Restrições legais em prol da preservação do patrimônio edificado: rebatimento na prática? O caso da legislação municipal vigente no sítio histórico de Olinda Karina Monteiro de Lira1 Resumo: Este trabalho desenvolve uma discussão acerca da restrição legal municipal (Lei 4849/92) quanto à instalação do uso institucional governamental no Sítio Histórico de Olinda (SHO). Para tanto, explora o arcabouço teórico internacional acerca da preservação do patrimônio histórico, as cartas patrimoniais, mais especificamente, as que tratam de intervenções para adequação a novos usos e da interferência nos valores e atrubutos dos bens culturais. Para uma fundamentação prática, avalia quatro intervenções para adequação a este uso, e busca nessa análise o enquadramento da intervenção nos conceitos de Conservação; Restauração; Reforma e novas edificações e Demolição, descritos na Lei 4849/92; a identificação da postura intervencionista através da preservação (ou não) das composições estilísticas, tipológicas e construtivas e a interferência na autenticidade e na integridade dos bens intervidos. Uma vez elaborado este diagnóstico, e o confrontamento deste com o referencial teórico adotado, será comprovada a validade (ou não) da restrição da Lei de Uso e Ocupação do Solo do Município de Olinda. Objetivo O presente artigo busca realizar uma discussão acerca da restrição legal quanto à instalação do uso institucional governamental no Sítio Histórico de Olinda (SHO). O SHO é protegido em nível federal pelo IPHAN, como também pela municipalidade. Esta proteção em nível municipal se dá através da Lei de Uso Ocupação do Solo do Município. Dentre uma de suas restrições em prol da preservação do SHO, a lei proíbe a instalação de repartições públicas. Apesar disto, segundo o website da Prefeitura Municipal de Olinda2, dez das quatorze repartições públicas municipais encontram-se funcionando em edificações históricas dentro do polígono de tombamento3. Além das 1 Mestranda em Arquitetura e Urbanismo (UFBA, 2010), Especialista em Gestão do Patrimônio Cultural Integrado ao Planejamento Urbano da América - Latina (ITUC, 2010), Especialista em Intervenções em Áreas Históricas (FADIC, 2009), Arquiteta e Urbanista (FAUPE, 2009). 2 http://www.olinda.pe.gov.br/ 3 As repartições intaladas dentro do Polígono de tomabamento São: Palácio dos Governadores, Secretaria de Comunicação, Secretaria de Educação, Secretaria de Esportes, Lazer e Juventude, Secretaria de Governo, Secretaria de Patrimônio e Cultura, Desenvolvimento Econômico e Tecnologia, Secretaria de instituições municipais, ainda têm-se o Escritório Técnico do IPHAN de Olinda4, somando um total de onnze instituições governamentais em funcionamento. Desta forma, pretende-se avaliar a interferência deste uso na preservação dos valores e atributos das edificações intervindas, tendo como referencial teórico as Cartas Patrimoniais, que tratam da interferência nos valores e atributos de bens culturais em intervenções baseadas em mudanças de uso. Dentre o conjunto de recomendações internacionais serão priorizadas: a Carta de Veneza de 1964, a Declaração de Amsterdã de 1975, a Recomendação de Nairóbi de 1976, e por fim, a Carta de Burra de 1980. Para tanto, far-se-á uma análise de intervenções, através da identificação das posturas intervencionistas adotadas e suas conseqüentes interferências nos valores e atributos destes bens. Uma vez elaborado este diagnóstico, estas posturas e interferências serão avaliadas sob a ótica do referencial teórico adotado, comprovando a validade (ou não) da restrição da Lei de Uso e Ocupação do Solo do Município de Olinda. 1. Interferência decorrentes da mudança de uso na conservação do Patrimônio Histórico Edificado 1.1. Abordagem do assunto nas Cartas Patrimoniais As Cartas Patrimoniais são recomendações à preservação e conservação de Bens Culturais. Estes documentos, muitos firmados internacionalmente, estabelecem conceitos, normas e procedimentos, às vezes globais, outras vees locais. Sua publicação oferece ao público um panorama das diferentes abordagens no âmbito da preservação, e como estas se desenvolveram ao longo do tempo, registrando o processo segundo o qual, muitos conceitos e posturas se formaram, consolidaram e continuam orientando estas ações, até os nossos dias. Turismo, Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica, Secretaria de Transportes, Controle Urbano e Ambiental, e a Secretaria do Orçamento Participativo e Desenvolvimento Urbano (as três últimas funcionam na mesma edificação). As secretarias externas ao poligono são: Secretaria da Fazenda e da Administração, Secretaria de Assuntos Jurídicos, Secretaria de Desenvolvimento Social, Cidadania e Direitos Humanos e a Secretaria de Obras e Serviços Públicos. 4 Atualmente o Escritório Técnico do IPHAN de Olinda funciona na Igreja do Carmo, mas este esta sendo relocado para o Sobrado Mourisco da Rua do Amparo, também dentro da área de proteção, e ainda reconhecido pelo próprio IPHAN como singular, sendo então, tombado individualmente por esta instituição. Dentre os vários documentos até então publicados, alguns tratam diretamente da interferência de adequações a novos usos em edificações de importância históricocultural. Destes documentos que tratam deste tipo de intervenção (diretamente ou não), consideraram-se como os mais representativos, como referencial para este trabalho, a Carta de Veneza de 1964, Declaração de Amsterdã de 1975, Recomendação de Nairóbi de 1976, e por fim, a Carta de Burra de 1980. A Carta de Veneza, quando fala em conservação diz, em seu artigo quinto: A conservação dos monumentos é sempre facilitada pela sua utilização para fins sociais úteis. Esta utilização, embora desejável, não deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É apenas dentro destes limites que as modificações que seja necessário efetuar poderão ser admitidas (Carta de Veneza, 1964) Já a Declaração de Amsterdã, entende a função social das edificações históricas como uma ação de sustentabilidade, e defende seu uso quando diz: A significação do patrimônio arquitetônico e a legitimidade de sua conservação são atualmente melhor compreendidas. Sabe-se que a preservação da continuidade histórica do ambiente é essencial para a manutenção ou a criação de um modo de vida que permita ao homem encontrar sua identidade e experimentar um sentimento de segurança face às mutações brutais da sociedade: um novo urbanismo procura reencontrar os espaços fechados, a escala humana, a interpenetração das funções e a diversidade sócio-cultural que caracterizam os tecidos urbanos antigos. Mas descobre-se também que a conservação das construções existentes contribui para a economia de recursos e para a luta contra o desperdício, uma das grandes preocupações da sociedade contemporânea. Ficou demonstrado que as construções antigas podem receber novos usos que correspondam às necessidades da vida contemporânea. (Declaração de Amsterdã, 1975) A defesa da funcionalidade das edificações históricas, como também as condições a instalação de novas funções, é evidenciado em uma de suas recomendações à Conservação integrada: Para pôr em ação tal política, respeitando com inteligência, sensibilidade e organização o ambiente construído pelo homem, os poderes locais devem: [...] atribuir às construções funções que, respeitando seu caráter, respondam às condições atuais de vida e garantam, assim, a sua sobrevivência; [...] (Declaração de Amsterdã, 1975) A Recomendação de Nairóbi trata da implantação de novos usos a edificações históricas, inclusive do uso para órgãos públicos. Para tanto, diz: O respeito às medidas de salvaguarda deveria ser imposto tanto às coletividades públicas quanto às particulares. [...] As disposições referentes à construção de edifícios para órgãos públicos e privados e a obras públicas e privadas deveriam adaptar-se à regulamentação da salvaguarda dos conjuntos históricos e de sua ambiência. [...] O regime de eventuais subvenções deveria ser, conseqüentemente, estabelecido e modulado sobretudo para facilitar o desenvolvimento de habitação subsidiadas e de edifícios públicos através da reabilitação de construções antigas.” (Recomendação de Nairóbi, 1976) Já na Carta de Burra, as novas funções são colocadas como ameaças à significância cultural. Sendo assim, entende que para este atributo não sofrer interferência, o uso instalado deve ser compatível com a estrutura existente, de modo que: o uso compatível designará uma utilização que não implique mudança na significação cultural da substância, modificações que sejam substancialmente reversíveis ou que requeiram um impacto mínimo.” (Carta de Burra, 1980) Em todos os documentos citados, o grande denominador comum entre eles é o respeito, o qual aparece neles sob duas ópticas: a) Os valores e atributos reconhecidos de um bem; b) O respeito e adequação do edifício ao uso e ao significado cultural; c) Como também às leis e normas que garantem a sua salvaguarda. Uma vez que, seja nas ações de preservação ou nas propostas de intervenção, haja respeito a essas instâncias, os bens culturais serão salvaguardados. 1.2. Autenticidade e integridade de bens culturais A prática intervencionista em bens culturais, não se dá apenas no corpo físico do bem, mas também na sua subjetividade, ou seja, nos seus atributos. Isto não se dá de forma diferenciada nas intervenções de adequação aos novos usos, demandados da dinâmica da vida contemporanea. Assim, para interpretar o impacto deste tipo de intervenção, é preciso primeiramente entender quais são, e como se colocam estes atributos. A autenticidade, tema que começou a ser desenvolvido no século XIX no ideário anti-intervencionista de John Ruskin, através de sua preocupação com a permanência intacta da matéria original para as gerações futuras, se consolida, somente, nos anos 1970, quando é reconhecido pela UNESCO, como um dos critérios para inscrição na Lista de Patrimônio Mundial. Em continuidade a este processo, em 1994, foi publicada a carta patrimonial sobre autenticidade, a Conferência de Nara. Este documento é diferenciado dos seus precedentes por abranger mais aspectos teóricos como valores e atributos, do que nas abordagens anteriores, as quais têm uma ênfase maior nas condutas de preservação, conservação e intervenção. A importância da autenticidade se dá por ser o atributo que atesta a veracidade da pertinência dos valores de um bem. O “Operational Guidelines for the implementation of the World Heritage Convention” (UNESCO, 2005)5 recomenda que para a avaliação da autenticidade devem ser considerados desenho, material, técnicas construtivas e entorno, além do uso, função, espírito e sentimento. 5 Guia Operacional do Patrimônio Mundial da UNESCO Ao interpretar o “Operational Guidelines for the implementation of the World Heritage Convention”, entende-se que, no caso da arquitetura civil histórica, estes requisitos se referem especificamente a materiais e técnicas construtivas, tipologia arquitetônica, uso para qual foi concebido, função no contexto e relação com o entorno. No item tipologia arquitetônica, constam, não apenas a volumetria da edificação (fachadas e cobertura), mas também a disposição em planta, sua implantação em relação ao lote e ao espaço urbano, ou seja, toda composição das formas espaciais do edifício. Esta concepção do “tipo”, juntamente com os materiais e técnicas construtivas, têm uma relação direta com o modo de construir e de ocupar os espaços de uma determinada época. Sendo assim, todos estes elementos têm em si o caráter de indicadores e testemunhos históricos. Além da autenticidade, o mesmo documento produzido pela UNESCO traz também, como critério para inscrição na Lista, a integridade. Este conceito está diretamente relacionado à inteireza material do bem, sendo a sua condição física para transmitir os seus valores. Portanto, para as edificações civis históricas, este atributo trata-se, na verdade, da permanência dos elementos que as caracterizam enquanto documento histórico, ou seja, a presença física dos mesmos elementos criteriosos para análise da autenticidade. Além dos atributos de autenticidade e integridade, para um bem ingressar na Lista, ele deve também possuir um “valor universal excepcional” no campo da cultura, da arte ou da ciência. Este valor excepcional está definido no Guia “como uma significância cultural e/ou natural tão excepcional que transcende as fronteiras nacionais, sendo de importância comum para as gerações presentes e futuras de toda a humanidade.” (UNESCO, 2005). Estes três atributos, (autenticidade, integridade e significância), para serem preservados, tais como os valores intrínsecos ao bem, dependem das ações as quais o bem sofre com o passar do tempo. No caso de intervenções para adequações a novos usos, o modo como estas são conduzidas, podem interferir, ou não, nos valores e nos atributos do bem cultural. 2. O objeto de estudo: o Sítio Histórico de Olinda (SHO) 2.1. Caracterização geral O Sítio Histórico de Olinda é formado por um conjunto arquitetônico rico, com exemplares dos séculos XVI ao XX, e por seu traçado urbano original do século XVI. Esta área corresponde à cidade alta e seu entorno imediato, mais precisamente definido por um polígono de tombamento equivalente a uma área de 1,2 Km². Em 1979, este polígono foi expandido, inserindo uma área de proteção de entorno, correspondendo agora a uma área total de 10,4 Km². O SHO foi tombado pelo DPHAN6 em 1968, elevado a Monumento Nacional em 1980 e inserido na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO em 19827, como Patrimônio Cultural da Humanidade. 2.2. Delimitação da área de análise A área de análise deste trabalho corresponde ao núcleo urbano primitivo do Município de Olinda, compreendendo edifícios e áreas verdes de reconhecido valor arquitetônico, histórico, arqueológico, estético e sócio-cultural, que é envolvido por uma extensa área de entorno. Este espaço é hoje equivalente ao Polígono de Tombamento pelo SPHAN8 em 1968. Neste conjunto, está inserida a maior parte dos monumentos religiosos, civis e militares, além do casario do século XVI. 2.3. Legislação vigente Atualmente, o conjunto arquitetônico do SHO está protegido legalmente, na esfera federal pela Rerratificação da Notificação n ° 1.155/799 e, municipalmente, pela 6 DPHAN: Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 7 6.ª Assembléia Geral do Comitê do Patrimônio Mundial, realizada em Paris em dezembro de 1982. 8 SPHAN:Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 9 A Rerratificação da Notificação n ° 1.155/79 compatibilizou as legislações Federal e Municipal. Lei nº 4.119/7910, e pela Lei nº 4.849/92,11 Legislação Urbanística dos Sítios Históricos de Olinda, a qual tem como papel, segundo o seu próprio texto: “a definição de parâmetros que ordenam e direcionam o crescimento das cidades de forma a minimizar os efeitos negativos da urbanização intensiva, contribuindo para a garantia da qualidade de vida da população.” Assim, esta Lei funciona como um instrumento de controle dos aspectos urbanísticos da municipalidade, buscando: “Definição dos espaços urbanos para as atividades econômicas e sociais; Preservação e controle do meio ambiente; Preservação dos elementos naturais da paisagem urbana e dos sítios de valor histórico cultural; Controle do crescimento urbano e das densidades demográficas, através de padrões de ocupação; Estímulo e controle da localização e dimensionamento dos usos e atividades urbanas; Definição e hierarquização do Sistema Viário Municipal e Metropolitano; Melhoramento e elevação das condições naturais e do potencial sócioeconômico da cidade;” (Lei nº 4.849/92) Esta lei é estruturada a partir de uma metodologia, baseada em zoneamento, o qual identificou, áreas homogêneas, quanto a “aspectos históricos, arquitetônicos e urbanísticos, funções e densidade de ocupação por quadras” (Lei nº 4.849/92; pág. 4 ). De acordo com este zoneamento, o Sítio Histórico de Olinda, corresponde a Zona Especial de Proteção Cultural e Paisagística (ZEPC1). Dentro desta zona, esta lei define uma setorização relacionada com as características da tipologia arquitetônica, urbanística e paisagística, como também pelas funções urbanas que deverão exercer. Este zoneamento resultou numa “setorização do Conjunto Monumental, em setores predominantemente residenciais, setores de Comércio e Serviços e as áreas verdes”, sendo estas: Setor Residencial Rigoroso (SRR), Setor Residencial Ambiental (SRA), Setor Cultural do Alto da Sé (SCA), Setor de Interesse Turístico (ST), Setor Comercial 10 A Lei no 4.119/79 criou o Sistema Municipal de Preservação composto pelo Conselho de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda, pelo Instituto do Tombamento Municipal, pelo Fundo de Preservação e pela Fundação Centro de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda (FCPSHO). A Fundação foi extinta pela lei 4849/92 e substituída em suas atribuições pela Secretaria do Patrimônio, Ciência, Cultura e Turismo(SEPACCTUR), na gestão atual, Secretaria do Patrimônio e Cultura (SEPAC). 11 Substituiu o Livro III (Centro Histórico) da Lei nº 3.826/73 - Legislação Urbanística do Município de Olinda. A partir de abril de 2005 o controle do uso do solo na área do Sítio Histórico de Olinda passou a ser exercido pela Diretoria de Controle Urbano e Ambiental da Secretaria de Planejamento, Transportes e Meio Ambiente por decisão administrativa da municipalidade. do Varadouro (SCV) e Setores Verdes (SV). Já para a área de Proteção do Conjunto, os setores que a compõe são Setor Residencial (SR), em Setor Especial de Interesse Social (SEIS)12. Ainda na ZEPC 1, tem-se eixos viários os quais necessitam serem analisados de um ponto de vista diferenciado, os então denominados Eixos de Atividades Múltiplas 3 (Eam3), compostos especificamente pela Av. Sigismundo Gonçalves, Rua Santos Dumont, Rua do Sol, Rua do Farol, Av. Joaquim Nabuco e Estrada do Bonsucesso. Dentro deste zoneamento, os usos e atividades são garantidos, ou não, de acordo com a tabela abaixo: Tabela 1: USOS E ATIVIDADES PERMITIDOS NA ZEPC 1 Fonte: quadro 2 – anexo Lei N.º 4.849/92 ÁREAS USOS E ATIVIDADES PERMITIDOS SETOR RESIDENCIAL ZEPC 1 CONJUNTO MONUMENTAL RIGOROSO (SRR) SETOR RESIDENCIAL AMBIENTAL (SRA) ALTO DA SÉ (SCA) SETOR DE INTERESSE TURÍSTICO (ST) DO VARADOURO CONJUNTO PROTEÇÃO AO (SCV) ÁREA DE AC1, AC2, C1, C2*, E1*, E3*, HT1*, HT3*, GO1, COM1 H1, H3, CV1*, CV2*, PS1, SR1, SR3, TR*, AC1, AC2, C1, C2*, E3*, S1, HT1*, HT3*, GO1, COM1 SETOR CULTURAL DO H1, CV1*, CV2*, TR*, C1, HT1*, HT3*, SETOR COMERCIAL SETOR RESIDENCIAL (SR) SETOR ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL 12 H1, H3, CV1, CV2*, PS1, SR1, SR3, TR*, Deve submeter-se à legislação específica. GO1, COM1* H1, CV1*, CV2*, CV3, PS1, PS2, PS3*, DV1*, DV2*, DV3* AC1, C1, C2*, E1*, E3*, HT1*, HT3*, GO1, COM1 H1, CV1*, CV2*, CV3, CV4, PS1, PS2, SR1, SR3, TR*, DV1*, DV2*, AC1, E3*, S1, HT1*, HT3*, GO1, COM1 H1, H3, CV1, CV2, PS1, SR1, SR3, TR, AC1, AC2, C1, C2, E1, E2, E3, S1, HT1, HT3, GO1, COM1, I1 (SEIS) H1, H3, CV1, CV2, CV3, CV4, CV5, CV10, EIXOS DE ATIVIDADES CA1, PS1, PS2, PS3, C1, C2, E1, E3, S1, MÚLTIPLAS 3 (EAM3) HT1, HT3, SR1, SR3, TR, DV1, DV2, DV3, AC1, AC2, GO1, COM1, I1 LEGENDA: H CV CA PS SR ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ TR DV AC C E S ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ Habitação Comércio Varejista Comércio Atacadista Prestação se Serviços Serviços de reparação e manutenção Templos religiosos Diversões Ação Comunitária Cultura Educação Saúde HT GO GO1 ⇒ ⇒ ⇒ GO2 ⇒ COM I ⇒ ⇒ Serviços de hospedagem Serviços governamentais Postos Policiais e delegacias, Postos de informações turísticas; Repartições públicas, técnicos administrativos e de atendimento ao público. Comunicações Indústrias No que diz respeitos às intervenções a serem realizadas no casario do SHO, esta lei diz que, dentro do conjunto monumental, só poderão ser realizadas obras que se configurem como conservação, restauração, reforma e novas edificações e demolição, sendo estas definidas como: “§ 1º - Considera-se OBRA DE CONSERVAÇÃO a intervenção de natureza preventiva, que consiste na manutenção da edificação e na reparação de instalações e elementos não estruturais. § 2º Considera-se OBRA DE RESTAURAÇÃO a intervenção de natureza corretiva, que consiste na reconstituição da edificação, recuperando as estruturas afetadas e os elementos destruídos ou danificados, procurando entretanto preservar os elementos de maior relevância, que foram acrescidos ao longo do tempo, resguardando a história da edificação. § 3º - AS OBRAS DE REFORMA OU NOVA EDIFICAÇÃO deverão respeitar as características da vizinhança, nos aspectos de volumetria, implantação, forma e densidade de ocupação do terreno, tipo e inclinação da coberta, materiais de revestimento externo e esquadrias. § 4º As DEMOLIÇÕES, referentes especificamente á eliminação de acréscimos desvinculados do contexto arquitetônico ambiental, ou à necessidade de substituir elementos que serão reconstruídos, só poderão ocorrer quando da liberação do licenciamento correspondente.” (Lei nº 4.849/92) Estas definições relativas a cada tipo de obra, se diferenciam umas das outras de forma muito clara, mas em quanto limitação da intervenção em si, trata-se de uma conceituação muito genérica, a qual depende de uma interpretação subjetiva do que merece (ou não) ser preservado. Este amplitude conceitual pode ser percebida, por exemplo, na definição de “obra de restauração”, quando diz: “... procurando, entretanto, preservar os elementos de maior relevância...”. Este julgamento enquanto a relevância dos elementos a serem preservados é algo que depende da sensibilidade de cada um, visto que é algo subjetivo, ainda que, como deve ser, galgada em pesquisas historica e arqueologica, além dos demais métodos investigativos balizadores para o reconhecimento da validade dos elementos. Assim, este tipo de conceituação dá margem a um enorme leque de interpretações que interferem diretamente nas possiveis posturas intervencionistas a serem adotadas. O uso institucional governamental no SHO Segundo a Lei Urbanística do SHO, Lei 4849/92, o uso institucional governamental, descrito na legenda da tabela anexa da lei (ver tabela 1), como GO2, sendo este referente a repartições públicas, técnicos administrativos e de atendimento ao público. Este uso, de acordo com a legislação, não está permitido em nenhum setor do Conjunto Monumental. Ainda assim, apenas uma, de todas as repartições públicas do Município, encontra-se fora do SHO. Atualmente, tem-se no total de quinze repartições públicas dentro do conjunto monumental, sendo uma federal e quatorze municipais. Dentre as repartições públicas instaladas atualmente no SHO, encontram-se o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a SEPAC (Secretaria de Patrimônio e Cultura), órgãos responsáveis pela preservação do SHO. Ao confrontar o mapa de zoneamento da Legislação em análise, com o mapeamento das repartições públicas, vê-se que, além do grande número de repartições instaladas, a maioria delas encontra-se instaladas no Setor Residencial Rigoroso. 3. Análise da interferência deste uso na preservação das edificações analisadas 3.1. Universo da análise Para identificar uma postura intervencionista para adequação deste tipo de uso no casario do SHO, o universo da análise irá elencar intervenções em edificações de tipologias distintas e que evidencie a postura de uma determinada década. Sendo assim, as edificações consideradas como casos emblemáticos de posturas intervencionistas para adequação ao uso governamental foram: Palácio dos Governadores, Sede da SEPAC (Rua de São Bento, nº160), Escritório Técnico do IPHAN (Igreja do Carmo) e Escritório técnico do IPHAN (Rua do Amparo, nº 59). Devido à dificuldade de acesso aos projetos de intervenção selecionados, a análise partirá de levantamentos arquitetônicos e outros projetos das edificações analizadas, os quais mostrem a disposição interna, como também, levantamento fotográfico e entrevistas acerca dos projetos com seus respectivos autores e técnicos dos órgãos competentes, SEPAC e IPHAN (vide anexo I). 3.2. Metodologia de análise das intervenções A análise das intervenções para adequação ao uso institucional governamental do casario do SHO passará por três fases, sendo estas: 1. Enquadramento da intervenção nos conceitos de Conservação; Restauração; Reforma e novas edificações e Demolição, descritos na lei 4849/92 (ver item acerca da legislação); 2. Identificação da postura intervencionista através da preservação (ou não) das composições estilísticas, tipológicas e construtivas; I. II. Modificações nas fachadas / elementos estilísticos; Modificações na tipologia arquitetônica: a. Modificações na coberta; b. Alteração no número de pavimentos; c. Modificação da disposição dos espaços internos; d. Modificação da volumetria a partir da inserção de novos volumes (acréscimos de área construída). III. Modificação na disposição no lote (em caso de acréscimos de área construída): IV. a. Aumento da taxa de ocupação; b. Redução dos recuos frontal, lateral e posterior; c. Redução da massa vegetal (quintais) Modificação das técnicas construtivas. 3. Interferência na autenticidade e na integridade das edificações. 3.3. A Análise Esta análise visa identificar o impacto das intervenções de adaptação do uso institucional governamental, nos imóveis de importancia cultural do Sítio Histórico de Olinda. Para tanto, serão identificadas as posturas projetuais, a interferencia na tipologia arquitetonica do bem, a alteração na sua implantação e de suas técnicas construtivas. 3.3.1. Palácio dos Governadores A construção do Palácio dos Governadores é datada do século XVII, para abrigar o Paço da Assembléia Constituinte e Legislativa da Confederação do Equador. Posteriormente, em meados do século XIX, foi utilizado como lugar onde se realizavam os cursos jurídicos, além de Teatro, Fórum e Colégio, ultimamente é sede do Poder Executivo de Olinda. Atualmente, a edificação tem ainda a mesma conformação do século XIX, pois as intervenções realizadas para seus sucessivos usos preservaram a sua tipologia, volumetria, unidade estilística e técnicas construtivas. A intervenção realizada para abrigar o uso institucional foi, segundo a conceituação adotada pela Lei 4849/92, uma obra de restauração. Este projeto, desenvolvido no ano de 1982, de autoria de Neide Fernandes, técnica da FUNDARPE, teve como orgão financiador, a Fundação Centro de Preservação, e posteriormente, o IPHAN. A obra, que aconteceu no período de 1982 a 1986, teve como objetivo não apenas a adequação ao uso institucional, mas também retirar o edifício do estado de arruinamento. Segundo os técnicos entrevistados, a postura intervencionista adotada na restauração, este teve uma preocupação não apenas com a manutenção da composição volumétrica e tipológica da edificação, mas também das suas técnicas construtivas. Esta conduta está espelhada nos princípios da Carta de Veneza, e de muitos documentos subseguintes sobre o tema, sendo assim, aprovada pelas Cartas Patrimoniais. A parte da obra relativa a adequação, trata-se, na verdade, da inserção de blocos de banheiros, copa e instalações de serviço. Há pouco, no ano de 2009, foi desenvolvida um projeto de acessibilidade para o Palácio dos Governadores. Nesta proposta, as modificações são a reconfiguração da bateria de banheiros e demais áreas molhadas, a inserção de um elevador e uma rampa de acesso em sua fachada frontal. Desta proposta, só foi executada a reforma das áreas molhadas, as demais etapas do projeto não tem previsão de execução. Desta forma, atualmente, da edificação encontram-se preservadas a tipologia, a volumetria, a unidade estilistica e as técnicas construtivas, sendo assim, constatável que a intervenção de 1982, como a adequação dos banheiros e copa à acessibilidade, não afetaram nem a autenticidade nem a integridade deste bem. 3.3.2. Sede da SEPAC (Rua de São Bento, nº160) A sede da Secretaria de Patrimônio e Cultura, localizada na Rua de São Bento, nº 160, faz parte do conjunto edificado do Sitio Histórico de Olinda, estando localizado dento do Setor Residencial Rigoroso, dito pela Lei 4849/92. A edificação, antes de abrigar o uso governamental institucional, a atual Sepac, funcionava como residência. Sendo assim, para adequação ao seu novo uso, foi realizada uma intervenção, datada de 1983, assinada por Tânia Goes, técnica da Fundação Centro de Preservação (atual SEPAC). Esta intervenção se configura, de acordo com a conceituação adotada pela Lei 4849/92, como uma obra de reforma. A postura intervencionista adotada no projeto, em 1983, teve como preocupação a manutenção da volumetria da edificação. A tipologia foi alterada, no pavimento térreo, pela inserção da bateria de banheiros, no primeiro pavimento, pela retirada da maior parte das paredes internas e inserção de copa e banheiros, e pela eliminação do sótão e inserção do mezanino. A intervenção também inseriu novas técnicas construtivas, pois para um reforço estrutural, substituiu as vigas de madeira por vigas de concreto, e na retirada do assoalho, foram instaladas lajes de concreto para o mezanino. A conduta projetual, como também a inserção de novos materias, e a distinguibilidade entre novo e antigo, faz parte do argumento da Carta de Atenas, mas esta, dentro do contexto atual, ou até mesmo do ano da reforma, já era considerada ultrapassada. De acordo com o referencial atual, esta obra agride a integridade deste bem. 3.3.3. Escritório Técnico do IPHAN (Igreja do Carmo) A Igreja do Carmo de Olinda foi a primeira igreja Carmelita construída no Brasil, datada do período de 1580 a 1620. Esta já passou por várias restaurações desde o século XVIII. Por motivos estruturais, a Igreja parou de funcionar como ordem religiosa. Na década de 1980, a fim de estudar os problemas estruturais, foi montado um laboratório da Universidade Federal de Pernambuco. Em 1984, o local onde funcionava este laboratório, deu espaço a sede do IPHAN OLINDA. Para instalação deste orgão, Abel Acioly, técnico do IPHAN, fez o projeto de adequação, o qual foi financiado pela FUNDAÇÃO PRO MEMÓRIA. Este projeto, caracterizado como reforma, de acordo com a conceituação da Lei 4849/92, se consistiu na inserção de um mezanino, em estrutura metálica, na ala conventual. Para instalação do mezanino não foi necessária demolição de nenhuma parte da ala conventual, e a sua estrutura é totalmente independente da estrutura da Igreja, podendo ser considerada uma intervenção reversível, como defendido na Carta de Veneza e muitos outros documetos internacionais. Foi tambem realizada uma intervenção na coberta, devido ao estado de conservação que esta se encontrava. Esta intervenção mateve a volumetria da edificação, pois a inclinação, o alinhamento e a dimensão da coberta original foram mantidos. Houve modificação nas técnicas construtivas, numa postura projetual que visava a distinguibilidade da intervenção, da parte original da edificação. Esta intervenção, enquanto as reformas a instalação do uso institucional governamental, consegue manter a espacialidade da edificação, tendo então mantidas a autenticidade e a integridade da edificação. O grande impacto está na significância, pois o novo uso não dialoga com a vocação da edificação, enquanto templo religioso. 3.3.4. Escritório Técnico do IPHAN (Rua do Amparo) No ano de 2008, por ordem judicial, o IPHAN perdeu o direito de estar instalado na Igreja do Carmo, sendo esta, oficialmente desde então, propriedade da Província Carmelitana Pernambucana13. Sendo assim, o IPHAN, teve que procurar novo abrigo para a instituição, sendo este o imovel da Rua do Amparo, nº 59. Para tanto, este imovel está passando por intervenções para receber o IPHAN. A locação do IPHAN, neste imovel, se dará em duas edificações distintas, pertencentes ao mesmo lote, o núcleo original e uma edificação anexa a esta. A primeira edificação trata-se de uma casa, que por sua fachada principal (Rua do Amparo), tem-se a percepção de uma edificação de um único pavimento. Mas, devido ao seu pé direito, e por configurar-se de acordo com a topografia do terreno, esta tem, na verdade, dois mezaninos e um sotão. 13 Projeto de Lei nº 4589/2004 de autoria do deputado Roberto Magalhães que dispõe sobre a devolução da Igreja de NS do Carmo de Olinda para a Província Carmelitana Pernambucana. A intervenção realizada nesta edificação se coloca com uma postura mais de manutenção e reparos, do que uma reforma. Isto porque irá aproveitar a maior parte da estrutura existente. A disposição dos ambientes, se dará por estruturas móveis, sendo então, uma intervenção considerada reversível. A reforma se dará apenas na instalação dos banheiros de acordo com as normas de acessibilidade. Há uma modificação na coberta, com a inserção do forro de madeira, mas toda sua estrutura, inclinação, alinhamento e comprimento são mantidos. A intervenção realizada no anexo, por se tratar de uma edificação dita sem importancia histórica, teve uma postura projetual, de acordo com a Lei 4849/92, como Reforma ou Nova Edificação. Esta obra inseriu uma marquize na sua fachada frontal, adaptou os espaços internos, inseriu divisórias de vidro, fez aberturas nas fachadas para iluminação e ventilação natural e modificou os materiais (pisos). Considerações finais O presente artigo, se dispôs a realizar um confrontamento entre a restrição legal a instalação do uso institucional governamental no Sítio Histórico de Olinda, descrita na Lei 4849/92, com o impacto nos valores e nos atributos das edificações que hoje abrigam este uso. Este impacto diagnosticado se deu através da análise de quatro intervenções para adequação das edificações a este uso. A escolha destes quatro projetos, se deu pela diversidade entre eles, pela distancia temporal entre as intervenções, as posturas projetuais adotadas e pelas tipologias arquitetônicas. Esta análise visou relacionar a postura intervencionista adotada com os conceitos ditados pelas cartas patrimoniais, e identificar a interfêrencia na autenticidade e na integridade das edificações elencadas. Diante desta, concluiu-se que, a interferência, ou não, deste uso na autenticidade e na integridade dos bens, se dá muito mais pela postura projetual adotada, do que pela própria necessidade programática do próprio uso. É fato que o Sítio Histórico de Olinda tem uma vocação para o uso residencial, mas isto não implica, do ponto de vista da preservação dos atributos das edificações de seu conjunto, na não adequabilidade de seus imóveis a outros usos,como por exemplo, o uso institucional governamental. Referência Bibliográfica: CHOAY, Francoise. A alegoria do patrimônio. Ed. Unesp, 2001. FILHO, Jaime de A. Gusmão. A cidade histórica de Olinda. Problemas e soluções de engenharia. Ed. Universitária UFPE,2001. IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Cartas Patrimoniais. Brasíllia, IPHAN, 1995. MENEZES, José Luiz Mota. Evolução Urbana e Territorial de Olinda: do Descobrimento aos Tempos Atuais - A Vila de Olinda - 1537-1630. PINA, André Renato. Transformações no espaço de habitação do Sítio Histórico de Olinda. Recife, 2006. VARGAS, Heliane C. & CAASTILHO, Ana Luiza H. Intervenções em Centros Urbanos: Objetivos, Estratégias e Resultados. São Paulo, Manole, 2005. ZANCHETTI, Silvio M.; MARINHO, Geraldo; MILET, Vera (Org.). Estratégias de intervenção em áreas históricas. Recife: MDU/UFPE, 1995.