SEMINÁRIO NACIONAL DE ENSINO EM VETERINÁRIA MESA REDONDA I : A Medicina Veterinária atual e a Sociedade: para quem e para quê? Texto primário: A construção e o (des)compromisso do Médico Veterinário com a Sociedade. Raul Ribeiro de Carvalho Professor Assistente do Departamento de Zootecnia, da Faculdade de Veterinária, da Universidade Federal Fluminense. A formação do médico veterinário, no Brasil, esteve, historicamente, condicionada ao encaminhamento de ações do Estado na busca de soluções para os problemas decorrentes da produção animal e do sanitarismo, aqui incluindo as zoonoses. Esta abordagem, facilmente identificável até os anos 80 quando o Estado deixa de ser o grande empregador da categoria, se materializa pelos aspectos tecnicista e econômico, onde o exercício profissional era a garantia de bom manejo dos rebanhos, de seus produtos e dos negócios. O econômico não detém a primazia do processo, pois a ocorrência de zoonoses e outras possibilidades contaminantes pelo consumo de produtos de origem animal exigem um acompanhamento sanitário que garanta o convívio com os animais e a comercialização de seus produtos. Desde o seu início, em 1910, a Medicina Veterinária se depara com a duplicidade profissional: no campo dos negócios, do rural, do animal, e no campo da saúde. No entanto, a crença na especialização e na fragmentação do mercado de trabalho insiste em pensar o fazer médico veterinário como uma ação econômica sobre a produção animal de forma excludente. A classificação da Medicina Veterinária como conhecimento da área da saúde, por um lado, mantém esta estranha necessidade de se classificar reduzindo a abrangência do conhecimento; por outro, instala um debate com aqueles que acreditam na diversidade da atuação profissional, com o agrário e a saúde, além do social, do político, do meio ambiente e quanto mais questões o seu tempo produzir. Desde sempre, para além, da dicotomia exercício profissional versus compromisso social, a ação do médico veterinário transitou, ou faltou, na condução destes assuntos: produção, convívio e consumo entre os homens e os outros animais. A praxis profissional se dá através de conecções entre as necessidades que a sociedade produz. A Medicina Veterinária é um saber apropriado para as questões agrárias e fundamental na saúde humana, quem duvida? Este debate ao sair da área didática/burocrática, despolitiza o fazer médico veterinário e pode ser uma das causas dificultadoras do ensino e exercício profissional comprometidos com o conjunto da sociedade nacional. Supor que há uma ruptura entre os saberes profissionalizantes e um comprometimento social é perpetuar um modelo de atuação elitista em que as demandas sociais, o respeito e resposta à pluralidade de produtores e consumidores não se efetivam. A Medicina Veterinária, como qualquer outra área de conhecimento, só se faz necessária à medida que promove soluções para os enfrentamentos que a sociedade constrói em suas relações humanas e com outros elementos do meio ambiente. Assim, pensar o médico veterinário como um profissional exclusivamente voltado para a lida com os outros animais, ignorando que estes só existem enquanto socialmente construídos pelas necessidades humanas de consumo, afeto e lazer, é desconhecer a capacidade antropomorfizante que o ser humano tem e exerce sobre o mundo. Esta compreensão do papel do médico veterinário no exercício profissional, em geral, permite um afastamento acrítico, do mesmo, sobre o entendimento e compromisso com as questões sociais. Esta é uma preocupação contemporânea, pertinente, que deve abalizar qualquer discussão a respeito do perfil profissional do médico veterinário na busca de um fazer médico veterinário tecnicamente sofisticado e socialmente apropriado pelo conjunto da população, seja por produtores ou por consumidores desta ação. De 1910 até hoje os currículos da Medicina Veterinária sofreram quatro alterações, nenhuma que garantisse essa abordagem humanística, generalista, de forma efetiva. Todas buscaram, ao sabor do mercado e dos ventos políticos, construir um profissional tecnicamente apto a garantir os interesses dominantes e criticamente alheio aos projetos de desenvolvimento que se efetivaram na sociedade brasileira. Hoje, com a oportunidade da elaboração de um novo currículo (implantação da Reforma Curricular) frente ao conjunto de demandas que a sociedade brasileira aponta, são necessárias a reflexão e ação na construção de um profissional tecnicamente apto e socialmente comprometido com a complexidade da sociedade: grandes e pequenos, indústria e agricultura, rural e urbano, científico e afetivo, em busca de um desenvolvimento justo com equidade, sustentável e plural.