença Na lista acima, um nome que muito nos chama a atenção é o do Dr. Zoroastro Augusto Pamplona, liberal declarado e amplamente criticado nos jornais e derrotado no ano 1862 nas eleições para o cargo de deputado provincial. Sua entrada em 1863 em um grupo predominantemente composto por conservadores sinalizaria uma tentativa de aproximação desses dois grupos. Como já demonstramos a Irmandade Santa Casa de Misericórdia constituía um reduto tradicionalmente político na cidade e a grande quantidade de novos irmãos aceitos durante a provedoria do Visconde do Rido Preto indica uma clara intenção de fortalecimento para as eleições municipais de 1864 Na esfera da administração pública em 1864 o Visconde foi eleito para seu segundo mandato como vereador e também presidente da Câmara Municipal e em 1865 sua estratégia política fica ainda mais explicita quando ao mesmo tempo entram para irmandade os irmãos Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama e Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama, irmãos do Visconde de Bapendy. É muito estranho que estes dois personagens não tenham entrado antes, ainda mais por serem irmãos do grande benemérito daquela instituição, tendo sido inclusive seu fundador. Já dissemos anteriormente que Manoel Jacinto não gozava do mesmo prestígio social e político que irmão e sua entrada na Irmandade mais uma vez reforça a estratégia do Barão do Rio Preto de se aproximar de famílias e fazendeiros importantes da região. Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em 01 de julho de 1865 João Marques de Farias José de Moura Nunes João (....) de Almeida (....) Antonio Lopes da Costa Manoel José (...) Dr. Domingos José da Cunha Junior Antonio Nunes de Matos Tenente Coronel Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama 92 Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama Domingos Teodoro Azevedo João Antonio Augusto Pinto de Freitas Manuel Antonio Ferraz Junior Paulino Nenês de Melo Luiz da Silva Ribeiro Luiz de Almeida Ribeiro Domingos Custódio Guimarães Joaquim Ferreira Guimarães Joaquim de Abreu (...) Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença Ao mesmo tempo em que o Barão do Rio Preto fortalecia sua rede de relações também fortalecia sua família, pois ao verificarmos os nomes dos irmãos aprovados nessa mesma sessão encontraremos os nomes de Domingos Custódio Guimarães, seu filho e Domingos Teodoro Azevedo, seu genro. Não bastasse isso, nos anos seguintes verificamos alguns de seus aliados importantes entrando na Irmandade durante sua gestão como é o caso do Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo, seu advogado. Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em 14 de maio de 1866 Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo Dr. Rodolfo Leite Ribeiro João Muniz da Silva Neto Simeão Gomes d’Assumpção (...) Gomes d’Assumpção Marcelino Gomes d’Assumpção Leocárdio Gomes d’Assumpção Herculano Gomes Alves (...) Bernardo Joaquim de Roza José Francisco da Silva Pedro Francisco Ferreira Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em 1 de julho de 1866 Emílio Moreno de Alagão José Barboza Duarte Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo Justino Francisco e Souza 93 João Alves da Cunha Vieira Benjamin Ermelindo de Sales Pinheiro Joaquim Alves da Cunha Junior Manoel de Souza Alves Junior João Machado da Silva Neto Dr. Constantino Gomes de Souza Manoel José Ferreira José Francisco da Silva Luiz Rufino Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença Irmãos Aprovados da Sessão da Irmandade em 9 de junho de 1868 Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo (3ª Vez) Dr. Marciano Antonio de Melo Dr. Francisco Gualberto da Silva Dr. João Vieira Machado da Cunha Antonio Joaquim Rodrigues João Antonio de Souza Rodrigues Francisco Couto da Silva Emílio Moreno d’Alagão Casemiro Lúcio da Silva Antonio José da Costa Raimundo João Inácio C. da Silva José Maria (...) Dr. Manoel Nunes da Costa José Antonio Cortines Laxe Tristão José Alves Francisco Duarte Paiva Luiz d’Almeida Ribeiro João Candido Pereira Viana Maximiano Rodrigues Bastos José Antonio da Silva José Gonçalves e Moraes Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença Irmãos Aprovados na Sessão da Irmandade em 02 de julho de 1868 Augusto André Dumont Antonio Augusto Pinto de Freitas Antonio Francisco da Silva Grandes Francisco da Motta Barros Francisco Pinheiro Werneck 94 Manoel Jacinto Soares Vivas Heliodoro Antonio d’Oliveira Duboc Francisco Justino de Macedo Joaquim Barbosa e Mota Dr. Manoel Nunes da Costa José Lopes Domingues Silvestre Correa da Silva Joaquim Moreno d’Alagão Francisco Pereira dos Santos Dr. Francisco Gualberto da Silva José Augusto Machado Manoel pereira dos Santos José de Azevedo Ramos Pedro Antonio da Moura José Gonçalves de Moraes José Mendes Duarte Antonio Manoel da Costa Fernandes Antonio José da Costa Raymundo Casemiro Lucio da Silva Maquez d’Olinda H. Ferreira Pena João Pedro Rodrigues da Silva João Batista da Silva Antonio José da Silva Junior Joaquim Jacob Ferreira Viana José Lacret Fonte: Livro nº. 2 de Atas das Sessões da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença Ao somarmos o número de novos irmãos, no período em que o Visconde do Rio Preto esteve à frente da Irmandade Santa Casa de Misericórdia teremos um total de 152 confrades. Este dado demonstra uma clara intenção em fortalecer as redes sociais a fim de tocarem projetos considerados importantes para os cafeicultores da época. Ao verificarmos o Relatório de Gestão118 de João Rufino Furtado de Mendonça em 1869, encontramos uma referência a disputa política existente na cidade, e confirmamos também que o Visconde do Rio Preto era uma figura de mediação. Permitam-me Srs., que antes de tratar da exposição dos feitos da Câmara, eu vos diga alguma cousa a cerca das sentidíssima morte de seu 118 Determinava o Regimento Interno da Câmara que todo Presidente ao final de seu mandato ao empossar a nova legislatura deveria apresentar um Relatório de Gestão indicando o que foi feito e sugerindo medidas consideradas mais relevantes para o município. O Visconde do Rio Preto faleceu em 7 de setembro de 1868 e não pode completar seu mandato. João Rufino Furtado de Mendonça assumiu a presidência da casa de setembro de 1868 até o dia 7de janeiro de 1869. 95 digno presidente. o exmo. Visconde do Rio Preto. Este nome, Srs. Identificou-se por tal forma com a Cidade de Valença, pelo benefícios que a ela prodigalizou, que nunca serão de sobra as provas de gratidão que a Câmara e o povo de Valença de tem dado, e continuarão a dar, a memória de tal distinto cidadão, que soube, sem jactância casar a riqueza com a filantropia, a grandeza mundana com a caridade divina, a amizade privada com os severos deveres impostos pela sociedade;– todos tratava com bondade e acatamento, qualquer que fosse a posição na sociedade; de ninguém exigia nem aceitava humilhação. Justo e desinteressado nas lutas políticas do país, nunca com sua influencia ou riqueza subornou o povo para obter votos para si ou para outrem; distinguia a amizade, o talento e a virtude onde quer que ela estivesse e não o espírito de partido que tanto tem amesquinhado a alguns cidadãos, que aliás, em tudo o mais são dignos de estima e respeito. Foi no memorável dia 7 de setembro de 1868, seu aniversário, que esse distinto cidadão, rodeado de sua família e de seus amigos mais devotados deu a alma ao Credor. Nessa ocasião Srs., em que o povo deste Município, dividido em duas parcialidades políticas inconciliáveis, disputavam ambas em todas a paróquias a gloria de o trazerem pela terceira vez a presidência desta Câmara; para com ele desapareciam as paixões partidárias para só sobressair o espírito de reconhecimento. 119 (Grifos nosso) Nesse momento devemos levar em conta que João Rufino era um aliado muito próximo do Visconde do Rio Preto e, por isso, é não é de se estranhar que ele dedique muitos elogios ao já finado Visconde. No relatório dá destaque como este nobre soube articular sua riqueza com a filantropia, quando dedicou logo de inicio uma grande quantia em dinheiro para salvar a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença quando assumiu a sua Provedoria. Além disso, saberia casar a amizade com os deveres da sociedade articulando alianças, e aproximando rivais. Mas o ponto alto da fala de João Rufino é quando ele deixa explícito que mesmo havendo divergências partidárias, a figura do Visconde do Rio era quase uma unanimidade para o terceiro mandato na Câmara Municipal e mais ainda como futuro presidente da casa. Ainda verificando o relatório de João Rufino, encontramos outro dado que nos chamou a atenção. Demonstrativos das Doações feitas à Câmara Municipal entre 1865 e 1868 Visconde do Rio Preto 41:405$900 Barão de Ipiabas 2:000$000 Com. Manoel Pereira de S. Barros 1:800$000 Antonio Carlos Ferreira 1:050$000 119 MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Relatório de Gestão da Câmara Municipal de Valença, 1869. CD 011CDH/CESVA. 96 Manoel Antonio de Andrade Pedro Moreno d’Algodão Manoel Antonio Esteves João Damasceno Ferreira Duarte Gomes d’Assumpção Manoel Antonio Rodrigues Guivo Antonio Francisco Nandim Manoel Baptista da Fonseca João Rufino Fernando de Mendonça Francisco José d’Assis Herculano Furtado de Mendonça Antonio da Silveira Vargas João Ignácio Coelho da Silva José Luiz Garcia Manoel José Vieira Domingos Tertuliano da Fonseca José d’Almeida Ribeiro Dr. Antonio Herculano F. De Mendonça José Francisco d’Araújo Silva Manoel Antonio Pinto Campelo Joaquim Pereira da Costa Guimarães Dias & C João Nepomoceno V. Machado Domingos Manoel da Fonseca Antonio Bernardo de Macêdo Manoel Antonio Teixeira Bastos José Lacréta Graciano Antonio de Carvalho Alvernaz & Lima João d’Oliveira Junior Total 626$542 250$000 250$000 200$000 200$000 120$000 100$000 100$000 100$000 100$000 100$000 50$000 50$000 50$000 50$000 30$000 20$000 20$000 20$000 20$000 10$000 10$000 10$000 10$000 10$000 5$000 5$000 5$000 5$000 5$000 48:787$442 Fonte: MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Relatório de Gestão da Câmara Municipal de Valença, 1869. CD 011CDH/CESVA A diferença entre a quantia doada pelo Visconde do Rio Preto e os demais doadores chega ser espantosa. No todo, suas doações representavam cerca de 82% do total. Não que o Visconde fosse o mais rico da lista, pois nela figuravam outros fazendeiros tão ricos quanto ele, como o caso do Barão de Ipiabas, de Manoel Antonio Esteves e do capitalista Antonio Carlos Ferreira. O Visconde do Rio Preto durante a década de 1860 ampliou sua influencia e seu poder na cidade. Tamanho investimento em tempo, em negociações e na administração da esfera pública nos revela o quanto ele esteve presente nos diversos setores da sociedade. Apenas para citarmos como exemplo, escolhemos o ano de 1867, auge de 97 sua influencia, e verificamos que na ocasião ele era Presidente da Câmara Municipal, Provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia, Provedor da Irmandade Nosso Senhor dos Passos e Juiz de Paz da Freguesia de Santa Tereza, juntamente com o Visconde de Baependy. Além disso na mesma ocasião seu genro, Domingos Theodoro de Azevedo Junior era o Subdelegado da mesma freguesia. Todo esse investimento e relacionamento com a boa sociedade consolidou a figura do Visconde como grande líder local. Sua imagem era símbolo de estabilidade e credibilidade. O Visconde do Rio Preto fez um alto investimento ao construir sua imagem pública. Fez inúmeras doações a Irmandade Santa Casa de Misericórdia e Câmara Municipal de Valença, participou da administração e construiu alianças políticas poderosas. Suas ações para a construção da imagem de homem da “boa sociedade”, são claramente expostas no jornal “O Alagoas” publicado logo após sua morte. A morte do ilustre varão veio abrir um grande vácuo que jamais será preenchido. O Visconde não terá sucessores e nem de longe quem o imite. Morreu! Mas não morrerá sua lembrança, que viverá eternamente nos corações do agradecido povo valenciano, a quem, com a mão pródiga cobriu de tantos benefícios120. (Grifos nosso) As palavras escritas neste periódico podem parecer clichês por conta do falecimento, mas estas palavras reforçavam uma imagem já conhecida de benemerência. Mais ainda, o texto diz que com sua morte um vácuo se abriu que jamais seria preenchido. Essas não nos parecem ser apenas palavras vagas, pois no quadro a seguir identificaremos o que o Visconde do Rio Preto representou para seus contemporâneos. Na sessão do dia 2 de julho de 1868, vários novos irmãos foram aceitos na Irmandade Santa Casa de Misericórdia, além disso, também foi inaugurado no mesmo dia um retrato do Visconde do Rio Preto, que naquele dia não estava presente. O irmão Provedor interino participou que, tendo sido encarregado pela Mesa de mandar tirar o retrato do atual Provedor, Exmo. Irmão Visconde do Rio Preto, como sinal de grande apreço com que a Irmandade tem os relevantíssimos (sic)serviços que o Exmo. Irmão tem Prestado a esta Casa de Caridade, durante os quatro anos de sua Provedoria, encarregou na corte deste trabalho ao distinto artista Joaquim da Rocha Fragoso, o qual cumpriu sua missão, dando-nos um perfeito retrato daquele cuja memória deve ser imorredoura à nossa Irmandade. (...) 120 In: O Alagoas, Ano I, nº4, 13 de setembro de 1868 CD-009 CDH/CESVA. 98 O retrato foi justo por 850$000 reis, inclusive o encaixotamento, quantia que já foi paga pelo Irmão Tesoureiro ao dito artista. A mesa resolveu fosse hoje inaugurado o retrato em memória do atual Provedor Visconde do Rio Preto, o que se fez com a maior dolenidade, (sic) levantando o Provedor interino a seguinte saudação: “ Salve ao Visconde do Rio Preto, Benemérito Irmão Provedor e Benfeitor desta Santa Casa.121 Óleo obre tela de Joaquim da Rocha Fragoso Fonte: CDH/CESVA – Fundo Imagens Histórica No século XIX sempre foi uma tradição mandar fazer um retrato do Provedor para que ficasse registrada sua administração. Até este ponto, nada de diferente no fato da Mesa Diretora da Irmandade Santa Casa de Misericórdia mandar fazer um retrato do Visconde do Rio Preto. Para analisarmos o referido quadro necessitamos começar pelo próprio artista que realizou a obra. Joaquim da Rocha Fragoso estudou na Academia Imperial de Belas Artes, sendo contemporâneo, de Vitor Meireles e Pedro Américo. Seguiu o gênero da pintura histórica, tendo retratado personalidades importantes como o Duque de Caxias, Conde do Bonfim, e a partir de 1868 passou a ser retratista do Conde 121 Sessão da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença, 2 de julho de 1868 Livro nº2. 99 d’Eu. A escolha de tal artista já revela a intenção de se produzir uma obra de bastante expressão. Dialogando com o historiador da arte, Alberto Cipiniuk, concordamos que: O retrato foi e ainda pode ser entendido como o meio como meio de representação que acata o princípio de fidelidade naturalística, através do qual certos indivíduos de determinados grupos sociais fazem figurar. Diferente dos termos correlatos, como pintura e biografia, parece que o retrato faz parte de um emaranhado de vasos comunicantes, equivalente à forma como indivíduos coletivamente se organizam para regular e estabelecer valores para uma sociedade. 122 Partindo desta premissa, entendemos melhor o significado da obra que retrato o Visconde do Rio Preto. Nossa atenção, entretanto, está no seu significado no conjunto das imagens, pois é notável que na galeria de ex-provedores da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença a diferença proporcional entre o retrato do Visconde do Rio Preto e dos demais provedores como veremos a seguir: 123 Foto: Antonio Carlos da Silva 122 CIPINIUK, Alberto. Op. cit.14. A atual disposição dos quadros no salão histórico da Santa Casa de Misericórdia é uma arrumação aleatória feita pelo pesquisador e museólogo Adriano Novaes. A utilização destas imagens são para fins de comparação da proporção dos quadros. 123 100 Foto: Antonio Carlos da Silva Foto: Antonio Carlos da Silva 101 Nas imagens acima verificamos que o quadro do Visconde do Rio Preto não somente é o maior em dimensão, como foi retratado em corpo inteiro e com as insígnias que o distinguia perante a sociedade, como suas comendas, a capa que o caracterizava como membro da Irmandade e o cetro, símbolo da autoridade do Provedor. É quase uma representação majestática desse Provedor. Mesmo personalidades já reconhecidas como o Visconde de Baependy e José da Silveira Vargas, ambos fundadores da Irmandade Santa Casa de Misericórdia e ex-presidentes da Câmara Municipal não tiveram seus quadros distinguido dos demais. Outras duas obras que se destacam são os quadros que ladeiam o retrato do Visconde do Rio Preto: sua filha, Maria Amélia Guimarães à esquerda, e seu marido, Domingos Theodoro de Azevedo à direita. A escala de valores desta nova aristocracia pouco cultivada, a qualidade mais importante a ser ostentada era a visibilidade. (...) A visibilidade e a divulgação dos poderes que desfrutavam precisavam estar em evidência. Assim, não apenas os artefatos que possuíam eram importantes, mais implicavam na sua visibilidade. 124 As implicações dessa visibilidade dada pelo pictórico, nesse caso pública, também pode reportada aos quadros aqui apontados em âmbito familiar. Retratado como exemplo varonil em uniforme militar da Guarda Nacional, ou como grande senhor rural em sua propriedade ou praticando a nobre equitação em seus domínios, Domingos Custódio Guimarães primou pela visibilidade de seu prestígio e de seu poder. Essa visibilidade fez parte importante no processo de sua mitificação, em especial na história local. Quando nos referimos aos projetos da boa sociedade, estamos falando de duas questões cruciais: a manutenção da estrutura escravista no Vale do Paraíba e a construção de novas vias de acesso para escoamento da produção agrícola. Com relação à manutenção da estrutura escravista percebemos que o primeiro momento sobre o qual os fazendeiros locais se manifestaram foi em 1836 protestando contra a lei de 7 de novembro de 1831 que declarava livres todos os escravos vindos de fora do Brasil e impunha penas aos traficantes de escravos. Representação dirigida ao Corpo Legislativo pela Câmara Municipal da Vila de Valença da Província do Rio de Janeiro. - Augustos e 124 CIPINIUK, Alberto. Op. cit. p. 25 102 Digníssimos Senhores Representantes da Nação Brasileira. – A Câmara Municipal da Vila de Valença tendo, em data de 6 de Maio do corrente ano, dirigido suas expressões de homenagem e respeito pela Vossa presente reunião, novamente o faz, esperando de Vossas Luzes e Patriotismo remédio a muitos males que ora nos afligem. Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação. A Câmara Municipal da Vila de Valença, tendovos já pedido providências sobre a lei de 7 de Novembro de 1831, vem hoje novamente lembrar-vos que lanceis Vossas vistas sobre a mais respeitável e interessante porção da população do Império, que a maior parte está envolvida na infração da mencionada lei, porque a da necessidade a ela os levou; cumpre, portanto a Vós, Augustos e Digníssimos Senhores, evitar a explosão que nos ameaça, derrogando em todas as suas partes a dita lei de 7 de Novembro de 1831, porque sua execução é impraticável e ela, longe de trazer benefício a Vossos Concidadãos, os insinua à imoralidade; sua derrogação é de reconhecida utilidade, e sua execução seria concitar os Povos a uma rebelião e formal desobediência, por que essa maioria respeitável de Vossos Concidadãos de qualquer das formas procurará com todas as suas forças conservar intactas suas fortunas, adquiridas com tantas fadigas e suores. Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação. A Câmara Municipal da Vila de Valença, como órgão fiel dos sentimentos dos habitantes do seu Município, está na convicção de ter cumprido seu dever quando tão francamente se Vos apresenta pedindo a derrogação da dita lei, porque, como já disse, sua execução é impraticável e acarretaria a perda de muitas Famílias e imensidade de desgraças em todo o Império; deixa, portanto à Vossa penetração o pronto remédio a tantos males. Deus Vos Guarde, Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação Brasileira. – Paço da Câmara Municipal da Vila de Valença 1º de Junho de 1836 – Assinados – Anastácio Leite Ribeiro, Presidente. – Manoel do Vale Amado – Camilo José Pereira do Fáro – João Pinheiro de Souza. – Visconde de Baependy. – Está conforme. O Secretário, Inocêncio Alves Ferreira de Azevedo.125(grifos nosso) As palavras são duras e refletem bem o sentimento dos fazendeiros, representados pela Câmara Municipal. Notemos neste manifesto a presença do Visconde de Baependy, que por trinta anos foi grande líder político local, como demonstramos no capítulo 2. A Lei Euzébio de Queiroz foi outro duro golpe na estrutura escravista brasileira, pois de forma mais incisiva colocava fim ao tráfico negreiro. Isso se deu exatamente no auge do Vale do Paraíba Fluminense, dando um baque ainda maior nos cafeicultores locais. A alternativa foi o tráfico interprovincial, mas não chegou a ser o suficiente. O problema se agravou quando a lei do ventre livre começou a ser discutida em 1867.126 125 In: Jornal O Sete d’Abril, Rio de Janeiro, 13 de julho de 1836. Citado In: VASCONCELOS, Op. Cit., pp. 16-17. Apud. NOVAES. Adilson Adriano dos Reis. O tráfico interprovincial de escravos em Valença – 1850-1888. (Monografia de Especialização). Valença: Atlântica Educacional, 2008. 126 Cf. SALLES, Ricardo Henrique. Op. cit. p. 119 103 Só o simples fato de se discutir a emancipação da escravatura já causou um enorme furor na boa sociedade valenciana. A escravidão cuja origem se perde em a noite dos tempos, foi sem contradição, a herança mais funesta, que legou-nos a antiguidade. Filha da ignorância, e baseada no direito do mais forte, ela rompeu com seu imenso cortejo de horrores através das trevas, que envolviam as primitivas eras, e só parou envergonhada – quando o cristianismo agitou seu luminoso archote e dardejou sobre o mundo essa luz brilhante, que preludiou a civilização moderna. Hoje seria o mais monstruoso absurdo negar a necessidade urgente de acabar com essa instituição bárbara e iníqua, onde quer que ela ainda subsista. No Brasil esta verdade está arraigada no coração de todos. Acabar-se com a escravatura no Brasil é um dos problemas mais urgentes, mais difíceis, e que demanda ponta solução. Porém, será oportuno tratar-se agora de semelhante negócio, quando o Império se acha enredado em complicações tão sérias e cujo desfecho não se pode prever? Se de chofre, tentar-se cortar o nó gordio esse passo trará como resultado imediato e necessário a ruína da fortuna pública e particular, além de outras muitas conseqüências funestíssimas (sic), que podem ocorrer, impossíveis até de serem previstas. A quadra por que infelizmente está passando o Brasil é toda de provações, e até parece incrível haver, quem imprudentemente fale e escreva sobre a emancipação da escravatura, sem considerar no males que pode produzir a divulgação de semelhante idéia, quando uma parte da população livre está sendo dizimada na guerra e outra ceifada pela epidemia. Haja vista para o que se sucedeu nas possessões francesas das Antilhas127 Pelo que percebemos a imoralidade já não era mais uma questão em debate, mas sim o que sua extinção causaria. Para esses fazendeiros, que já se sentiam desprestigiados pelo Estado, as coisas tendiam a piorar. Somado ao problema da escravidão estava o escoamento da produção local. Quando o fazendeiro infatigável – amigo do trabalho demanda nos lugares interiores terrenos mais novos e mais produtivos, porém mais distantes do mercado, e a despeito de mil contratempos chega a montar um estabelecimento agrícola em bom pé, tendo despendido grandes somas, ei-lo transportando morosa e dificilmente os produtos de sua lavoura por lugares ínvios: ei-lo vendo depreciado pela demora e pela distância aquilo que a custo colheu da terra, que regou com seu suor: ei-lo finalmente, arrasto por 127 In: A Phenix Ano I, nº10 de 19 de maio de 1867 CD – 015CDH/CESVA 104 este conjunto de circunstâncias tombando na imensa que a usura de mãos dadas com a agiotagem lhe tem preparado.128 Célio Aguiar, ao estudar o caso de Vassouras, conclui que: Pelo transporte do café e pela manutenção de um fornecimento de provisões, os fazendeiros de Vassouras pagavam um preço elevado. Embora muitos fazendeiros acreditassem que o trabalho escravo, incluindo aqueles tropeiros escravos, era grátis já que o preço a aquisição original estava pago, permanecia o custo de manutenção do trem de tropa, que exigia um despesa fixa e frequentemente envolvia perdas com mulas aleijadas ou afogadas e café encharcado ou sujo de lama129. A logística precária significava, além das perdas visíveis, uma desvalorização no produto que ficava com sua qualidade comprometida. Por outro lado, essas tropas deveriam trazer mercadorias de necessidade da fazenda como sal, carne, peixe, sacos de tecido, ferramentas e vinhos130. Quando isso não era possível em tempo hábil o prejuízo tornava-se maior. A abertura de boas estradas, e sua conservação em estado transitável, é um dos principais assuntos, que deve atrair atenção dos governos provinciais, e das municipalidades, em beneficio não só dos interesses da lavoura e do comércio de cargas e mercadorias, como da totalidade da população para facilidade das comunicações. Neste município as estradas existentes são poucas, e mal satisfazem as necessidades.131 Por tudo isso, é fácil entender porque os fazendeiros do Vale do Paraíba Fluminense procuravam alternativas para resolver este problema. Ao mesmo tempo, a conjuntura pós proibição do trafico negreiro se estende pelo aumento do preço dos escravos e pelas dificuldades do abastecimento dessa mão de obra criando um outro problema para os fazendeiros. Para que a produção de café fosse escoada para o Rio de Janeiro um contingente muito grande de escravos compunha as tropas que partiam das fazendas. Por isso, tão importante quanto agilizar o processo de escoamento, era liberar mais mão-de-obra para a lavoura. A liberação desta mão-de-obra para sua utilização no trato dos cafezais, no entanto, dependia da existência de um outro meio de transporte. 128 In: A Phenix Ano I, nº2 de 17 de março de 1867 CD – 015CDH/CESVA LIMA, Célio César de Aguiar. Onde há fumaça há fogo: A influencia da Economia Cafeeira na construção da Estrada de Ferro D. Pedro II. (dissertação de mestrado) Vassouras: PPGH, 2007. p. 53 130 Idem. p. 52. 131 A Phenix, Ano I, nº12, de 26 de maio de 1867 - CD-009 CDH/CESVA. 129 105 É certo que a utilização dos tropeiros, homens livre envolvidos com o transporte de café através das tropas de muares, deu um alívio imediato a tal problema. Mas o crescimento econômico da província do Rio de Janeiro andava a passos ligeiros e em pouco tempo, nos períodos de safra abundante, tornava-se impossível escoar toda a produção das fazendas por este insuficiente meio de transporte e assim parte do café produzido e sem possibilidade de imediato escoamento, estragava e se perdia sem mesmo ter saído da fazenda.132 A estrada de ferro significaria a entrada na região de um número maior de máquinas, visando melhorar o beneficiamento do produto final e mais liberação de mãode-obra para o plantio e colheita.133 Uma das soluções seria a construção de um ramal de estrada de ferro que ligaria Valença e Rio Preto à Estrada de Ferro D. Pedro II. Questão importantíssima de que nos ocupamos em nosso artigo anterior, está sendo agitada em todos os círculos desta cidade. A idéia generosa de ligar os municípios de Valença, do Rio Preto e circunvizinhos, ao grande mercado do Rio de Janeiro por via férrea, não podia, com efeito, deixar de ser acolhida por todos os nossos concidadãos. Homens de reconhecida experiência aos quais não se pode opor, a objeção de leviandade, acham-se cooperando eficazmente para que os habitantes deste município reúnam seus esforços combinados para interessante fim. Nomearemos, entre outros, e como dignos do reconhecimento público por este motivo, os Srs. Herculano Furtado e Mendonça Antonio Carlos, Araújo Leite, Araújo e Silva, Drs. Lima, Tavares Bastos, Fernandes e Guilherme, Negreiros Américo Ferreira, e Fonseca, aos quais todos temos ouvido aderir da maneira mais formal a praticabilidade do ramal de Valença. Ontem se agitava a questão por onde se deva começar, qual o primeiro passo a dar a semelhante respeito. Alguns desejam que se celebrem uma reunião prévia das pessoas gradas de todo o município a fim de discutirem e resolverem acerca da nomeação de uma comissão, a qual incumba solicitar e promover as adesões dos municípios de Vassouras e do Rio Preto.134 (grifos nossos) Essas “pessoas gradas” que já se sentiam tão prejudicadas acreditavam que somente reunindo esforços é que conseguiriam alcançar seus objetivos e para isso contavam com a liderança do Visconde do Rio Preto, ele que era um dos maiores produtores e senhores de escravos da região se via extremamente preocupado com a possibilidade do fim da escravidão e com o alto custo para escoar a produção. 132 Idem. p. 53 Cf. MACHADO. Humberto Fernandes. Escravos, Senhores e Café: A crise da cafeicultura escravista do Vale do Paraíba Fluminense, 1860 – 1888. Niterói: Cromos. 1993. p. 55 134 In: O Merrimac, Ano II, nº1, 1 de janeiro de 1863.CD-005 CDH/CESVA. 133 106 Tudo esperamos da atual Câmara Municipal: principalmente tendo a sua frente um dos caracteres mais conspícuos de nosso município, o Sr. Barão do Rio Preto, que por mais de uma vez nos há patenteado, o grande interesse, que toma nos melhoramentos desta localidade, o seu zelo será maior agora, quando com o projetado ramal de ferro, que já não é mais uma utopia a nossa cidade tem de se tornar mais populosa e comerciante.135 (Grifos nossos) A figura do Visconde do Rio Preto se mostrava perfeita para tocar tais projetos. Era uma personalidade política forte e exemplar para os interesses da boa sociedade, além de ser uma figura com estreitas relações na Corte. Exemplo disso é o fato de seu filho, o segundo Barão do Rio Preto, ter se casado com Maria Bibiana de Araújo Guimarães, filha do Barão de Pirassununga e neta do Marques de Olinda. Para que os interesses da boa sociedade fossem preservados, seria necessária uma figura forte e imponente e que ao mesmo que entendesse os desejos do grupo. Ninguém mais tem sentido, mingúem mais tem sofrido as funestas conseqüências da condenável indiferença, com que até agora se tem olhado para a agricultura no Império de Santa Cruz, do que os próprios agricultores. Ninguém mais do que eles tem sido vítimas dessa carência de proteção e desse abandono em que se tem deixado cair a agricultura. Os representantes da nação são aqueles, que tem o dever de pugnar pelo bem estado e prosperidade do país. E por que razão os lavradores, ao passo que em épocas eleitorais gastam enormes somas para mandarem ao seio da representação nacional somente homens da lei e sacerdotes da ciência, não se esforçam por eleger também alguns ministros de Ceres136 - lavradores inteligentes em fim, que pratica experimentalmente conheçam as necessidades da lavoura137. Segundo a visão dos fazendeiros locais a riqueza do país estava diretamente ligada à lavoura cafeeira e o Estado deveria ser composto por pessoas preocupadas com a mesma. Prosseguindo em nosso empenho de advogar a causa da lavoura, e cingindo-nos nosso programa, iremos apresentando algumas considerações a bem da mesma. (...) 135 In: O Merrimac, Ano II, nº4 , 25 de janeiro de 1863 CD-005 CDH/CESVA. Deusa da Agricultura 137 In: A Phenix, Ano I, nº9, de 05 de maio de 1867. CD – 015 CDH/CESVA 136 107 Até o presente tem se levantado vozes bem fortes e eloqüentes em prol da lavoura, as quais não tem sido ouvidas, nem atendidas por aqueles que governam a mão do Estado e deviam prestar a atenção aos negócios da pátria. (...) A lavoura, que tanto compadece com o ameno clima, e com o solo fértil da América do Sul, vai definhando e morrendo a olhos vistos. (...) E quais serão as causas capitais deste mal, que ameaça a fortuna pública, aniquila as particulares, e por conseguinte, preludia a ruína do Império Brasileiro? Assinalemos essas causas. A primeira e incontestavelmente é determinada pelas dificuldades, que encontram os lavradores em obter capitais com juros moderados, com os quais possam alagar as proporções de sua lavoura, bem como fazer face as continuadas despesas, que hão mister para mantê-la Cabe aqui uma reflexão ou uma pergunta: Por que razão os Governos, e as câmaras, que dizem advogar o povo e advogar sua causa, atendendo os reclames incessantes do mesmo povo, ao passo que prodigalizam e esbanjam os dinheiros públicos, não estabelecem meios pelos quais o agricultor possa obter dinheiro, sob hipoteca bem garantida para dar impulso e engrandecer sua lavoura? (...) O terceiro mau que aflige a lavoura do país é a falta de forças. Depois da suspensão do tráfico o mísero lavrador só pode obter um escravo, que aliás tanta pensão lhe dá por um preço enormíssimo. (sic) (...) E ainda se fala em suspensão ou emancipação repentina da escravatura!! Se tal acontecer, adeus lavoura, adeus rendas do Estado, adeus progresso, adeus Brasil, adeus tudo...138 Mesmo com a emancipação da escravidão sendo discutida, havia na cidade uma forte esperança na atuação do Visconde do Rio Preto. Para a construção do ramal da estrada de ferro foi constituída a União Valencia desde 1867; por outro lado, uma parceria foi firmada entre o Visconde do Rio Preto e Mariano Procópio Ferreira Lage para a construção de um ramal da Estrada União Indústria, que sairia praticamente da porta de sua propriedade seguindo até Paraibuna onde se ligaria a estrada principal. A construção deste ramal era na verdade um grande empreendimento que exigia um alto custo e Mariano Procópio precisava de garantias de retorno no seu investimento. Domingos Custódio deu-lhe como garantia o escoamento de 100.000 arrobas de café a cada safra139. Para isso ele precisou negociar com outros produtores e conseguiu essa garantia. 138 139 In: A Phenix ano I, nº. 8 de 28 de abril de 1867. CD – 015CDH/CESVA TJADER, Rogério da Silva Op. cit. p .181 108 No dia 7 de setembro de 1868 Domingos Custódio Guimarães comemorava seu aniversário e também marcou para esta data a inauguração da mesma estrada. Para a ocasião mandou preparar uma enorme festa com inúmeros convidados importantes, dentre eles o próprio Mariano Procópio. Durante o dia O Visconde do Rio Preto levou seu ilustre convidado para conhecer sua propriedade. Aquele dia era um dia de glória para o Visconde; entretanto, ao retornar do passeio com Mariano Procópio, por volta das 17 horas, à porta de casa já não se sentia bem. Quando entrou em sua residência, tornou a sentir-se mal e, vitimado por um ataque fulminante, caiu desfalecido, vindo a falecer. Esta bela cidade acha-se desde anteontem na maior consternação que é possível imaginar-se, logo que pelas 6 horas da noite aqui chegou a fatal e aterradora notícia do falecimento do Exmo. Visconde do Rio Preto, em sua fazenda na freguesia de Santa Thereza ! Esta tristíssima noticia, correndo de boca em boca, veloz como um raio, veio confranger e aterrar a população desta cidade, desde o rico até o pobre, desde o grande até o pequeno, e infelizmente verdadeira, a todos encheu de tristeza e consternação. E como não havia de ser assim ? Desde de que Valença inteira tinha no Exmo. visconde o seu primeiro e único homem , o seu maior amigo, o seu prestimoso benfeitor, enfim o seu adorado ídolo ? E ele de certo que tudo isto merecia, e ainda muito mais, pela razão de não só votar extraordinária amizade a este lugar (do que ainda depois de morto deu provas, por ter em vida pedido a sua Exma. esposa para ser enterrado no cemitério desta cidade), como por ter aqui gasto talvez mais de oitenta contos de réis de sua algibeira com os calçamentos de diversas ruas, obras da câmara, do hospital da Santa Casa, do adro da matriz e do cemitério, e aformoseamento das duas praças mais importantes desta cidade !!!140 O articulista exacerba os sentimentos de perda, como era esperado em um encômio post mortem, que ele considera de toda a população, assim como os elogios a sua atuação nos melhoramentos da cidade, dando–lhes um caráter extremamente pessoal. Esses melhoramentos são considerados a sua generosidade pessoal e não às obrigações administrativas municipais. O falecimento do Visconde do Rio Preto naquele momento crucial para a boa sociedade surgiu como um duro golpe. Com o falecimento do Visconde do Rio Preto, o Coronel João Rufino Furtado de Mendonça assumiu interinamente a presidência da Câmara Municipal, até que se cumprissem os três meses restantes para o fim daquela legislatura. Conforme determinava regimento interno da Câmara, ele apresentou no dia 7 de janeiro de 1869 140 In: Jornal do Comércio, Ano 47, nº. 255 – 15 de setembro de 1868. Apud. TJADER. Rogério da Silva. 109 um relatório com os feitos da legislatura anterior e propôs ações que julgava serem necessárias para o próximo mandato. E no relatório ele diz: Tão cheio de vida recebia em sua casa grande número de amigos de sua predileção para festejar o aniversario de seus anos, dia este em que o seu generoso coração se abria para dar expansão as mais doces efusões do sentimento, quando foi deste mundo arrebatado pela morte. Parecia que esta brilhante reunião tinha sido convocada para a solene despedida daquele que tinha de passar para a eternidade! O dia 7 de setembro de 1868 marca um acontecimento infausto para Valença: foi ele a chave, que fechou a existência de uma vida tão preciosa, e que desfez em um momento as nossas únicas, e mais lisonjeiras esperanças. A morte deste ilustre varão veio abrir grande vácuo que jamais será preenchido. 141 (grifo nosso) Já em seu relatório João Rufino demonstra preocupação com a estabilidade política na cidade. Para ele com a morte do visconde, abriu-se um vácuo na boa sociedade. Embora inaugurado, o ramal da União Indústria não tinha sido concluído e isso muito o preocupava, porque a não conclusão simbolizava um duro golpe nos interesses dos homens bons. João Rufino ainda fala sobre a disputa entre os liberais e os conservadores, mas também diz como o Visconde do Rio Preto era o ponto de conciliação entre os dois grupos. Com sua morte quem assumiria o seu lugar? Haveria alguém tão habilidoso e capaz de se socializar tanto quanto o Visconde do Rio Preto? Veremos agora se aqueles que ambicionaram este lugar, que sempre foi brilhantemente por ele ocupado, o imitarão e o tomarão por modelo. 142 Este nome, srs., identificou-se por tal forma com a Cidade de Valença, pelos benefícios que a ela prodigalizou. Foi no memorável dia 7 de setembro de 1868, seu aniversário, que este distinto cidadão rodeado de sua família e de seus amigos devotados deu a alma ao Criador. Nessa ocasião, Srs., em que o povo deste Município, divididos em duas parcialidades políticas e inconciliáveis, disputavam ambas em todas as paróquias a gloria de o trazerem pela terceira vez à presidência desta Câmara: para com ele desapareciam as paixões partidárias para só sobressair o espírito de reconhecimento.143 Pouco antes de sua morte Domingos Custódio venceu as eleições municipais e com uma diferença expressiva para o segundo colocado, o Barão de Juparanã, que assumiria a presidência da Câmara Municipal. Como nas outras legislaturas, a Câmara 141 In: O Alagoas, Ano I, nº4, 13 setembro de 1868. CD 006 – CDH/CESVA Idem 143 MENDONÇA, João Rufino Furtado de. Op.cit 142 110 continuou com o predomínio de conservadores tradicionais da cidade como Araújo Leite e Custódio Silveira Vargas, Manoel Jacinto C. N. da Gama e como Zoroastro Augusto Pamplona, um dos principais liberais apenas como suplente. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. Candidato Visconde do Rio Preto Coronel Manoel Jacinto. C. N. da Gama Dr. Luiz Alves de Souza Lobo Tenente. Marcelino R. Avellar Barbosa Com. Pedro Gomes P. de Moraes Major Custódio da Silveira Vargas Dr. Afonso Xavier Fortes Dr. José de Calazans Soares Souza Com. José Gonçalves de Moraes Com. João Batista de Araújo Leite Suplentes Dr. Marciano Antonio de Mello Dr. Zoroastro Augusto Pamplona Dr. Antonio Herculano Furtado de Mendonça Antonio Bernardo Figueira Simeão Gomes d’Assunpção Tenente Manoel Antonio de Andrade Alferes Joaquim Gomes Pimentel Votos 2308 1299 1284 1284 1271 1262 1260 1218 1202 1174 1167 1162 1155 1137 1130 1125 906 Fonte: Jornal O Alagoas – setembro de 1868 - CD-009 CDH/CESVA Ao pensarmos pelo lado do predomínio conservador no cenário local, as coisas mantiveram-se inalteradas. Assim também parece-nos em relação a grande questão local pendente quando da morte do Barão do Rio Preto: a continuidade do projeto da estrada de ferro. O sagrado fogo da caridade, que o finado visconde ateara, e sempre aceso no Hospital de Valença, não se extinguirá a mingua de sacerdotes; os melhoramentos materiais, que tanto impulso recebiam não estacionarão e nem o importantíssimo projeto do ramal morrerá asfixiado pelo sufocante hálito do desanimo; porque consta-nos que o prestimoso cidadão e importante fazendeiro do município, Sr. Manoel Antonio Esteves, tomará a peito tornar efetiva sua realização. “Vouloir c’est pouvoir” Oxalá que o Sr. Esteves queira; cremos que neste caso sua vontade – será hercúlea clava capaz de esmagar a hydra (sic) multicapite (sic) das impossibilidades e dificuldades. É conveniente, porém, que este cidadão seja secundado por outros, que igualmente auferem grandes vantagens na fatura do ramal. Convém que todos se reúnam a ele, porque dessa união provirá a força necessária para se levar a efeito um obra tão gigantesca e de tanto momento para Valença, sem sobrecarregar um só com seu enorme peso.144 144 O Alagoas, Ano I, nº8, 11 de outubro de 1868. CD-009CDH/CESVA 111 Os interesses da boa sociedade não podiam morrer juntamente com o Visconde do Rio Preto, por isso, emergia a figura de Manoel Esteves, com a finalidade de funcionar como um grande fiador do projeto assim como o visconde foi no passado. Interessante ressaltar que Manoel Esteves nunca ocupara um cargo público, mas os fazendeiros o preferiam em detrimento do Barão de Juparanã, que mais uma vez se via enfraquecido. A ser verídica a notícia que nos deram que o Sr. Esteves se coloca a frente da empresa do ramal, estamos convictos que ela será sem a menor dúvida levada a efeito porque conhecemos de perto S.S., sabemos que homem de força de vontade e dispões de bons recursos, sendo até um daqueles caracteres que em energia, atividade, e rasgos de generosidade mais se assemelham ao finado Visconde do Rio Preto.145 Concluímos com isso que a figura do Visconde do Rio Preto não foi uma exceção, mas sim o resultado de uma cultura política na qual o uso político das redes sociais possibilitava a continuidade da defesa dos interesses de grupo. Quando ele faleceu, seus pares sentiram um duro golpe, pois haviam investido muito no fortalecimento dessa rede de sociabilidade, mas como o articulista mesmo afirmava, Manoel Antonio Esteves foi tratado com todos os adjetivos próprios a “boa sociedade” e que por isso mesmo conforme o artigo, era quem mais se aproximava da figura do Visconde do Rio Preto. Assim como o Visconde do Rio Preto, Manoel Esteves era um homem de negócios muito habilidoso e vaidoso. Os jornais que utilizamos nesta pesquisa só puderam ser pesquisados porque Manoel Esteves os guardou em sua fazenda. Fez recortes de todos os seus feitos e de seus familiares. A estrada de ferro saiu do papel e tornou-se uma realidade, prova de que não importava quem era o líder, o importante era haver uma liderança que representava explicitamente tudo o que implicava na “boa sociedade” valenciana. Como se depreende de tudo quanto foi afirmado, a morte do Visconde do Rio Preto abalou profundamente os projetos articulados pela boa sociedade valenciana, deixando a todos desnorteados. No entanto, como os mesmos projetos não podiam ficar parados, logo cogitou-se em um substituto à altura para levar adiante os ideais da cultura política local, constituindo-se a figura de Manoel Esteves como um líder, apesar de não ter assumido cargos políticos. Era necessário um articulista que unisse habilidade 145 Idem. 112 de negociação e capacidade de superar as diferenças políticas em prol de um projeto que envolvia a todos aqueles ligados à produção cafeeira. Alçado à condição de “único capaz de levar adiante o projeto de construção do ramal da linha férrea”, como “prestimoso cidadão e importante fazendeiro da região”, Manoel Esteves realmente finalizou o projeto da construção da ferrovia e, por isso, juntamente com outras lideranças, foi laureado com a comenda da Ordem da Rosa. A boa sociedade valenciana soube sair-se muito bem, nesse momento, do vácuo aberto com a morte do Visconde do Rio Preto. Não importando quem assumisse tal posição, alguém precisava ser guindado à condição de líder para que tudo continuasse a funcionar de maneira conveniente com os interesses desta boa sociedade. Com relação à lei ventre livre, só restou o lamento: Desde que a abolição do trafico veio secar a fonte de onde o Brasil tirava até então os braços necessários à sua produção agrícola, sempre crescente, as forças produtivas tem escasseado mui sensivelmente e o resultado tem sido um grande decréscimo na produção, duplamente prejudicada com a lei de 28 de setembro de 1871, que veio secar por sua vez a única vertente por onde se alimentava ainda o braço escravo. Se os dois profundos cortes nas fontes diretas de onde provinham as forças produtivas foram, verdade medidas humanitárias, e próprias de nosso século, não deixaram de causar para a lavoura um mal profundo que já se tem apalpado e vai tomando proporções formidáveis. E o Brasil cuja sua principal riqueza está na sua agricultura, pouco tem feito para o muito que há mister no intuito de prover à grande falta de braços, que se torna maior de dia para dia.. Se a iniciativa para remediar o mal não parte dos grandes fazendeiros, se estes não curam de ensaiar um sistema que lhes aproveite, verão em pouco tempo suas senzalas despovoadas, seus engenhos e escravos e seus cafezais perdidos. Na emergência nada lhes acudirá, nem o ais patriótico governo a quem faltam todos os meios práticos e diretos que só aos fazendeiros cumpre estudar e prover. Sujeitando nossa opinião aos competentes, paramos por aqui, porque as dimensões deste jornal não nos dá para mais. 146 146 In: Echo Valenciano, Ano I, nº3, 28 de novembro de 1875. CD-014 CDH/CESVA 113 Considerações finais Em nosso trabalho apontamos para a estrutura social marcada pelas redes de sociabilidades características da época. Relações parentais e familiares estendidas que se cruzavam e se complementavam nas mais extensas relações sociais, a serem desenvolvidas pelos interesses de grupos específicos. Trabalhamos com o caso exemplar do Visconde do Rio Preto, membro distinto de uma elite econômica empresarial e latifundiária escravista cujas relações configuraram uma extensa rede de relações que caracterizaram uma auto denominada “boa sociedade”. Nossa pesquisa, embora apresente interfaces entre as dimensões da História Cultural com a História Política enfatiza esse último aspecto. O que nos interessa, para além dos valores culturais de época que estruturavam as sociabilidades são as formas e usos políticos dessas redes. Defendemos que essas redes permitiam e consolidavam poderes políticos quando usadas como dispositivos de poder que marcaram e dominaram “lugares“ na sociedade. Lugares esses, estratégicos e que poderiam ser institucionais como Câmaras Municipais, sociais e recreativos, como clubes e associações ou divulgadores do pensamento a serviço de projetos, como os jornais. “Lugares políticos” que se configuraram restritos pelos interesses e pela posição social de seus membros e que também marcaram suas relações com outros centros de poder, como a Corte, por exemplo. Mais especificamente demonstramos como o Visconde do Rio Preto tornou-se um símbolo da “boa sociedade”, reunindo legitimamente o poder de liderar e representar determinado grupo na esfera política, social e econômica de Valença. Quisemos demonstrar como ele construiu sua personagem social e política utilizando e consolidando as práticas e dispositivos sociais e políticos “vindos do berço”, conseguindo o reconhecimento de seus pares, até a exacerbação última de sua atuação como mito da história local. Domingos Custódio Guimarães não foi apenas um grande fazendeiro, mas também um hábil empresário que soube diversificar seus negócios. Administrou a municipalidade, o patrimônio da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença e projetos públicos locais como se fossem negócios seus, a ponto de investir grandes somas particulares em empreendimentos públicos. Conforme demonstramos no primeiro capítulo o espaço geográfico facilitou o desenvolvimento de uma cultura cafeeira no Vale do Paraíba Fluminense. Com a 114 possibilidade de desenvolver bons negócios, algumas famílias vindas principalmente de Minas Gerais se estabeleceram na região. Com o desenvolvimento da economia cafeeira, aldeias tornaram-se vilas e depois cidades, conforme aconteceu em Valença. Essas famílias estabeleceram região uma cultura política de representação das mesmas nos espaços públicos. O crescimento da cultura cafeeira foi baseado na permanecia dessas famílias nos espaços de poder e na estrutura escravista do Brasil. No segundo capítulo apresentamos os espaços utilizados pela “boa sociedade” para o desenvolvimento e fortalecimento das redes de sociabilidades bem como os seus usos e costumes buscando uma distinção social. Primeiramente falamos da Câmara Municipal de Valença e como as famílias eram representadas. Demonstramos como o Visconde de Baependy tornou-se um forte líder político e representante dos conservadores. Desenvolvendo nossa proposta de entender as redes de sociabilidades, analisamos a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valença, e sua relação com o poder público. Correlacionamos a atuação política com inserção na Irmandade. Conforme observamos muitos membros da mesa diretora da Irmandade também ocupavam cargos públicos. Além disso, demonstramos como ser membro desse grupo facilitava o ingresso na vida política local como o caso dos Silveira Vargas. Ainda no terceiro capítulo falamos da imprensa e sua vinculação com a boa sociedade divulgando seus projetos e objetivos como no caso de O Merrimac com a Estrada de Ferro e A Phenix com a lavoura e a manutenção da escravidão. Por ultimo, utilizamos o Visconde do Rio Preto como arquétipo da “boa sociedade” com um grande investimento social e financeiro para transformar-se em “grande líder”. Por outro lado, demonstramos que o fortalecimento de sua imagem fazia parte de uma estratégia para a consolidação de uma figura de credibilidade que pudesse defender os interesses da boa sociedade. Em nossa proposta, de entender as redes de sociabilidades estabelecidas em Valença identificamos primeiramente os Nogueira da Gama, liderados pelo Visconde de Baependy, arrebanhando outras famílias ao seu redor. Após se ausentar da política local, lançou-se na política nacional, abrindo espaço para que os liberais se fortalecessem. Depois de passar anos na região sem se envolver diretamente na política o Visconde do Rio Preto, surge na cena local como um forte representante dos interesses dos conservadores. Muito mais do que uma figura forte o Visconde do Rio Preto tornou-se um personagem de apaziguamento entre os liberais e conservadores. Sua morte causou 115 um momentâneo baque nos interesses de grupo, mas logo em seguida apontam outro indivíduo para liderar esses interesses. 116 Fontes Consultadas Siglas CDH/CESVA – Centro de Documentação Histórica Prof. Rogério da Silva Tjader/Centro de Ensino Superior de Valença CRL - Center for Research Libraries/Universidade de Chicago Fontes Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1844-1889). Disponível em: http://www.crl.edu/brazil A Phenix - Ano I, nº8 de 28 de abril de 1867. 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