RELAÇÕES ENTRE ARQUITETURA, URBANISMO E EDUCAÇÃO: O CASO DA ESCOLA NORMAL DE PARANAGUÁ/PR. Ana Paula Pupo CORREIA Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR [email protected] EIXO: Patrimônio educativo e cultura material escolar Palavras-chave: arquitetura escolar, história da educação, cultura material escolar 1. Introdução O majestoso prédio da Escola Normal de Paranaguá1, ainda hoje um edifício de destaque na paisagem urbana, fez com que de alguma forma a cidade se desenvolvesse em torno do prédio, sendo por muito tempo a única referência de educação na cidade e em todo litoral paranaense. O presente trabalho insere-se no estudo do patrimônio educativo e cultura material escolar, e tem como intenção investigar os debates acerca da implantação do projeto que desencadeou a política de construção do edifício destinado ao prédio público da escola. O estudo contempla as relações entre os campos da arquitetura, urbanismo e a história da educação através da trajetória inicial da Escola Normal de Paranaguá/PR. Além disso, baseia-se no pressuposto de que o edifício escolar, concebido e construído para fins educativos, incorpora em seu espaço as demandas pedagógicas, sanitárias e os códigos de posturas construtivas vigentes. Uma das questões a ser compreendida refere-se às possíveis relações existentes entre os projetos construtivos (arquitetônicos) e os projetos políticos/educacionais que se veiculava no período aqui estudado. Neste trabalho analisaremos o prédio escolar público, considerado como estabelecimento de domínio e controle do poder estadual, que revela a intenção política dos governos que se encarregaram de sua construção e que correspondia a maioria das escolas desse tipo de ensino, ofertado nos primeiros anos do século XX. É importante ressaltar que para dar conta dessa questão será necessário não só o estudo dos projetos políticos/pedagógicos e sua materialidade no tempo e no espaço (por meio da arquitetura escolar), mas, igualmente, os estudos desta construção na cidade, tendo em vista que o mesmo tem inegável valor histórico, artístico e cultural. Quanto á periodização, a pesquisa aborda desde o início das décadas de 1920, com as discussões sobre a construção do prédio escolar até a década de 1930, com a fundação do colégio. As fontes que responderão as indagações, por meio da pesquisa histórica a partir de análise documental, serão: as mensagens governamentais, relatórios de inspetores de ensino, regulamentos escolares, decretos, programas de ensino, periódicos da época plantas arquitetônicas e fotografias. Como referenciais teóricos, este texto está fundamentado nas contribuições dos teóricos da História da Educação, da História da Arquitetura e do Urbanismo, entre eles: Antonio VIÑAO e Augustín ESCOLANO (1998), Marcus Levy Albino BENCOSTTA (2005) e Silvia Ferreira Santos WOLFF (2010), dentre outros. 1 2. A proposta para a construção da Escola Normal em Paranaguá. No Paraná, a formação dos professores teve início oficialmente em 12 de abril de 1876, pela Lei n.º 456, que criou a Escola Normal e o Instituto Paranaense (antigo Liceu e, posteriormente, Ginásio Paranaense), na cidade de Curitiba. Ambos funcionavam no mesmo estabelecimento e somente em 1922 a Escola Normal teve suas próprias instalações (MIGUEL, 2001). Outras Escolas Normais foram implantadas no interior Estado, em Ponta Grossa e no litoral, em Paranaguá, inauguradas respectivamente em 1924 e 1927. Até a década de 1930, em todo o Estado, funcionavam apenas três Escolas Normais e duas de Ensino Secundário: as Escolas Normais localizavam-se em Curitiba, em Paranaguá e em Ponta Grossa,as secundárias funcionavam somente em Ponta Grossa e em Curitiba (PARANÁ, 1936, p. 46). Na década de 1920, no período em que o governador do estado era Caetano Munhoz da Rocha (1920-1928), contratou-se Cesar Prieto Martinez para ocupar o cargo de inspetor de ensino, que tinha experiências com a educação no Estado de São Paulo. Permaneceu no cargo de inspetor de ensino no período de 1920 a 1925, e defendia a construção de mais Escolas Normais: Sendo a Escola Normal a base solida de toda reforma racional na instrução publica primaria, claro é que deve merecer o máximo de cuidado por parte dos governos. A organização desse instituto eminentemente profissional determina forçosamente o bom ou mau êxito de todo o aparelho escolar, pois fornece o material mais importante, que é o professor. (PARANÁ, 1920, P. 16) Tentando mostrar a importância da Escola Normal, foram realizados novos investimentos no Estado, com a construção para uma nova sede da escola Normal em Curitiba (1922) e a construção de mais duas escolas normais, uma em Ponta Grossa (1925) e a outra em Paranaguá (1927). Ainda em relatoria do Inspetor Cesar Prieto Martinez de 1924, destacava que a escola Normal da Capital não estava mais atendendo as necessidades do estado, e apresenta as seguintes considerações sobre Paranaguá: A Escola Normal de Paranaguá, destinada a formar educadores para os filhos do litoral, terá a missão de reerguer o nosso cabloco, ensinando-o a defender-se e curar-se das doenças que o aniquilam roubando-lhe a coragem para o trabalho, e armando-o de conhecimentos para melhores proveitos tirar da rendosa industria da pesca e da lavoura que ai são tão promissoras, mas que permanecem incipientes, com grave prejuízo para a nossa fortuna publica e privada. (PARANÁ, 1924, p. 27) O governo estava sustentado pelo discurso da necessidade de promover a construção da Escola Normal, com a crença que resolveria os problemas da cidade e da região. De certa maneira a Escola Normal mostrou portadora de valores, normas e conhecimentos que, expressavam uma maneira de tornar a cidade mais moderna, preocupada em preparar o cidadão republicano (Villela, 2000). Um conceito importante para entender esse fenômeno será o significado de moderno/ modernidade2 que pode ser expressado aqui como um processo de 2 “aceleração da repressão” por parte do Estado, das suas atividades econômicas, políticas e culturais. Na tentativa de se construir uma nova sociedade capaz de absorver novas ideias, Micael HERSCHMANN e Carlos A. M. PEREIRA, afirma que é preciso repensar o moderno, que se constituem basicamente na renovação da “medicina (normatizando o corpo), da educação (conformando as mentalidades) e da engenharia (organizando o espaço)” (2001, p. 13). Os autores entendem esse fenômeno como a construção de uma identidade nacional: “ Enquanto na virada do século XIX para o XX a palavra de ordem é “civilizar”, isto é, ficar em pé de igualdade com a Europa no que se refere a cotidiano, instituições, econômicas, idéias liberais, etc., nos anos 30 a questão fundamental é realizar uma espécie de ajuste de contas entre o conjunto das idéias modernas e a realidade institucional do país, ou seja, adequar esta modernidade a uma quadro institucional possível.” (HERSCHMANN e PEREIRA, 2001, p.12) Outro conceito importante na orientação deste trabalho é o de cultura material escolar, que contribui para a compreensão da composição do espaço escolar, assim como identifica as diretrizes educacionais adotadas pela escola. Os estudos de Rosa Fátima de Souza trouxeram as possibilidades de investigações sobre a cultura material, e implicam em: “(...) desviar o olhar para dimensões do universo educacional – edifícios, mobiliários, utensílios, materiais pedagógicos, manuais didáticos etc. – (...) instrumentos mediadores da ação educativa e elementos estruturais para o funcionamento dos estabelecimentos de ensino.” (SOUZA, p. 10, 2007) Em torno da cultura material escolar foram instituídas praticas discursivas, modos de organização pedagógica da escola, consolidação do método de ensino, constituição de sujeitos e práticas, aspirações de modernização educacional e significados simbólicos (idem, 2007). A representação em torno da composição desse novo modelo de Escola Normal que se consolidou na primeira republica, e tornou-se um símbolo da educação de professores no Brasil. 3. Reconstruindo o Cenário: um pouco da história da cidade de Paranaguá. O município de Paranaguá, localizado no litoral do Paraná, é considerado a cidade mais antiga do Estado, datada da primeira metade do século XVI.3 Desde o período da emancipação Política do Estado do Paraná, no ano 1853, mostrava-se por parte dos governantes uma intranquilidade com relação aos surtos de febre amarela em Paranaguá. No relatório de 1854, do Presidente da Província, Zacarias de Góes e Vasconcellos, alguns pontos são destacados: “A posição topográfica desta cidade e sua edificação á margem do rio Itiberé, faz com que Ela seja cercada de terrenos alagadiços, excepcionalmente do lado de terra, onde, passado o tabuleiro firme, em que está a cidade, o terreno de baixo, correm por longo tempo as águas pluviais, que crescem grandemente com as que produzem os 3 brejos e muitos regatos, que, em todas as direções, cortão os terrenos na extensão de mais de légua. A cor destas água de amarela por estarem impregnadas de substancias vegetais, ou pela qualidade do terreno.” (Relatório, 1854, p. 11) A cidade de Paranaguá desenvolve-se ao longo do rio Itiberê, e no século XIX, já era considerada uma cidade portuária. Os problemas com focos de doenças, vista como sinônimo da insalubridade e de tudo aquilo que o discurso higiênico combatia, eram frequentes na cidade litorânea. A preocupação efetiva em sanear e melhorar os aspectos da cidade se inicia no século XX, organizando-a, drenando terrenos pantanosos, propiciando água encanada e tratada, rede de esgotos, além de uma série de outras medidas, com o objetivo de tirar a cidade do “atraso” e da “sujeira” em que ela se encontrava. Estes investimentos e melhoramentos, conforme afirmam os Relatórios da Câmara Municipal enviados ao Governo do Estado, não foram realizados de imediato. (SCHEIFER, 2008, p. 61) Em 1885, com o inicio da construção da Estrada de Ferro Curitiba- Paranaguá4 abriu caminho para o escoamento regular do comércio existente entre o porto e a comunicação com o planalto, um passo decisivo para viabilizar a exportação de madeira paranaense, via porto. Para a historiadora Cecília Westphalen (1998), no livro Porto de Paranaguá - um sedutor, mostra como o porto, em vários períodos, esteve atrelado à dinâmica da burguesia e da cidade. Segundo a autora, é através do porto que a modernidade se instaura na cidade, referindo-se aos materiais para a construção da estrada de ferro. Por esse motivo que a Estrada de Ferro Paranaguá–Curitiba é construída, tornando-se um movimentador de pessoas, mercadorias e idéias. Na imagem abaixo, tirada no início do século XX, pode-se observar ao longe a Rua da Praia (Rua General Carneiro) onde foi construído o primeiro porto da cidade de Paranaguá. Este é o local em que se iniciou o desenvolvimento urbano da cidade, observa-se também o conjunto de sobrados voltados para o Rio Itiberê. FIGURA 1 - CIDADE DE PARANAGUÁ, INICIO DO SECULO XX. FONTE: Secretaria da Cultura Paranaguá A grande mudança para a cidade de Paranaguá está relacionada a construção da ferrovia que liga Paranaguá a cidade de Curitiba. Para SCHEIFER (2008) a ferrovia não era apenas um meio de transporte necessário para o desenvolvimento do Paraná, mas, também, uma maravilha da técnica e do conhecimento urbano (Idem, 2008, p. 43). A Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba contribuiu para que a sociedade, não apenas na 4 cidade de Paranaguá, mas em todos os lugares por onde a “maravilha moderna”– foram tomados pelo progresso. O trem, como ícone do desenvolvimento, despertou um “espírito progressista” nas elites locais, projetando uma idealização de cidade que, na prática, não acontecia no mesmo ritmo esperado. Após a construção da estrada de ferro, diversos autores celebraram a ferrovia como uma obra que desafiaria a natureza, principalmente por cruzar a Serra do Mar. Nestor Vítor5 registrou em seu livro “A Terra do futuro – impressões do Paraná”6, escrito em 1913, deixa “as suas impressões sobre a acidade e apresenta a ferrovia como um “milagre de arte”, “incomparável maravilha panorâmica”, “inigualável a outra ferrovia vista”. Sobre a linha férrea Vitor assinalava que: Torna-se cada vez mais famosa a linha férrea de Paranaguá – Curitiba, e seu renome crescerá com o tempo, quanto mais avulte a corrente de turistas que venham de toda parte do mundo testemunhar a incomparável maravilha panorâmica que ela proporciona e ao mesmo tempo o milagre de arte que representa. Não há que contestar, sob ambos aspectos, a estrada de ferro no Paraná é sem parelha em toda a América do Sul. Nem se lhe pode comparar a de Santos e a de São Paulo célebre também, aliás, e a justo título, pelos seus planos inclinados que escalam o Cubatão. (VÍTOR, p. 55, 1913) Naquele momento dava-se também início à edificação da Estação Ferroviária de Paranaguá, construída três anos depois, em 1883. O prédio de composição simétrica, tem ao centro, destacado, um pórtico de entrada, com colunas e detalhes de inspiração neoclássica. Na cobertura, em telhas cerâmicas, são marcantes o frontão central e uma série de elementos vazados para a ventilação. A dinâmica importada pelo transporte ferroviário e a construção de uma Estação Ferroviária impulsionou a expansão urbana da cidade, consolidando esta região como uma área de destaque a qual irá receber no final década de 1920 o prédio da Escola Normal de Paranaguá. Durante muito tempo Paranaguá aparece como cidade litorânea insalubre, foco de doenças epidêmicas e um perigo ao planalto. Apesar destes elogios à ferrovia, dos avanços da técnica moderna, Paranaguá continuava com os problemas de salubridade, e principalmente com problemas de enchentes da cidade. O discurso para os melhoramentos urbanos como água encanada, esgotos e remodelação da cidade são discutidos desde o inicio do século XX em Paranaguá, mas só foram realizados definitivamente em 1914, quando a Prefeitura Municipal teve à frente o médico Dr. Caetano Munhoz da Rocha7, eleito em 1908, com a principal marca de sua administração o saneamento da cidade. A administração pública de Munhoz da Rocha teve como meta uma reforma urbana e sanitária do município. Foram nesses anos que iniciou-se o saneamento da cidade, da limpeza da área do porto, dos aterros de locais “pantanosos” no centro da cidade. As péssimas condições urbanas levariam a campanhas que, na época, passariam a ser vistas como sinônimo de urbanização. O objetivo era sempre o mesmo limpar e embelezar a cidade, abrindo ruas, melhorando as condições sanitárias, construindo praças, que mesmo de forma incipiente vão transformar a fisionomia urbana. A foto aérea abaixo tirada no inicio da década de 1930, vai apresentar uma vista geral da cidade. (Pereira, 1998) 5 FIGURA 2 - VISTA AÉREA DA CIDADE DE PARANAGUÁ. FONTE: Secretaria da Cultura Paranaguá, ano 1933. O estudo das cidades permite observar que muitas áreas urbanas se configuraram paulatinamente, como sede de novas atividades sociais, econômicas e políticas, introduzidas no contexto da urbanidade. Na maioria dos casos pelo controle político em outros casos pela vontade da população. Este fenômeno ocorre quando o movimento ocorrido na esfera pública ou econômica estabelece um projeto interferindo no espaço urbano, que demanda, novos espaços (espaços para lazer, educação, o transporte urbano, entre outros), determinando novos signos no imaginário da população. A seguir apresentaremos o local e a construção da Escola Normal de Paranaguá. 4. A escola como lugar e a escola como território: o caso da Escola Normal de Paranaguá, no Paraná. Sobre o espaço escolar as considerações de Vinão Frago (2001, p. 101) são importantes, quando afirma que podemos analisá-lo por dois enfoques. O primeiro diz respeito à natureza da escola como lugar, trata da concepção física do espaço, “pensado, desenhado, construído e utilizado única e exclusivamente para esse fim.” (FRAGO e ESCOLANO, 2001, p. 69). Nesta vertente as tipologias arquitetônicas são estudadas ao longo do tempo, os signos, enfim tudo aquilo que pudesse dar uma identificação arquitetônica à escola – a cara da escola – frente a outras instituições. O segundo enfoque trata a escola como território. Este tipo de análise abordagem leva em conta a localização da escola ou seja, as relações existentes com outros espaços e os lugares e também a área de atuação da escola. Essa abordagem configura-se no estudo das relações dos espaços interno com o externo. Os prédios escolares construídos no período da república para a formação dos professores, ostentavam representações políticas e sociais. Nesta perspectiva, muitos trabalhos contribuíram para a definição dos pressupostos da análise das edificações escolares foi o livro La naissance de l´architecture scolaire, de Anne-Marie CHÂTELET (1999)8. A autora destaca que a escola submeteu-se as regras impostas pelo Estado na construção do valor social da República. Esse poder político direcionou o discurso do 6 arquiteto e do pedagogo, que criaram, conjuntamente, as novas escolas públicas e, assim, formaram o novo cidadão, a fim de fortalecer os pensamentos republicanos. A cidade e a localização urbana da escola tornam-se questão de grande importância dentro deste contexto. Segundo Frago e Escolano (1998), no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, em 1933, recomendou a localização das escolas entre as grandes vias de comunicação, também como elemento dominante sobre as demais construções próximas. Deste modo, o edifício escolar atuaria como símbolo de um esforço de uma comunidade em favor da cultura. A localização da escola é por si mesma uma variável decisiva do programa cultural e pedagógico comportado pelo espaço e pela arquitetura escolares. (...) De modo definitivo, o urbanismo e a arquitetura ofereceriam assim uma completa cobertura para alcançar as finalidades da educação, passando a ser parte do programa pedagógico. (...) A partir dessa localização nuclear, a escola projetaria seu exemplo e influência geral sobre toda a sociedade, como um edifício estrategicamente situado e dotado de uma inteligência invisível que informaria culturalmente o meio humano-social que o rodeia. (FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 32) A arquitetura desempenhou uma função simbólica e pedagógica, ao distinguir a escola do conjunto arquitetônico urbano, caracterizando-a como elemento de ascensão social. A Escola Normal foi projetada em um local de destaque no ambiente urbano, localizado em um prédio, na Rua João Eugênio, em um amplo terreno com nível mais elevado que a via pública, fator que fez valorizar ainda mais a construção em comparação aos demais edifícios do entorno. Na foto abaixo pode-se perceber ao fundo a Escola, em frente a antiga praça João Gualberto. Ao lado direito da escola está o prédio da estação ferroviária. FIGURA 3 - ENTORNO DA ESCOLA NORMAL DE PARANAGUÁ FONTE: Secretaria da Cultura Paranaguá, ano 1930. 7 A relação entre a importância da educação e a arquitetura urbana pode ser percebida não só na foto da escola e seu entorno como também nas descrições de jornais da época. Buscava-se tornar a presença da escola normal na cidade como um dos elementos que compõem e produz a cidade moderna. Pode-se dizer que a arquitetura escolar, e outras ações do governo, significavam que a cidade de Paranaguá tinha deixado para traz os seus problemas de insalubridade, seu passado colonial, para se transformar em uma urbe moderna e, principalmente, mostrando os verdadeiros ideais republicanos. Na obra “Espaço e educação: os primeiros passos da arquitetura das escolas públicas paulistas”, WOLFF (2010) discute os levantamentos de todas as escolas construídas desde o final do século XIX até meados dos anos de 1930. A autora destaca que a arquitetura escolar pública paulista – pioneira no Brasil – visou atender a objetivos pragmáticos, como construir espaços adequados para o ensino, além de promover intervenções de natureza simbólica, pois devia representar positivamente a ação governamental que a gerava: A arquitetura escolar publica nasceu imbuída do papel de propagar a ação de governos pela educação democrática. Como prédio público, deveria divulgar uma imagem de estabilidade e nobreza das administrações. O investimento para atingir esses objetivos residia na composição de sua aparência. Um dos atributos que resultam desta busca é a monumentalidade, consequentemente de uma excessiva preocupação em serem as escolas publicas edifícios muito evidentes, facilmente percebidos e identificados como espaço da ação governamental. (Wolff, 2010, ver pag) A Escola Normal de Paranaguá possuía estas características, localizada em uma região central da cidade, bem ventilada, e de fácil acesso, onde qualquer um que passasse poderia identificar a ação do governo. Logo no dia da sua inauguração os jornais anunciaram a construção como sendo um “suntuoso edifício”: Ás 8 e meia da manhã realizou-se a inauguração do Palácio da Escola Normal. O Palácio ergue-se em magnífica situação. As suas sóbrias e severas linhas se destacam majestosamente. É um prédio que honra a engenharia paranaense. (...) Ás 8 e meia em ponto chegava ao local o sr. Presidente do Estado, que foi recebido com as honras devidas ao seu alto cargo, pela Escola de Aprendizes que formara em frente ao Palácio da Escola Normal. (...) O Paraná está dotado de mais um suntuoso palácio que o honra e eleva. Dele irradiará o saber, será um [foco] de cultura que irá concorrer para que no Estado – que já possui 60 mil crianças matriculadas nas suas escolas – no Paraná não haja mais analfabetos. (DIÁRIO DA TARDE, 30 de julho, 1927). Destaca-se ainda que a implantação do edifício tem um afastamento em relação ao terreno vizinho para garantir larga abertura que proporcionaria circulação de ar em todo o prédio. Nas fachadas foram projetadas amplas janelas, reforçando a questão do aproveitamento máximo da iluminação natural e promovendo a ventilação adequada. Expressa no ecletismo, a linguagem neoclássica, que caracteriza os edifícios públicos 8 daquele período, está presente nos elementos externo do edifício. A monumentalidade da arquitetura do prédio é acentuada pela sua posição de destaque no terreno e suas linhas arquitetônicas na fachada. Para chegar ao interior do edifício duas escadarias foram projetadas. É possível verificar a maneira cuidadosa da sua execução, pois foi utilizado materiais de qualidade, como piso de mármore e ornamentos no corrimão, este já impressionava antes mesmo da entrada ao edifício. FIGURA 4 – FACHADA DA ESCOLA NORMAL DE PARANAGUÁ FONTE: Secretaria do Patrimônio Histórico do Paraná, ano 1930. O prédio foi construído em dois pavimentos além do porão, com um total de 18 salas de aula e demais ambientes: secretaria, sala de diretor, biblioteca, sala de professores e instalações sanitárias. Com o formato em “U” criou-se um pátio central, local onde os alunos realizavam as aulas de educação física e momentos de recreação. Essa configuração gera também, um limite físico e visual, uma linha divisória entre o exterior e o interior do edifício. As plantas abaixo representam o térreo e o primeiro pavimento do projeto construído na época: 9 FIGURA 5 – PLANTA DO PAVIMENTO TÉRREO E PLANTA DO PRIMEIRO PAVIMENTO DA ESCOLA NORMAL DE PARANAGUÁ ências. Hall / 02. Sala de Aula / 03. Sala de Professores / 04. Instalações Sanitárias / 05. Diretoria / 06. Sacada / 07. Secretaria / 08. Biblioteca / 09. Almoxarifado A simetria, tanto da planta quanto da fachada, caracteriza o edifício como de estilo simples. Para o historiador da arquitetura Bruno ZEVI “A simetria é a fachada de um poder fictício, que pretende ser inabalado. (...) Há edifícios simétricos não retóricos, mas todosHallos/ 02. edifícios retóricos, símbolos de autoridade, totalidade, produto da Sala de Aula / 03. Sala de Professores / 904. Instalações Sanitárias indolência e do cinismo são simétricos” (1997, p. 25). Para o autor, não era permitido ao cidadão “voltar a direita ou a esquerda com um movimento harmônico, dando uma curva: tem de virar bruscamente 90º, como uma marionete”. Naquele momento a maior preocupação estava na construção de um edifício com uma fachada monumental e uma planta interna ainda preocupada com a implantação das salas de aula. Um edifício para que todos pudessem “ver e identificá-lo” como um edifício escolar (SOUZA, 2000). 5. Considerações finais A edificação da Escola Normal de Paranaguá, não representou apenas a criação de um novo espaço para a formação docente no Paraná. Todo o processo que envolveu a construção do prédio para a escola demonstra a importância deste edifício para o desenvolvimento da cidade e região. Sua implantação em um terreno de destaque na cena urbana afirma o significado do projeto, no sentido de refletir o interesse do município na educação, que simbolizava o próprio ideal Republicano. No projeto arquitetônico do edifício foram levados em conta questões de higiene, circulação, ventilação, implantação, iluminação, disposição e o 10 dimensionamento dos espaços, proporcionando um ambiente mais adequado à tarefa de educar. A escola como lugar e a escola como território exercem uma ação educativa dentro e fora dos seus limites. Os aspectos simbólicos presentes nas construções do período inicial da Republica, buscavam expressar higiene e organização para a construção de um novo homem. Através da criação de espaços diferenciados para a educação, como soluções de elementos formais do prédio e sua localização na cidade, apresentando de forma contundente a dimensão educativa da Arquitetura. 6. Referências ARAUJO, J. C. S. e alli. As escolas normais no Brasil – do império à república. Campinas: Editora Alínea, 2008 BENCOSTTA, M. L. A. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, ARQUITETURA E ESAÇO ESCOLAR. 1. ed São Paulo: Cortez, 2005. CHÂTELET, A. M. La naissance de l´architecture scolaire: les écoles élémentaires parisiennes de 1870 a 1914. Paris: Honoré Champion, 1999. CORREIA, A. P. P. História & Arquitetura Escolar: os prédios escolares públicos de Curitiba (1943-1953). Curitiba, 2004. Dissertação (Mestrado em História e Historiografia da Educação) Universidade Federal do Paraná. VIÑAO, A.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Tradução: Alfredo Veiga-Neto. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. MIGUEL, M. E. B, A formação do professor e a organização social do trabalho. Curitiba: Editora UFPR, 1997. VICTOR, Nestor. A Terra do Futuro - impressões do Paraná. Curitiba, Prefeitura Municipal de Curitiba, 1996 (Coleção Farol do Saber). PARANÁ. 1924. Relatório apresentado ao Exmo Sr. Secretario Geral de Estado pelo Professor César Pietro Martinez, Inspector Geral do Ensino. Curitiba: Typ. Da Penitenciaria do Estado, 1924 Relatório do Presidente da Província do Paraná, o conselheiro Zacarias de Góes e Vasconselos, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 14 de julho de 1854. Curitiba, tipografia paranaense de Cândido Martins Lopes, 1854. VILLELA, H. O. S. O mestre –escola e a professora. In. LOPES, E. M. T.; FARIA FILHO, L. M.; VEIGA, C. G. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autentica, 2000. SCHEIFER, B. Paranaguá, Cidade Portuária: entre a cidade “Sonhada e a cidade Real”. 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná. WESTPHALEN, Cecília Maria. Porto de Paranaguá, um sedutor. Curitiba: Secretaria do Estado e da Cultura, 1998. WOLFF, S. F. S. Espaço e Educação: os primeiros passos da arquitetura das escolas públicas paulistas. São Paulo, 1992. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo. 1 Hoje Colégio Estadual Caetano Munhoz da Rocha. Ainda com relação aos termos moderno/modernidade/modernismo/modernização são categorias especificas, que vão ocupar espaço no campo intelectual, principalmente no começo do século XX. Na década de 1920 e 1930 afirmar-se moderno era assumir um lugar no debate cientifico e artístico. (M. HERSCHMANN et PEREIRA, 2001, p. 15) 3 Por volta de 1578, os portugueses chegaram ao Paraná, no lugar onde é hoje a cidade de Paranaguá. Sua origem iniciou em torno da movimentação trazida pelo mar. A colonização Portuguesa no Paraná iniciou pelo litoral paranaense no início do século XVII, com a descoberta do ouro na Baía de Paranaguá. Os 2 11 primeiros aparelhos burocráticos, tais como as instituições (Igreja, Vila, Casa de Fundição, Câmara) e as autoridades (vereadores, juiz ordinário, juiz de órfão, procurador, capitão mor, padres, escrivão). A mineração, inclusive, foi o primeiro ciclo econômico do Paraná e proporcionou a fundação das vilas de Paranaguá e Curitiba, o início da colonização da região do primeiro planalto e da comunicação deste com o litoral. (WACHOWICZ, 1972) 4 Após a instalação da província, o governo do Paraná pretendia ligar o planalto ao litoral de forma a melhorar a escoar a produção paranaense. O transporte era feito por cavalos e burros, em caminhos estreitos através da Serra do Mar. Em 1872 foi concluído o antigo caminho da Serra da Graciosa. 5 Nestor Vítor dos Santos nasceu em Paranaguá (12/04/1868), faleceu no Rio de Janeiro, onde foi professor e jornalista (13/10/1932). 6 Livro encomendado pelo Presidente Afonso Camargo. Sua visão aproxima-se ao "discurso oficial". Neste trabalho o autor elabora conceitos e conteúdos sobre a cidade extraídos diretamente da literatura burocrática. Sua importância, além da minuciosidade, é a capacidade de realização da síntese do discurso ufanista. (PEREIRA, 1998) Com a descrição entre o passado e o futuro próspero do Estado, o autor apresenta suas impressões. No trabalho acima citado o autor sai da sua cidade natal, em Paranaguá, e como se estivesse viajando de trem sobre a íngreme serra do mar, passa por Curitiba até chegar a Ponta Grossa. Outros intelectuais como Romário Martins, Rocha Pombo e o próprio Nestor Vítor escrevem sobre o Paraná como uma terra rumo ao progresso, essa é uma constante obsessão no trabalho desses autores. Alguns autores destacam que o chamado “Movimento Paranista” tinha a intenção de mostrar um Paraná em desenvolvimento, um “Paraná do futuro”, tão sonhado pelos intelectuais. Influenciados pelo clima cultural de seu tempo, estes autores tentam demonstrar o desenvolvimento cultural do estado. 7 Possuía uma carreira política ininterrupta, tendo sido Deputado Estadual em 8 mandatos; sendo um deles no ano de 1892. Presidente do Estado em dois; Vice- Presidente uma vez; Prefeito por dois mandatos consecutivos e acumulando cargos públicos de Secretário da Fazendo, da Agricultura e Secretário de Obras Públicas Deputado Estadual : 1904 – 1905; 1906 – 1907; 1907 – 1908; 1908 – 1910; 1910 – 1912; 1912 – 1914 – 1916 e depois em 1935. Intercalados a este cargo acumulou outros, já que naquele momento a legislação eleitoral permitia o acúmulo de Cargos. Prefeito de Paranaguá de 1908 a 1912 e de 1913 a 1916. Foi Vice- Presidente do Estado nos anos de 1917 a 1919 e Presidente de 1920 a 1924 e 1924 a 1928. Depois Senador de 1928 a 1930. 8 Apesar de se referir ao período de 1870 a 1914 e o foco na arquitetura escolar parisiense, a autora destaca, o crescimento da construção da escola primária como sendo a obra de grande importância da Terceira República Francesa. 9 Normalmente, os quartéis, as prisões, os edifícios militares e as escolas são rigidamente simétricos. 12